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TEOLOGIA DO CULTO

O Culto e seus Princípios

I – Introdução
Este brevíssimo ensaio versa sobre o tema em relevo através de três perguntas:
(1) o que é o culto, (2) a quem é prestado culto, e (3) como oferecer culto?

II – O que é cultuar?
A palavra “culto” deriva do Latim, cultu, e significa adoração ou homenagem a
Deus.   Etimologicamente, o termo latino cultu envolve a raiz colo, colere, que
1

indica “honrar”, “cultivar”, etc. Classicamente, os reformados ortodoxos definiram


“religião” como recta Deum colendi ratio, “a maneira correta de honrar a Deus”.    2

Os principais termos que descrevem o ato/atitude de “culto” são o Hebraico,


‫החָ ָׁש‬ (shachah) e o Grego, προσκυνέω (proskuneo). Essas duas palavras e seus
derivados correspondem a 80% do uso cúltico bíblico. O primeiro vocábulo,
shachah, significa “inclinar-se, prostrar-se”, como, por exemplo: “E acontecerá que
desde uma lua nova até a outra, e desde um sábado até o outro, virá toda a carne
a adorar [lit. “prostar”] perante mim, diz o Senhor” (Is. 66:22). A segunda
palavra, proskuneo, indica originalmente “abaixar-se para beijar”, vindo a indicar
“prostrar-se para adorar”, “reverenciar”, “homenagear”, etc.   O exemplo clássico
3

sai da boca de Jesus: “Deus é Espírito, e é necessário que os que o adoram


[προσκυνοῦντας] o adorem [προσκυνεῖν] em espírito e em verdade” (Jo. 4:24).

Há ainda dois importantes termos que expressam ideias de culto. O primeiro é ָ‫דבַע‬
(abad), “servir”, “trabalhar”. Por exemplo, Yaweh diz a Moisés: “Certamente eu
serei contigo; e isto te será por sinal de que eu te enviei: Quando houveres tirado
do Egito o meu povo, servireis a Deus neste monte” (Êx 3:12). A segunda palavra
é λατρεία (latreia), “servir”, como visto no diálogo de Cristo com o Diabo: “Então
ordenou-lhe Jesus: Vai-te, Satanás; porque está escrito: Ao Senhor teu Deus
adorarás [προσκυνήσεις], e só a ele servirás [λατρεύσεις]” (Mt 4:10). É interessante
notar que um dos locus classicus de adoração e culto utiliza este termo para
descrever a entrega do corpo a Deus como “culto racional” [λογικὴν λατρείαν] (Rm.
12:1).
O que se pode concluir deste rápido estudo etimológico? “Cultuar” envolve tanto a
‘homenagem ou reverência’ a Deus, quanto o ‘serviço’ a sua Pessoa!

III – Quem é cultuado? (Deus enquanto sujeito)


Antes de qualquer asserção a respeito do Deus que se pretende “definir”, é mister
salientar que toda tentativa de descrever o Ser de Jeová envolve a sua própria
auto revelação. Enquanto sujeito, Deus é conhecido tão somente de acordo com
as condições que Ele mesmo deseja e impõe através da revelação. Ele jamais
deve ser objetificado, pois o mesmo é completamente livre e não
uma coisa e/ou criatura que pode ser manipulável por seres humanos.4 

A divindade da revelação Judaico-Cristã é o Criador de tudo (Gn.1). Este mesmo


ser Criador estabeleceu aliança com um povo em particular (Abraão, Isaque e
Jacó; Gn. 12-35; Israel; Êx. 19:1-24:18, Concerto Sinaítico; etc.), e redimiu esse
povo (Êx. 3:1-16:36). Esse Ente é transcendente e imanente! Ou seja, Ele é santo,
inacessível e misterioso (Sl. 99), mas também está perto “de todos os que o
invocam… Ele acode a vontade dos que o temem; atende-lhes o clamor e os
salva”. (Sl. 145:18-19). Um exemplo bem forte e pontual de ambas características
divinas (transcendência e imanência) vem do profeta Isaías. “Porque assim diz o
Alto, o Sublime, que habita a eternidade, o qual tem o nome de Santo: ‘Habito no
alto e santo lugar, mas habito também com o contrito e o abatido de Espírito, para
vivificar o Espírito dos abatidos e vivificar o coração dos contritos’” (Is. 57:15).

Como consequência direta da citada imanência, esse ser é (contrário ao Deísmo)


capaz de intervir na criação. Por outro lado, devido a sua transcendência, Deus
não pode ser (contrário ao Panteísmo) equiparado e/ou confundido com a criação.
Ele é totalmente outro, Ele é um Rei que age segundo o seu beneplácito, e nunca
um ídolo manuseável (cf. doutrina da aseidade divina).

Desde o início da revelação, o Criador tem se mostrado plural em unidade. A


unidade, por sinal, era a ênfase do monoteísmo veterotestamentário. O fato que
Deus é um pode ser visto no Shemá, recitado pelos judeus: “Ouve, Israel, o
Senhor nosso Deus é o único Senhor. Amarás, pois, o Senhor, teu Deus, de todo o
teu coração, de toda a tua alma e de toda a tua força”. Muitas outras referências
poderiam ser apresentadas atestando o monoteísmo Judaico. Por exemplo: “Eu
Sou o Senhor, e não há outro; além de mim não há Deus; Eu te fortalecerei, ainda
que tu não me conheces. Para que se saiba, até ao nascente do sol e até o
poente, que além de mim não há outro; Eu Sou o Senhor, e não há outro” (Is. 45:
5-6).

Por outro lado, como já dito, há pluralidade no seio do Altíssimo. Logo no começo
da Bíblia já se vê que a estrutura da Deidade não é monolítica. Ao decidir criar, Ele
assevera: “Façamos o homem a nossa imagem e conforme a nossa semelhança”
(Gn. 1:26). Nota-se nesse texto que tanto o verbo quanto os pronomes são
utilizados na primeira pessoa do plural. A mesma coisa é observada mais tarde na
Queda edênica: “Eis que o homem se tornou como um de nós, conhecedor do bem
e do mal” (Gn. 3:22). Há muitas outras ocasiões no Antigo Testamento que
mostram que Deus é plural em seu interior.   
5

Levando em conta a revelação orgânica apresentada pelas Escrituras, no Novo


Testamento a pluralidade de Deus apresenta-se como Trindade. A unidade de
Deus é inferida como Trindade de pessoas. O quadro clássico dessa apresentação
é a cena do Batismo de Jesus. Temos aqui a pessoa do Filho sendo batizado, a
pessoa do Pai aparecendo em forma de voz, e a pessoa do Espírito Santo
mostrando-se em forma de ave (Mt. 3:16-17). Apoiando tal interpretação, a Grande
Comissão é articulada Trinitariamente: “Fazei discípulos de todas as nações,
batizando no nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo”. De igual modo, a bênção
paulina é efetuada em nome do Deus Trino: “A graça do Senhor Jesus Cristo, e o
amor de Deus, e a comunhão do Espírito Santo sejam com todos vós” (2Co.
13:13). Note-se que tanto na Grande Comissão como na citada benção, o Espírito
Santo é colocado em pé da igualdade com a pessoa do Pai e a pessoa do Filho.
Consequentemente, a pessoa do Espírito possui o mesmo status que as pessoas
do Pai e do Filho. Outros muitos exemplos poderiam ser dados apontando na
direção da doutrina Trinitária do Deus que adoramos.  6

A ortodoxia cristã acabou por definir o ser divino como existente em três pessoas,
porém com a mesma essência (οὐσία). Pai, Filho e Espírito Santo,
respectivamente, Primeira, Segunda e Terceira Pessoas da Trindade possuem o
mesmo poder, glória e eternidade.
Para concluir da forma mais sumária e direta possível, como poderíamos
responder a pergunta: quem é Deus? O maior teólogo do século XX, o Suíço Karl
Barth (1886-1968) dizia o seguinte: “Você quer saber quem é Deus? Você deseja
saber quem criou este universo com bilhões de estrelas, e com distâncias
inimagináveis? Olhe para o rosto barbado de Jesus de Nazaré”.  7

IV –  Como Deus deve ser cultuado (princípios)


À guisa de melhor elucidação, é de bom siso verificar-se “como Deus não deve ser
cultuado”, antes de tentar-se estabelecer “como Deus deve ser cultuado”. Para
tanto, dois princípios de antropologia hebraica podem ser úteis, a saber, (1)
unidade individual e (2) unidade corporativa.

IV.1. – Unidade individual


A ‘unidade’ do ser humano ou ‘integridade’   do indivíduo—como articulada no
8

Antigo Testamento—apresenta um excelente contra ponto ao Dualismo Platônico


Ocidental. De maneira geral, esse Dualismo ensinava que a matéria era má e o
espírito bom, que o corpo corrupto era habitado por uma alma preexistente boa e
pura, alma essa possuidora de um conhecimento inato derivado da contemplação
de Ideias eternas.   Pode se derivar facilmente desse platonismo uma divisão entre
9

mundano e santo, profano e sagrado, material e espiritual, vida secular e vida


cúltica. Nesse modelo, a pessoa poderia levar uma vida torpe e vulgar por ser o
corpo material e, ao mesmo tempo, levar uma vida de adoração irrepreensível.

A antropologia hebraica distingue o material do espiritual sem, todavia, separá-los.


O ser humano é uma unidade indivisível de corpo e alma! Consequentemente, é a
pessoa como um todo que cultua a Deus. Jeová é visto como aquele que perdoa o
pecado interior e, simultaneamente, cura o corpo e o supre com riquezas:
“Bendize, ó minha alma, ao Senhor, e tudo o que há em mim bendiga ao seu santo
nome… Ele é quem perdoa todas as tuas iniquidades; quem sara todas as tuas
enfermidades; quem da cova redime a tua vida e te coroa de graça e misericórdia;
quem farta de bens a tua velhice,… (Sl. 103: 1, 3-5a). Essa unidade, então, faz do
indivíduo um ser íntegro, um ser composto de material e imaterial, porém
indivisível e, portanto, devendo prestar culto como um todo.
Uma consequência direta da integridade da pessoa é a rejeição do formalismo. Em
relação à atividade cúltica, o termo, ‘formalismo’, pode ser definido como culto
exterior divorciado de conteúdo interior. Os profetas da Antiga Aliança atacaram
duramente tal formalismo. Através da ênfase na ‘forma’, todo o aparato levítico era
fielmente seguido, enquanto que, concomitantemente, o suborno era cometido, o
justo perseguido, o pobre rejeitado (Am. 5:2); …e ainda, o roubo era praticado, o
crime perpetrado, o órfão e a viúva ignorados (Is. 1:21-23). Noutras palavras, as
belas ordenanças e festas comandadas pela Torah eram mantidas em meio a um
caudal de impiedade e hipocrisia (Is. 1:10-16). Jesus, de igual modo, censurou o
culto hipócrita: tanto a esmola como a oração não deveriam chamar a atenção (Mt.
6:2-5). A estrita observação da forma—como no caso dos escribas e fariseus—era
um contra senso quando a piedade pessoal era descartada (Mt. 23:1-33).  10

IV.2. – Unidade corporativa


O individualismo contemporâneo—no qual o indivíduo é uma ilha completamente
separável de sua comunidade—pareceria estranho ao povo da Velha Aliança. No
Antigo Testamento tanto bênçãos quanto maldições eram prometidas à
comunidade como um todo: “Eu sou o Senhor teu Deus, Deus zeloso, que visito a
iniquidade dos pais nos filhos até a terceira e quarta geração daqueles que me
aborrecem, e faço misericórdia até mil gerações daqueles que me amam e
guardam os meus mandamentos” (Êx. 20:5 e 6).  11

O mesmo conceito de unidade corporativa pode ser visto reiterado na


transversalidade dos testamentos: “E por assim dizer, também Levi que recebeu
dízimos, pagou-os na pessoa de Abraão. Porque aquele ainda não tinha sido
gerado por seu pai, quando Melquisedeque saiu ao encontro deste” (Hb. 7:9-10). 12

Este princípio demonstra que há pontos de conexão entre o indivíduo e a


comunidade que ele pertence. Por exemplo, aquele que alega cultuar
individualmente a Deus, mas insiste em não fazer parte da igreja local, “nega” a
unidade corporativa e abdica da participação no corpo visível de Cristo. Isto
representa uma anomalia combatida pela própria Bíblia: “Não deixemos de
congregar-nos, como é costume de alguns;…” (Hb.10:25).

IV.3. – Introdução a ‘princípios do culto Cristão’ (1Co 11-14)


Há uma grande diferença entre o culto no Antigo versus no Novo Testamento.
Enquanto que naquela Aliança havia um rico manual de procedimentos cúlticos,
nesta há apenas parcos e gerais princípios de adoração. “A religião do judeu era
repleta de tipos, símbolos e figuras; a religião de Cristo contém apenas dois
símbolos: o Batismo e a Ceia do Senhor. A religião do judeu alcançava o adorador
principalmente por meio dos olhos; a religião do Novo Testamento apela
diretamente ao coração e a consciência… Os Judeus podiam abrir os escritos de
Moisés e achar rapidamente os itens de sua adoração; os cristãos podem apenas
indicar alguns textos e passagens isolados que devem ser aplicados a cada igreja,
de acordo com as circunstâncias”.  13

Uma dessas passagens encontra-se na primeira carta de Paulo aos Coríntios.


Desse texto, extrairemos seis princípios gerais relativos ao culto. São eles: amor,
autoridade, participação, inteligibilidade, reverência e edificação.

IV.3.i. O Princípio do amor


Não há dúvidas que o amor é um princípio cúltico. Tanto é assim que Paulo inicia
as discussões acerca da hierarquia dos dons com este princípio norteador: “Segui
o amor e procurai com zelo os dons espirituais, …” (1Co. 14:1). Os dons serão
corretamente exercitados se o amor estiver em primeiro lugar. O “amor”, aqui
ressaltado, não é mero emocionalismo. A palavra grega traduzida como “segui”
(διώκετε) foi apropriadamente rendida pela Nova Tradução na Linguagem de
Hoje (NTLH – SBB) como “esforcem-se para ter o amor”. Consequentemente, o
“amor” solicitado por Paulo é uma atitude voluntária que lubrificaria o
funcionamento dos dons na igreja. Tanto para os que apoiam quanto para os que
negam o cessacionismo,   o princípio do amor, obviamente, não mudou!
14

A falta de amor na igreja corintiana estava gerando divisões, contendas, ciúmes e


partidarismo: “eu sou de Paulo, eu de Apolo, eu de Cefas, eu de Cristo…” (1Co.
1:10-12; 3:3). A falta de amor estava fazendo com que um irmão levasse outro a
tribunal. Que tipo de culto pode haver quando “vós mesmos fazeis a injustiça e
fazeis o dano, e isto aos próprios irmãos?” (1Co. 6:6-8). A soberba do irmão,
supostamente “maduro”, revela a falta de amor para com o irmão fraco. Ao
participar na “mesa, em templo de ídolo”, o indivíduo demonstra falta de amor a
Deus (“mas se alguém ama a Deus esse é conhecido por Ele” – 1Co. 8:3) e falta
de amor ao irmão fraco (“…e assim por causa do teu saber, perece o irmão fraco
pelo qual Cristo morreu” – 1Co. 8:11). A falta de amor durante o culto Eucarístico
fazia com que um irmão passasse fome, enquanto o outro se embriagasse
(“porque ao comerdes, cada um tome antecipadamente a sua ceia; e há quem
tenha fome, o passo que há quem se embriague” – 1Co.11:21). A falta de amor
fazia com que pessoas em posição de maior autoridade menosprezassem os que
ocupassem posições inferiores. Embora Deus tenha estabelecido “primeiramente
apóstolos, em segundo lugar profetas, em terceiro lugar mestres”, etc. (1Co.
12:28);  é bom também levar em conta que “o mesmo espírito não pode dizer a
mão: não precisamos de ti… Pelo contrário, os membros do corpo que parecem
mais fracos, são necessários” (I Co. 12:21-22). Bem no meio das orientações
cúlticas, há um capítulo inteiro sobre a preeminência do amor ante qualquer dom,
seja dom sobrenatural, como “fé ao ponto de transportar montes” (1Co. 13:2); ou
natural, como conhecer “toda a ciência” (13:2); sacrifício extremo, como distribuir
“meus bens entre os pobres” (13:3); e até mesmo o martírio, entregando “meu
próprio corpo para ser queimado (13:3). Todas essas coisas são inúteis sem o
amor. Esse é o princípio sine qua non do culto verdadeiro e aceitável a Deus.

IV.3.ii. Princípio da autoridade


Antes de fornecer instruções para a celebração da Ceia do Senhor (1Co 11:17-34),
Paulo estabelece um princípio de liderança funcional masculina no ordenamento
das atividades cúlticas: a mulher deve estar em sujeição e o homem deve exercer
autoridade!

Aparentemente, a igreja em Corinto enfrentava uma situação semelhante a que


enfrentamos hoje, dado o fato daquela grei ter escrito a Paulo perguntando sua
posição a respeito de vários assuntos: “Quanto ao que me escrevestes, …” (1Co
7:1). Dentre outros assuntos (casamento, cap. 7; sacrifícios a ídolos, cap. 8; etc),
os coríntios indagaram o apóstolo a cerca da submissão feminina.

Paulo apresenta quatro razões para sustentar a liderança masculina. A primeira


reza que a relação entre Cristo e Deus encontra paralelo entre o homem e a
mulher. Deus é o cabeça de Cristo e o homem é o cabeça da mulher. Em ambos
os casos, a mesma palavra grega (κεφαλὴ) é utilizada. Cristo, com a mesma
essência e dignidade do Pai, possui um papel de sujeição diante de Deus. A
mulher, com a mesma essência e dignidade do homem, possui um papel de
sujeição relativo ao homem: “Quero, entretanto, que saibais ser Cristo o cabeça
[κεφαλὴ] de todo o homem, e o homem o cabeça [κεφαλὴ]da mulher, e Deus o
cabeça [κεφαλὴ] de Cristo” (1Co. 11:3). Portanto, a liderança masculina deve ser
mantida no culto. Ao abdicar sua posição ou função de autoridade, o homem
“desonra sua própria cabeça” (1Co 11:4).   Os papeis devem ser mantidos no
15

ambiente do culto desta maneira  porque Deus deu ao homem o papel de líder,
enquanto que à mulher foi dado o papel de coadjuvante (1Co. 11:7, “Porque, na
verdade, o homem não deve cobrir a cabeça por ser ele imagem e glória de Deus,
mas a mulher é glória do homem.” Cf. Pv. 12:4.). Ao homem foi dada a honra de
reger a criação: Adão recebeu domínio e autoridade sobre a ordem criada,
portanto o homem—funcionalmente—é a “imagem e glória de Deus”.   Por outro
16

lado, como vice-regente, a mulher leva a cabo o governo do homem,


representando-o de modo excelente. Esta magnífica embaixadora é a “glória do
homem”. Este ponto pode ser resumido da seguinte forma: da mesma maneira que
“o homem manifesta quão magnífica criatura Deus pode criar a partir de Si mesmo,
assim também a mulher manifesta quão magnífica criatura Deus pode criar a partir
do homem (Gn. 2:21-22)”.  17

Em seguida, Paulo apresenta duas outras razões para sustentar a liderança


masculina: primeiro, um argumento fundamentado na ordem da criação; e,
segundo, um argumento a partir da finalidade. No primeiro argumento, ecoando
Genesis 2 ,  o apóstolo afirma que o homem foi criado antes da mulher e essa tem
18

sua origem nele: “Porque o homem não foi feito da mulher; e, sim, a mulher do
homem” (1Co 11:8). Noutras palavras, o homem, por assim dizer, é “primogênito” e
“fonte” de onde veio a mulher. No segundo argumento, Paulo mostra que a
finalidade da mulher é ajudar o homem e não vice-versa: “Porque também o
homem não foi criado por causa da mulher; e, sim, a mulher, por causa do homem”
(1Co 11:9). 19

Estas três razões até aqui apresentadas—cabeça, criação e finalidade—são


claramente aculturais. Noutras palavras, não há aqui o elemento limitador cultural
que cerceie a aplicação do princípio de liderança masculina aos nossos dias. A
primeira razão—cabeça (κεφαλὴ)—transcende a própria criação; enquanto que as
duas últimas—ordem e finalidade—foram estabelecidas no ato da criação. 20
Ainda há uma quarta razão elencada pelo apóstolo, e essa com um viés cultural.
Paulo aponta para a subserviente ordem sobrenatural, alegando que os
poderosíssimos anjos que estão em perpétua e completa submissão a Deus
ficariam ofendidos ao ver insubmissão feminina. Noutras palavras, as mulheres
devem manter-se sujeitas não apenas por causa da ordem natural instituída na
criação, mas também por causa da ordem sobrenatural: “Portanto, deve a mulher,
por causa dos anjos, trazer véu na cabeça como sinal de autoridade” (1Co 11:10).
Enquanto que o véu perdeu o conteúdo representativo (o véu sobre a cabeça de
uma mulher hoje não transmite a mensagem de submissão que representava no
primeiro século), o princípio representado pelo véu—submissão à autoridade—
continua válido. A validade deste princípio é corroborada pelas três primeiras
razões apresentadas!

Por fim, Paulo afirma que a diferença de função não deve nos separar: ”No senhor,
todavia, nem a mulher é independente do homem, nem o homem é independente
da mulher. Porque, como provém a mulher do homem, assim o homem é nascido
da mulher; e tudo vem de Deus” (1Co 11: 11-12). Ou seja, espiritualmente somos
todos iguais, a despeito da manutenção dos papeis estabelecidos por Deus.

Diante de todos esses argumentos, não há como negar o fato de que, no geral,
compete ao homem liderar e a mulher ser liderada. Esta diferença de papeis não
implica, de modo algum, em inferioridade espiritual; essa diferença visa apenas a
ordem funcional do culto. Por sinal, cabe ressaltar que a mesma ordem é
normativa para o funcionamento do lar: em reverência a Cristo, esposas devem ser
lideradas pelos maridos, bem como filhos pelos pais (Ef 5:22-6:1). Assim, o
homem que não lidera bem a sua própria casa não deve liderar na igreja (1Tm 3:4-
5). Em uma sentença: o Novo Testamento atribui ao homem o papel de líder!

IV.3.iii. Princípio da Participação


Uma diferença marcante entre ‘cultuante’ e ‘espectador’ é a atividade daquele
versus a passividade deste. Enquanto o adorador interage no culto, o espectador é
um mero receptáculo. Uma palavra parece resumir tudo: participação!

Assim diz o apóstolo: “Que fazer, pois, irmãos? Quando vos reunis, um tem salmo,
outro doutrina, este traz revelação, aquele outro língua e ainda outro
interpretação…” (1Co. 14:26).  A pergunta que inicia o versículo em destaque
—“Que fazer, pois, irmãos?”—pode ser interpretada como apontando para
uma sugestão, um comando, ou uma narrativa: os comentaristas divergem quanto
ao exato significado dessa pergunta. Todavia, independente da mesma sugerir,
comandar ou meramente narrar o que estava acontecendo na igreja, não há
dúvidas que participação no culto não era privilégio apenas do oficiante. Ao
contrário, a dinâmica do culto envolvia a participação do auditório com salmo,
doutrina, revelação, língua e interpretação. Consequentemente, infere-se que a
participação coletiva no culto era normal na vida da igreja. A maneira como essa
participação deve acontecer hoje em nossas igrejas é facultado às mesmas
decidirem. O que não pode acontecer é a não participação dos crentes no culto!

IV.3.iv. Princípio da inteligibilidade


Deus criou o ser humano com a distinta capacidade da razão (homo sapiens). Daí
a habilidade de:  entender, inferir consequências, e agir à luz das informações que
chegam aos sentidos. O dito católico romano que alega que “a ignorância é a mãe
da devoção” é falso.   Imagens, sinais, linguagem, símbolos, representações e/ou
21

qualquer coisa que obstrua, ao invés de ajudar, o entendimento deve ser evitado.
“… , prefiro falar na igreja cinco palavras do meu entendimento, para instruir
outros, a falar dez mil palavras em outra língua. Irmãos, não sejais meninos no
juízo; na malícia, sim, sede crianças; quanto ao juízo sede homens amadurecidos”
(1Co 14:19-20). Diz mais o apóstolo, “… irmãos, se eu for ter convosco falando em
outras línguas, em que vos aproveitarei…? É assim que instrumentos inanimados,
como a flauta, ou a cítara, quando emitem sons, se não os derem bem distintos,
como se reconhecerá o que se toca na flauta, ou na cítara? Pois também se a
trombeta der som incerto quem se preparará para a batalha? Assim vós, se com a
língua, não disserdes palavra compreensível, como se entenderá o que dizeis?
Porque estareis como se falásseis ao ar” (1Co. 14:6-9).

Russell Shedd diz o seguinte em relação a intelegibilidade do culto: “lastimáveis e


indesculpáveis são as reuniões das igrejas em que uma torrente de palavras é
pronunciada, mas poucos, ou mesmo ninguém, consegue ouvir a voz de Cristo.
‘Eis que estou à porta (da igreja reunida, celebrando a ceia) e bato, se alguém
ouvir a minha voz, e abrir a porta, entrarei em sua casa e cearei com ele e ele
comigo’ (Ap. 3:20). Obviamente, conforme o texto acima, a surdez espiritual não é
um mal que surgiu em nosso século… O principal desejo daqueles que se reúnem
para cultuar a Deus deve ser o reconhecimento de que de fato Ele está em nosso
meio e fala através do salmo que um determinado irmão compartilha, ou pela
doutrina exposta, ou pela revelação (desvendamento da presença do Senhor por
meio da voz que fala com autoridade vinda dEle) ou língua, ou interpretação (1Co.
14: 25-26)… Poucas igrejas praticam este “culto primitivo” que Paulo descreve,
mas isso não deve anular o objetivo de se reunir.   O resumo do pensamento de
22

Shedd é que a voz de Deus precisa ser ouvida pelos cultuantes de forma clara!

IV.3.v. Princípio da reverência


Este princípio geral resume a maneira pela qual a indecência e a desordem são
evitadas: “Tudo, porém, seja feito com decência e ordem” (1Co 14:40).
Embora as duas palavras, “decência e ordem”, tenham uma aplicação tanto
individual como coletiva, “decência” visa mais o indivíduo, enquanto que “ordem”
tem mais afinidade com o coletivo. A decência (εὐσχημόνως) tem relação com a
reverência e respeito devidos ao culto a Deus prestado pelo indivíduo. De igual
modo, a ordem (κατὰ τάξιν) indica a organização como um todo: essa expressão é
também usada para descrever a formação militar. De forma resumida, a reunião da
igreja deve ser conduzida com a reverência do indivíduo e sincronia do coletivo.

IV.3.vi. Princípio da edificação


Ao falar sobre os dons espirituais, Paulo diz que os mesmos devem ser buscados
“com zelo” (1Co 14:1). Tal zelo deve ser empregado principalmente na busca por
προφητεύω (προφητεύητε, no texto aparece o subjuntivo plural, “que vós
profetizeis”).  Independente do significado da palavra “profetizar”, busca-se aqui a
razão pela qual o apóstolo coloca este dom em primeiro plano. Ele diz,
explicitamente, que o uso de προφητεύω produz “edificação, exortação e consolo”
(14:3). Enquanto que, aquele que possuía o dom de línguas edificava apenas “a si
mesmo”, quem profetizasse edificava a igreja como um todo (14:4). De fato, diz
Paulo, “Eu quisera que vós todos falásseis em outras línguas; muito mais, porém,
que profetizásseis; pois quem profetiza é superior ao que fala em outras línguas,
salvo se as interpretar ‘para que’ [ἵνα] a igreja receba edificação” (14:5). O contexto
geral do capítulo em destaque revela que o objetivo dos dons espirituais era a
“edificação da igreja” (14:12). Rompantes explosivos de individualismo espiritual—
para não dizer, “ostentações”—devem ser evitados: “…porque tu de fato dás bem
as graças, mas o outro não é edificado” (14:17). Assim, “não havendo intérprete,
fique calado na igreja, falando consigo mesmo e com Deus” (14:29).

Como conclusão a esta seção, vale frisar que esse princípio foi exposto por último,
porque tudo deve cooperar para a edificação do corpo de Cristo: seja o uso dos
dons, seja a ‘reverência’ como possibilitadora de ordem e decência; seja a
‘participação’ como exercício dos dons visando crescimento; seja a ‘autoridade’
com vista ao correto princípio de funcionamento dos papeis estabelecidos por
Deus; e, finalmente, seja até mesmo o amor, em cuja ausência a almejada
edificação não aconteceria.

V – Conclusão geral
O próprio Cristo nos ensinou que Deus deseja culto “em espírito e em verdade”
(Jo. 4:23-24). Esta dupla pauta envolve nosso interior (coração puro e sem
fingimento, Sl. 103:1,2;  e Sl. 24:3,4), e o exterior também. Consequentemente,  há
necessidade de buscarmos a verdade dos fatos concernente a Deus revelados em
Sua Palavra. Devemos rejeitar modismos, garantindo, assim, a presença do
Senhor em nossos cultos.

Rejeição de modismo e de sincretismo


– Modismos: Vivemos no mundo do “politicamente correto”, e esse ambiente tenta
impor ideias que muitas vezes são hostis aos princípios bíblicos. Temos que ser
corajosos e, por vezes, “nadar contra a correnteza”. Ao fazer assim, obviamente,
teremos que pagar o preço de sermos taxados de preconceituosos,
fundamentalistas, retrógrados, antiquados, etc.

– Sincretismo: No Antigo Testamento o povo hesita no serviço ao Senhor e a


outros deuses. Isto é assim nos tempos de Josué (Js. 24:14-19), passando pela
ciclicalidade dos juízes e culminando na repreensão pública de Elias aos Israelitas
(1Rs. 18:21) e posterior derrota dos profetas de Baal (1Rs. 18:36-40). Jesus, de
igual modo, condena o sincretismo alegando ser impossível servir a Deus e a
Mamon (Mt. 6:24). Paulo combateu ferozmente o sincretismo judaizante que
misturava o evangelho com elementos legais (Gl. 3:1-14). Nossa postura não pode
ser diferente!
Presença assegurada
Como conforto e garantia de vitória, temos as palavras do Mestre que nos
assegurou sua presença onde estivessem dois ou três reunidos em seu nome (Mt.
18:20); nos assegurou sua presença no estabelecimento da nova aliança e
comunhão de seu corpo e sangue (Mt. 26:26-29); e, finalmente, nos assegurou sua
presença “até a consumação do século” (Mt 28:20). Nem anjos, nem principados,
nem coisas do presente, nem do porvir, nem poderes, nem altura, nem
profundidade, nem qualquer outra criatura, poderá nos separar da presença de
Deus e de Cristo Jesus.

Finalmente, sendo esta presença uma verdade irrefutável, cultuemos, “…àquele


que é poderoso para vos guardar de tropeçar, e apresentar-vos ante a sua glória
imaculados e jubilosos,  ao único Deus, nosso Salvador, por Jesus Cristo nosso
Senhor, glória, majestade, império e poder, antes de todos os séculos, e agora, e
para todo o sempre. Amém” (Jd 24-25).
__________________________

1
TORINHA, Francisco. Dicionário Latino Português. Porto: Gráficos reunidos, 1937,
S.V. FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário Aurélio de Língua
Portuguesa. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1996, s.v. “cultu”.
MULLER, Richard. Dictionary of Latin and Greek Theological Terms: Drawn
2

Principally from the Protestant Scholastic Theology. Carlisle, United Kingdom:


Paternoster Press, 1985, s. v. “cultus”.
   Thayer’s Greek Lexicon, s.v. Disponível em
3

http://concordances.org/greek/4352.htm. Accesso em 05/jun/2012.


A ênfase de Deus enquanto sujeito emerge principalmente do pensamento de
4

Blaise Pascal (1623-1662), Soren Kierkegaard (1813-1885), Emil Brunner (1889-


1966) e Karl Barth (1886-1968). Vide McKIM, Donald K. Westminster Dictionary of
Theological Terms. Louisville, USA: Westminster John Knox Press, 1996, s. v.
“God as subject”. Cf. Is. 45:21-22; 44:6-8; Rm. 3:30; ICo. 8:6; ITm. 2:5; etc.
5
“A quem enviarei, e quem há de ir por nós?” (Is. 6:8. Cf. Sl. 45:5,7; Gn. 11:7; Is.
48:16; etc.)
1Co. 12:4-6; Ef. 4:4-6; Jd. 20 e 21; 1Pe. 1:2, etc.
6

  Sermão comemorando a Ascenção de Cristo, uma série de sermões pregados na


7

Basileia em 1956. Disponível em:


http://www.worldinvisible.com/library/barth/prayerpreaching/
prayerpreaching.07.htm. Acesso em 10/nov/2009.
 Palavra derivada de ‘íntegro’, do Latim, integer, ‘intato’, ‘inteiro’, ‘completo’.
8

  Cf. O’COLLINS, Gerald e FARRUGIA, Edward G. A Concise Dictionary of


9

Theology. Edinburgh: T & T Clark, 2000, s.v. “Platonism”.


  ELWELL, Walter A. (Editor) Evangelical Dictionary of Biblical
10

Theology. Paternoster Press: Carlisle, UK: 1998, s. v. “Worship”.


11
 Em contra partida, Dt. 24:16 e Ez. 18:20. O contexto de Dt. 24:16 versa sobre
procedimentos nas cortes de justiça vis-à-vis procedimentos judiciários: “Os pais
não serão mortos em lugar dos filhos, e nem os filhos, nos lugares dos pais; cada
qual será morto pelo seu pecado” (Dt. 24:16). Quanto a Ezequiel, o texto
encontrado no capítulo 18 versículo 20 (“A alma que pecar, essa morrerá; o filho
não levará a iniquidade do pai, nem o pai levará a iniquidade do filho; a justiça do
justo ficará sobre ele, e a impiedade do ímpio cairá sobre ele”), trata da Justiça de
Deus em relação ao indivíduo que deseja se arrepender. Embora Deus trate
individualmente com um e com outro, tal fato não impediu que todos fossem
levados cativos na época de Ezequiel devido os pais terem desobedecido a Deus.
  Adão e Cristo como representantes da raça.
12

13
RYLE, J. C. Adoração: Prioridade, Princípios e Prática. São José dos Campos:
Editora Fiel, 2010, p. 25.
  Doutrina que reza que todos os dons extáticos cessaram após o período
14

apostólico.
15
 Calvino ilustra isto como segue: um embaixador nomeado por um rei para
representá-lo, mas que não sabe como se comportar,  e acaba “barateando sua
posição”. Ao proceder dessa forma, ele traz desonra ao rei que ele representa. De
igual maneira, a mulher ao atuar na igreja visível e independentemente—ou seja,
com a cabeça descoberta ou tosqueada—desonra o homem (1Co 11:5-6).
16
 A Queda “fortaleceu” ainda mais esta posição, introduzindo um grau de conflito:
“Teu desejo será para teu marido e ele te governará”. Ou seja, a mulher tentaria
dominar, conquistar, vencer o homem, mas o homem [“forçosamente”] a
governaria!
17
MACARTHUR, John. The MacArthur New Testament Commentary: First
Corinthians. Chicago: Moody Publishers, 1984, p. 258.
  Gn. 2:21-22 “Então o Senhor Deus fez cair o pesado sono sobre o homem, e este
adormeceu: tomou uma de suas costelas e fechou o lugar com carne. E a costela
que o Senhor tomara ao homem, transformou-a numa mulher, e lha trouxe”.
  Cf. “Disse mais o Senhor: não é bom que o homem esteja só: far-lhe-ei uma
auxiliadora que lhe seja idônea” (Gn. 2:18). Enquanto que o homem é
independente da mulher, devendo liderar, proteger e cuidar da mesma; a mulher,
por outro lado, é dependente e deve estar sujeita ao homem.
  Ainda poderíamos ressaltar que isso foi estabelecido, obviamente, antes da
Queda!
  RYLE, Adoração, p. 19.
  SHEDD, Russell. Adoração Bíblica: Os Fundamentos da Verdadeira Adoração.
Edições Vida Nova, 2007, p. 49.
O Princípio Regulador do Culto

O Princípio Regulador do Culto

Matthew McMahon

O Princípio Regulador do Culto recebeu sua forma clássica e definitiva nas


confissões de fé reformadas do século XVII. Foi editado em linguagem idêntica na
Confissão de Fé de Westminster (Capítulo 21, parágrafo 1) e na Confissão Batista
Londrina de 1689 (Capítulo 22, pa rágrafo 1). Desta última extraímos a seguinte
afirmativa: “A luz da natureza mostra que existe um Deus, que tem senhorio e
soberania sobre todos, que é justo, bom, e faz o bem a todos; e que, portanto,
deve ser temido, amado, louvado, invocado, crido e servido, de todo o coração, de
toda a alma, e com todas as forças. Mas a maneira aceitável de se cultuar o Deus
verdadeiro é aquela instituída por Ele mesmo, e que está bem delimitada por sua
própria vontade revelada, para que Deus não seja adorado de acordo com as
imaginações e invenções humanas, nem com as sugestões de Satanás, nem por
meio de qualquer representação visível ou qualquer outro modo não prescrito nas
Sagradas Escrituras”.

O Princípio Regulador do Culto afirma apenas isto: “O verdadeiro culto é ordenado


somente por Deus; o falso culto é algo que Ele não ordenou”. Este era o conceito
puritano a respeito do culto. Nas palavras de Samuel Waldron: “Parece que um
dos obstáculos de ordem intelectual que impede os homens de aceitarem o
Princípio Regulador é que este envolve a idéia de que a igreja e seu culto foram
ordenados de maneira diferente do restante da vida. No que concerne ao restante
da vida, Deus estabelece para os homens os grandes e abrangentes princípios de
sua Palavra e, de acordo com os limites estabelecidos nestas orientações, permite
que eles conduzam suas vidas da melhor forma que puderem. Ele não dá aos
homens orientações detalhadas sobre como devem edificar suas casas ou seguir
carreiras seculares.
O Princípio Regulador, por outro lado, envolve uma limitação na iniciativa da
vontade humana, o que não é característico no que se refere ao restante de nossa
vida. Evidentemente, isto admite que existe uma diferença entre a maneira como o
culto da igreja deve ser regulado e a maneira como o restante da sociedade e a
conduta humana devem ser ordenadas. Portanto, o Princípio Regulador está
sujeito a ofender muitas pessoas, por considerarem-no como opressivo, específico
e, por conseguinte, sob suspeita, por não estar de acordo com a maneira de Deus
lidar com os homens e orientar os outros aspectos de nossa vida”. Esta declaração
é muito acertada, e reflete algo que realmente tem acontecido. Não obstante,
devemos considerar apropriado o fato de que a casa de Deus e a vida de seu povo
são regulamentadas pelas normas e preceitos dEle. Temos de reputar apropriado
o fato de que a adoração acompanhada de reverência, amor, devoção e regozijo
em Deus seja fundamentada e regulada de acordo com as Escrituras e os
princípios estabelecidos por Ele.

A adoração para o crente deve ser uma expressão do amor de Deus retornando
para Ele mesmo. Temos de expressar-Lhe quão maravilhoso e bendito Ele é.
Portanto, é impossível adorá-Lo através de invenções e ingenuidades dos homens.
É impossível adorá-Lo em uma atmosfera que não foi estabelecida e ordenada por
Ele e sua Palavra.

O Princípio Regulador, que encontramos na Bíblia e, fielmente expresso pelos


puritanos, não deve ser deixado de lado porque nós e a cultura contemporânea
somos mais fascinados e atraídos pelo entretenimento do que pela adoração a
Deus.

Os puritanos presbiterianos, ao formular os artigos da Confissão de Westminster, e


os batistas reformados, na Confissão de Fé de 1689, tinham o mesmo alvo: o culto
aceitável a Cristo. Primeiramente, vamos considerar a Confissão de 1689 e
veremos os argumentos bíblicos que apoiam sua afirmativa sobre adoração. Esta
confissão diz: “A luz da natureza mostra que existe um Deus, que tem senhorio e
soberania sobre todos, que é justo, bom e faz o bem a todos; e que, portanto, deve
ser temido, amado, louvado, invocado, crido e servido, de todo coração, de toda a
alma, e com todas as forças”. Nesta afirmação podemos ver os argumentos
bíblicos e filosóficos para a existência de Deus precedendo aqueles que dizem
respeito a adoração a este Deus existente. Se utilizássemos argumentos
apologéticos, a própria luz da natureza nos levaria à conclusão de que existe um
Deus. Ele é o soberano Senhor do universo. Isto não significa apenas que Deus é
soberano, mas também que Ele é soberano sobre todos, governando sobre todos
os seres viventes, todas as criaturas, e átomos, e em todas as partes do universo.
Ele é Deus sobre todas as coisas! Se existe um Deus que é bondoso, justo e faz o
bem a todos ou, pelo menos, pode fazer o bem a todos, Ele tem de ser adorado,
temido, amado, invocado, servido e nEle devemos confiar, com todo nosso
coração, alma e forças. Se este Deus é santo, então existe uma maneira correta
de nos aproximarmos dEle. De acordo com sua Palavra, o Senhor Jesus Cristo
deu à humanidade não apenas a habilidade de aproximar-se mas também todas
as diretrizes pelas quais podemos nos achegar a Deus. A expiação realizada por
Cristo assegura isto aos eleitos.

Em essência, a Confissão Batista de 1689 afirma que temos de servir a Deus


simplesmente porque Ele é Deus. Deste modo, podemos observar que os
puritanos batistas não podiam iniciar apenas afirmando como o culto a Deus
deveria ser orientado e realizado, sem primeiro falarem algo sobre o Deus que
temos de adorar. A segunda parte do parágrafo diz o seguinte: “Mas a maneira
aceitável de se cultuar o Deus verdadeiro é aquela instituída por Ele mesmo, e que
está bem delimitada por sua própria vontade revelada, para que Deus não seja
adorado de acordo com as imaginações e invenções humanas, nem com as
sugestões de Satanás, nem por meio de qualquer representação visível ou
qualquer outro modo não prescrito nas Sagradas Escrituras”.

O vocábulo “aceitável”, cuidadosamente escolhido e utilizado, implica existir um


modo inaceitável de adorar a Deus. E, visto que a adoração foi instituída por Deus,
está limitada por aquilo que Ele revelou a respeito de Si mesmo. Somente o que
lemos nas Escrituras, que expressamente estabelecem certas condições para o
culto, constituem o culto aceitável. Aquilo que o homem procura fabricar, inventar,
acrescentar e retirar ou aquilo que ele pode ser tentado a fazer por ouvir o diabo
não é adoração aceitável a Deus. E os puritanos estavam certos ao afirmar que o
culto a Deus não poderia ser realizado através de qualquer representação visível
ou de qualquer outra maneira não prescrita nas Escrituras. Por isso, eles
combateram a idolatria do catolicismo romano, bem como suas imagens, ídolos e
qualquer tipo de “culto da vontade” (logo falaremos sobre o “culto da vontade”).
Portanto, na Confissão Batista de 1689, os puritanos tinham como alvo a pureza
do culto, ou seja, aquele que agrada a Deus, fundamentado exclusivamente na
Bíblia. Eles não permitiriam, em boa consciência, que o homem pecador
determinasse por que meios eles mesmos se aproximariam de Deus. E não é
possível que qualquer cristão saudável imagine estar tão acima do pecado, que se
ache capaz de mostrar para Deus a maneira pela qual se aproximaria dEle.
Somente Deus, que é santo e puro, pode determinar, por Si mesmo, a maneira
pela qual os seres humanos podem aproximar-se dEle.

Na Confissão Batista de 1689, existem quatro argumentos dos puritanos em favor


do Princípio Regulador da igreja e de seu culto. Primeiro: somente a Deus
pertence a prerrogativa de determinar os termos pelos quais os pecadores se
aproximam dEle, em adoração. Samuel Waldron citou James Bannerman em seu
folheto sobre o Princípio Regulador: “O Princípio Fundamental que alicerça todo o
argumento é este: em relação à ordenança do culto público, compete a Deus e não
ao homem determinar tanto os termos quanto o modo pelo qual ele deve ser
realizado. O caminho para nos aproximarmos dEle foi obstruído e fechado em
conseqüência do pecado do homem; para este era impossível renovar o
relacionamento que solenemente havia sido interrompido pela sentença judicial
que o excluía da presença e favor de Deus. Aquele caminho seria aberto
novamente, e a comunhão entre Deus e o homem, restabelecida? Isto era algo
que somente Deus poderia determinar. Se isto aconteceria, em que termos
aconteceria esse restabelecimento? De que maneira seria outra vez mantida a
comunhão entre a criatura e seu Criador? Isto também era algo que somente Ele
poderia resolver.”

Com efeito, Deus é justo em suas prerrogativas, e a Bíblia demonstra que Ele
exerce suas prerrogativas (Gn 4.1-5; Êx 20.4-6). Se Deus tivesse decretado que
seria adorado somente por aqueles que usam camisas brancas, teria o direito de
fazê-lo. Se Ele tivesse ordenado que todo crente deve usar camisas brancas para
adorá-Lo, posso imaginar que todos os crentes, porque amam seu Senhor, sairiam
e comprariam muitas, a fim de jamais ficar em falta. Eles viriam aos cultos da igreja
usando as camisas brancas que Deus lhes ordenou usarem para sua adoração.
Deus é o único que regula nossa adoração. Quão arrogantes são os homens ao se
imaginarem no direito de determinar, numa pequena parte que seja, como Deus
será adorado!

O segundo argumento no princípio puritano sobre o culto é este: a introdução de


práticas extrabíblicas tende inevitavelmente a anular e menosprezar o culto
designado por Deus (Mt 15.3, 8, 9; 2 Rs 16.10-18). A passagem de 2 Reis 16.10-
18 foi bem explicada por Samuel Waldron. Ele afirmou que aquele relato é uma
maravilhosa ilustração do modo pelo qual práticas extrabíblicas inevitavelmente, e,
com freqüência, de forma muito sutil, substituem a maneira designada por Deus.
Waldron nos mostra que o rei Acaz, em sua apostasia e aliança com a Assíria,
determinou em seu coração ter um altar semelhante ao que vira em Damasco.
Acaz ordenou a construção daquele altar e que fosse colocado no lugar central do
templo, antes ocupado pelo altar de bronze. O novo altar substituiu o anterior como
o local onde os sacrifícios regulares, da manhã e da tarde, seriam oferecidos. Mas
o altar designado por Deus não seria destruído. É claro que não! Seria apenas
colocado em um canto (v. 14). Em uma observação em seu decreto sobre o
assunto, o rei Acaz assegurou aos seus mais tradicionais súditos que não
pretendia insultar o velho altar designado por Deus. O decreto terminava com
estas palavras: “O altar de bronze ficará para a minha deliberação posterior” (v.
15). Os inovadores com seus lábios reconheciam os elementos de culto
designados por Deus e, ao mesmo tempo, no exercício de tal adoração, acabavam
anulando o valor de tais elementos. Isso ilustra admiravelmente a sutileza com que
as práticas não ordenadas pela Bíblia tendem a substituir o culto designado pelas
Escrituras. Essa tendência é constatada em igrejas evangélicas nas quais
programas ingênuos ou mundanos, shows e apresentações musicais,
oportunidades para testemunho, coreografias e mímicas, teatro, marionetes,
danças e filmes cristãos assumem completamente o lugar ou restringem os
elementos de adoração ordenados nas Escrituras.

O terceiro argumento envolvido no princípio que os puritanos extraíram das


Escrituras foi este: se os homens, pecadores, tivessem de acrescentar ao culto
qualquer elemento não ordenado por Deus, eles estariam, por meio dessa atitude,
questionando a sabedoria do Senhor Jesus e a plena suficiência das Escrituras. 2
Timóteo 3.16-17 afirma: “Toda a Escritura é inspirada por Deus e útil para o
ensino, para a repreensão, para a correção, para a educação na justiça, a fim de
que o homem de Deus seja perfeito e perfeitamente habilitado para toda boa obra”
(2 Tm 3. 16-17). O homem de Deus mencionado nestes versículos não se refere a
todo crente. Existem razões convincentes para identificarmos “homem de Deus”
como uma referência a homens como Timóteo, que tinham o encargo de
estabelecer a ordem e a liderança na igreja de Deus. Os presbíteros de uma igreja
devem utilizar as Escrituras de tal maneira que estabeleçam e regulem a maneira
como o culto será realizado. Eles não fazem isso impondo suas próprias idéias a
respeito; pelo contrário, eles o fazem por manterem-se fiéis à Palavra de Deus,
implementando o que Deus afirma e deseja no que concerne à adoração
celebrada por seu povo. Portanto, as Escrituras são capazes de habilitar
completamente o homem de Deus para toda boa obra na igreja de Deus, para a
glória dEle através da adoração.

Em quarto lugar, os puritanos eram inflexíveis em provar que a Bíblia condena


todo culto que não foi ordenado por Deus. Eis alguns textos que compravam isto:
Levítico 10.1-3; Deuteronômio 17.3; 4.2; 12.29-32; Josué 1.7; 23.6-8; Mateus 15.8-
9, 13; Colossenses 2.20-23. Consideremos Levítico 10.1-3 e as duas passagens
citadas do Novo Testamento. Levítico 10.1-3 afirma: “Nadabe e Abiú, filhos de
Arão, tomaram cada um o seu incensário, e puseram neles fogo, e sobre este,
incenso, e trouxeram fogo estranho perante a face do SENHOR, o que lhes não
ordenara. Então, saiu fogo de diante do SENHOR e os consumiu; e morreram
perante o SENHOR. E falou Moisés a Arão: Isto é o que o SENHOR disse:
Mostrarei a minha santidade naqueles que se cheguem a mim e serei glorificado
diante de todo o povo. Porém Arão se calou” (Lv 10.1-3). Esta passagem
inicialmente nos mostra que Nadabe e Abiú achegaram-se a Deus, para oferecer-
lhe incenso, mas Deus não o aceitou. Ele não se agradou do que aqueles homens
Lhe estavam ofertando. Nadabe e Abiú ofereceram “fogo estranho”. Esta
expressão é bastante admirável. Deus jamais havia dito que alguém não Lhe
poderia oferecer aquele tipo de fogo. Você pode examinar toda a Bíblia, a fim de
em vão procurar o mandamento que lhes proibia de fazer isso. Pelo contrário,
descobriremos o que Deus positivamente havia dito. Embora não tenha proibido
que alguém Lhe trouxesse esse fogo estranho, o texto bíblico nos mostra que
Deus não o aprovou e matou os homens que o ofereceram. Nadabe e Abiú
determinaram por si mesmos oferecer algo que Deus não havia expressamente
pedido; e, por causa disso, foram “consumidos” pelo Senhor. O princípio aqui
estabelecido permanece verdadeiro: Deus será “santificado” naqueles que se
aproximam dEle. Isto significa que seu povo haverá de considerá-Lo “santo”, ou
seja, completamente separado. Deus será glorificado, ou através da execução de
sua justiça sobre homens que oferecem fogo estranho, ou através da correta
adoração. O pecado de Nadabe e Abiú consistiu em oferecer a Deus aquilo que
Ele não havia ordenado. Deus não havia previamente ameaçado de matá-los, se
oferecessem fogo estranho; mas, apesar disso, Ele os matou. Este fato nos mostra
que temos de fazer uma exegese cuidadosa da Palavra de Deus, para
encontrarmos seu exato significado e nós mesmos não sermos vítimas da ira
divina. Ele é exigente no que se refere ao seu culto.

A segunda passagem que desejamos considerar é Mateus 15.8-9: “Este povo


honra-me com os lábios, mas o seu coração está longe de mim. E em vão me
adoram, ensinando doutrinas que são preceitos de homens”. Esta é uma
declaração notável. Jesus mostra que pessoas, embora professem o nome dEle,
realmente não O possuem, porque não O adoram em verdade. Elas O honram
com seus lábios; declaram-se cristãs, dizem que O amam e afirmam muitas outras
coisas. (Observe que nesta passagem da Bíblia Jesus estava falando sobre os
fariseus, que pareciam ter sua religião caprichosamente empacotada com o rótulo
“justo para Deus”.) Mas Jesus prosseguiu e declarou que os corações daqueles
homens estavam longe dEle; estavam em outro lugar, bem distante. Não
pertenciam a Cristo. Eles realmente não O adoravam. Pelo contrário,
acrescentavam coisas à adoração divina e, deste modo, ensinavam como
“doutrinas” (ou verdades do evangelho) as vãs imaginações dos homens. Os
mandamentos criados por homens (tais como acréscimos ao culto) são
condenados, porque em verdade não honram a Cristo. O homem não recebeu o
direito de criar a atmosfera do culto e do aproximar-se de Deus. Jesus condena
essa atitude da parte do homem.

A terceira passagem que desejamos examinar é Colossenses 2.20-23: “Se


morrestes com Cristo para os rudimentos do mundo, por que, como se vivêsseis
no mundo, vos sujeitais a ordenanças: não manuseies isto, não proves aquilo, não
toques aquiloutro, segundo os preceitos e doutrinas dos homens? Pois que todas
estas coisas, com o uso, se destroem. Tais coisas, com efeito, têm aparência de
sabedoria, como culto de si mesmo, e de falsa humildade, e de rigor ascético;
todavia, não têm valor algum contra a sensualidade”. Nesta passagem, o apóstolo
Paulo estava refutando a falsa adoração que os homens impõem sobre as demais
pessoas. O culto que não está alicerçado na correta orientação fornecida pelas
Escrituras é chamado de “culto da vontade”. Em essência, é uma adoração do
“ego”, porque procede do “ego” e das coisas que o agradam. O “culto da vontade”
acontece quando fatores humanos são os agentes pelos quais realiza-se a
adoração. Com freqüência, ele ocorre quando o auditório diz ao pastor o que deve
ser pregado e como o culto deve ser realizado. Muitas vezes a igreja satisfaz o
mundo e cria uma atmosfera “nãoagressiva” a este, de modo que as pessoas do
mundo encham a igreja. Infelizmente, esta se torna semelhante ao mundo, ao
invés de conversões de almas transformarem o mundo na igreja. A adoração se
torna uma questão de gosto e conveniência. Os desejos humanos se tornam o
elemento decisivo. Imaginem se Nadabe e Abiú pudessem visitar igrejas
contemporâneas, eles cairiam de joelhos e lamentariam amargamente ao
reconhecer que seu pecado ainda é praticado, e com grande complacência e
aceitação em nossos dias. Os puritanos desejavam um culto simples e bíblico;
regulavam-no pelas Escrituras, ao invés de o realizarem de acordo com a vontade
deles mesmos. Eles não tinham qualquer desejo de oferecer “fogo estranho”,
embora este fosse bastante “estimulante” ao auditório. Não estavam interessados
em montar um “show”. Quando Elias estava no monte Carmelo (1 Reis 18), ele
perguntou ao povo se eles queriam seguir a Deus ou a Baal. Ao ser confrontado
por esta pergunta, o povo ficou em silêncio. Quando Elias declarou que desejava
ter uma “competição” (um “show”) com os sacerdotes de Baal, o que aconteceu ao
povo? Todos ficaram bastante interessados. “Sim, vamos ter um show.” E tiveram.
Com igrejas contemporâneas dá-se o mesmo. Elas querem “show”; desejam que
caia fogo do céu, que a igreja realize algo espetacular ou, pelo menos, promova
tanto entretenimento quanto possível. Mas isso não agrada a Deus. E, se não
fosse por causa da misericórdia de Deus, muitos hoje talvez fossem consumidos,
assim como Nadabe e Abiú o foram. Que o Deus a ser adorado abra os olhos
daqueles que necessitam ver.

(Extraído de “Fé para Hoje”, nº 7, ano 2000, São José dos Campos (SP): Editora
FIEL)
www.editorafiel.com.br

Entretenimento E Culto Por Joe Thorn

By Guilherme3 de dezembro de 2018

Em cada igreja e a cada geração de cristãos, existe uma chance de perder o


nosso foco nas coisas que são mais importantes (Hb 2.1). Precisamos
constantemente nos relembrar disso e recentralizar as nossas igrejas para que não
nos vejamos confiando em algo que não seja o evangelho de Deus e a Palavra de
Deus.

Um dos desvios mais perigosos acontecendo nas igrejas locais hoje está dentro do
nosso culto público. Em muitas igrejas, há uma ausência de ênfase nos meios da
graça (Escritura, oração e os sacramentos ou ordenanças) e uma dependência do
entretenimento. Alguns tentam equilibrar os dois em nome de alcançar mais
pessoas com o evangelho, mas há um perigo inescapável em superestimar o
entretenimento e implementá-lo no culto público.

Isso não é um fenômeno recente. O pastor do século XIX, Charles Spurgeon, dizia:
“o diabo raramente teve uma ideia mais sagaz que sugerir à igreja que parte da
sua missão é fornecer entretenimento para as pessoas, tendo em vista conquistá-
las”. Pode não ser recente, mas é crescentemente popular, especialmente à luz da
nossa cultura motivada pelo entretenimento. Vemos isso em cânticos seculares
tocados por bandas de louvor para animar a platéia. É difícil perder o valor dado à
diversão na pregação cheia de piadas, mas vazia de teologia em muitos púlpitos.
Muitos de nós preferimos performances elaboradas para a congregação observar,
mas não participar. Para alguns, a manhã de domingo se parece mais com um
show de variedades do que uma oferta feita a Deus. O perigo de trazer o
entretenimento ao culto conjunto está no objetivo do entretenimento e no seu
contraponto ao objetivo do culto.

Eu não estou sugerindo que a igreja deva ser entediante ou que toda igreja deva
ter cultos com liturgias idênticas, como se houvesse apenas uma única forma
apropriada de adorar ao Senhor. O culto coletivo varia de igreja para igreja de
muitas formas. Os estilos, a música e as liturgias desenvolvidas em contextos e
tradições particulares levam a tonalidades diferentes de culto. A igreja de Jesus
Cristo é composta de pessoas, e portanto de congregações, de toda tribo, língua e
nação, e isso quer dizer uma diversidade de igreja para igreja. Isso
frequentemente é uma coisa boa, algo a se celebrar, desde que o culto da igreja
seja feito de acordo com os parâmetros da Escrituras e oferecido pela fé.

A infiltração do entretenimento dentro do culto não é uma questão de estilo, mas


de substância. O entretenimento é uma coisa boa, mas o seu propósito é o alívio
da mente e do corpo, não a transformação da mente ou a edificação do espírito. O
perigo do entretenimento no culto não são quais instrumentos musicais são
permitidos ou quais hinos de qual época devem ser cantados pela igreja. O perigo
se encontra no que a igreja está buscando. O entretenimento tem um objetivo
diferente do culto. O entretenimento é algo oferecido às pessoas para a sua
diversão. O culto, todavia, tem um foco diferente e produz um resultado diferente.

O foco do culto é Deus, não o homem, que imediatamente o coloca contra o


entretenimento. Nos oferecemos ao Senhor individual e coletivamente na manhã
de domingo. A igreja atribui honra a Deus na leitura, pregação, canção e oração da
sua Palavra. O verdadeiro culto é inerentemente centrado em Deus e direcionado
a Deus. O que é feito quando a igreja se ajunta deve ser feito segundo a vontade
de Deus e para o seu agrado. Isso se opõe ao entretenimento, que é uma obra
impotente espiritualmente e direcionada para as pessoas.

Embora o culto seja direcionado a Deus, ele simultaneamente oferece muito mais
do que entretenimento pode dar. À medida que a igreja se aproxima de Deus, o
Senhor se aproxima de nós e recebemos graça. Graça, graça que regenera, graça
que renova, graça que revive, é oferecida à congregação por meio dos meios de
graça. O resultado de adorar a Deus em espírito e verdade é a transformação. O
entretenimento não pode levar à edificação. Entretenimento pode estimular as
emoções, mas Deus usa os meios de graça para mudar as nossas afeições. O
entretenimento pode atrair uma multidão ou cativar uma congregação, mas
somente os meios da graça vão atrair as pessoas a Cristo e conformá-las à sua
imagem.

A beleza do culto é que ele é infinitamente mais poderoso do que o


entretenimento. O entretenimento busca replicar o drama e o deslumbramento.
Mas a graça de Deus no culto desvela o drama mais profundo no mundo e produz
autêntico deslumbramento à luz da revelação de Deus.

O verdadeiro culto pode ser doloroso em um momento e alegre no próximo, à


medida que encontramos a lei de Deus e o evangelho, confessando os nossos
pecados e descansando no perdão que temos em Jesus Cristo. O que é mais
dramático do que pecadores condenados sendo perdoados por um Deus santo?
Do que escravos sendo libertos pelo Salvador? O que é mais emocionante do que
o Filho de Deus se colocando no lugar do ímpio para o salvar da ira de Deus? A
igreja não precisa de qualquer tipo de performance como se fosse uma ajuda para
nós no culto. Precisamos da Palavra de Deus lida e pregada, orada e cantada,
pois nisto exaltamos e experimentamos o nosso Deus trino.

O entretenimento tem o seu lugar e serve a um propósito bom, ainda que terreno.
As nossas igrejas locais farão bem em ter o cuidado de não descambarem nele
num esforço de atrair ou tratar das necessidades de homens e mulheres
pecadores. A Escritura é o que Deus usa para penetrar a alma e mudar o coração.
Que possamos nos entregar para adorarmos ao Senhor em espírito e verdade, ao
invés de em emoção e diversão.

Joe Thorn é o pastor principal da Redemer Fellowship em Saint Charles, Illinois.


Ele é autor do livro Os Charutos, o Cristão e a Glória de Deus.

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