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Não é novidade para ninguém que a imprensa manipula informações das mais variadas

maneiras. Mas essa manipulação nem sempre ocorre através da distorção de fatos ou pela
inserção de dados não verdadeiros. Uma das estratégias mais comuns e menos detectáveis
ocorre através da omissão proposital de informações, assim como pela escolha do que os
leitores/espectadores/ouvintes devem saber.

Neste trabalho, iremos abordar duas teorias que dizem respeito à essa estratégia: a teoria do
agendamento e a teoria do Gatekeeper, aplicando-as na crise dos Yanomami, que ocorreu nos
meses de janeiro e fevereiro de 2023. O objetivo é mostrar como a imprensa, através destes
recursos, abandona certos casos antes que eles terminem – ou porque a audiência diminui ou
porque o interesse dos donos jornais sobre determinados assuntos muda.

A prova maior disso é uma fala do líder índigena Davi Kopenawa – dois meses após o caso
explodir na mídia.

“Os meus parentes que moram perto do rio Orinoco afirmaram que os garimpeiros estão lá
escondido. Não saíram todos ainda, foram para outro lugar, na cabeceira do rio Catrimani e na
parte de cima do Rio Surucu. Os garimpeiros estão trabalhando escondido nesses lugares. Eles
estão acostumados a trabalhar escondidos.”

Nesse momento, as notícias sobre o território Yanomami haviam reduzido drasticamente. Na


Folha de São Paulo, havia apenas uma nota dizendo que o governo federal buscava índigenas
para incluí-los no cadastro do Bolsa Família. No jornal Estado de São Paulo não havia nada
sobre garimpeiros, assim como no jornal da record. Onde mais se encontrava informações do
assunto era no portal G1, da rede Globo, mas nenhuma das matérias escritas era destaque. Ou
seja, de um modo geral, a crise dos Yanomami havia saído de pauta, ainda que ela continuasse
existindo.

A crise toma destaque na grande mídia a partir do dia 20 de janeiro de 2023, quando grande
parte dos jornais ainda se empenhava em entender os atos antidemocráticos do dia 8 de
janeiro. A agência de noticias Sumaúma, especializada em cobrir a região amazônica e conflitos
entre garimpeiros e indígenas, afirmava que mais de 570 crianças Yanomamis haviam morrido
durante os 4 anos do governo Bolsonaro. A manchete era estarrecedora: “Não estamos
conseguindo contar os corpos”.

Era uma reportagem escrita por três jornalistas: Ana Maria Machado, Talita Bedinelli e Eliane
Brum. Elas expunham uma série de descalabros que vinham acontecendo com esses indígenas,
incluindo desnutrição, aumento de doenças, maus tratos e a falta de segurança. O texto era
acompanhado de imagens chocantes mostrando crianças esquálidas e idosos à beira da morte
– algo que lembrava algumas imagens do holocausto.

No dia seguinte, o Ministério da Saúde decretou situação de emergência na área. E, por XX


dias, aquilo foi o principal assunto dos jornais. Até mesmo veículo mais conversadores como o
Estado de São Paulo e a TV Bandeirantes – que mantém laços fortes com o agronegócio -, se
viam obrigados a noticiar os descalabros contra o povo indígena. Parecia que havia de fato um
interesse em “ajudar aquelas pessoas”. Foram produzidas reportagens especiais, opiniões
diversas foram tecidas por especialistas e até programas policiais, com a linha de combate,
enviou uma equipe para a região com intuito de registrar a crise do povo Yanomami. No
entanto, 15 dias depois, já não havia nada mais sobre o assunto – ou, como dissemos, ele era
tratado apenas por notas e reportagens secundárias. A impressão que isso causa no leitor é de
que a crise foi superada e agora podemos seguir para outra pauta.
No entanto, o que ocorre é simplesmente o ocultamente proposital destas pautas, por meio
de estratégias que não são conhecidas pelo grande público. Uma delas é a teoria do
agendamento, também chamada de agenda-setting, que afirma que os meios de comunicação
têm um poder de influenciar a importância que o público atribui para determinados tópicos.
Isso significa que é a imprensa que determina o que é notícia e o que não é. Se não está nos
jornais, não existe.

Existem duas maneiras principais de se fazer isso – pelo agendamento de atributos e pelo
agendamento de saliência. O primeiro diz respeito ao “como” o público vê determinado
assunto. Por exemplo, no caso dos Yanomamis, a narrativa contada era a de que o governo
anterior havia abandonado os índios que agora precisavam dar um jeito de sobreviver numa
floresta hostil, sem recursos e na presença de garimpeiros cruéis e malvados. Pouca gente
comentava o fato desses garimpeiros serem tão miseráveis quanto os indígenas e trabalharem
ilegalmente justamente pela falta de oportunidades na vida. Fora isso, ninguém comenta os
reflexos do capitalismo no meio-ambiente, sobre como a superexploração e o progresso
desenfreado são responsáveis pela crise humanitária de povos indígenas e pela destruição da
floresta. Para a imprensa, de um modo geral, é sempre uma questão de moralidade, de
mocinhos contra bandidos.

A segunda maneira de aplicar a teoria do agendamento seria através da quantidade de notícias


produzidas sobre determinado assunto, o critério da saliência. Se todos os jornais começarem
a falar do desaparecimento de um cãozinho no aeroporto de Guarulhos as pessoas
naturalmente pensarão que isso é algo da mais extrema relevância. Os articulistas, com sua
habilidade retórica, poderão inclusive formular teses sobre o descaso contra animais e a baixa
segurança do sistema aeroviário brasileiro. Isso pode ser muito útil quando há uma pauta a ser
votada no congresso sobre determinado assunto que seja interesse dos donos de veículos de
comunicação.

Entretanto, no Brasil, inúmeros acontecimentos diários não são reportados, geralmente sobre
a população mais pobre. Despejos, assassinatos de lideres comunitários, operações de
reintegração de posse, etc... Isso por que, os jornais são feitos com foco na classe média – até
porque, quem trabalha nas redações são justamente as pessoas desse setor da sociedade.

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