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Lamentar ou Ocupar?

Por Bruno Almeida | Historiador


almeida.online@yahoo.com.br

Minha mente fervilhava de ideias desde que recebi o convite para compor o quadro de
colunistas do PONTOCRÍTICO. Em meio a tantas questões pertinentes, escrever sobre o que?
Em uma manhã (que começou conturbada pelo caótico trânsito matinal da nossa capital),
após chegar atrasado, iniciei uma das várias aulas que ministraria ao longo daquele dia. Era uma
análise sobre as memórias da Cabanagem, em uma das turmas da 2ª série do Ensino Médio de
uma tradicional escola local. Ao mostrar uma fotografia do Memorial da Cabanagem, monumento
projetado na década de 1980 pelo renomado arquiteto brasileiro Oscar Niemeyer, fui surpreendido
pela pergunta de uma aluna: “Onde fica isso, Bruno?”.
O leitor que desconhece Belém não ficaria surpreso com tal pergunta. Mas à mim aquilo
soou tão absurdo! Como uma belenense desconhece aquela construção de 15 metros de altura
por 20 de comprimento, localizada ao longo da principal via de entrada e saída da cidade?!
Naquele momento me veio à mente a nossa absoluta incompetência em garantir aos nossos
jovens um direito fundamental previsto na Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 e
devidamente normatizado no artigo 215 da Constituição Federal de 1988: “o pleno exercício dos
direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional”.
O historiador francês Pierre Nora já atentava para o seguinte fato:

Em todo o mundo, estamos experimentando a


emergência da memória [...]. Durante os últimos vinte a
vinte e cinco anos, todos os países, todos os grupos
sociais e étnicos, passaram por uma profunda mudança,
mesmo uma revolução, no relacionamento tradicional que
tem mantido com seu passado. Essa mudança tem
adotado múltiplas e diferentes formas, dependendo de
cada caso individual: uma crítica das versões oficiais da
História; a recuperação dos traços de um passado que foi
obliterado ou confiscado; o culto às raízes, ondas
comemorativas de sentimento; conflitos envolvendo
lugares ou monumentos simbólicos; uma proliferação de
museus; aumento da sensibilidade relativa à restrição de
acesso ou à exploração de arquivos; uma renovação do
apego àquilo que em inglês é chamado de heritage e em
francês patrimoine; a regulamentação judicial do
passado. Qualquer que seja a combinação desses
elementos, é como uma onda de recordação que se
espalhou através do mundo [...].
(NORA, 2009, p. 6).

No entanto, Belém parece estar na contramão do que se constata no mundo


contemporâneo, onde e quando os homens de todas as nacionalidades do ocidente encontram-se
seduzidos pela memória e pelo exercício de sua cidadania cultural.
No dia 7 de janeiro do corrente completaram-se exatos 30 anos da inauguração do
Memorial da Cabanagem e desde aqueles festejos cívicos de exaltação da memória Cabana, que
marcaram as comemorações do sesquicentenário (150 anos) do movimento, muitos significados
foram atribuídos à identidade Cabana. No entanto as efemérides passam em branco ao largo da
possibilidade de que jovens como minha aluna possam gozar plenamente do seu direito à
memória, fato que só constata o nosso completo descaso.
Agravando nossa falta coletiva temos o verdadeiro atentado ao exercício pleno da cidadania
perpetrado pelo poder público. É desesperador verificar que, a despeito do que determina a
Constituição Federal, o Estado não só negligencia seu papel como agente de salvaguarda do
patrimônio cultural, como cria evidentes entraves ao livre acesso do espaço que abriga o
monumento em questão. As obras do complexo viário do Entroncamento, além de sua completa
inépcia em termos de Engenharia de Tráfego, inviabilizaram não só o acesso visual, como físico ao
monumento e parece não existir expectativa de solução para esse problema, visto que os poderes
públicos municipal e estadual parecem não possuir uma política pública voltada para a cultura em
seus programas de governo.
O monumento erigido ao custo de Cr$ 950 milhões conta com uma lâmina de concreto, que
segundo seu idealizador representa a ascensão do povo ao poder interrompida de forma abrupta,
e com uma cripta-museu que atendia ao propósito de abrigar os restos mortais dos líderes
cabanos. Era aberto a visitações, mas desde a década de 1990 não se presta mais a este fim
tendo passado a ser alvo de vandalismo e descaso do poder público local.
Em matéria datada de 06 de dezembro de 2012 o portal G1 denunciou o empurra-empurra
de responsabilidades entre o Governo do Estado e a Prefeitura Municipal
(http://g1.globo.com/pa/para/noticia/2012/12/monumento-de-oscar-niemeyer-em-belem-esta-
abandonado.html) e desde então o descaso criminoso prossegue privando as gerações mais
jovens do acesso à esta memória.
Para a coordenadora do Laboratório de Memória e Patrimônio Cultural da UFPA, Cibele
Miranda “urbanisticamente, ele está apagado, porque a visibilidade está sendo cada vez mais
sufocada com a construção de elevados e passarelas naquele entorno. Ao mesmo tempo, o
Memorial perdeu sua função porque não se presta mais à visitação, já que não há mais nada lá.
Ele acaba por desaparecer no imaginário da população”.

Fonte: http://www.niemeyer.org.br/obra/pro265. Esboço do projeto do Memorial da Cabanagem,


por Oscar Niemeyer. Lê-se: “O monumento representa a luta heroica da Cabanagem aniquilada
pelas forças da reação, mas ainda de pé na memória do nosso povo.”

A leitura analítica da Constituição Federal de 1988 permite a percepção de alguns princípios


básicos na política patrimonial, entre os quais a pluralidade de agentes e instrumentos na
produção e preservação do patrimônio cultural brasileiro. Assim sendo, a negligência do poder
público não isenta o cidadão do dever e direito de tomar medidas de salvaguarda. Portanto,
convido você, leitor, a responder a pergunta-título e, no caso de optar por não se acomodar,
juntar-se a nós na defesa do patrimônio cultural, visto que o poder público negligencia, de forma
criminosa, seu papel. Não podemos nos dar ao luxo de fazermos o mesmo.

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