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Direitos Sexuai
Direitos Sexuai
04872018 1997
ARTIGO ARTICLE
Gender and sexual rights:
their implications on health and healthcare
Romeu Gomes 1
Daniela Murta 2
Regina Facchini 3
Stela Nazareth Meneghel 4
Abstract This article is an objective examination Resumo O artigo objetiva problematizar aspec-
of aspects of gender and sexual rights, and their tos relacionados a gênero e direitos sexuais, bem
implications in the field of health field, using the como suas implicações no campo da saúde. Para
methodology of an essay. The first part discuss- isso, utiliza-se o ensaio como desenho metodológi-
es femicide, highlighting that there are deaths of co. Na primeira parte, procura-se discutir o femi-
women due to the fact of being women, which nicídio, destacando-se que há mortes de mulheres
constitute what could be described as the crimes of devido ao fato de serem mulheres que se consti-
lèse-humanité or ‘femi-genocide’. The second part tuem de situações de lesa humanidade ou femi-
discusses sexual and gender diversity, with an em- genocídio. Em seguida, trata-se da diversidade
phasis on the fragility of the ‘right to have rights’ sexual e de gênero, com ênfase na fragilidade do
expressed in the deterioration in health conditions direito a ter direitos, que se expressa na piora das
of the population that is LGBTI (Lesbians, Gays, condições de saúde da população LGBTI (Lésbi-
Bisexuals, Transvestites, Transsexuals and Inter- cas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e In-
sex). Finally, the essay discusses recognition of tersexo). Por último, discute-se o reconhecimento
gender plurality, and the limitations imposed on da pluralidade de gênero e o limite aos direitos dos
1
Instituto Nacional de
Saúde da Criança, da the rights of non-usual normativebodies bodies; corpos fora da norma, criticando-se a reiteração
Mulher e do Adolescente criticism is directed at reiteration of the binary da normatividade cisgênera e binária que pode
Fernandes Figueira, and cisgender normative ethos, which can exacer- reforçar a vulnerabilidade em saúde de pessoas
Fiocruz. Av. Rui Barbosa
716, Flamengo. 22250-020 bate the health vulnerability of people with trans trans e demais corpos e identidades não normati-
Rio de Janeiro RJ Brasil. and other non-normative bodies and identities. vos. Conclui-se que, nos 30 anos de existência do
romeugo@gmail.com It is concluded that, in the 30 years’ existence of Sistema Único de Saúde, não se pode desconside-
2
Superintendência de
Promoção da Saúde, Brazil’s Unified Health System (SUS), there have rar avanços no campo político, muitos deles cria-
Secretaria Municipal de been advances in the political sphere, many of dos por conta de movimentos sociais e iniciativas
Saúde. Rio de Janeiro RJ them created by or as a result of social movements, que procuram enfrentar o feminicídio e a não as-
Brasil.
3
Núcleo de Estudos de and initiatives that seek to confront femicide and sistência adequada às pessoas LGBTI. Frente aos
Gênero Pagu, Programa de the inadequate assistance available to LGBTI peo- desafios, reitera-se a relação necessária entre pro-
Pós-Graduação em Ciências ple. In the context of these challenges, it is reiter- moção da saúde e proteção de direitos humanos
Sociais. Campinas SP
Brasil. ated that there is a necessary relationship between relacionados a gênero e a sexualidade.
4
Escola de Enfermagem, promotion of health and protection of human Palavras-chave Gênero, Direitos sexuais, Saúde
Universidade Federal do Rio rights related to gender and sexuality.
Grande do Sul. Porto Alegre
RS Brasil. Key words Gender, Sexual rights, Health
1998
Gomes R et al.
de suas demandas, por outro nota-se que, atraves- Trans-sexualizador no SUS. Seja pela invisibiliza-
sado pela matriz cisheteronormativa, o mesmo ção de outras necessidades que não a modifica-
reitera a normatividade que pressupõe uma coe- ção corporal, seja pela impossibilidade concreta
rência entre sexo e gênero que patologiza as iden- ou burocrática de acessar serviços, potenciali-
tidades e corpos fora da norma como naturaliza zadas pela transfobia, o fato é que o CIStema de
as vivências cis e binárias. Ao mesmo tempo em saúde frequentemente viola direitos e negligencia
que visibiliza as especificidades de pessoas trans, os não-cisgêneros.
paradoxalmente, naturaliza o modelo cisgênero e Nesse panorama, destaca-se o acolhimento
binário dos sexos no sistema de saúde, o que além de pessoas trans em contextos não relacionados
de limitar e/ou excluir sujeitos trans, agencia a in- às modificações corporais do sexo. Em conse
terpretação destas vivências como uma identida- quência da lógica binária e cisgênera que orienta
de de gênero em si mesma e que, por estarem fora o sistema de saúde, além de frequentemente te-
da norma, precisam ser nomeadas. rem violados seus direitos ao sigilo, privacidade
Um exemplo disso é a sobreposição entre e direito ao uso do nome social, assegurados na
a noção de identidade de gênero e as vivências Carta dos Usuários do SUS (2007), muitas vezes
trans denotada pela preocupação em averiguar a são efetivamente impedidos de acessar serviços e
“verdadeira” identidade de gênero destes sujeitos procedimentos por questões burocráticas e ope-
e pela ideia de que este é um atributo exclusivo de racionais de um CIStema que não prevê atendi-
pessoas trans. A ideia de que vivências cisgêneras mento para identidades e corpos não normativos
são normais e inquestionáveis e não resultado da e suas necessidades em saúde.
sujeição às regulações do gênero e da repetição No contexto hospitalar, por exemplo, há
reiterativa das normas67, conduz a compreensão casos de alocação de pessoas trans em salas de
de que a atribuição de gênero e construção iden- emergência e enfermarias em desacordo com sua
titária são uma particularidade daqueles que es- identidade de gênero fora do Processo Transse-
tão fora da norma. xualizador. Frequentemente é negado a quem
Tal fato pode ser observado claramente no não fez requalificação civil a alocação em setores
Sistema de Informação de Agravos de Notifica- compatíveis com sua identidade de gênero, o que
ção (SINAN) por Violência Interpessoal ou Au- além de ser uma violência por não reconhecer a
toprovocada cuja ficha de notificação/investiga- autodeterminação do gênero viola o direito à pri-
ção e instrutivo revelam uma naturalização da vacidade e ao sigilo.
cisgeneridade e a intepretação das vivências trans Fora do contexto hospitalar, destaca-se a limi-
como sinônimo da identidade de gênero. Além tação ou impossibilidade de oferta de linhas de
de no campo “sexo” não haver qualquer esclare- cuidado vinculadas ao gênero para pessoas trans,
cimento se este item se refere ao sexo biológico como é o caso da assistência ginecológica e obs-
ou do registo civil, há uma recomendação do ins- tétrica e ao acesso ao aborto legal. O fato desse
trutivoViva68 que, no caso de pessoas trans, deve tipo de assistência ser generificado e exclusivo
ser preenchido o campo “identidade de gênero” para usuárias do gênero feminino, inviabiliza a
que, com as opções “travesti”, “mulher transexu- atenção a homens trans em decorrência da não
al”, “homem transexual”, “não se aplica” e “igno- conformidade entre sexo e gênero vivenciada por
rado”, revela a interpretação das vivências trans eles. Assim, se para aqueles que não realizaram re-
propriamente como identidades de gênero que qualificação civil o reconhecimento de sua iden-
por estarem fora da norma precisam ser formal- tidade de gênero paradoxalmente pode invisibili-
mente identificadas. zar a necessidade dessas modalidades de atenção,
Há também a questão da compreensão da para os que passaram por esse processo isto é um
identidade de gênero como determinante social problema burocrático dado que no Brasil a oferta
da saúde. Ainda que o entendimento de que este desses cuidados não está prevista para pessoas de-
componente interfere nas condições de saúde signadas com o gênero masculino.
daqueles que apresentam identidades não nor- Assim, apesar da relevância do conceito de
mativas seja extremamente positivo, isto revela identidade de gênero, a utilização acrítica do
a insuficiência do sistema de saúde que, cisnor- caráter reiterativo da normatividade cisgênera e
mativo e binário, exclui e impõe limites às pes- binária desta noção pode reforçar a vulnerabili-
soas trans no exercício desse direito, a despeito dade em saúde de pessoas trans e o negligencia-
de alguns esforços do poder público em enfrentar mento destes e de outros sujeitos cujos corpos e
sua vulnerabilidade, como o reconhecimento do identidades estão fora da norma. Apesar de sua
uso do nome social e formalização do processo importância é fundamental problematizá-lo para
2003
Colaboradores
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[acessado 2017 Nov 8]. In: http://www.genevadeclara-
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2005
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