Professional Documents
Culture Documents
DARRAS, B. Um Novo Modelo para Estudar Imagens e Mídia
DARRAS, B. Um Novo Modelo para Estudar Imagens e Mídia
Bernard Darras
Professor de Semiótica e Metodologia da Pesquisa da
Universidade de Paris I Pantheon – Sorbonne
E-mail: bernard.darras@univ-paris1.fr
Para ajudá-los na preparação de suas au- 3. Estudos que sugerem uma implantação,
las, o Centro de Pesquisas em Semiótica das uma experiência mais profunda com a ex-
Artes e do Design e o Curso de Mestrado em pansão da atenção.
Multimídia Interativa criaram vários sites 4. Análises que tentam explicitar e explicar os
oferecendo informação e metodologias. conteúdos que permanecem inacessíveis ou
Após uma breve apresentação de nossos inconscientes durante a experiência comum
projetos, indicaremos nossos mais novos e às vezes revelar conteúdos negligenciados
produtos digitais que reestabelecem artefa- ou escondidos graças a uma expertise inter-
tos visuais entre os participantes do circui- pretativa.
to da cultura. Nosso modelo desse circuito 5. Estudos educacionais para quem a ima-
gem é um pretexto para explicar ou aplicar
um método ou uma teoria preestabelecida.
A produção significante Este é notadamente o caso do processo edu-
contribui para o fluxo cativo de aprendizagem da análise da ima-
de alimentação das gem e da análise semiótica.
Todas estas operações empregam concep-
partes ordinárias que é ções diferentes da semiótica e, em consequ-
suspenso para ser ência, métodos diferentes.
substituído por um Os estudos que realizei foram oportuni-
processo de observação dades para experimentar diferentes métodos
e explicitá-los. Com exceção da pesquisa vo-
luntariamente localizada e emprestando a
forma enquetes em primeira pessoa, sempre
fui contra os estudos impessoais, que na ver-
leva-nos a fazer entrevistas e pesquisas com dade apenas mascaram o sistema interpreta-
todas as ‘redes de atores’ envolvidas no de- tivo de análises por trás de um discurso mais
sign, produção, disseminação e uso desses ou menos sábio.
artefatos, bem como com suas comunidades Sempre tentei, então, usar dispositivos de
de interpretação e uso. investigação mantendo alguma distância en-
Depois de uma rápida apresentação de tre o produtor de sentido, ou seja, o usuário
nosso modelo e das teorias que o fundamen- e o observador do processo.
tam, apresentaremos um estudo aplicado à O trabalho aqui apresentado é uma dessas
publicidade social. Essa passagem pelo labo- tentativas para a objetivação entre outros. É
ratório de análise é raramente relatada como parte das abordagens pragmáticas semióticas
tal e, ainda mais raramente, estudada por ele. herdadas de Charles S. Peirce, mas também
Estudos de que tive acesso não esclarecem das teorias ambientais de Jakob von Uexküll
a transformação semiótica que ocorre du- , e da teoria dos atores em rede de Bruno La-
rante essas operações e exercícios de análise tour, Michel Callon e John Law.
particulares. Ele considera a imagem como um ator
Existem cinco tipos principais de operações: das partes interessadas de diferentes dispo-
1. Estudos que funcionam como se permi- sitivos e ações significativas que possam sur-
tissem uma desaceleração da experiência or- gir quando das transações entre os atores da
dinária. significação.
2. Aqueles que propõem uma regressão sá- O significado aparece na transformação
bia em operações ordinárias procedendo, de hábitos materializados em imagens por
seja por redução, seja pela conservação de processos interpretativos, deliberativos ou
relações. executivos.
entrevistas, com grupos de foco, realizadas dentro do site de Educação para a Imagem.
com estudantes de colégios, permitindo aos O projeto não foi apenas destinado a
professores anteciparem as reações de seus coleta de dados e a torná-los disponíveis
próprios alunos. Isso também incluiu um re- para os professores dos colégios, mas tam-
sumo que colocou em paralelo as intenções bém ofereceu uma ferramenta de compa-
em termos de significado dos produtores e ração baseada no circuito da cultura e na
distribuidores das imagens e as interpreta- ‘teoria da mente’ que apresentarei breve-
ções dos jovens entrevistados. mente agora.
E, finalmente, também incluiu os feedba- Estudo do circuito da cultura
cks dos alunos que participaram da pesquisa. O diagrama a seguir foi criado para re-
Durante a primeira fase do projeto, ten- presentar os diferentes polos do circuito da
tamos lançar uma plataforma para com- cultura, da qual o artefato é um componente,
partilhar aulas online com professores vo- e também as relações entre esses polos e os
luntários, mas os resultados prévios foram participantes (stakeholders)4.
decepcionantes, então adiamos o desenvol-
vimento dessa parte do projeto.
Metodologia
A fase piloto desse projeto foi realizada
com os alunos do curso de Mestrado em
Semiótica na Sorbonne. O primeiro grupo,
especializado em estudos sobre a cultura, foi
responsável pelo desenvolvimento de conte-
údo, enquanto o segundo grupo, especializa-
do em multimídia interativa, desenvolveu a
interface interativa online.
Esse primeiro grupo teve que selecionar
documentos cujos autores e distribuidores
estivessem dispostos a participar desse estu- Figura 1: Diagrama do circuito do artefato cultural e seus
do, além de também obter os direitos livres stakeholders © Darras & Belkhamsa 2009 - 2013
de reprodução e distribuição do documento
Pode-se reconhecer aqui os cinco eixos de
visual para fins educacionais.
stakeholders que já discutimos.
Uma vez que obtiveram todas as auto-
À Esquerda, o eixo de design e produção
rizações, os estudantes foram capazes de
no qual designers, fotógrafos e até mesmo ar-
realizar as pesquisas que tinham previa-
tistas respondem a comissões externas para
mente preparado o roteiro de entrevista
realizar a criação de artefatos. Na maioria
com base em instruções gerais dadas a eles
dos casos, esses designers, criadores e produ-
e focando na capacidade de enviar e rece-
tores estão trabalhando com comunidades
ber significado.3
(agências ou estúdios, por exemplo), onde
Uma vez que as entrevistas estavam com-
há muitas visões consensuais ou conflitantes
pletas, elas ainda tinham de ser transcritas e
organizadas para serem disponibilizadas aos do projeto.
estudantes de mestrado responsáveis pelo Na parte superior do diagrama está o sis-
desenvolvimento da interface apropriada tema do artefato à qual é adicionada a nova
4
Esse diagrama foi criado com Sarah Belkhamsa no Centro de
3
Isso também os permitiu usar as técnicas recém-adquiridas Pesquisa em Semiótica das Artes e do Design, que em 2012 se
de implementação de pesquisa tornou o Time de Pesquisa em Semiótica das Artes & Design.
3- Distribuidores
2- Artefatos
1- Produtores de de signos 4- Usuários de 5- Analista,
transportando
significado e mídias significado Mediador
significados
de significado
Essa visão geral revela se as intenções sig- A imagem que escolheram para estudar foi
nificativas e as teorias da mente dos designers um pôster de publicidade social produzido pela
e distribuidores se encaixam com as teorias agência de comunicação BDDP & Fils, com
da mente dos jovens. Reciprocamente, os jo- uma fotografia de Ronan Merot para a Fonda-
vens interpretaram a imagem em conformi- tion Abbé Pierre. A fundação é uma ONG que
dade com as intenções de comunicação dos ajuda os pobres, os sem-teto e os mal alojados
designers e produtores e o que eles pensam e aumenta a consciência sobre suas situações.
que foram requisitados a entender? Essa campanha, no inverno de 2008, teve
O processo é baseado nas próprias de- grande impacto e foi premiada e muitas ve-
clarações dos stakeholders do circuito da zes imitada.
cultura e o papel dos analistas é explícito e As entrevistas foram conduzidas primei-
focado nessa informação. Seu papel é fazer ramente com o diretor de criação e diretor
questões aos participantes e não generalizar adjunto encarregado das finanças da Fon-
baseado em suas próprias interpretações dation Abbé Pierre e, posteriormente, com
como convencionalmente acontece em es- cinco garotas de idade entre 14 e 15 anos que
tudos semióticos. moram em Paris.
6
As entrevistas para esse estudo foram conduzidas em 2013
por Fernando de Oliveira, Gabrielle Hayot, Perrine Ibarra e
Aurore Stalin, estudantes do Mestrado em Arte e Cultura na Figura 3: Pôster impresso da campanha de inverno de 2008
Universidade Sorbonne Paris 1. para a Fondation Abbé Pierr
A entrevista com as adolescentes aconte- Foi assim que Iris reagiu: ‘Esse pôster está
ceu em duas fases, de acordo com o método tentando nos mostrar que o mesmo espaço
que recomendamos. A imagem foi primei- não pode ser adaptado para diferentes usos,
ramente apresentada por dez segundos para uma família seria comprimida em 12m2. O
fazer uma primeira impressão emergir e pôster compara o tamanho do apartamento
nos dar acesso às reações imediatas e indi- e o tamanho do pôster, então isso destaca a
viduais das adolescentes que foram convi- opressão sentida pelos diferentes membros
dadas a escrever seus pensamentos em um da família nesse apartamento, que é real-
papel. Posteriormente, a imagem foi apre- mente como uma prisão. O pôster é do mes-
sentada por três minutos, seguida por um mo tamanho do apartamento; é como se fos-
focus group. se em tamanho real, para fazer o observador
A análise dos dados da tabela comparativa entender o pequeno espaço em que têm que
e as transcrições das entrevistas mostram que viver.’
as cinco adolescentes entenderam o princi- 5. O efeito documentário direto adotado e
pal conteúdo do pôster e foram grandemente requerido pela agência de publicidade fun-
afetadas por ele. Porém, comparado com as cionou muito bem, como confirmou Keyen-
afirmações feitas pelos produtores e distribui- ne: ‘Isso é intolerável, existem cinco pessoas
dores, elas perderam, de algum modo, três dos em uma sala, todas amontoadas, elas não
principais objetivos da campanha: têm nenhuma privacidade, é muito pequeno.
1. O entendimento de que o problema da ha- Estar confinado numa pequena área é horrí-
bitação inadequada é diferente do problema vel e isso é insuportável de se olhar’.
dos sem-teto. (Na França, é estimado que as 6. Como esperado pelos produtores de sig-
condições precárias de habitação afetam 3,6 nificado, as adolescentes ficaram imediata-
milhões de pessoas em uma população de mente chocadas pelo pôster, que, de acordo
apenas 65 milhões). com elas, transmite uma atmosfera opressiva
2. O entendimento de que as crianças tam- de ansiedade, tristeza e falta de esperança.
bém são mal alojadas e de que o problema Elas acusam toda a sociedade. Camille resu-
não é restrito aos adultos. me sua visão sobre o pôster: Apartamento
3. Reagir e ajudar doando dinheiro para a pequeno, sem espaço para uma família intei-
fundação. As adolescentes tiveram o entendi- ra, pobreza, opressão, falta de espaço, falta de
mento perfeito sobre o chamado para ajuda, liberdade e falta de ar.’
mas não perceberam essa informação, a qual, Para Léa: ‘É um apartamento pequeno.
depois de ser explicada a elas, foi considerada Acho isso um desrespeito com a família, isso
muito pequena no pôster. é realmente terrível. Eles precisam de aju-
Para o resto do processo de construção da; eles merecem um apartamento e salário
de significado, elas foram sensíveis às men- maiores. Isso faz com que você fique nervoso
sagens que os produtores e distribuidores es- com essa porcaria de sociedade; isso me faz
peravam ser compreendidas. sentir muito ódio contra essa sociedade.’
4. Quanto à relação retórica entre o tama- 7. Como os produtores assumiram, a esco-
nho do apartamento e o tamanho dos pôs- lha da vista aérea foi muito envolvente, as-
teres franceses padronizados: 12m2, que é sim afirma Camille: ‘A família nos olha com
destacado pela pergunta no slogan “12m2 desespero, implorando por ajuda. A fotogra-
é normal para um pôster, mas e para uma fia dessa família é tirada de cima, o que nos
família?’, foi durante a discussão em grupo dá uma posição de superioridade e destaca
que as meninas entenderam a relação entre o a opressão e seu tamanho minúsculo. Eles
tamanho do pôster e do apartamento e isso são como insetos. Isso me faz ter pena deles e
teve um efeito muito poderoso nelas. vontade de ajudá-los.’
Porém, deve-se notar que nenhuma das Como vimos nesse estudo comparativo, a
garotas mencionou o aspecto artificial desse grande maioria dos objetivos de comunicação
tipo de ângulo. O choque de realismo com- desse pôster foram alcançados de forma efi-
pensou o efeito da realidade. ciente com esse pequeno grupo de adolescen-
8. Para a agência de comunicação, no con- tes. Porém, as prioridades colocadas pela agên-
texto da crise, podemos nos identificar com cia de publicidade não foram identificadas por
essa família e nos questionarmos, ‘Eu sou o elas. Mas elas poderiam identificar isso?
próximo?’. Esse é precisamente o medo men- De fato, os designers não mostram exata-
cionado por Iris: ‘Além de ser assustador, isso mente o que eles querem comunicar.
me faz querer fazer algo para não acabar nes- Aqui estão alguns pontos conflitantes que
sa situação!’ surgem das comparações:
Para Léa: ‘Essa é uma imagem que faz
você querer fazer algo para não terminar
dessa forma, é assustador. Você percebe que Uma primeira impressão
situações como essa realmente existem. Isso emergiu nos dando
me deixa com raiva.’
acesso às reações
9. Em relação à capacidade para a caridade
para sensibilizar as pessoas através do pôs- imediatas e individuais
ter, as adolescentes novamente tiveram ideias das adolescentes que
próximas daquelas desenvolvidos pela agên- escreveram seus pensa-
cia de publicidade. mentos em um papel
Como os seguintes diálogos mostram:
Eu acho que o problema da habitação ina-
dequada é muito grande na França, então
você acha que não pode ajudar. O problema da habitação inadequada
é apresentado claramente e facilmente en-
tendido, mas nada no pôster permite que
Além de ser assustador, isso me faz querer
fazer algo para não acabar nessa situação!
alguém faça a ligação com o problema dos
sem-teto.
Entender que o fato de que as crianças
Eles (os pôsteres) deveriam ser colocados também são vítimas de condições precá-
em lugares estratégicos, há muitos anún-
cios no metrô, você nem os olha mais.
rias de habitação não é possível nesse pôs-
ter, uma vez que descreve principalmente
uma família.
Sim, em uma torre, por exemplo! Todos Finalmente, mesmo que as garotas te-
seriam forçados a olhar e talvez as pessoas
fizessem algo
nham sentido uma enorme vontade de aju-
dar, elas não notaram a informação sobre
Sobre essa aspecto, elas têm a mesma doações.
ideia que o time criativo teve ao organizar Ao contrário das expectativas da agên-
um tipo de dia de ‘guerrilha’, colocando cia de publicidade, a imagem e o texto do
pôster semelhantes em lugares emblemáti- pôster não mostram nem dizem nada além
cos de Paris. Informada, a mídia cobriu o daquilo que pode ser observado e não en-
evento e isso criou muitos comentários so- corajam realmente a uma reflexão mais
bre a campanha. aprofundada do problema, mesmo sob as
Aquele ano, 15% a mais de doações foram condições de um grupo de discussão. Po-
feitas para a associação, embora seu funda- rém, o debate poderia ter sido orientado
dor tivesse morrido recentemente. para essa questões.
Referências
Darras, B. New media and the new ways of designing the con- Mukamel, R., Ekstrom, A. D., Kaplan, J., Iacoboni, M.; Fried, I.
tent of visual education. The International Journal of Art Single-neuron responses in humans during execution and obser-
Education, vol. 8 n.2. Taiwan, 2010, p. 51-74. vation of actions. Current biology. v. 20. n. 8. 2010, p.750-756.
________. Images et études culturelles. Paris, Publications de Rizzolatti, G., Fadiga, L., Gallese, V.; Fogassi, L. Premotor cor-
la Sorbonne, 2008a. tex and the recognition of motor actions. Cognitive brain re-
________. Images et sémiologie. Paris: Publications de la Sor- search, v. 3 n.2, 1996, p. 131-141.
bonne, 2008b. Shapiro, R.; Heinich, N. When is Artification? Contemporary
________. Images et sémiotique. Paris: Publications de la Sor- Aesthetic. Disponível em: http://www.contempaesthetics.org/
bonne, 2006. newvolume/pages/article.php?articleID=639, 2012. Acesso em:
________. Au commencement était l’image. Paris: ESF, 1996. 8 jul. 2013.
Elkins, J. Visual studies: A skeptical introduction. Routledge, Uexküll, J. V. Les mondes animaux et monde humain, suivi de
2003. Théorie de la signification, Paris: Gonthier, 1934.