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6, AFOTOGRAFIA E O SISTEMA DAS ARTES PLASTICAS Annateresa Fabris: ‘© nascimento da fotografia, assim como toda a sna histéria ~ afirma Francesca Alinovi - “baseia-se num equivoco estranho que tem a ver com sua dupla natureza de arte mecnica: 0 de ser um instrumento preciso ¢ infalivel como uma ciéncia e, a0 mesmo tem- po, inexato e falso como a arte. A fotografia, em outras palavras, encarna a forma hibrida de uma ‘arte exata’ e, ao mesmo tempo, de cia artistica’, 0 que nfo tem equivalentes na histérin da pensamento ocidental”. © carter hfbrida da fotografia, embora com outros argumen- tos, € também sublinhado por Paul Virilio. O ensafsta francés de- tecta tres tipus de presengas nas experiéncias de Niepce: uma he- 4. Alin, La Fotografias Mucione dela Rest, iar F.Alinoi & C. Marra, La Forosrati, Mt sone e ivetoaone?, Blog, 108, p18. ranga artistica, patente no uso da cfimara escura, no sentido dos va- lores ¢ do negativo emprestados a gravura e na influéncia da pro- cesso litogréfico; uma l6gica industrial, derivada sobretudo dest um vetor cientificu, preseite uv usu de lentes de teleseépio ou mi lise dos primeiros ensaios fotogrificos mostrar facil- mente que, de inicio, 0 novo invento se pauta sobretudo por um re- pert6rio derivado da tradicdo pictorica ~ retratos. paisagens, natu- rezas-mortas, Se tal imagistica é uma conseqiiéncia natural.da deri- vagdo artistica dos primeiros fot6grafos, nao se podem esquecer, porém, as raz6es técnicas que estdo na base dessa atitude. Os lon- yos tempos de exposigdo e a conseqiiente necessidade de imobili- dade do modelo fuziam com que a fotografia tivesse que resttingir © alcance de suas possibilidades de registro, conformando-se, a princfpio, a composicdes j4 consolidadas no imaginario artistico da sociedade oitocentista, Se uma composigio como a Natureza-morta de Daguerre (1837) € testemunho da dimensio iluséria da fotografia — pela es- colha dos signos culturais nela presentes ¢ por sua disposigdo -, seu autor, entretanto, articula um discurso tedrico na diregio con- traria, enfatizando o carater cientifico de seu invento, a exatidao de imagem por ele propiciada, consciente de que 0 consumo visual de seu tempo encarecia outras categorias que nao as artisticas. ‘Um discurso semelhante é desenvolvido por Talbot em The Pencil of Nature (O Lapis da Natureza), primeiro livro ilustrado com forografias, publicado em seis fasciculus cule 1844 ¢ 1846. Interes- sado em demonstrar 0 aspecto cientifico do caldtipo, Talbot depre- cia o papel da mao e a inteligéncia do fotdgrafo em favor da objeti- vidade da maquina, escrevendo na apresentagio do livro: ‘As pranchas da presente obra foram impressas pela nica ago da luz, sem qualquer ajuda do iépis do artista. SEo 08 préprias pinturas do fol © ndo, como algune imaginaram, sravurae do imitagio, 2. P. Vino, La machine de vision, Pais, 188, pp. 104105 4 175 Sua diminuigdo da invencdo em prol de agdes mecéinicas che- ga a tal ponto que nao hesita em afirmar: [A pinturs, deepojada dar idsiae que a scompanhom ¢ considerndy apenas em sia natureaa dltim, nada mis & a qe uma sucesso ou variedade de lures mais fortes fouadas sobre uma parte do papel e de sombras mais profundas na outea(.)*. © fotdgrafo Talbot nao confirma, entretanto, tais afirmacdes. Longe de serem apenas produto do sol, suas imagens sfin eompostas de acordo com a gramatica visual herdada dos pintores holandeses do século XVII ¢ dos paisagistas ingleses dos séculos XVIII e XIX, denotando um gosto particular pelos cédigos realistas, que vinham ao encontro das peculiaridades visuais da fotografia. préprio termo escolhido por Talbot para 0 seu proceso — lapis da natureza ~ 6 mais uma demonstragio do estatuto hibrido da fotografia em seus comegos, da nao-resolugio inicial entre cia e arte. Se a imagem é formada apenas pela natureza, a termino- logia do autor remete, porém, a Ambito da arte, assim como outros vocdbulos usados para designar as primeiras fotugrafias: ponto de vista, desenho, gravura, Uma prova de que esta indefinigio perdura durante um longo tempo é dada pelo titulo de um livro de Muffone, publicado em 1887, Como Pinta o Sol, para 0 qual se pode, entre- tanto, aventar a hipotese de ma estratégia comercial. O discurso da fidelidade ao real, da exatidio, mobilizado pela propria fotografia, que confere verdade ao meio em si, que atribui autenticidade ao que registra, independemtemente da natureza do referencial, volta-se contra ela quando tenta ser aceita no pantedo artistica. ‘A separagio entre “espirito” ¢ “matéria”, latente nesse dis- curso, levaid a catalogar a fotografia entre as artes mecdnicas: 20 fotdgrafo nao se reconhece a capacidade de selecionar, de distin guir 0 belo do vulgar, de organizar a composicav, de modificar a aparéncia do real. Nem mesmo um detensor da poetica reallsta 3. W.H. Pow Talbot, The Pencil of Notre, New York, 199, p leury escapa dessa visio redutora, Ao contrapor 0 ncista ao fotdgrafo, escreve 0 autor de Recondagées ¢ Ketratos Jo que vejo penetra cm minha cubeya, desce para minha pena e se forma 0 que ym igual ante A diferenga entre romancista e fotdgrafo reverbera naquela nais ampla que opde o pintor ao fotografo. Se um pintor como roche recunliece positividade av daguerreotipo ja en 1839 “tema de observagao e de estudo”, demonstrando nao temer parentemente sua concorréncia no terreno da representacdo’, bem € a reagéo da maioria dos artistas, que pereebe no novo in- ento uma ameaca, nia apenas em termos de cringio, mas de dominio de mercado. O cardter Gnico do daguerrestipo ndo é um obstaculo a con- neia com o retrato em miniatura, concorréncia que se tornard sinda mais acirrada quando, gragas ao negativo, a fotografia se tor- na uma imagem miltipla, Para compreender o impacto da nova imagem sobre 0 pablico e 0 conseqdemte isolamento dos artistas tradicionais, bastaré comparar a presenga de miniaturas nas expo- des da Academia Real de Londres antes e depois de 1839: 1800 ¢ 810: 200 miniaturas; 1830: 300 miniaturas; 1860: 64 miniaturas; $70: 33 miniaturast. Para sobreviver. a maioria dos miniaturistas € obrigada a ser- 2 do daguerrestipo, uma vez que a clientela passa a exigir uma ior verossimilhanga, ou « transformar-se em fotdgrafo ou aju cane de fo.dgrafo para as uperagdes de rewoque € culuragau. 1. Segue, Detacroe ela paugraphs, Vass 1 1 Sehart Ate Fotgrfia, Totina, 1972 37 A. De Faz, immapue Foogatea. Sona, Estee, heey, BONER pi. Por volta de 1860, praticamente todas como modelo a fotografia, o que explica tomad rativistas como a da Socicdade dos Aguas-furtistus, disposta a “en- trar em luta com @ futogtafia”, Mats significativo ainda eo maniles- to divulgado no mesmo ano, 1862, por artistas como Ingres, Troyon, Flandrin, Puvis de Chavannes, que protestam contra a extensiio da lei sobre a propriedade artistica aos produtos fotogrificos: § miniaturas tinham de posigio corpor CConsiderando que a fotografia se resume rma cried operas rotsente mt nuais (..) a8 provasresutantes no podem, em nenhuma crcunstncia, ser assimiladss 3 ora, ato da incelgencia edo etudo da ate” Esse tipo de preconceito permeia mesmo o discursa de inte- leemais simpaticos a fotografia como Francis Wey, que reconhece nova imagem a fungao de “agente fiel”, mas Ihe nega a “inteligén. cia”, A fotografia ndo € interpretagdo porque The faltam o “sopra da inspiragdo” e 0 “fogo do pensamento”, 0 que a leva a ser uma “fiel representacao dos objetos exteriores”, longe da verdadeira na- tureza da arte. Wey nao nega que o fotdgrafo seja capaz de empres- tar A composicdo seu “gosto pessoal”. Mas, contemporaneament afirma que até mesmo as fotografias sore papel, mais préximas da arte, 66 produzem ilusdo quando reproduzem “modelos que a inte- ligéncia humana jé tinha animado e tornado poéticos™. E importante lembrar que, se existe um 0 realista por parte da fotografia, ha fotdgrafos como David Octavius Hill, Robert Adamson, Gustave Le Gray, Nadar, Antoine Samuel Adam Salo- mon, Julia Cameron, que exploram as possibilidades plisticas do meia, em busca dle efeitas ariistions, freqiientemente interpretados, com critérios extrafotogréficos. Sintomitico & 0 caso de Hill, cujas imagens sfio comparadas iis obras de Rembrandt, Reynolds, Murillo, enquanto os nomes de Teniers, Ostade, Pieter de Huvelt, sav evoca- dos para a série de Newhaven, fruto de sua parceria com Adamson. 7. Apu A. Rovllé, “La peinture, Pests dele photographie". Citqu, (489-460), 2008 cep. ORS,» 813; Sagne, pp 13.14 Apu Rouilé pp. 832-833. 181 © nome de Rembrandt é lembrado também para as obras de Julia Cameron e Adam Salomon como avaliagao positiva de um ti- po de imagem que negava o carter prosaico da fotografia. Adam Salomon, para abrandar a dureza dos contrastes obtidos em plena luz, busca uma luminosidade particular, desfoca suas composigdes, conseguindo efeitos plisticas, que estio na hase da comparagio com o pintor holandés. Adam Salomon declara-se escultor, nao fotégrafo (suas com- posigdes trazem a inscri¢ao “composta ¢ forografuda pelu escultor Adam Salomon”), do mesmo modo que Le Gray se apresenta como “pintor-fotdgrafo”, denotando uma mentalidade que continuava a respeitar as antigas hierarquias artisticas, apesar de expressar-se com 1m ontra meio. Nesse clima, no deve surpreender 0 fato de Paul Périer, vi ce-presidente da Sociedade Francesa de Fotografia, postular, em 1855, a distingdo entre os “fotografos-artistas”, compardveis wos pintores, e seus “falsos irmaos (...) 05 fot6grafos industriais”. Ou de um artigo de 1903, relativo a direitos autorais, considerar o negati- vo como “original” (mesmo nao negando sua funcao de protétipo) na tentativa de estabelecer a caréter artistico da fotografia: ‘0 negativo nada mais € do que um meio para obicr a obra fotogritica, a qual consis te: artticanente, na primeiea eSpia positiva obtida e, camercialnente, num mimera maine ‘ou monor de tas cdpiae. Se para um fordgrafa exiicce a obrigacio de entregar 20 client. além dla verdadeira @ definitivo trabalho fotogrifico, 0 negativo, pela mesma radio, 0 escul- tor deveria entregar o molde de argila, que serviu para a esttua de bronze ou mirmore; 0 pintor deveria juntar ao quadro toda a série de esbogos,estudos,desenhos (.)". ar 0 attificio do retoque, destinan- do-o apenas a corregio de algumas manchas acidentais, Périer vé ticle o elemento definidor do estatuto artistico da fotografia, capaz de conferit-Ihe aquele justo grau de “indeterminagdo” que constitui “q melodia da pintura”. Nem todos, porém, concordam com seu Se Nadar se recusa a ut 9. Id, pp. 89-835; M. icone Petia, “Lingoaggio Potogratico e ‘Genes Pita, in Imagine © PP. in Mapa, 18h, p22. ponto de vista, Defendendo a especificidade do “trabalho fotografi- £0", que deveria consistir no emprego habil dos préprios procedi- ments, Durieu convida o fotGgiafu a ndo recorrer ao pincel, sob pena de falhar “a ane fotografica”™. Enquanto 0 sistema das artes plasticas discute a legitimidade artistica da fotografia, esta tenta mostrar suas vantagens aos artis- tas. Em 1860, 0 Bulletin de la Société Francaise de Photographie é bem enfaético em sua defesa da imagem mecdnica como instrumen- to de trabalho para o pintor, pois permitiria ‘her a main exatdiin som forgar 0 original a posse penoramente durante numero: suse longs sessbes.(.) O trabalho do artista & consideravelmente simplificado e, em con- seqiéneia, 0s pregos so menos elevados, as encomendas de reales aumentam numa pro porgio desconhecida até entdo, Sempre no terreno do retrato, propde-se a0 pintor que, em lugar do esbogo, use provas positivas na tela sensibilizada, caben- do-the apenas aplicar a cor. Isso diminuiria seu trabalho pela meta- de, baratearia os custos, aumentaria os lucros". Por volta de 1860, a fotografia torna-se uma ameaga também para gravadores ¢ litografos, uma vez que as reprodugdes das obras de arte passam a ser confiadas ao novo meio, mais fidedigno e muito mais barato. Léon Boulanger, diretor da Revue des Beaux-Arts, sai em defesa dos gravadores, denunciando a concorréncia da fotogra- ia neste terreno, que colocaria em risco “a arte séria da gravura”™® De nada valem essas tentativas e nem mesmo as criticas de alguns estudiosos as reprodugies de obras de arte feitas pela foto erafia, incapazes de captar a idéia, falaciosas ¢ vulgarizadoras por- (que fruu de um trabalho apenas mecanico”. © piiblico em geral e a maioria dos estudiosos de arte afas- tam-se cada vez mais das gravuras, que comecam a ser banidas dos 10, Route pp 36-857 1, Rule, Cempte deta prowyrapats, Fars, 1982, pp. 70-7 12 Aud Row "La peinture,Vautre dea photographs", p81 13. A. Fabris. “A Fotografia €'a Reprodtibiidade da Obta de Arte”. Are em So Pau, (12) nov 1982, 5.7. 182 livros especializados por volta de 1865. Confrontada com a fotogra- fia, a gravura demonstra ser bem mais pobre ¢ niu suficientemente fiel, ineapaz de traduzir o “estilo” dos diferentes artistas. Um dos primeiros a defender a utilidade da fotografia tanto para o artista quanto para a documentagio da obra de arte é, sem diivida, Talbot, que assim se expressa cm O Lapis da Naturcza: Todo tipo de pravura pode ser copiado por meios fotogrificos;e extaaplicagSo da arte & muito importante, no 86 por produzir, em geral, cépias quase facsimiles, mas por- {que nos habilita a alterar a escals a vontade e a fazer a8 edpins matores ou menores que os rigs, com desejarns, (..) mesmo artistas perfeitos valem-se agora de wna invengio que delineia em po cos instants os detathes quose infinitos de uma arqutetura gétiea que seriam dlillmente desenhadoe de forma correta na maneira habitual, mesma durante um dia intieo!, A economia de tempo e 0 registro mais confidvel, sublinhados por Talbot, tornam-se uma constante na propaganda fotogrifica, que tenta provar as vantagens que adviriam ao artista do uso da no- va imagem. Nao faltam argumentos “educativos”, que se espraiam em varias diregdes. Gragas a fotografia, o artista seria favorecido no estudo das obras do passado, padenda apreender rapidamente a “ciéncia da composigio” e o desenho dos grandes mestres. E um argumento nao falacioso, se lembrarmos que Ivins, através da andli- se das reprodugdes grificas de Laocoonte, mostra como 0 conheci- mento das obras de arte do passado pelo tramite da gravura era parcial, por basear-se freqiientemente em adaptagdes geradas pela sintaxe do préprio meio. A fotografia nao possibilitaria apenas u devouificayiu day obras dlos grandes mestres. Permitiria rivalizar com elas e até mes- mo superd-las por proporcionar uma nova percepcio da natureza em seus aspectas cambiantes e fugidios. E ainda mais: contribuindo para a educagio visual do publico, a fotografia propiciaria o estabe- Iecimento de uma escala de valores entre os artistas, gragas & qual Mather ap ee 0s profissionais se distinguiriam dos amadores, se estabeleceria um sistema de livre concorréncia, que levaria o pintor a se superar e a se aperfeigoar continuamente®, A fidelidade, alardeada pela propaganda fotogréfica, € um elemento decisivo na adestio de Ruskin ao novo invento. Excluindo © daguerreétipo do dmbito do “veneno mecénico que este terrfvel século XIX despejou sobre os homens”, utiliza-o como registro do- cumentésio desde 1841, Combina-o freqientemente com aponta- mentos graficos, como em As Sete Ldmpadas da Arquitetura (1849), em que afianca poder responder pelas proporgées gerais, e, até mesmo, pelas “gretas das pedras e por seu némero”, Sua atitude naturalista leva-o ainda a servir-se da fotografia em Amostras da Arquitetura de Veneza (1851) ¢ Elementos de Dese- nha (1857), em que sugere aos artistas 0 uso das reprodugées das esculturas das catedrais francesas para estudar os pauejaiientus (copicm algum trecho, poderav cunstatar 0 que falta a seus estu- dus a partir do real”) e das fotografias de paisagem para “criar ma- tizes delicados”", até comegar a pregacdo contra a mecanizacdo ¢ 0 amesquinhamento da visio nos anos 70. Walfflin, por sua vez, exibe uma atitude ambivalente perante a documentagio fotogrifica. Guiado pelos critérios da pura visual dade, aprecia as tomadas frontais de edificios e esculturas, que res- peilam @ perspectiva renascentista. Reprova, consequentemente, outras tentativas de visualizacdo no ortodoxas, que considera “er- radas” porque poderiam ocultar partes importantes, nao dar 0 justo relevo ao modelado ou alterar relagdes de profundidade entre os varios componentes de uma escultura. O historiador sufgo estava reprovandy na fotografia justamen- (e uquilo que um fotdgrafo como Brogi considerava sua contri- bugao essencial, a “traducéo”, Partindo da idéia de que a fotogra- fia era criagdo, Brogi solicitava que se aplicasse a legislagio relativa Liempire de ia photographie . 71; W.M. loins Je, Inagen Impreza y Conocinieno, Bace- 773, p. 131 ype 97, 99,3. Raskin, Las Sit La ws de ryan, Mah 2, p20. 104 105 aos direitos autorais: @ tradugao de uma obra de arte pelo nove mneio poderia constituir-se numa outra obra de arte, a merecer a 1u- tela legal! © capitulo dos direitos autorais, alids, & um dos mais interes- tes na hist6ria da fotografia oitocentista em suas relages com as artes plasticas, Um dos cpisédivs mais signifivativos dessa verdade ra batalla € o processo que os fotdgrafos franceses Mayer e Pierson movem contra seus concorrentes Bethéder e Schwabbé, acusados de terem reproduzido abusivamente dois de seus retratos. Seu pe- dido de aplicagio da legislacdo relativa A propriedade artis suas obras nao & bem sucedido porque a fotografia nao era conside- rada arte, A primeira sentenca desfavordvel respondem os argumentos do advogado Marie, que descreve em termos legais a nova arte € 1 compara a pintura, baseado na verdade ¢ na beleza. Se a arte é be- leza e a beleza é verdade, entdo a fotografia é arte, pois fascina 0 olho em sua aparéneia exterior. Se a pintor observa, imagina, con- cebe e cria, também copia quando se aproxima daquela natureza que admira. O fot6grafo nao é apenas uma mao que manipula um instrument, pois deve ter uma imagem na mente, composta por sua fantasia, captar com a camara o que a inteligencia concebeu, transmitindo-o a sua obra. © tribunal dé razio a Marie, “considerando que os desenhos Tolwgraticos nio devem ser necessariamente ¢ em todo caso consi derados destitufdos de todo cardter artistico”. A peticiio de Ingres, Flandrin, Troyon, Puvis de Chavannes, a que nos referimos anteriormente, provaca uma retomada do pro- ccsso. E refutada, entretanto, a 28 de novembro de 1862, quando o tribunal confirma a sentenga anterior: a fotografia pode ser produto do pensamento e do espirito, do gosto ¢ da inteligéncia, Pode ser a expressdio de uma personalidade. Pode ser arte. 17. Pieone Petrus, pp. 45,48 Para €a0os witeriores sobre a protematics da vepraduyio da os ue pole fpf vide Paid ops oe Argumentos semelhantes aos do advogado Marie sio utiliza- dos por um fotégrafo, Brogi, em 1885, em defesa da autonomia lingistica da fotografia. Nao neganda a aspecto reprodutivo da fo- tografia, Brogi defende, ontretanto, 0 “carater” © a “fisinnamia” peculiares de seus produtos, sublinhando os elementos intelectuais inerentes a uma tomada fotogréfica: E necessério que o opecadortenha muito conhecimento do process quimico;prt- «1 gosto arisen para escolnero ponto de sta quando se trata de monumentus wv Ue vis las. E necessrio que esd 0 ponto de luz mais favordvel para obter aqucles justos con teases do caro erro, do mie tons, com aufcinte forg de conjunto. E nozessiri, fe nalmente, que expere a heneplicto do fator principal da flograia (a hz) para realizar © twabathot, Nem sempre, porém, a afirmagio do caréter artistico da fato- grafia toma 0 caminho dos tribunais. Os fotdgrafos partidirios da “fotografia de alta qualidade artistica” enveredam francamente pe- lo caminho da alegoria, da imitagau da pintura holandesa (Rem brandt, Hals, Van Dyck, de Hooch), inglesa (Gainsborough), das expressdes contempordneas, compondo obras religiosas, nature- zas-mortas, cenas de género, ilustrando livros, inspirados em poe- mas ou em figuras literdrias, lendarias, herdicas. Se os forografos se empenham nesse tipy de produgi, « busca do status que Ihes era negado, a critica, por sua vez, nio deixa de elogiar aqueles que buscam temas mais elevados do que a “mera reprodugdo da realidade”. Para salvar a fotografia da viséo corrente de “arte mecfnica”, a critica incentiva os fotdgrafos a representa- rem temas hist6ricos, literdrios, aneddticos, ricos de imaginagao. Bastard atentar para os titulos dessa vertente para compreender de que modo os fot6grafos “artisticos” respondem a esse incentivo ¢ a uma nova demanda no consumo de imagens: Os Dois Caminhos da Vida, Aurora e Creptisculo, A Moribunda, Dom Quixote em seu Ga- hinete, A Festa do Bardo, As Aventuras de Robinson Crusoe, Uma 18, Schac, pp. S157; LA. Keim, Hise de a phowgraphi, Pars, 1970, p. 4S; Peone Petra, pp. 32. 186 187 Cena na Tore, A Cabeca de Sao Jodo Batista, Iigénia, Judith « Hotofernes... Uma das mais famosas fotografias alegéricas é Os Dais Cami- nitos da Vida (1857), de Oscar Rejlander, que tem o tamanho de uum quadro de cavalete (78 x 40). O tema obede: iconogratia pintura académica, que imitava inclusive na pose das figuras, evo: cadoras de estituas greco-romanas. A obra é admirada ¢ adquirida pela rainha Vitéria, mas sofie uma série de criticas — represen- Tagao realista de uma alegoria, poses demasiado teatrais, compo- sigio em fotomontagem ~, chegando a ser censurada pelo uso do nu por demais naturalista. Porém, nada disso consegue alterar a opiniao pablica, que considerava Os Dois Caminhos da Vida 0 nivel mais elevado aleangado pela fotografia até aquele momento Autor de fotomontagens & também Henry Peach Robinson, cujo livro Efeitos Pictérivos na Fotografia (1869) se torna uma espé- cie de bfblia para aqueles profissionais desejosos de conferir a seu meio 0 mesmo status das téenicas tradicionais. Robinson, de fato prega o uso de todo tipo de truque para “evitar o feio, o banal, 0 desagradivel e tender a (...) corrigir 0 que ndo tem cardter pictori- co. Muito pode ser feito, e se padem obter imagens belissimas com uma mistura de realidade e de artificio”". Ao lado da fotografia alegérica ¢ da fotomontagem que, freqlientemente, confluent numa duica expresso, impoe-se a fotu- gratia pictorica. Disdéri, em A Ante da Fotografia (1862), nao so compara a cimara ao pincel, como exorta 0 fotdgrato a lancar mao de todos os temas pietéricos, com excecio daqueles em que a cor era fundamental Na realidade, a fotografia pictérica € mais académica do que a pintura em que se inspira, ndo sé pelo apego ao modelo que a pratica moderna fa deixando de lado, mas sobretudo por nao levar em consi- deragdo aquilo que Max Kozloff denomina o “territorio do meio”, ov seia, sua relacdo coma realidade, com o “fluxo dos acontecimento: 19. Apud La For dre, Milano, 183, vo. Ip. 12 20. 1, p12 Os fot6grafos pict6ricos utilizam um estilo quase uniforme, caracterizado por tons sombrios, textura granulada, efeitos decora- tivos, falta de perspectiva. Gracas a novas técnicas de positivo, alte- ram de tal forma a imagem fotogréfica a ponto de torné-la seme- Jhante a um quadro, sobretuda nas exposigdes sobre tecido, Algu- mas dessas fotografias, no afa de diferenciar-se das producoes dos amadores, chegam a dar a impressio de imagens feitas a lapis e a curvao. ‘A passagem da fotografia pictorica & fotografia mudeiua acontece nos Estados Unidos por obra de Altred Stieglitz, fundador da Photo Secession, voltada para o progresso da imagem técnica en- quanto expressio artistica dotada de especificidade ¢ de autentici- dade préprias. Tenda comegacio ele proprio como fotdgrafo picté- rico, divulga, de inicio, em Camera Work os trabalhos de Demachy, Steichen, Coburn, Kiihn, White, Gertrude Kasebier. Muda sua per- cepgiv sob o impacto da arte contemporénea ~ divulga nos Esta dos Unidos as obras de Toulouse-Lautrec, Rodin, Cézanne, Picasso, Matisse, Braque -, rejeita 0 pictorialismo como procedimento de vanguarda®, privilegiando no fim da experiéneia, 1917, um totogra- fo purista como Paul Strand, Se a fotografia chega a perder de vista o léxico que Ihe era proprio na tentativa de ser aceita como arte, suas relagdes com esta podem ser investigadas numa outra diregéo, proporcionalmente in versa. Trata-Se, nessa outra vertente, de determina: como a arte se serviu da fotografia para além de sua fungdo documentaria, como refletiu a respeito dela. Embora a fungio documentéria continue a ser enfatizada até mesmo por um pensador positivista como Taine, 0 qual estabelece uma distingdu fundamental cutie a arte © a “imitagao absolutamen. te exata”, confiando a fotografia o papel de “auxiliar” da pintura™, niio se pode esquecer que a defesa extremada dos codigos de repre- 21, Virio,p. 104 HLTane, a Murti ha Or ae, Bic, 2907, p31 188 180 sentagdo tradicionais esconde freqiientemente emprestimos nem sempre assumidos ou francamente revelados. Um indice desea atimde & dado por Ingres que, apesar de opor-se ferrenhamente a fotografia, deve ter utilizado daguerredti- Pos como modelos a partir de 1841. Scharf, que aventou essa hi tose, alinha uma série de arguieutus que Ihe parecem significatl- vos: uso de cores quentes € metilicas nos retratos posteriores a 1841, maior precisao, peculiaridade de algumas poses (mao susten- tando 0 queixo, disposigéo invertida em alguns esbogos, que pare- cem seguir 0 deslocamento da imagem para a direita, tipico do da- guerretipo)®. Diferente € a atitude de Delacroix, cujas primeiras reflexdes documentadas sobre a fotografia remontam a 1850. Na resenha do livro de Elisabeth Cavé, Método de Desenho sem Mestre, publicada pela Revue des Deux Mondes, Delacroix expde as vantagens do uso do daguerreétipo, capaz de remediar as lacunas do ensino, desde que “bem compreendida”. Tradutor que inicia nos segredos da na- tureza, o daguerre6tipo 6 um reflexo do real, uma e6pia até certo ponto falsa por sua exatiddo, Leva o artista a perceber mais do que veria normalmente, renova sua visdo, posto que “alguns detalhes quase sempre negligenciados num desenho a partir do real assu- mem uma grande importancia caracteristica e introduzem o artista no conhecimento completo da construgio”. Se isso é positivo, 0 ar- tista ndo pode, porém, esquecer que o olho corrige 3 nossa revelia as imperfeighes e as deformagies da natureza: usar de maneira cor- reta o daguerre6tipo significa ver nele um ponto de partida para conhecer melhor aquela que para Delacroix é a primeira fonte de inspiragao, ciente de que “em pintura é 0 espirito que fala ao espiito enao a ciéncia que fala a ciéncia”. Intermediaria entre a natureza e o artista, “espécie de di- cionério”, a fotografia nao é fonte de inspiragdo. Delacroix reco ubece-lhe fungdes bem precisas — aneio de infurmagau para quent 22. Sekar, pp AE M6. white Pomar pinta de meméria; instrumento de corregio para as incorrecoes das tradugdes grdficas das obras do passado -, a0 mesmo tempo em que lamenta seu aleance limitado: ela “estraga as obras-primas sem nos satisfazer completamente” E provavel que Delacroix perceba no daguerrestipo um modo de rejeitar os modelos classicos, e seu interesse pelas “academias instantineas ” parece comprovar a hipétesc. Amigo de Duricu, cria com sua colaboragao uma série de instantdneos de nus masculinos & femininos, que trazem a marca Ue seu estilu ua Eufuse dada av jogo muscular, 20 dinamismo latente, a certos efeitos de desfocado, a certos tipos de iluminagao. Se aprende “a ler” em cima deles, Dela- croix no os usa, porém, servilmente, integrando as imagens técni- cas a seu mundo interior ¢ transformando-as em visoes ideais abso- lutamente pessoais®. Delacroix nao concede mais do que isso & fotografia. Polemi- zando com os realistas, usa a como exemplo negativo - fontc de visdes aberrantes, distorgao do visivel, alucinagdo do veal — porque niio se coaduna com sua concepgdo da arte como territério da ilusao, da idealizagao, da emogao e porque pressente nela o ins- trumento de uma nova visio do mundo, dominada pelo materialis- mo, na qual o criador nao teria mais vez™. Se Delacroix percehe na fotografia um registro fiel a ser car- rigido pelo olho, alheio a suas potencialidades artisticas, a sua ime- diatez, nao seré muito diferente a atitude dos pintores realistas, que se véem atribuida uma derivagéo fotogréfica direta por parte de seus criticos e detratores. A critica contra o realismo nao se baseia tanto na primazia absoluta dada ao presente, quanto em supostos procedimentos fotograficos: a “selecdo indiferente”. a equiparacdo de todos os temas, o interesse pelos aspectos mais grosseiros e mais banais da realidade, o banimento do belo e da idéia do campo pict6rico. 24, B Delacroix. “L'aseenamento del Diseeno in: La Critica dane e alot Seria. Milano. 1956. rp. 15:16, Journal, Pais, 1960, voll pp 89,58 25, Sapne, pp 78, 3,82; Delacroix, four. 399. 26, Supe, pp 68-49, 95. 193 Delécluze é muito enfitico nesse sentido, quando i daguerredtipo e & fotografia lismo. O mputa si " “culpa” pelo surgimento do nature tcleeto ¢ o olho do artista transformam-se numa especie de & ‘que, sem vontade, sem gosto, sem conseienc subjugar pela aparenc sas, quanaquer que elas Sejam, €fegistrs mecanteien fe suas imagens. O rentunts #8: mesmy transfor iaese i achatavte num espetho, ¢ wa caratsrstica principal & ser perfeitamente uniforme « tam bolo acsbamento prateado Realismo ¢ fotografia acabam freqiientemente constituindo uma dimensdo unica para os defensores da arte como “fantasia” como negagio da existéncia fenoménica. Uma prova dessa atitude dada por Baudelaire, que, em sua célebre diatribe, ataca contempo- raneamente um e outra, Vendo na “indtistria fotogritica’” o reftizio dos pintores fracassados ou preguicosos, a fonte de “estratagemas indignos” que se conformam 4 “visio pervertida”. ao gosto vulear do piblico, destruindo o belo, o impalpivel, 0 imagindrio, o deva- neio, 0 poeta acusa, através dela, a tio deprecada doutrina e a industrial num deslocamem de cixo refereneial que ndo pode dei xar de ser considerado original”. Se eriticas como as de Delécluze ¢ Randelaire deixam trans- parecer um fato inegével — a transformagio da imagem fotogrifica ‘em fonte de inspiragao para boa parte da pintura francesa -, é ne- cessério lembrar, em contrapartida, que a 1elagao dos realistas com a fotografia nao é transparente. Embora no caso de Courbet seja possivel proceder a compa- ragoes entre alguus Uc scus quadros ¢ as aeademias fotogrifieas que The servem de ponto de partida pela naturalidade da pose, pelo caréter impessoal das figuras, por algumas paisagens em que sé mesmo .o sombreado evoca a imagem precedente de Adolph 277, Apc Sent, p. 150; C. Baudelaire, “Le pubic moderne et 1a protogrepeie™n. Eirisan Fa segrice Ii pp. 16-2. Para dade» wltesore sobre a iso ont reaista de Baudelaire ide Fs Teno. Madero Eiemo' 0 Crea de Arie de Raudelaice”, Reviia Comunicacies ¢ Are 12(15), 1866, ph. 185-106 o ha evidéncias de que 0 pintor conferisse & fotografia maior do que aquele que Ihe outorgava Baudelaire: 0 (0 de “humulima serva” da arte como a imprensa € a es- Se a fotografia néo foi a causa Gnica do realismo, como q ram Os eritigus de ambos, € inegavel, porém, que ha uma série de os em comum entre eles, detectaveis num ulliat mais objetivo, fase aos aspectos descritivos da realidade, no abandono do modo romantico de percepgao e de todo tipo de retorica. Num dis- 0 de 1939, Paul Valéry, se nio chega a afirmar a derivacdo do realismo da fotografia, flagra, entretanto, uma coincidéncia: a perda wgia da visdo romantica teria comecado a partir de Daguerre, ‘9 invento tornou o ato de ver mais preciso, criou um estado civil forma ilustrada”, impondo novas exigéncias de veracidade a épria arte™. Um artista que trabalha francamente com a fotogratia, vendo nela mais do que um simples apontamento, é Degas, fotdgrafo ele préprio, que encontra no instantineo aquelas mesmas qualidades Gue pretende explorar na propria pintura: imediatez, fragmentagao, éspontaneidade, Os testemunhos de Valéry ¢ Cocteau dio conta de comu Degas ulilizava o instanténeo. O primeiro refere-se a uma “qualidade de duragdo” que o pintor conferia & imayern futugrafica reelaborada no atelié, enquanto 0 segundo fala explicitamente de fotografias trabalhadas com pastel, que entusiasmam Degas “pe: la composigdo, pela proximidade e pela deformacdo do primeiro plano”®. Mais do que qualquer vutry uitista do século XIX, Degas compreende a nova visdo proporcionada pela fotografia ¢ dela se da ma 133, 0, stele, ney Zum, Danclons, 198, p37: No nosio eden, anneth Cla hepa + inverter a questo, a0 afirmar que o tratamenia de certs aspectos da pisagem por Cour bet "antecipa de uma forma incompreenive! 0 postal usta colon". C Patsagem ma Are, Lisboa, 5.4, p13. 2). P Valery, "Dacor peril Centenario della Nasita della Fotografia, in Serato ela Ftosrafia, Koma, 188, pp 40-7 20, Sezer, pp. 127.428, D. Mormono (Org), Gt aproxima, dando vida a composigdes descentralizadas, usando con- tornas sintéticos, cortes ousados, angulagdes obliquas, introduzindo uma nova perspectiva, que multiplica os pontos de vista e confere dinamismo e amplidio ao espago. Degas demonstra conhecer também a progressdo cinematica de Muybridge, que utiliza subretudy tia série das Bailarinas. Em al- gumas, antecipa ate mesmo seus resultados, ao fustapur weirs aud- Togos ou ao repetir 0 mesmo motivo para dar a impressdo de uma figura em movimento, representada em fases mais ou menos conse- cativas, Para essas imagens, Scharf aventa a hipétese de que talvez Degas eonhecesse alguns cartdes de visita de Disdéri, nos quais as figuras eram representadas numa série seqiiencial de gestas”” Se nio se pode negar que algumas qualidades da fotografia derivam da piutura coutemporanea, a tarefa que se impoe € detec- tar 0 porque de seu impacto no imagindrio social e na pritica atis- tica do século XIX. Peter Galassi oferece uma explicacao plausivel para 0 fato: a fotografia nasce num ambiente artistico que valoriza cada vez mais 0 mundano, o fragmentirio, o aparentemente nao composto, que encontra nas qualidades contingentes da percepgio um padréo de autenticidade artistica e moral, Uma vez que esses clementos jé estavam presentes no paisagismo do inicio do séeulo XIX, o que importa determinar € 0 modo pelo qual a sintaxe foto- grdfiea, mesmo com todas as suas deficiéncias iniciais ¢, talvez por causa delas, consegue colocar em crise os valores tradicionais da pintura e adquirir um aspecto original, © discurso mobilizado pela fotografia é transparente: 0 que cla voloca em primciro plano so qualidades como o detalhamento mimético, a visto imediata, a fidelidade, a exatidao, qualidades prezadas pela sociedade do século XIX, transformada em seus hai- bitos perceptivos pela Revolugdo Industrial. Tal como ‘Lhomas Gradgrind, personagem-simbolo da nova mentalidade, a fotografia 31, Scharf, pp. 28-210. 432. P Galati, Before Phovgraply, New York, 1981, pp 25-29. 196 197 parece responder ao império dos “fatos” ¢ dos “eélenlos™, color cando 20 aleance do honiem oitocentista uma mimese perfeita, que contrastava 0 “realisma simbélico” da tradigao pictériea oci dental A questéio, evidentemente, nao era tio linear, mas é no terre- ho da mimese que se trava 0 combate, muito embora a fotografia seja freqiientemente acusada de mentir, ndo por negar os dados da visio, mas por potencializ4-los. Significativa nesse sentido é a alitu- de de Rodin perante 0 instantaneo, critieado por eaptar um mo mento bloqueado, um tempo bruscamente suspenso, contrarios A “verdad” da visio e, conseqiientemente, da arte. Essa veracidade, reclamada pela arte, nada mais faz do que sublinhar como ela e a fotografia respondem a um léxico especifico Léxico, muitas vezes intercambiado, numa troca de fungdes que torna novamente evidente a exigéncia visual do século XIX a moti- var uma ¢ outra. Se podemos dizer que a pintura de Corot posteriv: 4 1848, caracterizada por tonalidades difusas, por imagens niio t0- talmente definidas, carrega possivelmente os vestigios de uma visio modificada pela fotografia, ndo se pode esquecer que a fotografia pictérica usard alguns desses atributos para negar sua natureza finica e para conqnistar um priblica em bnsea de uma arte Talvez seja efetivamente em Degas que deva ser localizada uma compreensio mais exata das verdadeiras relagdes entre a fo- tografia e as artes plisticas. Ao trabalhar criativamente com a fo- tografia, Degas langa as bases de uma nava visio artistiea, par va- lorizar freqientemente 0s defeitos da imagem técnica — dis torgoes, disposigdo casual etc. Ao transformar tais defeitos em elementos constitutivos de um novo Iéxico, Degas mostra que cap- tou @ originalidade da imagem totogratica, longe do homologo la natureza e da mimese perfeita porque capaz de dar vida a visdes innsitadas. 33. C. Dickens, Tempos Dies, Sio Paulo, 1968, p 1S Bibliogratia ALINOVE, Francesca & MARRA, Claud, La Forgrfl,Musione o Rivelzione? Bulag Mulino, 1201. BAUDELAIRE, Charles Bons sur fart Pais, Le Livre de Poche, 1971, vol 17 CLARK. Kenneth, Paisagem na arte Lisboa, Ulistia, . DELACROIX, Eugine. La Critica d’Ane eal Ser, Milano, Feltineli, 1956 — Journal. Pars, Pon, 1960, vol I. DE PAZ, Alitedo. Linmogine Fovgrafica, Storia, Exetica, eolope. Bologna, CLUEB, 1986 DICKENS, Chasis, Tempos Difcs. So Paulo, Eiges Palins, 1960 La Fowe dine. 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