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Dados intrnacionals de Caatogardo na Publicar (CIF) (Camara Braisva do Live, orasi) este, Govern Heli da flosofa: de Spinoza a Kant, 4/ Giovanni Resi, Dario Anise — Sao Pale: Paulus, 2005. Bibbogata ISONE5-349-2055-1 1. Flosofa Hist Til. Tuo: De Spinoza a Kant es 00-108 Indices para eatdogo stemstico: "logos tora 102 Titulo original Storia della flosofia - Volume Il: Dall'Umanesimo a Kant © Editice LA SCUOLA, Brescia, Ilia, 1997 ISBN 88-350-9271-x Tradugao v0 Storniolo Revisao Zolferino Tonon Impressao e acabamento PAULUS © PAULUS - 2005, Rua Francisco Cruz, 228 * 04117-091 Sao Paulo (Brasi) Fax (11) 5579-3627 # Tel, (11) 5084-3068 ‘www paulus.com.br ® editorial@pauius.com.br ISBN 85-349-2255-1 14 primeira parte -O Ocasionalismo, Spinoza e Lelbniz I. A concepeao de Deus como eixo fundamental do pensamento spinoziano * A obra-prima de Spinoza, a Ethica ordine geometrico de- Aordem monstrata, tem um andamento expositivo decalcado sobre o dos geométrica _Elementos de Euclides, escandido segundo definic6es, axiomas, a exposi¢go _proposi¢des, demonstracoes, escélios (ou elucidacdes). As relacdes da “Etica” que explicam a realidade, com efeito, sao a expresso de uma spinoziana —_necessidade racional absoluta: posto Deus (ou a substancia), tudo 81 “procede” e sé pode proceder rigorosamente como em geometria. +0 fundamento de todo o sistema spinoziano é constituido pela nova con- cepcao da “substancia”. Tudo aquilo que é, dizia Aristoteles, ou é substancia ou é afeccao da substancia; e Spinoza repete o mesmo quando diz: “Na natureza nada se da além da substancia e de suas afeccdes”. Todavia, en- Asubstancia”, quanto para a metafisica antiga as substancias sdo multiplas e ou seja, hierarquicamente ordenadas, e para o proprio Descartes existe Deus, ests uma multiplicidade de substancias, Spinoza prossegue sobre esta nofundamento linha, dela tirando conseqiéncias extremas: existe uma sé subs- do sistema tancia, originaria e autofundada, causa de si mesma (causa sui), spinoziano que é justamente Deus. As substancias derivadas de Descartes, a $2 res cogitans e a res extensa em geral, em Spinoza tornam-se dois dos atributos infinitos da substancia, enquanto os pensamentos singulares e as coisas singulares extensas e todas as manifestacdes empiricas tor- nam-se afeccdes da substancia, tornam-se modos. Deus é, portanto, um ser absolutamente infinito, uma substancia constituida por uma infinidade de atributos, cada um dos quais exprime uma esséncia eterna e infinita. Essa substancia-Deus é livre unicamente no sentido de que existe e age por necessidade de sua natureza, e é eterna, porque sua esséncia implica necessa- tiamente sua existéncia. Deus é justamente a Unica substdncia existente, é causa imanente e, portanto, é insepardvel das coisas que dele procedem, é a necessidade absoluta de ser, totalmente impessoal. * A substancia (Deus) manifesta a prépria esséncia em infinitas formas: os atributos, que, eternos e imutaveis e de igual dignidade, exprimem cada um a infinitude da substancia divina, e devem ser concebidos “por si”, mas nao como entidades separadas. Os modos sao, ao contrario, as afeccées da substancia, estdo na substancia e apenas median- te a substancia podem ser concebidos; os modos seguem-se aos atributos, sdo suas determinag6es, e entre os atributos (por sua natureza infinitos) e os modos finitos existem os modos infinitos (por exemplo, o intelecto infinito e a vontade infinita so modos infinitos do atri- buto do pensamento). Ora, o infinito gera apenas o infinito, enquanto 0 finito, por sua vez, pode ser determinado unicamente por um atributo “afecto” por uma modificagao finita e tem uma existéncia determinada; mas Spinoza deixa inexpli- cado como no ambito da substancia divina infinita tenha nascido algo finito, e esta é a aporia maxima do sistema spinoziano. Os atributos eos modos 53-4 © Deus é, portanto, a substancia com seus (infinitos) atributos. O mundo, ao contrario, é dado por todos os modos, infinitos e finitos. E uma vez que os modos nao existem sem os atributos, entao tudo é necessariamente determinado pela Capitulo segundo - Spinoza: a metafisica do monismo e do imanentismo panteista 15 natureza de Deus, e ndo existe nada de contingente: o mundo a “conseqiiéncia” necesséria de Deus. Deus enquanto causa livre € para Spinoza natura naturans, ao passo que o mundo é natura naturata, € 0 efeito daquela causa e é tal de modo a manter dentro de si a causa. Disso provém o “panteismo” de Spinoza, para o qual tudo é Deus, isto é, manifestacao necessdria de Deus. 1, A ordem geométrica A obra-prima spinoziana, a Ethica, como diz o préprio subtitulo “ordine geo- metrico demonstrata”, tem um esquema de exposicao calcado no dos Elementos de Euclides, ou seja, segue um procedimento que se desenvolve segundo definicdes, axio- mas, proposigdes, demonstracdes ¢ escdlios (ou explicagées). Trata-se do método indu- tivo-geométrico, em parte ja utilizado por Descartes e bastante apreciado por Hobbes, como veremos, mas que Spinoza leva as liltimas conseqiiéncias. | RENATE DPS CARTES \ [pRINCIPIOR UM | PHILOSOPHI& Pais 1, 8 1, | Move Geometvico denonftratec | ree BENEDIGTUM Je SPINOZA defini | COGITATA METAPIYSICA, | Pema itary pate dsb rial eran gales ren eplasater. (md Youanwenn Ricwru te, mone wl die, de Die | vin Aen ee fl fine Mela a Hroutispicio dus Principios da filosofia de R. Deseartes, Vobra é constituida por una expusigaor ora yeométriea da filasofia cartesian, seguida pelos Pessamentas metafistcas. Deus é natura aturans; 0 mundo é natura naturata 55 Por que nosso filésofo escolheu esse mé- todo, precisamente ao tratar da realidade su- prema de Deus e do homem, que sao objetos para os quais os procedimentos matemati zantes pareceriam demasiadamente restritos ¢ inadequados? E a pergunta que se colocam todos os intérpretes, dado que esse método, em sua transliicida clareza formal, muitas vezes nao revela, mas até oculta as motiva- des do pensamento spinoziano, a ponto de alguns terem acreditado resolver 0 problema pela raiz, tentando dissolver a ordem geo- métrica de sua rigidez formal e estendé-la em um discurso continuado. Uma solugao absurda, porgue a escolha de Spinoza nao teve uma motivagio Gnica, mas razdes miil- tiplas. Procuremos identificar as principais. Esta claro, entretanto, contra o que Spi- noza pretendeu reagir a0 adotar o método geomeétrico, Ele queria rejeitar: 4) 0 procedimento silogistico abstrato ¢ extenuante, proprio de muitos escolasticos; b) os procedimentos inspirados nas re- gras ret6ricas prOprias do Renascimento; c) 0 método rabinico da exposigao ex- cessivamente prolixa. O estilo de Descartes ¢, em geral, o gosto pelo procedimento cientifico proprio do século 17 influenciaram grandemente Spinoza em sentido positivo. Todavia, 0 método e 0 procedimento adotados por Spinoza na Ethica nao cons- tituem um simples revestimento extrinseco (ou seja, formal), como pareceu a alguns, nao sendo também explicaveis como simples concessao a um modismo intelectual. Com efeito, os nexos que explicam a realidade, como a entende Spinoza (como logo vere- mos), sio expresso de uma necessidade racional absoluta. Posto Deus (ou a Subs- tincia), tudo dai “procede” com 0 mesmo rigor com que, posta a natureza do triéngulo tal como se expressa em sua definigdo, todos 6s teoremas relativos ao tridngulo dai “pro- cedem” rigorosamente, nao podendo deixar de proceder. Assim, se, suposto Deus, tudo é “dedutivel” com esse mesmo rigor absoluto, 16 Primeira parte - O Ocasionalismo, Spinoza « Leibniz entao, segundo Spinoza, o método euclidia- no mostra-se o mais adequado. Além disso, esse método oferece a vantagem de possibilitar o distanciamento emocional do objeto tratado e, portanto, uma objetividade desapaixonada, isenta de perturbagées alégicas e arracionais. E isso favorecia grandemente a realizacao daquele ideal que nosso fildsofo se propusera: ver ¢ fazer ver todas as coisas acima do riso, do pranto e das paixdes, a luz do puro intelecto. Um ideal que se encontra perfeitamente con- densado na seguinte maxima: “nec ridere, nec lugere, neque detestari, sed intelligere”. 2... A “substancia” ou o Deu spinoziano EERE A ceniralidade do problema da substancia As definigdes com as quais a Ethica inicia, ocupando no todo cerca de uma pagina, contém quase que inteiramente os funda- mentos do spinozismo, centrados na nova concepgao da “substancia”, que determina 0 sentido de todo o sistema. A questao relacionada com a substan- cia &, fundamentalmente, uma questio relacionada com o ser (que é a questao me- tafisica por exceléncia). Aristételes jé escrevia que a eterna pe gunta “o que € 0 ser?” equivale 4 questao “o que é a substancia?”, e que, portanto, a resposta para a questo da substancia é a res- posta ao maximo dos problemas metafisicos. Com efeito, dizia Aristoteles, tudo aquilo que existe € substncia ou afeccio da substancia. ‘Também Spinoza repete: “Nada é dado na natureza alem da substancia e de suas afeccdes”. Todavia, para a metafisica antiga, as substncias eram muiltiplas e hierarquica- mente ordenadas. Mesmo apresentando teo- rias sobre a substdncia completamente dife- rentes das classicas ¢ escolasticas, 0 proprio Descartes pronunciou-se a favor da existén- cia de uma multiplicidade de substancias. KBE AS ambigiidades do conceito caresiano de subsiiincia Descartes entrara flagrantemente em contradig4o. Com efeito, de um lado, in: tiu em considerar a res cogitans e a res ex- ™ Substancia. A concepcao spino- ziana dasubstancia é a mais radical que J8 Se propés em campo filosofico. Aristoteles dizia: “A substancia é aquilo que nao existe em outro e ndo se predica de outro”. Paraa metafisica antiga, além disso, as substancias eram miiltiplas e hierarquicamente orde- nadas, e o proprio Descartes havia-se pronunciado a favor da existéncia de uma multiplicidade de substancias. Spinoza prossegue nessa linha, mas dela tira as consequéncias extremas. Asubstancia é “aquilo que existe em si e existe concebido por si mesmo” @, uma vez que “todas as coisas ou existem em si ou existem em outro”, entao além de Deus nao pode haver nem se conceber nenhuma substancia. Tudo aquilo que existe, com efeito, existe em Deus, e nada pode existir nem ser concebido sem Deus. tensa como substancias (e, portanto, tanto as almas como os corpos), mas a definicao geral de substdncia por ele apresentada nao podia concordar com essa admissio. Com efeito, nos Principios de filosofia, havia defi- nido a substancia como res quae ita existit ut nulla alia re indigeat ad existendum, ou seja, como aquilo que, para existir, ndo necessita de mais nada senao de si mesma. Entretanto, assim entendida, s6 a realidade suprema pode ser substancia, ou seja, Deus, porque, como diz o proprio Descartes, todas as coi- sas criadas s6 podem existir 4 medida que sio sustentadas pela poténcia de Deus. Descartes, porém, procurou sair dessa aporia, introduzindo um segundo conceito de substncia (e, portanto, defendendo uma concepco polivoca e analdgica de substan- cia), segundo a qual tambéra as realidades criadas (tanto as pensantes como as corp6- reas) podem ser consideradas substancias “enquanto sao realidades que, para existir, necessitam somente do concurso de Deus”. E evidente a ambigiiidade da solugio cartesiana, porque nao se pode dizer coere temente a) que substdncia é aquilo que, para existir, ndo necessita de mais nada a ndo ser de si mesmo e 6) que também sao substan- cias as criaturas que, para existir, necessitam apenas do concurso de Deus. Com efeito, as duas definigdes formalmente se chocam. Capitulo segundo - Spinoze: a metofisica do moni KEE Unicidade clo compreendida como "causa sui” ubstancia Portanto, retomando essa linha, Spi- noza extrai as conseqiiéncias extremas: s6 existe uma tinica substancia, que é precisa- mente Deus. Eevidente que 0 originario (0 absoluto, como diriam 0s romanticos), o fundamento primeiro e supremo, precisamente por ser tal, € aquilo que nao remete a nada mais além desi, sendo portanto autofundamento, causa de si, “causa sui”, E tal realidade nao pode ser concebida sendo como necessaria- mente existente. Ese a substancia é “aquilo que é em si © é concebida por si mesma”, ou seja, aquilo que nao necessita de nada mais além de si mesma para existir e ser concebida, entao a substancia coincide com a causa sui (a substancia é aquilo que nao necessita de nada mais além de si mesma, precisamente porque é causa ou razao de si mesma). Aquilo que para Descartes eram subs- tncias em sentido secundario e derivado, ou seja, res cogitans e res extensa em geral, tor- nam-se para Spinoza dois dos infinitos “atri- butos” da substancia, ao passo que os sim- ples pensamentos, as simples coisas extensas ¢ todas as manifestacdes empiricas tornam-se afeccdes da substancia, “modos”, ou seja, coisas que esto na substncia e que sO po- dem ser concebidas por meio da substancia. Mais adiante falaremos disso. Aqui, continuando o discurso sobre a substancia, devemos destacar ainda em que sentido ela coincide com Deus: “Entendo por Deus um ser absolutamente infinito, isto é uma substancia constituida de uma infinidade de atributos, cada qual deles expressando uma esséncia eterna e infinita”. Essa substancia-Deus ¢ livre, no sentido de que existe e age por necessidade de sua natureza; e é eterna, porque sua esséncia envolve necessariamente sua existéncia. Tudo isso esta contido nas oito defini- ges supremas da Ethica de Spinoza (a que acenamos antes). E a visdo da realidade em que se baseia € a de que Deus é precisamente a tinica substancia existente, e de que “tudo ‘© que existe, existe em Deus, pois sem Deus nada pode existir nem ser concebido” ede que “tudo aquilo que acontece, acontece unica~ mente pelas leis da natureza infinita de Deus ¢ decorre da necessidade de sua esséncia”. E evidente que, com essa impostacao, as demonstragGes da existéncia de Deus nao 17 no ¢ do imanentismo panteista podem ser outra coisa senao variagoes da prova ontolégica. Com efeito, nao € possivel pensar Deus (ow a substancia} como causa sui, sem pensé-lo como necessariamente existente, Alias, nessa perspectiva, Deus € aquilo de cuja existéncia estamos mais certos do que da existéncia de qualquer outra coisa. HIE © Deus spinoziano ea “necessidade” © Deus de que fala Spinoza € 0 Deus biblico sobre o qual ele havia concentrado seu interesse desde a juventude, mas pro- fundamente contraido nos esquemas da metafisica racionalista ¢ de certas perspec tivas cartesianas. Nao é um Deus dotado de “personalidade”, ou seja, de vontade e de intelecto. Conceber Deus como pessoa, diz Spinoza, significaria reduzi-lo a esquemas antropomérficos. Analogamente, 0 Deus spinoziano nao “cria” por livre escolha algo que ¢ diferente de sie que, precisamente como tal, poderia também nao criar. Nao é “causa transitiva”, mas sim “causa imanente”, sendo portanto inseparavel das coisas que dele procedem. Deus nao somente nao é Providéncia, no sentido tradicional, mas é a necessidade absoluta, totalmente impessoal. Dada a sua natureza (que coincide com a liberdade no sentido spinoziano que explicamos, ou seja, no sentido de que 36 é dependente de si mesmo), Deus € ne- cessidade absoluta de ser. E. € necessidade absoluta no sentido de que, colocando-se esse Deus-substincia como causa sui, dele procedem necessaria e intemporalmente, ou seja, eternamente (analogamente a0 que acontece na proceso neoplatdnica), 6s infinitos atributos ¢ os infinitos modos gue constituem © mundo. As coisas deri- vam necessariamente da esséncia de Deus (como ja dissemos), assim como os teoremas procedem necessariamente da esséncia das. figuras geomérricas, A diferenca entre Deus eas figuras geométricas esta no fato de que estas Ultimas nao sao causa sui e, portanto, a derivado geométrico-matematica perma- nece uma “analogia” que ilustra algo que, em si mesmo, é mais complexo. Foi nessa necessidade de Deus que Spinoza encontrou aquilo que procurava: a raiz de toda certeza, a razdo de tudo, a fonte de uma tranquilidade suprema e de uma paz total. 18 Naturalmente, tratar-se-ia de ver se 0 Deus que Ihe deu verdadeiramente aquela imensa paz é precisamente aquele que se ex- pressa nos esquemas geométricos da Ethica, ‘ou entao se é um Deus que os esquemas geométricos — como observam certos in- térpretes —, mais do que revelar, ocultam, ou seja, exatamente aquele Deus biblico que tinha nele profundas raizes ancestrais. ‘Mas isso nos levaria a um terreno de pura investigacdo teorética. Contudo, esse é um ponto fundamental a considerar para se compreender Spinoza: a “necessidade” ¢ apresentada como a solugao de todos os problemas. Efetivamente, depois dos estéicos, Spi- noza foi o pensador que mais acentuadamen- te apontou a compreensao da necessidade como o segredo que da sentido a vida. E Nietzsche, com sua doutrina do amor fati, levard esse pensamento as extremas conseqiiéncias. 3,, Os “atributos” Jéacenamos acima para 0s “atributos” € os “modos” da substancia. Agora, deve- mos explicar do que se trata. A substancia (Deus), que é infinita, ma- nifesta e exprime sua prépria esséncia em infinitas formas e maneiras, que constituem 5 “atributos”. A medida que, todos e cada um, ex- pressam a infinitude da substancia divina, 0s “atributos” devem ser concebidos “em si mesmos”, ou seja, cada um separadamente, sem a ajuda do outro, mas nao como enti- dades estanques (sio diferentes, mas nao separados), pois s6 a substancia é entidade em sie para Portanto, é evidente que todos e cada um desses atributos sao eternos e imutaveis, tanto em sua esséncia como em sua existén- cia, enquanto expressoes da realidade eterna da substancia. ‘Nos, homens, conhecemos apenas dois desses atributos infinitos: 0 “pensamento” ea “extensio”. Spinoza nao apresentou uma explica- ao adequada dessa limitagdo. Mas a razo é evidente, e é de carter histérico-cultural: cogitans e res extensa) reconhecidas por Descartes ¢ que, pelas razées que explica- mos, Spinoza reduz a atributos. Primeira parte - O Ocasionalisme, Spinoza e Leibnie MAtributo. 0 atributo é “aquilo que © intelecto percebe na substancia como constitutivo de sua esséncia” e que deve ser concebido por si. A subs- tancia divina tem infinitos atributos, e todo atributo é por si infinito, mas a mente humana conhece apenas dois: © pensamento e a extensdo. Além disso, Spinoza proclamou teo- ricamente a igual dignidade dos atributos. ‘Mas, enquanto capaz de pensar a si mesmo ¢ 0 diferente de si, 0 atributo “pensamen- to” deveria ser distinto de todos os outros atributos, precisamente pelo fato de que tal carter constitui privilégio, Mas ele nao se propés esse problema, que teria levantado numerosas dificuldades internas e o teria obrigado a introduzir uma hierarquia e, portanto, uma ordem vertical, ao passo que ele visava a uma ordem horizontal, ou seja, total igualdade dos atributos, pelo motive que logo veremos. Ao invés de privilegiar o pensamento, Spinoza estava preocupado em elevar a extensio e “divinizé-la”. Com efeito, se a extensio é atributo de Deus e expressa {como cada um dos outros atributos) a natureza divina, Deus é e pode ser conside- rado uma realidade extensa: dizer “extensio attributum Dei est” equivale a dizer “Deus est res extensa”. © que nao significa em absoluto que Deus seja “corpo” (como dizia Hobbes, por exemplo), mas apenas que ¢ “espacia~ lidade”: com efeito, 0 corpo nao é um atri- buto, mas um modo finito do atributo da espacialidade. Isso implica a elevagdo do mundo e sua colocacéo em posigao tedrica nova, pois, longe de ser algo contraposto a Deus, ¢ algo que se prende (como veremos melhor mais adiante) de modo estrutural a um atributo divino. A. Os “modos” Além da substancia e dos atributos, ha também os “modos”, como ja assina~ Jamos. Deles Spinoza apresenta a seguinte definigao: “Entendo por modo impressdes BIBLIOTECA SAO GABRIEL Capitulo segundo - Spinoza: a metafisica do monismo e do imanentismo panteista da substancia, ou seja, aquilo que existe em outra coisa, por meio da qual também € concebido”. Sem a substancia e seus atri butos, o “modo” nao existiria © nés nao poderiamos concebé-lo: com efeito, ele s6 existe e s6 é conhecido em funcao daquilo de que é modo. Mais propriamente, dever-se-ia dizer que os “modos” procedem dos “atributos”, € que so determinacées dos atributos. Mas Spinoza nao passa imediatamente dos “atributos” infinitos aos “modos” fini- tos, mas admite “modos” também infinitos, que esto entre os atributos (por sua natu- reza infinitos) ¢ os modos finttos. O “intelecto infinito” ¢ a “vontade infinita”, por exemplo, s4o “modos infini- tos” do atributo infinito do pensamento, ao asso que o “movimento” e a “quietude” sao “modos infinitos” do atributo infinito da extensdo. Outro modo infinito é também 0 mundo como totalidade ou, como diz Spinoza, “a face de todo o universo, que permanece sempre a mesma, apesar de variar em infinitos modos”. ‘Chegando a esse ponto, poderiamos esperar de Spinoza uma explicagao sobre a origem dos “modos finitos”, ou seja, a explicagao de como ocorre a passagem do infinito ao finito. Isso, porém, nao ocorre; Spinoza in- troduz de repente a série dos finitos, dos modos e das modificacdes particulares, dizendo simplesmente que eles derivam uns dos outros. Spinoza sustenta que aquilo que segue & natureza de um atributo de Deus, que é infinito, s6 pode ser um modo também infinito e que, portanto, aquilo que é finito . Omodo ¢ “aquilo que existe em outro e que apenas mediante este outro é concebido”. Os modos sao as especificacdes particulares dos atributos da substéncia divina, e podem ser: = infinitos (como, por exemplo, 0 movimento, que é modificagso do atributo divino “extenséo”, ou 0 intelecto divino, que é modificacao do atributo divino “pensamento”); = ou finitos (por exemplo, os mo- vimentos singulares e os pensamentos singulares). 19 s6 pode ser determinado por “um atributo, enquanto é modificado por uma modificacao que é finita e tem existéncia determinada”. O infinito s6 gera o infinito € 0 finito é gerado pelo finito. Mas uma coisa fica inexplicada: 0 modo como nasceu wm finito, no ambito da infi- nitude da substancia divina, que se explicita em atributos infinitos, modificados por mo- dificacdes infinitas. Com efeito, para Spinoza, omnis deter- minatio est negatio, e a substancia absoluta, que é ser absoluto, ou seja, 0 absolutamente positivo e afirmativo, € tal que nao se deixa “determinar”, ou seja, “negar”, de modo nenhum. Essa é a maxima aporia do sistema spinoziano, da qual deriva toda uma série de dificuldades, como os intérpretes destacaram varias vezes, mas que é necessdrio enfocar bem, precisamente para compreender de maneira adequada o resto do sistema. may Deus e mundo, ou “natura naturans” e “natura naturata” Com base no que explicamos, 0 que Spinoza entende por Deus é a “substancia” com seus atributos (infinitos); j4 0 mundo é dado pelos “modos”, por todos os modos, infinitos e finitos. Mas estes nao existem sem aqueles; portanto, tudo é necessariamente determinado pela natureza de Deus € nao existe nada contingente (como ja vimos). © mundo é a “consegiiéncia” necessaria de Deus. Spinoza também chama Deus de natue- ra naturans, 0 mundo de natura naturata, Natura naturans é a causa, a0 passo que natura naturata € 0 efeito daquela causa, que, porém, nao esté fora da causa, mas é tal que mantém a causa dentro de si. Pode- se dizer que a causa é imanente a0 objeto € também, vice-versa, que 0 objeto ¢ imanente 4 sua causa, com base no principio de que “tudo estd em Deus”. Agora, estamos em condigdes de en- tender por que Spinoza nao atribui a Deus 0 intelecto, a vontade eo amor. Com efeito, Deus é a substancia, ao passo que intelecto, vontade ¢ amor sito “modos” do pensamen- to absoluto (que é um “atributo”). Tanto entendidos como “modos infinitos” quanto 20 como “modos finitos”, eles pertencem a natura naturata, isto é, ao mundo. Portanto, nao se pode dizer que Deus projete 0 mundo com o intelecto, que 0 queira com um ato de livre escolha ou que 0 crie por amor, porque essas coisas sio “posteriores” a Deus, dele procedendo nao sao 0 originario, mas 0 conseqiiente. Atribuir essas coisas a Deus significa trocar o plano da natureza naturante pelo da na- tureza naturada. ETHICES Port Prine, DE DEO Dirinitiones revit vas ta nel custcanams euganot que die son ante min Por et Peer corp dt Bony asd gr fe Aeconyentamtmnman ots» Bx gt tomes TI” Fr inn ig quod fee re eam pe” he ct eupmconeepts no in ‘Steve pe stents oan Se 1 Ter aera lige qu eli ck Saorinna ent» tana eee eka cn mit or qindea coon 1am et Igoe alee mbm, Br ‘ont bent tae quer utopian, Being uae ee Pagina de uma edigao da ica de Spinoza, publicada em 1677. Spinoza utiliza 0 método dedutivo-geomeétrico, composto por definigoes, axiomas, proposicdes, para tratar a realidade suprema de Deus. Primeira parte - © Ocasionalismo, Spinoza e Leibniz Quando se diz. que Spinoza fala de Deus sive natura deve-se indubitavelmente enten- der que ele pensa nesta equagio: Deus sive Natura naturans. Entretanto, como Deus (e, portanto, a Natura naturans) € causa imanente e nao transcendente, e como nada mais existe além de Deus, pois tudo esta nele, entao estd fora de davida que a concepcao spinoziana pode ser chamada “panteista” (= tudo é Deus ou manifestacao necessdria de Deus nos modos explicados). i] Tractrates THEOLOGICO- POLITICUS Continens Differtationes aliquot, aot fete ete Pols mnt i eseeadicantae Reger, pe reetahestpate deme wae Frontispicio de wma edigado antiga do Tratado teol6gico-politico, publicado anonimamente em 16 ‘A obra, na qual se sustenta 0 principio da laicidade do Estado, suscitou fortes polémicas.

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