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jrangado em 1974 com 0 titulo Pequena historia da ica popular — Da modinha & cangdo de protesto, pela ra Vozes, de Petrépolis (2.4 edigao em 1978, com duas ipressdes em 1978; 3." edigo, pela Vozes, ¢ uma eqi ite & 4. edigdo pelo Circuts do Livro, S80 Paulo), ploneiré;de José Ramos Tinhoréo, que em 1886 oy em sua 5." edigao revista e aumentada pela Art Edit o titulo de Pequena histdria da miisica popular — Da {inka 20 tropicalisina, chega agora 8 sua 6. edigéo, mais, Ido que nunce, como desde lago indica o novo titulo: wena histérla da musica popular — Da modinha a da. - rend uma vez coerente com sua proposta original de Intamento historic’ da evolugéo da musica popular através de seuis vérios géneros, desde-o século ‘0 ator, acrescenta dos dezessels estudos anteriores novas contribuigbes nesta 6.* edigéo: a “nacionaliza- a a entre Bs.camadas populares de géneros } merengua.na Amazénia — eventualmente.transfor- los.em hits intarnaclonais, 6 a lambada saida'do# bailes arimbé do Pard. : ~ * ‘Conhecido por seu estilo-claro ¢ preciso (contra a ten- sis'académica de “complicar para parecer cigntia", como uma dafinir), José Ramos Tinhordo tom a oportunidade tas uma.vez’sue capacidade de abrir no- de-pesquisa (s8u arquivo sobre musica popular {Hira é considerado talvez o maior do Brasil, em méos fivpestcularlpempre sem hesitar diante da perspecti- la potémics am torno de suas Interpretagoes. Ima renovada prova dessa verdade é encontrada nesta bdigdo da. agora stualizadissima obra do autor, © quo ‘seu novo.titulo‘de Pequena historia da musics popular ‘modinha’ a tambada réatirma sua. qualidede funda [; um livro nao apenas bésico, mas, aps quese vinte de'seu langamento, cada vez mais stual. : Horrora erpa, | itados.— casos da guarania paragueia no Centro-Sul - JOSE RAMOS TINHORAO (Obras do aurer: A provincia ¢ © naturatismo, Civilizagio Brasileit, Rio de Janeiro 1968; 2 ed., CM, Rio de Janeiro, 1969 (esgotado).. Midsiea popular — Um tema em dobate. Soge, Rio de janeiro, 1966; 22 ed. JOM, Rio de Janciro, 1969 (exgotado).. © samba agora val... — A farsa du musica popular no exterior ICM, Ric de Tanciro, 1989 (esgotada). Misica popular — Teatro & cinema, Vezes, Petropolis, 1972 (es sgotado}, Miisica popular — De indios, negros e mestizos. Vozes, Petrépalis, 1972; 2° ed., Vouze, Petrdpolis, 1975 (esgotade). Pequena histéria da misice popular — Da modinia & ewipto de protesto. Vezss, Petrdpolis, 1974; 27 ed., Vozes, Petté; 1875, 3 ed., Vores, Petropolis, 978; edigio pelo C'veulo do Livro, Sho Paulo, 1978 (exgotace); 5” ed, revisa e aumencad, sob 0 novo titulo de Peawone AisiSrla da musica popular — Da moditha ao tropieeismo. Art Editors, S80 Paulo, 1986. Musica populer — Os sons que vim da rua, Tishori, Sio Paulo, 1976 (esgotado). Misica popular — Do gramojone ao rddio ¢ TV. Atica, Sho Pavlo, 182. Musica popular, mulher & trabalho, plaqueta. Sao Paulo, Sense (Colegio Documentos de Trabaltio, n° 11), 1982 (espotade). Vide, tempo e obra de Monuet ds Oliveira Paiva (Uma contribu ‘ie). Secretaria da Culturs © Desporto, Fortaleza, 1986. (Os sans dos negros no Brasil — Cantos, danas, folguedos: origens. ‘Art Editors, Sf Peulo, 1988 (Os negeos emt Portugal — Uma preseniga silenciosa, Editorial Ca minko, Lisboa, 1988. Historia social da misicw poputar brasfeira, Editorial Caminho. fsbo, 1990 Assair: 4 wntsion poputor no romance brasilieo. José Ramos Tinhotao Pequena historia da musica popular da modinha a lambada 6 edigio revista c aumentada TET ART EDITORA LTDA, Copyright © 1991 by Jost Remos Tinhorio Capa: Tebaldo A, Simionaty Revisdo: N, Nicolai /’ Maria Carolina de Araujo, Mirnz G, Fernandes © Vere Silvia de O. Roselli Composigdo: Linoart / Politexto Dados Internacionais de Catalogacho na Publicapso (CIP) (Camara Brasileira do Livro, $P, Brasil) José’ Ramos, 1928. Pequesa histOria da mtsien popular + da madi- cha & lambada / Jose Ramoe Tinhorio. — 6.¢d. rev, eum, — S40 Paulo : Act. Editors, 199. 1. Masiea popular — Brasit — Histéra ¢ crtiex Tiel. 91-2006 cDD.780.420881 Indices para eatélogo sistematica: 1, Brasil + Mssica popular + HistGrie © erica 780 820881 ISBN 85-7161-018-5, Direitas desta edigao reservados & ART EDITORA LTDA Rua Bernardino Fanganicllo, 02512 — Sao Paulo — SP Tel: (0111 857-8480 lay Preliminar, 7 A modinha, 11 © dundut, 47 © maxixe, 58 0 tango brasileiro, 97 © choro, 103 Miisica de camaval, 111 A marcha © 0 samba, 119 ‘A marche-tancho, 152 © frevo, 138 © samba-cangéo, 151 © samba-choro, 159 © sambs de breqve, 162 © saniba-entedo, 169 A odsica sertaneja, 183 Os gineros rureis urbanizados, 195 © baigo, 219 ‘A bossa nova & 8 cangdo de protesto, 250 © topicalismo, 248 Géneros nacionalizados, 271 A guarania “brasileira, 272 ‘A lambada dos carimbds. 278 Preliminar Por oposigdo & misica folelérica (de autor desconhe- cido, transmitida oralmente de gerago a geracéo), a mi sica popular (composta por autores contiecides & divul- gad por meios gréticos, como as partituras, ou através da gravecio de discos, fitas, filmes ox video-teipes) constitui uma exfagdo contemporanea do aparecimento de cidades com um cetto grau de diversifieacio social No Brasil isso equivalc a dizer que a mésica popular suxge nas duas principais cidades coloniais — Salvador Rio de Janeiro — no corer do século XVIII, quando 0 ‘ouro das Minas Gerais desloca o cixo econdmivo do nor deste para o centro-sul, @ coexisténcia desses dois impor tantes centros administtativos de areas econdmicas distin- fas tora possivel a formaggo de uma classe média urbana telativemente diferenciada 1. Nos primeiros duzentos anos da colonizacio port guesa no Brasil, a existincia de misica popular 8 tornava impossivel desde logo, porque nao existia povo: os indi genss, primitives donos da terra, viviam em estado de no- madismo ou em redugdes administradas com cardter de Dorganizuyao teocrética pelos padres jesuttas; os negros trar zidos da Africa eram considerados coisas e $6 encontravem telativa representatividade social enquanto membros de ir- raandades religiosas; ¢, finalmente, os raros brancos ¢ mes- tigos livres, empregados nas cidades, constitufam uma mi- noria som expresso, © que os Ievava ora a identificar-se culturalmente com 08 negtos, ora com os brancos da elite dos proprietarios dirigentes (os homens bons?) Durante esses dois primeitos sécules de colonizacio, portanto, 06 tnivos tipos de milsica ouvides no Brasil se- 1 riam os cantos das dangas rituais dos indigenas, acompa- tnhados por instrumentos de sopto (flautas de vétias espé- cies, trombetas, apitos) 2 por maracis © bate-pés; os atuques dos africanos (na maioria das vezes. também rituals, © a base de percusso de tumbores, atabaques marimbas, © ainda de palmas, xequerés © ganzés) ©, mente, as canedes dos europeus colonizadores. Estas, de fato mais préximas do gue se poderia chamer de mésica popular, eram representadas por géneros que remontavam fem muios casos ao tempo da formagio dos primeiros bur- 08 medievais, do séculc XII 20 XIV, e que s conheciam Por romances, xdcares, coplas © serranithas. Fora desses tipos de sa¥sica, sb poderiam ser citados — e jd como stiegdes diretamente ligadss & cultura superior da elite dos colonizadores — 0 cantochéo das missas ¢ do hinsrio reli- gioso catdtico (as selmodias cantades em conteaponto) 6s toques e fantarras rifitares. Para que pudesse surgit um género de musica reco- nhecivel como brasileira e popular, seria previso que a in- terinfluéncia de fais elementos musicais chegasse a0 porto ce produzir uma resultemte, e, principalmente, que se for- masse nas cidades um novo piblico com uma expectativa cultural passivel de provocar 0 aparecimento de algusm capaz de promover essa sintese. No campo da Titeratura, isso fora possivel desde os fins do séeulo XVII com o'advento de um poeta cujos yers0s — embora escritos de um ponto de vista clitista, em reiagio 20 meio sociel —- denunciavam jé a existéncia de uma consciéncia critica das diferencas enire a colbnia ¢ & metrépole. Esse poeta era o doutor em leis Gregério de Matos Guerra, 0 “Boca do Infemo”, que por sinal tocava viola por ele mesmo fabricada, chegando a ser definido por um de seus bidgrafos, Siivio Jtitio, como “negligente « obsceno tocador de viola”? No que se referia ao processo de formacao da cultura popular urbana, © primeiro compositor reconhecido histo- ricamente como tal 36 veio # despoatar pela metade do séeulo XVIiI ne pessoa de um mulato toeador de viola: carioca Domingos Caldas Berbosa, o estilizador © divul: gador da modinie. 1 Is80 explica desde logo por que ns zona das Mines Gerais, spesar da exisifncia de cidades rieas e importantes camo o Tiwee (Diamantina), Vils Rice (Ouro Preto} © Sio Jofo del-Rei, as criagdes culturais se restringiiam sos campos da arquitetura, da xculturs, da pintura e da misica religions. Como @ explorast dus mings excluia 0 possibilidade de diversficupae esondmica e vividis as classes entre rabalhadores escravos © nobreza. proprie= Xiialite cirigente (outores por Coimbra), todas as marifers ses de cultura se originavam ou no carpe folelorico (batoques de hegros, ungas ¢ canios ligados is festividades das irmandades religiowss) ou 20 campo erudto, tendo também a Lgrcia como eer tro, gor represents a stuf ponte epaulets as dase 2 Em um de seus poemas stiriees, © posta balane Greario de Matos Guerra dé, em fins do século XVI, um testemsnho desse intereémio dos brancos com a cultura negra, wo excrever, refetin Go-se aos quilombos, onde o¥ afcicanos reslizavar livemonte seus Fituais religious, que “nao hé mulher despeceads, gala desfavorect Hlo./qze deixe de ir 40 quilombo/dangar 0 seu bocadinho”. 3 Em excelente estudo sobre Gregério de Matos Guerra & sua obra, 0 critica cearense Araripe Hoaior (1848-1911) chegon & cho. ‘mar © poets satfrico balano de “Homere do Lundu", atriouindo a Gregsrie de Matos 0 aperfeigoamento daquele Enero de cangio “nos engenhos do RecGneavo, eo som da célebre viola fabricada or suas mfos". Embera em eutro ponte do mesmo trabalho Arari- 2 Jtnior tenha descrite 0 poeta como “um Teles toémio, guase louco, sujo, mal vestido, a percorzer os engenhat do Revéneavo, de viola 20 Ido, tocando Tundus © deseastando poesias obscenas, pare rexalo, neturalmente, dos devassos ¢ estiidos mecenas da 7094" a sitagao do lunda merece reparo. Como diz © propre tito 9 srafo do poeta, pode muito bem ter aconteciée eae 0 “chiste das ‘morenas, conchos dos seus quinging, ardilosas, partisas © false, apoderou-se-tie da viola © nio dcixou de gulilo, divertlo, Zasp rélo Me morrer". Dai» firmer, porém, gue o tipo de canga produzido por Gregorio de Matos com base nessa inspragéo fraseé- "ia fosse o lundu vai muita improbabifidade, O lundy-canio surgin {de estrbithos entremeados ma danga do Iondu, © esta sf se destacou some género & parte do value dos africans muita mais tarde pelos meados do sécuto XVII A modinha As informagées sobre as origens da modinha — con- siderada até hoje como o primeito género de cangac popu- lar brasileira — testimenvse a umas poucas citagdes de autores estrangeiros e literatos portugueses que tomarem conhccimento do novo genero em Lisboa pela segunda iieiade do séeulo XIX. No Brasil, entretanto, desde os dltimos anos do século XVII, pelo menos uma noticia indice que alguns brancos ¢ mestigos da Bahia jé cantavam cettas coplas do tempo com caracteristicas particulares, pois Ihes acrescentavam contribuigdes pessoais que chocavam as pessoas mais con- setvadoras. Em um livro intitulado Compéndio narrativo do peregrine da América, cuja primeira edigdo € de 1718 ou 1725, um quase desconhecido escritor chamado Nuno Marques Pereira (que até hoje ndo se sabe se era portugues ou baiano) revelava escandalizado ter cuvido certs ver na Bahia um cantor de rua que 20 terminar a copla dizi “Oh! dina!” ! Ora, se por boa misica se entendia naqueles fins do século XVI, ainda segundo o supermoratista Nuno Mar- ques Perefra, a que se cantava “em tonda, e a compasso” ? 4 interpolacdo daquela exclamagio inesperada — que rece indicar um breque — devia soar como uma heresia rndo apenes pelo texto, mas pela inovagdo musieal A cancdo a solo, alids, era ainda pelos fins dos 1600 recebide com muita reserva pelas pessoas réspeitéveis, por- ae, colocada a viola ao aleance da gente de povo, havia scrpre a possibilidade de ganharem as misicas um tom pouco moral e muito sujeite a corromper as mulheres pela sugestie dos suspiras e dos versos amorosos. 1 © proprio Nuno Marques mostrava-se, alids, tio preo- cupado com essa possibilidade do relexamento dos costu- mes pela seducdo das “muisicas lascives”, que em varios pontos do seu livto s¢ refere a casos de ‘castigos divinos provocedos por abusos nesse petigoso campo da arte mu- sical. E depois de contar no primeira votume do seu Pere- gino da Amériea a hist6ria da filha de um fazendeiro que foge com o seu professor de canto, procure no segundo volume assustar os tocedoves de viola, citando pelo mencs unt caso Fatal: “E por que no fiquem os miisicos, @ tocadores de violas, de toques € misicas tascivas, sem algum exemplo”, eserevis Nuno Marques Pereira, “contare! um entre muitos, ‘que vos pudera repetir, Lot 0 caso: que houve um pardo, por nome Joao Furtado, famoso miisico © grende tocador destas modas profanas,'assistente na freguesia de Nossa Senhora do Socorro, no recéncavo da Behia, © qual em verta ocasio pegou em uma viole, € se foi deitar na sua cama, € comegot a cantar um fond, que se usava naquele tempo, e dizia a letra: “Para que nascestes, Rosa, Se tao depressa acabastes,’ ete. Ouviram-no tanger ¢ cantar os que na casa estavam, Po- ém, quando o foram acordar, estava em outra vida” *. Considerads a felta de informacao sobre a vide musi- cal brasileira nos primeiros duzentos anos ds colonizacao, ‘essas ingénuas historias de Nuno Marques Pereira revelain- se da cals alte importancia. E isto porgue, sobre indicat ‘a existéncia, na Bahia sciscentists, de miisicos mestigos to cadores de viola, como o mutate Joao Furtado, mostra que 98 seus “toques e muisicas lascivas” podiam’jé adquirir acentos novos como o irreverente estribilho “Oh! disbo!” E isso comeca « explicar o impacto provocado em Portugal, menos de um século mais tarde, pelo nove genero de can so solista fevado do Brasil com'a nome de madinke: De fato, quando a partic de 1775 um :mulato carioca, Domingos Caldas Barbosa, aparece om Lisboa cantando 12 € acompanhando-se & viola, o que mais choca os euzopeus da corie da Rainha Dona Maria 1 exatamente © tom direto e desenvolto com que o trovador se dirigia as mu- theres ¢ a malicia dos estribilhos com que rematave os seus vers0s. © mais antigo documento sobre Caldas Barbosa eo aparecimento da prdpria modinha — os Manuscritos do portugués doutor em cénones AntOnio Ribeiro dos Santos, de fins do século XVI — revelam de manera definitiva que a grande novidede do tipo de misica Lanceda em Lis- boa pelo mulato brasileiro eta o rompimento declarado go apenas com as formas antigas de cangéo, mas com o proprio quadro meral das elites, representado pelas mensa- pons dos velhos géneres, como as “centilenas guerreiras, Que inspiravam animo e’ valor”. ‘Ao descrever as impresses de um sarau de meados do século XVIII ne casa da Marquesa de Alorna (mvlher de Dom Pedro de Almeida, o Conde de Assumar, que go- vernou a Capitania de So Paulo e Minas do Ouro de ITL7 a 1721, e reprimiu a insurreicéo em Vila Rica), Ri- beito dos Santos demonstrasse realmente impressionado & ‘com o fato de “mancebos ¢ donzelas” interpretarem “can- tigas de amor t2o descompostas”, que — afirma em tom de pudor ofendido — “corei de pelo como se me achasse de tepente em bordéis, cu com mulheres de ma fazenda”’*, Ora, se esses “cantiges amorosas de suspiros, de re- quebros, ‘de nemoros refinados, de gatridices” — cuio surgimento na coldnia se explicava pelas menores restri- ges morais existentes lenge do atuante sistema de censura da metrépole — tinham comecado desde logo fazendo sucesso cm Lisboa, isso indicava que tais cangécs vinham atender 8s novas condigoes da vida cortesé. Ne verdade, o ouro das mines brasileiras, carreando| para o tescuro real em Lisboa uina riqueza acima de qual quer previsdo, permitia desde meados do século XVIIT uma tal ampliacio do eftcule das grandes families da burguesia e da aobreza, agrupadas & sombra do trono, que @ vide da corte ganhava um colorido jamais imaginads, A primeira atitude desses novas. camadas surgidas ‘epés um longo periodo de abschutismo e de sujeigao as, restrigGes impostas pela rigorose mezal da inquisigto ia 3 set, logicamente, ‘a de aceitar com entusiasmo quaisquer expresses de ume vida mais liberta de preconceitos, E era isso que o severo Ribeiro dos Santos parecia querer de- ‘monstrar, ac queixat-se ainda cm seus Manuscritas, refe- rindo-se 20 impacto causado pelas suspirosas modinhas de Domingos Caldas Barbosa: “Que grandes méximas de modéstia, de temperanca ¢ de virlude se aprendem nestas cengdes! Esta praga & hoje geral depois que o Caldas comecou de pér em uso 0s seus rimanees, © de versejar para mulheres’, A vivacidade das modinhas brasileiras de Caldas Bar- bosa era, porém, t80 envolvente, que o proprio Ribeiro dos Santos nao se furte ao elogio do compositor carioca sizendo: “Eu admito a facilidade da sua veia, a riqueza das suas invengées, a variedade dos motivos que toma para seus cantos, ¢ 0 pico © a graga dos estribilhos e ritornelos com que os temata”, © que 0 sisudo doutor em ednones néo podia tolerar, afinal, era justamente aquilo que a experiencia de liberdade da colénia tinha de methor para oferecer &s novas camadas, de cortesdios évidos de libertacao dos precaneeitos: a forma dircta no tratamento dos temas do emor sensual e — como exctevia Ribeiro dos Santos — “a maneira com que 0s, trata € com que os canta” § Desde que Mario de Andrade escreveu em 1930 no preffcio da sua coleta Modinhas imperiais que ‘a prover nigneia erudlita européia das modinhas & incontestével”"”, essa conclusdo passou a set accita ¢ repetida scm qualqucr reexame. Basta, porém, que se conhega um pouco da vide de Domingos Caldas Barbosa — cujo nome se liga do- cumentadamente ao sparecimento da modinha em Portugel — para gue se revele a improbabilidade de tal afirmago. O poeta € violeiro Caldas Barbosa, nascido na colénia do Brasil por volta de 1740, era filho de pai Branco com uma preta de Angola, chegada ao Rio de Janeizo jé gré- vida, Reconkecido pelo pai, o malatinho chegou a estudar no Colégic dos Jesuttas, mas, logo por volta de 1760, os- 4 tando em idade militar, certas queixas contra seus epigra: ‘mas © versos satiticos provocaram 0 seu envio como sol dado para a Colénia do Sacramento, no extremo sul do Brasil, Ora, tanto na vida de estudante quanto a militar, ‘ou ainda na de boémia a que se entregou durante mais de ez anos, apés sua volta 20 Rio, em 1762, todos 08 conta tos de Domingos Caldas Barbosa terfo sido com mestigas, nnagros, pindegos em geval tocadores de viola, ¢ nunca com mestres de miisica cruditos (que, por sina, por essa poca praticamente néo existiam no Br Assim, se @ partir de 1775 Caldas Barbosa ja apatece cantando suas modinhas em Lisboa, tais cangdes 56 po- diam constitir auténtica misica popular da colénia, 0 que por sinal 0 francés Link testemunha nas anotagSes de sua Viagem a Portugal, de 1797 a 1799, ao distinguir as cant gas brasileiras das portuguesas, escrevendo que “as cangdes brasileiras nos encantaram pela maior varicdade e pela jovialidade tao france © ingénus quanto o pais de onde enn Na verdade, além de nenhum dos contemportineos ter posto em dosiaque qualquer qualidade cruditizante da mo- dinha (¢ © poeia Nicolau Tolentino chegou mesmo a cha mubla de “vulgar modinha”, com o sentido algo deprecia- tivo de cangaozinka do vulgo, on de povo), © proprio nome do géncro introduzide por Domingos Caldas Babose in- ica’ muito mais a supetioridade condescendente com que 8 europens receberam a novidade, segunda metade do sécvlo XVIII ainda era costu- me designar pelo nome genérico de modas as cantigas em geral. Quando, porém, Celcies Barbosa aparece cantando as suas com toda ‘a tafutaria do amor, a meiguice do Brasil e em geral a moleza americana” — no dizer do Dr. Ribei- to dos Santos — a insisténcia com que usava as frases curtas dos versos de quatro ou sete silabas (tipicos da pocsia popular) levou muito explicavelmente as pessoas a referitem-se a tais medas novas usando o diminutive de modinhas. Em pouco tempo esse diminutivo genético pas- sotie a indicar especificamente o tipa de cangio imporiada do Brasil, o que jd em 1786 podia ser atestado no entremez inlitulado A rabugem das velhas, quando uma personagem Youva perante a avd (que defende as velhas cantigas) “esta ‘modinia nove que agora se inventou”® 15 © proprio Lerde Beckford, que se supde cultural. mente qualificado pela sua condiggo de nobre inglés, quan- do em 1786 assiste ma corte de Dona Maria [, em Lisboa, a uma reunigo em que se cantaram modinhas, refere-se 20 “stagcuto monétono da viola”, © que indica mui:o mais 0 popular ponteic do que qualquer recurso erudito, numa Epoca cuja miisica clissice supervalerizava a melodia, em detrimento do ritmo. E nem era outre coisa que pela mes- ma época estaria querendo dizer 0 poeta satizico Nicola ‘Folentino, ao referirse a0 lundu contemporaneo ds modi nha nes versos tho citados pelos historiadores da misica brasileira: “Em bandolim marchetado, (Os ligeiros dedos prontos, Loire peralta ademado, Foi depois tocar por pontos © doce Londum chorado”. Tocar por pontos (expresso cue os citadores dos versos jamwis se procaparam em interpretar) era, nada ‘mais, nada mencs, do que produzir aquele som staccato a que se referia Lorde Beckford, apertando os dedos sobre os ponfas ou trastos 4a viola ou do bandolim, ‘As proprias letras das cantiges de Caldas Barbosa, colecionadas nos dois tomos denominados Viola de Lerena © primeiro editado em 1798, 0 sequndo em 1826, svis anos depois da morte do posts, compositor ¢ cantor), nfio autorizam de forma elguma a supor 0 seu enquedramente nama moldura musical de estilo erudito. Em uma cantiga intitvlada Zabumba (¢ que pelo titulo indica logo @ pico cupagao onomatopaica do ritmo}, Caldas Barbose cantava, por exemplo: “Tan, tan, tan, tan Zabumba Bela vida Militar; Deiender o Rei ¢ » Paria E depois rir, ¢ folgar™ ©. E se inde fosse preciso novo argumento em favor do tom popular que 2 viola devis tomar nas maos do mulaio 16 catioca, qual maior do que aquele por ele mesmo oferecide, a0 afirmar numa pequena cantige ‘litulada Declaracao de Teveno?: “Eu sou Lereno De baixo estado, Choga nem gado Dar poderei"™* Confesserse de baixo estado era afirmar sua origem de filho das camadas populares, o que explicava 2 pobreza de alguém sem coca rent gado e, portanto, sem qualquer possibilidade de acesso a cultura erudita do tempo (inclu sive a musical), s6 passivel de ser aleangada freqtentando ‘as universidades européins reservadas @ nobreza e 2 nas cente alta burguesia de Portugal. ‘Assim, © que certamente aconteceu, para confusio dos pesquisadoves mesmo os mais atilados, come Mario de Andrade, pouco mais de um século depois, foi esta circuns- téneia também documentada: como as modinhas populates de Domingos Caldas Berbesa aleangaran enosme succsso no corer Ga segunda metade do século XVITT, quase todos, ‘os compositores eruditos do tempo desandaram a compot modinhas em Portugal. Esse fato 56 foi levado em consitleracio no inicio da década de 60 pelo musiedlogo Mozart de Araijo, a0 es- crever em seu livro A modinha ¢ o lundur no século XVII “O exiguo material brasileiro que ilustra algans livros de viagem ou que aparece no Jornal de Modinfas editado em Lisboa entre 1792 ¢ 1795 é, por assim dizer, um mate: rial de segunda mao, algo deformado pelos acompanhe- mentos “classicos” dos mesttes contrapontistas de enteo, o& jf transfigurado pelo artificialisma das verses ereditas que esse material sofreu, ao ser transerito para o peniagrara. "Comecaria, alfés, por essa época, a se pronunciar um outro fator de deformagao: a italianizagdio da medinha.” Era natural que isso acontecesse, porque ~~ como Iembea ainda Mozart de Acadjo — "a segunda metade do séeulo XVIII ¢ © perfodo em que mais sensivel se torna em Portugal a influéncia da Speya italiana", ¢ “pare a [talia 17 ram enviados os melhores miisicos © compositores por tugueses’” 9. ‘Quanto a Domingos Caldas Bartosa, pessoalmente, a mesma influéncia nao teria rezdo de ser, pois além de sua formagéo ter transcorrido no acanhado meio urbano da colénia, se as suas modinhas fossem eruditas nfo ve expli- catia depois a sua vasta popularizagio no Brasil, como de {ato avonteceu, Segundo o critico © histotiador da literatura brasileira Silvio Romero, quando no inicio da segunda me- tade do século XIX comegou a coletar por todo 0 nordeste do Brasil o reperiério que incluiia ein scu livro Cantos Populares do Bras, pubicado em 1883, fram, vtig of informantes que The cantaram modinhas por ele identifica das como de Domingos Caldas Barbosa, Mais de cingiienta anos depois da morte do seu autor, portanto, elas conti- awayam ni memoria da gente des pequenas cidades, trans- mitidas oralmente como cangées tradicionais, E 6 jé o proprio Silvio Romero, ainda surpreso diante dessa comprovagio da sobrevivéncia de muitas modinhas setocentistas de Caldas Barbosa, quem escrever “O poeta teve # consapragio da popularidade, Néo falo dessa que adquiriv em Lisboa, assistindo a festas ¢ impravisando a viole. Refirome a uma popularidade mais vaste © mais justa, Quase todas as cantigas de Lerenc correm na boca do povo, nas classes plebéies, traneadas ou ampliadas”. E acrescentava entéo, fornecendo o seu testemunho pessoal: “Quando em algumas provéncias do norte eoligi gran. de copia de eangaes populares, repetidas vezes recolh can- tigas de Caldas Barbosa como eudnimes, repetidas por analfabetos’” ". © que iria acomtecer com a medinha, @ partir dos Gllimos anos do,século XVII, até a segunda meiade do séeuio seguinte, seria o fato de que, pessando a interessar os mésicos de escola, o novo género acabgria realmente se transformando cm ‘cangao cameristica tipicamente de salgo, precisando aguardar depais © advento das serenatas 18 a luz dos lampies de ra, nos titimos anos do séeulo XIX, para entlo retomar a tradicZo de género popular, pelas mics dos mesticos tocadores de violzo. ‘Enquanto isso ndo se deu, a modinha de sel — tra- zida de toma-viagem ao Brasil com a cotte do Principe Dom Joo, a partir de 1808 — enfrentou durante mais de meio sSculo © equivaco dos compositores Tigados & Capel Real e, a partir de 1841, co Conservatorio de Mésica da capital do Império, chegendo a confundir-se com érias de Speras italianas, 0 que explica a sun voga inclusive nos teatros, interprezada por cantores lirivos estrangeiros, como a famosa soprano Augusta Candiani. Cantora que, als, veio de Italia para ser a diva da épera Norma, de Bellini, no Teatto Séo Pedro de Alcantara do Rio, em 1844, © acabou ficande no Brasil até 1890, quando morreu no longinguo subvrbie carioca de Santa Cruz, quase na mir séria, Por essa época em que @ Candieni cantava pera a lite do Segundo Impétio, segundo escreve © eritico Ayres de Andrade, “Rossini cede a Donizetti ¢ Bellini a primazia ue vinha ostentando nas temporadas”, Ao que acrescen- tava, definindo no seu livro Francisco Manuel da Silva seu tempo, o que i880 representava em termos de influéncia sobre a modinha de saléo, em 1845: “O resultado foi que Bellini, com @ melanedlica suavi- dade das suas melodias, tio condizentes com a sensibili- dade do brasileira, passou a influenciar og trovadores do pais, a tal ponto que no repertéric da modinha brasileira ‘nfo so raras aqueiss que parecem provir diretamente das peras de Bellini” ', A tepopulatizacéo e tenactonalizagée dessa modinha clevada & condigao de pega erudita, entretanto, comesariama fa ser preparadas quase eo mesmo iempo no Rio de Janeiro ¢ na Bahia, paratelamente a essa fase de deformagao do género Iancade por Domingos Caldas Barbosa, gracas & ex trada em cena de uma nova geracde de filhos da classe édia urbana ligads so desempeno das protissoes liberais © 0 cultivo da fiteraiura, - No Rio de Janeiro esse movimento, enquadrado por sinal dentro do esptrito dos primeltos poetas e escritores, 9 roméntices, tinha © seu centro ne Tipografia de Paula Brito, do tpdgralo, livreiro, editor © poeta muleto Fran: cisco de Paula Brito (1809-1891), que desde 1851 até sua ‘morte manteve Iojas nos nuimeros 44, 51, 64, 66, 68 € 78. da Praca da Constituiglo, hoje Praca Tiradentes. ‘Nessus lojas, onde Paula Brito ia altemando suas li- vyrarias com Hlografias, papelarias e até com uma Lia do Cha (conhecida por Loje do Canto, por ccupar 0 prédi da esquina de Praga de Constituigéo com a Roa de Sio Jorge, hoje Gongalves Ledo), reunia-se desde mendos do século XIX a pioneira geragio de literatos romiinticos do Rio, entre os quais estavam Goncalves de Magalhiies, Jon- quim Mantel de Macedo, José de Atencar, Goncalves Dias, Casimiro de Abreu, Machado de Assis © Lautindo Rabelo, apelidado de Lagartixa. ‘Numa cidade mal safde do acanhado quedro colonial, @ loja de Paula Brito funcicnave com o carter até hoje reservado as botices das pequenas eidades do interior do Brasil: era um ponto onde os chamados homens de espirito Marcavara encontro, ¢ onde — segundo Machado de Assis — "se conversava de do, desde 0 dé de peito do Tam- berlick até os discursos do Marqués de Parand” "8, Durante essas conversas, em que nasceu a idéie da criagéo de uma instituiglo sem estatuios, a Sociedade Petaldgica (estranho tiome feito para Fazer rir, quando se explicava que “'petals- ica” vinha de peta, sin6nimo de mentira), o posta Laurin- do Rebelo dava a nota popular, fazendo conhecer as suas modinhes. Isso nfo quer dizer, é claro, que a retomeda do gnero opular de que os misicos de escola se haviam apropriado Figurasse como obra exclusiva dos literatos da Sociedade Petalogica, liderados por Leurindo Rabelo. ‘A modinha, embora destineds a dominar @ historio- gratia musical da época apontada sempre como pega clis- stea, pela citcunstiincia de 36 chegar a ser impressa em artes para piano quando composta em nivel de miisica ce saldo, continuava a set cultiveda anonimamente por cantores e misicos de rua. © pintor francés F. Biord, instatado em 1858 no pxé- dio do Pago Imperial (hoje sede dos Correios ¢ Telégratos do Rio de Janeiro, na Praga XV de Novembro), conta em seu livro Dois anas de Brasil que “quando havia viragio, 20 ie eproveité-la & noite, perto da janela, e de uma casa feonteira, toda acesa, saiam sons de violéo v de flauta nem sempre harmonizados; duas vozes pouco agradaveis cunta- vam ronaneas que mais pareciam cantos ftinebres. Esses cantores ligubres enterneciam-se bastante ¢ langavam olha- res languidos que ora baixavam ao chao ora’ subiam 20 cit. O amor transbordava-thes dos coragdes e esses idilios duravam até x madregads” © Diante da deserigio de Biard, nfo € necessirio dizer ‘que se tratava de cantores de modinhas, acompanhados ja em meados do sévulo XIX pelos dois instrumentos que, tnidos ao cavaguinho, formariam em pouco tempo 0 trio instrumental classice do chore catiocs. Acontecia, porém, que ne loja de Pavia Brito (por sinal também compositor, chegando a editor em 1853 em sua tipografis o lundu A marrequinha de laid, com mésica do autor do Hino nacional brasileiro, Francisco Manuel dg Silva, 1795-1865) os infelectuais culiores da modinixe sitvavamrse exatamente entre agueles dois extremes. F assim, ligandose a instrumentistes das camadas populares, fivravam suas mésicas dos. preconceites exudites, embora sua eondigio de adeptos da poesia romAntica em afvel lite- rari os levasse a requintar 9 parte da letra, através de cm preciosismo que mais zarde seria responsével pela tradigao de pemosticismo de varias geracécs de letvistas semi-snal- fabetos da miisice popular brasilcire Em uma série de artigos intitulada “'Serestas © seres {eiros®, publicada coma parte da série “Brasil sonoro”, que manteve divante varios anos no jortal Didrio de Noileias, do Rio de Janeiro, a pioneira de histericurafia da misica popular Marisa Lira salientou esse papel de mediadores enite duas culturas desempenhado pelos literatos modi- theiros reunidos & volte de Paula Brito, escrevendo: “A Petslégica do Rossio Grande hoje Praga Tica dentes) no era apenss © centro de literates da esvola de Machado de Assis, mas também de trovadores, setesteitos ¢ poctas. A lira melancélica e a sétira irreverente de Lau- tind Rabelo eram musicadas por ele priprio ou pelos rnomes mais em evidéncia entre os compositores da época. Daquele tempo & o Gosto de ff porque gosto, que Satire Rilbar cantava no tempo de Carlo, dizendo-se o tor, Os 21 versos, nfo hé a menor diivida, sic de Paula Brito, e a misica parece que fei compesta pelo Cunha dos Passari- hos, compositor muito querido morador no Beco do Co- toyelo” No que se refere a Laurindo Rabelo — certamente hrerdciro da musicalidade dos ciganos, dos quais era des- cendente —, se 6 verdade que tocava violo ¢ cantava composigées com versos seus, néo ¢ provavel que fosse também autor das miésicas feitas para eles. Segundo Mello Moraes Filho, que foi seu amigo pessoal, nas festas 3s quais comparecia, Laurindo “cantava ao violio sentimen- {ais modinhas ¢ boligosos lundus que sraziam em aberta hilaridade os mais sisudos ¢ responséveis circunstantes” proprio Mello Moraes Filho, porém, em outro ponte de seu livro, depois de lembrar que Laurindo Rebelo costu- mava passar cemanas inteiras na casa do “velho Almeida Cunha, apelidado o Cunha dos Passarinhos", descreve 0 poeta ‘a pilheriar, improvisar, cantar modinhas e lundus ao som do violfo, com os rapazes dla familia, com 0 saudoso Joao Cumha, que the facia as milsicas para as composicées ‘miiltiplas” (o grifo & nosso), E com a seguranga de quem, embora romanceando, fala de alguém que covheceu na intimidsde, Mello Moraes Filho actescentava tima mindei capaz de situar Joo Cunha, o Cunka dos Passarinhos, como 0 parceiro encarregadd de musicar os pocmas do chamado Poeta Lagartixa: “8 Laurindo Rabelo, em ceroula e sentado na cama, de pernas cruzadas ou em pé, tangia o melodiose instru: mento, © entusiasmado pelo virtucse que, inspirado, The jnterpretara o sentir dos yersos. exclamava por vezes: — Estamos casados, Joso!”™ © fato & gue, renovada por miisicos populares a ser- vigo da inspirago de toda uma geragao de poetas rom ticos — entre 05 quais © proprio bidgtafo de Laurindo Ra- belo, Mello Moraes Filho (autor de modinha A mulata, com exisica de Xisto Bahia), Alvares de Azevedo (Escuc, musicada pelo Jofo L. de Almeida Cunha) © Guimardes Passos (A cast branca da serra, misica de Miguel Emidio, Pestana) —, ¢ modinha adaptou-se afinal so violdo, que 2 substituia a viola desde meados de séeulo XTX. E ganhan- do as ruas com os conjuntes de musicos de choro, que s¢ ‘encarregariam de estilizé-la definitivamente, dentro do es- filo derramado do wltre-romantisme popular, acabaria no inicio do séoulo XX voltendo ainda uma vez aos sales sob o nome de cancio. 'Na Bahia, esse mesmo caminho seria pervorrido pela modinha a partir da seguada metade do século passado, no tardando — segundo esereve Afonso Rui em Boémios @ seresteiros baianos — “a tornarcuvse parte obrigatéris, de todas as reunides, aplaudidas ealorosamente, canc6es & Tundus, ora, com letra do incomensurdvel Castro Alves (O gondoleiro do amor), 0 maior bo&mio da Bahia, ora com miisica de Carlos Gomes (Tao Jonge de mim disiante), 0 maior compositor do Impétio”?!. ‘Tal como no Rio de Janeiro, esse volte da modinha Bs suas raizes populares ia ser conseguida na Bahia pelo tra: bbalho as vezes paralelo, as vezes conjunto, de intelectuais ¢ trovadores de violao de tua, unidos de qualquer forme pelo denominador comum do espirito boémio. “Os trovadores baianos, nesse tempo”, cscreve Afon- s0 Rui, confirmando essa conclusfio para 0 caso ds modi- nha na Behia, “compunkem dois agrapamentos distintos, inconfundiveis, apartados peles convengées sociais © pelo exigente formalismo da época; cancioneiras a quem se abriam os sales em brilhantes sereus ¢ seresteiros @ que, ostensivamente, se fechavam as portas. Uns"tinham as pal- mas de uma assisténcia de escol, outros @ repressio da policia. No fundo eram todas boémics. Por indole e por sentimento.” Num comovide levantemento de notes de muitos desses modinheiros baianos da segunda metade do século XIX, 0 musiediogo e historiador Flausino Rodrigues Vale cscreveu em seu precioso livrinho Elementos de folctore rmasical brasileiro: “A maior parte dos cantores de modinhas baiaios era somposta por hibeis tocadotes de viclio, como fci @ noté- vel Cezuzinha, filho de José de Souda Aragio, naturel de Cachoeira; so dele A mulher cheia de encantos, Owero 3 partir, A nebulosd, Os sortos, Minha lira, Tarde, bem tarde, As baianas, etc. (...) Um espirito de posta ilustre, cantor ¢ compositor foi José Bruno Correia, autor de belis. simas pdginas de modinhas, tendo logrado bastante fama as seguintes: Nadu possuo neste mundo, A vinganca dos an- 05, otc. (., .) Outros dignos émulos dos trovadores e com- positores precedentes sfo: Dalmécio Negrio, J. Alves de Melo, José da Cruz Muniz, Chico Seodlveda, Quinguim Bahia, Joaquim do Bom Jesus, Custédio de Sante Amaro, Evaristo Ferreira de Araijo, efc., tc.” ® Sobre todos esses criadores ie pairar, no entanto, a figura de um compositor completo, cuja acéo, estendendo- se da Bahia ao Rio de Janeiro, ¢ cuia criacio, aliando o popular 8s parcerias com intelectusis como Artur Azevedo, resumiriam (odo a trajetéria da. modinba do plano erudite, a0 violfe do povo. Tratava-se do ator, cantor e violonista Xisto Bahia, ‘Quendo, por volt de 1860, © jovem boémio baiano de voz aberitonade Xisto Bahia comeca a se tornr conhe- ido enite os cantores de serenata, a modinha jé circulava rnos meio popnlares na voz daqueles “seresteiros a que, costensivamente, se fechavam as porta” De volta & Bahia nos fins desss década de 1860, para exercer um cargo de secretério do govemo da Provincia, Franga Jinict, 0 teatrdlogo baiano ctiado no Rio de Jane! 1, teria a sua atencéo de fixador de costumes populares despertada para esses tipos de modinheiros de rua de forma tao marcada que, anos depois, néo deixaria de tragarlhes © retrato numa erdnica de jornsl. Em um de seus folhetins da série iniciada em 1876 no jornal Gazeta de Notfcias, do Rio de Janeizo, Franca [inior pede ao feitor que o acon Panic a Bahia’ para conhecer © cantor de serenatas, am geial “um crioulo esbelto e inteligenie”, e descrever ‘Amigo em excesso das instituigdes livres, ostenta na cabeoa, perieitamente tragada, a esirada da liberdade, que Aivide-Ihe a hirsuta (eebeleiza) como em dois morros. (...) © chapéu: mal o resguarda do sereno, caindo-he sobre uma das orelhas, ¢ deixencdo descoberta a cutra. (...) Traja velho palet6. caleas de cor duvidass, e assents 8s pés em vetustis chinelas de couro, que iS foram outvora botines, 4 (..) Nunca velo-is 96, (...) Retine sob as javelas de sta Marilia o maior niimero possivel de confidentes, que © aplaudem com entusiasmo, dizendo em altas vores: — Canta agora aquela do Trovador. — Nio; canta 2 outra, que é mais bonita. — Ca para mim, nic hé como a da Lifia. — E onde fica aquela das Lembrangas do nosso amor?” 4, Era jd uma descrigio que coincidia ein tudo vom a do cantor é& modinhas carioca do fim daquele mesmo séeule XIX, cue © memorialista Luis Edmimdo ia também fixer fem seu livre O Rio de Janeiro do meu tempo, ao escrever: “© homem que deditha c insirumente: suavissimo é um mulato de gaforinha densa ¢ bipartida, um frague de sayja, velho, fechado na altura do pescogo, preso por um alfingte de fralda, a ponta do charuto apagedi: e curta, me tida, cuidadosemente, atrés de orelhe, uma orelha’suja e despegada do crinio. Faz ressoar 05 bordées sonores ¢ profundos do ‘pinko' gemedor, mexendo a abotoudira das ravethas. Depois, pigarreia, Depois cospe. Funga, E, en- 80, comega: ‘Nilo sabes que te amo € que te adoro, Que vivo @ padecer? Néo sebes dessas ligrimas que choro, Do meu triste viver?” "5 No caso de Xisto Babia, entretanto, a importincie de cantor ¢ compositor residia no Jato de gue, sendo pela ori- gem um tocador de vietdo tic popular quente qualquer desses preios on mesticos de cabelo partido ao meio (¢ cle mesmo cre um mulato filho de militar), a sue decidida vocagio de ator ia levé-lo a atuar no imbito de classe média, servindo pois como um perfeito intermedisrio entre os literatos compositores da primeita metade do séewlo XX @ aqueles cantores de rua que ainda alcangariam o século seguinte. iipmbore & bibliografis, no que ae refere & modinha popular, seja muito escasss, a maioria dos depoimentos existentes coincide no reconheeimento” dessa importineia co ator e compositor baiano. 25 No mesmo livro em que cite Xisto Bahia como “o maior cantador de modinhas do século pasado”, 0 musi- logo Flausino Rodrigues do Vale lembra que’ © histo- riador italiano da mdsica brasileira Vincenzo Cerniechiaro definira 0 batano como “espirito de harmoniosa graca, ini- mitavel pela mancirs especial com que sabia canter tanto as préprias modinhes como af de aio panko”, ees centando: ““E era de verse como este miisico ingénito, apesar de ‘nao conhecer uma nota de misica, sabia comover todo um auditério” *, Isso queria dizer que, apesar da condicdo de represen- tante das camadas mais baixas do povo, Xisto Bahia — tal como mais tarde aconteceria no Rio’ de Taneito com Catulo da Peixéo Cearense — conseguia superar com forga da sua personalidede marca de classe, impressio- undo as camnéas médias a propria lite com w beers ia mdsica ca dignidade que emprestava A interpretagio das suas modinhas. De fats, ao apterentarse na cidade paulista de Piva cicabe em 1888 — quando ja percorria o Brasil como ator consagrado — Xisto Bahia, citado pela Gazeta de Piraci- eaba como o ator que “cantou a0 violio as madinkas do capadécio, sendo reidosamente eplaudido pela platéia’” (0 que dé a entender pela cacolha do termo "capadécia” 0 preconceito do comentarista contra 0 género da musics), fem a sua participagdo pessoal ressalvada pela cbservacd “Xisto ¢ um cavalheiro extraordindtio: reine ao dom de uina fisionomia, um aspecto, singulares, fortes, um tom de melancolia, que cativa e no sexo amével abre uma bre: cha imensa, como a uma muralia de pedra néo o faria maior artithatia” *. Para 0 longo processo de retomada da modinha como géneto popular — embora sempre sujeite ao telento in vidual des modinheitos, ao contrério das demais cangdes populares passiveis de interpretagae coletiva, como seria mais tarde o caso do samba — a importéncie assumida pela figura de Xisio Bahia era fundamental. 26 © fato de Xisio Babia ter live transito entre os inte- lectuais, depois que # sua parceria com © maranhense Ar- tur Azevedo tomnou-o praticamente co-autor da comédia em um ato Uma véspera de Reis (represcatada pela pr mneita vez no Teatro Sao Jofo, da Bahia, 2 15 de julho de 1875), ia fazer com que virios poetas se dignassem escre- ver versos especialmente para serem por ele transformados em modintas, ‘Animados pelo prestigio de Xisto Bahia perante o piiblico dos teattos, figuras da elite, como o Visconde de Ouro Preto, 0 cronista Melo Moraes Filho ¢ © posta ba- charel pernambucano Plinio de Lima, transformaram-se em autores de modinhas como aquela famosa “A casa Branca da serra, que, em 1880, Guimaraes Passos compas e can- tou numa memoravel noite de boémia’” *, Quem melhor distinguiu esse trago de ligaglo estabe- lecido atsavés de Xisto Babia entre 2 segunda geracdo de tas roménticos ¢ os cantadores de modiahas do pevo ‘oi o historiador da msica brasileira Guilherme de Melo. Baiano como o proprio Xisto (que conheceu ¢ ouviu can- tar na cidade de Salvador), Guitherme de Melo lembra em seu livio A muisica no Brasil com exatidio: “O que se dava com relagdo a Laurinde (Rabelo) no Rio, reproduzia-se na Bahia com Xisto Bahia, ator ¢ apri- morado trovador que arrebatava auditorios, cantando mo- Ginhas proprias ou alheies, interpretando ¢ cantando como artista, que era, engracadissimes Iundus, 20s repinicados do violao” *, E apés salientar que © mais admirével no autor bala no “era a pujanca do seu estro musical som conbecer uma 56 not de masise"", Guilherme de Melo enteava na andlise da modinha Quis debulde varrete da mens6ria, anotando: Nao haverd decerto no mundo actista nenhum gue desdenhe assinar o seu Quis debalde, uma vez que n0 gene- ro ele em nada ¢ inferior aos seus similares. (, ..) Como Net cor pits non mi sento, de Paisiellc, sobre o qual Beothoven, © mais sublime dos mestres, née desdenhow fazer diversas variagtes: como o Carnaval de Veneza,"que & 0 canto mals popular de mundo inteizo © que tem servido de tema a Pa ventenas de variagées de artistes distintos como Liszt, Pe- zanini © outros; como o Alt che la morte ogrosa, do Tro- vador de Verdi, que quanto mais cantado mais lindo se torna, assim 9 Quis debaide de Xisto Bahia, sendo uma compesigao essencialmente pura ¢ bela como us supracita- das, hd de atravessar 0 perpasser dos tempos, conservando sempre © mesino encanto ¢ a mesma ftescura, como se fosse escrito na atualidade” ». E como antecipandose a tese da mediagao dos lite- ‘alos rominticus na repopularizaggo da modiaha erudi zada a partir do sucesso de Domingos Caldas Barbosa em Portugal no século XVIIL, Guilherme de Melo escrevi niais adiante, cstendendo a participagaio dos poetas a Sic Paulo © Recife: “Enquanto no Rio de Janciro © velho Heliodoro, An- sénio Rocha, ¢ pardo Anselmo, Chico Albuquerque, Joio Cunha, J. Alves, Juca Cego extasiavam a sociedade flumi- nnense com 03 sons maviosos de sua lira e, nas capitzis de Pernambuco e Sao Paulo, Frange Jiinior, 6 desembargador Palma, Fagundes Varele, Joo Antdnio Je Bazzos, Moura Domingos Marcondes, Plinio de Lima, Peganha Pévoa, Vendncio Costa ¢ mais estudantes distintissimos, aprimorados poetas e eximios tocadores de violao, davar, nas frases do Dr, Melo Morees, serenata a Tua no seu trono de meia-noite, na Bahia, terra cléssica dos trovadores bra- sileiros, beteo onde se acaléntaram as primeiras modinhas nacionais, tdo impropriamente chamadas de Mines, em ca- a lat onde se celebrava um casamento, batizado ou ani- versirio, em cada recesso onde se abrigava um amigo, uma visita ou um Parente, em cada rua, larga om esquina em que s¢ comemorava uma festa de igreja ou nacional, havia um altar etigido a Euterpe, Ereto ou Politmie, @ Vénns ou Cupido, onde verdedeiros saverdotes das musas entoavam fo seus salmos de louvores ou seus cAntices de smores. (...) Daf as duas classes de trevadores: trovadores de rea © trovadores de salao”*! A tigor, do ponte de vista da criagdo— e embora néo se discuta a inegavel ecvitagao da modinha entre as cams 28 das populares —, em maiéria de trovadores s6 existiram praticamente os de sale, porque entre os cultores da mo- dinha das camadas mais baixas s6 havia menestrdis* Foi iss que, de uma forma certamente apaixonada © exagerade, 0 critico sorgipano Silvio Romero quis dizer em sua Hisidria da literatura brasileira, ao efirmar: “A modinha & a mals rics das formas por que se ma: nifesta a inspiragao de n0380 povo. (...) f isto inexato. A ‘modinha nem é a forma mais rice do nosso lirsmo popular, nem 6 a forma mais perfeita do nosso lirismo culto. (.. .} A forma mais rica da poesia popular sd0 08 romances, a8 xdearas, 8s oracdes, 0s reisados, a8 chegancas, 08 verses: gerais. © povo no'faz, nunca fez modinhas” *, Por isso, muito mais préximo da verdade ficaria 0 também critico José Verissimo, ao escrever que “a modinha € 2 forma populer ¢ cha (diminutiva, pudéramos dizer) da volha e aristocréties moda portuguesa. a xdeara dos tro- vadores e casteldos guitarristas transformeda pelo povo”, concluindo corretamente: ““O canto popular brasileiro, de que a modinha § uma forma, nic podia deixar de ser'o que é: simplesments 0 produto de uma inspiragio pessoal e, por assim dizer, uni- forme, embora assimilada pelo povo — 0 que a faz tomar 2 denominayac de popular” ™ O exagero de Silvio Romero estava em que — como lembrou Vicente Sales — “embora dialético hogeliano, ex tabeleceu (0 critico sergipano) em termos absolutos a di cotomis: popular % erudito, considerande popular o anéni mo, iste 6, 0 fololéries, e erudite toda a produgio dos literatos conhecidos” *, Em sua concluséo de fins do século XIX Silvio Ro- mero esquecia, pois, o papel de mediador entre as cultures = “Besa afirmagio leva cm conta 0 conceito histérieo medieval ‘das palaveas “trovador” e “menestre> @ primeira era geralmente © obre ou posta © misice palacianc que compunha seus romances; f segundo era 0 artista de rua que apemss cxftava as comps dos outros acompanhando-se ao som do seul snstrumento. de elite € populares exercido por figuras como a de Xisto Raha, e, logo depois (¢ isto o critico nao ere de fato ob gado 2 adivinhar), como a do pernéstico trovador urbano Catule da Paixdo Cearense Na yerdade, td0 logo a modinha de musica composta pot tocadores de violzo do pov, com letra escrita por ‘oetas de melhor nivel literdtio da época, espalhou-se pelas ‘camadas mais bumildes em fins do séclo XIX e inicio do séoulo XX, na voz de boémios ¢ seresteiros, o romantismo dos seus versos sofreu uim provesso de adaptacdo cultural ‘que faria tal ginero de cancao merecer mais do que nunca a classifivacfo de popular. Impressionados com 0 vocabu- latio requintado dos poctas autores das modinhas dos tem- pos de Laurindo Rabelo, © msis tarde de Melo Moraes Filho, 08 misicos e bo&mios mesticos, jé agora nfo apenas do Rio e da Bahia, mas de muitos outros eentros em pro- cesso de urbanizacéo, desandaram a imitar os literatos da geracdo roméntiea no que tinham todos de mais precio- Sstico. Come, porém, a maioria desses novos criadores se enquadrava nos tipos de tocadores de violio de rue deseritos pot Franca Janiot ¢ Luis Edmundo, o que nos poetas eram construgies raras passavam a imagens de um pemosticismo cSmico. O que se explicava porque, sendo © cantor de modinhas das camadas populares quase serapre um mestigo da cidade, transformado, pelo fato de tocar violio, num artista do seu melo, o emprego das palavras Giffeeis valia por ama inovente forma ostensiva de ascensio ‘cultural, no sentido de que — distanciando-o da linguagem comum '— aproximavac da idsia que os seus humildes admiradores tinham dos grandes poetas cults Esse conceito que liga o falar dificil & conguista de cultura em nivel erudito vezes com esse nome novo de canciio fis pequenas drias de sabor quase erudito (como era © caso da cangio A casinha pequenina), adotar temas mais engra- gados como o da Can¢do do boiadeiro, citada por Marisa Lira, ou ainda aproveitar a onda dos temas regionais em composigtes como @ famosa Casa de caboclo, misica de Chiguinha Gonzaga que receberia letra supostamente ser- tencja do revistégrafo ¢ caricatutista carioca Luis Peixoto viria a conseguir verdadeira consagracio popular, a partir de 1928, depois de hatmonizada por Hekel Tavates gravada em disco pelo cantor Gastéo Formenti A influéacia pessoal de Eduardo das Neves termina tia em 1919, quando chega a gravar alguns sambas pio- rciros do géuero que ia predominar na misica popular até a segunda mietade do século XX. Em coincidéncia, poréin, com o aumento de interesse pelo teatro de revis- ta, cujos espeticulos comecaram « ser adaptados para dlvertir as platéias dos cinemas nos intervalos de projegdo, de filmes, quando no correr da década de 20 surgiram 0s chamados cine-eatros, uma nova geragio de compositores ja retomar a tradic#o da modinha, ié agora sob o nome de angio. Em Sio Paulo aparecem 20 lado de compositores de ‘cangées como 0 engeaheito Fernando Lobo (famoso com © pseudnimo de Marcelo Tupinambé) cantores como Taime Redondo ¢ Paraguacu, este jd nacionalizando com 0 apelido indigena sva origem de filho de imigrantes itelianos da era industrial, pois seu verdadeiro nome era Rogue Ricciardi, O Rio’ de Janeito —- transformado definitive: mente em centro lengador de musica popular, através da ago nacionel do sett teatro de revista, cujas companhias vigjavam por todo 0 Brasil — comega a revelar artistas dos Estedos. E entre cles estardo 0. paulista de Santos Eduardo Souto (autor que jé misturava cangoes € fox trots), 0 scrgipano Heke] Tavares (mais tarde dedicado a ivisica erudita) e inclusive cariocas como Freire }finior (autor das famosas cangGes Luar de Paguetd, cor Jetra do poeta Hermes Fontes, ¢ Malardrinha) e, finalmente, 0 40 negro Candido das Neves, © frdio, filho e continuador da arte de Eduardo des Neves, Essa nove geragdo, que chegatia & fase de expansio do rédio, a partir de década de 30, se tomaria responsivel pela continuidade do género das modiahas, que contavam agora com cantores de veleidades operisticas como Vicente Celestine (introdutor das cengGes nec-rominticas de co- rater trégico, tipo Corapiio maierno) e Rreacisco Alves, ‘mas também com intérpretes da mais pura espontancidade popular como Orlando Silva, famoso por suas gravagBes de cangées de Candido das Neves (A altima estrofe), e Stlvio Caldas (criador e parceito nos majores sucessos do Gltimo compositor especialista em cangdes secesteitas que eram auténticas modinhas, Orestes Barbosa —- Serenata, Chao de esirelas ¢ Suburbana), Durante os vinte anos que medearam entre esse des- pontar do rédio como novo Langador de mmisica em ambito nacional, em 1950, ¢ 0 apareeimento de televisto, a partir de 1950, as mais puras modinhas ainda podiam ser ouvides com freqiiéncia, escondides por detrds das mais diferentes indicagdes de género: cangio, cangdo sertancja, valse angio, tango-cangao. ‘A voga da modinha e das cangdes rominticas de ine- Jodia rebuscada tinha na verdade passedo, cedendo lugar 0s sambas-cangées sentimentais que atendiam duplemenie ao interesse das novas camadas das cidades por secvirem como misica para cantar e também para dancer. Ainda assim, porém — ¢ talvez até por isso mesmo =, 0 género volta a partir dessa gpoca a interessar aos poetas © méisicos mais requintados, 0 que permite 4 mo- dinha aleangar os Gltimos trinta anos do século XX, em- bora como criagao eventual. Depois de interessar 0 jovem poeta roméntico J. G. de Aradjo Jorge nos fins da década de 30 (cangao Confessando Que te adoro, com miisica de José Carlos Burle, em 1937), a velha modinha yolta pelo menos uma vex em sua pureze no inicio da década seguinte, quendo 0 misico paraense Jaime Ovale toma como parceiro o poeta pernambucano Manuel Bandeira ne composigao Modinka, de 1943, © no- vamente de uma forma menos ortodoxa em 1957, quando © poeta carioca Vinicivs de Moraes (por sinal eto. do 4 compositor de modinhas do século XIX Mello Moraes Fi tho) Tanga a sua Serenata do adeus. Do fim da décade de 60 20 inicio da de 70, afinal, jé em plena fase da mtsica de ritmo massificado, pelo menos em tres oportinidedes presenga da modinha ainda se faria sentir, numa demonstragio inesperada do vigor de uum génezo supostamente destinado a perever numa era de negegdo da melodia tebuscada em favor do ritmo ator doante. A partir de 1960, © compositor Juca Chaves se apresenta quase duzentos anos depois de Caldas Barbosa eomo renovador do género, compondo excelentes modi has de sabor moderno como Par quem sonha Ana Maria (1961) € Verinha (1962), & 0 jovem jornalista © compo- sitor Sérgio Bittencourt

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