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Um novo modelo para


estudar imagens e mídia:
estudo de caso do projeto de site ‘Images Education’

Bernard Darras
Professor de Semiótica e Metodologia da Pesquisa da
Universidade de Paris I Pantheon – Sorbonne
E-mail: bernard.darras@univ-paris1.fr

O ensino da Imagem e do estudo


do significado
Resumo: Na França, um ensino dedicado à educação pela ima-
gem foi criado pelo Ministério da Educação. Porém, os profes- Por muitos anos, como um semioticista,
sores não receberam treinamento para tanto. Para ajudá-los, me pergunto como as imagens fazem senti-
o Centro de Pesquisas em Semiótica da Arte e do Design e o
Curso de Mestrado de Multimídia Interativa criaram websites do em diferentes circunstâncias e experiên-
com informações e metodologias, novos produtos digitais que cias, especialmente sobre como o significado
restabelecem artefatos visuais no circuito da cultura. é produzido e processado em circunstâncias
Palavras-chave: educação pela imagem, stakeholders, publici-
dade social, semiótica pragmática. e experiências específicas que são os estudos
semióticos.
A new model for studying images and media: case study of the
project site ‘Images Education’ Que estejamos numa situação comum
Abstract: In France, a teaching devoted to image education has e cotidiana da relação pragmática com os
been created by the Ministry of Education. signos ou na situação extraordinária hipe-
However, teachers have not received specialized training. To as-
sist them, the Research Center for Semiotics of Arts and Design ratenção e dissecção da análise semiótica,
and the Interactive Multimedia Master’s Course have created globalmente os micro processos semióticos
websites with information and methodologies, newest digital
products that reinstate visual artifacts in the circuit of culture. utilizados são idênticos. Na ação, os signos
Keywords: Education, stakeholders, social advertising, prag- oriundos do mundo das phanera e das se-
matic semiotics. mioses entre sub signos e signos se fazem e
Un nouveau modèle pour étudier les images et les médias: étude se desfazem pelas necessidades da vida, de
de cas du projet ‘Images Education’ suas rotinas e de suas alterações. No entanto,
Résumé: En France, un nouvel enseignement consa-
cré à l’éducation de l’image a été créée par le Ministère de a natureza da experiência não é a mesma.
l’éducation. Toutefois, les enseignants n’ont pas reçu une Por um lado, a produção significante con-
formation spécialisée. Pour les aider, l’équipe de recherche tribui para o fluxo de alimentação das partes
en Sémiotique des Arts et du Design et le Master Multimédia
Interactif de la Sorbonne ont créé des websites avec des infor- ordinárias, por outro lado, o fluxo das partes
mations et des méthodes, des nouveaux produits numériques ordinárias é suspenso para ser substituído
qui réinstallent les artefacts visuels dans le circuit de la culture.
Mots-clés: Circuit de la culture, de l’éducation, les parties prenan- por um processo de observação, de descrição,
tes de l’image, la publicité sociale, la sémiotique pragmatique. de análise, de perícia ou de teorização etc.

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Para ajudá-los na preparação de suas au- 3. Estudos que sugerem uma implantação,
las, o Centro de Pesquisas em Semiótica das uma experiência mais profunda com a ex-
Artes e do Design e o Curso de Mestrado em pansão da atenção.
Multimídia Interativa criaram vários sites 4. Análises que tentam explicitar e explicar os
oferecendo informação e metodologias. conteúdos que permanecem inacessíveis ou
Após uma breve apresentação de nossos inconscientes durante a experiência comum
projetos, indicaremos nossos mais novos e às vezes revelar conteúdos negligenciados
produtos digitais que reestabelecem artefa- ou escondidos graças a uma expertise inter-
tos visuais entre os participantes do circui- pretativa.
to da cultura. Nosso modelo desse circuito 5. Estudos educacionais para quem a ima-
gem é um pretexto para explicar ou aplicar
um método ou uma teoria preestabelecida.
A produção significante Este é notadamente o caso do processo edu-
contribui para o fluxo cativo de aprendizagem da análise da ima-
de alimentação das gem e da análise semiótica.
Todas estas operações empregam concep-
partes ordinárias que é ções diferentes da semiótica e, em consequ-
suspenso para ser ência, métodos diferentes.
substituído por um Os estudos que realizei foram oportuni-
processo de observação dades para experimentar diferentes métodos
e explicitá-los. Com exceção da pesquisa vo-
luntariamente localizada e emprestando a
forma enquetes em primeira pessoa, sempre
fui contra os estudos impessoais, que na ver-
leva-nos a fazer entrevistas e pesquisas com dade apenas mascaram o sistema interpreta-
todas as ‘redes de atores’ envolvidas no de- tivo de análises por trás de um discurso mais
sign, produção, disseminação e uso desses ou menos sábio.
artefatos, bem como com suas comunidades Sempre tentei, então, usar dispositivos de
de interpretação e uso. investigação mantendo alguma distância en-
Depois de uma rápida apresentação de tre o produtor de sentido, ou seja, o usuário
nosso modelo e das teorias que o fundamen- e o observador do processo.
tam, apresentaremos um estudo aplicado à O trabalho aqui apresentado é uma dessas
publicidade social. Essa passagem pelo labo- tentativas para a objetivação entre outros. É
ratório de análise é raramente relatada como parte das abordagens pragmáticas semióticas
tal e, ainda mais raramente, estudada por ele. herdadas de Charles S. Peirce, mas também
Estudos de que tive acesso não esclarecem das teorias ambientais de Jakob von Uexküll
a transformação semiótica que ocorre du- , e da teoria dos atores em rede de Bruno La-
rante essas operações e exercícios de análise tour, Michel Callon e John Law.
particulares. Ele considera a imagem como um ator
Existem cinco tipos principais de operações: das partes interessadas de diferentes dispo-
1. Estudos que funcionam como se permi- sitivos e ações significativas que possam sur-
tissem uma desaceleração da experiência or- gir quando das transações entre os atores da
dinária. significação.
2. Aqueles que propõem uma regressão sá- O significado aparece na transformação
bia em operações ordinárias procedendo, de hábitos materializados em imagens por
seja por redução, seja pela conservação de processos interpretativos, deliberativos ou
relações. executivos.

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A Questão do significado dos Artefatos nas poderia ser acessível se eu dedicasse um


e, em particular, a Imagem tempo estudando isso.
Mas todas essas peças de informação não
O significado aparece na reunião entre os são reveladas simultaneamente porque de-
padrões materializados em imagens e pro- pendem da relação que o usuário terá com
cessos interpretativos, deliberativos ou exe- esse selo, e todos esses significados não pre-
cutivos. Para ser mais preciso, pode-se dizer cisam ser ativados.
que o significado de um artefato não é ape- Por exemplo, o trabalhador postal ou o
nas o resultado do próprio artefato, mas o carteiro não considerarão os mesmos ele-
resultado da relação que um sujeito tem com mentos imediatamente significativos ‘para
certos componentes do artefato em um dado produzir signos’ como a pessoa que está es-
contexto, durante uma dada experiência ou perando uma demanda fiscal, uma notícia
uma série de experiências. ruim ou uma carta de amor.
Tomemos o caso de uma imagem, mesmo Semelhantemente, a relação significativa
que ela tenha sido preenchida com informa- para com o selo não será carregada com os
ções significativas pelo seu autor, ela apenas mesmos efeitos, os mesmos valores, e o mes-
oferece seu significado quando um usuário mo significado para o carteiro, para o aman-
interage com ela e lhe dá atenção suficiente te ou para o colecionador de selos.
para produzir signos e semiose. Para o amante, o selo é um signo de amor
Mais precisamente, eu digo que ‘ela ape- vindo do remetente, enquanto o coleciona-
nas entregará significado’ e não ‘entregará dor verá o selo como um signo de interesse
seu significado’, porque mesmo uma simples filatélico vindo do remetente.
imagem não entrega todo seu significado, O amante e o colecionador de selos pro-
mas apenas uma parte relevante do seu sig- vavelmente guardarão o selo, mas por razões
nificado no que diz respeito à relação que significativas diferentes. Para um, o selo re-
desenvolveu com o usuário ou os usuários. presentará a pessoa amada e essa relação
Vejamos um exemplo muito simples: dará ao selo seu valor ‘sígnico’ único, en-
Um selo postal preso em um envelope car- quanto para o colecionador, o selo será parte
rega uma vasta gama de significados possíveis. de uma coleção filatélica sendo constituída e
Por exemplo, um selo é o signo de que a seu valor virá de sua raridade mais de que de
carta foi carimbada e, portanto, enviada. O seu remetente.
selo garante essa função contratual, da qual Mas se o colecionador de selos também
ele é o signo e a prova. está apaixonado, ele terá que decidir se o selo
Sua posição no canto superior direito do é um mensageiro do amor ou um semiopho-
envelope também é um signo que mostra res- re, ou seja, um item de colecionador separa-
peito (ou não) para as convenções concernen- do de seus valores iniciais de uso.
tes à colocação de selo (posição normativa). Por isso, é improvável que alguém consiga
A partir do próprio selo, você também esgotar todos os possíveis significados desse
pode aprender sobre o país de origem e, por- selo, pois isso depende das relações legais
tanto, a localização do remetente da carta, gerais ou singulares, icônicas ou simbólicas,
essa relação é uma inferência (que faz parte etc. que o selo tem com seus usos e usuários.
do valor informativo do selo). O selo pode O significado de um artefato, uma ima-
ser comum ou um ‘selo colecionável’ (valor gem, por exemplo, é, portanto, o significado
estético e econômico), etc. que emerge quando uma experiência parti-
Ao usar a palavra ‘etc.’ o que estou tentan- cular ocorre entre um transportador de sig-
do dizer é que existem muitas possibilidades nificados e um usuário de pelo menos um
significativas e que essa multiplicidade ape- desses significados (Uexküll, 1934).

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Os significados também mudam ao longo tados para analisar um documento visual e


de experiências sucessivas. também para apresentar o método analítico
Como veremos mais adiante, ao estudar utilizado no estudo desse artefato.
o circuito da cultura e seus participantes Em 2006, respondemos a um concurso
(stakeholders), essas experiências são real- do Ministério da Educação Francês sobre
mente oportunidades para transações entre Educação para a Imagem e criamos mais
um artefato icônico que faz a mediação en- ou menos trinta objetos de aprendizagem.
tre um mundo de produção e difusão e um Vários pesquisadores propuseram uma
mundo de usuários. análise interativa de um documento visual,
Os poderes para agir (a agência) se mis- notas de aula para professores e exercícios
turam, se influenciam mutuamente, compe- exploratórios para os estudantes. O pacote
tem ou combinam para produzir significado, completo está disponível para escolas na
ação, repetição ou mudança. internet. Desde então estamos desenvol-
Mais frequentemente, os significados vendo outros projetos, especialmente o
emergem devido a uma rotina ou um hábi- projeto de Educação para a Imagem que
to. Esses hábitos são geralmente socialmente apresentarei aqui.2
compartilhados e se tornam habitus, e dis-
positivos. O estudo do projeto no circuito da
Mas, às vezes, o significado não está pron- cultura da imagem
tamente disponível, uma dúvida surge e po-
de-se construir significado através de uma Apresentação do projeto de Educação para
pesquisa que pode ser mais ou menos longa, a Imagem
complexa, bem sucedida ou não. Desde 2011, iniciamos um novo projeto
online para proporcionar uma ferramenta
Nossos projetos educacional que é composta de entrevistas e
arquivos do mundo atual da cultura visual.
Nesse contexto de alfabetização visual e Como veremos em detalhes mais adiante,
educação para a imagem inspirado pelos es- o conceito era simples e se encaixou natural-
tudos visuais e também pela semiótica prag- mente em nossa proposta; apoio à educação
mática que, nos últimos anos, criei vários para a imagem.
métodos de treinamento à distância usando Primeiro selecionamos documentos visu-
a tecnologia digital. ais ou audiovisuais que poderiam ser de in-
Isso tudo começou em 1997, quando pu- teresse para estudantes de colégios entre 11 e
blicamos um projeto multimídia para ensinar 15 anos e, então, realizamos um levantamen-
história da arte para alunos à distância e tam- to dos stakeholders envolvidos nos processos
bém para o público geral. Esse CD-ROM está de produção, distribuição e recepção desses
atualmente sendo atualizado na internet.1 artefatos, que por sua vez também são consi-
Desde então, para toda publicação digi- derados participantes.
tal, tentamos variar os métodos e as mídias O material coletado foi organizado em
(Darras, 2010). uma interface adequada e disponibilizado
Em 2003, lançamos a Série de Análise de online para professores que desejassem pre-
Imagens, que é tanto um site de acesso livre parar aulas sobre educação para a imagem.
como uma coleção de livros publicados pela Nesse sentido, eles tinham acesso a docu-
Universidade Sorbonne. Pesquisadores de mentos visuais e também a maior parte de
diferentes disciplinas, estética, história, es- todas as entrevistas inéditas com pessoas que
tudos culturais e semiótica, foram requisi- criaram e distribuíram a imagem, bem como
1
Disponível em: < http://imageslectures.univ-paris1.fr/> 2
Disponível em: <http://www.images-education.com>

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entrevistas, com grupos de foco, realizadas dentro do site de Educação para a Imagem.
com estudantes de colégios, permitindo aos O projeto não foi apenas destinado a
professores anteciparem as reações de seus coleta de dados e a torná-los disponíveis
próprios alunos. Isso também incluiu um re- para os professores dos colégios, mas tam-
sumo que colocou em paralelo as intenções bém ofereceu uma ferramenta de compa-
em termos de significado dos produtores e ração baseada no circuito da cultura e na
distribuidores das imagens e as interpreta- ‘teoria da mente’ que apresentarei breve-
ções dos jovens entrevistados. mente agora.
E, finalmente, também incluiu os feedba- Estudo do circuito da cultura
cks dos alunos que participaram da pesquisa. O diagrama a seguir foi criado para re-
Durante a primeira fase do projeto, ten- presentar os diferentes polos do circuito da
tamos lançar uma plataforma para com- cultura, da qual o artefato é um componente,
partilhar aulas online com professores vo- e também as relações entre esses polos e os
luntários, mas os resultados prévios foram participantes (stakeholders)4.
decepcionantes, então adiamos o desenvol-
vimento dessa parte do projeto.

Metodologia
A fase piloto desse projeto foi realizada
com os alunos do curso de Mestrado em
Semiótica na Sorbonne. O primeiro grupo,
especializado em estudos sobre a cultura, foi
responsável pelo desenvolvimento de conte-
údo, enquanto o segundo grupo, especializa-
do em multimídia interativa, desenvolveu a
interface interativa online.
Esse primeiro grupo teve que selecionar
documentos cujos autores e distribuidores
estivessem dispostos a participar desse estu- Figura 1: Diagrama do circuito do artefato cultural e seus
do, além de também obter os direitos livres stakeholders © Darras & Belkhamsa 2009 - 2013
de reprodução e distribuição do documento
Pode-se reconhecer aqui os cinco eixos de
visual para fins educacionais.
stakeholders que já discutimos.
Uma vez que obtiveram todas as auto-
À Esquerda, o eixo de design e produção
rizações, os estudantes foram capazes de
no qual designers, fotógrafos e até mesmo ar-
realizar as pesquisas que tinham previa-
tistas respondem a comissões externas para
mente preparado o roteiro de entrevista
realizar a criação de artefatos. Na maioria
com base em instruções gerais dadas a eles
dos casos, esses designers, criadores e produ-
e focando na capacidade de enviar e rece-
tores estão trabalhando com comunidades
ber significado.3
(agências ou estúdios, por exemplo), onde
Uma vez que as entrevistas estavam com-
há muitas visões consensuais ou conflitantes
pletas, elas ainda tinham de ser transcritas e
organizadas para serem disponibilizadas aos do projeto.
estudantes de mestrado responsáveis pelo Na parte superior do diagrama está o sis-
desenvolvimento da interface apropriada tema do artefato à qual é adicionada a nova
4
Esse diagrama foi criado com Sarah Belkhamsa no Centro de
3
Isso também os permitiu usar as técnicas recém-adquiridas Pesquisa em Semiótica das Artes e do Design, que em 2012 se
de implementação de pesquisa tornou o Time de Pesquisa em Semiótica das Artes & Design.

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produção. Artefatos também são organiza- sempenham um papel na cognição social e


dos dentro de redes como os objetos e ima- na aprendizagem por imitação55.
gens do mundo, nunca são isolados. No tem- Quando um designer, um ilustrador ou um
po e no espaço, eles pertencem e participam fotógrafo faz uma imagem, eles continuam de-
de redes de relações materiais, econômicas, senvolvendo várias teorias da mente ao longo
sociais, estéticas e semióticas que envolvem da linha de: ‘O que o comissionado achará?’, ‘O
seres humanos e também não-humanos, isto que os meus colegas pensarão?’ e também ‘O
é, outros objetos. que os meus colegas acharão de mim quando
O terceiro eixo compreende os stakehol- virem o que eu criei?’ ou até mesmo ‘O que os
ders envolvidos na disseminação e distribui- meus colegas pensarão que eu penso sobre eles
ção que comercializam e entregam artefatos ao ousar mostrar essa imagem?’ etc.
aos seus destinatários. Esses destinatários são Obviamente, o designer pergunta a si
usuários do quarto eixo. mesmo o que o destinatário final entenderá
Todos os artefatos, incluindo imagens, se- da imagem que ele preparou para eles e quais
guem o circuito da cultura artificial. reações eles terão.
Qualquer estudo desse circuito é tam- Eles amarão ou rejeitarão a imagem? Eles
bém uma produção que é representada entenderão isso ou questionarão isso? Eles
aqui pelo quinto eixo, o dos analistas (que serão influenciados por isso ou não? Eles vão
também estão envolvidos em uma rede). agir em conformidade? Etc.
Eles são pesquisadores, professores e estu- Ao escrever esse texto, desenvolvi várias
dantes que observam a construção de sig- teorias da mente sobre a audiência (leitores
nificado entre os diferentes eixos do circui- e ouvintes) e ‘me coloquei em seus lugares’,
to da cultura artificial, enquanto também (em seu lugar).
são, frequentemente, membros da cultura Reciprocamente, o usuário de um docu-
que estão estudando. mento visual que é afetado por esse docu-
Entre esses eixos, fluxos de matéria, ener- mento ou não está certo de o ter entendido,
gia e informação estão circulando, nomeada- pergunta a si mesmo: O que isso significa? O
mente, as ‘teorias da mente’ que os stakehol- que eles estão tentando me dizer? O que eles
ders do circuito estão projetando sobre estão tentando me convencer a fazer? Etc.
outros participantes. Aqui a palavra ‘eles’ representa a comuni-
A Teoria da Mente. dade dos autores da imagem que causou a dú-
O que é uma ‘teoria de mente’? Esse é o vida. E os resultados no início de um tipo de
nome que foi dado a uma capacidade rela- investigação na mente do usuário interessado.
cional muito importante disponível aos seres As entrevistas que empreendemos per-
humanos e muitas outras espécies animais. guntaram a todos os participantes do cir-
Essa habilidade nos permite saber que os cuito da cultura sobre o significado de uma
outros pensam e até mesmo nos colocar em dada imagem. Elas, na verdade, eram com-
seus lugares. Empatia é uma das manifesta- postas de perguntas sobre essas teorias da
ções dessa habilidade, que permite criar uma mente. ‘Em sua opinião, como o destinatá-
simulação do que os outros pensam e até rio entende sua imagem?’ e vice-versa, sob o
‘sentir’ suas emoções, alegria e tristeza, seus ponto de vista do destinatário: ‘O que você
prazeres e sofrimentos. Esse tipo de cenário acha que o designer, fotógrafo, etc. quis di-
que desenvolvemos e projetamos sobre os zer a você e pensou que você entenderia com
pensamentos dos outros tem sido chamado essa imagem?’
de ‘teoria da mente’. Seu substrato fisiológico 5
Identificados em macacos na década de 90 (Rizzolatti et al.
é provavelmente feito de sistemas neuronais 1996), foram encontrados em humanos em 2010 (Mukamel,
espelhados ou ‘neurônios empáticos’ que de- et al. 2010.)

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O seguinte quadro-resumo nos permi- pantes de diferentes eixos do circuito da ima-


tiu cruzar referências, organizar e comparar gem. Isso fornece uma avaliação semiótica
informações das entrevistas com os partici- geral da imagem.

3- Distribuidores
2- Artefatos
1- Produtores de de signos 4- Usuários de 5- Analista,
transportando
significado e mídias significado Mediador
significados
de significado

Itens Itens Itens


Itens Componentes
significativos significativos significativos
significativos do documento
relatados durante relatados durante comparados,
relatados durante visual interpreta-
as entrevistas na as entrevistas na explicados e
as entrevistas na dos pelos
fase de fase de recepção. mediados pelo
fase de produção. participantes.
distribuição. (Focus Group) mediador.
Figura 2: Quadro-resumo da informação coletada dos cinco eixos ou stakeholders do circuito da cultura

Essa visão geral revela se as intenções sig- A imagem que escolheram para estudar foi
nificativas e as teorias da mente dos designers um pôster de publicidade social produzido pela
e distribuidores se encaixam com as teorias agência de comunicação BDDP & Fils, com
da mente dos jovens. Reciprocamente, os jo- uma fotografia de Ronan Merot para a Fonda-
vens interpretaram a imagem em conformi- tion Abbé Pierre. A fundação é uma ONG que
dade com as intenções de comunicação dos ajuda os pobres, os sem-teto e os mal alojados
designers e produtores e o que eles pensam e aumenta a consciência sobre suas situações.
que foram requisitados a entender? Essa campanha, no inverno de 2008, teve
O processo é baseado nas próprias de- grande impacto e foi premiada e muitas ve-
clarações dos stakeholders do circuito da zes imitada.
cultura e o papel dos analistas é explícito e As entrevistas foram conduzidas primei-
focado nessa informação. Seu papel é fazer ramente com o diretor de criação e diretor
questões aos participantes e não generalizar adjunto encarregado das finanças da Fon-
baseado em suas próprias interpretações dation Abbé Pierre e, posteriormente, com
como convencionalmente acontece em es- cinco garotas de idade entre 14 e 15 anos que
tudos semióticos. moram em Paris.

Estudo aplicado a uma campanha de


publicidade social6
No estudo a seguir, utilizamos os dados
coletados por um time de nossos estudantes
em 2013.
Eu os agradeço pelo excelente trabalho.

6
As entrevistas para esse estudo foram conduzidas em 2013
por Fernando de Oliveira, Gabrielle Hayot, Perrine Ibarra e
Aurore Stalin, estudantes do Mestrado em Arte e Cultura na Figura 3: Pôster impresso da campanha de inverno de 2008
Universidade Sorbonne Paris 1. para a Fondation Abbé Pierr

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A entrevista com as adolescentes aconte- Foi assim que Iris reagiu: ‘Esse pôster está
ceu em duas fases, de acordo com o método tentando nos mostrar que o mesmo espaço
que recomendamos. A imagem foi primei- não pode ser adaptado para diferentes usos,
ramente apresentada por dez segundos para uma família seria comprimida em 12m2. O
fazer uma primeira impressão emergir e pôster compara o tamanho do apartamento
nos dar acesso às reações imediatas e indi- e o tamanho do pôster, então isso destaca a
viduais das adolescentes que foram convi- opressão sentida pelos diferentes membros
dadas a escrever seus pensamentos em um da família nesse apartamento, que é real-
papel. Posteriormente, a imagem foi apre- mente como uma prisão. O pôster é do mes-
sentada por três minutos, seguida por um mo tamanho do apartamento; é como se fos-
focus group. se em tamanho real, para fazer o observador
A análise dos dados da tabela comparativa entender o pequeno espaço em que têm que
e as transcrições das entrevistas mostram que viver.’
as cinco adolescentes entenderam o princi- 5. O efeito documentário direto adotado e
pal conteúdo do pôster e foram grandemente requerido pela agência de publicidade fun-
afetadas por ele. Porém, comparado com as cionou muito bem, como confirmou Keyen-
afirmações feitas pelos produtores e distribui- ne: ‘Isso é intolerável, existem cinco pessoas
dores, elas perderam, de algum modo, três dos em uma sala, todas amontoadas, elas não
principais objetivos da campanha: têm nenhuma privacidade, é muito pequeno.
1. O entendimento de que o problema da ha- Estar confinado numa pequena área é horrí-
bitação inadequada é diferente do problema vel e isso é insuportável de se olhar’.
dos sem-teto. (Na França, é estimado que as 6. Como esperado pelos produtores de sig-
condições precárias de habitação afetam 3,6 nificado, as adolescentes ficaram imediata-
milhões de pessoas em uma população de mente chocadas pelo pôster, que, de acordo
apenas 65 milhões). com elas, transmite uma atmosfera opressiva
2. O entendimento de que as crianças tam- de ansiedade, tristeza e falta de esperança.
bém são mal alojadas e de que o problema Elas acusam toda a sociedade. Camille resu-
não é restrito aos adultos. me sua visão sobre o pôster: Apartamento
3. Reagir e ajudar doando dinheiro para a pequeno, sem espaço para uma família intei-
fundação. As adolescentes tiveram o entendi- ra, pobreza, opressão, falta de espaço, falta de
mento perfeito sobre o chamado para ajuda, liberdade e falta de ar.’
mas não perceberam essa informação, a qual, Para Léa: ‘É um apartamento pequeno.
depois de ser explicada a elas, foi considerada Acho isso um desrespeito com a família, isso
muito pequena no pôster. é realmente terrível. Eles precisam de aju-
Para o resto do processo de construção da; eles merecem um apartamento e salário
de significado, elas foram sensíveis às men- maiores. Isso faz com que você fique nervoso
sagens que os produtores e distribuidores es- com essa porcaria de sociedade; isso me faz
peravam ser compreendidas. sentir muito ódio contra essa sociedade.’
4. Quanto à relação retórica entre o tama- 7. Como os produtores assumiram, a esco-
nho do apartamento e o tamanho dos pôs- lha da vista aérea foi muito envolvente, as-
teres franceses padronizados: 12m2, que é sim afirma Camille: ‘A família nos olha com
destacado pela pergunta no slogan “12m2 desespero, implorando por ajuda. A fotogra-
é normal para um pôster, mas e para uma fia dessa família é tirada de cima, o que nos
família?’, foi durante a discussão em grupo dá uma posição de superioridade e destaca
que as meninas entenderam a relação entre o a opressão e seu tamanho minúsculo. Eles
tamanho do pôster e do apartamento e isso são como insetos. Isso me faz ter pena deles e
teve um efeito muito poderoso nelas. vontade de ajudá-los.’

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Porém, deve-se notar que nenhuma das Como vimos nesse estudo comparativo, a
garotas mencionou o aspecto artificial desse grande maioria dos objetivos de comunicação
tipo de ângulo. O choque de realismo com- desse pôster foram alcançados de forma efi-
pensou o efeito da realidade. ciente com esse pequeno grupo de adolescen-
8. Para a agência de comunicação, no con- tes. Porém, as prioridades colocadas pela agên-
texto da crise, podemos nos identificar com cia de publicidade não foram identificadas por
essa família e nos questionarmos, ‘Eu sou o elas. Mas elas poderiam identificar isso?
próximo?’. Esse é precisamente o medo men- De fato, os designers não mostram exata-
cionado por Iris: ‘Além de ser assustador, isso mente o que eles querem comunicar.
me faz querer fazer algo para não acabar nes- Aqui estão alguns pontos conflitantes que
sa situação!’ surgem das comparações:
Para Léa: ‘Essa é uma imagem que faz
você querer fazer algo para não terminar
dessa forma, é assustador. Você percebe que Uma primeira impressão
situações como essa realmente existem. Isso emergiu nos dando
me deixa com raiva.’
acesso às reações
9. Em relação à capacidade para a caridade
para sensibilizar as pessoas através do pôs- imediatas e individuais
ter, as adolescentes novamente tiveram ideias das adolescentes que
próximas daquelas desenvolvidos pela agên- escreveram seus pensa-
cia de publicidade. mentos em um papel
Como os seguintes diálogos mostram:
Eu acho que o problema da habitação ina-
dequada é muito grande na França, então
você acha que não pode ajudar. O problema da habitação inadequada
é apresentado claramente e facilmente en-
tendido, mas nada no pôster permite que
Além de ser assustador, isso me faz querer
fazer algo para não acabar nessa situação!
alguém faça a ligação com o problema dos
sem-teto.
Entender que o fato de que as crianças
Eles (os pôsteres) deveriam ser colocados também são vítimas de condições precá-
em lugares estratégicos, há muitos anún-
cios no metrô, você nem os olha mais.
rias de habitação não é possível nesse pôs-
ter, uma vez que descreve principalmente
uma família.
Sim, em uma torre, por exemplo! Todos Finalmente, mesmo que as garotas te-
seriam forçados a olhar e talvez as pessoas
fizessem algo
nham sentido uma enorme vontade de aju-
dar, elas não notaram a informação sobre
Sobre essa aspecto, elas têm a mesma doações.
ideia que o time criativo teve ao organizar Ao contrário das expectativas da agên-
um tipo de dia de ‘guerrilha’, colocando cia de publicidade, a imagem e o texto do
pôster semelhantes em lugares emblemáti- pôster não mostram nem dizem nada além
cos de Paris. Informada, a mídia cobriu o daquilo que pode ser observado e não en-
evento e isso criou muitos comentários so- corajam realmente a uma reflexão mais
bre a campanha. aprofundada do problema, mesmo sob as
Aquele ano, 15% a mais de doações foram condições de um grupo de discussão. Po-
feitas para a associação, embora seu funda- rém, o debate poderia ter sido orientado
dor tivesse morrido recentemente. para essa questões.

Líbero – São Paulo – v. 17, n. 33 A, p. 31-40, jan./jul. de 2014


Bernard Darras – Um novo modelo para estudar imagens e mídia...
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Considerações finais comunicação da agência de publicidade e a


capacidade interpretativa de um grupo de
O estudo sobre o significado do circuito
destinatários.
da cultura e seus stakeholders mostra que
Por em lado, o método que utilizamos
o método de coleta de informação funcio-
na muito bem e que isso fornece infor- para coletar informação dos produtores e
mações valiosas que podem ser usadas na usuários precisa ser melhorado, especial-
educação. mente sobre o aspecto da poética e semióti-
Um professor, ao preparar um curso sobre ca do processo de criação e produção, e por
educação para a imagem para adolescentes, outro também precisa estar mais perto das
então, tem material suficiente para entender práticas e experiências de usuários reais.
a intenção dos eixos de design e distribuição, A flexibilidade editorial das mídias de
bem como antecipar e simular a reação de distribuição digital pedem incessantes inves-
seus estudantes. tigações. Elas nos encorajam a revisar e me-
Os significados da imagem não são o pro- lhorar nossos métodos e diversificar nossos
duto de uma atividade individual do pro- estudos. A ferramenta e o material apresen-
fessor preparando seu curso sozinho; são tados online são, portanto, apenas ‘momen-
o produto de fontes externas de uma com- tos’ de um constante processo de mudança e
paração no cruzamento entre o método de adaptação.

Referências

Darras, B. New media and the new ways of designing the con- Mukamel, R., Ekstrom, A. D., Kaplan, J., Iacoboni, M.; Fried, I.
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