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O Club 21062022
O Club 21062022
A Lourinhã, concelho rural, desde sempre teve interesse em defender a sua cultura e em
promover a sua História. Talvez por vezes não tenha sido bem-sucedida e essas referências acabaram
destruídas e perdidas no tempo. Compete à memória coletiva trabalhar para recuperar o que ainda for
possível e registar para as gerações vindouras.
Como sempre ouvi falar “do clube”, das festas, dos bailes, dos teatros e das sessões de cinema,
tomei por iniciativa investigar até onde as fontes me levassem. Infelizmente são muito poucos os
registos documentais que permitem uma análise mais detalhada para a reconstrução da História do
Club(e). Foi possivel consultar alguns processos nos arquivos da administraçao central, como o Arquivo
Histórico da Secretaria Geral do MAI ou a Direção-Geral do Livro, dos Arquivos e das Bibliotecas.
Felizmente, ainda há gerações de Lourinhanenses que conheceram os tempos áureos do Club(e) e me
foram relatando as suas memórias. Porque a História também se recupera através dos arquivos orais.
Introdução
Corria o reinado de D. Luís, 1861 a 1889, um reinado relativamente tranquilo, marcado pela paz
e pelo progresso. O rei era um homem culto, de grande sensibilidade artística, que pintava, compunha e
tocava violoncelo e piano. Era também um entusiasta da investigação cientifica oceanográfica, sendo o
principal financiador de projectos cientificos marinhos e de barcos equipados para essas campanhas,
percurso que foi seguido pelo filho, Rei D.Carlos. Seguindo a tradição de D. Maria II, sua mãe, mandou
construir e fundar muitas associações culturais.
A Lourinhã não era excepção e o associativismo deixava a sua marca. Em 1878, fundam-se
a Philarmónica Lourinhanense e a Tuna Lourinhanense. Em 1888, a Associação Recreativa e Cultural Club
Recreativo 14 de Julho. A 30 de Novembro de 1902 sai a primiera ediçao do jornal A Tentativa, e dois
mais tarde, falido o projeto, foi substituído pelo O Imparcial. Em 1905, nasce a Associação de Socorros
Mútuos (da Classe Operária) 1º de Maio e em 1907, o Sport Club Lourinhanense. Era forte o sentimento
do colectivismo local.
Localização
O Club situava-se numa das mais antigas ruas da vila, a anterior Rua de Trás dos Currais
renomeada como Rua do Clube, que confronta com o Largo das Aravessas e com o Largo dos Celeiros. No
artigo 3º dos Estatutos podemos ler «Para conseguir estes fins [recreativos da sociedade], a sociedade
fará aquisição de casa (por arrendamento ou compra conforme a assembleia geral tiver por conveniente)
bem como de mobilias, livros, jornais, ilustrações, bilhar, jogos diversos, etc…».
A associação de recreio foi então registada como Sociedade Club Recreativo 14 de Julhoii, fundada
na Sala de Sessões da Sociedade a 18 de Novembro de 1888, sediada na freguesia e concelho de Lourinhã,
como testemunha o Alvará de aprovação nr. º 11. O seu capital inicial foi de 431$000 reis obtido por
subscrição e por pagamento de jóia, sendo mensal o pagamento das suas quotas.
A 26 de Outubro de 1924 é emitido o Atestado de existência do Clube, assinado pelo Secretário interino
da Junta de freguesia da Lourinhã, Acácio D' Oliveira Viegas, na Casa de Sessões e atestado pelo regedor
da vila, António Manuel Canoa, sendo o mesmo documento datado de 28 de Outubro de 1924. Segue-se
a 30 de Outubro [de 1924] a apresentação de proposta para alteração dos Estatutos, cuja renovação foi
deferida a 30 de Novembro do mesmo ano.
Os Sócios e Estrutura
Na estrutura contava com sócios fundadores, ordinários e extraordinários e suas famílias, desde
que fossem maiores de 21 anos, exemplos de bom comportamento e com posição social. Os sócios
fundadores e ordinários propunham por carta fechada ao presidente da Direção, os novos associados,
desde que fossem pessoas das suas relações, maiores de 21 anos e não residentes na vila.
Integraram os primeiros corpos sociais, enquanto sócios- fundadores, José Henrique Palma de Almeida,
Presidente da Assembleia Geral, como Presidente de Direção, Augusto Simões Ferreira Cunha, como
Secretário, António Maria Roque Delgado e Francisco de Paula Furtado, por Tesoureiro. Entre os sócios
fundadores e ordinários maiores de 21 anos, elegiam-se anualmente os corpos sociais, para a Assembleia
Geral e a Direção, a quem competia a gestão.
Já no dia 6 de Junho de 1950, em resposta à Circular C/25 de 27 de Maio do Governo Civil de Lisboa, o
Club remete a relação dos cargos dos Corpos Gerentes para Direcção eleitos na Assembleia Geral de 15
de Dezembro de 1949.
Legenda: resposta à Circular C/25 de 27 de Maio de 1950
Missão e atividades
O Clube tinha por missão «o emprego de todos os meios que possam recrear os sóciosiv», uma
vez que representava o pólo cultural e social do concelho, permitindo aos seus sócios acesso a eventos
culturais como a leitura, o cinema, peças de teatro, exposições e eventos sociais como sarausv, jogos e
bailes e corridas de bicicletas.
Numa época em que Lisboa recebia os mais famosos actores e actrizes internacionais, como
Sarahh Bernhardt, que passou pela capital em 1905 e foi recebida pelos Duques de Palmelavi, no Club da
Lourinhã era comum organizarem-se reuniões familiares de Natal, de Ano Novovii e bailes de máscaras
pelo Carnavalviii, como podemos reler nas notícias publicadas n’ O Imparcial, de 1908.
Já as peças de teatro eram representadas por Companhias de nível nacionalix e também pelo grupo de
teatro local, composto pelos sócios e seus familiares, como Orlando Furtado ou Artur Almeida, entre
outros.
No salão do Clube encontravam-se duas imponentes telas a óleo assinadas pelo pintor Valle,
representativas de danças, uma de baile de salão e outra de um baile campestre. Estas obras actualmente
podem ser observados na exposição permanente do Museu da Lourinhã, que as resgatou depois de
encerrado o Clube. Sobre o pintor Valle, desconhece-se a sua origem ou outras obras. Segundo relato de
Horário Mateus, talvez tenha sido um pintor galego, pois a dança campestre representada na obra com a
sua assinatura, representará uma dança tradicional galega. Contudo, estas informações não são possíveis
de verificar.
A atividade do Clube, como fundada, manteve-se até à década de ’50 e com a eleição de novos Corpos
Gerentes foram-se alterando também os registos das suas actividades.
Legenda: Fotografia dos bailes realizados no salão da Associação, com a banda local em fundo.
Conclusão
Nas décadas de ’60 e ’70 o cinema funcionava no salão do Clube e consta que foi também neste
salão que em 1969 Mário Soares presidiu a uma sessão de esclarecimentos, quando regressou do exilio
em São Tomé e Principe. Através de relatos de lourinhanensesx que por lá viveram a sua adolescência,
sabemos que, na época, ainda se ouvia música, se dançava e se assistia as sessões de cinema e de
televisão, já que esta estava nos seus primórdios e nem todos tinham um aparelho em casa. Mantinha-se
também a sala de jogo, com mesas de bilhar e de ping-pong, um pequeno bar e uma sala de convivio,
isto até finais da década de ’70. Terá sido encerrado e a actividade dada por terminada na década de ’80
e o edificio do Clube, de que tantos falam com saudade, foi entretanto substituido por um bloco de
apartamentos habitacionais.
Sofia Pina,
i Projecto d’ Estatutos do Club Recreativo 14 de Julho da Lourinhã, Processo número 215, Tribunal Ordinário do Contencioso
Administrativo, 8 de Julho de 1890. Arquivo da Secretaria Geral do Ministério da Administração Interna.
iiEstatutos, 1888, Arquivo da Secretaria Geral do MAI, https://agc.sg.mai.gov.pt/details?id=573455
iii Arquivo da Secretaria Geral do Ministério da Administração Interna.
iv artigo 2º dos seus Estatutos
v In O Imparcial, 1908
vi
in Ilustração Portugueza
vii In O Imparcial, 1908
viii In O Imparcial, 1908
ix
In O Imparcial, 1908
x Registos orais: Elisabete Marteleira, Franco de Oliveira, Horácio Mateus