Desempenho de Um Motor Ciclo Otto Utilizando Biogás Como Combustível

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DESEMPENHO DE UM MOTOR CICLO OTTO UTILIZANDO

BIOGÁS COMO COMBUSTÍVEL

JULIANO DE SOUZA
M.S. Eng. Agrícola/ UNIOESTE-CCET-Mestrado em Engenharia
Agrícola - UNIOESTE-CCET-Campus de Cascavel,
Rua Universitária, 2069 CEP 85814-110 Cascavel PR
e-mail: jsouza@unioeste.br

SAMUEL N. MELEGARI DE SOUZA


Prof. Adjunto C UNIOESTE-CCET-Mestrado Eng. Agrícola
Prof. Adjunto FAG – Faculdade Assiz Gurgacz
e-mail:ssouza@unioeste.br

PAULO ROMEU M. MACHADO


Prof. M.S. UFSM-DEM – Santa Maria/RS

Resumo

Em virtude do aumento no preço do petróleo, as pesquisas em busca de combustíveis alternativos


estão se intensificando cada vez mais. O Brasil possui grande disponibilidade de biogás oriundo
da digestão anaeróbia de resíduos no meio rural, do lixo urbano nos aterros sanitários e sistemas
de tratamento de esgotos nos centros urbanos. Neste trabalho foi avaliado em dinamômetro um
motor de ciclo Otto, alimentado com biogás, levantando-se as curvas características do motor para
torque e potência. Primeiramente foram feitos ensaios testemunhas, com três tipos de
combustíveis: gasolina, biogás e gás natural, utilizando os sistemas comercialmente
disponibilizados para estes combustíveis, para servir de comparação com os demais ensaios. Em
seguidas foram feitos ensaios para as diversas combinações de ponto de ignição, mesclador de
gases e taxa de compressão. Pela análise dos resultados pode-se concluir que o melhor resultado
de potência para o biogás foi obtido quando utilizou-se a taxa de compressão 12,5:1, mesclador
de gases longo e ponto de ignição adiantado em 45°, pois nestas condições obteve-se a potência
máxima, superior ao original biogás.

Abstract

The rising of the oil prices is increasing the search for alternative fuels. Brazil has a great
availability of biogás from anaerobic digestion in the rural area, urban waste in the landfills and
treatment of the municipal sewer. In this work were evaluated in dynamometer a cycle Otto engine
using biogas, and were obtained the characteristics curves of torque and power. First was done the
evidence test with gasoline, biogas and natural gas, using comercial systems for this fuels, using
as comparation for other tests. After has been done tests for some combinations of ignition point,
mixer of gas and compression tax. By the analysis of the results has been concluded that the better
results for power and torque using biogas as fuel were with a tax compression of 12,5:1, gas mixer
long and ignition point advanced in 45o.

Introdução

O acesso à energia é base importante da existência humana, essencial à satisfação das


necessidades básicas. Porém a dependência mundial de combustíveis fósseis para a geração de
2

energia e suprimento da demanda sempre crescente, tanto nos países industrializados como em
desenvolvimento, ameaça a estabilidade ambiental da terra. A biomassa a principal fonte de
energia limpa e renovável, reúne e transforma substâncias da natureza e as converte em energia,
sempre sob a regência do sol.

O processo de digestão anaeróbia, realizado em um biodigestor instalado numa propriedade rural,


além de reduzir a carga orgânica e gerar o biofertilizante, produz também o biogás, que é uma
mistura combustível constituída basicamente por metano e gás carbônico. O biogás pode ser
utilizado como combustível alternativo em motores de combustão interna acoplados a geradores
de energia elétrica instalados em áreas rurais.

Os motores a gás funcionam segundo os mesmos princípios dos motores diesel e gasolina,
bastando apenas algumas modificações no sistema de alimentação, ignição e também na taxa de
compressão.

No Brasil há empresas que produzem e comercializam grupos geradores para utilização do


biogás, e sabe-se que algumas apesar de promoverem a alimentação do motor com gás,
consideram o rendimento deste baseado nas curvas de torque e potência do motor com o
combustível original, normalmente a gasolina.

O objetivo geral deste trabalho foi analisar o desempenho de um motor ciclo Otto, utilizando
biogás como combustível alternativo. Já os objetivos específicos foram analisar a influência das
variáveis: ponto de ignição, taxa de compressão e o formato do mesclador ar/combustível, nas
curvas de torque e potência. O resultado destes testes levaram a um maior conhecimento da
influência destas variáveis sobre o desempenho do motor, trazendo sugestões de adaptações
para os motores já existentes como forma de aumento de sua potência.

Revisão bibliográfica

Biogás
De acordo com (ALMEIDA, 2002), o biogás contém em média 55 a 65% de gás metano, 25 a 30%
de gás carbônico e traços de gases sulfídricos. Segundo (MIALHE, 1980) o gás metano, também
conhecido como gás dos pântanos, é obtido por fermentação anaeróbia de esterco de curral, de
palhas e de restos de vegetais e lixo. O gás assim obtido é constituído por cerca de 2/3 de gás
metano e 1/3 de gás carbônico.

O metano, principal componente do biogás, não tem cheiro, cor ou sabor, mas os outros gases
presentes têm um cheiro semelhante ao do ovo podre. O biogás é composto por uma mistura de
gases cujo tipo e percentagem, variam de acordo com as características do tipo de resíduo e às
condições de funcionamento do processo de digestão (BARREIRA, 1993 & SANTOS, 2000). A
Tabela 1 mostra a composição típica do biogás.

Tabela 1. Composição típica do biogás


GÁS SÍMBOLO % NO BIOGÁS
Metano CH4 50 a 80%
Dióxido de Carbono CO2 20 a 40%
Hidrogênio H2 1 a 3%
Azoto N2 0.5 a 3%
Sulfídrico e Outros H2S, CO, NH3, O2 1 a 5%
FONTE: (CCE, 2000).
3

Motores de ciclo Otto alimentados com gás


Segundo (ZAREH, 1998), os motores a gás funcionam segundo os princípios dos motores diesel e
gasolina. De fato, alguns motores a gás são motores diesel ou a gasolina, convertidos para
funcionar com gás. A conversão consiste em algumas modificações nos sistemas de alimentação
e de ignição e também na taxa de compressão. Os motores a gás, de ignição por centelha,
possuem uma eficiência volumétrica menor que o equivalente motor com combustível de petróleo,
pelo fato da adição de gás reduzir o volume de ar aspirado. Contudo, a menor eficiência
volumétrica é, geralmente, compensada pelo fato de que os motores a gás conseguem funcionar
com taxas de compressão elevadas, 12-13:1. Isto é possível porque o poder antidetonante do gás
está ligado ao número de metano, ou seja, quanto maior a quantidade de metano maior será a
resistência à detonação.
3
Segundo (MUÑOS et al., 2000), em ensaios realizados com motor Honda 270 cm , alimentado
com biogás bruto e mantidos o ponto de ignição e a taxa de compressão da gasolina, as curvas de
torque e potência tiveram um decréscimo de 50% em relação ao combustível original. (HUANGA &
CROOKES, 1998) simularam biogás injetando metano e gás carbônico em proporções diferentes
em um motor de ciclo Otto. A quantidade de gás que era injetada no motor era definida
respeitando as proporções formadas nos biodigestores. Definiram como sendo a melhor taxa de
compressão 13:1 por atender a todas as misturas. Para uma taxa de 15:1 em algumas
composições, houve detonação.

Conforme (CAÑAVATE, 1988), a taxa de compressão não pode exceder a 12:1, pois a
composição do biogás não é constante, e isto pode levar à detonação em alguns momentos. Já o
ponto de ignição deve ser avançado, pois a velocidade de combustão do biogás é mais lenta.

Materiais e Métodos

O motor utilizado na pesquisa foi um Volkswagen de fabricação nacional modelo Ap 1.8 L, que
equipa diversas linhas de automóveis deste fabricante. Foi adquirido em uma concessionária e
mantém todas as configurações originais para avaliação com gasolina (ensaio testemunha).
Embora o objetivo do trabalho fosse determinar o rendimento de um motor de ciclo Otto
alimentado com biogás, utilizou-se também o gás natural como parâmetro de comparação, em
função da existência de formas de purificação do biogás que fazem com que este combustível
fique com as suas características muito próximas a do gás natural.

O experimento foi realizado no laboratório de motores de combustão interna do Centro de


Tecnologia da Universidade Federal de Santa Maria. O laboratório de motores de combustão
interna é um dos mais antigos do Centro de Tecnologia e atende as disciplinas profissionalizantes
do Curso de Engenharia Mecânica.

O motor foi ensaiado em um dinamômetro de absorção hidráulica marca JM Motorpower, modelo


800V. Sua capacidade de absorção máxima é de 476,6 kW, (648 c.v.) para uma máxima rotação
de 9999 rpm e um torque máximo de 50,99 daN.m (52 m.kgf). O freio hidráulico possui um
indicador analógico de torque acoplado a uma célula de carga. A indicação do número de
rotações é proporcionada por um de tacômetro digital (pick-up magnético) de 0-9999 rpm. O motor
foi ligado diretamente ao eixo da turbina hidráulica (rotor) do dinamômetro através de um sistema
composto por duas juntas universais do tipo cardan para prevenir quaisquer desalinhamentos
durante o teste. O dinamômetro de absorção hidráulica permite que se imponham variações de
carga passiva ao motor através da abertura ou do fechamento de um registro hidráulico tipo globo
instalado no console do painel de comando do freio e da seleção do diâmetro do orifício de saída
de água da carcaça do mesmo.

Para determinação dos fatores de correção (redução) de potência, segundo o determinado pela
Norma NBR 5484, foi utilizado um dispositivo para observação das temperaturas de bulbo seco
(tbs) e de bulbo úmido (tbu) do ar atmosférico, tecnicamente denominado de “psicrômetro de fluxo
4

contínuo”. Este psicrômetro é um dispositivo laboratorial, especialmente construído segundo as


recomendações da ASHRAE, e que vem sendo normalmente utilizado em experimentos que
envolvam a determinação das condições atmosféricas.

Para a determinação do consumo específico dos combustíveis (biogás e gás natural), foi utilizado
um anemômetro de fluxo, montado em um tubo de pvc. Este anemômetro informava a velocidade
do gás nas rotações definidas, para que posteriormente fossem calculadas as vazões.
As variáveis foram definidas buscando-se aquilo que já existia no mercado e também pesquisando
outras escolas e outros pesquisadores. Algumas visitas técnicas a empresas que trabalhavam
com gás natural, entre elas a Petrobrás, também foram feitas. A tabela 2 mostra os parâmetros
analisados no motor

Tabela 2. Parâmetros analisados


Gás natural veicular Biogás simulado
C1 – Venturi curto B1 - Venturi curto
B2 - Venturi longo
T1 - Taxa de Compressão 1 (Original – 8.5:1) T1 - Taxa de Compressão 1 (Original– 8.5:1 )
T2 - Taxa de Compressão 2 (12.5 :1) T2 - Taxa de Compressão 2 (12.5 :1)
P1 – Ponto de Ignição Adiantado em 40° Apms P1 – Ponto de Ignição Adiantado em 40° Apms
P2 – Ponto de Ignição Adiantado em 45° Apms P2 – Ponto de Ignição Adiantado em 45° Apms
P3 – Ponto de Ignição Adiantado em 50° Apms P3 – Ponto de Ignição Adiantado em 50° Apms

Para cada tratamento foram feitas três repetições, com variações de 50 em 50 rpm, entre 3200 e
5000 rpm este intervalo foi definido tendo como critério a geração de curvas que englobassem as
rotações de torque máximo e de potência máxima.

Resultados e discussão
As Figuras 1 e 2 apresentam as curvas de torque e potência do motor na condição original biogás,
original gasolina e original gnv (gás natural veicular), frente aos melhores resultados do biogás e
do gnv. Observou-se um ganho de torque e potência no motor utilizando taxa de compressão
12,5:1 (T2), mesclador de gases longo (B2) e ponto de ignição adiantado em 45° (P2). Como o gnv
apresenta uma composição maior de metano frente ao biogás, os resultados foram melhores, com
isso o uso de sistemas de obsorção de dióxido de carbono do biogás pode contribuir para a
obtenção de um combustível alternativo semelhante ao gnv.

15.0
14.0
13.0
12.0
Torque (daN.m)

11.0
10.0
9.0
8.0
7.0
6.0
5.0
4.0
3200

3300

3400

3500

3600

3700

3800

3900

4000

4100

4200

4300

4400

4500

4600

4700

4800

4900

5000

Rotação (rpm)

Melhor resultado Biogás Melhor resultado Gnv Original Gasolina Original Gnv Original Biogás

Figura 1. Variação do torque do motor nas condições originais e após a conversão


5

65,0

60,0

55,0

50,0
Potência (kW)

45,0

40,0

35,0

30,0

25,0

20,0
3200

3300

3400

3500

3600

3700

3800

3900

4000

4100

4200

4300

4400

4500

4600

4700

4800

4900

5000
Rotação (rpm)

Melhor resultado Biogás Original Gnv Original Gasolina Melhor resultado Gnv Original Biogás

Figura 2. Variação da potência do motor nas condições originais a após a conversão

Observou-se que o motor convertido com biogás pode produzir ma potência máxima acima de 45
kW, podendo com isso ser acoplado a um gerador de 35 kVA, tornando uma propriedade rural
com disponibilidade de biogás, auto-suficiente em energia elétrica. O motor também pode ser
acoplado diretamente a uma bomba para a irrigação da propriedade.

Conclusões

A maior potência do motor utilizado para o biogás foi obtida quando utilizou-se a taxa de
compressão 12,5:1, mesclador de gases longo e ponto de ignição adiantado em 45°, pois nestas
condições obteve-se a potência máxima 100% superior ao original biogás.

Os ganhos com a utilização do gnv em substituição ao biogás chegam a 15% na rotação de 3600
rpm onde o motor vai gerar energia elétrica.

O ponto de ignição e taxa de compressão com os melhores resultados obtidos para o biogás
também são os mesmos utilizados com o gnv.

Palavras-chave
Energia, Biomassa, Motor estacionário, Gerador

Agradecimentos
Agradeço ao CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) pelo apoio
financeiro para a realização desta pesquisa, segundo o processo: 478601/01-8.
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Referências Bibliográficas
ALMEIDA, F. A.; MELO, R. J. S.; VIDIGAL, R. C.; PEREIRA, E. M. D. Eficientização Energética
da Fazenda experimental PUC – Minas – Biodigestor de Baixo custo. In: 4° ENCONTRO DE
ENERGIA NO MEIO RURAL. Anais...CD ROM. São Paulo, 2002.

BARREIRA , P. Biodigestores: energia, fertilidade e saneamento para a zona rural. São


Paulo: Ícone, 1993.

CANAVATE, O.J.;BAADER. W.; Biogás as fuel for internal combustion engines. Asae1988.

CCE – Centro para conservação de energia. Guia Técnico do Biogás. Ed. JE92 Projectos de
Marketing Ltda, Algés, Junho, 2000.

HUANG, J.; CROOKES,R.J.;Assessment of simuled biogás as a fuel for the spark ignition
engine. Fuel Vol.77, nº 15, pp. 1793-1801. Editora Elsevier science Ltda. 1998

MIALHE, L. G. Máquinas motoras na Agricultura. São Paulo: Ed. da Universidade de São Paulo,
1980. p. 202-203.

MUNÕZ, M; MORENO, F.; MOREA-ROY, J.; RUIZ, J.; ARAUZO, J.; Low heating value gas on
spark ignition engines. Biomass e bioenergy. Vol 18, pp 431-439, 2000

SANTOS, P. Guia Técnico de Biogás. 1° ed. Portugal: Je92 Projectos de Marketing lda, 2000.

ZAREH, A. Motores a Gás. Lubrificação, Rio de Janeiro, v. 81, n° 04 , p. 2-4, 1998.

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