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Universidade do Estado do Rio de Janeiro

Centro de Educação e Humanidades


Faculdade de Formação de Professores

Ana Carolina da Silva Andrade

A invisibilidade das mulheres negras nos livros didáticos de


História: desafios para uma pedagogia decolonial

São Gonçalo
2021
Ana Carolina da Silva Andrade

A invisibilidade das mulheres negras nos livros didáticos de História: desafios


para uma pedagogia decolonial

Dissertação apresentada, como


requisito parcial para obtenção do
título de Mestre, ao Programa de Pós-
Graduação em Ensino de História,
Curso de Mestrado Profissional em
Rede Nacional PROFHISTORIA, da
Universidade do Estado do Rio de
Janeiro.

Orientadora: Profª. Dra. Helena Maria Marques Araújo

São Gonçalo
2021
CATALOGAÇÃO NA FONTE
UERJ/REDE SIRIUS/CEHD

A553 Andrade, Ana Carolina da Silva.


A invisibilidade das mulheres negras nos livros didáticos de
História: desafios para uma pedagogia decolonial / Ana Carolina da
Silva Andrade. – 2021.
124f.

Orientadora: Profª. Dra. Helena Maria Marques Araújo.


Dissertação (Mestrado Profissional em Rede Nacional
PROFHISTÓRIA) – Universidade do Estado do Rio de Janeiro,
Faculdade de Formação de Professores.

1. História – Estudo e ensino – Teses. 2. Negras – Teses. 3. Livros


didáticos – Teses. I. Araújo, Helena Maria Marques. II. Universidade do
Estado do Rio de Janeiro. Faculdade de Formação de Professores. III.
Título.

CRB7 - 4994 CDU 93(07)

Autorizo apenas para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou parcial


desta dissertação, desde que citada a fonte.

_________________________________ ___________________
Assinatura Data
Ana Carolina da Silva Andrade

A invisibilidade das mulheres negras nos livros didáticos de História: desafios


para uma pedagogia decolonial

Dissertação apresentada, como


requisito parcial para obtenção do
título de Mestre, ao Programa de Pós-
Graduação em Ensino de História,
Curso de Mestrado Profissional em
Rede Nacional PROFHISTORIA, da
Universidade do Estado do Rio de
Janeiro.

Aprovada em 29 de novembro de 2021.

Banca Examinadora:

_____________________________________________
Profª. Dra. Helena Maria Marques Araújo
Faculdade de Formação de Professores – UERJ

_____________________________________________
Prof. Dr. Daniel Pinha Silva
Faculdade de Formação de Professores – UERJ

_____________________________________________
Profª. Dra. Claudia Miranda
Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro

São Gonçalo
2021
DEDICATÓRIA

Dedico a Helena, minha menina que todos os dias me ensina algo diferente.
AGRADECIMENTOS

Ao meu companheiro Eduardo que divide os sorrisos nos bons momentos e é


meu apoio nos momentos de insegurança e angústia, obrigada por me mostrar
tantas vezes que eu sou capaz.
A Fernanda e Regina, mãe e filha que me acompanham dentro e fora do
Profhistória. Sem essas duas mulheres negras, essa dissertação não teria sido
possível. Por serem meus braços direito e esquerdo, por serem minha rede de
apoio. Existe um ditado africano que diz que para educar uma criança é necessária
uma aldeia inteira, nossa aldeia é pequena, porém indispensável.
A Neidemar, amiga que divide os sonhos e preocupações do magistério e que
sempre me acalma e aconselha com sua experiência acadêmica.
À equipe do Ciep 309 Zuzu Angel, sempre disposta a ajudar, em especial às
queridas Isabel e Solange, sempre preocupadas com o andamento da pesquisa.
Aos professores do ProfHistória que me reaproximaram da vida acadêmica
após sete anos da conclusão da graduação.
À querida Helena Araújo com sua maravilhosa orientação. Devo dizer que
Helena, além do papel de orientadora, ocupa o papel de amiga na vida de seus
orientandos. Sua orientação é regada de delicadeza, humildade e empatia. Obrigada
pela sua escuta atenta e carinhosa e por entender as minhas demandas como mãe
e professora.
À minha pequena Helena, que com apenas 4 aninhos, entendia minhas
ausências nos passeios e nas idas ao parquinho, entendia quando era dia da
mamãe “trabalhar” no computador.
Por último, agradeço a todos os meus ex-alunos e alunos, essa dissertação
partiu de vocês e foi concluída para vocês.
RESUMO

ANDRADE, Ana Carolina da Silva. A invisibilidade das mulheres negras nos livros
didáticos de História: desafios para uma pedagogia decolonial. 2021. 124 f.
Dissertação (Mestrado Profissional em Rede Nacional PROFHISTORIA) –
Faculdade de Formação de Professores, Universidade do Estado do Rio de Janeiro,
São Gonçalo, 2021.

Esta pesquisa visa comprovar e cartografar a invisibilidade das mulheres


negras nos livros didáticos de História através da análise quali-quanti (qualitativa-
quantitativa) dos livros didáticos da coleção Oficina de História dos autores Flávio de
Campos, Julio Pimentel e Regina Claro. Esta é destinada às três séries do Ensino
Médio e foi e ainda é adotada na rede educacional estadual do Rio de Janeiro de
2018 a 2021. A pesquisa teve como referencial teórico o Pensamento Decolonial
para, a partir dessa epistemologia, discutir como e porque as mulheres negras são
invisibilizadas e silenciadas nos materiais didáticos. Comprovamos que mesmo após
18 anos da promulgação da Lei 10.639/03 - que torna obrigatório o estudo de
História da África e cultura afro-brasileira -, a história das mulheres negras ainda é
silenciada em detrimento, principalmente, da história das mulheres brancas, mas
também, das narrativas dos homens negros, contribuindo não só para a
desigualdade racial, como para a desigualdade de gênero. Como proposta para
contribuir com uma educação antirracista, plural, decolonial e intercultural crítica
produzimos um Caderno Pedagógico - que tem o objetivo de auxiliar os professores
a mostrarem o protagonismo das mulheres negras, na maioria silenciadas nas obras
didáticas, na História narrada na sala de aula e na sociedade em geral.

Palavras-chave: Ensino de História. Livro Didático. Decolonialidade. Mulheres


Negras.
ABSTRACT

ANDRADE, Ana Carolina da Silva. The invisibility of black women in History


textbooks: challenges for a decolonial pedagogy. 2021. 124 f. Dissertação (Mestrado
Profissional em Rede Nacional PROFHISTORIA) – Faculdade de Formação de
Professores, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, São Gonçalo, 2021.

This research aims to prove and map the invisibility of black women in
history textbooks through the quali-quanti (qualitative-quantitative) analysis of
textbooks from the Oficina de História collection by authors Flávio de Campos, Julio
Pimentel and Regina Claro. This is intended for the three grades of high school and
was and still is adopted in the state school system of Rio de Janeiro from 2018 to
2021. The research had Decolonial Thought as a theoretical framework to, from this
epistemology, discuss how and why black women are made invisible and silenced in
teaching materials. We prove that even 18 years after the enactment of Law
10.639/03 - which makes the study of the History of Africa and Afro-Brazilian culture
mandatory -, the history of black women is still silenced, mainly to the detriment of
the history of white women, but also, from the narratives of black men, contributing
not only to racial inequality, but also to gender inequality. As a proposal to contribute
to an anti-racist, plural, decolonial and critical intercultural education, we produced a
Pedagogical Notebook - which aims to help teachers show the protagonism of black
women, mostly silenced in didactic works, in the History narrated in the classroom
and in society in general.

keywords: History Teaching. Textbook. Decoloniality. Black Women.


SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .................................................................................... 9

1 PENSAMENTO DECOLONIAL, COLONIALIDADE E A MULHER


NEGRA ............................................................................................... 21
1.1 Pensamento decolonial: uma breve conceituação ........................ 21

1.2 Colonialismo e colonização ............................................................. 22

1.3 O pensamento decolonial como novo horizonte educacional ..... 24

1.4 Interculturalidade e pedagogia decolonial ..................................... 27

1.5 As mulheres negras e a História narrada na sala de aula ............. 31

1.6 Classe, raça e gênero: avenidas que precisam se cruzar ............. 34

1.7 A desigualdade de gênero na sala de aula ..................................... 36

2 O LIVRO DIDÁTICO DE HISTÓRIA, SEUS USOS E ANÁLISES: A 40


AUSÊNCIA DAS MULHERES NEGRAS NAS NARRATIVAS ..........
2.1 O Plano Nacional do Livro e do Material Didático e sua
importância para uma educação democrática ............................... 41
2.2 A representação do negro no livro didático de História .............. 45

2.3 Livro didático, conhecimento histórico escolar e


interculturalidade crítica ................................................................... 47
2.4 Coleção Oficina de História: objeto de análise .............................. 52

2.4.1 Oficina de História 1 (1° série do Ensino Médio) ............................... 53

2.4.2 Oficina de História 2 (2° série do Ensino Médio) ............................... 56

2.4.3 Oficina de História 3 (3° série do Ensino Médio) ................................ 65

3 TIRANDO AS MULHERES NEGRAS DA SUBALTERNIDADE ........ 75

3.1 A reforma do Ensino Médio e as mudanças nos livros didáticos


para esse segmento .......................................................................... 75
3.2 Produto final: caderno pedagógico ................................................. 79
3.3 Sequência didática ........................................................................... 83

CONCLUSÃO ..................................................................................... 90

REFERÊNCIAS ................................................................................... 95

ANEXO A – Capa do livro As lendas de Dandara da autora Jarid


Arraes ............................................................................................... 100
ANEXO B – Capa do livro Heroínas Negras Brasileiras: em 15
cordéis ............................................................................................... 101
ANEXO C – Caderno Pedagógico ...................................................... 102
9

INTRODUÇÃO

A pesquisa tem como objeto a invisibilidade das mulheres negras nos livros
didáticos da coleção Oficina de História 1 dos autores Flavio de Campos, Julio
Pimentel Pinto e Regina Claro. A coleção foi uma das opções do PNLD (Plano
Nacional do Livro e do Material Didático) para o Ensino Médio da rede estadual do
Rio de Janeiro para ser utilizada do ano de 2018 ao ano de 2021 2.
Toda essa temática me envolve profissionalmente, mas também
pessoalmente, pois sou filha de mãe branca e pai negro, fui criada sem ouvir
nenhuma referência positiva à minha cor. Pelo contrário, cresci ouvindo frases do
tipo “a pele é escura, mas os traços do rosto são finos como os da família da mãe”
ou “esse cabelo ruim herdou da família do pai” – o que sem dúvida me fez começar
a alisar os cabelos na primeira oportunidade. Na família da minha mãe via mulheres
chegando ao ensino superior, na família do meu pai via as mulheres se dedicando
aos trabalhos domésticos. Relembrei também que a professora que me inspirou a
escolher minha profissão foi uma professora negra e que ela era a única mulher
negra do meu convívio que não ocupava uma função considerada socialmente
desqualificada. Lembro-me de como ela era linda, como sua voz era forte e como
era afetuosa com todos os alunos. Por curiosidade não era professora de História e
sim, de Língua Portuguesa e Literatura.
Sempre fui aluna de escola pública, nutria um grande respeito e admiração
por todos os meus professores, mas nunca tive o objetivo, muito menos o sonho de
ser professora, costumo dizer que a vida me levou até o magistério. Foi no ano do
vestibular que comecei a cogitar a possibilidade de trabalhar com Educação, em
2006 iniciei a licenciatura em História na UERJ-FFP (Faculdade de Formação de
Professores) e foi lá que a vontade de ser professora se tornou algo concreto em
minha vida. Ainda durante a graduação dei aula em pré-vestibulares comunitários,
no fim da graduação comecei a trabalhar em uma escola privada de Niterói, cidade
da região metropolitana do estado do Rio de Janeiro, que atendia à classe média

1
CAMPOS, Flavio de; PINTO, Julio Pimentel; CLARO, Regina. Oficina de História. São Paulo: Leya,
2. ed., 2016.
2
Cada ciclo do PNLD tem a duração de três anos, a coleção didática analisada foi utilizada por quatro
anos devido a pandemia do vírus Covid-19.
10

baixa do bairro, era uma escola com pouca estrutura e pouco apoio da equipe
diretiva, eu ia para receber meu salário e os alunos iam para receber o diploma. Em
2014, já com a graduação concluída, passei no concurso da SEEDUC/RJ, em 2015
fui convocada e passei a lecionar no CIEP 309 Zuzu Angel, que fica situado em São
Gonçalo, cidade da região metropolitana do Rio de Janeiro. O CIEP Zuzu Angel
conta com muitos dos problemas da rede estadual do Rio de Janeiro, mas é uma
escola com uma estrutura razoável, uma equipe diretiva e pedagógica aberta à
construção coletiva. Foi no CIEP que eu realmente me senti professora, foi lá que
que eu passei a ser uma educadora que construía o conhecimento junto dos seus
alunos e não apenas repassava conteúdo.
O CIEP Zuzu Angel fica em uma área carente de São Gonçalo, a escola é
rodeada por comunidades. Trabalho com meninas e meninos de todas as cores,
mas na grande maioria negros, muitos em situação de vulnerabilidade, esses alunos
tem sua autoestima abalada por todas as dificuldades que passam, a escola deveria
ser o local onde essa autoestima é trabalhada e elevada, mas na correria do dia a
dia, na necessidade de ter muitas turmas para complementar o salário
extremamente defasado e na cobrança de dar conta do currículo, nós professores
acabamos focando mais no conteúdo e menos a construção da identidade dos
nossos alunos.
A proposta da pesquisa surgiu a partir da observação de que a participação
da mulher negra nos processos históricos é silenciada nos livros didáticos ou
aparece apenas em boxes deslocados dos conteúdos dos capítulos. É de amplo
conhecimento que ao longo da história as mulheres foram impedidas de ter uma
participação ativa na sociedade, mas quando alguma mulher transgredia o seu
tempo e conquistava algum avanço, ela era e ainda é invisibilizada na maioria das
vezes. Além disso, pode ser constatada a falta de representatividade dos povos
negros enquanto produtores de histórias e culturas nos currículos escolares. Isto
ainda não está superado nos livros didáticos, apesar de existirem avanços
significativos, essa lacuna interfere negativamente, sobremaneira, na constituição de
memórias para o empoderamento identitário, especialmente por parte dos alunos
afrodescendentes, logo comprometendo a construção de suas identidades,
principalmente étnico-raciais.
Negros e negras, quando representados na bibliografia didática, estão quase
sempre expostos sob o olhar eurocêntrico, trazendo as memórias e narrativas
11

históricas do colonizador que determina aos mesmos um lugar prioritariamente


subalternizado. Dessa forma, com conhecimentos e culturas negras sendo
subalternizados ao longo do tempo, torna-se muito difícil que nossos jovens negros
se identifiquem e sintam que fazem parte dessas culturas. A respeito da construção
da identidade concordamos com Josiane Nazaré Peçanha de Souza quando afirma
que a mesma é:

tecida através de um processo de constituição social de cada sujeito. Nos


incita a compreender como sendo um processo contínuo de afirmação da
individualidade que se constituiu biológica e socialmente, contextualizando o
seu corpo num meio sociocultural, que o reconhece como ser humano e
sociocultural. A identidade é o cruzamento do que entendemos de nós
mesmos e do que entendemos de como os outros nos enxergam. Esse
processo é dinâmico, dialético e dialógico e desemboca na construção
paulatina da personalidade, no decorrer da vida do indivíduo. (SOUZA,
2018, p.46).

De acordo com Muniz Sodré (1999), a identidade é constituída ao longo da


vida e da convivência junto com o(s) outro(s). E é dessa relação com o(s) outro(s),
ao pensar sobre quem é e de onde veio, ao rememorar sua história, memórias e
feitos históricos ao grupo do qual faz parte, que se proporciona a constituição da
identidade do sujeito, inclusive coletiva, o que lhe confere um sentimento de
pertencimento de grupo. Dessa forma é necessário que meninos e meninas
afrodescendentes tenham conhecimento sobre quem são e sobre suas memórias
para que possam construir sua identidade de forma plena. Sendo assim, os
materiais didáticos também têm um papel extremamente importante na construção
dessa identidade, pois tem o poder de positivar ou negativar esse processo.
Portanto, nossos alunos e alunas formam conjuntos de representações em
seus imaginários que são moldadas em todos os meios sociais onde convivem,
inclusive na escola. Logo, nós professores também contribuímos para a formação
dessas representações. A forma como um professor se posiciona em relação a
determinados temas, como a história dos negros, o respeito às diversas culturas e
religiões, dentre outros, é extremamente importante para que os alunos e alunas
construam suas representações livres de estereótipos ou não. Uma educação
preocupada com a construção social e identitária dos alunos e alunas precisa partir
das representações que esses meninos e meninas carregam para daí problematizá-
las e reconstruí-las. Podemos afirmar que esse é um dos maiores desafios de um
professor em sala de aula no que se refere ao ensino em geral e especificamente ao
12

ensino de história da África, pois nossos estudantes chegam com construções


sociais marcadas por preconceitos que são reforçados principalmente pela mídia
quando retrata negros e negras, quase sempre, como pessoas inferiorizadas. Por
isso, a forma com que o professor aborda a temática racial é muito importante para
promover uma desconstrução social.
Comecei a pensar em quantas vezes meus alunos e alunas viram mulheres
negras em lugar de destaque, quantos professores negros tiverem ao longo da vida
escolar, quantas vezes viram pessoas negras ocupando lugares que lhes são
negados. Desse momento em diante ficou claro que eu precisava me mover como
educadora, fazer com que minha prática docente minimizasse essa falta de
representatividade e levar para os meus alunos uma educação transgressora, que
questionasse os papéis preestabelecidos e hegemônicos, uma educação na
perspectiva antirracista e de gênero.
Após essa inquietação foquei meu olhar para o livro didático, pois esse
material é, na grande maioria das vezes, o único livro que os estudantes entram em
contato durante o ensino básico, além de ser o principal material didático que o
professor da escola pública pode contar. Logo, ele tem o poder de reforçar ou anular
relações de poder, estereótipos e preconceitos. Muitas vezes os alunos e alunas não
têm sequer uma pessoa negra do seu convívio que tenha alcançado ascensão
social, principalmente aqueles que vivem em áreas mais carentes de atuação do
poder público. Desse modo há a necessidade de combater a reprodução de todos os
valores racistas e excludentes que possam estar presentes na educação formal e
não formal.
O tema da pesquisa se baseia na observação de que os livros didáticos de
História da coleção Oficina de História dos autores Flavio de Campos, Julio Pimentel
e Regina Claro, destinados ao Ensino Médio, aprovados pelo PNLD de 2018 e
distribuídos na escola em que leciono, o Ciep 309 Zuzu Angel, promovem um
silenciamento em relação à participação da mulher negra nos processos históricos
ou reservam diminutos espaços deslocados dos capítulos para narrar essa
contribuição. A escolha desse Ciep foi motivada por ser a escola em que leciono, o
que viabilizaria o andamento da pesquisa.
Será de nosso interesse pensar a imagem feminina como conteúdo que nos
propicie uma leitura dessas mulheres enquanto sujeitos históricos a partir da sua
representação nos livros didáticos de História do Ensino Médio.
13

A observação de que as mulheres negras são silenciadas se deu durante o


processo de elaboração do trabalho da feira cultural que meus alunos participaram
no ano de 2018, cujo tema foi “Grandes Mulheres”. Como mulher negra, professora
de meninas, na sua grande maioria negras, decidi em conjunto com os alunos e
alunas que nossa “grande mulher” seria uma mulher negra. Após essa decisão
surgiu o questionamento, quem seria essa mulher. Meus alunos não tinham uma
representatividade feminina, muito menos negra e o livro didático corroborava com
essa ausência. Diante desse quadro apresentei aos meninos e meninas a imagem
de Dandara dos Palmares - esposa de Zumbi que, como ele, também lutou com
armas pela libertação total de negras e negros escravizados no Brasil.
A imagem de Dandara dos Palmares foi trabalhada através do livro As lendas
de Dandara- 3cuja capa está como anexo da dissertação - da escritora Jarid Arraes
(mulher negra do sertão do Cariri). Para escrever seu livro, a autora trouxe
elementos de ficção e valorizou as religiões de matriz africana, fazendo com que
Iansã fosse a responsável pela criação de Dandara, já que não se sabe ao certo
onde ela nasceu e como foi parar em Palmares. Em 10 contos, Jarid Arraes mostra
uma mulher forte e guerreira, trazendo uma narrativa lendária e mágica. Vale
ressaltar que a ousadia de trabalhar um livro que apresentasse qualquer menção às
religiões de matriz africana me trouxe algumas tensões. Alguns alunos e alunas se
recusaram a ler o livro por se tratar de “macumba”, outros afirmaram que foram
proibidos de ler a obra pelos pais porque ela tratava-se de um livro que falava do
diabo.
O Brasil vive até hoje sob um grande racismo estrutural que durante muito
tempo não foi debatido. Essa forma de racismo tende a ser muito perigosa, pois se
trata de um conjunto de práticas, falas, situações que promovem direta ou
indiretamente a segregação e o preconceito racial. Demonizar religiões de matriz
africana sem ao menos conhecê-las é uma das consequências do racismo
estrutural, que tem gerado uma série de atos de intolerância religiosa que vão desde
a destruição de templos religiosos a ataques violentos a pessoas que estejam
professando sua religião, ou seja, a isto chamamos racismo religioso. De acordo
com o jornal virtual Maré de Notícias Online, em 2017 o Rio de Janeiro ficou em
primeiro lugar no ranking de denúncias contra intolerância religiosa. Entre as

3
ARRAES, Jarid. As Lendas de Dandara. 2015, uma obra independente de Jarid Arraes.
aslendasdedandara.com.br
14

religiões que sofreram mais ataques estão: Candomblé (11), religiões de matrizes
africanas (14), Umbanda (8), Espírita (8) e não informada (21).
Essas tensões e atitudes de intolerância já mostram como é grande a
necessidade de uma educação antirracista, que sirva como instrumento para
desconstruir estereótipos e preconceitos. Apesar dos problemas enfrentados, o
trabalho com os estudantes seguiu o rumo desejado e tivemos nossa mulher negra
como protagonista da História.
A partir desse momento de inquietude trazido pela feira cultural realizada no
Ciep 309 Zuzu Angel passei a ver o livro didático com outros olhos, passei a
relembrar minha trajetória como estudante onde em nenhum momento me foi
apresentada uma mulher negra como mulher histórica. Repensei minha prática
pedagógica, onde só me dei conta de que também silenciava as mulheres negras
quando fui colocada à frente do desafio de escolher uma.
Sendo assim, o foco principal da pesquisa recai sobre a análise do livro
didático da última coleção do PNLD que foi escolhido pelos professores do Ciep 309
Zuzu Angel para ser usado pelas turmas dos três anos do Ensino Médio. A coleção
utilizada para a análise será a Oficina de História dos autores Flavio de Campos,
Julio Pimentel e Regina Claro, como já afirmamos anteriormente.
A pesquisa se dará a fim de fazer uma investigação a respeito da
invisibilidade da mulher negra nos materiais didáticos citados, as obras analisadas
serão as reservadas aos três anos do Ensino Médio do ano de 2018 ao ano de 2021
do Ciep Zuzu Angel. A escolha do livro didático utilizado nas escolas estaduais é
feita pelos docentes de cada disciplina a partir da lista de livros aprovados pelo
PNLD disponibilizada para a escola. Devo destacar que não participei dessa
escolha, pois ela foi feita no ano de 2017, ano em que eu estava de licença
maternidade. É fundamental ressaltar que o livro didático é carregado de
significados políticos e sociais e os professores imprimem suas opiniões no
momento da escolha do material que será utilizado em sua instituição de ensino.
Para ter um material que colabore para uma educação de qualidade, o professor
deve ser crítico no momento da escolha, deve se preocupar como o livro didático
trata os diferentes sujeitos da História.
O espaço escolar é um espaço rico em diversidade, onde diferentes sujeitos
se encontram e compartilham suas experiências de vida, porém a prática educativa,
assim como os materiais didáticos tendem a igualar esses sujeitos sem respeitar as
15

suas diferenças. Um livro didático que silencia mulheres, que subalterniza a luta dos
negros e negras colabora com esse processo de homogeneização dos alunos,
fazendo com que a prática pedagógica seja discriminatória. Os profissionais da
educação precisam ver no livro didático um coadjuvante para a desconstrução de
estereótipos e preconceitos. Nilma Lino Gomes defende que a prática pedagógica:

deve considerar a diversidade de classe, sexo, idade, raça, cultura, crenças,


presentes na vida da escola e pensar (e repensar) o currículo e os
conteúdos escolares a partir dessa realidade tão diversa. (...) (GOMES,
2001, p. 87.).

As discussões sobre o ensino de História da África e Cultura Afro-brasileira,


vem nos últimos anos ganhando espaço nos debates acadêmicos, grupos e
movimentos sociais no Brasil. Reflexo da necessidade de desmistificar, caracterizar
e difundir a cultura africana e afro-brasileira, a Lei 10.639 entrou em vigor no ano de
2003, alterando a Lei 9.394/96 que estabeleceu as Diretrizes e Bases da Educação
Nacional e incluindo no currículo oficial da rede de ensino, a obrigatoriedade do
ensino de História e cultura afro-brasileira. No ano de 2008 a Lei 11.645 alterou a Lei
10.639/2003, acrescentando também a obrigatoriedade do ensino da cultura
indígena.
A Lei 10.639/03 é o resultado de anos de luta de profissionais da educação e
ativistas do Movimento Negro e deve ser vista como uma continuidade das lutas e
resistências dos povos da África e dos africanos escravizados na América. Alguns
autores como Amílcar Araújo Pereira (2016) e Nilma Lino Gomes (2017) defendem
que o Movimento Negro tem o seu papel na educação. Para Pereira, o Movimento
Negro tem importância fundamental na área da educação, pois está disputando o
futuro das gerações já que a Lei 10.639/03 proporciona mudanças culturais em
escolas de todo o Brasil, levando professores e alunos, no mínimo, à
problematização do eurocentrismo tão presente nos currículos da educação
brasileira. Pereira diz ainda que a questão do ensino de História da África e da
cultura afro-brasileira sempre esteve presente na pauta do Movimento Negro devido
à luta contra o racismo (PEREIRA, 2016.).
Acompanhando o pensamento de Pereira, Nilma Lino Gomes afirma que o
Movimento Negro é educador porque é capaz de gerar conhecimento novo e de
caráter emancipatório, além de sistematizar os conhecimentos sobre a questão
16

racial no Brasil. Assim, segundo a autora, o Movimento Negro é produtor de


conhecimento, pois:

uma coisa é certa: se não fosse a luta do Movimento Negro, nas suas mais
diversas formas de expressão e organização – com todas as tensões, os
desafios e os limites -, muito do que o Brasil sabe atualmente sobre a
questão racial e africana, não teria sido apreendido. E muito do que hoje se
produz sobre a temática racial e africana, em uma perspectiva crítica e
emancipatória, não teria sido construído. E nem políticas de promoção da
igualdade racial teriam sido construídas e implementadas (GOMES, 2017,
p.10.).

Ainda sobre o Movimento Negro, Gomes o coloca como responsável por


muitas outras conquistas:

O Movimento Negro é, portanto, um ator coletivo e político, constituído por


um conjunto variado de grupos e entidades políticas (e também culturais)
distribuídos nas cinco regiões do país. Possui ambiguidades, vive disputas
internas e também constrói consensos, tais como: o resgate de um herói
negro, a saber, Zumbi dos Palmares; a fixação de uma data nacional, o dia
20 de novembro; a necessidade de criminalização do racismo [...], e o papel
da escola como instrumento reprodutor do racismo (GOMES, 2017, p. 27,
apud. SILVA JÚNIOR, 2007.).

O reconhecimento da História da África e da História dos Afrodescendentes,


impõe-se como a construção e a reconstituição de uma história violada e negada. A
ausência de estudos sobre a História da África e contribuição dos afrodescendentes
para a construção social pode ser considerada um dos maiores vazios do sistema
educacional brasileiro. Esse vazio acabou permitindo a formulação de hipóteses
carregadas de preconceito e desinformadas, criando uma série de ideias
equivocadas e reafirmando uma visão eurocêntrica acerca do nosso passado.
A luta por uma educação plural data de anos, pois a nossa Constituição de
1988 já reconhecia a pluralidade cultural dos povos formadores da sociedade
brasileira (indígenas, europeus, afro-brasileiros e de outros grupos). O Artigo 215 da
Constituição, na Seção II – da Cultura diz que:

“Art. 215. O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais
e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização
e difusão das manifestações culturais.
§1º O Estado protegerá as manifestações das culturas populares, indígenas
e afro-brasileiras, e das de outros grupos participantes do processo
civilizatório nacional.
§2º “a lei disporá sobre a fixação de datas comemorativas de alta
significação para os diferentes segmentos étnicos nacionais.” (Brasil,1988).
17

Ainda sobre a Constituição brasileira, no seu Artigo nº 242, Inciso 1º, prevê-se
o ensino da História do Brasil com as contribuições das diferentes etnias na
formação do povo brasileiro:

“Art. 242 - §1º O ensino da História do Brasil levará em conta as


contribuições das diferentes culturas e etnias para a formação do povo
brasileiro.” (Brasil, 1988)

Após a Constituição de 1988, um longo caminho ainda seria percorrido pelos


profissionais da educação e ativistas do Movimento Negro até que a Lei 10.639/03
fosse promulgada. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, nº 9.394/96
apresenta um avanço quando no seu Artigo 26, parágrafo 4º, propôs o conhecimento
e a valorização da cultura indígena e afro-brasileira, mais tarde este Artigo será
modificado com a Lei nº 10.639/03. Assim, o Artigo 26 determina que: ―O ensino de
História levará em conta as contribuições das diferentes culturas e etnias para a
formação do povo brasileiro, especialmente das matrizes indígena, africana e
europeia (LDB, 1996.).
Por outro lado, os Parâmetros Curriculares Nacionais, também se mostraram
como dispositivos legais que fomentaram a política educacional voltada para as
relações étnico raciais nas escolas. Os PCNs de História abordam o uso do diálogo
como forma de mediar conflitos e de tomar decisões coletivas; conhecer e valorizar a
pluralidade do patrimônio sociocultural brasileiro, bem como aspectos socioculturais
de outros povos e nações, posicionando-se contra qualquer discriminação baseada
em diferenças culturais, de classe social, de crenças, de sexo, de etnia ou outras
características individuais e sociais (VELOSO, 2012). Os PCNs trouxeram
abordagens diferentes do que se estava acostumado para o ensino de história. Até
então, a história era tratada como reprodução de fatos e acontecimentos, na maioria
das vezes exaltando heróis e vilões, os PCNs de 1997 sugeriram um ensino de
história que abordasse temáticas da história social e cultural dando aos professores
o espaço necessário para trabalhar as problemáticas do cotidiano.
Como já afirmamos, os avanços anteriormente apresentados foram resultados
de muita luta dos educadores e do movimento negro. Avanços esses foram
concretizados quando, em 1999, os deputados federais Ester Gross e Bem-Hur
Fonseca apresentaram ao Congresso Federal um projeto de lei que tornava
obrigatório o ensino de História da África e Cultura Afro-brasileira, esse projeto de lei
se tornaria, em janeiro de 2003, a Lei 10.639, que diz:
18

“Art. 1º A Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, passa a vigorar


acrescida dos seguintes arts. 26-A 79-A e 79-B: Art. 26-A. Nos
estabelecimentos de ensino fundamental e médio, oficiais e particulares,
torna-se obrigatório o ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira. § 1º O
conteúdo programático a que se refere o caput deste artigo incluirá o estudo
da História da África e dos Africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura
negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional, resgatando a
contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e política pertinente
à História do Brasil. § 2º Os conteúdos referentes à História e Cultura Afro-
Brasileira serão ministrados no âmbito de todo o currículo escolar, em
especial nas áreas de Educação Artística e de Literatura e História
Brasileiras. § 3º(VETADO) Art. 79-A. (VETADO) Art. 79-B. O calendário
escolar incluirá o dia 20 de novembro como „Dia Nacional da Consciência
Negra ‟. Art. 2º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação. Brasília,
nove de janeiro de 2003; 182º da Independência e 115º da República.”
(Brasil, 2003).

Anos mais tarde, em 2008, ocorreu uma pequena modificação na Lei Nº


10.639/03, ao ser sancionada a Lei nº 11.645/08 que assegura e determina, a
continuidade do ensino de história da África e dos afrodescendentes, e torna
obrigatório o ensino da história e da cultura Indígena na Educação Básica Nacional:

“Art. 1º O art. 26-A da Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, passa a


vigorar com a seguinte redação:
Art. 26-A. Nos estabelecimentos de ensino fundamental e de ensino médio,
públicos e privados, torna-se obrigatório o estudo da história e cultura afro-
brasileira e indígena.
§ 1º O conteúdo programático a que se refere este artigo incluirá diversos
aspectos da história e da cultura que caracterizam a formação da população
brasileira, a partir desses dois grupos étnicos, tais como o estudo da história
da África e dos africanos, a luta dos negros e dos povos indígenas no Brasil,
a cultura negra e indígena brasileira e o negro e o índio na formação da
sociedade nacional, resgatando as suas contribuições nas áreas social,
econômica e política, pertinentes à história do Brasil.
§ 2º Os conteúdos referentes à história e cultura afro-brasileira e dos povos
indígenas brasileiros serão ministrados no âmbito de todo o currículo
escolar, em especial nas áreas de educação artística e de literatura e
história brasileiras.
Art. 2º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
Brasília, 10 de março de 2008; 187º ano da Independência e 120º ano da
República.” (Brasil, 2008).

Passados 18 anos que a Lei 10.639/03 entrou em vigor, alterando a Lei


9.394/96 sobre as Diretrizes e Bases da Educação Nacional e incluindo no currículo
oficial da rede de ensino a obrigatoriedade do ensino de História e cultura afro-
brasileira, ainda é necessário estratégias que facilitem a efetiva implementação da
lei em sala de aula. Os professores precisam utilizar suas práticas de ensino como
ferramentas de intervenção social e analisar a formação do Brasil através de outras
chaves interpretativas. Ainda que os avanços da lei sejam reconhecidos, não
podemos ignorar as questões que dificultam a sua implementação. Nós, docentes,
19

tropeçamos em muitos obstáculos quando tentamos colocar o conteúdo da Lei


10639/03 e a Lei nº 11.645/08 em prática. Esses obstáculos vão desde o nosso
despreparo na graduação, passando por um currículo escolar declaradamente
eurocêntrico e chegando ao desinteresse do corpo escolar em apoiar práticas de
inclusão racial.
A vivência em sala de aula deixou explícito que existe uma barreira para tratar
o que alguns pensadores decoloniais chamam de “história outra”, ou seja, a História
que não é contada pelo viés monocultural, eurocêntrico, ocidental, cristão,
masculino, heterossexual, portanto, que traz outros protagonistas (CANDAU, 2015.).
A história que é ensinada na escola é, em geral, uma história branca, que não leva
em consideração o fato de a grande maioria dos alunos da rede pública ser negra
e/ou parda.
Dados divulgados pelo INEP (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas
Educacionais Anísio Teixeira), com base nos números coletados pelo censo escolar
da educação básica de 2018, indicam a população negra como a maioria das
matrículas, principalmente a partir dos anos finais do ensino fundamental, passando
pelo ensino médio e chegando ao EJA, onde representam mais de 72% dos
estudantes. A escola pública brasileira é majoritariamente afrodescendente, essa
história branca que é ensinada, na grande maioria das vezes não leva em
consideração os dados citados anteriormente, menos ainda outras chaves
interpretativas, acabando por criar um abismo na efetiva implementação da Lei
10.639/03 (OLIVEIRA, 2018.). Portanto, investigar a ausência e trazer essas
personagens negras como protagonistas da história é importante, não apenas para
alunos negros e negras, mas para o desenvolvimento de uma sociedade brasileira
menos desigual, potencializando o alcance de maior igualdade racial e justiça social
para todos os brasileiros. A educação para as relações étnico-raciais envolve a
todos e todas. A delimitação do tema em ressaltar a participação das mulheres
negras na História e sua representatividade nos livros didáticos de história, se dá a
partir da percepção de que as alunas, que são na grande maioria negras, não se
veem representadas nas aulas.
Partindo dessas reflexões temos como objetivo a construção de um Caderno
Pedagógico que auxilie os professores de História a inserirem a participação das
mulheres negras nas aulas de História, seja através de oficinas pedagógicas ou no
decorrer das aulas. A inserção das mulheres negras nas aulas de História tem como
20

intenção a construção de uma identidade negra e feminina, além de uma reparação


histórica pelos anos de silenciamento.
No primeiro capítulo da dissertação elaboramos um quadro teórico abordando
o conceito de pensamento e pedagogia decolonial, traçamos a diferença entre
colonialidade e colonialismo, defendemos também a necessidade de uma educação
intercultural crítica que apresente o protagonismo de todos os sujeitos da História.
Trouxemos também um debate sobre gênero e raça através da perspectiva da
interseccionalidade e sobre a desigualdade de gênero em sala de aula.
No segundo capítulo estabelecemos uma breve discussão sobre o que é e
qual a importância do PNLD mostrando o livro didático como capital cultural dos
alunos, além de discutirmos a importância do mesmo tanto para alunos, quanto para
professores. Discutimos os saberes que são mobilizados dentro e fora da escola e
como eles formam o conhecimento histórico escolar. Por último, trouxemos a análise
crítica da coleção didática Oficina de História dos autores Flavio Campos, Julio
Pimentel e Regina Claro, com o intuito de comprovar a invisibilidade das mulheres
negras no material didático analisado.
No terceiro e último capítulo falamos das dificuldades que a pandemia do
Covid-19 trouxe para a educação no estado do Rio de Janeiro, discutimos de que
forma a implementação do ensino remoto afetou nossa primeira proposta de
produto. Fizemos também uma breve análise sobre a reforma do Ensino Médio e
seu impacto nos livros didáticos, além de apresentar uma sequência didática e
debater nosso Caderno Pedagógico que consta em anexo.
Para finalizar, juntamente com a conclusão, apresentamos os anexos,
referências bibliográficas e o Caderno Pedagógico que apresenta as nossas
mulheres negras da História.
21

1 PENSAMENTO DECOLONIAL, COLONIALIDADE E A MULHER NEGRA

O presente capítulo tem como objetivo trazer uma breve explicação acerca de
alguns dos conceitos inerentes ao pensamento decolonial. Pretende também discutir
o lugar social da mulher negra, levando em consideração os graus hierárquicos que
a colonialidade impôs à sociedade brasileira. Também discutiremos o conceito de
interseccionalidade e sua relação com gênero.

1.1 Pensamento decolonial: uma breve conceituação

O pensamento decolonial representa uma série de formulações epistêmicas


que vêm sendo desenvolvidas desde o final do século XX por intelectuais latino-
americanos de diversas áreas de conhecimento. Nomes como Catherine Walsh
(2016), Walter Mignolo (2015), Ramón Grosfoguel (2009), Aníbal Quijano (2005),
Enrique Dussel (2005), entre outros se ocupam em estudar como o colonialismo, o
capitalismo e a modernidade fizeram com que determinados grupos sociais fossem
silenciados e subjugados intelectualmente e politicamente. Esses autores são
intitulados por Arturo Escobar (2003) como um grupo de pesquisadores
pertencentes à perspectiva teórica “Modernidade/Colonialidade”, já os estudiosos
brasileiros os intitularam como pensadores decoloniais.
Sabe-se que o pensamento decolonial tem sua origem em tempos mais
remotos, quando grupos étnicos - que viviam nos espaços geográficos do continente
americano ocupados pelo colonizador - reclamavam seu direito à alteridade e de
continuarem dentro de sua cultura. Esse direito não foi respeitado, levando esses
povos à luta e à resistência, o que fez com que seus conhecimentos e costumes
perdurassem até os nossos dias (MIGNOLO, 2015). O termo decolonial expressa, na
visão dos intelectuais citados anteriormente, a necessidade da produção de um
pensamento sob o ponto de vista dos subalternizados, a partir do Sul, assim como a
busca pela construção de um projeto teórico crítico em contraposição à perspectiva
hegemônica eurocêntrica em relação aos conhecimentos outros. Sabemos que o
pensamento decolonial pode contribuir para o rompimento da história única e a
22

denúncia da racialização estrutural das sociedades coloniais, modernas e


capitalistas, além de denunciar o eurocentrismo que se mostra danoso ao se impor a
outras formas de conhecimento.
Para os autores do grupo “Modernidade/Colonialidade” a modernidade se
constituiu sob o silenciamento dos sujeitos colonizados, o que fez com que o grupo
que estava no lado oposto, os colonizadores, tivessem suas teorias, seus
conhecimentos, seus valores e suas verdades encarados como únicos e universais
(Oliveira, 2018)
Aqui no Brasil temos autores como Vera Candau (2005, 2008, 2010, 2011,
2016), Claudia Miranda (2016), Luiz Fernandes de Oliveira (2018), Elison Paim e
Helena Araújo (2018), dentre outros que trabalham e produzem pesquisas nessa
perspectiva teórica. O pensamento decolonial pode significar a renovação do
pensamento crítico sob o ponto de vista dos povos e culturas que foram
invizibilizados ao longo da História por uma imposição etnocêntrica e colonizadora.

1.2 Colonialismo e colonização

Para chegarmos ao conceito de pensamento Decolonial, não podemos deixar


de falar sobre o colonialismo e colonização, que mesmo com o fim do sistema
colonial, ficou historicamente constituído. Sendo assim, a colonialidade persiste após
o fim do colonialismo enraizada nas estruturas sociais, políticas e econômicas,
sendo responsável por subalternizar também a cultura, as práticas e os saberes do
colonizado, inferiorizando tudo que não é produzido pelo branco europeu e/ou
descendentes. Boaventura de Sousa Santos no prefácio de seu livro Epistemologias
do Sul (2009) fala a respeito dos danos que o colonialismo trouxe aos
conhecimentos dos sujeitos colonizados. O autor mostra que o colonialismo foi
responsável por diminuir os conhecimentos dos povos colonizados afirmando que:

O colonialismo, para além de todas as dominações por que é conhecido, foi


também uma dominação epistemológica, uma relação extremamente
desigual de saber-poder que conduziu à supressão de muitas formas de
saber próprias dos povos e nações colonizados, relegando muitos outros
saberes para um espaço de subalternidade (SANTOS, 2009, p. 07).
23

Além disso, o processo de colonização trouxe consigo a ideia de raça para


justificar todos os tipos de dominação, como a de corpos, de mentes e de culturas. A
ideia de raça baseada em uma suposta superioridade biológica foi a base do
colonialismo e da modernidade. Aníbal Quijano (2005) afirma que os conquistadores
assumiram essa ideia como o principal elemento constitutivo das relações de
dominação que a conquista exigia. Essa ideia de raça passou também a determinar
o lugar social dentro do espaço geográfico dominado, europeus se autodeclaravam
superiores aos negros ou indígenas. Para Quijano:

raça converteu-se no primeiro critério fundamental para a distribuição da


população mundial nos níveis, lugares e papéis na estrutura de poder da
nova sociedade. Em outras palavras, no modo básico de classificação social
universal da população mundial. (2005, p. 118).

A própria utilização dos termos indígenas e negros pode ser vista como uma
herança colonial. Ao colonizarem a América, os europeus se deparam com muitos
povos, cada qual com sistemas políticos, organizacionais e culturais desenvolvidos.
Astecas, incas, maias, tupis, foram simplificados pelos europeus em uma identidade
única, a de indígenas. O mesmo aconteceu com os povos da África que sofreram a
diáspora, congos, zulus, iorubás, dentre outros, também foram simplificados a uma
única identidade, a de negros. Vale ressaltar que essa identidade foi e ainda é uma
identidade negativada (QUIJANO, 2005, p. 127).
O autor (2007) defende ainda que raça é um construto ideológico e social sem
qualquer relação com a estrutura biológica do ser humano, e está totalmente ligada
às relações de poder do capitalismo mundial, colonial/moderno, eurocentrado. Logo,
sobre raça, Quijano afirma:

[...] mostra-se profunda, perdurável e virtualmente universal, a admissão de


que raça é um fenômeno da biologia humana que tem implicações
necessárias na história natural da espécie e, em consequência, na história
das relações de poder entre as pessoas. Nisto se radica, sem dúvida, a
excepcional eficácia deste moderno instrumento de dominação social. Não
obstante, trata-se de um evidente constructo ideológico que não tem,
literalmente, nada a ver com nada na estrutura biológica da espécie humana
– e tudo a ver, por outro lado, com a história das relações de poder no
capitalismo mundial, colonial/moderno, eurocentrado (QUIJANO, 2007,
p.45).

À ideia de raça foi associada a divisão do trabalho, por conseguinte, é


estabelecida uma relação de poder. A colonialidade do poder, assim como a
24

colonialidade do saber e do ser, estabeleceu uma hierarquia racializada: brancos


(europeus), mestiços, que também são negativados e, apagando suas diferenças
históricas, culturais e linguísticas, “índios” e “negros”, estes últimos como identidades
comuns e negativas. Ou seja, uma hierarquização identitária, na qual os europeus
justificam a superioridade e a inferioridade, a humanização e desumanização, que
se manifesta através da negação e subalternização do ser.
Outra dimensão da colonialidade também é expressa através do saber. No
século XVIII, o pensamento iluminista consolida a perspectiva da Europa enquanto
símbolo da modernidade e da racionalidade. Nesse sentido, é legitimada e imposta
durante a colonização uma única forma de conhecimento que descarta e silencia
outras formas de saber alternativos ao projeto moderno eurocêntrico.

1.3 O pensamento decolonial como novo horizonte educacional

O padrão europeu de cultura e modernidade constituiu-se como o


hegemônico e continuou a ser após o fim do período de ocupação onde a
colonização europeia existiu, muitas vezes marginalizando e apagando as culturas
locais vindo a causar o que Santos (2009) chama de epistemicídio, que é a
destruição de formas de conhecimento e culturas que não são assimiladas pelo
Ocidente branco. Ao denunciar o epistemicídio provocado pelos colonizadores,
Santos reivindica a história que é contada pelos vencidos, representados pelos
negros, mulheres, indígenas. Quijano (2005) afirma ainda que os colonizadores
reprimiram como puderam as formas de produção de conhecimento dos sujeitos
colonizados, seu universo simbólico e seus padrões de produção de sentidos, além
de forçar os colonizados a aprenderem integralmente ou mesmo que parcialmente a
cultura dos colonizadores até o ponto em que fosse útil aos últimos.
Outro termo que trata do silenciamento do conhecimento dos subalternizados
é o “racismo epistêmico” (OLIVEIRA, 2018), que é a negação da faculdade cognitiva
dos sujeitos racializados. Dessa forma, negros e indígenas, na visão do mundo
europeu colonizador, não tem a capacidade de produzir nenhuma forma de
conhecimento. O “racismo epistêmico” tem a intenção de declarar que somente a
25

Europa é capaz de produzir conhecimento científico e crítico, o Sul não é visto como
produtor de conhecimento válido.
Na educação escolar esse padrão europeu se repete quando temos um
currículo focado na história eurocêntrica, subalternizando os personagens que não
se encaixam nesse olhar hegemônico, como por exemplo, as mulheres negras. O
pensamento decolonial trabalha não só contra a ordem dominante imposta pelo
colonialismo, capitalismo e patriarcado, trabalha também para a construção de um
pensamento outro. Esse pensamento outro também pode ser construído dentro do
que Catherine Walsh (2016) chama de brechas decoloniais - que no caso do
ambiente escolar, seriam momentos dentro e fora de sala de aula onde, nós
professores, podemos lançar mão de conteúdos que privilegiam outros atores e
outros momentos que não fazem parte do currículo formal europeizado existente na
educação brasileira.
Cláudia Miranda (2016) nos mostra que os processos decoloniais podem se
mostrar como oportunidades para conseguirmos estabelecer diálogos menos
hierarquizantes dentro e fora de sala aula. O pensamento decolonial pode trazer um
outro horizonte de forma de pensar não apenas para o espaço escolar, mas também
para as políticas públicas em geral.
Walsh (2016) afirma ainda que o decolonial não vem de cima e sim de baixo,
das comunidades, das lutas sociais, das pessoas comuns, dos enfrentamentos, logo
não se deve esperar uma mudança estrutural para que o pensamento decolonial
seja implementado no espaço escolar, por isso se torna tão importante identificar as
tais brechas ou fissuras decoloniais. O pensamento decolonial tem o poder de
visibilizar o protagonismo de atores históricos que podemos chamar de contra
hegemônicos como as mulheres negras, dando, assim uma resposta ao racismo que
desqualifica toda forma de conhecimento que está fora do padrão europeu
preestabelecido e constituindo-se como mais um horizonte de conhecimento.
Através do pensamento decolonial podemos sair do espaço apenas da denúncia de
exclusão e silenciamento dos conhecimentos contra hegemônicos, mas também
criar estratégias para incluir esses tipos de conhecimentos, para criar outras
pedagogias, pedagogias insurgentes, como por exemplo, as pedagogias decoloniais.
O conteúdo de história tem grande potencial para se constituir como horizonte
de empoderamento dos alunos das camadas populares, mas o que vemos é um
ensino de história marcado pela colonialidade, que como foi dito anteriormente,
26

persiste mesmo após o fim da colonização. O conceito de colonialidade nos foi


trazido por Quijano (2005) para definir algo que vai além das particularidades do
colonialismo histórico e que não se apaga após o processo de independência ou
descolonização. Quijano e Gosfroguel usam o termo colonialidade para se referirem
às situações coloniais da atualidade, essas situações vão desde a exploração
cultural à exploração econômica (GOSFROGUEL, 2009.). Colonialidade seriam
então, as marcas deixadas pela colonização/ocupação já no período pós-colonial. A
distinção entre colonialidade e colonialismo, permite explicar a continuidade das
formas de dominação, mesmo após o fim das administrações coloniais.
O pensamento Decolonial consiste em um pensamento que propõe a
construção de um conhecimento outro que rompa com a colonialidade, a partir da
consideração de todos os tipos de conhecimento e não apenas o hegemônico,
europeu, branco, cristão, masculino e heterossexual. A necessidade de construir
conhecimentos outros, advém da exclusão e subalternização dos saberes dos
grupos sociais marginalizados como os negros, as mulheres e consequentemente as
mulheres negras, assim como outros grupos subalternizados.
Catherine Walsh (2005) reflete a respeito dos processos educacionais a partir
de dois conceitos básicos: decolonialidade e pensamento crítico de fronteira. A
autora afirma que a decolonialidade parte da crítica à desumanização, que consiste
na diminuição dos saberes, práticas e costumes de um determinado grupo com o
intuito de torná-los não humanos, não dignos de credibilidade. Esses grupos
desumanizados ficam impedidos de construir sua própria humanidade/identidade, o
que facilita o processo de dominação pelo colonizador. A decolonialidade também
considera as lutas dos povos historicamente subalternizados para a construção de
outros modos de viver, de poder, de ser e de saber. Para Walsh, a decolonialidade
visibiliza as lutas contra a colonialidade, fazendo emergir outros sujeitos históricos e
sociais. Assim como a decolonialidade, o pensamento crítico de fronteira significa
tornar visível outras formas de pensar, opostas à lógica eurocêntrica dominante. É
importante ressaltar que tanto quanto o pensamento decolonial, o pensamento
crítico de fronteira não exclui ou desvaloriza o pensamento dominante, mas coloca-o
frente a constantes questionamentos e outros modos de pensar (WALSH, 2005 apud
OLIVEIRA, CANDAU, 2010.).
O pensamento decolonial e o pensamento crítico de fronteira não tem o
objetivo de negar o conhecimento científico tradicional, deseja-se construir o que
27

Boaventura de Sousa Santos chama de Ecologia dos saberes, que se trata de um


equilíbrio entre os saberes hegemônicos e os saberes subalternizados. Tal conceito
se baseia no reconhecimento da pluralidade de conhecimentos e na interação
sustentável e dinâmica entre eles, sem que um conhecimento comprometa a
autonomia do outro (Santos, 2019, p. 44). Sabe-se que existe uma grande
diversidade de epistemologias em todo o mundo, indo da epistemologia europeia
hegemônica à epistemologia que vem dos povos do sul global e outras, portanto é
necessário que haja uma dinâmica entre essas formas de conhecimentos para que
nenhuma delas seja silenciada e negligenciada.

1.4 Interculturalidade e pedagogia decolonial

Catherine Walsh afirma que o pensamento Decolonial poderia servir no


campo da educação para aprofundar os debates sobre interculturalidade. A respeito
de interculturalidade, podemos dizer, segundo Walsh, que o conceito se trata de:

- Um processo dinâmico e permanente de relação, comunicação e


aprendizagem entre culturas em condições de respeito, legitimidade mútua,
simetria e igualdade.
- Um intercâmbio que se constrói entre pessoas, conhecimentos, saberes e
práticas culturalmente diferentes, buscando desenvolver um novo sentido
entre elas na sua diferença.
- Um espaço de negociação e de tradução onde as desigualdades sociais,
econômicas e políticas, e as relações e os conflitos de poder da sociedade
não são mantidos ocultos e sim reconhecidos e confrontados.
- Uma tarefa social e política que interpela ao conjunto da sociedade, que
parte de práticas e ações sociais concretas e conscientes e tenta criar
modos de responsabilidade e solidariedade.
- Uma meta a alcançar. (WALSH, 2001, p. 10-11 apud: OLIVEIRA,
CANDAU, 2010).

Na conferência apresentada no Seminário “Interculturalidad y Educación


Intercultural” no Instituto Internacional de Integración del Convenio Andrés Bello, La
Paz, Walsh fala a respeito da interculturalidade crítica, a autora a tira apenas do
plano do reconhecimento e integração das culturas diferentes. Para a autora a
interculturalidade crítica visa promover uma implosão das estruturas coloniais de
poder, devendo ser entendida como um projeto político e social, dirigido à
transformação estrutural da sociedade. A autora afirma ainda que as práticas
28

decorrentes da interculturalidade crítica não são bem-vindas ao modelo social


vigente que exclui e silencia os subalternizados, já que essas práticas são
questionadoras desse modelo (WALSH, 2009). Para complementar o pensamento
de Walsh, podemos recorrer a Cláudia Miranda quando a autora afirma que a
pedagogia decolonial é uma pedagogia desobediente (2016). Ao tratar da
interculturalidade crítica, Oliveira (2018) afirma que ela é vista como processo e
como um projeto político, vindo a caracterizar-se como uma ferramenta dos sujeitos
que foram subalternizados pelo colonialismo. O autor ainda afirma que:

A interculturalidade crítica não é compreendida somente como um conceito


ou termo novo para referir-se ao simples contato entre o ocidente e outras
civilizações, mas como algo inserido numa configuração conceitual que
propõe um giro epistêmico, capaz de produzir novos conhecimentos e uma
outra compreensão simbólica do mundo, sem perder de vista a
colonialidade. Essa interculturalidade representa a construção de um novo
espaço epistemológico que promove a interação entre os conhecimentos
subalternizados e os ocidentais, questionando a hegemonia destes e a
invisibilização daqueles. (OLIVEIRA, 2018, p. 3).

A escola pública brasileira necessita de uma educação decolonial e


intercultural crítica que valorize a identidade da maioria dos seus alunos e busque
quebrar os padrões europeus tão estruturais, pois ela pode auxiliar a libertar mentes
e corpos da subalternidade e da desvalorização a que foram condenados. É também
pela via educacional que podemos promover a autoafirmação positiva, a
(re)construção de identidades culturais, raciais e de gênero e respeito à diversidade,
fortalecendo a conquista da humanidade para todos (SOUZA, 2018). O pensamento
decolonial vem para se somar aos debates que permeiam o campo da educação no
que se refere aos desafios de superar desigualdades e discriminações, sejam elas
de gênero, raciais, religiosas, econômicas, políticas e de opção sexual. De acordo
com Cláudia Miranda (2016, p. 551) os processos decoloniais podem se apresentar
como oportunidades de estabelecermos diálogos menos hierárquicos nos projetos
educativos e nas formas de pensarmos as políticas de educação e é através da
pedagogia decolonial que os conceitos do pensamento decolonial se encontram com
o espaço escolar.
Podemos considerar a autora Catherine Walsh como um grande expoente do
pensamento decolonial. Para a autora a pedagogia decolonial consiste em:

uma práxis baseada numa insurgência educativa propositiva – portanto, não


somente denunciativa – em que o termo insurgir representa a criação e a
29

construção de novas condições sociais, políticas, culturais e de


pensamento. Em outros termos, a construção de uma noção e visão
pedagógica que se projeta muito além dos processos de ensino e de
transmissão de saber, que concebe a pedagogia como política cultural.
(WALSH, 2007 apud: OLIVEIRA, CANDAU, 2010. p. 28).

A pedagogia decolonial não prevê apenas a denúncia da ausência dos


conhecimentos subalternizados nos currículos, ela prevê uma mudança estrutural na
educação, um questionamento ao padrão educacional que é herança do modelo
educativo colonial, que tendem a perpetuar e aumentar as desigualdades e a
exclusão social. Porém, sabemos que introduzir uma nova práxis educativa não é
um processo simples, pois vai contra um modelo educacional que é preestabelecido
e um currículo que é imposto aos profissionais de educação. Para tal mudança a
pedagogia decolonial deve lançar mão da interculturalidade crítica que não vai
apenas reconhecer uma pluralidade de conhecimentos, mas vai também encontrar
ferramentas para que esses conhecimentos, os conhecimentos outros, dialoguem
com as epistemologias hegemônicas.
Para Catherine Walsh uma ação pedagógica em perspectiva decolonial
precisa promover mudanças, para a autora essa ação pedagógica necessita:

desafiar e derrubar as estruturas sociais, políticas e epistêmicas da


colonialidade – estruturas até agora permanentes – que mantêm padrões de
poder enraizados na racialização, no conhecimento eurocêntrico e na
inferiorização de alguns seres como menos humanos (WALSH, 2009, p. 24,
in: WALSH, OLIVEIRA, CANDAU, 2018, p.5).

Uma prática baseada na pedagogia decolonial precisa ser insurgente


representando a criação de novas condições de aprendizagem construindo outras
pedagogias além das hegemônicas. Uma educação na perspectiva decolonial pensa
a partir dos sujeitos subalternizados pela colonialidade criando novos horizontes
educacionais (OLIVEIRA, 2018).
As salas de aula devem existir como espaço para o exercício de uma
pedagogia libertadora que seja construída com os alunos e não para os alunos,
dessa forma alunos e professores serão capazes de refletir sobre a realidade para
então transformá-la. Tal educação libertadora tem o poder de nos tirar de nossa
condição de oprimidos, através de práticas que possibilitem a eliminação da
hierarquização coercitiva, sexista e racista. (HOOKS, 2013).
30

Em sua obra, “Ensinando a transgredir: A Educação como prática da


liberdade”, bell hooks 4 conta que para os professores negros do Sul dos Estados
Unidos, no contexto do apartheid, lecionar nas escolas segregadas era um ato
fundamentalmente político, pois tinha raízes na luta antirracista. Nós educadores,
não somente os negros, mas principalmente os negros precisamos usar o espaço
escolar como o lugar da luta antirracista. Precisamos desenvolver ferramentas que
promovam uma educação que respeite e valorize as diferenças, incorporando todos
os sujeitos históricos no ato de educar e ensinar, sem priorizar um ou outro.
Precisamos fazer com que a educação escolar seja um ato contra hegemônico, uma
educação que busca orientar tendo em vista a transformação da sociedade, que se
posiciona de forma intencional contra o interesse do dominante e a favor das
camadas subalternas, dominadas.
Quando a educação perde o caráter antirracista e transformador ela pode
reforçar estereótipos, tornando-se danosa para todos os alunos. hooks coloca a
educação como prática da liberdade, em oposição ao outro tipo de educação que
trabalha apenas para reforçar a dominação (2013, p.12). A autora nos mostra uma
pedagogia engajada, feita com amor constituindo-se em outro rumo a se tomar nas
práticas de ensino. Segundo a autora suas práticas pedagógicas:

nasceram da interação entre as pedagogias anticolonialista, crítica e


feminista, cada uma das quais ilumina as outras. Essa mistura complexa e
única de múltiplas perspectivas tem sido um ponto de vista envolvente e
poderoso a partir do qual trabalhar. Transpondo as fronteiras, ele
possibilitou que eu imaginasse e efetivasse práticas pedagógicas que
implicam diretamente a preocupação de questionar as imparcialidades que
reforçam os sistemas de dominação (como o racismo e o sexismo) e ao
mesmo tempo proporcionam novas maneiras de dar aula a grupos
diversificados de alunos. (hooks, 2013, p.20).

Essas práticas, da qual fala hooks, que questionam posturas que reforçam os
sistemas de dominação como o racismo e o sexismo precisam ser apropriadas pelos
educadores. Assim sendo, trazer a mulher negra para o protagonismo da História
significa transgredir barreiras porque iremos valorizar e ouvir histórias que são
marcadas pelo silenciamento e /ou exclusão. Torna-se urgente enfrentar o
eurocentrismo através de respostas decoloniais, partindo das culturas, memórias e

4
bell hooks é o pseudônimo de Gloria Jean Watkins, escritora norte americana. O apelido escolhido
para assinar suas obras é uma homenagem aos sobrenomes da mãe e da avó. Por preferência da
autora o nome é grafado em letras minúsculas, pois segundo a mesma o mais importante em seus
livros é a substância e não quem a autora é.
31

feitos dos subalternizados. Através desses enfrentamentos as mulheres negras da


nossa história alcançarão o tão merecido protagonismo.

1.5 As mulheres negras e a história narrada na sala de aula

Ainda recai sobre as mulheres o silêncio das fontes, pois a historiografia


ocultou, na maioria das vezes, as ações femininas de maior relevância. As mulheres
brancas são citadas apenas em alguns fatos, as negras são representadas, quase
sempre, em posição de subordinação. Vale ressaltar que esse silenciamento é muito
mais historiográfico do que histórico, ou seja, as mulheres negras fazem parte dos
processos históricos, mas quando a história é narrada e problematizada em sala de
aula e nos livros didáticos elas não são lembradas. Se para o homem negro o
colonialismo foi extremamente cruel, subalternizando e apagando sua cultura,
sabedoria e contribuição para a sociedade, para a mulher negra o peso foi maior,
pois ao colonialismo soma-se também o machismo e o sexismo. Esse silenciamento
a que nos referimos é uma prática recorrente do colonialismo, das estruturas
opressoras.
Aos indivíduos silenciados, tanto homens quanto mulheres, é negada a sua
própria vivência em troca da vivência do outro colonizador. O silenciamento como
prática de opressão ocorre quando o oprimido percebe que o grupo opressor não
está disposto ou é incapaz de assimilar o que ele tem a dizer. Dessa forma os
grupos oprimidos deixam de falar ou falam apenas quando lhes é permitido (Berth,
2019, p. 38). Esse silenciamento atinge os saberes dos negros e das mulheres
constituindo-se em violência epistêmica, onde todo o conhecimento dos
subalternizados é silenciado, agindo a favor da hegemonia do discurso do
colonizador.
Joice Berth (2019) nos oferece uma reflexão feita pela autora Grada Kilomba
acerca da máscara do silenciamento que ainda recai sobre os subalternizados e que
define quem, quando e o que pode ser dito. No capítulo “The Mask", em Plantation
Memories: Episodes of Everyday Racism, Grada Kilomba fala sobre a máscara do
silenciamento:
32

Tal máscara foi uma peça muito concreta, um instrumento real que se
tornou parte do projeto colonial europeu por mais de trezentos anos. Ela era
composta por um pedaço de metal colocado no interior da boca do sujeito
Negro, instalado entre a língua e a mandíbula e fixado por detrás da cabeça
por duas cordas, uma em torno do queixo e a outra em torno do nariz e da
testa. Oficialmente, a máscara era usada pelos senhores brancos para
evitar que africanos/as escravizados/as comessem cana-de-açúcar ou
cacau enquanto trabalhavam nas plantações, mas sua principal função era
implementar um senso de mudez e de medo, visto que a boca era um lugar
tanto de mudez quanto de tortura. Nesse sentido, a máscara representa o
colonialismo como um todo. Ela simboliza políticas sádicas de conquista e
dominação e seus regimes brutais de silenciamento dos(as) chamados(as)
“Outros(as)”: Quem pode falar? O que acontece quando falamos? E sobre o
que podemos falar? (KILOMBA, 2010, p. 1-2, apud BERTH, 2019, p. 39).

Dentro dessas estruturas de opressões já citadas, o homem negro foi um


grande alvo em potencial, porém a mulher negra sofreu e sofre com o silenciamento
herdado das opressões coloniais e com o machismo. Se pensarmos uma pirâmide
social, a mulher negra não estará em lugar algum, ou ainda, como define Grada
Kilomba, a mulher ocupa o lugar do “outro do outro” (BERTH, 2019).
Para entendermos em que local social a mulher negra se encontra podemos
recorrer à bell hooks, no prefácio de seu livro “Teoria Feminista: da margem ao
centro”, a autora discute que quando pensamos a situação da mulher não podemos
deixar de pensar a questão racial:

O pensamento e a prática feministas alteraram-se fundamentalmente


quando as mulheres de cor radicais e as mulheres brancas aliadas
começaram a contestar de forma rigorosa a ideia de que o "género" era o
principal fator na determinação do destino das mulheres. Ainda me recordo
de todas terem ficado indignadas, no primeiro seminário de estudos das
mulheres que frequentei – uma turma na qual todas, exceto eu, eram
mulheres brancas maioritariamente de origens privilegiadas –, quando
interrompi um debate sobre as origens do domínio em que se defendia que,
quando uma criança sai do útero, o fator considerado mais importante é o
género. Declarei que quando o filho de dois pais negros sai do útero, o fator
que é considerado primeiro é a cor da pele, só depois o género, pois a raça
e o género determinarão o destino dessa criança (HOOKS, 2019, p. viii.).

Percebemos que o destino das mulheres era e ainda é determinado por uma
combinação de fatores como gênero, classe e raça. Dessa forma fica destinado às
personagens históricas negras o lugar da subalternidade e do apagamento, o que
faz com que o espaço que seria destinado a elas seja ocupado por homens e em
último caso pelas mulheres brancas.
O sociólogo porto-riquenho Ramón Grosfoguel (2009) pensa o lugar da
mulher negra na sociedade a partir do colonialismo. Para o autor, a hierarquia global
das relações entre os sexos também é afetada pelas raças. O ponto de partida de
33

Grosfoguel são as sociedades patriarcais pré-europeias, onde todas as mulheres


eram inferiores aos homens. Com o sistema colonial, as mulheres brancas passaram
a ocupar um lugar superior ao do homem não europeu. Já a mulher negra ou
indígena encontrava-se no último nível hierárquico. Tais relações de poder ainda
perduram, subalternizando homens e mulheres negros, sendo ainda mais sentidas
pelas mulheres negras.
Aníbal Quijano (2005) também nos ajuda a pensar o lugar da mulher negra na
sociedade levando em conta os processos de colonização e a ideia de raça. Para o
autor existe uma hierarquia de poder entre os sexos e uma hierarquia de raça que
sobrepunha a de sexo, o autor afirma que:

Em torno da nova idéia de raça, foram redefinindo-se e reconfigurando-se


todas as formas e instâncias prévias de dominação, em primeiro lugar entre
os sexos. Assim, no modelo de ordem social, patriarcal, vertical e autoritária,
do qual os conquistadores ibéricos eram portadores, todo homem era, por
definição, superior a toda mulher. Mas a partir da imposição e legitimação
da ideia de raça, toda mulher de raça superior tornou-se imediatamente
superior, por definição, a todo homem de raça inferior. Desse modo, a
colonialidade das relações entre sexos se reconfigurou em dependência da
colonialidade das relações entre raças. E isso se associou à produção de
novas identidades históricas e geoculturais originárias do novo padrão de
poder: “brancos”, “índios”, “negros”, “mestiços”. (QUIJANO, 2005, p18).

Mulheres brancas e mulheres negras ocupam posições diferentes na


sociedade, esse fato é afirmado desde a infância quando meninas negras não se
veem representadas nas revistas, na televisão e se perpetua no espaço escolar
onde essas meninas negras sofrem com o racismo e bullying. A cor da pele e o
cabelo crespo são vistos como sinônimos de negatividade, o padrão estabelecido é
o da mulher branca e esse padrão segue se reafirmando dentro e fora do espaço
escolar. Mulheres negras ocupam a maioria das vagas em cargos desqualificados,
mulheres negras tem seus corpos sexualizados. Por todos os motivos citados acima,
para as mulheres negras foi, e ainda é, necessário criar estratégias de sobrevivência
e enfrentamento ao sistema racista, a luta das mulheres negras em busca da re-
existência não deve ser deixada de lado nas discussões sobre gênero.
34

1.6 Classe, raça e gênero: avenidas que precisam se cruzar

A intelectual e ativista negra Lélia Gonzales afirma que, como mulheres


negras, não compartilhamos somente histórias de opressão, portanto é preciso
conhecer as trilhas dos caminhos que mulheres negras fizeram ao longo do tempo
(GONZALES. Apud BERTH, 2019).
Pensar o feminismo sem pensar a questão racial e de classe é cair em um
vazio, trazer o pensamento da mulher negra para o debate feminista é
extremamente importante, pois só ela é capaz de trazer olhares a partir do seu lugar
social. O feminismo negro tem o potencial de pensar estratégias de superação das
opressões que somente mulheres negras conhecem, porém para que essas
mulheres lutem pela sua re-existência elas precisam se empoderar, precisam se
reconhecer em diversos locais e o espaço escolar pode e deve se tornar um local
para que esse processo de empoderamento aconteça. Trazer as mulheres negras
para o ensino de História é contribuir para a luta contra as barreiras colocadas pelo
racismo e sexismo.
Em seu livro “O feminismo é para todo mundo: políticas arrebatadoras”, bell
hooks segue discutindo a necessidade de trazer o debate racial para dentro do
debate feminista. A autora defende tal inclusão ao afirmar que mulheres brancas tem
um status diferente das mulheres negras. hooks inicia o capítulo 10 de sua obra “O
feminismo é para todo mundo: políticas arrebatadoras” (2019) nos mostrando que:

Nenhuma intervenção mudou a face do feminismo americano mais do que a


exigência de que as pensadoras feministas reconheçam a realidade da raça
e do racismo. Todas as mulheres brancas nesta nação sabem que
seu status é diferente do das mulheres negras e das mulheres
racializadas. Elas sabem disso desde o momento em que são meninas
assistindo televisão e veem apenas suas imagens e olhando para revistas e
veem apenas suas imagens. Elas sabem que a única razão pela qual as
não-brancas estão ausentes/invisíveis é porque elas não são
brancas. Todas as mulheres brancas nesta nação sabem que a branquitude
é uma categoria privilegiada. O fato de que as mulheres brancas
escolherem reprimir ou negar esse conhecimento não significa que elas são
ignorantes: significa que estão em negação (HOOKS, 2019).

No artigo intitulado “Mulheres negras: moldando a teoria feminista”, bell hooks


trata da questão racial no movimento feminista e na luta pelo fim da opressão das
mulheres. A autora levanta o debate a respeito do fato de que o pensamento
35

feminista moderno tem como preceito central a afirmação de que todas as mulheres
são oprimidas. Tal afirmação não leva em consideração questões como classe e
raça, levando a entender que todas as mulheres compartilham a mesma sina
(hooks, 2015). No caso das mulheres negras a discriminação sofrida ultrapassa a
esfera do gênero e adentra a esfera da cor onde são vistas como mulheres inferiores
às brancas, fazendo com que suas demandas sejam silenciadas ainda mais. Em
relação a esses dois problemas que as mulheres negras enfrentam, hooks afirma
que:

como grupo, as mulheres negras estão em uma posição incomum nesta


sociedade, pois não só estamos coletivamente na parte inferior da escada
do trabalho, mas nossa condição social geral é inferior à de qualquer outro
grupo. Ocupando essa posição, suportamos o fardo da opressão machista,
racista e classista (HOOKS, 2015, p. 207).

A junção de questões de gênero, raça e classe nos debates feministas vêm


sendo defendido por pensadoras negras. No fim da década de 80 Kimberlé
Crenshaw, intelectual afro-estadunidense, criou o conceito de interseccionalidade, o
termo visa dar instrumentalidade teórico metodológica ao fato de ser impossível
separar as estruturas do racismo, capitalismo e cisheteropatriarcado.
A junção de pautas já vinha sendo reivindicada pelas ativistas negras dos
Estados Unidos como Maria Stwert, que em 1833 insuflou as mulheres negras dos
Estados Unidos a rejeitarem a imagem negativa que era atribuída à mulher negra
(COLLINS, 2019), mas apenas em 1989 a soma dos debates sobre raça, gênero e
classe foi nomeada por Crenshaw. Kimberlé Crenshaw define interseccionalidade
como:

A conceituação do problema que busca capturar as consequências


estruturais e dinâmicas da interação entre dois ou mais eixos da
subordinação. Ela trata especificamente da forma pela qual o racismo, o
patriarcalismo, a opressões de classe e outros sistemas discriminatórios
criam desigualdades básicas que estruturam as posições relativas de
mulheres, raças, etnias, classes e outras. Além disso, a interseccionalidade
trata da forma como ações e políticas específicas geram opressões que
fluem ao longo de tais eixos, constituindo aspectos dinâmicos ou ativos do
desempoderamento. (AKOTIRENE, 2019, p. 42).

Baseada em Crenshaw, a autora Carla Akotirene (2019) afirma que o conceito


de interseccionalidade se trata de uma sensibilidade analítica pensada por
feministas negras que tinham suas experiências e reivindicações intelectuais
36

inobservadas tanto pelo feminismo branco quanto pelo movimento antirracista, que
tinha seu foco prioritariamente no homem negro.
Desde que o termo foi cunhado por Crenshaw, ele passou a demarcar uma
referência na tradição feminista negra, se mostrando capaz de reconhecer e
promover as mudanças necessárias a situações que são particulares das mulheres
negras. Elas têm um histórico de privações e negações diferentes das mulheres
brancas. Desde a escravidão a mulher negra tem seu corpo objetificado, tem sua
maternidade negada - no passado quando tinham seus filhos arrancados de seus
braços para serem vendidos como mercadoria, atualmente quando perdem seus
filhos para a necropolítica de Estados genocidas - estão mais expostas à pobreza e
violência doméstica, recebem salários mais baixos etc. Por esses e por muitos
outros motivos o debate feminista não pode renunciar ao uso da interseccionalidade,
pois não se pode agrupar todas as mulheres em uma única categoria de análise, seu
lugar social e suas vivências devem ser considerados e respeitados.
Vale ressaltar que a interseccionalidade não pretende fazer uma divisão
dentro do movimento feminista ou quantificar as opressões vividas por mulheres
negras, mas sim, como defende Akotirene (2019) colocar as diversas pautas em
uma encruzilhada, onde as avenidas raça, classe e gênero se encontram e se
interseccionam. Enquanto as avenidas não se cruzarem o projeto de apagamento
das lutas e causas das mulheres negras estará dando certo, a invisibilidade das
mulheres negras, de seus atos, reivindicações e pensamentos contribui de forma
decisiva para a manutenção das desigualdades sociais. A necessidade da
interseccionalidade nos mostra o quanto as mulheres negras são discriminadas e
inferiorizadas e o quanto precisam lutar para serem ouvidas e percebidas dentro dos
espaços que ocupam (COLLINS, 2019).

1.7 A desigualdade de gênero na sala de aula

Em relação ao gênero, termo que passou a ser usado no Brasil no final dos
anos 80 (LOURO, 2014), percebemos que aspectos como relações étnico-raciais e
de gênero são questões sensíveis e pertinentes à sociedade. Estão presentes tanto
no meio acadêmico como no cotidiano das pessoas, entretanto no âmbito da
37

educação escolar ainda existe certa dificuldade de lidarmos de forma atuante e


positiva com esses temas. Vale ressaltar que a abordagem acadêmica e intelectual
em torno de gênero acontece a partir das próprias mulheres, sejam elas acadêmicas
e/ou militantes, ligando suas experiências femininas aos seus interesses pela
temática. Guacira Lopes Louro (2014) afirma que o movimento feminista
contemporâneo foi importante para tornar a mulher visível, as estudiosas feministas
tinham como objetivo dar visibilidade a todas as mulheres, porém, como já foi
discutido anteriormente, a mulher negra ainda não estava inserida nesse espaço de
visibilidade.
A desigualdade de gênero é tema que perpassa o campo social e atinge o
campo escolar. Em uma sociedade com tal desigualdade enraizada, não é de
surpreender que a educação escolar brasileira confirme e perpetue a desigualdade
de gênero e relações de poder quando privilegia narrativas que exaltem sujeitos
masculinos em detrimento dos femininos. Devemos escrever a história das
mulheres, pois a história dos homens já está escrita, ela é a história hegemônica. De
acordo com Vera Candau a escola é padronizada e para responder aos desafios que
a sociedade traz é preciso reinventá-la, como afirma no trecho a seguir:

Consideramos fundamental “reinventar a escola” para que possa responder


aos desafios da sociedade em que vivemos. Não acreditamos na
padronização, em currículos únicos e engessados e perspectivas que
reduzem o direito à educação a resultados uniformes. Acreditamos no
potencial dos educadores para construir propostas educativas coletivas e
plurais. É tempo de inovar, atrever-se a realizar experiências pedagógicas a
partir de paradigmas educacionais “outros”, mobilizar as comunidades
educativas na construção de projetos político-pedagógicos relevantes para
cada contexto. Nesse horizonte, a perspectiva intercultural pode oferecer
contribuições especialmente relevantes. (CANDAU, 2016, p.807).

Em sua dissertação de mestrado, Thabata Mortani Lopes (2015) diz que ao


incorporarmos os Estudos de Gêneros nas Ciências Humanas trazemos um novo
olhar para as pesquisas, um olhar que recupera e preenche lacunas de várias
histórias que são revistas e recontadas. Discutir gênero nos mostra outras
percepções para antigas questões e traz à tona novos sujeitos que até então eram
invisíveis ou tinham pouca visibilidade no campo da História. De acordo com Maria
Matos (2000):

a discussão dos paradigmas da história levou, entre outros aspectos, ao


questionamento das universalidades, permitindo a descoberta do outro, da
38

alteridade, dos excluídos da história, entre eles, as mulheres. (MATOS,


2000, apud LOPES, 2015, p.42).

Não devemos pensar a escola e o processo de ensino como mera


transmissão de conhecimento, pois significaria negligenciar a sua principal função,
que é a formação de sujeitos, com diversas identidades. Trabalhar com gênero na
escola demanda analisar as construções sociais também a partir da diferença
sexual, perceber a historicidade de cada sujeito. Dessa forma, ao ensinar história,
nós educadores forneceremos elementos para que os estudantes possam construir
uma visão crítica a respeito de suas próprias ações no que diz respeito à categoria
gênero e contribuir para uma visão do ensino da história onde ambos os sexos são
sujeitos históricos. Não queremos com esse trabalho propor uma polarização entre
os gêneros. Um trabalho que trata de silenciamento feminino negro está propondo
inclusão e não polarização. Joan Scoot (1995) observa que esse pensamento
dicotômico é constante nas análises e na compreensão da sociedade sobre gênero.
Para a autora essa lógica que coloca homem e mulher como pólos opostos deveria
ser implodida.
Quando falamos de ensino de História vemos que as mulheres negras que
tiveram uma participação relevante nos processos históricos sofrem a invisibilidade e
o silenciamento citados anteriormente, ao silenciá-las em sala de aula nós
professores estamos contribuindo para a perpetuação do racismo, machismo e
sexismo. Ainda hoje vemos temas como gênero e raça serem pautas, na grande
maioria das escolas, apenas em datas preestabelecidas, como os meses de março
(mês das mulheres) e o mês de novembro (mês da consciência negra). Uma prática
pedagógica pautada no pensamento decolonial faz com que os professores
encontrem as tais brechas decoloniais dentro do currículo formal ao longo de todo
ano, mobilizando uma educação que dê o protagonismo merecido a todos os
sujeitos da História. As brechas decoloniais são espaços, dentro ou fora da escola,
onde os educadores podem lançar mão de uma educação insurgente, que coloque
os agentes subalternizados no espaço de protagonismo. Para Catherine Walsh,
brechas decoloniais traduzem-se por lugares e possibilidades da práxis de
enfrentamento à matriz colonial de poder (WALSH, 2016).
Utilizar o espaço escolar para empoderar meninas e meninos negros os
levará a lutar contra as barreiras impostas pelo racismo e sexismo, já que a
conscientização tem um potencial de transformação. A luta por um currículo plural
39

que tenha espaço para as histórias subalternizadas faz parte de uma agenda
antirracista e decolonial. Ao educarmos meninas e meninos com esse olhar que
considera raça, gênero e classe contribuimos para uma sociedade que reconheça
suas diferenças e desigualdades e parta para ação, lutando por uma convivência
mais igualitária e justa.
Após chegarmos ao final da análise do quadro teórico em que ancoramos
nossa pesquisa, seguimos para o segundo capítulo onde estabelecemos uma breve
discussão a respeito da importância do PNLD ressaltando o livro didático como
capital cultural dos alunos, abordamos também a importância do mesmo tanto para
alunos quanto para professores, além de discutirmos os saberes que são
mobilizados dentro e fora da escola, como já afirmamos. Por último, tratamos o foco
principal desta pesquisa, que é a análise crítica da coleção didática Oficina de
História dos autores Flavio Campos, Julio Pimentel e Regina Claro, com o intuito de
comprovar a invisibilidade das mulheres negras no material didático analisado.
40

2 O LIVRO DIDÁTICO DE HISTÓRIA, SEUS USOS E ANÁLISES: A AUSÊNCIA


DA MULHER NEGRA NAS NARRATIVAS

O livro didático apresenta-se, ainda hoje, como o material mais utilizado pelos
professores da educação básica em sala de aula. Por ser um material que é
distribuído de forma gratuita para os alunos da rede pública, ele acaba se tornando
um grande aliado do professor durante o processo de ensino/aprendizagem. Os
livros didáticos se apresentam como os mais usados instrumentos de trabalho que
integram o que podemos chamar de tradição escolar de professores e alunos,
fazendo parte do cotidiano escolar há pelo menos dois séculos (BITTENCOURT,
2009, p. 299).
Para os professores em início de carreira muitas vezes o livro didático se
constitui como um guia para a elaboração do seu plano de aula, pois dá mais
segurança e define um caminho lógico na jornada que pretende trilhar com seus
alunos. Em algumas situações os professores chegam a criar uma relação de
dependência com o livro didático, o que pode ser extremamente preocupante já que
podemos encontrar muitas críticas aos livros didáticos de História. Nas redes
privadas de ensino há uma cobrança, por parte dos pais e consequentemente da
equipe diretiva, para que o professor trabalhe todo o livro até o fim do ano, fazendo
muitas vezes com que ele limite sua aula a apenas esse recurso didático, para
dessa forma dar conta de todo o conteúdo que é bastante extenso. Na rede pública
de ensino o grau de dependência do professor ao livro didático, geralmente está
associado às condições de trabalho, à falta de recursos e sobretudo à quantidade de
escolas e horas semanais que o professor leciona (ARAÚJO, 2001, p. 73. In:
BITTENCOURT, 2009, p. 318).
Ainda que o livro didático seja bastante explorado na relação ensino
aprendizagem, ele não pode ter seu uso banalizado, pois ele é um material que
carrega uma série de significados e interpretações, além de ser um produto que é
fruto da indústria editorial que imprime nele seus interesses. O uso adequado do
material deve ser criterioso, deve-se extrair o que o material tem de positivo e
questionar o que tem de negativo.
É fundamental ressaltar que o livro didático é carregado de significados
políticos e sociais e que os professores imprimem suas opiniões no momento da
41

escolha do material que será utilizado em sua instituição de ensino. Para ter um
material que colabore para uma educação de qualidade, o professor deve ser crítico
no momento da escolha, deve se preocupar como o livro didático trata os diferentes
sujeitos da História.
O espaço escolar é um espaço rico em diversidade, onde diferentes sujeitos
se encontram e compartilham suas experiências de vida, porém a prática educativa,
assim como os materiais didáticos, tende a igualar esses sujeitos sem respeitar as
suas diferenças. Um livro didático que silencie mulheres, que subalternize a luta dos
negros, dentre outros sujeitos, colabora com esse processo de homogeneização dos
conhecimentos, das práticas e da identidade dos alunos, fazendo com que a prática
pedagógica seja discriminatória. Os profissionais da educação precisam ver no livro
didático um coadjuvante para a desconstrução de estereótipos e preconceitos. Nilma
Lino Gomes defende que a prática pedagógica:

deve considerar a diversidade de classe, sexo, idade, raça, cultura, crenças,


presentes na vida da escola e pensar (e repensar) o currículo e os
conteúdos escolares a partir dessa realidade tão diversa. (...) (GOMES
2001, p. 87).

2.1 O Plano Nacional do Livro e do Material Didático e sua importância para


uma educação democrática

O Brasil conta com um grande programa de distribuição de livros e materiais


didáticos para o ensino básico que é o Programa Nacional do Livro e do Material
Didático (PNLD) sendo o mesmo criado pelo Decreto nº 91.542, de 19/8/1985. Este
é uma das ações do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) -
que é uma autarquia 5 federal criada pela Lei nº 5.537, de 21 de novembro de 1968,
e alterada pelo Decreto–Lei nº 872, de 15 de setembro de 1969-, e é responsável
pela execução de políticas educacionais do Ministério da Educação (MEC).
O Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) é o órgão
responsável pela execução da maioria das ações e programas da Educação Básica

5
O FNDE é uma “entidade autônoma e descentralizada da administração pública, com patrimônio
constituído de recursos próprios, e criada por lei para executar serviços de caráter estatal e de
interesse da coletividade.” (BARSA, 2005, p.103.)
42

do nosso País, como a alimentação e o transporte escolar, além de atuar também


na Educação Profissional e Tecnológica e no Ensino Superior. Tem a finalidade de
captar recursos financeiros e direcioná-los para o financiamento de projetos de
pesquisa e ensino, planejamento, currículos, alimentação, material escolar, livro
didático e transporte escolar. O FNDE também tem a função de executar parte das
ações do Ministério da Educação no que diz respeito à Educação Básica.
O PNLD, uma das ações do FNDE como foi salientado anteriormente, é
defendido como um elemento que contribui para a ampliação do capital cultural dos
alunos e de suas famílias, principalmente quando falamos das camadas mais
populares, que muitas vezes tem no livro didático o seu único contato com livros
(GIORGI, et al., 2014, p. 1029). Tagliani afirma que o livro didático “[...] representa,
em muitos casos, a única possibilidade de leitura tanto no ambiente escolar quanto
no ambiente familiar do aluno” (Tagliani, 2011, p.137, apud Giorgi, et al, 2014).
Segundo a página do Ministério da Educação, o Programa Nacional do Livro e
do Material Didático (PNLD) é destinado a avaliar e distribuir obras didáticas,
pedagógicas e literárias, assim como outros materiais de apoio à prática educativa.
O material avaliado e aprovado pelo PNLD é distribuído às escolas públicas de
Educação Básica das redes federal, estadual, municipal, distrital e às instituições de
educação infantil comunitárias, confessionais ou filantrópicas sem fins lucrativos e
conveniadas com o Poder Público de forma gratuita após análise e escolha prévia
feita pelos profissionais de educação de cada instituição escolar.
O projeto do PNLD é de grande relevância e importância, pois permite
democratizar o acesso aos materiais didáticos, muito embora nem sempre os livros
cheguem às escolas ou cheguem em quantidade insuficiente. Como docente já
passei pela experiência de ver meus alunos não poderem levar o livro didático para
casa porque não tinha livro suficiente para distribuir para todos os alunos da escola.
No ano de 2019 o Ciep 309 Zuzu Angel não recebeu livros suficientes para distribuir
a todos os alunos do Ensino Médio, então, os livros de todas as disciplinas ficavam
na biblioteca e o professor precisava levá-los até a sala de aula para dessa forma
utilizar o material didático durante a aula. Um dos efeitos danosos dessa falta de
livro didático está no fato do aluno não ter o material para consultá-lo em casa.
Segundo o portal de notícias da União Nacional dos Dirigentes Municipais de
Educação (UNDIME) “a falta de livros didáticos para os alunos foi um problema
registrado em todas as regiões do Brasil, em 2017: no total, 61,4% dos diretores de
43

escolas públicas disseram que não houve livros em número suficiente para os
alunos naquele ano”. 6 Como foi ressaltado anteriormente, muitas vezes o livro
didático é o único livro que os alunos têm em casa, na ausência dele esse aluno fica
privado de um contato maior com a leitura.
O PNLD existe desde 1985, onde fazia parte de uma política educacional que
visava garantir livro didático gratuitos para os alunos de escolas públicas. Embora o
PNLD representasse um avanço na década de 80, os materiais distribuídos pelo
MEC não passavam por uma avaliação pedagógica. Somente a partir de 1996 as
obras inscritas no Programa passaram a ser avaliadas por profissionais da educação
(FANTIN, 2010). Essa avaliação passou a ser de suma importância para eliminar
materiais didáticos com erros teóricos metodológicos, com presença de ideias
discriminatórias e erros conceituais.
Atualmente o trabalho de seleção dos livros didáticos é feito em parceria com
universidades públicas que ficam responsáveis pela avaliação criteriosa dos livros
didáticos das áreas de alfabetização, língua portuguesa, matemática, ciências,
história e geografia (FURTADO; GAGNO, 2009). Logo, os livros devem estar de
acordo com as regras que são impostas pelo Governo para que possam ser
incluídos na lista do PNLD. Após esse trabalho de seleção, onde os critérios são
baseados nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), em princípios
educacionais e éticos, é elaborado um documento, o chamado Guia do Livro
Didático, material que sugere os principais pontos a serem considerados no
momento da adoção de um livro e no qual são listadas as obras que foram avaliadas
e aprovadas. Como processo final do PNLD, as obras aprovadas de acordo com os
critérios e requisitos desejados pela equipe de avaliação são submetidas ao
julgamento dos professores, coordenadores e diretores que escolherão os livros
didáticos que serão usados pela escola por um período de três anos letivos
seguidos, que é o tempo que dura cada ciclo do PNLD.
Através do PNLD, a escola e os professores podem escolher seus materiais
dentre as coleções aprovadas. O momento de análise e escolha desse material deve
ser um trabalho coletivo e democrático envolvendo toda a equipe escolar, deve-se
levar em consideração uma série de fatores como a realidade dos alunos que esse
material será destinado, seus interesses, suas aptidões, estágio de

6
https://undime.org.br/noticia/07-05-2019-14-12-mais-de-60-dos-diretores-afirmaram-que-faltaram-
livros-didaticos-para-os-alunos-em-2017 Acesso em 03/06/2021.
44

desenvolvimento. Deve-se analisar também se o material se adequa ao plano


pedagógico da escola, aos Parâmetros Curriculares Nacionais, aos conteúdos
exigidos na matriz curricular, dentre outros fatores (Giorgi, et al, 2014). Quando
falamos dos materiais didáticos de História, além de observar se o material se
enquadra em todas as categorias citadas acima, nós, profissionais de educação,
devemos nos atentar se o material didático contempla todos os sujeitos históricos,
dos hegemônicos aos subalternizados, pois dessa forma estaremos contribuindo
para uma educação plural e crítica.
Ainda que o PNLD não tenha solucionado todos os problemas que possam
ser encontrados nos materiais didáticos, com a instituição da avaliação autores e
editoras passaram a se preocupar mais com a qualidade do material que estão
produzindo para que eles se enquadrem nos critérios impostos pelo programa.
Porém, ainda que a qualidade dos materiais aumente a cada ano, podemos
observar silenciamentos e exclusões, principalmente a respeito da história e
contribuição de sujeitos de grupos subalternizados. Sobre isso, Ana Célia Silva
(2004) afirma que:

O livro didático, de modo geral omite o processo histórico e cultural, o


cotidiano e as experiências dos segmentos subalternos da sociedade, como
o negro, o índio, a mulher, entre outros. Em relação ao segmento negro, sua
quase total ausência nos livros e a sua rara presença de forma
estereotipada concorrem, em grande parte para o recalque de sua
identidade e autoestima. (SILVA, 2004, p.51).

A forma com que a história do povo negro aparece nos livros didáticos é
objeto de investigação de diversos pesquisadores, mostrando que a atuação do
Movimento Negro é extremamente responsável pela presença de uma história negra
nos livros didáticos de História, mas essa presença ainda continua sendo
estereotipada, colocando o negro quase que na maior parte das vezes no lugar do
escravizado. Circe Bittencourt, baseada na pesquisa de Marco Antonio de Oliveira 7,
afirma que podemos observar que:

7
Marco Antonio de Oliveira desenvolveu em sua dissertação de mestrado uma pesquisa sobre temas
e representações da população negra no Ensino Médio e Ensino Fundamental na disciplina de
História. A pesquisa teve como objetivos traçar um paralelo entre as mudanças no ensino de História
a partir da formação do Movimento Negro Unificado, no fim dos anos setenta e identificar as possíveis
alterações que as demandas da população negra têm provocado no conteúdo dos livros didáticos,
nas práticas escolares e nas propostas curriculares. A pesquisa data do ano 2000, portanto três anos
antes da promulgação da Lei 10.639/03.
45

As renovações de temas e abordagens da história da população de origem


africana ocorridas nos livros didáticos a partir da mobilização dos
movimentos negros e de sua atuação política, concluindo que a produção
historiográfica continua insistindo sobre o período da escravidão e pouco se
dedicando à época posterior – pós abolição – e à atuação e lutas dessa
população na história do século XX no Brasil. (BITTENCOURT, 2009, p.
306.)

O que podemos ver por parte das editoras é a inclusão de temas como a
História da África, a luta feminista entre outros temas apenas como forma de atender
aos critérios do PNLD para não terem seus materiais descartados nos processos de
avaliação, mas os assuntos não são aprofundados e não trazem novas
interpretações, muitas vezes aparecem só em boxes, o que faz com que a história
hegemônica seja predominante nos materiais didáticos que chegam nas mãos dos
estudantes. É indispensável que a história e a cultura negra sejam retratadas com a
sua devida importância nos livros didáticos, para dessa forma não reforçar o
preconceito dentro e fora do ambiente escolar e para que alunos e alunas negros se
vejam representados, que reconheçam e respeitem os feitos e o legado do seu
povo. Identificar a ausência das mulheres negras nos livros didáticos de História é
um primeiro passo para que haja uma mudança na forma que essas mulheres são
ou deixam de ser representadas. A escola muitas vezes se mostra como o lugar que
reproduz o discurso do dominador, o discurso da exclusão, mas pode se tornar o
espaço da inclusão, da resistência, da luta social e da insurgência.

2.2 A representação do negro no livro didático de História

Embora os materiais didáticos já apresentem um avanço em relação à


representação dos negros e negras e da sua importância para a formação da
sociedade brasileira, ainda encontramos materiais carregados de estereótipos ou
com pouco espaço para relatar os feitos dos afrodescendentes dentro e fora do
Brasil. Nos livros didáticos o homem negro, em sua grande maioria, não tem nome,
pois esse privilégio é reservado ao homem branco, à mulher negra não é reservado
nem o espaço anônimo em geral. A autora Ana Célia da Silva defende em seu

OLIVEIRA, Marco A. de. O negro no ensino de História: temas e representações. 2000. Dissertação
de mestrado - Faculdade de Educação, USP, São Paulo.
46

artigo "A Desconstrução da Discriminação no Livro Didático" que negros e negras


são representados, em grande parte, nos meios de comunicação e nos materiais
pedagógicos, de forma caricata e despossuídos de humanidade e cidadania (SILVA,
2005, p. 21). Para a autora:

No livro didático a humanidade e a cidadania, na maioria das vezes, são


representadas pelo homem branco e de classe média. A mulher, o negro, os
povos indígenas, entre outros, são descritos pela cor da pele ou pelo
gênero, para registrar sua existência. (SILVA, 2005, p. 21)

O livro didático carrega uma responsabilidade muito grande, pois ele ainda é,
em muitos lares, o único livro que a camada empobrecida e, portanto,
subalternizada, tem contato ao longo da vida (SILVA, 2005, p. 22), como já
afirmamos. Por tamanha responsabilidade e levando-se em consideração que a
maior parte do alunado da rede pública é pobre e negra, o livro didático precisa ser
cada vez mais livre de estereótipos e silenciamentos em relação à população negra
masculina e feminina. Quando alunos e alunas negras não se veem representados
ou se veem apenas representados de forma negativada nos materiais didáticos, eles
não têm a sua identidade afirmada, logo não se interessam pela história que está
sendo narrada/problematizada em sala de aula. Ou na pior das hipóteses, ao não se
identificarem tendem a reproduzir os estereótipos e preconceitos ao qual foram
apresentados. De acordo com Ana Célia da Silva:

A presença dos estereótipos nos materiais pedagógicos e especificamente


nos livros didáticos, pode promover a exclusão, a cristalização do outro em
funções e papéis estigmatizados pela sociedade, a auto-rejeição e a baixa
auto-estima, que dificultam a organização política do grupo estigmatizado.
[...] Não ser visível nas ilustrações do livro didático e, por outro lado,
aparecer desempenhando papéis subalternos, pode contribuir para a
criança que pertence ao grupo étnico/racial invisibilizado e estigmatizado
desenvolver um processo de auto-rejeição e de rejeição ao seu grupo
étnico/racial. (SILVA, 2005, p. 24-25)

Temos uma escola pública onde a maioria dos alunos e alunas matriculados
são negros, entretanto temos um currículo, material didático e, consequentemente,
uma história branca contada nas salas de aula. 8 Apontar a invisibilidade das
mulheres negras no livro didático e apresentar uma teoria e metodologia para que

8
Essa História contada em sala de aula além de ser branca, é masculina, cristã, ocidental e
heterossexual, nessa pesquisa serão abordadas as temáticas raciais e de gênero devido à
importância e relevância dos temas.
47

essa lacuna seja preenchida, é trazer um novo horizonte epistemológico para o


ensino de História. A partir dessa nova epistemologia pretendemos contribuir para a
autoafirmação dessas alunas e alunos, que são maioria dentro das escolas públicas,
e para a construção da sua identidade como meninos negros e particularmente,
meninas negras.

2.3 Livro Didático, Conhecimento Histórico Escolar e Interculturalidade crítica

Circe Bittencourt, dentre outros autores, nos oferece uma rica discussão a
respeito do livro didático. Para ela o livro didático é “um objeto de múltiplas facetas,
uma produção cultural, uma mercadoria, um suporte de conhecimentos escolares,
suporte de métodos pedagógicos e um veículo de um sistema de valores, de
ideologias, de uma cultura de determinada época e de determinada sociedade”. A
autora afirma ainda que os materiais didáticos são instrumentos de trabalho tanto do
professor quanto dos alunos, são suportes fundamentais na mediação no processo
entre o ensino e a aprendizagem. (2009, p. 301-302).
Os livros didáticos são responsáveis por trazerem construções históricas que
muitas vezes são reflexo da visão de quem os escreve e/ou da sociedade, o ramo
editorial é marcado por homens, logo as histórias destes são privilegiadas. Um dos
mais importantes pesquisadores de livros didáticos, o historiador francês Alain
Choppin afirma que:

(...) a imagem da sociedade apresentada pelos livros didáticos corresponde


a uma reconstrução que obedece a motivações diversas, segundo época e
local, e possui como característica comum apresentar a sociedade mais do
modo como aqueles que, em seu sentido amplo, conceberam o livro
didático gostariam de que ela fosse, do que como ela realmente é. Os
autores de livros didáticos não são simples espectadores de seu tempo:
eles reivindicam um outro status, o de agente. (CHOPPIN, 2004, p. 557)

Ainda de acordo com Choppin, sobre a pesquisa histórica a respeito dos livros
didáticos, o autor afirma que:

... a pesquisa histórica sobre os livros e as edições didáticas aborda


aspectos extremamente diversos ... Apesar disso podemos nos arriscar a
distinguir duas grandes categorias de pesquisa: aquelas que, concebendo o
48

livro didático apenas como um documento histórico igual a qualquer outro,


analisam os conteúdos em uma busca de informações estranhas a ele
mesmo,... ou as que só se interessam pelo conteúdo ensinado por meio do
livro didático... aquelas que, negligenciando os conteúdos dos quais o livro
didático é portador, o consideram como um objeto físico, ou seja, como um
produto fabricado, comercializado, distribuído ou, ainda, como um utensílio
concebido em função de certos usos, consumido – e avaliado – em um
determinado contexto. (CHOPPIN, 2004, p.554)

Ter o livro didático e suas representações como objeto de estudo é de


extrema importância, pois eles fazem parte da cultura escolar, trazendo ideias,
ideologias e valores de um determinado tempo. De acordo com Dominique Julia, a
cultura escolar:

não pode ser estudada sem a análise precisa das relações conflituosas ou
pacíficas que ela mantém, a cada período da sua história, com o conjunto
das culturas que lhe são contemporâneas: cultura religiosa, cultura política
ou cultura popular... poder-se-ia descrever a cultura escolar como um
conjunto de normas que definem conhecimentos a ensinar e condutas a
inculcar, e um conjunto de práticas que permitem a transmissão desses
conhecimentos e a incorporação desses comportamentos; normas e
práticas coordenadas a finalidades que podem variar segundo as épocas
(finalidades religiosas, sociopolíticas ou simplesmente de socialização).
(JULIA, 2001, p.10)

Sabemos que os materiais didáticos já apresentam um grande avanço quanto


ao atendimento da Lei 10.639/03, que estabelece a obrigatoriedade do ensino de
História da África e cultura afro-brasileira no currículo oficial de História. Do ano de
2003 até os dias atuais, autores e editoras têm buscado se adequar e apresentar um
livro didático que atenda às especificidades da Lei, mas ainda predominam
conteúdos eurocêntricos que priorizam os feitos do homem branco colonizador. Os
livros selecionados pelo Ministério da Educação têm uma série de critérios que
devem ser obedecidos, além de passarem por comissões de especialistas que
analisam os materiais disponibilizados pelas editoras, ainda assim, esses livros
apresentam silenciamentos de agentes/ protagonistas da História. Dessa maneira,
para tentar tornar visível esses grupos subalternizados invisibilizados, torna-se
necessário que os educadores lancem mão, por exemplo, de uma educação
intercultural crítica, pois essa forma de educar, segundo Candau:

parte da afirmação da diferença como riqueza. Promove processos


sistemáticos de diálogo entre diversos sujeitos – individuais e coletivos –,
saberes e práticas na perspectiva da afirmação da justiça – social,
econômica, cognitiva e cultural –, assim como da construção de relações
igualitárias entre grupos socioculturais e da democratização da sociedade,
49

através de políticas que articulam direitos da igualdade e da diferença.


(CANDAU, 2016, p.810)

A discussão a respeito da educação intercultural crítica ou interculturalidade


crítica é extremamente necessária à sociedade, pois o espaço escolar já está sendo
marcado por debates sobre questões raciais e de gênero. É fato que esses debates
existem, mas eles ainda são pouco desenvolvidos, não sendo suficientes para lidar
positivamente com tensões e conflitos. Como exemplo dessas tensões podemos
citar problemas como intolerância religiosa, preconceito social, racismo, machismo e
bullying em geral. Se a educação intercultural crítica for uma prática recorrente no
espaço educacional, esse tipo de tensão que afeta tanto o cotidiano das escolas e
dos alunos será combatido e minimizado.
A escola e nós educadores precisamos enxergar a educação intercultural
crítica como algo necessário e permanentemente no cotidiano escolar e nas práticas
pedagógicas e não apenas como uma prática isolada e restrita a alguns momentos
específicos. Enquanto a educação que fala sobre a diferença como riqueza e tantos
outros aspectos for isolada, ela vai encontrar os problemas que já conhecemos tão
bem. Em 1995 Nilma Lino Gomes já falava sobre a importância da discussão sobre
relações étnico raciais e gênero serem pautas constantes e não apenas em períodos
específicos, em “A mulher negra que vi de perto: O processo de construção da
identidade racial de professoras negras”, a autora defende que:

Falar em relações raciais, de gênero e de classe, discutir as lutas da


comunidade e das mulheres negras e dar visibilidade aos sujeitos sociais
não implica em um trabalho a ser realizado esporadicamente. Implica em
uma nova postura profissional, numa nova visão das relações que
permeiam o cotidiano escolar e a carreira docente, e ainda, no respeito e no
reconhecimento da diversidade étnico-cultural. Representa a inclusão nos
currículos e nas análises sobre a escola desses processos constituintes da
dinâmica social, da nossa escola e da prática social. Significa, também, a
ampliação das análises sobre gênero, raça e classe que extrapole essa
divisão rígida entre elas. Na realidade social essas três categorias estão
intimamente ligadas. Porém, elas não dão conta por si só de explicar a
totalidade da vida social. É preciso discuti-las juntamente com outras
dimensões presentes no processo de formação humana como a idade, a
religião, a cultura, entre outros (GOMES, 1995, p.35)

A respeito da necessidade da presença do debate sobre a diversidade dentro


e fora da escola, Candau (2001) defende que as diferenças culturais devem estar
presentes na escola, integrando as relações interpessoais e as práticas
pedagógicas. As ações educativas devem permitir o aprendizado dos diferentes
50

sujeitos e grupos, devem também respeitar e valorizar as diversidades culturais.


Educar sob a perspectiva intercultural potencializa os processos de aprendizagem,
tornando-os mais significativos e produtivos para todos os alunos, pois suas
realidades, diferenças e culturas são respeitadas. Dessa forma a interculturalidade
crítica promove a igualdade sem negar a diferença, se posicionando contra todas as
formas de silenciamento ou inferiorização (CANDAU, 2011). Uma educação
intercultural crítica vem a suprir as lacunas que os livros didáticos podem deixar
durante o processo de ensino aprendizagem, os sujeitos históricos silenciados pelo
livro ganham seu merecido protagonismo quando o professor percebe sua ausência
e utiliza a educação intercultural crítica em sala de aula.
A diferença tratada por Candau diz respeito às diferentes realidades dos
nossos alunos, quer sejam culturais, sociais, pessoais, econômicas e/ou políticas.
Convivemos com grupos heterogêneos, mas inseridos numa educação que não abre
espaço para o diálogo, o diferente acaba sendo visto como um problema para a
escola. A diferença racial, social e de gênero traz embates que devem ser
reconhecidos e valorizados, mas que muitas vezes são deixados de lado, devido à
falta de interesse de alguns profissionais da educação, falta de tempo que vem da
necessidade de cumprir um currículo inchado e muitas vezes fora da realidade do
nosso alunado e devido ao uso acrítico de livros didáticos que não abordam e não
valorizam diferentes sujeitos históricos. Nós, educadores, só seremos atores de
processos de educação intercultural crítica se nos colocarmos diante dessas
diferenças com outra postura, devemos positivar essas diferenças para criarmos um
mundo mais igualitário.
Tendo a prática da educação intercultural crítica como objetivo a ser
alcançado, devemos ressaltar que colocá-la em prática ainda é um grande desafio
para nós professores, pois a nossa escola e os materiais didáticos utilizados tendem
à homogeneização. É sabido que nossos alunos são diferentes entre si no que toca
à cor, gênero, classe social, opção sexual, religião, mas no momento de pensar as
práticas pedagógicas a tendência a querer que todos pensem e se comportem da
mesma forma é muito grande. Portanto, torna-se extremamente necessário não
medirmos esforços para desconstruir essa homogeneização e criar propostas
pedagógicas que valorizem a diferença e ao mesmo tempo promovam a igualdade.
Nesse sentido, os professores são vistos como atores que intervêm com os seus
conhecimentos na construção de saberes e fazeres emancipatórios, assim como na
51

constituição de outras memórias e histórias. Um professor comprometido com a


valorização da diferença vai utilizar seu aporte teórico para estabelecer um processo
de aprendizagem que seja capaz de respeitar todos os agentes históricos, pois o
conhecimento histórico escolar pode ser capaz de transformar perspectivas, visões,
opiniões e identidades sobre o outro.
Ana Maria Monteiro afirma ser o conhecimento escolar:

um conhecimento com configuração cognitiva própria, relacionado, mas


diferente do saber científico de referência, e que é criado a partir das
necessidades e injunções do processo educativo, envolvendo questões
relativas à transposição didática, ao conhecimento de referência e cotidiano,
bem como à dimensão histórica e sociocultural numa perspectiva pluralista.
(MONTEIRO, 2001, p.123.)

A autora afirma que a categoria de análise “conhecimento escolar” surgiu no


contexto dos estudos que investigam a relação entre escola e cultura, assim como o
papel desempenhado pela escola na construção da memória coletiva e de
identidades sociais (MONTEIRO, 2001, p. 126). Existem saberes que não são os
elaborados na academia, mas que são ligados às práticas culturais e acabam por
fazer parte da elaboração do saber escolar. São esses saberes populares que fazem
parte da construção e da produção da memória coletiva, das identidades sociais e
da reprodução (ou transformação) das relações de poder. Portanto, segundo Ana
Maria Monteiro (2003), o saber escolar não deve ser inferiorizado por ser constituído
por esses saberes plurais e heterogêneos.
Podemos definir o saber escolar como a junção dos saberes que se
expressam dentro da escola. Esses saberes são plurais, formados por diversos
saberes que são provenientes de instituições de formação de professores, das
disciplinas, do currículo e da vivência e prática docente cotidiana (TARDIFF;
LESSARD; LAHAYE, 1991, p. 232). E para acrescentar, tão importante quanto, o
saber escolar é enriquecido com os saberes dos alunos, saberes esses que partem
das suas vivências individuais e coletivas, dentro e fora da escola.
A partir do questionamento de quais saberes estamos mobilizando como
educadores e quais grupos sociais estamos representando, partiremos para a
análise da coleção didática “Oficina de História” 9 dos autores Flávio de Campos,

9
CAMPOS, Flavio de; PINTO, Julio Pimentel; CLARO, Regina. Oficina de História. São Paulo: Leya,
2. ed., 2016.
52

Júlio Pimentel e Regina Claro com o objetivo de comprovar nossa hipótese de que
as mulheres negras são silenciadas na coleção escolhida para análise.

2.4 Coleção Oficina de História: objeto de análise

A principal metodologia da presente dissertação é a análise da coleção


didática Oficina de História dos autores Flavio de Campos, Júlio Pimentel e Regina
Claro, distribuída pela editora Leya, que é dedicada aos três anos do Ensino Médio,
como já havia sido firmado anteriormente. Flavio de Campos é Professor Doutor do
Departamento de História da USP (Universidade de São Paulo), coordenador
científico do LUDENS (Núcleo Interdisciplinar de Pesquisas Sobre Futebol e
Modalidades Lúdicas), autor de livros didáticos e paradidáticos. Júlio Pimentel é
doutor em História pela USP, professor associado do Departamento de História da
USP, especialista em História da América e História da Cultura, autor de livros
didáticos e paradidáticos. Já Regina Claro, na época do lançamento do livro didático,
era doutoranda da Faculdade de Educação da USP, especialista em História e
Cultura Africana e Afro-americana,estava desenvolvendo projetos de capacitação
para professores da rede pública em atendimento à Lei 10.639/03 e também é
autora de livros didáticos e paradidáticos. 10
A coleção Oficina de História é utilizada na escola onde leciono, o Ciep 309
Zuzu Angel, que fica situada em São Gonçalo, cidade da região metropolitana do
Rio de Janeiro, como também já afirmei. Pretendemos identificar as lacunas
presentes na coleção didática Oficina de História no que se refere à representação
da mulher negra, sem deixarmos de contabilizar e analisar também a representação
do homem negro que, comparado com o homem branco, também é silenciado. Além
disso, será foco de análise a forma e quantidade das representações da História do
continente africano nas coleções analisadas.
Vemos na análise da coleção didática a oportunidade de reconhecer e
denunciar o silenciamento das mulheres negras na História contada dentro da sala
de aula, para, a partir da denúncia, construirmos junto aos alunos uma prática

10
As informações sobre os autores foram retiradas da Coleção dos livros didáticos Oficina de
História.
53

pedagógica crítica e inclusiva, trazendo para as discussões a importância do papel


das mulheres negras na História, não só do Brasil como de outros países.

2.4.1 Oficina de História 1 (1° série do Ensino Médio)

Na apresentação do livro, autores e editora prometem uma obra que trará


uma história plural e repleta de olhares cruzados. Nesse primeiro volume são
abordados o longo percurso da humanidade desde suas origens no período pré-
histórico até a formação dos Estados Absolutistas. O livro, que é dividido em eixos
temáticos, traz uma linguagem própria para alunos de ensino médio, oferece roteiros
de leitura de textos, imagens e mapas. Conta com testes, questões de vestibulares e
de Enem, além de links e QR Codes para pesquisas na internet. Os autores
apresentam livros ricos em imagens contextualizadas com o conteúdo proposto,
interdisciplinaridade, problematizam os fatos históricos e buscam trazer uma
abordagem questionadora e crítica. Em relação à História do continente africano, as
obras estão dentro do esperado, portanto atendem ao que a Lei 10.639/03
determina, porém em relação à participação das mulheres negras na História
pudemos perceber o silenciamento que, infelizmente, é comum nos materiais
didáticos e no currículo escolar.
Em relação às mulheres negras apenas um nome é citado no livro do 1° Ano
do Ensino Médio, que é o da rainha Amanirenas do Reino de Kush, embora em
outros momentos as mulheres negras sejam abordadas, mas nenhum nome
54

específico é citado. As mulheres negras são citadas no capítulo dedicado à


Revolução Neolítica, onde é apresentado um box com um texto contando que a
descoberta da agricultura tenha sido uma descoberta feminina, já no capítulo
dedicado aos povos africanos é abordado o poder das Candaces, as rainhas-mãe do
Reino de Kush. Mas, mesmo assim, isso é muito pouco para tão grande
temporalidade histórica, onde percebemos uma lacuna muito grande em relação à
representação das mulheres negras.
Ficaram fora do conteúdo do livro nomes como Dandara dos Palmares -
heroína que lutou ao lado de Zumbi dos Palmares-, Tereza de Benguela - líder do
quilombo de Quariterê no Mato Grosso-, Zeferina - líder do quilombo de Urubu na
Bahia-, Mariana Crioula - líder da maior fuga de escravizados da região do Vale do
Paraíba -, Aqualtune - princesa africana de um reino do Congo.

Trecho onde a rainha Amanirenas do Reino de Kush é citada.

Quanto às mulheres brancas também observamos certo silenciamento, mas


em comparação com as negras, incomensuravelmente menor. Quando olhamos o
surgimento das mulheres brancas não podemos deslocá-las de sua classe
socioeconômica e condição social, por exemplo: vemos os nomes de Catarina de
Aragão, Ana Bolena, Jane Seymour, todos citados no contexto da cisão de Henrique
VIII com a Igreja Católica. Os nomes da Rainha Elizabeth I e de Catarina de Médice
também são citados. No caso da Rainha Elizabeth I é destacada a sua importância
55

para a consolidação do anglicanismo e da construção da supremacia militar e


econômica da Inglaterra. Já Catarina de Médice é citada no contexto do episódio da
Noite de São Bartolomeu.
As menções às mulheres brancas aparecem em três outros momentos, em
um organograma onde são apresentados os direitos das cidadãs espartanas, ao
longo do capítulo intitulado “A pólis grega”, onde é apresentada a diferença de
direitos entre as mulheres de Esparta e de Atenas. Por fim, no capítulo dedicado ao
feudalismo é abordada as relações de casamento na sociedade feudal.
Quando analisamos a visibilidade dos homens negros também pudemos
perceber que eles sofrem apagamento, pois apesar do grande destaque que o livro
dá à história do continente africano os nomes dos agentes dessa história não são
citados, confirmando nossa tese de que os homens negros não têm nome e de que
esse privilégio é reservado aos homens brancos. O único nome citado foi o do
príncipe Osei Tutu do Reino Achanti.

Trecho do livro onde o príncipe Osei Tutu do Reino Achanti é citado.

O livro conta com oito menções ao continente africano, que vão desde a
origem da espécie humana à escravidão no Brasil colonial. Vemos o continente
africano no capítulo que trata dos povos africanos resumindo-os ao Egito, Kush e
Núbia. Vemos também a África sob o domínio grego e persa e mais adiante sob o
domínio romano. O livro aborda o impacto do islã no continente africano, afirmando
56

que talvez tenha se constituído como a influência mais penetrante e duradoura no


continente africano. São apresentadas também as sociedades africanas urbanas,
que é bem interessante, pois tira o estereótipo da África como um lugar selvagem.
Após o continente africano ser apresentado no contexto da expansão marítima, o
livro aborda a diáspora africana no contexto da colonização brasileira.
Mesmo sabendo que certos conteúdos e abordagens são recentes e que
melhoraram em relação às narrativas didáticas de décadas anteriores, onde não se
falava a respeito dos reinos africanos, ainda entendemos haver a manutenção de
uma enorme assimetria quer nas informações sobre o continente africano, quer
sobre a diversidade dos diferentes povos que compõem esse continente.
Percebemos que se acentuam muito mais as ausências sobre os protagonismos
negros de homens e mais ainda de mulheres.

2.4.2 Oficina de História 2 (2° série do Ensino Médio)

No livro da coleção Oficina de História dedicado à 2° série do Ensino Médio o


silenciamento da mulher negra persiste. O homem negro tem um destaque um
pouco maior em relação ao livro dedicado à 1° série do Ensino Médio, porém a
mulher negra continua ocupando lugares diminutos, ou nas palavras de Grada
Kilomba ocupa o lugar do “outro do outro” (KILOMBA, apud BERTH, 2019).
57

Em toda a obra analisada apenas o nome de uma mulher negra é citado, esse
nome é o de Nzinga Mband - rainha do Ndongo e Matamba. Apesar de ser a única
mulher negra retratada em todo o livro, a rainha Nzinga Mband tem um grande
destaque, ela é apresentada em três tópicos diferentes, onde são contadas as
histórias da Njinga, a rainha e da Njinga, a guerreira que durante mais de 30 anos
resistiu aos portugueses, mas por fim foi vencida e teve muitos de seus soldados
trazidos para a América portuguesa como escravizados. Njinga, rainha de Matamba
e Ndongo é cultuada como heroína angolana das primeiras resistências contra os
dominadores.

Página do livro onde a rainha Nzinga Mband recebe seu destaque.

Através da análise feita percebemos que ficaram de fora do mundo escolar e


do imaginário dos alunos nomes como o de Esperança Garcia, mulher negra que
escreveu uma carta ao governador da Capitania do Maranhão denunciando maus
tratos. O texto é considerado o primeiro documento reivindicatório escrito por um
sujeito escravizado no Brasil. Também temos Luísa Mahin, mãe de Luiz Gama e
membro da Revolta dos Malês, além de Maria Felipa de Oliveira, pescadora e
58

marisqueira, que foi líder de outras mulheres negras e indígenas tupinambás em


batalhas contra os portugueses que atacaram a Ilha de Itaparica por volta de 1822.
Outras mulheres com histórias ímpares poderiam ser estudadas, como: Adelina
Charuteira, que era uma líder no Maranhão, vendia charutos fabricados por seu pai,
como circulava pela cidade vendendo os charutos assistia a comícios promovidos
pelos abolicionistas e começou a participar da causa transmitindo informações e
ajudando na fuga de escravizados. Além dessas todas, podemos citar também: Tia
Simoa - que participou da luta contra a escravidão no Ceará e fez parte do Grupo de
Mulheres Negras do Cariri; Maria Firmina dos Reis - abolicionista negra que se
tornou a primeira romancista do Brasil; Guerreiras de Daomé - mulheres treinadas
militarmente para serem guardiãs do rei do Daomé, região da atual República do
Benin destacando que este foi um dos exércitos mais prósperos do continente
africano durante as incursões coloniais europeias; Harriet Tubman - foi uma
abolicionista e ativista norte americana, durante a guerra civil serviu como batedora
armada e espiã para o exército da União; SanitéBélair - é considerada heroína da
Revolução do Haiti, foi sargento e depois tenente das tropas de Toussaint de
Louverture.
As mulheres brancas aparecem mais vezes que as mulheres negras, mas
podemos afirmar que, mesmo sendo retratadas mais vezes que as mulheres negras,
ainda recebem pouco destaque. No capítulo dedicado ao Iluminismo dois tópicos no
texto referem-se às mulheres, um deles intitulado “As mulheres e o Iluminismo” e o
segundo intitulado “Os direitos da mulher”. No tópico intitulado “Os direitos da
mulher” as escritoras Mary Wollstnecraft e Marie Gouze tem suas, obras que
defendiam os direitos das mulheres no século XVII, citadas. Marie Gouze escreveu
uma peça de teatro antiescravista intitulada A escravidão dos negros. Podemos
observar um claro traço do colonialismo no livro didático analisado, onde uma
mulher branca antiescravista tem seu nome citado enquanto as mulheres negras
que tiveram destaque na luta contra a escravidão, tanto no Brasil como nos Estados
Unidos, são invisibilizadas, não tendo suas identidades reconhecidas.
59

Trecho do livro que cita as escritoras Mary Wollstnecraft e Marie Gouze.

Ainda sobre as mulheres brancas, elas são citadas no capítulo que trata sobre
a Revolução Francesa, a importâncias delas na Revolução é contada ao longo do
capítulo e em um box que fala sobre as mulheres revolucionárias, sendo ilustrado
60

pela clássica gravura Marcha das mulheres revolucionárias até o palácio de


Versalhes de autor anônimo.

Trecho do livro que cita as mulheres na Revolução Francesa.

No capítulo dedicado às revoluções nacionalistas, as mulheres em geral são


abordadas com o tópico “As mulheres e a Revolução de 1848”, ressaltando o nome
de Jeanne Deroin, apontada como figura de grande destaque durante a Revolução
de 1848 na campanha pelos direitos da mulher ao voto na França.
61
62

Páginas que abordam a participação das mulheres durante a Revolução de 1848 e na campanha
pelos direitos da mulher ao voto na França.
63

Por último, no capítulo que aborda as revoltas regenciais, Anita Garibaldi é


citada como uma das personagens da Revolta Farroupilha, a revolucionária
catarinense aparece à margem do seu companheiro, o italiano Giuseppe Garibaldi.
Mais uma vez vemos o diminuto espaço dedicado às mulheres sendo ocupado pelas
mulheres brancas que mesmo aparecendo em um número menor que os homens,
ainda estão presentes. Tal fato confirma que a luta contra o sexismo deve levar em
consideração o uso da interseccionalidade que já foi discutido no primeiro capítulo
deste trabalho, onde as pautas do racismo e do sexismo se unem.

Trecho do livro onde Anita Garibaldi é citada.

Os homens negros recebem um maior destaque em comparação ao livro


dedicado à 1° série do Ensino médio, ao todo são citados nove nomes. No capítulo
que trata do período da descoberta do ouro no Brasil e da ação dos bandeirantes,
vemos os nomes de Ganga-Zumba e de Zumbi dos Palmares, líderes do Quilombo
64

dos Palmares, neste espaço não encontramos nenhuma menção à Dandara dos
Palmares - esposa de Zumbi dos Palmares e guerreira também. O próximo homem
negro citado é Toussaint L’Ouverture, um dos líderes da Revolução do Haiti. É
interessante ressaltar a existência de um box contendo a importância do vodu e do
creóle como símbolos de resistência e elementos de coesão entre os que lutaram
pela independência do Haiti.

Texto mostrando a importância do Vodu e do Créole.


No capítulo que aborda as lutas pela abolição da escravidão encontramos os
nomes de Luís da Gama 11, José do Patrocínio 12, André Rebouças 13 e Francisco

11
Luiz Gama (1830-1882) foi um importante líder abolicionista, jornalista e poeta brasileiro. Trabalhou
na defesa dos negros escravizados exercendo a profissão de “rábula”, nome dado aos advogados
sem título acadêmico, por meio de uma licença especial.
65

José do Nascimento, o Dragão do Mar. 14 Vemos também o nome de Dom Obá II.
No capítulo que fala sobre o imperialismo na África encontramos o nome do Ras
(rei) Menelik II da Etiópia. Este liderou as forças etíopes contra os italianos entre
1895 e 1896. Por último, já no século XX vemos João Cândido e a Revolta da
Chibata que ele liderou, ocupando um parágrafo no capítulo que fala das revoltas
urbanas do Rio de Janeiro no início do século XX, sem receber o destaque que sua
história merece.
Em relação ao continente africano, o destaque é menor neste livro,
aparecendo somente em dois momentos, uma vez quando o livro trata da
colonização portuguesa na África e outra vez no capítulo dedicado ao Imperialismo.
Em relação ao povo negro, ao longo do livro observamos um texto que fala da
contribuição negra para o carnaval e outro que fala sobre o carnaval e a intolerância
religiosa.

2.4.3 Oficina de História 3 (3° série do Ensino Médio)

12
José do Patrocínio (1853-1905) foi um abolicionista, jornalista e escritor brasileiro. Participou
ativamente dos movimentos para libertação dos escravos.
13
André Rebouças (1838-1898) foi um engenheiro, professor, abolicionista e monarquista brasileiro.
O primeiro engenheiro negro a se formar pela Escola Militar.
14
Francisco José do Nascimento, o Dragão do Mar, foi líder jangadeiro e abolicionista. Participou
ativamente do Movimento Abolicionista Cearense, organização do estado que foi o primeiro a abolir a
escravidão. Entre suas principais ações, esteve o impedimento do comércio de escravizados nas
praias do Ceará e a recusa ao transporte de navios negreiros que conduziam escravizados do
Nordeste ao Sul do país.
66

O livro da coleção Oficina de História dedicado ao 3° e último ano do Ensino


Médio traz a imagem de Angela Davis 15 durante a juventude, na época em que era
militante dos direitos civis junto aos Panteras Negras. Curiosamente seu nome não é
citado no capítulo dedicado à luta pelos direitos civis nos Estados Unidos.

Trecho do livro que fala sobre os Pantera Negras e silencia a participação de Angela Davis no
movimento.

Se fossemos analisar o livro pela capa esse livro ganharia um lugar de


destaque, porém para ser bem utilizado em sala de aula ele precisa de
conhecimento e interesse por parte do professor para trazer a intelectual negra
Angela Davis para o debate dentro de sala de aula, sendo necessário trazer para a
discussão o porquê de termos uma mulher negra estampando a capa do livro, mas
não termos sua história e sua importância na luta por igualdade racial e de gênero
nas páginas da obra. Ficou claro que podemos ter coleções que atendam a todos
os critérios exigidos pelo PNLD, mas que não promovam uma educação intercultural
15
Angela Davis é filósofa, professora emérita do departamento de estudos feministas da
Universidade da Califórnia, é considerada um ícone da luta pelos direitos civis. Foi ativista do grupo
Panteras Negras e do Partido Comunista dos Estados Unidos.
67

crítica e que dê protagonismo a todos os sujeitos da História, principalmente às


mulheres negras.
Retornando à análise do livro, encontramos o nome de uma mulher negra em
toda a obra, esse nome é o de Rosa Parks. Rosa Parks é apresentada no capítulo
que trata sobre os direitos civis e racismo nos Estados Unidos, nesse mesmo
espaço esperávamos encontrar o nome de Angela Davis, mulher que estampa a
capa do livro. Mais uma vez vemos a luta da mulher negra sendo silenciada, nos
mostrando que a mulher negra não está fora das ações históricas, ela está fora das
representações históricas.

Trecho do livro que cita o nome de Rosa Parks.

Como vimos as mulheres brancas ganham um espaço maior que o das


mulheres negras e dos homens negros, esse fato corrobora com Ramón Grosfoguel
(2009) quando o autor afirma que a raça afeta a hierarquia global entre os sexos.
Podemos observar uma hierarquia racializada, onde as mulheres brancas ocupam
um lugar superior ao do homem negro e a mulher negra ocupa um lugar inferior ao
do homem negro, ficando no último nível hierárquico.
68

Encontramos nomes de oito mulheres brancas e uma menção ao grupo de


mulheres sufragistas. O primeiro nome encontrado foi o de Rosa Luxemburgo no
capítulo referente à revolução socialista na Rússia. Esta é lembrada por sua luta
ativa na revolução socialista e por suas mobilizações pelo fim da Primeira Guerra
Mundial.

Trecho do livro que cita Rosa Luxemburgo.

No capítulo que fala da Revolução Mexicana encontramos o nome de Frida


Kahlo, pintora que retratou em diversas telas a ação feminina na Revolução
Mexicana. No mesmo capítulo temos um boxe com um texto do autor Ricardo
Magón Flores intitulado As mulheres revolucionárias, relatando a participação das
mulheres mexicanas na Revolução.
69

Página do livro que fala sobre Frida Khalo e As Mulheres Revolucionárias.

No capítulo que aborda a Revolução Constitucionalista no Brasil encontramos


os nomes de Nísia Floresta e Bertha Lutz, consideradas de extrema importância
para o movimento sufragista brasileiro.
70

Página do livro que cita os nomes de Nísia Floresta e Bertha Lutz.

No capítulo seguinte, que fala sobre o autoritarismo no Brasil durante o


governo Vargas não poderia faltar o nome de Olga Benário, esposa de Luís Carlos
Prestes que foi deportada para a Alemanha nazista. Junto do nome de Olga Benário
está o de sua filha, a historiadora Anita Leocádia Prestes.
71

Box do livro dedicado à Olga Benário.

No capítulo que aborda a Argentina e o peronismo vemos o nome de Eva


Perón, mulher que teve importância significativa na luta pelo voto feminino na
Argentina. Por último, no capítulo que passa pela Revolução Sandinista é citado o
nome de Violeta Chamorro, presidente da Nicarágua entre os anos de 1990 e 1997.
72

Página onde o nome de Eva Perón é citado.


73

Trecho do livro que cita Violeta Chamorro.

Nenhuma dessas mulheres citada anteriormente é negra, portanto,


poderíamos perguntar por diversas mulheres negras, como: Lélia Gonzalez,
Laudelina de Campos Melo (fundadora do primeiro sindicato de domésticas em
Santos, mulher negra), D. Ivone Lara, Chiquinha Gonzaga e tantas outras.
Ainda no século XX, sobre os homens negros, apenas quatro nomes são
citados. Vemos o nome de Jesse Owens, homem negro que fez história por se
destacar em uma Olimpíada organizada pelos nazistas. Martin Luther King e Malcom
74

X ganham grande destaque no capítulo referente à luta pelos direitos civis nos
Estados Unidos, destaque esse que foi negado à Angela Davis. Por fim,
encontramos o nome de Nelson Mandela no capítulo que aborda o fim do apartheid
na África do Sul. Em relação à História do continente africano, a mesma só é
abordada no capítulo sobre a descolonização da África.
Podemos concluir que a coleção didática Oficina de História atende ao que a
Lei 10.639/03 estipula trazendo temas sobre a História da África, cultura afro-
brasileira e a contribuição dos negros para a construção do Brasil. Faz uma análise
crítica da História, levanta debates, valoriza parcialmente a contribuição feminina
branca nos fatos históricos já que dá maior ênfase aos homens, mas a respeito das
mulheres negras a coleção didática mantém o silenciamento e apagamento delas.
bel hooks afirma que o poder que os homens usam para dominar as mulheres, não é
apenas um privilégio das classes altas e médias dos homens brancos, mas um
privilégio de todos os homens na sociedade sem olhar a classe ou a raça (2014,
p.64.), tal afirmação é comprovada pelo fato das mulheres negras aparecem em
menor número nas três coleções analisadas se forem comparadas com as mulheres
brancas e com os homens negros, não precisamos fazer uma comparação com os
homens brancos, pois estes já têm o seu lugar hegemônico.
Para finalizar nosso trabalho, no terceiro e último capítulo falaremos das
dificuldades que a pandemia do Covid-19 trouxe para a educação no estado do Rio
de Janeiro, discutiremos como a ausência das aulas presenciais afetou nossa
primeira proposta de produto. Faremos também uma breve análise sobre a reforma
do Ensino Médio e seu impacto nos livros didáticos, além de apresentar e debater
nosso produto que consta em anexo.
75

3 TIRANDO AS MULHERES NEGRAS DA SUBALTERNIDADE

Neste último capítulo temos como objetivo fazer uma breve análise sobre a
reforma do Ensino Médio e seu impacto nos livros didáticos de História,
apresentaremos uma sequência didática que pode ser usada como material
introdutório para as aulas que trarão o protagonismo das nossas personagens
negras, além de apresentar e debater nosso produto final sobre a invisibilidade da
mulher negra nos livros didáticos, o Caderno Pedagógico que consta em anexo.

3.1 A reforma do Ensino Médio e a mudança nos livros didáticos para esse
segmento

Com implementação prevista para o ano de 2021, a reforma do Ensino Médio


oficializa mudanças para a estrutura curricular das escolas públicas. Teremos como
principal alteração a redução da carga horária do currículo obrigatório, que irá
impactar diretamente nas disciplinas de Ciências Humanas. Em contrapartida os
alunos terão a possiblidade de escolher o restante da grade curricular baseada de
acordo com sua área de interesse.
A reforma do Ensino Médio teve início no ano de 2017, no governo de Michel
Temer, através da Lei 13.415 de fevereiro de 2017 (BRASIL, 2017). A princípio tal
reforma começaria a ser implementada a partir do ano de 2020, mas a pandemia
adiou o projeto e a reforma começará a ser implementada em 2022, iniciando pelos
alunos do primeiro ano do Ensino Médio. Tal reforma não foi discutida por toda a
comunidade escolar e está sendo colocada em prática contra a vontade da grande
maioria dos professores. Nós professores acreditamos que a reforma do Ensino
Médio aumentará as desigualdades, pois sabemos da grande carência de
infraestrutura e mão de obra das escolas públicas brasileiras. Sabemos também que
não é de interesse público melhorar a qualidade da educação escolar que é ofertada
para os jovens brasileiros que estudam em escolas públicas, mas sim, adequá-los
aos interesses do mercado. É consenso entre os estudiosos da reforma que a Lei
13.415/17 tem como propósito principal fazer alterações na estrutura curricular do
76

Ensino Médio para que demande menos recursos do Poder Público (HERNANDES,
2019).
A lei federal 13.415/17 (BRASIL, 2017) prevê a ampliação da carga horária do
Ensino Médio até torná-la ensino de tempo integral, também estabelecendo cinco
áreas de conhecimento que compõem os itinerários formativos – Linguagens e suas
Tecnologias; Matemática e suas Tecnologias; Ciências da Natureza e suas
Tecnologias; Ciências Humanas e Sociais Aplicadas; e Formação Técnica e
Profissional. Na prática apenas as disciplinas de português, matemática e inglês
serão obrigatórias, as demais disciplinas serão ofertadas na forma de itinerários
formativos que deverão ser organizados pelas escolas. De acordo com o Ministério
da Educação (MEC) os itinerários formativos são o conjunto de disciplinas, projetos,
oficinas, núcleos de estudo, entre outras situações de trabalho, que os estudantes
poderão escolher no ensino médio. Os itinerários formativos podem se aprofundar
nos conhecimentos de uma área do conhecimento (Matemáticas e suas
Tecnologias, Linguagens e suas Tecnologias, Ciências da Natureza e suas
Tecnologias e Ciências Humanas e Sociais Aplicadas) e da formação técnica e
profissional (FTP) ou mesmo nos conhecimentos de duas ou mais áreas e da FTP.
As redes de ensino terão autonomia para definir quais os itinerários formativos irão
ofertar, considerando um processo que envolva a participação de toda a
comunidade escolar. 16
Sabemos que não há garantia de que todas as escolas ofertem todos os
itinerários formativos, pois muitas escolas não contam com professores de todas as
áreas em seus quadros de profissionais, infraestrutura de laboratórios, salas de
informática, além de dependerem de parcerias para a oferta da formação técnica
profissional. O que estamos observando é o temor dos professores das áreas de
Ciências Humanas e Ciências Biológicas de perderem seus espaços dentro das
escolas. Hernandes confirma nosso temor quando afirma que:

Essa medida estabelecida à sociedade brasileira poderá levar a profundas


desigualdades nas escolas. Alunos de escolas mantidas pelo Poder Público
terão de se contentar com que o Estado, em tempos de ajuste fiscal, puder,
quiser ou pretender lhes oferecer, excetuando-se português, matemática e
inglês. Essa flexibilização pode empobrecer o currículo das escolas públicas

16
http://portal.mec.gov.br/publicacoes-para-professores/30000-uncategorised/40361-novo-ensino-
medio-
duvidas#:~:text=Os%20itiner%C3%A1rios%20formativos%20s%C3%A3o%20o,poder%C3%A3o%20
escolher%20no%20ensino%20m%C3%A9dio. Acesso em 25/09/2021.
77

no tocante ao conjunto de saberes das diversas ciências, da filosofia e da


arte. Estudos de química, física, biologia, filosofia, história, geografia, artes,
sociologia e educação física, poderão ficar de fora do currículo do Ensino
Médio ou ter sua carga horária reduzida a doses incipientes. (HERNANDES,
2019, p. 6)

Podemos ver que a reforma do Ensino Médio promoverá uma enorme


desigualdade de ensino, já que as escolas particulares ou públicas com mais
recursos poderão ofertar um número maior de possibilidades para seus alunos, já as
escolas com menos infraestrutura e professores poderão ofertar opções de
itinerários mais pobres, que não necessitem de muitos recursos.
A nova proposta, acentuará ainda mais as desigualdades existentes no
campo da educação, pois assenta-se na crença de que os estudantes aprenderão
de modo autônomo, valorizando a aprendizagem pela pesquisa, mas na verdade
libera o estudante de integralizar parte do currículo do Ensino Médio como educação
formal, ou seja, na escola e com professores. Tal arranjo tem se mostrado inviável
durante toda a pandemia. Os alunos não apresentam autonomia para guiarem seus
próprios estudos, não têm acesso à tecnologia para que tal autonomia possa se
desenvolver, além de não conseguirem colocar em prática a noção de que uma
etapa da educação escolar se dará de forma presencial e outra etapa se dará à
distância. No meio do processo a etapa da educação à distância se perde e o
processo de ensino aprendizagem fica incompleto ou inexistente. Percebemos que a
reforma do Ensino Médio atende a interesses que não são os educacionais e
trabalha para a formação de uma mão de obra mal qualificada que será jogada em
um mercado de trabalho que já está saturado, tudo isso enquanto os alunos das
escolas particulares contarão com sua educação plena garantida. Vamos aguardar
para constatar como cada governo de estado da federação brasileira colocará em
prática esta lei, o que com certeza também gerará desigualdades internas,
colonialismos internos onde um grupo será o detentor de capital cultural e
econômico e o outro seguirá marginalizado.
A reforma do Ensino Médio trouxe junto com ela uma nova estrutura para os
livros didáticos, a partir de 2022 os livros não serão mais divididos por disciplina
como sempre foram, e sim por área de conhecimento, seguindo as diretrizes da
Base Nacional Comum Curricular do Novo Ensino Médio. No caso de Ciências
Humanas um mesmo livro contará com conteúdos referentes às disciplinas de
História, Geografia, Filosofia e Sociologia recebendo o nome de Ciências Humanas
78

e Sociais Aplicadas. Cada ano de escolaridade poderá ter mais de um volume na


tentativa de atender a todas as disciplinas da área de conhecimento.
O edital do PNLD 2021 apresenta cinco objetos: objeto 1 – Obras Didáticas
de Projetos Integradores e de Projeto de Vida destinadas aos estudantes e
professores do ensino médio; objeto 2 – Obras Didáticas por Áreas do
Conhecimento e Obras Didáticas Específicas destinadas aos estudantes e
professores do ensino médio; objeto 3 – Obras de Formação Continuada – Professor
e Gestor; objeto 4 – Recursos Digitais e objeto 5 – Obras literárias (PNLD 2021).
Os professores participaram ativamente na escolha do objeto 2 – Obras
Didáticas por Áreas do Conhecimento e Obras Específicas destinadas aos
estudantes e professores do ensino médio. Fomos jogados no olho do furacão com
a tarefa de nos reunirmos com os colegas da área de conhecimento para
escolhermos os livros didáticos que serão utilizados a partir de 2022. Em um
primeiro momento ficamos assustados com a nova estrutura dos livros, apesar de
sabermos que teríamos livros didáticos compartilhados por área de conhecimento, o
espanto foi inevitável. Após o susto tivemos que entrar em consenso para a escolha
de um livro que atendesse às demandas das disciplinas de História, Geografia,
Filosofia e Sociologia, mesmo sem sabermos se todas as disciplinas serão
contempladas nos itinerários formativos que serão oferecidos pela escola.
De forma inevitável direcionei minha análise para o objeto dessa pesquisa, a
invisibilidade da mulher negra no livro didático de História. Se a invisibilidade da
mulher negra já foi comprovada na coleção didática analisada que atende ao
formato anterior à reforma do Ensino Médio, neste novo formato de livro didático
essa invisibilidade ficou ainda mais acentuada. Povos indígenas, homens e
mulheres negros não tiveram espaço nos novos materiais didáticos, poucos volumes
abordavam questões ligadas à desigualdade racial e de gênero.
Em um momento em que a garantia de formação plena e crítica não existe
mais, torna-se urgente o esforço para garantir uma educação intercultural crítica,
seja ela feita através de propostas de itinerários formativos, seja através das
brechas decoloniais. Após esta análise concluímos que nosso produto na forma do
caderno pedagógico pode vir a suprir algumas das lacunas deixadas por esse novo
material didático que chegará nas mãos dos alunos do Ensino Médio.
79

3.2 Produto final: Caderno Pedagógico

Temos como produto a confecção de um material que será destinado para o


uso do professor em sala de aula. Tal material consistirá em um Caderno
Pedagógico que tem o intuito de auxiliar os professores a dar protagonismo a
algumas das mulheres negras que foram silenciadas na coleção didática Oficina de
História que foi analisada nesta dissertação e que podem e devem ter sido
silenciadas em muitas outras. Ficou comprovado em nossa análise que as mulheres
negras são silenciadas em detrimento das mulheres brancas e dos homens negros,
fazendo com que suas contribuições para a história e para a formação das
sociedades sejam negligenciadas, levando-as à subalternização. Infelizmente esse é
um fenômeno que pode ser observado em outros materiais didáticos fazendo com
que a confecção de nosso produto seja algo de extrema relevância.
O Caderno Pedagógico, que consta como anexo, está dividido por ano de
escolaridade, sendo destinado ao Ensino Médio, porém podendo ser adaptado pelo
professor para o uso com o Ensino Fundamental. O Caderno Pedagógico conta com
cinco personagens negras para cada ano de escolaridade, com exceção da 3° série
que tem seis personagens, cada personagem tem sua história contada de forma
breve e didática. Também sugerimos ferramentas que poderão ser utilizadas quando
essas personagens negras forem apresentadas na sala de aula.
Para o 1° ano do Ensino Médio temos os seguintes nomes: Nzinga Mbandi,
Mariana Crioula, Dandara de Palmares, Tereza de Benguela, Aqualtune. Para o 2º
ano do Ensino Médio temos Tia Simoa, Luisa Mahin, Harriet Tubman, Guerreiras de
Daomé e Maria Felipa de Oliveira e por último, para o 3º ano do Ensino Médio temos
Carolina Maria de Jesus, Tia Ciata, Laudelina Campos Melo, Rosa Parks, Angela
Davis e Marielle Franco. Para contarmos as histórias dessas mulheres tivemos o
auxílio da autora Jarid Arraes através de seu livro Heroínas negras brasileiras: em
15 cordéis (2020) 17, seus cordéis contam a história de 15 mulheres negras de forma
poética e alguns desses cordéis aparecem como sugestão de ferramenta
pedagógica em nosso guia para os professores. Jarid Arraes é uma autora negra e
nordestina que se dedica a resgatar as histórias de mulheres negras que foram

17
A capa do livro consta nos anexos.
80

colocadas na subalternidade, seja pelo machismo e racismo, seja por outras faces
da colonialidade que persiste em nossa sociedade colocando negros em patamares
inferiores e negras em patamares mais inferiorizadas ainda. Seu trabalho é
extremamente bonito e lúdico, se mostrando muito relevante e útil para a realização
de uma educação plural e antirracista. Tenho um carinho especial pela autora, por
ter sido a partir de um livro dela – As Lendas de Dandara – que a semente dessa
pesquisa foi plantada.
Pretendemos com nosso produto possibilitar que um determinado segmento
marginalizado e subalternizado, seja representado nos livros didáticos e a partir
desses discursos, ser construída uma educação que valorize a História dos
silenciados, que potencialize o fortalecimento de identidades raciais e de gênero,
especialmente e particularmente das mulheres negras. Assim sendo, atuaremos na
perspectiva de uma educação antirracista. Também pretendemos que o Caderno
Pedagógico auxilie os professores a inserirem novos sujeitos em suas aulas,
enriquecendo o processo de ensino e aprendizagem, pois é imprescindível que a
escola possua ao menos materiais didáticos/pedagógicos que permitam trabalhar
com a diversidade. O material também tem a intenção de contribuir de forma
afirmativa no empoderamento identitário de seus alunos e especialmente e
prioritariamente, de suas alunas.
Quando a pesquisa estava sendo elaborada para o processo de qualificação,
pensamos nosso material pedagógico com ilustrações feitas pelos alunos do Ciep
Zuzu Angel ao longo das aulas que seriam ministradas no segundo semestre de
2020 e primeiro semestre de 2021. As ilustrações seriam colhidas à medida que as
intervenções que apresentassem as mulheres negras como agentes históricas
fossem acontecendo, em tal momento aconteceriam oficinas pedagógicas com o
intuito de esclarecer para os alunos a importância de darmos protagonismo a essas
mulheres, que muitas vezes são negligenciadas.
O momento de realização das oficinas pedagógicas seria o momento de unir
teoria e prática, onde construiríamos estratégias de integração entre pressupostos
teóricos e prática. Através das oficinas tiraríamos os alunos dos lugares de
expectadores e daríamos os lugares de atores, onde eles poderiam construir o seu
conhecimento através da ação. As oficinas teriam como finalidade a aproximação
dos alunos com as mulheres negras da história de forma mais íntima. Seus atos,
seus nomes, seus rostos passariam a ser de conhecimento dos alunos, que em
81

grupos analisariam, dariam suas impressões e opiniões a respeito de cada uma.


Diferente da aula expositiva tradicional, onde muitas vezes o conteúdo é apenas
informado e uma atividade individual é solicitada, a oficina criaria um ambiente mais
propício para trocas entre alunos e professores. No artigo intitulado “Oficinas
pedagógicas: relato de uma experiência”, as autoras Neires Maria Soldatelli Paviani
e Niura Maria Fontana dão uma definição para oficina pedagógica que explicita bem
o resultado que desejávamos ter com meus alunos do Ciep Zuzu Angel.
Defendemos o uso de oficinas pedagógicas, pois concordamos com as autoras
quando elas afirmam que:

Uma oficina é, pois, uma oportunidade de vivenciar situações concretas e


significativas, baseada no tripé: sentir-pensar-agir, com objetivos
pedagógicos. Nesse sentido, a metodologia da oficina muda o foco
tradicional da aprendizagem (cognição), passando a incorporar a ação e a
reflexão. Em outras palavras, numa oficina ocorrem apropriação, construção
e produção de conhecimentos teóricos e práticos, de forma ativa e reflexiva.
(PAVIANI, FONTANA, 2009, p. 78).

As oficinas ocorreriam duas vezes a cada bimestre, tendo sua finalização


ainda em 2020. Porém, no dia 13 de março de 2020 as aulas em todas as
instituições de ensino do Brasil foram suspensas em decorrência da pandemia do
vírus Covid-19, que levou todo o país a viver em distanciamento social. Na Rede
Estadual de Educação do Rio de Janeiro, onde sou professora regente, foi
implementado às pressas e sem nenhum tipo de preparo um sistema remoto de
aulas através da plataforma Google Classroom.
As aulas através da plataforma se mostraram ineficientes e excludentes, já
que a grande maioria do alunado da rede pública não tem acesso à internet banda
larga, muitas vezes utilizando pacotes de dados limitados de operadoras de telefonia
móvel que se esgotam quando o acontece o acesso à plataforma Google
Classroom, o que sem dúvida vai contribuir para o aumento da desigualdade social.
Além da dificuldade com a internet nossos alunos também encontram dificuldade
com equipamentos, muitas famílias com dois ou mais filhos matriculados na rede
estadual dividem o mesmo notebook ou o mesmo aparelho celular, isso sem pensar
nas famílias que não possuem nenhum dos dois aparelhos. As aulas remotas
impostas pela Secretaria de Educação vão contra o projeto de educação intercultural
crítica tão defendido anteriormente, já que ela parte do pressuposto de que todos os
alunos têm as mesmas oportunidades de acesso à tecnologia. Tendo em vista a
82

suspensão das aulas antes do fim do primeiro bimestre de 2020 e todas as


dificuldades pelas quais estamos passando, alunos e professores, as oficinas
pedagógicas que seriam partes fundamentais desta pesquisa foram reprogramadas
para o ano de 2021.
Chegamos ao ano de 2021 vivendo o pior momento da pandemia devido à
incapacidade e falta de vontade do Governo Federal em adquirir a vacina imunizante
para a Covid-19. As aulas presenciais na Rede Estadual do Rio de Janeiro
continuavam suspensas e a pesquisa se estendendo, pois a essa altura da
pandemia era difícil conseguir prosseguir com uma escrita de qualidade. Mediante
novo prazo para a conclusão da pesquisa, optamos por renunciar às oficinas
pedagógicas e decidimos produzir o Caderno Pedagógico, infelizmente, sem a
participação dos alunos devido às condições sanitárias vividas nas cidades
fluminenses, como São Gonçalo, por exemplo.
No mês de maio deste ano - 2021 -, o Governo do Estado do Rio de Janeiro
implementou o sistema de ensino híbrido nas escolas estaduais nas cidades que
apresentavam bandeira laranja. O retorno às aulas foi marcado pelo medo,
apreensão e, no caso do Ciep 309 Zuzu Angel (e em outras escolas também), a
ausência dos alunos do Ensino Médio. O sistema híbrido de ensino conta com um
rodízio nas turmas, onde ela é dividida em grupos e cada grupo assiste a aula
presencial durante uma semana, na semana seguinte ocorre a troca com o outro
grupo. Estamos presenciando uma escola extremamente esvaziada, onde não há
nem a necessidade de dividir as turmas em dois grupos devido à falta de alunos.
Esse esvaziamento se dá por diversos motivos, podemos destacar: o fato de muitos
alunos terem aproveitado o ensino remoto para ingressarem no mercado de
trabalho; muitos outros preferem a comodidade de estudarem de casa mesmo
percebendo que o processo de ensino aprendizagem está sendo afetado; e temos
também os alunos que se "perderam" pelo meio do caminho em tanto tempo de
pandemia e com os gravíssimos problemas gerados pela mesma (desemprego,
mortes e doenças de familiares, falta de atendimento médico, etc). A busca desses
alunos é uma preocupação e trabalho constante da equipe diretiva e pedagógica da
escola, mas muitas vezes ela é feita sem sucesso. Percebemos que nossos alunos
estão ficando para trás, estão caindo em um abismo educacional de onde será muito
difícil tirá-los. Vemos a sociedade e a mídia culpando os professores por esse
abismo, nos colocando na posição de acomodados e preguiçosos por
83

questionarmos o retorno às aulas presenciais, quando o único culpado de toda essa


situação é o Governo Federal - que em nenhum momento soube controlar a crise
sanitária e humanitária que estamos vivendo, onde já perdemos mais de 600 mil
vidas.
Mediante esses dados fica inviável a realização das nossas tão sonhadas
oficinas pedagógicas, onde tantas experiências e tantos conhecimentos seriam
trocados. Preparamos nosso Caderno Pedagógico pensando no retorno do contato,
das trocas e dos afetos com a intenção de auxiliar o trabalho do professor no
resgate dos nossos alunos, do abismo que eles foram lançados durante todo esse
período pandêmico. Pensamos e desejamos um retorno à normalidade com
segurança, sala de aula e corredores cheios, muitos risos, conversas e abraços para
junto com os nossos alunos continuarmos nossa luta por uma educação plural,
intercultural, antirracista, feminista, decolonial que lute para não deixar nenhum
aluno para trás.
Junto com nosso Caderno Pedagógico sugerimos uma sequência didática
que pode ser utilizada para introduzir a história das nossas heroínas negras nas 3
séries do Ensino Médio, assim como no Ensino Fundamental fazendo as
adequações necessárias. A sequência didática aborda as obras da autora Jarid
Arraes, através das quais ela busca resgatar sua ancestralidade e dar voz às
mulheres silenciadas. Utilizaremos uma entrevista dada pela autora à Carta Capital
e um vídeo do Youtube onde a autora fala do seu livro Heroínas negras: em 15
cordéis para a partir daí suscitarmos nos alunos a curiosidade pela busca da
ancestralidade deles, assim como conhecer as mulheres que são invisibilizadas ao
longo da história escolar deles.

3.3 Sequência didática

Jarid Arraes: a mulher negra em busca da sua ancestralidade


Tempo previsto: 4 tempos de aula/50 minutos cada tempo, divididos em dois
encontros.
Objetivo: apresentar a autora Jarid Arraes e mostrar a importância e pertinência do
resgate da nossa ancestralidade para a nossa proposta de trabalho que é a
84

visibilidade das mulheres negras na história. Introduzir a temática sobre a


invisibilidade das mulheres negras.
Recursos necessários: Multimídia para a projeção da imagem da autora e vídeo do
Youtube, material impresso (entrevista).
Orientações metodológicas: professor, peça aos alunos para lerem a entrevista,
assistam o vídeo onde a autora Jarid Arraes apresenta seu livro Heroínas Negras
Brasileiras: em 15 cordéis e em seguida, siga o roteiro das questões, acrescentando
os comentários que julgar necessários, e incentivando a participação dos alunos.
Para um segundo encontro os alunos deverão produzir e apresentar uma entrevista
em formato de vídeo ou podcast com uma pessoa produtora/difusora de algum tipo
de conhecimento na comunidade em que eles vivem. A intenção da atividade é dar
visibilidade a essa pessoa.
Sugestão para os alunos: essa pessoa pode ser um professor de capoeira, músico,
líder comunitário etc.

Link do Youtube: https://www.youtube.com/watch?v=DJj68LkSkwY

Jarid Arraes: “Escrevo para honrar minha ancestralidade” por Aline Valek —
publicado 29/03/2016 10h23, Carta Capital.

Em entrevista, a escritora caririense Jarid Arraes conta como busca suas origens
ao escrever cordéis e literatura De pantufas roxas, ela apareceu à porta para me
receber.

Você sabe que está entrando no mundo de Jarid Arraes pela cor: o roxo começa a
despontar aqui e ali, nas paredes, almofadas e até no seu cabelo, crespo e
volumoso, recém-cortado na altura do queixo.
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– Fui uma criança diferente dos meus amigos, cresci cercada de cultura popular
nordestina – Jarid começou a contar.

– Meu avô fundou uma associação de artesãos em Juazeiro do Norte, a


Associação de Artesãos do Padre Cícero, que funciona num lugar chamado Centro
de Cultura Popular Mestre Noza. Meu avô foi diretor, depois minha avó, depois meu
pai. E eu cresci lá. Então sempre gostei muito de tudo o que as outras crianças não
gostavam: cordel, xilogravura, maracatu, banda cabaçal.

– Os jovens acabam se identificando mais com “cultura pop”, né? Que é, na


verdade, cultura americana – observei. – Isso. Você quer se aproximar do que está
na moda, do que aparece na televisão, do que é considerado legal. E cultura
popular nordestina não é visto como algo “legal”.

Mas às vezes os trabalhos de escola aconteciam lá no Mestre Noza, e todo mundo


ficava maravilhado porque eu conhecia tudo, me pediam para meu pai dar
entrevista. E eles ficavam surpresos quando descobriam.

Desde criança, Jarid lia muito cordel. Ouvia o pai declamar cordel. Mas começou a
escrever cordel só de uns quatro anos pra cá.

– Eu achava que não tinha talento. Mas fiquei incomodada pensando: meu avô é
bem idoso, ele está com 80 anos. Em breve vai morrer. Um dia meu pai também vai
morrer. Se eles morrem, acaba com eles a tradição do cordel na família, porque
ninguém mais escreve. Resolvi então começar a escrever.

Foi num sábado à noite que ela sentou na frente do computador para escrever.
Nunca havia feito isso. Tinha ao seu lado um cordel do pai para usar como
referência, mas percebeu que não ia precisar. Os versos saíram com tanta
naturalidade que, dez minutos depois, estava pronto seu primeiro cordel: Dora, a
negra e feminista.

– Parece que saiu magicamente, mas não! Estava na minha memória, era algo que
fazia parte de mim. Por isso eu tenho mais facilidade pra escrever cordel. Levanto
desesperada e penso “tenho que fazer cordel hoje!”, sento e faço.
86

Não é exatamente simples, mas a coisa se complica quando ela escreve cordéis
sobre figuras históricas como Tereza de Benguela, Dandara dos Palmares,
Aqualtune, Antonieta de Barros.

– Lembro que no cordel sobre a Carolina Maria de Jesus você escreveu algo
como “era o ano de quatorze / inda de mil e novecentos”. Assim quebrado –
comentei.

– É isso mesmo. Tenho que fazer uns “migué” para caber no ritmo. Outra
“trapaça” é comer sílabas das palavras. Mas acho que faz parte da técnica. Até
nas oficinas de cordel que dou, falo para as pessoas se sentirem à vontade para
escrever “errado”. Quanto mais errado, mais legal fica. Dá identidade.

No ano passado, Jarid lançou seu primeiro livro de ficção. A ideia foi resgatar uma
heroína brasileira negligenciada pela história, a ponto de não haver registros
sobre ela – muitos acreditam que ela nem chegou a existir. Assim Jarid deu forma
ao livro As Lendas de Dandara, imaginando histórias épicas que preenchessem
essa lacuna sobre a heroína de Palmares.

– Escrever ficção em cordel é outra lógica. A história é transmitida pelo efeito de


humor, ou o impacto de raiva, ou da própria sonoridade.

Escrever As Lendas de Dandara foi complicado porque eu nunca tinha escrito


ficção em prosa maior que uma página. Eu também não tinha muita referência, as
coisas que eu lia eram muito diferentes do que eu queria fazer. Os livros que têm
mais a ver com o que escrevo hoje só fui conhecer adulta.

– Mas As Lendas de Dandara tem um toque de fantasia.

– Tem, mas também é bem diferente do que eu estava acostumada a ler: Senhor
dos Anéis, As Brumas de Avalon. Mitologia nórdica, europeia. E também não sei
se dá pra considerar As Lendas de Dandara como fantasia, porque muitas
pessoas acreditam em orixás. Também não acho relevante dar o rótulo de
fantasia. Até porque, sinceramente, não vejo o público que lê fantasia se
interessando tanto por mitologia africana.
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Esses dias eu estava procurando mais livros de fantasia para ler. Fui procurar em
alguns sites para ver o que me interessava e era tudo a mesma coisa. Castelo,
dragão e mago. Minha gente, até na mitologia europeia tem mais coisa do que
castelo, castelo, dragão e mago.

– Já que entramos no assunto, o que você acha que é boa literatura?

– É quando a história consegue fluir de um jeito que eu nem percebo como ela foi
parar naquele ponto. O livro Kindred, da Octavia Butler, tem muito isso. Mesmo
com todas as idas e voltas no tempo, quando a personagem vai parar na casa do
senhor de escravos, as coisas são muito fluidas, vão se emendando de uma forma
natural.

– Além da Octavia Butler, os livros da Chimamanda. Gosto muito do Hibisco Roxo,


mas juro que não é porque tem roxo no nome! É uma história protagonizada por
uma garota, filha de um homem muito rico na Nigéria. Os personagens são muito
interessantes e a narrativa, em primeira pessoa, tem muita dessa fluidez que eu
estava falando.

Sua atenção se voltou ao celular por um momento, quando ela começou a


procurar a capa de outro livro para me indicar: Mel e Amêndoas, de Maha Akhtar.
Um livro com várias personagens que têm suas histórias interligadas, e gira em
torno de uma mulher que tem um salão de beleza em Beirute.

Então Jarid lembrou-se de outro livro, de um autor negro independente, que ela
conheceu na Feira Preta: Outras vozes, de Plínio Camillo. – Olha o clichê – ela
comenta – o que considero boa literatura é aquilo que me emociona.

O que ela chamou de clichê pode ser considerado, na verdade, algo


profundamente humano. Todas as pessoas buscam na literatura aquilo que as
emocionam. Ainda que se emocionem de formas diferentes. Ainda que algumas se
emocionem com histórias de castelo, dragão e mago. Acontece.

Apesar de ser um trabalho que se faz sozinha, lembrei pela minha própria
experiência, que escrever é uma profissão que envolve exposição. Porque
escrever é se expor, colocar sua verdade no trabalho, mas também porque exige
visibilidade
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para promover livros, chamar a atenção das pessoas. Perguntei:

– Mesmo com essa exposição, o que você acha que as pessoas não veem ou não
imaginam sobre o trabalho de escritora?

– Elas nem imaginam que às vezes você não quer visibilidade – Jarid contou. –
Você quer que seu livro seja famoso, seja lido. É diferente de querer ser
celebridade.

– Vamos agora viajar muito no futuro: qual é o seu objetivo dentro da literatura?

– O que quero fazer hoje com minha literatura é honrar minha ancestralidade. Não
só a parte negra da minha família, mas a parte branca e como elas se misturam. E
aí entra o cordel, que faz parte da minha família nordestina. É algo que me
emociona muito e acho que essa é a minha verdade. A verdade que coloco na
minha literatura.

Abraçada à sua almofada roxa de franjinhas, Jarid pareceu olhar para um tempo
Futuro ou passado? Talvez os dois.

– Espero que quando eu tiver uns 60 anos, eu possa ver que publiquei muitas
coisas que honraram minha ancestralidade. Porque acho que nunca vou conseguir
conhecer exatamente a minha origem, saber quem foi a pessoa negra da família do
meu pai que fez com que só ele e eu nascêssemos negros. Não sei se vou saber,
então vou usar a escrita para imaginar várias versões dessa pessoa.

Uma pessoa que pode ser Dandara, ou a protagonista de seu novo livro, alguma
personagem de seus cordéis, a Luísa Mahin, a Tereza de Benguela, ou todas elas.
Ela diz que, já que não sabe quem foi, então foram todas.

– Quero contar a história dessas pessoas que não puderam contar a história delas.
Como os personagens que escrevo hoje são pessoas que tiveram a humanidade
roubada delas, contar essas histórias é uma forma de torná-las humanas de novo.

https://www.cartacapital.com.br/cultura/jarid-arraes-201cescrevo-para-honrar-
minha-ancestralidade201d/

(acesso em 24/09/2021)

Autora Jarid Arraes


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Questões

1- Identifique a importância desta autora para a sociedade contemporânea?


2- Você conhece alguma das personagens que foram citadas na entrevista e no
vídeo?
3- Você gostaria de conhecer as personagens que a autora cita na entrevista e
no vídeo? Justifique?
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CONCLUSÃO

Caminhando para o encerramento da escrita desta dissertação, que teve a


intenção compartilhar inquietações, que surgiram antes e durante o andamento da
pesquisa, e denunciar ausências, embora ainda estejamos longe de apresentar
soluções definitivas para as questões que foram levantadas. Entendemos nosso
trabalho na perspectiva de uma educação decolonial, feminista e antirracista que
caminha na direção em prol de uma sociedade mais igualitária, por isso reafirmamos
a importância e a relevância social e política desta pesquisa.
Trabalhando como educadora há uma década, tenho a oportunidade de
observar as relações que se estabelecem entre os alunos e alunas nas escolas.
Essas relações são impregnadas de racismo, machismo, sexismo e ideários
eurocêntricos que estão no dia a dia desses alunos, seja pelos conteúdos midiáticos
que consomem, seja pelo currículo escolar que lhes é imposto ou pelo material
didático que recebem. Muitas vezes os próprios professores e os demais membros
do corpo escolar reproduzem esse pensamento racializado e sexista.
Por entendermos a escola como local de aprendizagem e re-aprendizagem,
apostamos nela justamente como um espaço com grande potencial para
enfrentarmos as estruturas racistas da sociedade.
Tivemos como objeto da pesquisa constatar e analisar a ausência das
mulheres negras nos livros didáticos de História, mais especificamente na coleção
Oficina de História dos autores Flávio de Campos, Júlio Pontes e Regina Claro.
Concluímos que nossa hipótese ficou confirmada, onde pudemos comprovar que os
homens brancos têm o seu lugar hegemônico nos livros analisados, as mulheres
brancas ocupam uma posição numericamente superior à dos homens negros e as
mulheres negras aparecem em último lugar, ocupando o lugar da subalternidade e
confirmando uma hierarquia racializada (GROSFOGUEL, 2009).
Pudemos observar que a criação da lei 10.639/03, que torna obrigatório o
Estudo da História da África e das culturas afro-brasileiras, do ensino fundamental
ao ensino médio, nos estabelecimentos escolares públicos e privados, fato esse que
foi um marco na luta contra o racismo e o apagamento da contribuição dos povos
africanos à formação cultural do nosso país. Porém, apesar da promulgação da lei
10.639/03 representar um avanço muito significativo em prol de uma educação
91

antirracista, o que vemos é uma longa caminhada entre a obrigatoriedade da lei e


sua efetiva implementação. A consequência desse fato junto a outras questões
sócio-econômicas e ideológicas, é a perpetuação do racismo que se mostra cada
vez mais latente em nossa sociedade, onde o negro é sempre considerado suspeito,
onde as manifestações culturais e religiosas vindas da diáspora africana são
perseguidas, dentre outros fatores.
Quanto à estruturação da dissertação, o nosso primeiro capítulo é dedicado
ao debate teórico discutindo os conceitos de decolonialidade, colonialismo e
colonização e como o colonialismo persiste mesmo após o fim dos processos de
dominação através da colonialidade. Falamos do que se trata o termo decolonial,
que é a necessidade da produção de um pensamento a partir do ponto de vista dos
sujeitos subalternizados, do Sul, da necessidade de sulear nossos conhecimentos e
ações.
Além dos conceitos de decolonialidade, colonialismo e colonização,
discutimos o conceito de epistemicídio, trazido por Santos (2009), que vem a ser a
destruição de formas de conhecimentos e culturas que não foram assimiladas pelo
ocidente branco, assim como é feito com a história e com os feitos das mulheres
negras. Dialogamos também com o conceito de racismo epistêmico (Oliveira, 2018)
que é a negação da faculdade cognitiva dos sujeitos racializados, o que faz com que
o conhecimento de mulheres e homens negros sejam subalternizados e
marginalizados.
Trazendo o pensamento decolonial para o campo da educação, recorremos
especialmente a Catherine Whalsh (2001) e Claudia Miranda (2016). Claudia
Miranda afirma que a pedagogia decolonial é uma pedagogia desobediente e é
nesse contexto de pedagogia desobediente e insurgente que trouxemos a escrita
contagiante de bell hooks (2013), a autora que defende uma pedagogia apaixonada,
libertadora e contra hegemônica e propõe a existência de uma pedagogia construída
com os alunos e não para os alunos. Assim sendo, tais práticas possibilitam a
eliminação da hierarquização coercitiva, sexista e racista (hooks, 2013). hooks
propõe ações que questionam posturas que reforçam os sistemas de dominação.
Encaramos nossa pesquisa como uma produção contra hegemônica, que
parte da crítica do silenciamento e propõe a inclusão dos sujeitos silenciados no
espaço escolar, trazendo a história de mulheres negras que tiveram extrema
relevância para a construção dos processos históricos. Temos em nossa rede de
92

ensino, um currículo que é eurocentrado, branco, cristão, heterossexual e masculino.


Romper com esse currículo não é tarefa fácil, é uma luta de poder que está além do
espaço escolar, portanto é extremamente necessário a existência de pesquisas que
visem dar visibilidade a agentes históricos que não são contemplados pelo currículo
formal.
Fizemos um recorte sobre as mulheres negras e a história que é narrada na
sala de aula, destacando que as mulheres negras apesar de fazerem parte dessa
história não tem os seus nomes lembrados no momento da aula, nem nos livros
didáticos. Para esse debate trouxemos a autora Joice Berth (2019) que nos ofereceu
uma brilhante reflexão baseada em Grada Kilomba (2010) a respeito do
silenciamento que as mulheres negras, subalternizadas, sofrem.
A pesquisa também trabalhou com o conceito de interseccionalidade, termo
cunhado no fim da década de 80 pela intelectual Kimberlé Crenshaw.
Interseccionalidade é a junção de questões de gênero, raça e classe no debate
feminista. A autora Karla Akotirene (2019) nos ajudou a pensar o quanto é
importante pensarmos o peso das categorias raça e classe no destino das mulheres
negras e o quanto suas demandas são diferentes das demandas das mulheres
brancas.
O último ponto abordado em nosso capítulo teórico foi a desigualdade de
gênero na sala de aula, onde discutimos que as narrativas de sujeitos masculinos já
têm um lugar hegemônico nas salas de aula, enquanto as narrativas de sujeitos
femininos - mulheres negras principalmente - precisam ainda lutar por seu espaço.
Em nosso segundo capítulo apresentamos e problematizamos nossa
metodologia, que foi a análise da coleção didática Oficina de História dos autores
Flavio de Campos, Julio Pontes e Regina Claro.
Antes de chegarmos ao nosso objeto de análise, não podemos deixar de
destacar a importância do livro didático, principalmente para os alunos e professores
de escolas que contam com poucos recursos, como é o caso de muitas escolas
públicas, onde os alunos com os quais trabalho, estudam. Destacamos que muitas
vezes o livro didático se constitui como o único capital cultural do aluno da escola
pública; e já que o livro didático pode vir a ser o único livro que esse aluno vai ter
contato ao longo da vida, esse material precisa ser livre de estereótipos e
preconceitos o máximo possível.
93

Trouxemos um breve debate sobre o PNLD e sua importância para a


democratização do acesso ao livro didático, avaliação e seleção desses materiais.
Constatamos que embora o PNLD tenha garantido um grande avanço na qualidade
dos materiais didáticos no que se refere à implementação da lei 10.639/03,
infelizmente ainda encontramos materiais que apresentam estereótipos ou que
destinam pouco espaço para relatar os feitos dos negros e negras dentro e fora do
Brasil.
Após a análise da coleção didática Oficina de História, destinada às três
séries do Ensino Médio, confirmamos nossa hipótese de que as mulheres negras
sofrem silenciamento na coleção didática citada e em muitos outros livros didáticos
como podemos supor. Os homens brancos têm o seu lugar hegemônico, as
mulheres brancas estão em uma escala inferior aos homens brancos, porém
superior em maior número de vezes que os homens negros, já as mulheres negras
são as menos citadas. Concluímos que para essas mulheres negras o fardo do
colonialismo foi mais pesado, pois além de sofrerem com as opressões de gênero,
também sofrem com o racismo e com um consequente silenciamento de seus
conhecimentos e feitos.
Tal silenciamento vai contra nossa proposta de uma educação intercultural
crítica, que dê o devido protagonismo a todos os sujeitos da História. Relembrando
Candau (2001), as diferenças culturais devem estar presentes na escola, e um
material didático que não contemple de forma plena mulheres e homens negros não
respeita essas diferenças, e acaba por não contribuir para um projeto de educação
intercultural crítica.
Em nosso terceiro e último capítulo fizemos um breve debate sobre como a
implementação do Novo Ensino Médio impactará na vida dos alunos e nos materiais
didáticos de forma negativa no que se refere à representatividade dos sujeitos que
foram subalternizados pelo colonialismo. Com a reforma do Ensino Médio os livros
didáticos passaram a ser agrupados por área de conhecimento e não mais por
disciplina. Dessa forma, em um único livro teremos as disciplinas de História,
Geografia, Filosofia e Sociologia.
Nós, professores do Ensino Médio, já tivemos contato com essas novas obras
para realizarmos a escolha dos livros didáticos para o ano de 2022 e pudemos
perceber que, de fato, houve um esvaziamento dos conteúdos e quando falamos em
perda de espaços, os sujeitos que são historicamente silenciados sofrem ainda mais
94

silenciamento. No caso do nosso objeto de estudo, as mulheres negras, ficaram de


fora dos novos materiais didáticos.
Defendemos então, que essas mulheres silenciadas na coleção didática
Oficinas de História, que foi nosso objeto de análise, e as muitas outras que serão
silenciadas nos livros produzidos pela reforma do Ensino Médio, encontrem seu
protagonismo na vida de nossos alunos através da educação.
Para ajudar os educadores a proporcionarem o protagonismo dessas
mulheres negras, produzimos um Caderno Pedagógico dividido por série - as três
séries do Ensino Médio -, apresentando cinco mulheres negras para cada série.
Entendemos nosso Caderno Pedagógico como um material que vai de encontro a
essa necessidade de produção de conhecimentos a partir do olhar do
subalternizado, que no nosso caso é a mulher negra. O Caderno Pedagógico é uma
oportunidade de levarmos para nossos alunos conhecimentos outros que foram e
que são produzidos por quem teve e tem seus saberes negados e silenciados.
É importante deixar claro que não temos como intenção usar nosso Caderno
Pedagógico como um manual ou cartilha a ser trilhada pelo professor, mas sim,
como um material que facilite e oriente a visibilidade da participação das mulheres
negras na História e inspire o professorado na prática de uma educação antirracista
em prol da luta urgente contra o racismo na sociedade brasileira contemporânea.
Para tal, busquei sugerir ferramentas pedagógicas de fácil aplicação ou adaptação
por parte dos professores.
Esperamos ter contribuído para inspirar o desenvolvimento de uma prática
docente decolonial, intercultural e antirracista, que promova inclusões, que respeite
a diversidade da sala de aula, que consiga encontrar e/ou construir brechas
decoloniais para que os sujeitos subalternizados e silenciados sejam ouvidos, que
contribua para que o racismo venha a ser uma história com página virada em nossa
escola e história.
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______. A representação social do negro no livro didático: o que mudou? por que
mudou? / Ana Célia da Silva. Salvador: EDUFBA, 2011.

______. Superando o Racismo na escola. 2ª edição revisada / Kabengele


Munanga, organizador. – [Brasília]: Ministério da Educação, Secretaria de Educação
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SCOTT, Joan. Gênero: uma categoria útil de análise histórica. Educação &
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SODRÉ, Muniz. Claros e escuros: identidade, povo e mídia no Brasil. Petrópolis:
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SOUZA, Josiane Nazaré Peçanha de. Nossos passos vêm de longe: o ensino de
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PROFHISTORIA). São Gonçalo: UERJ-FFP, 2018.

VELLOSO, Luciana. Uma análise dos Parâmetros Curriculares de História para o


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WALSH, Catherine. In: CANDAU, Vera Maria (org). Interculturalizar, Descolonizar,


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decolonial: Para pensar uma educação outra. Arquivos Analíticos de Políticas
Educativas, vol 26, n 83, 2018. Disponível em: http://dx.doi.org/10.14507/epaa.2
100

ANEXO A – Capa do livro As lendas de Dandara da autora Jarid Arraes

ARRAES, Jarid. As Lendas de Dandara. 2015, uma obra independente de Jarid


Arraes. aslendasdedandara.com.br
101

ANEXO B – Capa do livro Heroínas Negras Brasileiras: em 15 cordéis

ARRAES, Jarid. Heroínas negras brasileiras: em 15 cordéis. 1° ed. São


Paulo:Seguinte, 2020.
Caderno pedagógico

Ana Carolina da Silva Andrade

SÃO GONÇALO
2021
Caderno Pedagógico

Autora:
Ana Carolina da Silva Andrade

Orientadora:
Prfª Drª Helena Maria Marques Araújo

A invisibilidade das Mulheres Negras no Livro Di-


dático de História: Desafios para uma pedagogia
Decolonial

Dissertação (Mestrado) - Universidade do Estado do


Rio de Janeiro. Mestrado Profissional em Ensino de
História

SÃO GONÇALO
2021
A PARTICIPAÇÃO DA MULHER
NEGRA NA HISTÓRIA CONTADA
NA SALA DE AULA
Queridos educadores, bem vindos!

Esse caderno pedagógico tem o objetivo de auxi-


liá-los a introduzir a participação das mulheres ne-
gras nas aulas de História. Nas páginas seguintes
apresentarei para cada ano do Ensino Médio cinco
personagens negras que são silenciadas pelos livros
didáticos, também darei sugestões de ferramentas
para serem usadas no momento que a história des-
sas mulheres for contada. O caderno foi pensado pa-
ra o Ensino Médio, mas pode ser facilmente adapta-
do para o Ensino Fundamental.

A justificativa para a confecção desse guia vem


da observação de que as mulheres negras são invisi-
bilizadas nos livros didáticos de História, o caderno
pedagógico foi pensado e elaborado com a intenção
de minimizar a ausência dessas mulheres na História
contada na sala de aula e contribuir para uma educa-
ção que pense todos os sujeitos da História.

Espero ajudar a enriquecer as aulas com as his-


tórias de mulheres negras fortes e contribuir com
uma educação mais plural .
1° SÉRIE DO ENSINO MÉDIO
Nzinga Mbandi (1583–1663)

http://www.palmares.gov.br/?p=53160

Seu nome é grafado de diferentes maneiras: Nzinga, Ginga, Jinga, Singa, Zhinga e outros no-
mes da família linguística Banto (ou Bantu). É também conhecida pelos nomes portugueses de
Ana de Souza, rainha Dona Ana e como rainha Ana Nzinga.

Nzinga Mbandi Ngola Kiluanji, nasceu em 1582, no Ndongo. Ainda criança, começou a ser trei-
nada para o combate e o uso de armas. Com oito anos de idade, acompanhou a comitiva do
pai, em uma batalha, como parte dos exercícios de guerra. Com a morte do pai, em 1617, seu
irmão Mbandi tornou-se ngola ascendendo ao trono de Ndongo.

Nessa época, os portugueses já estavam estabelecidos na ilha de Luanda onde fundaram a


vila de São Paulo de Luanda, construíram igreja, casas e fortificações.

O porto de Luanda tornou-se o local de embarque de milhares de escravizados. Por volta de


1600, a média anual era de 5.600 escravizados provindos de diversas partes da África e em-
barcados para a América.

Em 1621, chegou a Luanda o novo governador português que se apressou a buscar a paz
com o ngola Mbandi. Para negociá-la, o rei enviou a Luanda uma embaixadora – sua irmã
Nzinga, então com 39 anos de idade.

A princesa, inteligente e decidida, deixou claro que o rei não era e nem seria vassalo do rei de
Portugal. Estava ali como representante de um estado soberano e exigia tratamento de igual
para igual. Para surpresa de todos, Nzinga falou em português fluente. Possivelmente apren-
dera a língua com alguns dos mercadores e missionários portugueses que haviam frequentado
a corte de seu pai.

Nzinga exigiu que os portugueses abandonassem suas instalações no continente, que entre-
gassem os chefes africanos prisioneiros e ainda um lote de armas de fogo. Em sinal de sua
intenção de celebrar o acordo de paz, Nzinga aceitou o batismo católico sob o nome português
Ana de Souza. A conversão foi um jogo político do qual ela vai se valer em outros momentos
para ganhar confiança e confundir os portugueses.
Vários meses se passaram desde o encontro em Luanda sem que os portugueses cumpris-
sem sua parte no acordo. Nzinga vai cobrar, pelas armas, o que fora prometido mas, dessa
vez, como ngola, rainha de Ndongo.

A ascensão de Nzinga ao trono, em 1623, é rodeada de mistérios. Alguns estudiosos afir-


mam que ela envenenou o irmão, outros dizem que o rei se suicidou por decisão dos grandes
chefes. Há ainda a versão de que Nzinga, com a morte do irmão tornou-se regente do garoto
escolhido como novo ngola, mas a criança morreu afogada no rio Cuanza.

Começava a nascer uma “mitologia Nzinga”. Rainha enigmática, cujo nome causava terror
entre os portugueses, ela deu origem a lendas e relatos contraditórios a seu respeito.

Desconhece-se sua imagem, não existem retratos da rainha elaborados no seu período de
vida. Uma imagem de 1769, para a obra Zingha, reine d’Angola, de Jean-Louis Castilhon,
mostra a rainha de perfil com um olhar recatado que nada corresponde ao perfil guerreiro
dessa líder política africana. Usa coroa, colar, bracelete, broche e manta típicos da cultura eu-
ropeia.
Fonte:https://www.geledes.org.br/nzinga-a-rainha-negra-que-combateu-os-traficantes-
portugueses/

Sugestão: utilizar a história em quadrinhos de Nzinga Mbandi produzida pela Unesco na sé-
rie Mulheres na História da África.
https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/7/77/
Nzinga_Mbandi_Queen_of_Ndongo_and_Matamba_Portuguese.pdf

Sugestão de filme: Njinga, rainha de Angola, (2012) direção de Sérgio Gracian.


Trailler: https://www.youtube.com/watch?v=PZUhKL-J83U
1° Série do Ensino Médio

Mariana Crioula

https://www.imprensapreta.com/2020/06/25/marianna-crioula/

Mariana Crioula foi uma das principais líderes da maior fuga de escravizados na região do
Vale do Paraíba, No Rio de Janeiro, Mariana Crioula trabalhava como mucama em uma
fazenda de café em Paty de Alferes, quando se juntou a Manoel Congo e outros 400 es-
cravizados rumo a Serra da Mantiqueira, onde formaram um quilombo. Companheiros de
luta, Mariana e Manoel se apaixonaram, entrando para a história como a Rainha e Rei do
quilombo. Foi presa quando o quilombo foi atacado por tropas da Guarda Nacional, tendo,
no entanto, resistido bravamente.
Fonte: http://www.mulher500.org.br/mariana-crioula-sec-xix/

Sugestão: apresentar a personagem a partir do cordel da autora Jarid Arraes.


“Vou contar uma história
Da mais pura resistência
Sobre a vida de uma líder
Com tamanha inteligência
Que foi fonte de coragem
Para sua sobrevivência.

Foi em Paty do Alferes


No estado do Rio de Janeiro
Lá no Vale do Café
Que um rebuliço inteiro
Foi por ela liderado
Foi Mariana Crioula
Nome para se guardar (...)”
ARRAES, Jarid. Heroínas negras brasileiras: em 15 cordéis. 1° ed. São Paulo: Seguinte,
2020. p. 117.
1° Série do Ensino Médio

Dandara de Palmares

https://todosnegrosdomundo.com.br/a-forca-de-dandara-dos-palmares/

Dandara foi uma guerreira do período colonial do Brasil, foi esposa de Zumbi, líder daquele
que foi o maior quilombo das Américas: o Quilombo dos Palmares. Com ele, Dandara teve três
filhos: Motumbo, Harmódio e Aristogíton. Valente, ela foi uma das lideranças femininas negras
que lutou contra o sistema escravocrata do século XVII e auxiliou Zumbi quanto às estratégias
e planos de ataque e defesa da quilombo.

Não há registros do local onde nasceu, tão pouco da sua ascendência africana. Relatos e len-
das levam a crer que nasceu no Brasil e se estabeleceu no Quilombo dos Palmares enquanto
criança.

Além dos serviços domésticos, plantava, trabalhava na produção da farinha de mandioca, ca-
çava e lutava capoeira, também pegava em armas e liderava as falanges femininas do exérci-
to negro palmarino.

Sempre perseguindo o ideal de liberdade, Dandara não tinha limites quando o que estava em
jogo era a segurança do quilombo e a eliminação do inimigo. Suicidou-se depois de presa, em
seis de fevereiro de 1694, para não voltar na condição de escravizada.
Fonte: http://www.palmares.gov.br/?p=33387

Sugestão: utilizar o clipe “Dandara” da cantora Vanessa Borges para apresentar a persona-
gem.
Link do Youtube: https://www.youtube.com/watch?v=WPLFVkxC6n4
Utilizar o livro As Lendas de Dandara da autora Jarid Arraes, onde a história da quilombola é
retratada através de contos.
1° Série do Ensino Médio
Tereza de Benguela

https://al.unit.br/blog/noticias/mulher-afro-brasileira-se-espelha-na-historia-de-tereza-de-benguela/attachment/
tereza-benguela/

Tereza de Benguela viveu no século XVIII e foi casada com José Piolho, que chefiava o
Quilombo do Piolho até ser assassinado por soldados do Estado. O Quilombo do Piolho
também era conhecido como Quilombo do Quariterê, o maior do Mato Grosso.

Com a morte de José Piolho, Tereza se tornou a líder do quilombo, e, sob sua liderança, a
comunidade negra e indígena resistiu à escravidão por duas décadas.

O Quilombo do Quariterê abrigava mais de 100 pessoas, com destacada presença de ne-
gros e indígenas. Tereza navegava com barcos imponentes pelos rios do pantanal. E to-
dos a chamavam de “Rainha Tereza”. Tereza comandou a estrutura política, econômica e
administrativa do quilombo, mantendo um sistema de defesa com armas trocadas com os
brancos ou roubadas das vilas próximas. Os objetos de ferro utilizados contra a comunida-
de negra que lá se refugiava eram transformados em instrumentos de trabalho, pois os qui-
lombolas dominavam o uso da forja.

Não se tem registros de como Tereza morreu. Uma versão é que ela se suicidou depois de
ser capturada por bandeirantes a mando da capitania do Mato Grosso, por volta de 1770, e
outra afirma que Tereza foi assassinada e teve a cabeça exposta no centro do Quilombo.

Fonte: https://www.ufrb.edu.br/bibliotecacecult/noticias/220-tereza-de-benguela-a-escrava-
que-virou-rainha-e-liderou-um-quilombo-de-negros-e-indios

Sugestão: Iniciar a aula questionando se os alunos sabem o que é comemorado no dia 25


de julho. Após a resposta falar da importância do Dia Nacional de Tereza de Benguela e
da Mulher Negra Latino Americana e Caribenha.
Link sobre o dia 25 de julho: http://www.sipad.ufpr.br/portal/25-de-julho-dia-nacional-de-
tereza-de-benguela-e-da-mulher-negra-e-dia-internacional-da-mulher-negra-latino-

Sugestão 2: utilizar trecho do cordel de Jarid Arraes.

“(...) Era do povo negro


A força para enfrentar
Com imensa inteligência
Planejar e conquistar

Um exemplo muito grande


É Teresa de Benguela
A rainha de um quilombo
Que mantinha uma querela
Contra o branco opressor
Sem aceite de tutela.

No estado Mato Grosso


Havia o Quariterê
Um quilombo importante
Para livre se viver
Cooperando em coletivo
Guerreando pra vencer.

Zé Piolho, seu marido


Acabou por falecer
E Tereza de Benguela
Veio, pois, rainha a ser
Liderando com firmeza
Na certeza de crescer (...)”.

ARRAES, Jarid. Heroínas negras brasileiras: em 15 cordéis. 1° ed. São Paulo: Seguinte,
2020. p. 137-138.
1° Série do Ensino Médio

Aqualtune

https://observatorio3setor.org.br/carrossel/a-princesa-escravizada-no-brasil-que-lutou-pela-liberdade-de-seu-
povo/

Aqualtune foi uma princesa africana de um reino do Congo. Foi uma grande guerreira e es-
trategista e liderou um exército de 10 mil homens para combater uma invasão portuguesa
em seu reino, em 1665, porém foi capturada após a derrota congolesa. Quando perdeu a
guerra foi escravizada e trazida para o Brasil, onde foi vendida como escrava reprodutora.
Grávida, Aqualtune organizou uma fuga para Palmares, onde deu à luz Ganga Zumba e
Gana, que mais tarde seriam chefes dos mais importantes mocambos de Palmares. Deu à
luz também a Sabina, mãe do grande líder de Palmares, Zumbi.

Fonte: ARRAES, Jarid. Heroínas negras brasileiras: em 15 cordéis. 1° ed. São Paulo: Se-
guinte, 2020. p 33.

Sugestão: utilizar o vídeo do Youtube para introduzir a aula e apresentar a personagem.


Link: https://www.youtube.com/watch?v=9EwWIRUlMg8
2° Série do Ensino Médio

Tia Simoa

https://www.renatoroseno.com.br/noticias/renato-roseno-preta-tia-simoa-memoria

Tia Simoa foi uma importante protagonista, junto do Dragão do Mar, na história da Abolição
da Escravidão no Ceará, usou de sua sociabilidade para mobilizar a população local em
apoio a greve dos Jangadeiros em agosto de 1881, acontecimento que determinou os fatos
que se sucederam até o decreto que estabeleceria o fim da escravidão no Ceará em 25 de
março de 1884.
Fonte:https://www.geledes.org.br/preta-simoa-e-abolicao-ceara-uma-historia-de-
esquecimento-por-jarid-arraes/

Sugestão: utilizar o trecho do Cordel de Jarid Arraes para apresentar personagem.


“Chamada “Tia Simoa”
Ela foi negra liberta
Forte de convicção
Sua luta foi oferta
Pelo fim da escravidão
Por total libertação
Pela mente bem desperta. (...)”.

ARRAES, Jarid. Tia Simoa. São Paulo, 2014. p. 3. In: COSTA, Maria Suely da, NASCIMEN-
TO, Eduardo de Jesus Avelino do. Literatura Biográfica e a Representação da Mulher Ne-
gra. Universidade Estadual da Paraíba. IV Congresso Nacional de Educação, 2017.
2° Série do Ensino Médio

Luisa Mahin

http://acentraldasdivas.blogspot.com/2017/07/luiza-mahin-uma-guerreira-africana-na.html

Nascida em Costa da Mina, na África, no início do século XIX, Luísa Mahin foi trazida para o
Brasil como escrava. Pertencente aos Mahi, da nação africana Nagô, Luísa esteve envolvida
na articulação de todas as revoltas e levantes de escravos que ocorreram na então Província
da Bahia nas primeiras décadas do século XIX.

Quituteira de profissão, de seu tabuleiro eram distribuídas as mensagens em árabe, através


dos meninos que pretensamente com ela adquiriam quitutes. Desse modo, esteve envolvida
na Revolta dos Malês (1835) e na Sabinada (1837-1838). Caso o levante dos malês tivesse
sido vitorioso, Luísa teria sido reconhecida como Rainha da Bahia.

Como negra africana, sempre recusou o batismo e a doutrina cristã, e um de seus filhos natu-
rais, Luís Gama (1830-1882), tornou-se poeta e um dos maiores abolicionista do Brasil.

Fontes: http://www.palmares.gov.br/?page_id=26864
FAUSTINO, Sinara. Construção do Mito Luisa Mahin a partir dos fragmentos de memória do
Luiz Gama. Revista Em favor de Igualdade Racial, Rio Branco –Acre, v. 4, n. 1, p.169-178,
jan./abr. 2021

Sugestão: Utilizar o samba-Enredo da escola de samba Mangueira do carnaval 2019,


“História pra Ninar Gente Grande”, falar da necessidade de reconhecermos as heroínas ne-
gras do Brasil.

Link da letra da música: https://www.letras.mus.br/mangueira-rj/samba-enredo-2019-


historias-para-ninar-gente-grande/
2° Série do Ensino Médio

Harriet Tubman

https://www.geledes.org.br/harriet-tubman/

Harriet Tubman foi uma mulher afro-americana que nasceu como escravizada, mas con-
quistou sua liberdade fugindo do cativeiro. Ela dedicou sua vida ao combate da escravidão,
palestrando em associações abolicionistas e ajudando escravizados a fugirem do sul
dos Estados Unidos por meio de rotas de fuga. Ela também teve papel de destaque
na Guerra Civil Americana.

Fonte: SAMPAIO, Maria Clara Carneiro, ARIZA, Marília B. A. Narrativas de mulheres es-
cravizadas nos Estados Unidos do século XIX. Estudos avançados 33 (96), 2019, p. 179-
198.
Sugestão: utilizar o vídeo do Youtube “Quem foi Harriet Tubman—Mulheres na História”,
ressaltando o fato da personagem ser pouco conhecida.
Link do vídeo: https://www.youtube.com/watch?v=7HfoVUXZFio
2° Série do Ensino Médio

Guerreiras de Daomé

https://faleafrofuturo.medium.com/ahosi-as-guerreiras-implac%C3%A1veis-do-daom%C3%A9-cb448a9bb05f

A existência de um corpo militar feminino altamente treinado foi descrita pela maioria dos via-
jantes europeus que estiveram no reino do Daomé durante os séculos XVIII e XIX. Por asso-
ciarem a guerra a uma função puramente masculina, as mulheres guerreiras do Daomé ga-
nharam destaque nos relatos dos viajantes.
Um dos fatores de sucesso das Guerreiras de Daomé sobre os inimigos europeus era a sur-
presa. Homens brancos treinados para lutar com outros homens, que viam mulheres como
seres fisicamente inferiores, sob o estereótipo de passividade e docilidade ficavam aterroriza-
dos quando se deparavam com as Ahosi , nome que as guerreiras de Daomé recebiam.
As Ahosis permanecem no imaginário contemporâneo e são vistas como exemplos do prota-
gonismo feminino negro e interpretadas como símbolos de luta e resistência negra, sobretu-
do, das mulheres. As “amazonas” foram representadas em algumas produções cinematográ-
ficas, sendo a mais recente o filme “Pantera Negra” (2018), produzida pela Marvel Studios.

Fonte: SUGUIAMA, Danielle Yumi. O Daomé e suas “amazonas” no século XIX : leituras a
partir de Frederick E. Forbes e Richard F. Burton. Guarulhos, 2018. 167 f. Dissertação
(Mestrado em História) – Universidade Federal de São Paulo, Escola de Filosofia, Letras e
Ciências Humanas,2018.

Sugestão: Utilizar o vídeo do Youtube “Guerreiras Ahosi - único Exército feminino da História
| Mwana Afrika Oficina Cultural”.

Link do vídeo: https://www.youtube.com/watch?v=fwjZqAq1RLA


2° Série do Ensino Médio

Maria Felipa de Oliveira

https://www.geledes.org.br/quase-um-seculo-depois-moradores-incluem-nome-de-maria-felipa-entre-os-herois/

Nascida na ilha de Itaparica (BA) no começo do século XIX, Maria Felipa de Oliveira possi-
velmente foi descendente de negros escravizados do Sudão, foi figura de destaque nas ba-
talhas pela independência ocorridas em Itaparica, Maria Felipa de Oliveira é descrita como
uma negra alta e audaz que, sendo uma forte liderança em sua comunidade, tornou-se fun-
damental na organização da resistência insular.
Liderou duzentas pessoas, entre elas indígenas e mulheres negras, Maria Felipa e seus
companheiros queimaram em torno de quarenta embarcações portugueses quando os por-
tugueses atacaram a ilha de Itaparica.
Até pouco tempo atrás, essa personagem não era conhecida e somente há alguns anos ini-
ciou-se uma campanha para o reconhecimento de sua importância.
Fonte: ARRAES, Jarid. Heroínas negras brasileiras: em 15 cordéis. 1° ed. São Paulo: Se-
guinte, 2020. p. 103.

Sugestão: Utilizar o vídeo do Youtube “Maria Felipa, cordel animado” para apresentar a per-
sonagem.
Link do vídeo: https://www.youtube.com/watch?v=zqY0oFUT6DM
3° Série do Ensino Médio

Carolina Maria de Jesus

https://novaescola.org.br/conteudo/19849/o-impacto-de-carolina-maria-de-jesus-na-literatura

Carolina Maria de Jesus (1914-1977) foi uma autora brasileira, considerada uma das primei-
ras e mais destacadas escritoras negras do País. Ela foi autora do livro autobiográfico
“Quarto de Despejo: Diário de uma Favelada”.

Carolina Maria de Jesus nasceu em Sacramento, no interior de Minas Gerais, no dia 14 de


março de 1914. Neta de escravos e filha de uma lavadeira analfabeta, Carolina cresceu em
uma família com mais sete irmãos. Começou a estudar aos sete anos e precisou largar a
escola no segundo ano, porém conseguiu aprender a ler e escrever.

Em 1937, após o falecimento de sua mãe, Carolina Maria de Jesus se mudou para a capital
de São Pulo. Para sustentar sua família, ela saía a noite para catar papelão, guardando re-
vista e cadernos antigos que encontrava. Nesses cadernos , Carolina escrevia sobre sua
vida e as dificuldades de ser uma mulher negra, mãe solo e favelada. Seus escritos forma-
ram mais de vinte cadernos e um desses cadernos deu origem ao seu livro mais famoso,
“Quarto de despejo: Diário de uma Favelada”, publicado em 1960. A autora Publicou mais
três livros, “Casa de Alvenaria: Diário de uma Ex-favelada” (1961), “Pedaços da Fo-
me” (1963) e “Provérbios” (1965).
Carolina morreu em 1977, vítima de uma insuficiência respiratória e esquecida pelas edito-
ras.

Fontes: ARRAES, Jarid. Heroínas negras brasileiras: em 15 cordéis. 1° ed. São Paulo: Se-
guinte, 2020. p. 43.
https://www.ebiografia.com/carolina_maria_de_jesus/

Sugestão: utilizar a letra da música “Levanta e anda” de Emicida fazendo um paralelo entre
a letra da música e as dificuldades de morar em uma comunidade.

Link da letra e vídeo: https://www.letras.mus.br/emicida/levanta-e-anda/#radio:emicida


3° Série do Ensino Médio

Tia Ciata

https://www.geledes.org.br/tia-ciata/

Hilária Batista de Almeida, Tia Ciata, nasceu em 1854 em Santo Amaro (BA), mudou-se pa-
ra o Rio de Janeiro aos vinte e dois anos. No Rio de Janeiro trabalhou como quituteira, sem-
pre com suas vestes de baiana, para sustentar sua filha.
Através de seus quitutes, expressava sua religiosidade, o candomblé, religião que era proi-
bida . Casou-se com João Batista, com quem teve catorze filhos.
Sua casa na Praça Onze ficou conhecida como local de encontro de sambistas e composi-
tores. Tais encontros eram perseguidos pela polícia, mas Tia Ciata era muito querida por
seus conhecimentos como curandeira. Tia Ciata faleceu em 1924, mas sua casa é ate hoje
referência para o samba e para o candomblé no Rio de Janeiro.

Fonte: ARRAES, Jarid. Heroínas negras brasileiras: em 15 cordéis. 1° ed. São Paulo: Se-
guinte, 2020. p. 153.

Sugestão: utilizar o documentário “Tia Ciata” para apresentar a personagem.

Link do documentário: https://www.youtube.com/watch?v=2-5-_6w8EBQ


3° Série do Ensino Médio

Laudelina Campos Melo

https://www.geledes.org.br/laudelina-campos-de-melo-heroina-negra-que-lutou-para-garantir-direitos-as-
domesticas-no-brasil/

Laudelina nasceu na cidade mineira de Poços de Caldas em 12 de outubro de 1904, menos


de 20 anos depois da abolição da escravatura no país, em 1888. Ela começou a trabalhar
aos sete anos de idade, abandonou a escola para cuidar dos irmãos enquanto a mãe traba-
lhava e aos 16 anos passou a atuar de organizações sociais do movimento negro.
Aos dezoito anos, mudou-se para São Paulo, e dois anos depois foi morar em Santos. Após
se casar, começou a participar junto com o marido da agremiação Saudade de Campinas,
um grupo que tinha a função de valorizar a cultura negra.
A trajetória de Laudelina ganhou contornos políticos na década de 1930, quando se filiou ao
Partido Comunista Brasileiro (PCB) e militou pela Frente Negra Brasileira (FNB). Em 1936
fundou a primeira Associação de Trabalhadores Domésticos no Brasil. Em 1961, fundou a
Associação Profissional Beneficente das Empregadas Domésticas, que mais tarde se tornou
o primeiro Sindicato das Empregadas Domésticas.

Fontes: ARRAES, Jarid. Heroínas negras brasileiras: em 15 cordéis. 1° ed. São Paulo: Se-
guinte, 2020. p. 83.
https://www.geledes.org.br/laudelina-campos-de-melo-heroina-negra-que-lutou-para-garantir-
direitos-as-domesticas-no-brasil/

Sugestão: utilizar o documentário “Laudelina: Lutas e Conquistas” (2015) para contar a história da
personagem. O professor pode fazer um debate sobre o fato do trabalho doméstico ser feito majori-
tariamente por mulheres negras, fazendo um paralelo com a desigualdade social e racial dessas mu-
lheres.
Link do Youtube: https://www.youtube.com/watch?v=JYL2Ki8ItGg&t=81s
3° Série do Ensino Médio
Rosa Parks

https://www.anf.org.br/rosa-parks-ativista-na-luta-contra-a-segregacao-racial-mae-do-movimento-dos-direitos-
civis-eua/

Rosa Parks (1913-2005) foi ativista do movimento dos direitos civis dos negros nos Estados
Unidos. No dia 1 de dezembro de 1955, Rosa entrou para a história após se negar a ceder a
um branco o seu assento em um ônibus em Montgomery, no Alabama.

Na cidade de Montgomery, capital do Estado de Alabama no Sul dos Estados Unidos, por
lei, existia uma lei que destinava os primeiros assentos dos ônibus aos passageiros bran-
cos.

No dia 1 de dezembro de 1955, quando Rosa voltava do trabalho, tomou um desses ônibus
e sentou-se em um dos assentos localizados no meio do coletivo. Quando alguns brancos
entraram no ônibus e ficaram em pé, o motorista exigiu que Rosa e outros três negros se
levantassem para dar o lugar aos brancos. Enquanto os outros três se levantaram, Rosa se
negou a cumprir a ordem e permaneceu sentada.

A polícia foi chamada e Rosa Parks foi detida e levada para a prisão por violar a lei de se-
gregação do código da cidade de Montgomery. No dia seguinte, Rosa foi solta depois que
teve a fiança paga por Edgar Nixon, presidente da NAACP e por seu amigo Clifford Durr.
A prisão de Rosa Parks gerou uma onda de protestos na cidade pressionando a Suprema
Corte a declarar que a leis de segregação eram inconstitucionais. Foi o primeiro movimento
contra a segregação que saiu vitorioso em solo norte-americano.

Fonte:https://www.geledes.org.br/em-1-de-dezembro-de-1955-a-americana-rosa-parks-
venceu-o-racismo-e-entrou-para-a-historia/?
namp=available&gclid=CjwKCAjw64eJBhAGEiwABr9o2G4va5aYP4HVOamgNQmf3EnOc_
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Sugestão: utilizar o vídeo “Rosa Parks: a mulher que fez história ao se recusar a ceder lu-
gar a um branco nos EUA “ e discutir as leis segregacionistas.
Link do Youtube: https://www.youtube.com/watch?v=wr4p3u4Ynb8&t=37s
3° Série do Ensino Médio

Angela Davis

https://blogdaboitempo.com.br/2019/07/03/angela-davis-carta-aberta-ao-partido-comunista/

Angela Davis é filósofa, professora emérita do departamento de estudos feministas da Uni-


versidade da Califórnia, é considerada um ícone da luta pelos direitos civis. Foi ativista do
grupo Panteras negras e do Partido Comunista dos Estados Unidos.
Durante sua militância foi presa, na década de 1970 e ficou mundialmente conhecida pela
mobilização “Libertem Angela Davis”.
A obra de Angela Davis é marcada por um pensamento que visa a libertação, defende a
igualdade entre negros e brancos e a igualdade de gênero, além de teorizar acerca da im-
portância do feminismo negro para reconhecer as dificuldades da mulher negra na socieda-
de, que, além de sofrer pela misoginia, sofre também pelo racismo.

Fonte: DAVIS, Angela. Educação e libertação: A Perspectiva das Mulheres Negra. Boitem-
po, 1981.

Sugestão: utilizar o documentário “Libertem Angela Davis” (2014).


Trailer do filme: https://www.youtube.com/watch?v=uBKhr3XYaN4
3° Série do Ensino Médio
Marielle Franco

https://www.conectas.org/noticias/amanhecer-por-marielle-e-anderson/

Marielle se formou pela PUC-Rio, e fez mestrado em Administração Pública pela Universi-
dade Federal Fluminense (UFF). Sua dissertação teve como tema: “UPP: a redução da fa-
vela a três letras”.

Iniciou sua militância em direitos humanos após ingressar no pré-vestibular comunitário e


perder uma amiga, vítima de bala perdida, num tiroteio entre policiais e traficantes no Com-
plexo da Maré.

Trabalhou em organizações da sociedade civil como a Brasil Foundation e o Centro de


Ações Solidárias da Maré (Ceasm). Coordenou a Comissão de Defesa dos Direitos Huma-
nos e Cidadania da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj) e construía diversos
coletivos e movimentos feministas, negros e de favelas.

Aos 19 anos, se tornou mãe de uma menina. Isso a ajudou a se constituir como lutadora
pelos direitos das mulheres e debater esse tema nas favelas.
Foi eleita Vereadora da Câmara do Rio de Janeiro, com 46.502 votos e também foi Presi-
dente da Comissão da Mulher da Câmara dos Vereadores. Marielle era conhecida pelo
combate às milícias na cidade do Rio de Janeiro e pela luta a favor dos Direitos Humanos.

No dia 14/03/2018 foi assassinada em um atentado ao carro onde estava.13 Tiros atingi-
ram o veículo, matando também o motorista Anderson Pedro Gomes.

Fonte:https://www.institutomariellefranco.org/quem-e-marielle
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Sugestão: discutir com os alunos o que são os Direitos Humanos e de que forma eles fo-
ram violados quando Marielle Franco foi assassinada.

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