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na Pinheiro-Machad passado e presente a abertura (1976-1979) A transicao pal ao Zedong, um dos maiores Kideres da historia dy Em 1976, morreu si ra 0 confucionismo e lo co © passad, China, Ainda que sua Tuta ¢ suas praticas despatica dindstico, o autoritarismo de seu governo € stias priticas espaticas em my aos imperadores que ¢ ha milénios, a populagio chinesa to se assemelhavam anto rejeitava. Acostumados com um sistema de pensamento que perdu 1 forma de enxergar scus superiores, venerando também tratou de atualizar s' Mao da mesma formo como se cultuava um imperador celestial. Jai também faleceu, e, entdo, 0 desconhecido Hua Em 1976, Zhou E1 Guofeng subiu a0 poder como indicagio de Mao. Com a morte do grande lider, as moderadas ganharam ainda mais espaco na disputa politica as forcas dai pela sucessio, resultando na prisio da Gangue dos Quatro. Jiang Qing, por mais estrategista que fosse, perdia seu poder de manipulacao sem seu marido no cen- tro do poder. Em 1977, Deng Xiaoping - antigo lider do partido que outrora ha- via sido considerado traidor - passou a comandar 0 pais ea colocar em pritica as reformas politicas e econémicas que marcariam a passagem do milénio e a colocar a China como 0 temido império do século XX1. A Era Pés-Ma REFORMAS E ECONOMIA DE MERCADO Embora a nomenclatura pés-Mao seja amplamente difundida para de- signar o periodo posterior ao final da década de 1970, nao ha consenso sobre o que ela, de fato, significa, Alguns defendem que se trata apenas de sinénimo para “sem-Mao’, o que implica acreditar que 0 que acontece hoje na China ¢ uma continuidade da politica socialista chinesa, partindo do principio de que 0. Outros, contudo, irio defender Mao preparou o pais para a industrial que ps-Mao refere-se a economia de mercado, a um novo periodo da historia do pals, o qual rompe com a economia planificada, Como desdobrament 128 pao cnne isio, a expressio "pds-socialismo’, usada por muitos, é aind dessa ¥! proble- anita, especialmente em sta aceitagio pelo PCC, que defende que a China lesenvolve um “SOc jalismo com caracteristicas chinesas”. Deng Xiaoping: mentor intelectual da abertura econémica © PCC sempre manteve uma ala mais moderada, ainda que ela tenha «ilo sufocada e punida durante os mais érduos anos da Revolucao Cultural No entanto, a importincia do guanxi, ou s a, das relagées pessoais tio com- patidas pelo valor da camaradagem, foi decisiva para que os afastados voltas- sem ao poder, Deng Xiaoping, um dos maiores lideres do Partido, voltou a0 poder, assim como muitos outros, por meio de sua conexio com membros da elite do Partido (com quem havia estudado na Franga nos anos 1920). E1 seus anos de reeducagio, nunca deixou de se comunicar com Zhou Enlai. Este, quando ganhou poder apés a morte de Mao e 0 enfraquecimento da Gangue dos Quatro, resgatou Deng, que assumiu 0 comando da China em 1977, aos 72 anos de idade, posigio ocupada até 1992. Apesar das polémicas que envolveram a figura de Deng, como 0 massacre da Praca Celestial de 1989, a sua importancia para colocar a China na posigao que ela ocupa no mundo hoje é inquestionavel Ble foi um grande reformador, cuja caracteristica jé havia mostrado desde o papel exercido junto a Mao na re- estruturagao do Grande Salto. Deng instaurou um programa de mudangas que ficou conhecido como “as quatro modernizagées’: agricultura, indiistria, defesa eciéncia e tecnologia. Na area da educagao, ele promoveu reformas universita- rias ¢, assim, milhares de jovens entraram na universidade e/ou foram estudar no exterior, O conhecimento cientifico ¢ a técnica, relegados nos anos maoistas, passaram a ser vistos como parte fundamental do desenvolvimento. Dentre as reformas econdmicas ¢ politicas, Deng desfez o sistema de co- para a economia de mercado, a qual Tunas e promoveu a abertura econdmica por meio da abertura de zonas especiais. {oi realizada aos poucos, inicialmente, A sua famosa frase “ndo importa se o gato é branco ou preto, 0 gato bom & © que morde os ratos”, dita em 1961, era paradigmatico em seu pensamento 129 pao cnne % reformador, em iltima instincia, nao importa se comunista ou capitalist, 9 importante & gerar prosperidade. Assim, instaurou-se uma nova era no pais 48 ideologia anterior, na qual o enriquecimento passoua ser radicalmente opo: valorizado. E sua estratég um valor nao apenas aceitvel, mas moralmente - final das contas, parece ter dado certo. 1989: O Massacre TIANANMEN E A TRANSICAO DE LiDERES DO PCC ‘A maioria dos turistas que chega a Beijing se apressa para ver a Pra- ¢a Celestial, Tiananmen. Para o mundo ocidental, esse logradouro significa muito mais do que uma area de grandes palicios e prédios oficiais. Trata-se do lugar onde ocorreu uma das imagens mais famosas e chocantes do mundo politico, que ficou conhecido como o Massacre de Tiananmen. Os rumos das reformas estavam sendo profundamente debatidos no PCC no final do século XX. Entre a abertura econémica e a abertura politica havia um grande abismo. Em 15 de abril de 1989, em meio a disputas internas no PCC, 0 lider Hu Yaobang - entao representante das reformas democraticas ~ morreu repentinamente de um ataque do coragao. Esse episédio levou 3 mil jovens chineses a marcharem em diregao a Tiananmen, que ocuparam por vi- rias semanas. A maioria deles era composta por estudantes da Universidade de Beijing, Eles lutavam por liberdade de expressio, por melhores condigées socio- econdmicas, pela limpeza da corrupcio do Partido, por reformas democraticas. Ao final, estima-se que um milhio de pessoas participou dos protestos. A ocupacio foi ganhando fora em Beijing e causando disputas internas no Partido, até ter 0 seu tragico fim em 4 de junho de 1989, quando o governo central aplicou a lei marcial, entendendo que se tratava de um movimento contrarrevolu- ciondrio. O governo reagiu e, sob a ordem de Deng Xiaoping, 150 mil tropas foram colocadas nas ruas. Devido & censura ¢ ao tabu que existe na China sobre o tema, 6s niimeros nao sio nada precisos sobre o incidente. Centenas a milhares de estt- dantes foram mortos ou feridos. A imagem mais famosa do evento éa do “homem- 130 ott omentme -tanque’sum jovem que parou na frente de um tanque enquanto ele avangava. Hoje, trata-sede uma das fotografias mais famosas da histéria da humanidade. Por tras da avura daquele jovem, na verdade, br vam milhares de chineses. undo o analisa Ezra Vogel, ‘scritor de uma das mais respeitadas bio- s de Deng (tanto no Ocidente quando na propria Chir 10 do graf ), a decis internamente lider de atacar era uma forma de defesa do controle da naga ¢ externamente. O comunismo da Unido Soviética e do Leste Europeu estava desfalecendo. Na visio de Deng, fraqui naquele momento seria ceder a uma crise sem precedentes na historia do PCC desde 1949. Segundo o es- pecialista, a familia de Deng declara até hoje que ele jamais se arrependeu de atacar, pois foi um ato que, ainda que trigico ¢ sangrento, restabeleceu a autoridade do Partido e a estabilidade politica. Como comenta o sindlogo, noutra publicagdo, massacres em massa sempre ocorreram na China na era dinastica sob a vontade do Mandato do Céu. A diferenca de Tiananmen é que agora o fendmeno era televisionado e chocaria a opiniao internacional, que, por sua vez, no ficou calada. Vale lembrar que isso também ocorre com a internet e os protestos do século XXI na China. Os meios de comunicagio de massa globais certamente possuem um poder inédito de provocar reagdes externas sobre realidades domésticas, O episédio foi um divisor de aguas entre o Ocidente ea China. Para uns, trata-se de uma ferida aberta no coracdo de Beijing, uma mensagem do au- toritarismo e da intolerancia e do tremendo poder do Partido. Para outros, é um evento triste que deve ser esquecido. Em meio a tantas magoas ¢ dores da histéria da China, considera-se que nao se deve olhar para tris, mas para o “bri- Ihante futuro” (conforme famoso ditado chinés). No Ocidente, especialmente nos Estados Unidos, o incidente correspondeu a um proceso diplomitico ex- tremamente tenso, especialmente em tempos em que a Guerra Fria parecia estar terminando e os norte-americanos vencendo e ganhando legitimidade global. A China, por seu turno, teve (¢ ainda tem) um grande trabalho na propaganda governamental para apagar este evento da meméria dos chineses, O evento & censurado na internet chinesa, nao aparece nos livros didaticos, assim como os m para seus filltos. pais, que viveram naquela época, no conta 131 ott omentme Embora grande parte dos jovens chineses ni » saiba do evento, os turis. tas estrangeiros tém isso como um fetiche. Certamente, ha fantasias para mais ou para menos de ambos os lados. Por um lado, conhecer a sua historia ~ ter um direito fundamental, a possibilidade de se situar no mundo ~ € a0 menos pelo ponto de vista ocidental. Por outro, 0 Ocidente age de forma despropor- cional em relagio ao evento, impondo sua visdo sobre a China, seja por meio das relagdes exteriores, seja pela curiosidade ¢ 0 fetiche dos turistas. O massacre de 1989, indubitavelmente, abalou a lideranga do partido, resultando no afastamento de diversos lideres, bem como na aposentadoria de Deng, representante da segunda geragio de lideres do Partido (a primeira ‘a sido a da era Mao). A terceira geragio do PCC durou de 1992 a geragio hav 2002, tendo como lideres de destaque Jiang Zemin Li Peng, Zhu Rongji, Qiao Shi e Li Ruihuan - todos antigos revolucionsrios. O SEcuLo XX A China estava devastada nos primeiros anos do século XX. Apés sé- culos de poder centralizado, viu seu territério entregue as forcas estrangeiras. Como lembra John Fairbank, entre 1800 a 1985, 0 pais passou por cinco guer- ras estrangeiras (da Guerra do Opio as invasdes japonesas) e mais cinco guer- ras civis (de Taiping 4 Revolugio Cultural). As feridas abertas eram muitas. O orgulho de uma China autossufi- ciente e brilhante no se sustentava no inicio do século XX. Ainda que ex- tremamente criticada no mundo fora da China, é preciso deixar de lado as lentes ocidentais pelas quais os brasileiros enxergam o mundo e reconhecer a importincia da Revolugio Comunista, que, ainda que com todos os seus atos repudiados, foi fundamental para a emergéncia de uma nova China, com autoestima, territério e orgulho recuperados. A revolugio modernizou o pais ¢, para muitos, modernizou as mentes ao trazer a bandeira do feminismo & da igualdade. F preciso sempre lembrar que o extremismo alcangado nascet em solo de uma China devastada ¢ humilhada em seu proprio orgulho apos pao cnne o tio exaltado s ulo da humilhagao, E claro que essa é propria justific da ideologia do governo central chinés hoje, mas pare, importante fazer 0 esforgo de compreender a China dentro de uma perspectiva chinesa, Quando Deng assumiu a China, ele tinha uma missio muito clara: torné-la rica ¢ forte rapidamente, em tempos em que a renda per capita anual da populagao rural era em torno de 40 délares. O projeto, custa de certo sofrimento, teve sucesso. A China hoje é poderosa ¢, em pouco tempo, sera a nagio mais rica do mundo, Ha quem veja continuidade entre as reformas ¢ 0 maoismo, concebendo-os como lados de uma mesma moeda. Ha quem veja ruptura e descontinuidade. Ha quem diga que o comunismo acabou, ha quem acredite na sua permanéncia na China. Independente da visao, é certo que a China ultrapassou o milénio mantendo a autoridade do PCC inabalada, apés recuperar-se de uma crise politica. Mudaram-se os regimes politicos, mas a autoridade do Estado mantém-se como uma fonte centralizadora da socieda- dee da cultura chinesa ao longo dos milénios. 133 pao cnne CAPITULOV O GIGANTE ACORDOU: MULTIPLAS FACES DO DESENVOLVIMENTO DA ERA POS-Mao Ha um gigante adormecido.. Quando ele acordar, vai sacudir o mundo. Napoledo Bonaparte As reformas de Deng Xiaoping fizeram do pais mais populoso do mun- do também 0 mais temido do século XXI. A maior poténcia exportadora do mundo tem apresentado uma média de crescimento de 10% ao ano. Ainda que a China aparega na midia internacional como um algoz, refleti- dona imagem de um dragio indomavel, é notério o fato de que todos tém procu- rado a sua “fatia do bolo” do crescimento chinés. Afinal, a abertura ao comércio exterior, oferecendo mio de obra barata e moeda desvalorizada, atraiu empresas de todos os lugares, causado dristicos impactos no cenario global. Consequente- mente, em face ao fendmeno que ficou conhecido como “prego chinés’, o merca- do interno de todos os paises foi profundamente afetado, urgindo reestruturagio. O crescimento da China come¢ou nos anos 80, mas impactou o mun- do nos anos 1990 e, principalmente, no século XXI, quando passou a deter a segunda maior economia do mundo. Em um curto periodo de tempo, todos se viram dependentes da China, ¢ isso tem sido retratado com inseguranga e medo. Compreender 0 milagre econdmico chinés e discutir para onde vai este império, portanto, tornou-se uma grande indagacio dos nossos tempos. Se o pais se apresenta como uma ameaga de um novo império mun- dial, a hipdtese acerca do milagre econdmico chinés deve ser descartada. O ott omentme aconteceu na China foi um crescimento sedimentado ao longo das alti. ue aconteceu na China - : , ‘cendente nos anos 80 ¢ 90, atingindo pico de crescimenty mas quatro décad: 90, 2000. 0 capitulo que segue tem por objeti antidas pelo PCC, bem como problema- tizar alguns dos desafios nos campos politico € econdémico com que 0 pais tem se nos, fruto das contradigoes prom o apresentar as reformas col. nosanos cadas em priticas por Deng Xiaoping em ovidas pelo crescimento, deparado nos tiltim ABERTURA ECONOMICA VIA ZONAS ECONOMICAS ESPECIAIS Dentre as reformas econémicas promovidas por Deng Xiaoping, a is (ZEEs) para abertura econémica por meio das Zonas Econdmicas Especi: exportacao foi a que teve maior impacto local e globalmente. O lider denomi- nou esse processo como “A Grande Experiéncia’ Alternando o balango do péndulo histérico entre uma China aberta e fechada, o lider Deng implementou o plano das quatro modernizagées (agri- cultura, industria, defesa nacional e ciéncia e tecnologia), no qual incluia a politica de “portas abertas”, por meio de dois passos fundamentais: (1) a volta da atragao de investimento estrangeiro e (2) a recuperagao de cidades costei- ras que, antigamente, haviam sido proeminentes no comércio exterior. A China nao aderiu completamente 4 economia de mercado, e tam- pouco isso se deu de forma homogénea no pais, Ao contrario, isso tem sido feito gradualmente, por meio da abertura de dreas especificas que possuem le- gislagdo diferenciada, Além disso, embora as mudangas tenham sido intensifi- cadas nos tiltimos 30 anos, o crescimento atual nao se explica apenas nos fatos contemporaneo: preciso contextualiza-las dentro do processo histérico. A histéria do sul do pais é fundamental para entender como foi possi- vel a emergéncia de uma area exportadora tio prospera. Nesse sentido, vale retomar que, ainda que o fim da dinastia Qing tenha sido marcado por uma série de conflitos que levaram a um século XX falido e turbulento ~ 0 século da humilhagao -, 0 periodo anterior foi caracterizado pela pujanga do comércio 136 ont cmenme a nos mares do sul. } internacional que ocor toa, portanto, que as pri- meiras ZEEs surgiram na provincia de Guangdong. Desse modo, o antigo Sistema de Cantio preparou a regiio para ala- yancar 0 desenvolvimento econdmico, uma vez que a viabilizagao do cresci- mento, através da expansio do mercado externo, deu-se gracas 4 otimizagao s ¢ infraestruturas preexistentes naquela regido ¢, poste- ia de Guangdong, de condigdes naturais riormente, ampliando para outras areas do pais. A provine ressurge como a “janela chinesa para o mundo” (apelido que possuia na assim, foram criadas com 0 objetivo de era Qing), no momento em que as suas ZF conectar 0 pais ao sistema mundial. Por outro lado, embora Sistema de Can- tao tenha sido um mercado de proporgées extraordinarias, a atual economia da regiio é um processo que se destaca no volume de exportacio, no impacto planetério, na velocidade das transformagies sociais e culturais que acarreta. 0 Sistema de Cantio era totalmente dependente das inimeras qualida- des do Delta, as quais nao poderiam ser duplicadas em outro lugar. A pirataria do sul, por seu turno, otimizou suas qualidades, ao abrir mais portos, locais de comércio e criando uma “cultura mercantil” singular. O sistema de c6pias éculo XIX para o XX, mas o seu modo emergiu com forga na passagem do de produgao foi aniquilado em nome de uma politica socialista. Houve, assim, uma desestruturacdo desse sistema dentro da Repiblica Popular da China, mas uma continuidade dele em Taiwan e Hong Kong. Enquanto a China estava fechada para o mundo, 0 capitalismo seguia seu rumo de expansio, caracterizando-se pela descentralizagao das redes de produgao, especialmente no setor de produtos de mo de massa: pecas do vestuario, brinquedos, enfeites ¢ eletronic: pequenos bens” de consu- Na gunda metade do século XX, as empresas norte-americanas ¢ europeias tive- caracterizadas pela instalagio de fabrica sem paises ram trés fases migratori asidticos, obtendo fornecedores de matéria-prima ¢ mio de Ja industria ocorreu para o Japio (anos 50 e 60) & obra baratos, A primeira onda de expansio d 4 segunda para Coreia do Sul, Hong Kong ¢ Taiwan (anos 70 ¢ 80). Aabertura econdmica pode ser entendida como uma nova expressio do Sistema de nntido invertido, ja que o mercado estrangeiro, Zantio, porém, em se pao cnne jes nos portos chineses, deparou-se com vantagens ges NOS car Hiri : jo de investimento externo, Trata-se da ter. em ver de encontr competitivas inigualiveis na atrag das redes produtivas do capitalism, que se deu ery ceira onda da expansh ae tiregdo A Repiiblica Popular da China, a partir dos anos 80. A presenga de in. diregio & Republica a , chistriag e mareas globais estimulou queas redes mercantis internas retomasser cépias, que havia sido extinta durante 0 periodo da reptiblica, a produgio de : a, passados trés séculos apés o impera- Em uma coincidéncia historic na costa de Guangdong, Deng Xiaoping is (ZEEs) em 1979 (Shen- Xiamen, na Provincia de Fujian), dor Kangxi ter aberto quatro portos ondmicas Especi abriu zhen, Zhuhai e Shantou, em Guangdong: € r Zonas Especiais de Exportagio. Em ualmente quatro Zonas FE as quais, em 1980, também passaram a se 1984, paralelamente, abriram-se economicamente qua ang cheng shi) - conjunto de cidades com costeiras (Shi si ge yuan hai kai fa vantagens econdmicas semelhantes € integradas as ZE tal Guangzhou’, Se os sucessores do imperador seguiram 0 caminho torze cidades de zonas 's. Uma das quatorze éa capil do fechamento apés a abertura dos portos, as reformas de Deng, ao contririo, caminharam para uma abertura gradual ao capital estrangeiro € a todas as ideologias que 0 acompanham. Consequentemente, diferentemente da nao circulagao promovida pelo decreto de 1757, 0s estrangeiros tém grande acesso A sociedade chinesa, bem como desfrutam dos avangos tecnoldgicos do pais, talve mais do que a grande maioria da populagio. Desde o final de 1980, Guangdong é a provincia mais rica da China. Se~ gundo o senso chinés, em 2012, o PIB da regido era de aproximadamente 900 bilhdes de dolares, detendo aproximadamente 10% da fatia da economia na- cional. Com os mesmos desafios dos paises em desenvolvimento emergentes, a distribuigao dessa riqueza é ainda um dos maiores problemas que a China enfrenta, uma vee.que a provincia mals rca também & a que abriga o maior numero de migrantes internos, que buscam empregos nas fabric: Saindo dos arranha-céus das grandes cidad s daa regio. 0s caminhos entre a capital da provincia Guangzhou e a Zona Administrativa pecial de Hong Kong sio 9 Daan, Gnhuang Deo, Turin, Yana, Qu enshou, Futon, Guangheu, hanange Bete anti" uate Nan Tong, Shangha, Nees 138 pao cnne abarrotados de fabricas, uma ao lado da outra, formando uma paisagem cin- zenta e pasteurizada, A area concentra pequenas, médias ¢ grandes indistrias da China ¢ produ desde a mais corriqueira bugiganga de plistico até a mais sofisticada alta tecnologia, como a industria quimica, a petroquimica, auto- mobilistica e a produgéo de navios. Por isso, a regido é um dos principais centros de processamento da economia global do mundo contemporaneo € um dos maiores fendmenos populacionais da humanidade. As ZEEs possuem carga tributaria mais baixa e condigées autonomas politicas ¢ mercantis. O objetivo ¢ atrair investimento externo, especialmente da populacao chinesa ultramar, reconquistando a sinorriqueza anteriormente dispersa, inclusive de Hong Kong, que antes de 1997 era colonia britanica. Essas areas sao regidas por “quatro primazias”: (1) utilizacao de capital estran- geiro; (2) atragio dos chineses que estado fora da Reptiblica Popular da China, bem como negécios inteiramente de propriedade estrangeira; (3) produtos sio primeiramente de orientacao para exportagao; (4) atividades econdmicas sio reguladas pelo mercado. Shenzhen foi a primeira ZEE e a que mais prosperou, justamente por ser fronteira com Hong Kong e, consequentemente, o “portdo de entrada e saida” do pais. E um fenomeno da China contemporanea, liderando diversos indices socioecondmicos. No ensejo do crescimento de Shenzhen e da aber- tura das cidades costeiras, Dongguan é outra cidade fenomenal, concentrado fabricas, shoppings e um enorme contingente populacional. Diversas indus trias brasileiras encontram-se lé atualmente, especialmente no setor coureiro. Consequentemente, é um lugar de concentracio de comunidade brasileira. Zhuhai, embora seja uma ZEE menos populosa, é considerada muito impor- tante economicamente, ja que possui um dos maiores portos do sul da Chi- na, Dongguan, Shenzhen e Zhuhai fazem parte do “Grande Delta’, que ¢ 0 conjunto de cidades e ZEEs conectadas as regides auténomas (Macau, Hong Kong). Toda essa area esta economicamente aberta, agregando vantagens para competi no mercado externo. O “Grande Delta” concentra um ter¢o de toda a industria da China e se destaca justamente na produgao dos produtos que um dia foram considerados pao cnne picamente” made in China: eletronicos, el R108 brinquedos, acessérios do vestudrio € plastica, Shenzhen também se caracteri7a na producio de alta tec ngia. Nesse universe, estho aproximadamente 100 mil fabricas, além das gistradas, Centenas de shoppings ¢ atacados tam r imimeras fabriquetas no re bém farem parte desse mundo de mercadorias. HA investidores estrangeiros ¢ chineses. io crescimento econdmico, a regiio do Delta é Produto do extraordinar tam dos maiores fendimenos populacionais do mundo, pots vilarejos tornaram. adas. O censo da C ina de 2012 indica que hi se megalopoles em poucas dé ngdong, Para 0 World Cities Report 108 milhdes em toda a provincia de Gu 0” de “cidades sem fim” do mundo, de 2010, 0 GPRD é a maior “megarreg a dos 120 milhdes de habitantes. Shenzhen é uma das proxima a alcangar a f smaiores cidades da China em termos de populagio (15 milhoes de pessoas para ‘o senso de 2012), ¢ ha trés décadas era apenas uma pequena cidade. Shenzhen, junto com Shanghai, € considerada a mais moderna cidade do pais. Além disso, possui um sistema de transporte considerado um dos melhores do pais (aéreo, terrestre € maritimo), o qual interliga todo o pais. Hi cidade, sendo o quarto maior complexo do mundo. A receita é de aproximadamente RMB 500 bilhoes por ano, E pode ser doze portos na da indiistria de Shenzhen destacando-se na produgio de alta tecnologia, O sucesso dessa 2 vislumbrado no fato de que, das 500 maiores multinacionais do mundo, 133 estio instaladas la. ‘Ainda sobre tais 500 multinacionai mais de 90 mil investimentos estrangeiros € aproximadamen- 400 delas tém negdcios em Guangdong. Ha te 3 mil representagdes de empresas instaladas na provincia ~ 0 que march definitivamente, sua vocagio para 0 mercado externo. Além disso, os portos da regio do Grande Delta sio conhecidos como os mais competitivos do shenzhen e Guangzhou. A exper mundo, principalmente os de Hong Kong, tagao do Grande Delta representa aproximadamente 35% de toda a exporta- Ao nacional. Produtos eletronicos dominam esse mercado. edo estore? reste Apesar da presenga massiva de multinacionais na regido is que in" da produgio nacional de novas tecnologias ~ a partir de pesquis 140 = pao cnne io de profissionais estrangeiros -, 0 mercado cantonés tam- muitas alto na contrata bém é mercado pela multiplicagio de pequenas e médias empresas, delas informais, que produzem pequenos bens, bem como pela indistria de cépias que se especializa nos mais diversos produtos. EMPREENDER: UMA PALAVRA DE ORDEM =m contextos urbanos de industrializagao e modernizagao, desde 1978, a privatizacao é um processo cada vez mais acentuado e amplo, em oposi¢: politica de estatizagao estabelecida em 1950. Nos anos 60, um jovem faminto comprou sete agulhas e as revendeu de porta em porta, gerando lucro privado. do de traidor aos principios da revolugao e reeducado no Ele foi preso, ac campo. Hoje é um empresario milionério, exemplo da prosperidade chinesa. Esse singelo exemplo, que encontramos estampado em revistas que retratam ‘pessoas de sucesso”, fala a respeito da mudanga de valores da sociedade chi- nesa, Nesse novo universo em que ficar rico é quase um dever, empreender, para muitos, constituir-se-4 uma luta desenfreada para a qual, muitas vezes, recursos informais (como contatos com 0 governo) necessitam ser empre- (0 de lucro rapido e facil através do gados em nome da agilidade e da geraga afrouxamento da burocracia, Na medida em que 0 empreendedorismo passou a ser sinénimo de poder, a relagio dos empresirios chineses com as autori- dades mudou, quando comparada aos anos da Revolugio Cultural. Hoje per- cebe-se uma relagio de horizontalidade e reciprocidade em miltiplos niveis. Nesse contexto de transformacao, existe, ainda, uma tensao entre mer- cado internacional ¢ Estado chinés no ambito mais abrangente, 0 que pode ser percebido através de pressdes das multinacionais sobre as condigdes de producdo e sobre as politicas de propriedade intelectual, por exemplo. Além disso, hé um constante conflito de valores e interesses na dificil tarefa de E: tado e investidores estrangeiros tornarem-se parceiros. No entanto, quando empresas (nacionais e estrangeiras) e Estado sao vistos como sujeitos reais em contexto de interacao cotidiana face a face, as pressdes cedem as negociagdes de M1 ott omentme guands porodtiziadto aa evvidtadte de cima allanga Incomun entre ox ‘repre Sentantes de tabs esters, 0: que veraa sob ‘vel horizontatidace ea pow poder entre produtore © autoridides, Tit atianga di He POF rectprocidades 1'se adapta ao modelo ehin Mente através da neyoctagdo de admink (ocadis no cotidiane, ent que a empre: 4 baste stradores COLON agentes log Abs, Hite ©o Modelo chines de fazer nepdete conhecile COMO CuaNNE CHES A atte de como banquete ne clave e eriar vinewlos pe sous ene eventos Midico: de massayem, karaokes e bolieh Nesse ¢ casas ontexto de empreendedorisme, 0 lucro Peivado, a liberdade ¢ ¢ SORSUMO so tendéncias recentes de contextos urbanos. Tim ambientes clerves, wentes como as ZELS ©o Delta, onde A riqueza é concentrada, essas car ‘acteristicay tendem a se manitestar de forma mais evidente lo que na drea rural ou em ef dades menos ricas, Hoje, 0 dinheiro aparece numa fala onipresente ¢ onipotente PABEAS novas geragdes, segtuindo a famosa frase de Deng Xiaoping: “Ficar tie, definitivamente, & glorioso’ invertendo a lop sica socialista de outrora, Ser patrio (aoban) nesse sistema & uma tarela mandatoria, conforme anune pular que circulava no pais pos-abertura ccondmica: awa o dito po ‘nlre um bilhao de pessoas, 900 milhoes sio empresirios ¢ 100 milhoes: esperam abri um negocio” Um desatio dessa log # empreendedora & que muitos empregados nio Permanecem muito tempo no emprego ¢, no Momento em que tem UMA opor: tunidade, abrem uma fabriqueta para fazer copias do que li se produz, Diversas declaragiies de diretores-executivos de grandes companhias do mundo concor- dam que uma das maiores dificuldades de se instalar no pais & 0 fato de que os empregados, tio logo adquiram know-how, demitem ¢ © abrem um negocio. Nesse sentido, um dos resultados dessa urgéneia em fi China pés-Mao a expressiva quantidade de negdcios ou negociagée: mais, ja que a ansiedade de enriquecimento impulsiona a busea por caminhos rapidos. A vontade de trabathar para si préprio é uma ansia por poder ¢ enti- quecimento, mas também o desejo de controlar o proprio destino, de guiar a propria vida e de se diferenciar como um individuo autonomo edade, a soci rompendo com a légica engessadora do igualitarismo horizontal das décadas precedentes, Ao forlemente presente na meméria da populagiio. Assim, arriseat ott omentme investir ¢ ficar rico sio valores contemporincos, Se, por muitos anos, o maior sonho profissional de um cidadio comum chinés era possuir um emprego es tatal e estar inserido nas redes de influéncia do partido, hoje, ao contrario, é 0 de ser empresirio, Trata-se, sem diivida, de um contexto radicalmente oposto ao da Revolugio Cultuy al, que levou a ideologia da igualdade as tiltimas con- sequéncias. A famosa frase de Deng Xiaoping, anteriormente citada ~ ndo impor- ta se 0 gato & preto ou branco, 0 gato bom & 0 que morde 0s ratos -, dita em contexto de reformas no campo na década de 1960, teve uma insergio muito forte no imaginario chinés. Ela foi interpretada para os usos convenientes. Na verdade, poucas frases sio capazes de sintetizar 0 boom chinés como a meti- fora da cor dos gatos, que ressalta importancia de se atingir o crescimento, independente dos meios para tanto, Nesse sentido, informalidade e Estado, no caso chinés, nao sio necessariamente ategorias opostas. Houve uma cor- rida para 0 mundo dos negécios, ¢ isso foi amplamente legitimado pelo poder central, mesmo que através da leniéncia ou consentimento calado. Houve um. grande incentivo para que se abrissem fabricas, gerassem empregos e fizessem as economias locais prosperar. Havia também um grande contingente popu- lacional necessil do, o qual precisava de trabalho. Além disso, acrescente-se um mercado consumidor interno ¢ externo inesgotavel. Em ultima instancia, teria sido impossivel tamanho boom de empregos diante de um sistema buro- critico e trabalhista tal qual se concebe como ideais no Ocidente. AS QUESTOES EM ABERTO DO CRESCIMENTO ECONOMICO Migragées internas e populacées vulneraveis Nos tiltimos anos, centenas de milhares de pessoas sairam das mais dis- tintas regides do pais ¢ dirigiram-se as zonas de produgio em busca de traba- Iho. Embora existam intimeras historias de sucesso ¢ prosperidade dessas “po- pulagées flutuantes” (liudong renkou, mao de obra migrante oriunda das zonas ott omentme rutais), as contradigdes do crescimento econdmico também vém se tornando visiveis, no momento em que uM grande contingente esta submetido, mui. tas veres, & situagho de risco, exploracio ¢ desamparo social. Esses migrantes trabatham em fibricas conhecidas como sweatshops ~ expressio irdnica que se refere ao suor de uma jornada de trabalho exaustiva ¢ mal remunerad, ‘onde 0 limite entre o trabalho ea miséria absoluta é extremamente ténue, o que provoca um estado constante de ansiedade, medo e sujei¢io. Com © boom do Delta do Rio da Pérola, tem havido um processo in, cessante de migragio interna para aquela regio, especialmente vinda da zona rural - contingente que serve de mio de obra da industria, A diversidade cultural passa cada vez mais a se sobrepor 4 hegemonia da presenga cantonesa nativa. O renascimento do Delta, através de suas ZEEs, impulsionou extra- ordinarios fluxos de migragao interna ¢ externa, com dezenas de milhées de deslocamentos. Ao mesmo tempo que chineses foram para Guangdong em busca de trabalho (explodindo 0 contingente populacional do Delta), muitos cantoneses, por sua vez, deixaram o pais para importar e comercializar, além- -mar, aquilo que a terra natal comegava a produzir em abundancia. A infraestrutura moderna de Shenzhen - considerada uma das cidades mais futuristas da China ~ contrasta com um grande contingente de morado- res de rua e/ou portadores de deficiéncia que imploram por qualquer yuan de forma curvada, especialmente nas portas dos restaurantes e nos arredores das. estagdes de trem. Embora tenha ocorrido um melhoramento notivel das condigdes de vida no campo € na cidade gragas aos milhoes de empregos gerados (esti mativas oficiais apontam que Guangdong propicia em média um milhio de Novos empregos por ano), Muitas dessas pessoas que vio para o Delta no sio absorvidas no mercado de trabalho, ou sio absorvidas temporariamente. Esse contingente varia entre 150 milhdes a 200 milhdes de pessoas, na sua maior? jovens e mulheres. Sio numeros que se aproximam ou até mesmo superaim 4 populagio do Brasil. O sistema nacio al de registro domestico (uikou), instaurado no pa em 1958 € mantido ate hoje com pequenas reformas, éuma questio problematic waa gus omonsame um registro que fixa as pes?" movimento no pais tro ar, Trata-se d jesejam mil alidade, limitando tos sociais. Afinal, qu considerado migrant es, pessoas qu adas e des- aos que di a liberdade de 1em nao tem regis 1 €, por isso e sofrem pat una dererminada Toc ntemente, os seus dire ¢,consequel oradia em um lugar nao é permanente dem ado como “flutuante”. quando nio registradas, Por todas essas ra76 acabam desemprega das doengas de trabalho regis- em por cento capa classifi acidentes de trabalho, estatal. Noventa por cento Nao estando ¢ do, o futuro dess providas doamparo tradas no pais citados fisicar mendigar centavos nas ry Devido a esse complexo cens 0 alguns dos tema acontecem entre migrantes. es sujeitos € nente para a realocagio no merca as das grandes cidades. io, trabalho, trabalho i s que povoam o imagin direitos humanos vem 4 Mundial das Na- ntensivo, trabalho rio oci- rabalhistas Nessa discussao, o debate sobr cao chinesa na Conferéncia rentes paises possuem dife' pode impor sua propria escravo, leis t dental sobre a China. Em 1993, 0 chefe da delega Liu Huagio, declarou que dife tumanos e que nenhuma nagio Popular da China, em defesa d diz possuir a sua concep¢a0 propria racteristicas chinesas’, tona goes Unidas, rentes nogées sobre direitos h para as outras. A Republica feitas pelos Estados Unidos, “socialista com cai visio jas acusages de violagdes sobre direitos humanos, qual sejas contexto atual da nag: ia e humanidade. Ness sentido, estiveram presentes que atende as singularidades do Jo ¢ se baseia em an- des confucionistas de harmoni 5 de humanismo ¢ liberdade sempre tiva, sem a necessidade da criacao de leis. te naquele pais, mas ainda en- tigas concep entende-se que nogoe! nas China, mas de forma introspec! ‘Assim, direitos humanos constituem algo recen carados, por diversos setores sociais, como um discurso norte-americano que serve de desculpa para a pratica de in Desse modo, a China reivindica uma nogio ada na pritica ritualistica € introspectiva confucio- ande parcela da populagio ~ da base tervengaio noutros paises. propria de direitos huma- nos ¢ humanismo, base: nista. Aceitando esse discurso, uma gr ivel crescer va esse sistema, entendendo que nio teria sido pos 20 topo = le xo sabirio obtido em fibrica é noutras condicé noutras condigdes, Empregados alegam que 0 ba ainda, a ‘eri melhor que a vida paupérrima no campo. F verdade que os trabalhaclores, pao cnne srios considerados itrisérios sob os olhos do Ocidente, mesmo ganhando s 9 ordenado, pois 0 sistema fabril praticamente todo como o sistema total de guem economizar cons aracteristicas singularé ¢ polemic chin s po fabrica ¢ 14 realizarem dos funcionarios, a0 morarem na trabalho e controle stificaria OS bai: = 0 que ju Sob o ponto de vista dos que entendem ental do crescimento, a fome, a superpopu- trés refeigdes diiria esse sistema de geragio de mio de obra barata como parte fundam: as guerras € invasées sofridas — lagao, os desastres naturais, sa, como UMA ferid ja populagao para justifica na memoria coletiva chines a aberta que tarda a curar ~ sio elementos recorrentemente acionados pel con .a est repleta de mensagens que digdes de trabalho. A propria filosofia chinesa falam acerca da importancia dade da fome causada por info! milhares de t da alimentagao e da poupanga frente a possibili- rtinios no futuro. Noutra diregao, ja apontan- rabalhadores comecam a se organizar do mudanga e insatisfacio, ONGs, redes sociais e demais forr ainda que sob a perseguigao a de reivindicagio politica, em sindicatos, censura do governo. exigindo reformas, Entendendo o sistema fabril e seus paradoxos gdong, deve-se estar preparado para la de induistrias por to- s por dois Para atravessar a provincia de Guan; em cinzenta e homogénea, permead: ris, no modelo chinés, sio composta um “T”, Num prédio situa nda possul suportar uma paisag\ dos os lados. As instalagdes fab um perpendicular ao outro, formam. amoradia. A maioria desses estabelecimentos prédios que, se a industria; noutro, uma modesta sala com televi Nao hé grandes variagdes nesse modelo. As quase c 0, bem como uma quadra para a pratica dealgum em mil fabricas do esporte. | Delta obedecem a esse modelo, o que homogeneiza a paisagem € Os dormitérios sio compostos por quatro a doze camas (beliches), € 0 banheitos | em geral, é compartilhado, Pode ou nao haver separagio de homens ¢ mulheres, sas os funcionérios podem escolher com quem querem dormir, desde ade, igualmente, qe al- plas a producto. que bia vagas. A superlotagio dos dormit6rios é comum. E verd stalagdes modernas, limpas ¢ relat ivamente @ gumas fabricas possuem tt ott omentme Em geral, as fabricas situam-se em regides industriais afastadas dos centros residenciais e comerciais, Isso dificulta 0 deslocamento dos funciona. rios em seus rarissimos momentos de folga, bem como a participacao em al- dive gum evento soc sificado. A fibrica acaba sendo uma espécie de reclu- sio, onde nao se conhece outras pessoas. A repetigio, portanto, nao é apenas ado movimento que se faz frente a uma maquina, mas também da mesmice da rotina. No imaginario ocidental, quando se pensa em trabalho na China, a pri- meira imagem que vem a mente éa de fabricas sujas, clandes inas, repletas de criangas em condiges comparadas ao trabalho escravo. E verdade que essa é uma realidade que existe no pais, assim como no Brasil, mas nao se trata do modelo predominante. O que existe na China, em sua maioria, é um sistema mais ou menos homogéneo alicercado em praticas formais e informais, baixos saldrios, mas oferecendo em contrapartida moradia ¢ alimentagao. A questao da moradia nas fabricas & polémica e complexa. Em virtu- de do sistema nacional de registro doméstico (hukou), os trabalhadores mi- grantes nao conseguem, por exemplo, alugar um apartamento legalmente. Por isso, os dormitorios sio fundamentais para alojar esse contingente. Além dis- so, 0 crescimento vultoso que a China vem alcangando deve-se muito a esse sistema, pois sem essa caracteristica seria impossivel abarcar um contingente populacional tao imenso, pois os salirios teriam que dar conta minimamente do aluguel e da alimentagao. Assim, 0 projeto de construgao de igualdade na- cional, através da geragdo de emprego e renda, tem passado por um processo de industrializagdo que abarque o maior ntimero possivel de trabalhadores & que oferega, pelo menos, residéncia, comida e salario. Ha um modelo de contratagao que se repete em grande parte das fabri- «as: so selecionadas de preferéncia mulheres jovens e sozinhas, Para a agén- cia de noticias oficial do Estado, Xinhua, ha cerca de dois milhées de mulher e uma nova classe imigrantes somente na cidade de Shenzhen. Assim, forma- de até de trabalhadores na China, conhecida como dagongmei, que sio jovens vinte anos que vieram do campo para trabalhar em Guangdong como alter- familias nas zonas rurais. mento que recebem de sus W7 pao cnne io mulheres conscientes de sua exploragao, mas que aceitam sua condicgg frente a certo estado de inevitabilidade. Da parte dos patroes, eles so conscientes da diversidade e da diferenc, cultural que residem em uma mesma fibrica, bem como da importancia de guanxi no curso de vida dos sujeitos. Por isso, procuram agrupar mulheres d-las no emprego ¢ evitar o desespero ¢ por afinidades regionais a fim de fi até o suicidio, fruto de um trabalho doloroso marcado pela dor ea solidao ap longo de uma vida desenraizada. Enquanto os mais baixos salarios ¢ as piores condigées de trabalho constituem parte da dura realidade feminina, 0 poder econdmico ¢ simbélico sobressai-se no universo masculino. No escopo legal, tem havido um melhoramento significativo das leis trabalhistas nos tltimos anos, fruto de uma intolerancia que ecoa das mais diversas instituigdes nacionais ¢ internacionais. O trabalho fabril na China ainda apresenta intimeras precariedades, no entanto comegam a ser estipu- ladas leis que regulam horas de trabalho e valores de salirios minimos. A fiscalizagao desse processo parece também caminhar em direcao ascendente, A China vive hoje uma revolucao legal cuja base é 0 despertar de pesso- as comuns que, cada vez mais, reivindicam melhores condigées de vida. Para a autora, nao se trata de um apelo as nogdes universais de direitos humanos: cidadaos chineses estio demandando direitos especificos e alcangando, assim, uma série de mudangas legais. Esse processo, porém, nao é simples, pois en- contra alguns empecilhos importantes como, por exemplo, o fato de a China estar descentralizando o poder em diversas esferas. As provincias, por seu turno, nao parecem estar interessadas na questao legal, mas sim na financeira. Saber a quem recorrer é um tanto nebuloso, ¢ pode se tratar de um proceso nada dgil, dependendo da boa vontade dos burocratas. Apesar de dificuldades, avangos surgem nas mai is diversas diregoes. Hoje, novos modelos de fabrica emergem. Algumas delas elegem conselhos de funcionarios para ter diilogo direto com os proprietrios, Além disso, os novos migrantes ja fazem parte de uma nova geragi 0, muitas vezes filhos de outros migrantes, Ou seja, jé sabem que é calor de um sweatshop. Eles ja sabem 0 que os espera e, mu » conhecem os canais sociais de reivindicagies. 148. pao cnne como ONG: ‘Trabalhadores est especializadas em oferecer assisténcias as mulheres, hotlines etc. 10 se unindo em diversas organizacées civis ¢ recorrendo & O resultado des: as novas formas de organizacio social é que, em 25 anos, 30 mil novas emendas surgiram na legislagao chinesa, em contraste com apenas nove leis que surgiram entre 1966-1976, anos da Revolugdo Cultural. O governo central hoje enfatiza a legalidade como meio de construir uma “So- ciedade harmoniosa’, Desde os anos 90, existe a Lei Nacional do Trabalho, a Lei da Unido do Comércio, a Lei do Contrato do Trabalho e a Lei de Mediagao das Disputas de Emprego. Tais leis, pouco a pouco, vio clareando os direitos dos trabalhadores, como horas de trabalho, seguridade social e salarios. O salirio minimo é municipal. O minimo mais baixo do pais situa-se em regides rurais, girando em torno de RMB 800 mensais (aproximadamente USS 125). Em 2012, 0 sakirio minimo mais alto da China era o de Shenzhen (RMB 1,500 - aproximadamente US$ 230). A nao padroniza¢ao do salario minimo no plano nacional reflete o grande contraste existente entre as cida- des mais ricas e as zonas rurais ou menos desenvolvidas do pais. Ainda que esses salirios possam ser considerados baixos, os trabalha- dores fabris nao possuem despesas com alimentacao e moradia, e, além disso, ‘0 custo de vida na China é baixo em muitas cidades (embora isso esteja mu- dando radicalmente nos tltimos anos). O poder de compra de cem dolares na China e nos Estados, por exemplo, ¢ completamente diferente. Além disso, foram estipuladas punigdes para as empresas que nio cumprem os sakirios ¢, principalmente, a jornada de trabalho (oito horas por dia, seis dias por se~ mana) ¢ as horas extras permitidas por lei (trés horas por dia ou 36 horas por més, seguindo critérios da OIT). O problema de todo esse sistema nao éa falta de leis, tampouco o valor do sakirio, mas o cumprimento de tudo isso. O dito popular chinés que diz “leis foram feitas para serem desobedecidas” ainda parece ser uma dura realidade na China. ica bas dda nas relagdes pessoais. O pais possui uma maquina buroc Autoridades locais ¢ empresarios estio fortemente unidos uns aos outros & compartilham dos frutos lucrativos do desenvolvimento, Se nada funciona 149 pao cnne na China sem guanxi, 0 oposto também & verdadeiro: o relacionamento com as no nivel local, mesmo que isso yj 1a & capaz de abrir muitas port 7es vista como algo d 0 buro ve ante, a contra a jurisdigio central, muitas ve abstrato ¢ até inttil, Mesmo com a descentralizagao judicial, a forga de vontade dos of. na interpretagao ¢ na execucio da lei. E dificil combater ciais lo dev essa malha de relagdes de protegio no momento em que, na légica nativa, ada como uma forma de corrupgio. guanxi nao éenea Enquanto autoridades ¢ empresarios constituem um contingente pre. dominantemente composto por homens que desfrutam do crescimento eco- némico, a forca de trabalho é alicergada principalmente na mio de obra fe- minina e joven (dagongmei), cujos salitios sio obscuros. Obscuros porque ‘a maioria dos trabalhadores nao tem ideia do quanto ira receber no final do As vezes, faz-se quarenta horas extras no més e se ganha setecentos yuan més. no total; As vezes, trabalha-se mais e ganha-se seiscentos. Isso porque os sa- idas. O controle sobre o lirios sio, muitas vezes, definidos por pegas produz niimero de pegas, porém, é inexistente. Ji que, segundos dados do governo, apenas 12% dos trabalhadores fabris possuem contrato assinado e apenas 48% Jo pagos regularmente. Nao ha logica em grande parte dos salirios, a nao ser a lgica da mente do patrio. Para essas pessoas, questionar e entender o que acontece é tarefa intitil frente & ameaca da fome, do desemprego e, no caso das mulheres, da pros- tituicdo nas casas de massagem que abundam em Shenzhen. Uma menina recém-chegada na metrépole, amedrontada pelo futuro incerto, dificilmente ira interpelar o seu chefe a respeito de seus ganhos e/ou direitos. Ela podera sentir medo de desafiar as autoridades legais, bem como estar leiga quanto aos procedimentos. Até porque, devido ao sistema do hukou, trabalhadores mi- grantes esto desprotegidos de seguridade social. E nesse sentido que ONGs, associagGes ¢ sindicatos emergem, na tentativa de esclarecer os dire’ 109s, espe- cialmente ao lado mais frégil do sistema: as mulheres, Em sweatshops nao se sofre apen: sakirios s com horas extras ¢ baix ~ fator amenizado por parte dos trabalhadores, acostumados a uma vida hu- milde e de trabalho ininterrupto. O maior problema a ser enfrentado sio as pao cnne condigées de risco nas fabricas cuja seguranca, notoriamente, dificilmente esté enquadrada a qualquer padrao internacional. Além disso, trabalhadores nao recebem insalubridade e migrantes acidentados simplesmente sio des- cartados do mercado de trabalho ¢ jogados ao desalento na maioria das vezes, visto que a reposi¢ao dos mesmos é imediata. Incéndios em fabricas si (0 rotineiros na area do Delta do Rio da Pérola, causando ferimentos e mortes. Em termos de acidentes de trabalho, as esta- tisticas sio alarmantes: segundo a Academia de Ciéncias Sociais de Shanghai, 40 mil dedos sao perdidos a cada ano em acidentes de trabalho no Delta do Rio da Pérola. Em fabricas de tecidos, por exemplo, 0 calor aleancado é extremamente alto. Noutras, trabalhadores esto expostos permanentemente a componentes quimicos como merciirio ea materiais perigosos como fios elétricos. Produ- tos quimicos, pé metilico e ar poluido pelos residuos industriais fizeram com que, entre 1989 e 2004, fossem registrados cerca de 2.500 casos de pneumonia no Hospital de Guangzhou, levando & morte mais da metade desse contingen- te e alcancando uma média de cem mortes de trabalhadores por ano. Estes sio registros oficiais anunciados publicamente, e de apenas um hospital. Nao sio contabilizados aqueles trabalhadores que, por temor e afligao, sequer re- correram ao recurso médico ou mesmo a outros tratamentos alternativos. De acordo com 0 entio diretor do Hospital, Dr. Qiu, a prevengao de pneumonia seria bastante simples e barata, com a instalacio de ventiladores. O que falta, em suma, é a “boa-vontade’, segundo sua prépria declaracao. A lei de prevencao a doencas e de ressarcimento entrou em vigor na China em 2002, mas ainda nao é cumprida pela grande parte das indiistrias. Os ntimeros de afetados por doencas pulmonares chegam a um milhio no pais. Devido a doengas de trabalho que frequentemente levam morte, al- gumas cidades ficaram conhecidas como “cidade das vitivas’, especialmente naquelas onde existem minas. Embora esse sistema seja acusado como uma brutal faceta do cres mento chinés, trata-se de um mercado global, no qual empresas do mundo se aproveitam dessa inteiro - em seu processo de terceirizagio ~ nao : 151 pao cnne nna China sem guanxi, 0 oposto também é verdadeiro: o relacionamento com ‘© burocrata é capaz de abrir muitas portas me nivel local, mesmo que isso yj contra a jurisdigdo central, muitas vezes vista como algo distante, abstrato ¢ até inuitil. Mesmo com a descentralizaga p judicial, a forga de vontade dos of. 4 na interpretagio e na execugio da lei. E dificil combater ciais locais é deci essa matha de relagdes de protegio no momento em que, na légica nativa, _guansi nao é encarada como uma forma de corrupsao. Enquanto autoridades ¢ empresarios constituem um contingente pre- dominantemente composto por homens que desfrutam do crescimento eco- némico, a forga de trabalho ¢ alicergada principalmente na mao de obra fe- minina e jovem (dagongmei), Cujos salarios sao obscuros. Obscuros porque ‘a maioria dos trabalhadores nao tem ideia do quanto ir receber no final do més. As vezes, faz-se quarenta horas extras no més e se ganha setecentos yuan no total; as vezes, trabalha-se mais ¢ ganha-se seiscentos. Isso porque os sa- lirios so, muitas vezes, definidos por pecas produzidas. O controle sobre o niimero de pecas, porém, é inexistente. J que, segundos dados do governo, apenas 12% dos trabalhadores fabris possuem contrato assinado e apenas 48% sio pagos regularmente. Nao ha légica em grande parte dos salarios, a nao ser a légica da mente do patrio. Para essas pessoas, questionar e entender o que acontece ¢ tarefa inutil frente & ameaca da fome, do desemprego e, no caso das mulheres, da pros- tituicdo nas casas de massagem que abundam em Shenzhen. Uma menina recém-chegada na metrépole, amedrontada pelo futuro incerto, dificilmente ira interpelar o seu chefe a respeito de seus ganhos e/ou direitos. Ela podera sentir medo de desafiar as autoridades legais, bem como estar leiga quanto aos procedimentos. Até porque, devido ao sistema do hukou, trabalhadores mi- grantes esto desprotegidos de seguridade social. f nesse sentido que ONGs. associagées ¢ sindicatos emergem, na tentativa de esclarecer os direitos, espe- cialmente ao lado mais fragil do sistema: as mulheres. Em sweatshops nao se sofre apenas com hora extras e baixos salarios ~ fator amenizado por parte dos trabalhadores, acostumados a uma vida hu- milde ¢ de trabalho ininterrupto, O maior problema a ser enfrentado si0 a8 pao cnne condigdes de risco nas fibricas cuja seguranga, notoriamente, dificilmente esta enquadrada a qualquer padrao internacional, Além disso, trabalhadores jo recebem insalubridade e mi intes acidentados simplesmente sio des: cartados do mercado de trabalho e jogados ao de alento na maioria das vezes, visto que a reposigao dos mesmos é imediata, Incéndios em fabricas sao rotineiros na rea do Delta do Rio da Pérola, causando ferimentos € mortes. Em termos de acidentes de trabalho, as esta tisticas sio alarmantes: ‘gundo a Academia de Ciéncias Sociais de Shanghai, 40 mil dedos sao perdidos a ja ano em acidentes de trabalho no Delta do Rio da Pérola. Em fabricas de tecide s, por exemplo, o calor alcangado é extremamente alto, Noutras, trabalhadores esto expostos permanentemente a componentes quimicos como merctirio e a materiais perigosos como fios elétricos. Produ- tos quimicos, p6 metilico e ar poluido pelos residuos industriais fizeram com gue, entre 1989 e 2004, fossem registrados cerca de 2.500 casos de pneumonia no Hos ital de Guangzhou, levando 4 morte mais da metade desse contingen- te e alcancando uma média de cem mortes de trabalhadores por ano. Estes sio registros oficiais anunciados publicamente, e de apenas um hospital. Nio so contabilizados aqueles trabalhadores que, por temor e afligio, sequer re- correram ao recurso médico ou mesmo a outros tratamentos alternativos. De acordo com 0 entao diretor do Hospital, Dr. Qiu, a prevengao de pneumonia seria bastante simples ¢ barata, com a instalagio de ventiladores. O que falta, em suma, 6a “boa-vontade’, segundo sua propria declaracio. A lei de prevengio a doengas e de ressarcimento entrou em vigor na China em 2002, mas ainda ndo é cumprida pela grande parte das induistrias. Os mimeros de afetados por doengas pulmonares chegam a um milhio no pais, Devido a doengas de trabalho que frequentemente levam & morte, al- gumas cidades ficaram conhecidas como “cidade das vitivas’, especialmente naquelas onde existem minas. Embora esse sistema seja acusado como uma brutal faceta do cresei- mento chinés, trata-se de um mercado global, no qual empresas do mundo inteiro ~ em seu processo de terceirizagao ~ nao apenas se aproveitam dessa pao cnne trutura, como também pressionam as industrias locais por um Preco cad estrutura, c a vez mais baixo em face de um mercado competitivo inesgotivel, Alguns fatos aque surgiram na midia no ano de 2007 sio exemplates dessa situagao, Tray. de duas renomadas marcas que langaram no mercado produtos com comp, ': fals nentes “genérico: calos ou de inferior qualidade a0 padrio de spy, ranga convencionado internacionalmente, 6 multinacionais culparam os a China, os quais, por seu turno, diz fornecedores terceirizados em que a m4 as, uma vez que elas ¢: qualidade é fruto da pressio das grandes empre: a maximizagio dos lucros, bem como otimizagio da producio. A pressio ¢ fy. cilmente a cita para nao se perder o grande cliente, jé que o sistema compe. titivo é acirrado. Em diferente escala, a ameaga que grandes empresas jogam sobre os empresirios chineses & a mesma que estes produzem sobre os seus funciondrios, no momento em que a oferta de mio de obra é tao abundante quanto a de fornecedores. Existem intimeras organizagdes internacionais contra sweatshops que, entre outras linhas de atuagao, promovem campanhas para que nio se cons. mam produtos de grandes marcas que recorrem 4 mao de obra barata. A ideia € que, parando de consumir, combater-se-ia o trabalho infantil, as precarias condigdes de seguridade social, enfim, exploragio humana. O contraponto dessa visio é que paises pobres ou em desenvolvimento encontram assim um meio de crescer e ser competitivos — tornando- se, assim, exportadores -, ja que essas fabricas, em tiltima instancia, io também geradoras de emprego, riqueza e circulacao de renda. Se as condigées do trabalho fabril sio passiveis de indimeras criticas, ¢ inegavel o fato de que entre a vida campesina ea fabril houve um melhoramento expressivo das condigdes basicas de vida, Além disso, embora a riqueza esteja se concentrando primordialmente no sul ¢ na zona costeira do pais, isso promove um refluxo de capital para o interior do Pais e a zona rural, no momento em que a mao de obra do Delta representa toda a diversidade do pais ao receber migrantes das mai is diversas regides ¢ etnias, os quais retornam para a terra natal com o capital que juntaram durante o periodo ei alharam m que, sozinhos, nas fabricas movidos apenas pelo sonho de melhorar de vida. ott omentme Ao que tudo indi essas condigdes de trabalho dizem respeito a uma fase inicial do crescimento chinds, marcada pela produgio de ma qualidade por meio do uso de mio de obra barat Uma perspectiva otimista aponta que, poco a pouco, o sistema legal ¢a nogio de propriedade intelectual estio mudando, justamente quando a China comega a mostrar que mio sabe apenas copiar, mas também inovar na drea tecnolk IMITAR E INOVAR Na era Deng, fazi ar renda ¢ empregos imediatamen- e Neces sirio ge tee, nesse sentido, um si istema que copia (¢ nao cria) era o meio mais ripido eeficaz para tanto. E assim que o mercado de cépias e réplicas encontrou pago na era pos-Mao, Quando as multinacionais e grifes internacionais trans feriram suas operagdes para as zonas especiais chinesas a fim de aproveitar a mio de obra barata, tiveram que lidar com as consequéncias do beneficio econdmico: ver suas marcas copiadas nos mereados populares chin do exportadas para o mundo inteiro, O mercado mundial, portanto, teve que se reestruturar frente & ameaga chinesa, A cultura da c6pi A pirataria contemporinea = 0 sistema de produgio em massa de cd tenta uma grande parcela do de s - éo que pias, falsif senvolvimento econémico de Guangdong no Ambito das pequenas indistrias, A sua produgio esti cagé proporcionando uma grande quantidade de empregos atrelada a um sistema de trabalho intensivo cuja viabilidade di-se através da dais: de relagie ado e, no nivel das relagdes face a fa pe leniéncia do locais, Este gato preto da sirios ¢ autoridades de guanxi entre pequenos empre foi desenvolvido como o meio mais ripido de © prospe- economia chines rar dentro de um pais que, historicamente, possi um entendimento singular acerca de propriedade intelectual. Isa pao cnne Culturalmente, a nogio chinesa de propriedade intelectual e de direitos a no Ocidente. Na tradigio confucionista, autorais é diferente da construid: imitar é um meio de aprendizado: um mecanismo através do qual se apreen de a tradigao ¢ a benevoléncia. Em uma famosa passagem dos Analetos, por exemplo, Conficio teria dito: “Fu transmito em ve7 de criar/inovar/gerar”, Existem diversas tradugdes ¢ reinterpretacdes dessa frase. Questiona-se, in- clusive, se 0 mestre teria dito isso. O fato é que tal sentenca, por possuir um significado poderoso, foi usada como uma passagem fundamental em diver- sas releituras da obra promovida pelos intelectuais mandarins ao longo dos séculos. A ideia é que modelos antigos corretos devem ser incorporados repetidos, pois sio uma fonte de autoridade, ¢ isso deve ser feito por meio de rituais que veneram o passado. A campanha anticonfucionista, promovida desde o Movimento de 4 de Maio e fortalecida nos anos da Revolugao Cultu- ral, atacou fortemente justamente porque ela inibe a possibilidade de criacao, justamente em um periodo em que se busca romper com os cinones, produzit uma nova China ¢ realizar a revolugao. Alguns eventos nos ajudam na compreensio do papel das cépias para o Estado, apontando para a auséncia de direitos de propriedade intelectual no pais. Desde a dinastia Tang (quando se inventou a impressio) até o pre- sente, as copias tem desempenhado um papel fundamental em diversos seto- res. Durante a dinastia Song (960 a 1279), o imperador Huizong induzia os funcionarios piblicos a copiarem seus préprios quadros, pois isso era uma forma de prestigio € reveréncia sua obra (ef. cap. II). Na era Ming (1368 a 1644), os autores de romances em quadrinhos se deparavam com um sistema generalizado de copias entre os autores, mas que paradoxalmente obrigava-os Nas tade do século XIX ¢ inicio do XX, 0 governo promoveu uma vasta campanha @ inovarem constantemente para se manterem competitiv uunda me- para o fortalecimento da indiistria nacional, a qual se apoiava fortemente 04 producio de copias em massa dos produtos europeus, ontemporaneamente, a ideia de protegio & propriedade intelectual se for talece em um contesto internacionalizado contemporaines, apés 1994, atraves do scordo da Organizagio Mundial do Comercio, que impos leis padronizadlas que ta pao cnne ddizem que somente 0s proprictarios de uma marca registrada possuem o direito de realizar as cépias de seus produtos ou de autorizar terceiros. O acordo, cujo centro de interesse & composto pelos Estados Unidos e paises europeus, vem ga- nando cada vez mais apoio internacional, fazendo com que os proprietirios de marcas possam recorrer 3 justiga local em caso de infragio e, consequentemente, cionar a forga policial. A China aderiu a OMC em 2001 e, portanto, sta politica de combate ao mercado pirata é bastante recente. As im, 0 mercado contemporineo de cépias na China é um processo que diz respeito As novas tecnologias globais, ao desenvolvimento econdmico chinés, mas, igualmente, ds concepcées culturais e histéricas mais profundas acerca do entendimento da natureza cépia e da autoridade. Nos tempos atuais, os chineses ficaram conhecidos por copiarem tudo. De fato, dificilmente um leitor brasileiro conseguird ter a criatividade de ima- ginar o que ele io capazes de produzir nesse sentido. Para além das roupas de marcas ¢ aparelhos eletrénicos, tecnologia industrial especializada, remé- dios e produtos alimenticios, tais como ovos, arroz, nozes, sal, refrigerante e bebidas alcodlicas, fazem parte da rotina chinesa copiar os objetos mais ini- maginaveis possivei . E espantosa a estatistica que aponta que uma a cada quatro Coca-Colas vendidas na China é falsificada. Lojas inteiras sio copiadas (como a falsa loja de uma rede de fast-food), bem como reliquias arqueolégi- cas expostas em museus nacionais, Praticamente todos os objetos comerciali- zados na China possuem seu similar no mercado, Saber a procedéncia de tudo. © que se consome na China é praticamente impossivel. No Ambito das mercadorias, como uma forma de se proteger legalmen- te do sistema internacional que coibe a pirataria, os chineses operam com uma categoria, de grande apelo popular no pais: trat se dos shanzhai, pro- dutos que podem ser traduzidos como “similares”, Shanzhai refere-se a mar- cas (muitas ve: es registradas) na China que imitam parcialmente as marcas consagradas, mudando uma letra no nome ow um aspecto visual do logotipo, Esse tipo de produtos nao procut 41 se passar pelo original, mas mantém uma tas ligagao com ele, Assim, apr no mercado como uma categoria inter- medidria entre a pirataria convencional ~ o simulacro de uma bolsa de marca, pao cnne 0 produto origin o passar por. ~ al. Ft por exemplo, que procura se passar por : tamanh, 2 importincia desse tipo de produto para as populagdes mais carentes a. ai’ vista de forma ambivalent, ora com originou a expressio “cultura shanz uum crime de infragio aos direitos autorais, ora como um ato heroico cap, de quebrar o ciclo da cadeia produtiva dos bens de consumo que tard iamente n geral, a réplica de um produto de mare, chegam a base na pirimide social. F requer maior tecnologia para atingir 0 simulacro, a0 passo que shanzhai se caracteriza justamente pelo reconhecimento da menor qualidade. Mas existe shanzhai de boa qualidade, assim como pirataria de ma qualidade. Os chi. neses costumam graduar entre A huo, B huo e C huo o tipo de qualidade ¢ 9 prego de uma cépia. Entender o mercado de cépias na China é uma tarefa nada simples, pois nao existe um nico modelo produtivo, mas infindaveis possibilidades de se copiar. Existem fabricas legais e ilegais. Nao existe “a” fabrica pirata (ilegal, irregular) em oposicéo ao mundo formal, legal e regulamentado. Esse sistema envolve intimeros nivei :mpresas legais ¢ ilegais, pequenas, médias, grandes ou clandestinas fabricas; empresarios de todos os portes ¢ autoridades do go- verno, Existem dezenas de modelos de producao ¢ distribuicao, e é justamente esse aspecto multifacetado que o faz tio incontrolavel e poderoso. Da producao, da terceirizacao e do mercado de cépias O sistema de eépias na China prioriza a quantidade em vez da quali- dade. Trata-se do meio mais rapido de Produgio, e por isso foi tio eficiente em tempos de reforma econdmica, Nao é preciso criar uma marea, design ov marketing. Para as marcas famosas ja ido piiblico cor € aproveita-se o marketing do seu hospedeiro. Além di que se investe no lucro através di existe um 4 sumidor 0, NO Momento em fa quantidade, dispensa-se uma mio de obrt especializada, ¢ mercado é viabilizado gragas a basicamente dois rela- fatores {G0es pessoais entre empresirios ¢ agentes piiblicos ¢ a extensa e infindavel & deia de terceirizagao, Mais do que tuna fabrica pirata, existem varias unidades 156 pao cnne produtoras de pegas, © que significa que boa parte desse mercado se da via caminhos legais. O sistema de terceirizagio, que domina o mercado mundial, faz com que ninguém esteja a salvo das falsificagées, nem mesmo as grandes empresas, que primam por um controle de qualidade rigoroso. Afora as raras marcas que produzem elas mesmas 100% de seus produtos e pecas - como a empresa Airbus, que optou por isso apés encontrar uma peca genérica em uma acrona e produzida no pais ~, todos estao sujeitos ao problema das c6- pias e dos produtos similares. :sse risco é um problema compartilhado unanimemente entre inv dores estrangeiros na China, inclusive entre os brasileiros, que, para adquirir os benefi ios do baixo custo produtivo, estao cientes de que seus produtos podem aparecer com pegas inferiores ao padrio de qualidade, ou que sua tecnologia ser roubada por algum funcionario, Embora as empresas culpem os fornece- dores chineses, estes, por sua vez, alegam que as grandes marcas estio sempre pressionando para uma otimizagio dos custos da produgao, sendo esse fator o responsavel pelo surgimento de componentes similares ¢ mais baratos. Cer- tificados de qualidade nao garantem qualidade nesse sistema, pois podem ser facilmente adquiridos por meio de um contato mantido com autoridades. Além do componente similar que pode aparecer no interior de uma mercadoria original produzida na China, existem fibricas terceirizadas que produzem determinados brinquedos para uma cliente e que, portanto, copiam 0 modelo solicitado para disponibilizar no mercado. No caso da fabricagao de uma réplica de relogio, por exemplo, o processo pode ser todo legalizado e original. Uma fabrica pode estar regularizada e produzir 0 maquinirio. Essas pecas serio comercializadas legalmente por alguém que iri montar 0 relogio ¢ imprimir a marca que desejar sobre ele. No caso da produgio de objetos de luxo, a situagio é um pouco dite- rente, A maioria das empresas nio abre mio da qualidade ¢ por isso toda a produgio é controlada, £2 comum que um funcionirio roube a tecnologia € 6 projetos de design, mas isso ¢ incontrolivel, Temendo ver seus produtos estampados em mercados populares, muitas empresas trituravam os produtos {que apresentavam algum defeito de fabrica, Apos descobrir que os chineses se pao cnne aperfeigoaram na remontagem dos retalhos sobrados (produzindo NOVO pr a ara 0 muitas fabricas adotaram a pr. duto feito das sobras originais), ‘atica de que; mar a produgio defeituosa. A proddugio de um produto de fuxo requer muito detathese preg diferentemente de um objeto comum, Devido ao alto prego da producig ea ferente : tos dletalhes feitos manualmente, trata-se de uma produgio de pequena esc, visando também manter a exclusividade, Assim, nem mesmo uma réplica 4 Jao tera as mesmas qualidade ¢ durabilidade do que 0 original, mas poder, atingir bons resultados na aparéncia ¢ na durabilidade a médio prazo. E not, rio o fato de que, mesmo antes de se langar uma colecdo no mercado, as grifes ja veem seus produtos copiados. Isso ocorre porque existem diversas formas e sistema de informagio que de espionagem indust em com que alguém acesse 0 problema ou 0 first sample do produto. Devido a essa acuidade do mercado de réplicas, uma réplica de determinada bolsa langada anos atris pode ser encontrada por pouco mais de um délar, uma vez que o mercado consumidor ¢ avido pela novidade. O publico consumidor das cépias na China é variado, separando os conscientes ¢ os enganados. No primeiro grupo, situam-se os sujeitos, espe- cialmente oriundos das camadas baixas, médias e altas, que querem um ob- jeto de marca por prego mais acessivel. © segundo grupo é comporto pelo consumidor enganado, atingindo principalmente camadas menos favorecidas da populagao, que buscam produtos mais acessiveis. Casos de internamen- tos hospitalares e mortes, causados pela ingestio de remédios ou alimentos (como arroz ¢ ovos), sio registrados cotidianamente no pais. Nesses escin- dalos, a investigagao das redes comerciais geralmente revela que agentes do governo dao suporte a este tipo de producio. Apesar de a China se reinventar a cada dia no ramo das cépias, a entrada do pais na OMC e as pressdes internacionais fez com que o governo central passasse a combater a pirataria de forma mais rigida neste novo milénio. Part além das eventuais batidas a shoppings onde se vendem réplicas ¢ da promo is vinculados aos cao de campanhas publicitarias, o governo criou orgios ofici ministérios de protegio aos direitos autorais, os quais se baseiam nao ape"™* pao cnne na fiscalizagao, Mas Nas estratégias pedagdgicas na busca da criagio ¢ da va Jorizagio dos direitos autorais, Além disso, houve uma reforma da legislagao de propriedade intelectual, apontando um cenirio que favorece a pesquisa € a criagio de produtos ¢ ideias, Inovagao: novo paradigma da China A ideia de que a China s6 sabe copiar, e nao criar, nio corresponde a re. alidade chinesa. O pais hoje produz tecnologia de ponta e design inovador em diver s areas. Além disso, 0 governo esta investindo pesado em ciéncia e tec- nologia, com énfase na inovagao. Na verdade, muitos consideram que a copia das manufaturas constituiu-se um primeiro estagio do desenvolvimento na- cional, seguido de uma etapa (que estaria emergindo) de criagao e vanguarda. Sob o ponto de vista filoséfico, entretanto, essas etapas de imitacio e criagio nao acontecem de forma tao clara, consecutiva ¢ linear. Para além do mundo das marcas registradas ~ que tm o poder de dizer o que é legal e ilegal no mundo atual - existe uma fronteira nebulosa entre o que € criagdo e o que é imitagio. Nessa diregao, as imitagdes sio também uma forma de criagio (e vice-versa), especialmente quando ha uma nova interpretacao sobre o objeto imitado ou quando 0 imitador adiciona algo de sua personalidade & obra ori- ginal. Diversos estudos mostram, por exemplo, que a propria maxima shakes- peariana “ser ou nao ser, eis a questao” é uma releitura de frases ja declaradas . Por isso, a criagdo pura - que anteriormente noutros contextos filoséfico: emergiria do nada ~ dificilmente existe: ela sempre emerge de processos de cépias ¢ inspiragdes sobre o qual se adiciona algo novo. Por essas razdes de plano mais filos6fico, a China, o pais que mais copia no mundo ~ tendo essa pritica como um valor milenar - tem sido também um pais de grandes cria- oe: © papel, a impressio, a polvora e biissola sio alguns exemplos notiveis que mudaram a historia da humanidade. Contemporaneamente, o pais est criando produgdes autorais interna- 10 pos cionalmente relevantes, Se em determinado momento os chineses 1 suiam know-how produtivo (e por isso também copiavam produtos estran- 159 pao cnne geiros), nio tardou para que 0 governo € as empresas comegassem a contratar adores estrang sa peso de mio de obra especializada ¢ pesquis: iros a peso de ouro no intuito de aprender os mecanismos de pesquisa ¢ desenvolvimento de proje. o de conhecimento que fora abafada durante os drduos a ¢ Cultural. O pais precisou alguns anos para tos - etapa da produga s da Revolugio Comunist produzir seus novos artefatos, ideias e tecnologias an deixar de copiar de fora e genuinamente made in China, Seguindo outros modelos de desenvolvimento, trata de uma substituicio como o do Japao, por exemplo, tudo indicaria que s da era das copias para a era criagio. No entanto, 0 que se ve no pais hoje é que ambas as indistrias crescem paralelamente ¢ mutuamente, ¢ nao sendo, por exemplo, excludentes. Atualmente, o regime global de propriedade intelectual tem a China como alvo principal. A instituigio reguladora do comércio norte-americano, a USTR (United States Trade Representative) tem enquadrado o pais na qua- lidade de Lista Prioritaria de Atencio, o que implica ficar fora de um sistema preferencial de exportagao. Isso nao necessariamente afeta o gigante da eco- nomia chinesa, mas certamente atinge sua reputagao na atracio de investido- res, especialmente em tempos em que o pais procura se colocar como produ- tor e exportador de alta tecnologia. A China ingressou na Organizagio Mundial do Comércio em 2001. Depois de séculos de auséncia da nogio de propriedade intelectual, Beijing criou dois 6rgios governamentais de protegdo desses direitos. Além disso, a agéncia de noticias do governo, Xinhua, passou a produzir centenas de maté- rias por ano sobre 0 assunto, comparadas a ntimeros praticamente inexisten- tes antes daquele ano. Esse combate contra a pirataria, no entanto, é feito com “caracteristicas chinesas’, uma vez que a diferenga entre 0 discurso governa- mental central ¢ a prittica das autoridades locais ainda ¢ grande. Entretanto, independentemente de 0 combate ser ou atuante sobre a base, 0 fato in- questionavel é que o discurso oficial mudou. A China, hoje, se projeta como um pais da inovagio, que produz mer cadorias de alta performance com alto valor agregado por meio de marc nacionais fortes. Os investimentos em pesquisa também sio pesados, a fim 160 pao cnne de promover um “tecnonacionalismo’. Em 2008, segundo a agéncia chinesa Xinhua, o governo langou as metas para a tegiio do Delta para o ano de 2020. Dentre elas, estio em destaque o desejo de que a drea seja (a) uma drea-piloto na exploragio do desenvolvimento cientifico; (b) uma drea de avant garde para o aprofundamento das reformas, continuando a ser um campo experi- mental ap6s 30 anos de reformas; (c) uma fronteira ou uma janela de abertura para o mundo; (d) um centro de produgio de manufatura avancada O discurso nacional, certamente, mudou e esta criando novos imagind- rigs acerca da tecnologia ¢ da ciéncia. Diversos especialistas hoje ja anunciam que a inovagio ¢ a produgio e altissima tecnologia & 0 terceiro modelo de desenvolvimento chinés, depois da agricultura (era de Mao) e da manufatura de bens de consumo (primeiros anos da era pos-Mao). Diferentes perspectivas sobre a imitacao ¢a inova¢ao na China atual A seguir, serdo apresentadas trés situagdes que ajudam a compreender 0 estado atual do campo da criagdo na China pés-Mao. No primeiro, sera discutida a inovacao tecnolégica; no segundo, a criagao no design de moda chinesa e, por fim, 0 curioso caso de Dafen - a cidade especializada em copiar obras de artes, mas que, de tanto copiar, passou a produzir pinturas consi- deradas vanguarda na arte contemporinea. Os dois primeiros textos foram produzidos por colaboradores, ¢ 0 terceiro pela autora do livro. lol pao cnne CAPITULO VE A Nova REvoLucAo CULTURAL DA CHINA GLOBALIZADA Analisar as mudangas culturais de uma civili cdo milenar como a Chi- na é uma tarefa desafiadora. Ao longo dos séculos, ao mesmo tempo em que esse pais recebeu e absorveu diversas influéncias estrangeiras - advindas de paises europeus, arabes, mongdis e demais vizinhos -, nao deixou de assimila- -los por meio do fortalecimento de sua prépria base cultural, especialmente através da releitura dos legados confucionista, legalista e taoista, os quais vem exercendo forte influéncia no pensamento chinés desde a dinastia Zhou. A abertura econémica fez com que a China se inserisse nos fluxos da glo- balizagao, acarretando transformagées profundas em uma sociedade que, ao lon- g0 de milénios, tem se baseado em uma organizagio sinocéntrica do mundo, na qual o pensamento confucionista ordenava a estrutura tradicional e ritualistica. A posicao do governo atual é bastante paradoxal nessa questio. Por um lado, ele adota uma posi¢ao ortodoxa, ao tentar conter, por meio da censura, a entrada da influéncia cultural estrangeira, tal como ocorrido nas eras cos- mopolitas Tang, Ming e Qing. Por outro lado, o Estado incita esse processo no momento em que a promogao do mercado externo ¢ uma de suas primazias. A globalizagao, contudo, ¢ um proceso composto por diversas cama- das, fluxos ou panoramas (econdmico-financeiro, tecnoldgico, informacional, cultural, artistico ete.) no qual circulam bens, pessoas ¢ informagdes, Ao mes- mo tempo em que essas camadas possuem caracteristicas proprias, é impos: sivel dissociar uma das outras. Ideologias acompanham mercadorias, Ideias, Vises de mundo ¢ valores capitalistas entram no pais junto aos bens, ainda Que 0s chineses confiram significados proprios a esses bens. Globalizar é abrir 175 pao cnne possibilidades € mostrar um leque de escolh Mas, apontar novas cio da individualidade e cidadania, constr ‘os horizontes, aos sujeitos no proceso de estées residem os principais dilemas da globalizagio chinesa, Nessas qu i nover reformas econémicas com o minima impae erno: como prom para o go) to no legado cultural? Como j 5 império do meio sempre procurou capturar a mente foi visto nos capitulos anteriores, nio se tray de uma questo nov da sociedade por meio da filosofia confuctonista que Ihe fosse conveniente jo é a toa - ¢ para o leitor deste livro, tampouco uma novidade ~ que 9 go- promova suas eformas sociais e educacionais com base nas ideias verno hoje de harmonia e equilibri muito singular de sua obra a fim de io de Confiicio, promovendo, novamente, uma leitura conter a iminente ameaga ocidental, 4 propaganda chinesa atua com grande forga e influencia. © mundo no cansa de tentar compreender quem é essa nova China, . Novos habitos, valores e gostos sao adotados moderna e orgulhosa de si prépri pelas novas geragdes urbanas. Por outro lado, os mais velhos, que ainda sofrem os traumas da Revolugao Cultural, dificilmente conseguem acompanhar o rit- mo de seus descendentes. Da mesma forma, longe da préspera area costeira, existe uma China que nao acompanha as mudangas, ao menos em sua velocida- de, Se um ténis de marca é um sonho de consumo para um menino do campo que ira comprar, com algum sacrificio, uma cépia shanzhai para tanto, muitos jovens urbanos fazem filas nas lojas das grandes marcas globais, sedentos pelo mais novo modelo. Essas questées apontam que as reformas sociais e culturais sao intensas, sem duividas, mas certamente nao ocorrem de forma linear e ho- mogénea. Todavia, é inegdvel que existe um rompimento com a ética maoista da frugalidade ¢ igualdade - mesmo que a imagem do lider ainda seja venerada. Aveus, Mao No plano cultural, um dos aspectos que chama atengao da nova China& © romp : Pimento com os valores da revolugio comunista e cultural. Como vist? no capitulo IV, a ideologia da época de igualdade, camaradagem e uniformidade 176 pao cnne ce estendia a diversas esferas da vida social, como a educacio, a moa, a.arte ea arquitetura. No aspecto estético, a sobriedade e a frugalidade eram valores man datarios e todas as formas de consumo eram moralmente condenadas, Houve um proceso de masculinizagao das roupas femininas durante a hegemonia da Revolugio Cultural. O vestudrio padrio da populacao era composto pelo uni forme de revolucionario azul e verde usado Pelas elites do Partido Comunista, copiados pelos Guardas Vermelhos e, consequentemente, alastrados por tox a populagao. Era a politica do “prato de arroz”, marcada pela escasser de bens materiais e pela adesio aos principios ideolégicos que balizam a época. As reformas de Deng alteraram esse quadro profundamente. As mu- dangas profundas vividas na era p6s-Mao trouxeram os valores capitalistas ¢ burgueses para a sociedade, especialmente para as novas geragdes urbanas, ¢ clas refletem, sobretudo, um pais orgulhoso de seu poder de consumo No entanto, 0 processo de “revolugio das aparéncias” vislumbrado nos iiltimos anos nao foi instantineo. Nio foi de um dia para outro que os sujeitos abandonaram a ética ¢ a estética revoluciondrias. Uma foto famosa tomada no centro de Beijing, em 1983, é emblemitica nesse sentido: as pessoas continua- vam vestidas com 0 uniforme verde-oliva e com a boina de Mao. Na realidade, houve uma disjungio temporal entre a produgio que explo- diu nos anos 1980 e © consumo interno. As duas coisas nio ocorreram juntas, sendo a segunda consequéncia da primeira. Logo, por quase uma década, a China produzia sem que houvesse mercado forte consumidor no pais. Embora se pro- duzisse para os outros, 0 consumo interno passou a ser inevitivel diante do cresci- mento econdmico assombroso. Com a geracao de excedente na balanga comercial da economia nacional, uma série de campanhas oficiais comesou a ser produzida ra preciso cultivar os anos 1990 para que as pessoas passassem a consumir, © prazer do consumo individual através da ideia de “consumidores modernos € sofisticados”, Assim, o desejo consumista generalizou-se a partir de uma inigiativa de cima para baixo, A revolugio do consumo na China comeyou como uma estra tegia politico-estatal de conectar a economia nacional a global Bens que outrora eram escassos e adquitidos via relacionamento com oficiais do do, a ideologia do coletive foi Estado massificaram-se, Desse mo gus omonsame uma nova geragio que possui maior autonomia sobre sey, cedendo espago scolhas. Isso se reflete na diversificagio da moda, dos corpos, seus atos € suas ¢: relacionamentos interpessoais € das profissoes. O governo, por sua vez, nag deixa de exercer controle sobre os individuos € sobre a vida privada, mas taj controle passa ase dara distincia e nfo mais de forma hegem@nica, houve uma profunda altera io na subjetividade quadro, Diante des dos cidadaos. Antigos sistemas do pensamento chinés ~ como confucionis- 9 confrontados com novos paradigmas culturais, mo, taoismo ¢ mavismo os quais sao inspirados na ética do livre mercado e do individualismo. Na carona desse proceso, outros “ismos” comecam a encontrar lugar na China pos-Mao: consumismo, romantismo ¢ higienismo sto alguns exemplos. A questio do consumo é muito importante para entender as mudangas culturais. Através do incentivo do préprio governo, comprar passou a ser algo condenado nos tempos da Revolucio positivo. Aquilo que anteriormente foi ta Cultural, hoje ¢ visto como fonte de vitalidade, prazer e poder. A campanha go- vernamental, aliada ao aumento exponencial da renda per capita nas ultimas dé- cadas, fez com que a China atingisses indices expressivos no ambito da economia nacional e internacional. Hoje ¢ um dos dez maiores mercados consumidores do mundo (com previsées para ser 0 primeiro rapidamente) e segundo maior con- sumo de luxo (perdendo para o Japao e passando os Estados Unidos em 2009). Empresas multinacionais nio tém encontrado dificuldade para entrar no mercado chinés; ao contririo, cada vez mais elas ganham figis consumido- res, Os chineses gostam das marcas importadas. Diversas estatisticas apontam que marcas como a Coca-Cola, Proctor e Gamble, Nestlé, LOréal possuem grande parte do mercado nacional. Mas o setor que se destaca na China é0 as dos chineses. de luxo, Louis Vuitton, Chanel e Gucci sao as marcas preferi que substituiram a boina de Mao pela bolsa da moda. Junto com tais mares produtos, entram no pais informagées, valores e estilo de vida. Dentre as marca s globais tico, pois trata-se de uma di s mais preferidas dos chines camadas soci: s. Muitos sujeitos gastam parte significativa de sew te, Assin’y poder fazer uma refeigdo ne: ¢ lugar, passando horas no restaurant 178 4 pao cnne o que se consome iio € apenas hambiirgueres ¢ hatatas frtas, mas principal mente o sentimento de modernidade e insergio em uma ordem global, A entrada de cadeias de fast-food tem causado diversos problemas, al guns deles no Ambito da satide publica: se antes a China era uma das popula goes de maior massa corporal magra do mundo, devido a uma dieta milenar caudavel, hoje adoece com um indice crescente de obesidade, Segundo a Or ganizagio Mundial da Satide, em algumas metrépoles, o ntimero ja chega a 20% da populagao. As taxas de crescimento assustam as autoridades chinesas, que hoje obrigam que cadeias de fast-food adaptem seu cardapio, introduzin audaveis, do opgdes mai Para além da obesidade, observa-se uma série de mudancas na aparén- ia dos chineses. Os valores da juventude abriram um mercado gigantesco yoltado para tratamentos estéticos ¢ dentirios e cirurgias plasticas. Hoje, acre- dita-se que mais da metade dos universitarios ja realizaram procedimento da dobra da palpebra, que tem a finalidade de aumentar os olhos e deixar a face mais ocidental. O botox ~ produto injetado no rosto para rejuvenescimento ~ se popularizou nao apenas em consultéries médicos, mas nos mais diversos estabelecimentos comerciais, formais ¢ informais. ‘Todas as transformagées corporais refletem um maior nivel de individu alizagio (por meio da diferenciagio e afirmagio pessoal) da sociedade. Assim, as distancias interpessoais se alargam na medida em que aumenta o padrio de vergonha da populagio. Ou seja, emerge um senso privado de um “eu” singular io de vergonha - que no Ocidente demorou séculos para no mundo. Tal pad: emergir ~ tem ocorrido de forma intensa nos tiltimos dez anos. Os jogos olim- picos sediados em Beijing em 2008 constituem um marco esse Process, NO momento em que a sociedade se preparou para mostrar uma imagem de rique 74, prosperidade e “bons modos” para o mundo, Além disso, para o sucesso das s voltadas para o mercado externo, passou-se a questionar antigas Priticas e a exigir-se um padrio global de comportamento “adequado”: como se dar da limpeza do corpo. Portar 4 mesa, como agir em uma fila, como € A questo da higiene e da estética bucal chama atenydo. Campanbas £0Vernamentais alertam para a necessidade, mas, para além da publiciclade, 9 pao cnne tem havido um intenso trabalho nas escolas de todo 0 pais a fim de mudar 05 Ducal, Lojas populares de ortodontia multiplicam. as vezes é puramente estético, habitos infantis de higiene -se por todos os lados, cujo objetivo m estabelecimentos, vendem-se os mais variados produtos e tratamentos, {1a se preocupar mais mais com os dentes, tais para uma populagio que comes Porexemplo, em um mercado popular de falsificagoes da cidade de Shenzhen, existem clinicas dentarias que vendem dentaduras na vitrine a prego de uma bolsa falsificada. Clarear os dentes, aparelhos instantaneos ¢ outras técnicas milagrosas estio por todos os lugares ¢ definitivamente possuem um amplo apelo na sociedade chinesa contemporinea. No que se refere ao comportamento & mesa, a China possui um siste- ma milenar de etiquetas, pautado em intimeras regras de posicionamento, de como segurar ¢ alinhar os hanshi etc, Esses cerimoniais sio extremamente claborados, complexos ¢ levam em considerago 0 que é considerada uma boa educagio chinesa. A moderna sociedade agora precisa incorporar novas regras e concep¢ées ocidentais, antes ignoradas pelos chineses, como atentar para fechar a boca durante a mastiga¢io dos alimentos. Emerge, entao, uma sociedade cujos individuos comegam a controlar seus corpos e a vigiar seu proximo, Olhares e palavras reprimem 0 arroto puiblico, 0 escarro, 0s gritos, furar a fila, fumar em locais fechados e comer de boca aberta. A questo da higiene também sai do dominio privado e passa a ser da esfera publica governamental, exigindo intervengao disciplinar do Estado, des- de que a China soube que sediaria os Jogos Olimpicos. Assim, a partir de 2006, 0 Estado, preocupado com “os modos” da populagio, comegou a aplicar uma série de multas em relagao a atos como 0 catarro, 0 empurra-empurra, o fumar em taxis. Uma campanha oficial foi decretada junto com a criagdo de um comité curiosamente denominado de “Comité de Condugio a vilizagao Espiritual’ Escarrar em escarradeiras (ou fora delas), uma antiga e apreciada tra- (0 chinesa ~ da qual, d Mult di proibida ou a ser z-se, até Deng Xiaoping era adepto -, p: ‘as foram impostas para aqueles que fossem do. O problema, evidentemente, arran- agrados es € que existe uma grande parte da s ociedade que possui dificuldades de se a \daptar as novas regras. O controle sobre ess: 180 pao cnne atos& justificado por questées de satide colet » Com vistas de evitar a Sindro- ‘anto, atos como falar alto ¢ furar a fila, ‘antide, também passaram a ser proibidos, vigiados emultados. A propaganda governamental que procur. me Respiratéria Aguda (SARS). No ent fos quais em nada afetam a 4 reordenar 0s corpos é chamada de “campanha para a civilizagio harmoniosa” Outra atitude que soou de forma drastica foi a proibicao de fumar em lugares publicos. Em um pafs que, notoriamente, possui um dos mais altos nimeros de fumantes do mundo ~ contingente este acostumado a fumar nao apenas em restaurantes, mas em transporte puiblicos e elevadores -, a proibi- gio do fumo nao tem sido um processo anquilo, Nas grandes metropoles, enquanto alguns jovens ja aprendem a sentir repulsa ¢ estranhamento sobre ambientes fechados enfumagados (abanando a mao na frente do nariz), os mais velhos sofrem com as novas imposicdes, ignorando as novas leis e desa- fiando a policia local. Preocupagées com a aparéncia, a higiene, a satide coletiva e os “bons modos” fazem parte da China globalizada ¢ sio representativas de uma nova era, marcada principalmente por transformagdes psiquicas profundas ~ algu- mas dramaticas ~ que se imprimem nos corpos e nas aparéncias. AMOR, SEXO E FAMILIA O consumo da industria cultural global fez com que os chineses re- cebessem novas influéncias de comportamento, especialmente no que diz respeito aos modelos de relacionamento. O romantismo retratado nos filmes de Hollywood e nas campanhas publicitirias toma conta do imaginirio da populacao chinesa. Todavia, a influéncia que mais toca a populagio, hoje, sio 0 proprios filmes nacionais, imbuidos de aiging (amor romintico) ~ palavra condenada nas décadas anteriores. A palavra amor s6 era permitida quando Se dirigida 4 nagao, ao Partido e, claro, a Mao, Atualmente, os casamentos formados por indicagdes familiares ainda mas também se verifica que a escolha dos parceiros & Acontecem com forg 18h pao cnne

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