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A secularizacdo do Estado e o humanismo medieval: a contribuicdo da Monarchia de Dante Alighieri ARNO DAL RI JUNIOR* O objetivo deste artigo é desenvolver uma andlise sucinta dos fun- damentos da obra politica de Dante Alighieri, assim como da influén- cia da mesma sobre os pensadores que no final da Idade Média inicia- ram 0 processo de secularizagao do Estado. Como sera possivel cons- tatar ao longo deste ensaio, 0 poeta e fildsofo' florentino, um dos principais protagonistas do movimento humanista latino medieval, pode contribuir ativamente para o desenvolvimento do processo de secularizagio das instituigdes sociais, acontecido a partir do final do século XIII. Nesta perspectiva, torna-se importante afirmar que, se coube a Nicolau Maquiavel realizar a descanonizagio da politica e a Hugo Grotius a descanonizagiio do direito, a descanonizacao do Esta- do’ passa obrigatoriamente pelos escritos de Dante Alighieri e, poste- riormente, de Marsilio de Padua. Doutor em Direito Internacional Econémico pela Universita Luigi Bocconi de Milio. Master em Direito Internacional e da Unitio Européia pela Universiti degli Studi di Pa- dova. Pesquisador no Centro de Estudos de Direito Internacional da Université de Paris I (Panthéon-Sorbonne), Franga, e da Fondazione Cassamarca de Treviso, Italia, Para uma andlise mais aprofundada da contribuigao de Dante a filosofia, ver BOM- BASSARO, Luiz Carlos. Dante, 0 elogio a filosofia no humanismo renascentista, nesta obra, p. 41-59. Sobre a concepgio de Estado corrente na Idade Média, ver: GENET, Jean-Philippe. Etat. In: LE GOFF, Jacques; SCHMITT, Jean-Claude. Dictionnaire raisonné de l'Occident Médiéval. Paris: Fayard, 1999, p. 374 ss. 92 Bombassaro, Dal ide Pavien | As intertaces do Humanismo Lating electual de Dante" foi uma das mais ricas gq sande Mein O pensar teve ua atuagao importante em diversog eaten da hlosfia ebrifhante na literatura, No Ambito desta iy. dpodusiu a monumental obra “A Divina Comédia™* que de. rorpentou um papel de destague na revolugso intelectual promo, vida pelo movimento humanista. ‘Os temas ligados & filosofia politica € A teoria do Estado fo. ram analisados pelo autor florentino em trés momentos distintos, Q primeiro, no interior da obra Convivio,* escrita em 1306. Posterior. rente, a temética vem reproposta e aprofundada nas Expitolae’ po- Iiticas, escritas a favor do imperador Henrique VII de Luxemburgo. entre 1308 e 1312. Porém, o pice do pensamento politico do mes- tre florentino aconteceu com a obra Monarchia,® escrita no ano de 1313. Nas duas primeiras obras o autor apresenta-se muito cauteloso 20 criticar 0 papado e as constantes intervenes da Igreja na politi- A. produgio int * Outras importantes obras de Polit Egan ies ¢ Tatts ranma, de Barolo de Sas- cece menos pace ‘eu em 1321, sendo emterado em Ravenna ond me ‘avenna, onde stualmente encontram-se 0s seus Stew Onin pe ser enc lo: Rr 2A em ALIG Memo ALLGHIER, Dante, La divna commedia divin comédia, Rio de Jane Dal Rid. | A secularizagao do Estado eo humanismo medieval 93 ca "mundana”, Na Monarcia,sendo perseguido eestando jf con- Genado a fogueira, sua postura muda radicalmente.* O autor passa a desenvolver uma critica severa © contundente as intervengoes do poder espititual na politica, apresentado-o como usurpador do po- fer temporal. Surge, com esta obra de Dante, 0 menor entre os fil6- sofos ~ como ele mesmo se referia ~, a primeira grande exaltagio do que mais tarde viria a se tornar o Estado secularizado." ‘Como sera possivel constatar, esta exaltagio tinha como prin- cipal objetivo elaborar uma justficativa & soberania universal do imperador através de uma complexa argumentagao de forte teor es- coldstico."" Conduzido pelo desespero diante de uma Italia despeda- ada por grupos politicos rivais, 0 autor estimava que somente uma autoridade imperial forte poderia restabelecer a situagao e trazer a paz."? Nesta perspectiva, o principal postulado de Dante se baseava na afirmagio de que o poder temporal teria suas origens diretamente em Deus e nao no poder espiritual do papado."” Tratava-se de uma tenta- tiva de reelaborar © papel do poder espiritual exercido pela Igreja, muito criticado naquele periodo devido principalmente a dois fatores, ou seja, a degeneracio das instituigdes eclesiésticas no que diz respei- to a missiio espiritual que deveriam desenvolver, devido ao contato € “contaminagio” com o dinheiro; e, a corrupgo das mesmas 20 atuar na vida piblica," fruto desta mesma contaminagio, problemas politicos ¢ 0s processos con- iiziarie di Dante Ali Para una anise mais apofundada sobre os a bume, wer BRAFA MISICORO. Gosia. Le Vcende Gin thier Phenze MEF, 2003 10 Hans Kelsen salienta que, mesmo tendo vivenciado todos estes: conflitos politicos, 0 van en ene ap teve aun oigem em uma detemimadaexperinea ial i rt ama de to una expres de convex cca police pa dum Estado nndruico mundial alas pra a human ue vn na et Hane, Die Slr des Dante Alghe. Wien: Fran orate ‘conceptions. In BURNS, James H. 4 CANNING, Joseph P. Politique: institutions et id), Histoire de la pensée politique médievate. Paris: PUP. 1993. p. 343, 22 SABINE, George H_A history of political theory. London: Harrap. 1948, p.226- Denes Torta, o autor florentino declarava a total inuilidade da confirmatio, ov se). Us prenogativa do pontfice de confrmar 3 legtimidade da ascensio ao wono do imperador do Saero Império Romano Germanic. M PORTE, Francesco, Storia del pensiero dell'economia pubblica. Dal Medio Evo al ‘Mercantilismo. Milano: Giuffre, 1999, p. 206. «paver | Asinefaces do Huanismo Latino 94 _seness 00 Contexto politico ceinfluéncias sobre a Monarchia ‘ont ae de Dante Alighiert Média em que viveu Dante Alighieri foi gular para a pensnsua itis Este teve como uma de bastante singull™ Pteristicas a expansdo ¢ consolidacao das cida. suas principals care enquanto centeos de poder, passavam des que 30 eno." Um fendmeno acontecido gragas a expa sel ecomacil bastante peceptvel ro seul XI que fea com que 28 comunas renascessem como centros de trocas or eoneginca, de poder e de produgio inteec- 0 perfodo da Idade comer Z orvindo ase wansformar em uma crceira forga politica, entre ido e império.”” oe ambém foi profundamente marcado pela ‘© mesmo periodo t consolidagao do principio da propriedade privada, tornado po: vel gragas a0 resgate do direito romano como sistema normativo apto a reget as relagdes sociais. Nesta perspectiva, € oportuno sa- lientar o estudo desenvolvido ao longo de algumas décadas pelas ° -=Pouco a pouco, enretanto, seguindo as circunstincias, as cidades foram adquirindo. ite mens ue aro a car Pern top en ae NOCCO, OL ld DUBY, Georges. L'dconomie. ru mil Pa Femi ale ea vie des. campagnes dans VOccident Nese mes po dear sls cides ittinas comejaram a desenvolvero pin- ‘0 pelo Saco imei 0. Tal principio obteve o seu reconhecimento oficial taper? Tit de Paz de Constanga, Salita se neste Comet, Scere pr mn cat 8 elo Xl por Feeng, gue oro ¥en "i KEISEN Fan Op orm rime Estado moderne do mundo, Ver pi ttt Dal Rist. | A socularizagdo do Estado @ o humanismo medioval 95 escolas de juristas de Bolonha, tais como as ligadas aos mestres Imnério,"* Francesco Accursio” ¢ Cino de Pistoia.” Através destas foi dada nova aplicabilidade pratica as normas contidas no Cor- pus iuris civilis elaborado pelo Imperador bizantino Justiniano.” 1055 ¢ 1060, tendo sido advogado € professor de diteto, Segundo conta a tadigio, teria iniciado por conta prépria a glossa dos tex- tos do direito romano. Quando lecionava na Universidade de Bolonha manteve con tatos com o Imperador Henrigue V, para quem elaborou a tese de que 0 direito ro- ‘mano concedia a0 Imperador o poder de confirmar a nomeacio do Papa. Tomou-se famoso porter desenvolvido 0 primeiro grande trabalho de resgate e andlise do di- reito romano e porter fundado a primeira grande escola de estudos juridicos da [da- ‘de Média Imério morceu em Bolonha em 1125. Ver FORTE, Francesco. Op. cit. p. 160; e, as obras: ROTA, Antonio, Lo stato e il dirito nella Concezione di Ierio. Milano: Giuflre, 1954; BESTA, Enrico. L'gpera d'Imerio, Sala Bolognese: A. For- ni, 1980: SPAGNESI, Enrico, Wererius bononiensis iudex. La figura storia di Ir rerio, Firenze: Olsebki 1970, 1% Francesco Accursio nasceu na Toscana em tomo a 1181 ¢ moreu em Bolonha em 1263. Realizou uma obra fundamental para o desenvolvimento da ciéneia jutdica 10 sistematizar as glosse elaboradas pelos demais jurists que compunham a escola de Imério e de Azzone. Na mesma linha de Imério, Accursio defend a ese de que © papado ndo possufa nenhum tipo de jurisdicio sobre os assuntos temporais, mas ‘Somente no campo espiritual. Neste sentido afirmava textualmente que o dieito ci- ‘il no poderia ser submetido ao direto candnico. Ver, FORTE, Francesco. Op. cit. p. 167; ULLMANN, Walter. Principi di governoe politica nel Medioevo. Bologna: TI Mulino, 1982, p. 153. % ino da Pistdia nasceu em 1270 e morreu em 1337, sendo, portanto, coeténeo de Dante Alighieri, Tendo vivenciado 0 humanismo que aflorava na sociedade italiana, dda época, tomou uma posigio severa em relagio a0 poder espritual, afirmando que © Imperadorrecebia 0 seu poder do povo e, por tanto, ndo deveria responder a0 pa ppado pelos seus atos, Deste mado, antecipou einfluenciou as teorias de Dante ¢ de Marsiio de Pidua, Ver, arespeito, ULLMANN, Walter. Op. ct, p. 399; FORTE, Francesco. Op. cit, p. 175; CHIAPPELLI, Luigi. Vitae opere giuridiche di Cino da Pistoia. Sala Bolognese: A. Forni, 1980; GRAHAM SISTRUNK, Timothy. Lav, custom and language: ideas in practice in the legal writings of Cino da Pistoia. ‘Aim Arbor: University of Kansas, 1995 21 SABINE, George H. Op. cit. p. 226. A respeito do resgate do direito romano na dade Média, ver as obras de SAVIGNY, Friedrich Carl von. Geschichte des Rominschen Rechts im Miuelalier. Heidelberg: Mohr, 1831 (em 3 volumes): CO- ING, Helmut. Handbuch der Quellen und Literatur der neuren europaischen Priva trechisgeschichte. Erster Band: Minelalter (1100-1500). Die gerlehrien Recht und die Gesetegebung. Minchen: Beck Juristicher, 1973; CALASSO, Francesco. Me- ‘dioevo del dito. Lefont, Milano: Giuffré, 1954; CAVANNA. Adriano, Storia del dirito modero in Europa. Le fone il pensiero giuridico. Milano: Giufft®, 1982; ELLUL, Jacques. Histoire des institutions. Le Moyen Age. Pars: PUF, 1999. 96. pontassre, Dal Rist Pavan | AS ntoraees de Humanism Latina Pode-se afirmar que os dois fendmenos acima citados ~ a con- solidago do principio da propriedade privada ¢ 0 resgate do direito romano ~ tiveram uma grande influéncia na obra politica de Dante Alighieri. A andlise da distingio entre os conceitos de “puiblico” de “privado” e o estudo sobre a racionalidade que revestia 0 orde- namento juridico romano, ambos realizados pelos juristas de Bolo- nha, comparam as bases das contestagdes elaboradas pelo poeta ao poder espiritual e conduziriam a sua convicgdo de que o Estado era por natureza secularizado. Deste profundo conhecimento da experi- éncia vivida por Roma, também se originou a afirmagio do filésofo florentino de que o Sacro Império Romano Germanico se contex- tualizava como uma “continuagio” do Império Romano. E bastante clara, também, a influéncia de alguns postulados de Tomas de Aquino sobre a obra politica de Dante. Mesmo existindo diferengas imensas entre as teorias desenvolvidas pelos dois italianos, pode-se facilmente verificar trés elementos onde o Poeta florentino demonstra seguir © pensamento do aquinate: o Primeiro, ligado ao reconhecimento da autoridade do Estado co- mo entidade politica; o segundo, ao considerar © destino terreno e mundano do homem: 0 terceiro, ao considera o aspecto racional do conhecimento através da distingdo entre verdade de fé e verda- de de razio.* ‘Ver. a respeita, PARISSE, Michel. Empire, In s Soccer In: LE GOFF, Jacques; SCHMITT, Estes eram, acima de tudo, ‘ma contra gentles © nas Pimipo speenados na Summa helo, Sum ‘obras de cariter eminentemer ras aieaey zostinho © Santo Tomis, 9 roms de Aquino, Revista Pan Tog {aD PSS. a8 obs DE BERTOLIS Bei an PIZZORNI, Rey indagine filosofi FRZZONS. Cal Dre nat logs: ESD. 199; VILLEY, isn ‘ax Politique. Paris: PUF, 1982. Pet Qeson RUSSO, Vito. Op Ride, LA secs ago do Estado @ o humanisme medieval 97 Baseado em tais postulados, Dante se dedicou longamente a distinguir © homo spiritualis do homo animalis, 0 cives do fideles, obra iniciada pelo telogo dominicano, mas que, até entdo, nao nha tido aplicagdo pratica* Pode-se afirmar, neste sentido, que a distingao acima citada serviu como um dos pi da obra politica dantesca.* A dramatica situago politica por qual passava a peninsula italia- na € a sensibilidade diante destes novos paradigmas, trazidos pelos ju- ristas bolonheses ¢ por Tomés de Aquino, conduziram Dante a elabo- rar a sua obra politica, Nesta perspectiva, o autor desenvolveu uma longa e brilhante defesa do que o autor chamava de Monarchia, apre- sentando-a como o tinico sistema capaz de estabelecer e garantir regras para o novo modo de conceber as relagdes politicas e sociais.”” Por isto € possivel afirmar, em tal contexto, que a Monarchia se configurou como uma intervengao com fins precisos, vinculada a uma determina- da situagio hist6rica. Uma tentativa complexa de gerar uma resposta teérico-politica a questdes da dindmica social do tempo em que o autor vivia. Uma resposta instrumental para os equilfbrios sociais na admi- nistragzio do poder, para a elaboragio de linhas tedricas gerais, apro- priadas ao desenvolvimento da nova realidade social. % Ver, a propésito, ULLMANN, Walter. Op. cit, p. 34438 % As diferengas entre as teorias de Dante Alighieri e Toms de Aquino vem a tona quan- do estes tratam do tema da independéncia Uo Império em relagdo a Igreja. O mesmo acontece no que diz espeito a um outro importante pensadorativo entre os séculos XIL € XIll,o britnico John de Salisbury. Nesta perspectiva, como firma George Sabine: “All three men conceived Europe as a unified Christian community governed by the two divinely appointed authorities, te sacerdotium and the imperium, which are vested inthe two great medieval institutions, the church and the empire. Ail three look at political and socal questions from the point of view ofthe religious and ethical tadi- tion of the earlier Middle Ages. and Thomas and Dante ae sill under the contol of this tradition, though they have adopted Aristotle as the Dest technical medium in ‘which to express their ideas. OF the two Dantes though he wrote a half-century lates the more bound by the tradition, since the empire which be defends neves existed out side the realms of imagination”. SABINE, George H.Op. cit. p. 225. Dante identifica esta Monarguia temporale diretamente com 0 xceeé&ony (Esta do). Na sua coneepsio, seria o dnico Estado independente e supremo. perante 80 ual todos os ours reins ¢ Estados teria ossiiam um carter quate que provincial. Umm Estado cojo terre & a tera, © pove a humaniads. Ver, KEL SEN. Hans. Op. cit, p. 62 : GUIMARAES, Mircia, As Mudancas nas Esrauras Polticas do Feudatismo: o Poder Real no Século XL Paper apresentado n0 HI C- clo de Estudos Medievais. acontecido na UFSC em novembre 2002 Ver, RUSSO, Vittorio. Impero e Stato di Diritto, Studio su “Monarchia’ ed “Ep le’ politiche di Dante, Napoli: Bibliopolis, 1987, p. 21. pasar | As afore o Humana Lao fe ro, Dal Bi! Da comunidade politicamente 078 fj monarguia universal da oxseus pesupontsiosios,€ evident i elementos tipicos do pensa- gue 3 0 ol os esis ‘da Idade Média. O mesmo pode-se afirmar no d¥é °°" jizando-se de modelos que se refe~ fem ao cat Tago a afmagao de que a humanidade teri por racioino Faenvoler 0 méximo possivel as vietudes que, pos Sui, Segundo Dante, a maior destas virtudes & a intel jectual.” sen- nds desi, seria posivel fazer com que & humanidade leangasse a felicidade sobre a tera. 7 ese ade pode observar nesta primeiras afirmagdes, Dante exaligna intelecto do ser humano, apresentando-o como capaz eens omamente conduzir a sociedade humana 2 felicidade. Cina exaltayto que, naguele periodo, passava a se revestit de um aanttor eminentemente politico, em nitido contraste com o discur- So adotado pela Igreja. Dante 0 faz, partindo do pressuposto de gue o ser humano, com as suas virudes ¢ capacidades, pode re- qTiar uma espécie de parafso terestre sem a intervengao direta da entidade divina. Na evoluglo do seu tratado, tas aspectos politicos vao sendo salientados cada vez mais, fazendo com que se torne distante a hipétese de uma vida em sociedade submetida ao poder espiri- tual No que concerne ® RICCI, Pier Giorgio. t Commento di Cola di Rienzo alla ‘Monarchia’ di Dante, i). Saggi di filosofia dantesca. Milano: Societd editrice Dante Alighieri, 1930, p. inte te te aM oe a ere ‘ultura e Scuola, n. 4 (1965), p. 722 ss.; SABINE, George H. Op. cit. Dal Ri Jr. | A socularizagio do Estado. o humanismo medieval 99) Nesta perspectiva, 0 autor continuou a sua reflexio afirmando que a realizago de tal fim coletivo (a felicidade) somente poderia acontecer através da vida em comunidade.” Torna-se evidente, em tal contexto, que o autor se refere a vida comunitéria politicamente organizada. Esta vita deveria ter como objetivo imediato e incondicional a manutengio da paz,” da justica” e da liberdade," trés valores con- siderados pelo autor como meios necessérios para alcangar o fim Gl timo da humanidade. Para isto, seria de fundamental importnci que a nova forma de governo apresentasse as condigies necessarias para garantir a manutengio destes trés valores, garantindo, deste modo, a realizagao da felicidade, “fini ttius humane eivilitats", In: Idem, p. 7 (iy 1), Ex hiis ergo que declarata sunt pater per quod melivs, ymo per quod optime genus humanum pertingit ad opus proprium; et per consequens visum est propinquis: simum medium per quod itu inillud ad quod, velut in utimum finem, omnia nostra ‘opera ordinatur, quia est pax universlis (J. In: Wem, p. 10 iv, 8) “mundus optime dispositus est cum iustitia in eo potissima est” In: Idem, p. 18 (l, xi, 1), A manutengao da justiga a qual Dante se refere ao longo da sua obra é consi derada pelo autor como o instrumento apropriado para a elaboragio de principios erais de direito na Monarchia, Principios que todas as legislagdes particulares po- ‘deriam ter como ponto de referéncia mantendo a sua propria autonomia: “Habent rnanque nationes, fegna et civitaes intra se proprictates, quas legibus differentibus regulari oportt; est enim lex regula directiva vite”. In Idem, p. 34 (xiv, 3). E si nificativo, neste dmbito, 0 fato de Dante ter adotado no seu vocabulitio o termo na- rio, naquela época usudo por poucos. Tal fendmeno demonstra claramente o quanto ‘autor lorentino se encontrava influenciado pelasteorias medievais do direito na- tural. Nesta perspectiva, como afirma Walter Ullmann, & com Tomas de Aquino € com Dante que a natio passa a substituir a nogio de gens, a€ entio utlizada pelos pensadores do Império Romano ¢ da Alta Idade Média. In: ULLMANN, Walter. ‘Op. cit, p. 349. Ver também, GIERKE, Otto von. Teorfas politicas de la Edad Me~ dia, Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1995, p. 10; KELSEN, Hans. Op. cit. p. 101 “(.] humanum genus potissime liberum optime se habet”, In Kdem. p. 26 (xi 1. ‘A manutengio da liberdade, segundo 0 autor. é essencal para a vida em comunida- de porque esta depende somente de si mesma, € nio de outros ("Genus humanum, solum imperante Monarcha sui et non altrius gratia est: tune enim solum polite di- riguntur oblique ~ democratie seiliet, oligarchie aque tyrampnides [1 Wem, p. 28 — I, xii 9), como ao invés acontecia nos governos corruptos, fossem esses det ‘eréticos, oligirquicos ou tirinicos. Governos que, segundo o autor florentino,* servitutem cogunt genus humanum” (Idem, p. 28 (L xii 9). Ver, a propésito, RUS- ‘SO, Vittorio, Op. cit, p. 2385; KELSEN, Hans. Op. cit. p. 102, do Humanismo Latino paar | muss. Os 100_Senker 1e-0 seu objetivo, ou s o, Dante at ou seja, “monarquia universal”, tinica legitimar 0 que cle al es de gerar a felicidade sobre a terra forma de governo em cones archi revestem esta inovadora (sagas deletes ir itiro e universal, que impediria, forma de govero de wm ar ose condicionada por interesses segundo 0 autor, ue 4 MES sa que nia Epoca frequentemente terior cidade italianas,dilacerados pelos conflitos de inerrtiva, toma-se claro o modo como Dante Alighic- vi conteheua oganizagao da humanidade. Esta se daria natural Fat fndamentad sobre um modelo de Estado gue grag a sua sre cnstiugio, sei "justo" e*sibio™ E tal Estado seria, nes- aise ce raciosino,o dico instrumento capaz de construir, at ‘is ética, a felicidade terrena. WE ca Pros lvficas dlineadas por Dante para tal Monarchia, ‘assim como a tumultuada vida politica que levou 0 autor ~ entre fu- fas ¢ condenagées emanadas pelos patidérios do papado -, torna evidente a referéncia a0 Sacro Império Romano-Germéinico. Uma Teitura atenta dos escritos politicos do grande poeta humanista ndo deixa dividas quanto ao fato do Sacro Império se contextualizar como a encamagio viva da “Monarquia universal”. Nesta qualida- de, Dante passava a proclamar 0 Império como a tinica instituigo polftica em condigées de garantr justiga desinteressada, liberdade € paz.” este racioeti través deste Fl N firma ser unit 2 =MMonarcia non haber guod post optare: sua nangue iurisditio terminatur Oc- se. cean0 solu”. n: Kem, p22 (xi, 12) RUSSO, Vitorio. Op cit, p. 23s. Além da corente que visava consolidar o poder Papal ea que huscava forlecer poder do Imperador,pode-senotar a presenga ca a er mas eee, n Tea do Estado do solo Xl de uma teesracortente

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