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10 - Musicando e Compondo A Vida Na Musicoterapia - Um Estudo de Caso Músico-Centrado - Roger Car
10 - Musicando e Compondo A Vida Na Musicoterapia - Um Estudo de Caso Músico-Centrado - Roger Car
Resumo
Este trabalho apresenta uma análise musico-centrada do processo
musicoterapêutico de um dos participantes do projeto PEPA (Projeto
Especial para Adolescentes e adultos), atendido individualmente na
instituição. As sessões aqui analisadas, realizadas semanalmente durante o
primeiro semestre de 2008 e com duração média de 50 minutos, partiam de
referências trazidas em CD pelo paciente e depois transformadas em
composições com as letras escritas e cantadas por ele com o
acompanhamento do musicoterapeuta ao piano e voz e da co-
musicoterapeuta nos vocais. O processo musicoterapêutico será descrito a
partir dos conceitos de „music child’, „condition child’, e „novo self‟,
presentes na teoria de Paul Nordoff, Clive Robbins e Brandalise. Estes
autores são aqui referenciados em conjunto com a metodologia
desenvolvida por Brandalise e Carpente, musicoterapeutas músico-centrados
e teóricos do músico-centramento contemporâneo. A análise permitiu
verificar que o processo musicoterapêutico estimulou o autoconhecimento e
a auto-atualização, além de favorecer o crescimento pessoal e musical do
paciente. No final do trabalho, apresentamos o repertório criado ao longo do
processo musicoterapêutico e também um vídeo, produzido para enriquecer
a análise clínica e apresentar o caso por meio de fatos clínicos evidentes.
Palavras-chave: musicoterapia, musicoterapia músico-centrada,
crescimento pessoal, auto-atualização
Abstract
This paper presents a music-centered analisis of a music therapy process
with a participant of PEPA (Projeto Especial para Adolescentes e Adultos),
an institution for adolescents and adults with various disabilities. The
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process has begun with the musical references brought by the participant to
the session and transformed in compositions with lyrics and music written
by the participant and the music therapist and co-therapist on the piano and
backing vocals. The music therapy process described here is based on the
concepts of Paul Nordoff, Clive Robbins and Brandalise considering 'music
child', 'condition child' and 'self actualization'. These authors are quoted here
together with the theory and methods of Brandalise and Carpente, music-
centered music therapists and thinkers of the contemporary music-centered
music therapy. The analisis have shown that the process stimulated self
consciousness and self actualization, also creating positive effects on the
musicality of the participant. At the end, we present the songs created >
during this process, and also a video with material to enrich information
about the procedures and relevant facts during the music therapy process.
Keywords: music therapy, music-centered music therapy, self development,
self actualization
Introdução
A relação musical entre musicoterapeuta (doravante MT) e paciente é um dos
fundamentos teóricos e práticos da musicoterapia músico-centrada e a produção musical
está no centro das atividades desenvolvidas nas sessões. O caso relatado a seguir
desenvolveu-se na instituição PEPA (Projeto Especial para Adolescentes e Adultos) e a
indicação do paciente R. para a musicoterapia veio da psicóloga e coordenadora da
instituição. Foi programado um atendimento individual com o objetivo de organizar e
executar as canções compostas por R. e trazidas para a instituição. Ao longo do
semestre, buscou-se a descoberta dos potenciais artísticos e a superação das limitações
musicais e expressivas de R. As composições acompanhadas pelo MT ao piano
formavam uma estrutura diferenciada para a projeção de uma nova maneira de viver
para R., agora com a presença de suas próprias canções materializadas nas sessões e
ativas em sua vida cotidiana. A musicoterapia ajudou R. a desenvolver sua
singularidade através da música, proporcionando espaço para expressão através do
canto de suas composições, e também um momento para reflexão quando as filmagens
Primeira fase (contato): Como já dissemos, o primeiro contato com R. deu-se a partir
da indicação para a musicoterapia individual da psicóloga e coordenadora da instituição,
após ela perceber que R. escrevia canções em um caderno e gostava de tocar violão na
instituição. Nesta época, R. já participava de maneira tímida das sessões de
musicoterapia em grupo, sem ter força em sua voz e sem segurança na expressão. Na
primeira sessão fizemos uma avaliação das possibilidades musicais e clínicas com base
nas composições de R.. Suas dificuldades cognitivas e de expressão manifestam-se na
articulação das palavras, na gagueira e também em certos comportamentos levemente
inadequados, desinteressados, dependendo do seu estado de humor e de sua disposição
física na sessão. Durante esta fase, R. mostrou algumas de suas composições e trouxe
CDs com músicas instrumentais, populares e românticas de várias épocas, utilizadas
como referência e para servir de estrutura musical. Algumas vezes, foram trazidas
músicas que misturavam estilos como ópera e rock, ou ainda ópera com Black e Death
Metal, estilos de música extremamente pesados e velozes, com alta densidade de
timbres, vozes exasperadas, alternando momentos de introspecção e de extroversão com
a utilização de bastante distorção sonora e volume intenso nos instrumentos musicais.
Outras vezes, R. trouxe para a sessão canções com temáticas por ele definida de
„aventura‟ e decidiu, portanto, classificar suas canções da seguinte maneira:
„românticas‟, „rock e rock pesado‟, „aventuras‟ e „engraçadas‟. Podemos entender isto
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como uma ação positiva da musicoterapia que estimulou a busca de organização e
autocontrole, com autonomia sobre a obra musical. Neste momento foram selecionadas
vinte músicas que seriam desenvolvidas nas sessões.
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da voz. Durante este período foram alternadas canções antigas e novas, trazidas por R. a
cada sessão. Caminhando em direção a um „novo self‟‟.
Terceira fase (transgressão criativa): Na terceira fase de nosso processo, que inclui
também a fase atual, que é de complementaridade e crescimento, onde a criatividade se
expande e transgride o preconceito, ou seja, as músicas já finalizadas são utilizadas
como um repertório que, quando revisitado, porta emoções conhecidas e já trabalhadas
por R. nas sessões anteriores. O „novo self‟ reencontra a ‘music child’ e retroalimenta o
ciclo da musicalidade. Toda vez que uma música é recriada, a voz de R. está mais
definida, e como as tonalidades são colocadas nas letras, é possível resgatar as canções e
executá-las no aqui e agora. A voz de R. está cada vez melhor. Sua ansiedade também
diminuiu, ele mesmo começou a colocar os sinais gráficos de pausa nas letras e a
interagir mais com a musicalidade que vem do piano. Quanto aos vocais, a CoMT e o
MT cantam vozes que harmonizam a realização musical de R. e ele se sente cada vez
mais seguro em seu processo artístico. Na terceira sessão realizada no segundo
semestre, R. não trouxe um CD de referência, e disse, após o aquecimento vocal, que o
MT poderia apenas tocar as seqüências que costuma tocar, ou seja, harmonias
românticas, que obedecem a cadências tonais simples com ciclos que retornam sempre
ao ponto inicial, com pequenas alterações no sentido de seguir a melodia improvisada
por R. em vários momentos. Esta liberdade criativa, proporcionada pelo improviso
guiado pelo MT ao piano, fornece base instrumental para que o participante possa ousar
na utilização da voz. Em muitos momentos, a melodia é realizada próxima de uma
tonalidade, mas alternando comas e notas entre várias escalas musicais simultâneas. Aí
é necessária uma escuta atenta e com o máximo de recursos musicais disponíveis para
alternar a estruturação musical. Nas últimas sessões, R. tem apresentado uma melhora
significativa na afinação e na expressão da voz. Durante a conversa inicial no segundo
semestre o compromisso com o crescimento ficou claro, e a motivação faz parte deste
compromisso, com o objetivo de superar as dificuldades com a ajuda do MT e da
CoMT, cujo trabalho integrado é muito importante para o bom desenvolvimento e os
bons resultados clínicos do processo. Nossos objetivos continuam focados no
aprimoramento “estético musical”, no crescimento pessoal, e na qualidade de vida de
R., visando a sua autonomia e sua inserção na sociedade de modo pleno.
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A análise musico-centrada (viver na música)
O triangulo de Carpente e Brandalise
Fase 1:
R. apresenta um caderno contendo vários textos que ele considera canções. Inicia-se um
processo de contato, vínculo, descoberta e exploração da musicalidade de R.. Nossa
música buscando contato através da música, a procura da ‘music child’. Em meio à
‘condition child’, lançam-se MT e CoMT com sua „musicalidade clínica‟ e com o
objetivo de facilitar a expressão de R.. Por meio de suas canções (temas clínicos),
podemos representar assim nosso processo inicial, utilizando o “Triangulo de Carpente
e Brandalise” (Brandalise, 2001, p. 30):
MÚSICA
MÚSICA DO MT MÚSICA DO
PACIENTE
Fase 2:
Após várias sessões em que os textos foram lidos, declamados por R. e aperfeiçoados
nas sessões, a linguagem foi ficando mais musical e o canto foi realizado com mais
freqüência e menos timidez. Nesta fase, foi introduzido um exercício de aquecimento
vocal e o gravador de áudio. Eram executadas escalas musicais com o acompanhamento
do piano e os exercícios eram acompanhados pela CoMT com a voz. Nesta fase,
ocorreram várias tentativas de aplicar estilos musicais diferenciados para as músicas,
seguindo a demanda de R. O movimento da musicalidade em contato pode ser
representado através do seguinte gráfico:
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MÚSICA
Em contato
Fase 3:
Esta fase iniciou a construção do contato com o „novo self‟ de R. e foi marcada pela
diferenciação, pelo encontro de R. com sua singularidade e pelo abandono de alguns
estereótipos trazidos por R., já influenciado pela massificação midiática do cantor pop
star, geralmente representada com exagero e afetação. É nesta fase que R. afirma seu
lado romântico. A voz está melhorando, sendo acompanhada com mais fluidez pelo
piano, com a harmonia mais coerente com a melodia, e com as notas sendo executadas
de forma mais segura pela voz de R.. Esta fase está sendo caracterizada pelas
composições trazidas na sessão, e também pelo reforço das composições já finalizadas.
As novas canções são acolhidas como parte do processo de expressão de conteúdos da
vida cotidiana. Para todas as canções há um título, a referência musical utilizada
(quando é o caso), a data da realização da composição e as marcações necessárias feitas
por R. durante o processo de aperfeiçoamento, além da tonalidade da música. Podemos
representar esta fase com o gráfico de Nordoff e Robbins, no qual observamos
elementos da interação que promove a expansão da musicalidade durante o processo e o
direcionamento de R. para a atualização do self, que envolve também a equipe
terapêutica. Vejamos o seguinte gráfico de “campo de interação, ou interface” aplicado
ao momento musicoterapêutico. (cf. Robbins, 1995 e 2004):
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MUSICOTERAPEUTA
FORMA INSPIRAÇÃO
Discussão
O crescimento de R. ao longo do processo musicoterapêutico é evidente tanto na
instituição, quanto em seu meio familiar e social. Sua ansiedade em relação aos colegas
e à equipe institucional diminuiu e ele procura se comunicar melhor. Quando canta, ele
articula melhor as palavras e sua afinação também está se desenvolvendo juntamente
com sua escuta. Na medida em que fazemos exercícios para ampliar a gama vocal e
perceber a desafinação, sua atenção fica mais concentrada no canto e as notas musicais
são emitidas com mais segurança, amplificando seu interesse na vivência musical. Suas
demandas continuam as mesmas: expressar suas vivências através das canções, enviar
recados, mensagens para amigos e amigas distantes, falar e refletir sobre a natureza, a
cidade, as viagens e a beleza do encontro com as pessoas. Seus temas retratam a vida de
um jovem contemporâneo, com desejos e aspirações de contato com pessoas que o
vejam como portador de singularidades, participante ativo na sociedade. Deixamos aqui
uma questão, que para nós é de grande importância na continuidade do trabalho com R.:
Até que ponto a relação com a música e a musicoterapia pode proporcionar uma
autonomia real num mundo que rejeita certas singularidades limitantes em uma pessoa
portadora de atenções especiais?
Considerações finais
O músico-centramento fornece uma estrutura teórica e prática que vem de
encontro às necessidade de compreensão dos fenômenos clínicos e musicais que
acontecem em uma sessão de musicoterapia. Ficou claro em nosso trabalho que a
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relação homem-música é inata. Isto é colocado em movimento através da música nas
composições do paciente R.
O contato entre as musicalidades de R., do MT e da CoMT é o ponto de partida
para a relação musical, e para a busca e o contato entre a ‘music child’, que vai
proporcionar a passagem pelos ‘turning points’, expandindo-se entre os ‘platôs’ rumo a
um ‘new self’, mais consciente de si mesmo no mundo. A música ajudou R. a encontrar
seu lugar na arte. A qualidade estética das canções ainda está em construção, assim
como nossas vidas, mas o percurso realizado até agora já apresenta resultados positivos
na música e na vida cotidiana de todos os envolvidos no projeto.
Canção Nº1:
RENATA VOCÊ É UMA ESTRELA (tom: RéM) 01/08/2007 - 15/ 04/ 2008
Canção Nº2:
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JAMAIS VOU TIRAR VOCÊ DA CABEÇA / EU A AMO DEMAIS
VOCÊ É MINHA VIDA, É MINHA AMIGA / AAAAA QUE EU VOU FAZER SEM
VOCÊ / NÃO TEM OUTRA AMIGA COMO VOCÊ / VOCÊ É ESPECIAL PARA
MIM AAAAA / EU TE AMO DEMAIS VOCÊ É ESPECIAL PARA MIM
NUNCA VOU ESQUECER DE VOCÊ / VOU TE AMAR PARA SEMPRE
Canção Nº3:
Canção Nº4:
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Canção Nº5:
Referências bibliográficas
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