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Um Sertão Chamado Brasil. Lima, Nísia Trindade. O capítulo 4 contribui para a discussão em saú-
RESENHAS REVIEWS
Revan: Iuperj, Ucam, Rio de Janeiro, 1999, 232 pp. de pública, ao considerar as viagens ao interior e as
campanhas de saneamento rural. Aborda também
Helena Amaral da Fontoura a construção da imagem de ‘brasil doente’, enfati-
Faculdade de Educação da Universidade Federal Flumi-
zando a idéia de sertão como atraso associando-o à
nense.
patologia, ao abandono, ao isolamento e à essência
da vida nacional. Apresentando a perspectiva higie-
Este livro é produto da tese de doutorado de Nísia nista, que se encontra na raiz de nosso entendimen-
Trindade no Iuperj – que recebeu o prêmio de me- to sobre saúde e conseqüentemente sobre nossas
lhor tese de sociologia defendida em 1997. Dividi- propostas de prevenção e de pesquisa, a autora exa-
do em seis capítulos, tem como temas principais a mina o papel de Belisário Penna, médico sanitaris-
construção da nacionalidade e a reflexão sobre a ta e etnógrafo que contribuiu para trazer a perspec-
identidade dos intelectuais. A autora reflete sobre tiva do interior para a análise da construção social do
entrecruzamento das visões que intelectuais brasi- Brasil. Analisa ainda a importância de Edgard Ro-
leiros trazem, em seus escritos, a respeito do desen- quette Pinto, médico e antropólogo responsável pe-
volvimento da identidade cultural de nosso país, a la divulgação de uma imagem dos sertões bastante
partir de visões polares de sertão e de litoral – este influenciada pelo movimento sanitarista.
correspondendo ao desenvolvimento e aquele ao No capítulo 5, ao trazer a figura paradigmática
atraso. Faz com que vejamos, ainda, através de suas do Jeca-tatu, examina uma concepção de persona-
articulações com a produção em ciências sociais, a gem do sertão, uma das mais fortes representações
inadequação desta oposição binária e a pertinência do homem rural brasileiro, e discute sobre a capa-
de uma visão constitutiva, em que estejam incluí- cidade de generalização de tal figura. Jeca-tatu con-
dos ambos os pólos e todas as nuances. segue englobar, entre outros tipos, o sertanejo e o
No capítulo 1, a autora articula teoricamente a caipira, ambos símbolos nacionais representativos
construção do pensamento sociológico no Brasil e e muitas vezes espelhos para alguns intelectuais que
suas matrizes de interpretação, sempre referida à se querem ver retrato do Brasil, ao se identificarem
idéia de sertão/litoral como polaridades presentes como interioranos, sertanejos ou até mesmo des-
na constituição da ordem social. De acordo com sua terrados em sua própria terra, para usar a expressão
pesquisa, há um contraste entre sertão e litoral – o cunhada por Sérgio Buarque de Hollanda.
litoral associado ao moderno e o sertão ao atraso –, Finalizando, no capítulo 6, a autora reflete sobre
embora esta polaridade tenha convivido com a con- o Brasil e seus contrastes no período de institucio-
cepção oposta de superficialidade litorânea em con- nalização universitária das ciências sociais, com-
traposição à autenticidade sertaneja, presente es- preendido entre 1933 e 1964, tendo como referên-
pecialmente na literatura de intelectuais como Eu- cia os estados do Rio de Janeiro e São Paulo. Apre-
clides da Cunha, Vicente Licínio Cardoso, Roquet- senta como pano de fundo, principalmente, a análi-
te Pinto, Belisário Penna e Monteiro Lobato, entre se dos conteúdos temáticos desenvolvidos e as pers-
outros. pectivas de abordagem no que considera o período
O capítulo 2 traz a representação geográfica da (re)fundador das ciências sociais no país. Aqui fi-
identidade nacional, desenvolvendo-se as idéias de cam bem claras propostas de modernização e desen-
processo de ocupação do território e mobilidade volvimento apresentadas nos escritos de paulistas e
populacional como veículos construtores de deter- cariocas, a discussão proposta pela autora quanto
minadas representações sociais no processo de na- às representações da identidade nacional – ora mais
tion-building. Enfatiza-se a perspectiva de aproxi- para o discurso nacionalista (sertanejo), ora mais
mação entre o termo sertão e a busca de uma expe- para o discurso modernista.
riência americana, em contraste com litoral e uma Em suas considerações finais, após abordar o
idéia mais européia de fronteira. Estas imagens ali- sertão por diferentes perspectivas, realça a tensão
cerçam as construções feitas por intelectuais brasi- permanente entre os contrastes, as desigualdades
leiros que se ocuparam da construção da imagem que tanto permeiam o discurso sobre o Brasil e que
do país desde o final do século XIX até meados do se refletem na ambivalência dos pensadores do tema
século XX. identidade nacional, até mesmo com relação à sua
Já no capítulo 3, a autora faz uma retrospecti- própria identidade. Por exemplo, a idéia de força,
va do papel desempenhado pelas expedições ao in- obstinação e coragem sertanejas aparece muito nas
terior na produção dos intelectuais das décadas ini- investigações sociológicas que se desenvolveram a-
ciais do século XX. Possibilita, assim, que localize- pós 1930, o que pode ser um indicativo de ambiva-
mos as raízes de uma imaginação sociológica nas lência no paradigma de sertão como atraso. A au-
viagens ao interior realizadas, nesse período, por tora propõe, então, que rever nossas matrizes de pen-
geólogos e engenheiros, militares e cientistas de ins- samento social parece-me, nesse contexto, um dos ca-
tituições de saúde pública, atendendo a objetivos minhos necessários, nesse esforço de compreensão da
considerados estratégicos do Estado e trazendo, a- sociedade e de nosso próprio papel (p. 209).
través de valiosos estudos etnográficos, tanto a ela- A narrativa clara, fluente, envolvente, discorre
boração de novas interpretações sobre o Brasil sobre aspectos relativos à construção da identida-
quanto a constituição de suas próprias identidades de nacional, incorporando a idéia dos muitos bra-
como atores sociais. sis, de contrastes, como é o caso da polaridade en-
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dencia os efeitos negativos da poluição sobre a qua- “avaliação de risco e gestão em poluição ambiental”,
lidade do solo e da água (perda da biodiversidade, é desenvolvida através de metodologia baseada nos
erosão), a qualidade do ar (smog, diminuição da ca- princípios de gestão ambiental, na elaboração de
mada de ozônio, efeito estufa), a paisagem, a saúde cenários e modelos conceituais, na avaliação de ris-
e o bem-estar humano, mostrando a necessidade co para à saúde humana e ecossistemas e nos instru-
de um gerenciamento ambiental em escala plane- mentos de gestão alternativa/avaliação de custo.
tária. No terceiro capítulo – Risco potencial em toxi-
O processo de avaliação de risco (AR) é expos- cologia ambiental –, Luiz Querino de A. Caldas ex-
to como um importante instrumento de política plica os objetivos da toxicologia ambiental. Esta
ambiental. Entretanto, os procedimentos adotados ciência, abrangendo um estudo inter e multidiscipli-
nos estudos da avaliação de risco devem conside- nar, analisa o efeito causado pelas interações tóxicas
rar o meio ambiente como um sistema integrado, de substâncias químicas nos ecossistemas e sua ca-
e não como uma fragmentada coleção de riscos in- pacidade de afetar a fisiologia normal de organis-
dividuais. Com o intuito de alcançar a integração mos vivos. O risco potencial é definido como o es-
efetiva da avaliação de risco ao gerenciamento am- tudo das probabilidades de fontes perigosas para a
biental, o congresso norte-americano, em 1990, no- saúde e o meio ambiente capazes de ocasionar da-
meou uma comissão encarregada de consolidar os nos, doenças ou morte aos seres vivos, quando em
diversos procedimentos existentes de ‘avaliação de concentrações superiores àquelas não assimiláveis
risco’ e de propor uma nova estrutura de ‘gestão de por eles. Já a avaliação de risco, considerada como
risco’. Entre as principais conquistas de tal comis- os primeiros passos no desencadeamento dos pro-
são ressalta-se a de ter formulado um procedimen- cessos decisórios, advém do conhecimento da rela-
to de gerenciamento integrado de risco, incluindo ção causa/efeito e dos possíveis danos causados pe-
mecanismos capazes de propiciar um desenvolvi- la exposição a determinado agente químico. As eta-
mento sustentável, ou seja, o reconhecimento das pas que constituem o processo da avaliação de ris-
interações existentes na saúde ambiental, na quali- co (identificação do perigo, avaliação de exposição,
dade de vida e na compreensão dos processos pe- estimativa de risco, dose de exposição, caracteriza-
los quais nossa sociedade cria mudanças (benéficas ção do risco e gerenciamento do risco) são descritas,
ou adversas) a longo prazo. O autor, então, apre- em detalhes, sinalizando para os limites do seu pro-
senta e comenta as etapas (problema/contexto, ris- cessamento.
cos, opções, decisão, ações e avaliação) relaciona- O autor lembra a importância da percepção de
das ao procedimento do gerenciamento integrado risco pela população como aspecto relevante para
de risco, proposto pela referida comissão. o estudo de risco. Esta percepção tem sido manifes-
No segundo capítulo – Procedimentos integra- tada pelas organizações não-governamentais con-
dos de risco e gerenciamento ambiental: processos tra os danos ecológicos e humanos causados pela
e modelos –, Horst Monken Fernandes e Lene Ho- exposição de agentes nocivos à saúde. Ressalta que
landa Sadler Veiga chamam a atenção para os ris- os acidentes ecológicos – como a contaminação por
cos que o meio ambiente vem sofrendo ao longo dioxina em Seveso (Itália), por mercúrio na baía de
dos últimos anos. As mudanças climáticas e a redu- Minamata (Japão), por metais pesados (mercúrio,
ção do nível de ozônio na atmosfera ocuparam es- cádmio e chumbo) nos rios amazônicos (Brasil), por
paço considerável nos meios de comunicação, mos- bifenilas poli-halogenadas em Michigan (EUA) –
trando que a vinculação do homem ao meio am- têm alertado o interesse público para a proteção das
biente é mais complexa do que a sua simples expo- comunidades.
sição aos produtos tóxicos. Ressaltam que as inter- No quarto capítulo – Avaliação de risco para a
venções antropogênicas no meio ambiente devem saúde humana e ecossistemas –, Lene Holanda S.
abranger a saúde humana e a ecologia. Veiga e Horst Monken Fernandes apresentam a pro-
Durante o processo de avaliação de risco, na re- posta preconizada pela Agência de Proteção Am-
lação específica risco/benefício, geralmente o fator biental Americana (U.S. EPA, 1989) utilizada para
econômico é mais considerado do que a saúde do avaliar o risco da poluição do meio ambiente. A me-
homem. E no caso ecológico, o risco é quase des- todologia, que instrumentaliza a referida propos-
considerado. Apesar de não estar diretamente rela- ta, incorpora o conceito de dose para poluentes não-
cionado à saúde humana, seu impacto ocasiona uma radioativos, já aplicado na área de radioproteção.
série de problemas que pode deteriorar a qualidade De forma genérica, a dose é definida como a quan-
de vida do homem, como extermínio de uma co- tidade de substância incorporada ou absorvida pe-
munidade de predadores por pesticidas, extinção lo organismo e por ele metabolizada (WHO, 1978),
local de espécies animais e vegetais, substituição de ou, no caso da radiação, como a energia média da
peixes de alto valor comercial por populações me- radiação depositada pela radiação ionizante no ele-
nos valiosas, alteração na capacidade de um ecos- mento de matéria m Icru (1980). Assim, na avalia-
sistema em depurar certo tipo de rejeito e mudan- ção da dose, é fundamental a quantificação da ex-
ça nas composições físico-químicas do ambiente. posição a um contaminante ou radiação. Mas, lem-
Segundo os autores, a abordagem das conse- bram os autores, o uso de valores genéricos de li-
qüências das intervenções antropogênicas no am- mites de concentração como unidade de controle
biente deve agregar diferentes aspectos do conhe- para contaminantes, às vezes, apresenta-se inefi-
cimento. Esta visão integrada, reconhecida como ciente – por exemplo, quando vários contaminantes
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nela, Devust, Hens e Lefrèvre-Witier). O último tex- à limitação, à interrupção ou à abstenção de trata-
to da seção é a uma entrevista com Isabelle Grimaud mento; planejar a distribuição de recursos e a or-
e Claude Monleau sobre a criação e os objetivos do ganização dos sistemas de saúde) e conclui que mes-
curso Ambiente, Ecologia e Sociedade em Marseille. mo se justificado e necessário, o emprego deste ins-
A terceira seção contém nove textos focalizan- trumento cria alguns dilemas éticos, exigindo por-
do mais particularmente a relação entre qualidade tanto, uma vigilância severa no nível individual e po-
de vida e saúde. Alain Leplège e Anne Marciniak, lítico. O artigo de Catherine Déchamp-Le Roux de-
no primeiro artigo, afirmam que, mesmo havendo nuncia a tendência atual em confundir tecnologia
consenso entre os pesquisadores sobre a necessida- médica e qualidade de vida. A autora afirma que o
de de levar-se em conta a qualidade de vida na ava- conceito de qualidade de vida está longe de ser pa-
liação dos serviços de saúde, alguns problemas con- dronizado e não corresponde a nada objetivável.
ceituais continuam a permear a abordagem das re- Ela é extremamente crítica em relação ao QALY,
lações entre qualidade de vida e saúde. A primeira instrumento que mede os anos ganhos ponderados
delas seria a ausência de fundamentos teóricos das pela qualidade de vida. Segundo Déchamp-Le Roux,
medidas de qualidade de vida, e a segunda seria re- a aritmética dos QALY favoreceria aqueles que já
lativa aos limites dos modelos atualmente disponí- são favorecidos, hierarquizando a vida e podendo
veis quando se trata de apreender a percepção dos acentuar as desigualdades naturais e sociais.
pacientes. O modelo médico, na opinião dos auto- Os dois textos seguintes referem-se a duas en-
res, atribui um peso excessivo ao aspecto funcional, trevistas, uma com Jean Marc La Piana, outra com
ignorando a diversidade de valores atribuídos pe- Cristian Brunet. La Piana é médico e responsável
los indivíduos ao exercício de determinadas tare- por La Maison, unidade independente, não hospi-
fas, as variações interculturais e os ajustamentos talar, que acolhe pacientes com Aids, cujo objetivo
que podem intervir para preservar uma certa qua- principal é a qualidade de vida no fim da vida. Ele
lidade de vida. Leplège e Marciniak chamam a aten- ressalta que, nesse contexto, qualidade de vida tem
ção para o fato de que o modelo médico postula um muito pouco a ver com escalas de medida, é mais
nível ótimo de funcionamento humano ao qual as- uma questão de relação com o outro e de respeito ao
pirariam todos os homens, mas que, muitas vezes, outro. Cristian Brunet, professor de anatomia e ci-
sob o pretexto de recolher percepções dos pacien- rurgião, é entrevistado sobre suas atividades de pes-
tes, as pesquisas construídas a partir deste modelo quisa. Brunet explica que seus trabalhos de inves-
continuariam apenas a refletir julgamentos profis- tigação buscam aumentar a segurança dos veículos
sionais. Para que os pacientes possam verdadeira- e, em particular, aumentar o conforto dos indiví-
mente expressar suas opiniões, nos lembram os au- duos que devem permanecer assentados enquanto
tores, é preciso que as perguntas dos questionários dirigem visto que o ser humano não foi feito para per-
reflitam suas reais preocupações. Leplège e Marci- manecer assentado durante muito tempo.
niak sugerem a substituição do conceito de quali- O artigo seguinte, escrito por Marie-Odile Car-
dade de vida pela noção de saúde subjetiva, que lhes rère, Gérard Duru, Béatrice Fervers e Hans-Martin
parece mais adequada. Späth, focaliza aspectos práticos e teóricos relacio-
Pasqual Auquier, Marie-Claude Simeoni e Hé- nados à avaliação econômica em saúde. A avaliação
lène Mendizabal, autoras do seguinte artigo, discu- econômica, segundo os autores, tem por objetivo
tem os fundamentos teóricos das medidas de qua- fundamentar decisões relativas à distribuição de re-
lidade de vida ligada à saúde, seus objetivos e suas cursos; se ela é indispensável na área da saúde, é
aplicações. Expõem também as grande linhas de também nesta área que ela é mais problemática. Na
construção e validação de uma medida de qualida- primeira parte do trabalho são examinados os mé-
de de vida. As autoras ainda se interrogam sobre a todos mais utilizados na avaliação econômica e, em
adequação do emprego em saúde da terminologia particular, os métodos de avaliação de qualidade de
qualidade de vida. Suzanne Rameix desenvolve o seu vida em saúde. Na segunda, os autores se interro-
artigo em torno de três questões principais: por que gam sobre as teorias subjacentes a esses métodos.
construir este instrumento de medida que é a qua- Concluem afirmando que, apesar de inúmeras di-
lidade de vida? Em que situações pode ser utiliza- ficuldades tanto no plano teórico quanto no práti-
do? Quais as dificuldades éticas que surgem nestas co, a avaliação econômica é indispensável. Entre-
situações? A autora lembra que, com a quantificação tanto, é preciso ser consciente dos limites de certos
da ciência no século XVII, houve uma ruptura en- conceitos e lembrar que os resultados da avaliação
tre os fatos e os valores, tal abordagem teria reve- econômica não devem ser utilizados de forma me-
lado seus limites e favorecido o surgimento, no sé- cânica; eles ajudam orientar as decisões, mas não
culo XX, de uma tendência a reintroduzir a dimen- devem substituí-la.
são qualitativa em um mundo quantificado. A me- O artigo de Bernard Barraqué focaliza a ques-
dida de qualidade de vida teria surgido, nesse con- tão do barulho e a necessidade de abordá-lo a par-
texto, como uma possibilidade de quantificação da tir de uma perspectiva qualitativa. Para o autor, as
qualidade. A autora discute as diversas situações em abordagens quantitativas e objetivas desenvolvidas
que as medidas de qualidade de vida têm sido utili- no contexto da saúde pública não resolvem os novos
zadas (para avaliar e otimizar um tratamento; es- problemas surgidos em conseqüência do aumento
colher um entre vários tratamentos; avaliar a qua- do barulho do trânsito e da vizinhança; neste caso,
lidade de vida futura para tomar decisões relativas o barulho não se refere à saúde, como no caso da
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