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STORIADOS A
CONCEITOS:*
problemas teóricos e práticos

Reinhart Koselleck

ReinJrarl Koselleck nasceu em Gor/ia IUJ referi nesta conferencia deixar de lado
Alemanha, em 23 tk abril tk 1923. Douwr os problemas de ordem metodológi­
em 1954, leve sua le'" publicada em 1959,
ca/prática relativos a uma história dos con­
com o título Kritik und Krise (/Iá traduções
para o francês e o italiano). Seu campo de ceitos, pois do contrário estaria me repetin­
investigação diz respeito à teoria da hisLÓria e do, já que há cerca de trinta anos venho me
a aspectos da história moderna e ocupando desta problemática. Seria cansa­
contemporânea. Foi professor nas tiva a repetição do já conhecido. Optei pela
universidades tk Bocluun (1966), lIeidelberg
abordagem das questões de natureza teóri­
(a parlir tk 1968) e Bie/efeld (tk 1973 até
hoje). E aulor tk Presussen zwischen Reforrn ca, que certamente têm a ver com esse meu

und Revolution (1967) e Vergangcne Zulrunft campo de investigação e de alguma forma


(1979), e co-aulor tk Das Zeitalter der também são fruto desse trabalho de trinta
europoischen Revolution (1969),
anos.
Geschichte-Ereignis und Ertablung (1973),
Objektivitat und Parteilichkeit in der Listei seis pontos que gostaria de tratar
Geschicbtswissenschaft (1977), no decorrer desta palestra. O primeiro des­
Geschicbtliche Grundbegritfe. Historiscbc ses pontos diz respeito ao que possa vir a
Lexikon zur politiscb-50zialen Sprache in ser um conceito a respeito do qual poder­
Deutschland (tkstk 197Z),.Sprache und
se-ia conceber uma história. Naturalmente
Gescbichte (tkr<k 1978). E aindn
coliJborador da revista Gescbkhte und não é toda palavra existente em nosso lé­
Gesellscbaft. xico que pode se transfoffilar num conceito

• Em alemão, B�,.jffs&eschjchle.Pode« compreender a Begriffsgcschichle como um projeto intelectual dn


historiador Reinhart K06elleck. que se detlica há algwnas décadas i reOexáo teórioo-melOdológia acerca da história dos
conoeilO6 e d e sua relação com outros campos da reOexio hislÓriCl. A este respeito é bastante elucidativo seu trabalho
"BegrilIsgeschichle und Sozial gesehichle" em seu livro Vergong�Zukwtft (21ed. F..nkfurtam Main, S utut.amp. 1984).

Nota: Esta palestra roi transcrita, lraduz.ida e editada por Maooel Luis Salgado Guimarães.

Estut/ruo Hi.n6rkos, Rio de Janeir� vot. S, n. 10, 1992, p. 134·146.


UMA HISTÓRIA DOS OONCEITOS 135

e que portanto pode ter uma história. Pala­ para a qual um certo !trau de teoriza­
vras como oh!, ah!, und (e) etc., são pala­ ção/abstração se faz necessário.
vras que não comportariam prima facie Aqui é preciso distinguir o universo das
uma história do conceito (seriam desprovi- línguas latinas, que possuem a forma subs­
das de sentido). E preciso estabelecer a

tantivada para designar Bund (Confedera­


distinção entre conceito e palavra, ainda tio, Liga), presente nas fontes documen­
que não me atenha à divisão dos lingüistas. tais, e o espaço da língua alemã, que tem
De forma evidentemente simplificada, de recorrer a formas verbais para exprimir
podemos admitir que cada palavra remete­ a formação dessas unidades. Nas fontes
nos a um sentido, que por sua vez indica documentais de língua alemã dos séculos
um conteúdo. No entanto, nem todos os XID-XIV, sempre que era necessário des­
sentidos atribuídos às palavras eu conside­ crever uma experiência histórica concreta
raria relevantes do ponto de vista da escrita de associação política ou econômica, re­
de uma história dos conceitos. Quando do corria-se a fanuas verbais: uformar .uma
planejamento para a realização da pesquisa Liga". Quando, por exemplo, os cantões
empírica visaudo a produção do Diciollá­ suíços resolvem se unir, inexiste uma ex­
rio de cOllceilos, foram criteriosa mente se­ press.ío substantivada e ao mesmo tempo
lecionadas as palavras cujos sentidos inte­ abstrata para descrever e designar esse ato
ressavam: a saber, conceitos para cuja for­ concreto de realização de uma união. O
mulação seria necessário um certo IlÍvel mesmo se pode verificar com relação à
teorização e cujo entendimento é também união promovida por algumas cidades da
reflexivo. Prússia Oriental, expressa por fonna ver­
Tomemos, por exemplo, as palavras Es­ bal e sempre com base em pontos concre­
tado (Staat), ou Revolução (Revolution), tos e específicos em tomo dos quais são
ou História (Geschichte), ou aasse (KIas­ definidas e estabelecidas obrigações mú­
se), ou Ordem (Stand), ou Sociedade (Ge­ tU.1S. Não existe ainda nenhuma expressão
sellschaft). Todas elas sugerem imediata­ capaz de conter de fonna sintetizada e
mente associações. Essas associações abstrata uma teoria acerca da união políti­
pressupõem um mínimo de sentido co­ ca. Inexiste também em tennos da expe­
mum (minimal Bedeutungsgehalt), uma riência histórica qualquer instituição capaz
pré-aceiL1ção de que se trata de palavras de ser pensada como referente.
-

importantes e significativas. A certa altura Após duas gerações, já é possível cons-


temos que nos intenogar acerca dos limites tatar que tais acordos verbais funciona­
e fronteiras que separariam palavras em si vam, por exemplo, na Suíça, com a Liga
teorizáveis, e acerca de que palavras se­ i
Suábia (der Schwlibische BUltd , ou na
riam em si reflexivas. Trata·se na verdade Holanda. Essa nova experiência histórica
de uma detenninação aleatória. Pode-se reflete-se na autodenominação dos suíços
eventualmente, através da Begriffsgeschi­ de "Confedcratio", também aplicável ao
chte), indicar a partir de quando um con­ caso holandês. Passa a existir um referen­
ceito tornou-se fruto de uma teorização e cial histórico, um modelo de uniões possí­
quanto tempo levou para que isso aconte­ veis. Após a experimentação por duas ge­
cesse. De fonna a melhor ilustrar o que rações sucessivas da renovação de acordos
estou entendendo por esse processo de teo­ verbais em tomo de pontos específicos,
rização de um conceito, gostaria de trazer podia-se, numa visão retrospectiva, cons­
um exemplo, por mim mesmo trabalhado, tatar que se havia estabelecido uma Liga,
e que diz respeito à fonnulação do conceito uma união. Tornou-se possível, portanto, a
possível de Bund (liga política, federaçao), partir de cada ponto isoladamente acorda-
136 ESruDOS HlSTÓRlCOS-1992/10

do para o estabelecimento de uma li­ bém imediatamente indicativo de algo que


ga/aliança, pensar numa unidade maior por se situa para além da língua.
sobre cada um desses pontos isoladamen­ O caso trabalhado anterionnente-como
te. Pôde-se pensar não apenas numa Liga chegou a se constituir historicamente a for­
de cidades que, isoladamente entre si, es­ mulação do conceito deBund-é um exem­
tabeleceriam uniões ou alianças mas tam­ plo clássico. No momento em que o con­
bém na expressão "cidade da Liga" (Stiidte ceito de Liga foi formulado em termos
des Bundes). Aqui o tenno Bund ganhou lingüísticos, posso pensar a partir dele a
em abstração e teorização, tornando-se um realidade histórica, concebe r a constituição
conceito generalizante para além das de uma Liga política, enfim, a partir de um
uniões e associações particulares enseja­ fato lingüístico, posso atuar sobre a realida­
das por cada cidade isoladamente. Consti­ de de forma concreta. A formulação, em
tuiu-se uma nova totalidade da qual cada termos de possibilidade, do conceito de
cidade participa. Não se trata de uma Liga Liga instau", por sua vez formas de com­
portamento e atuação, regras jurídicas e
de cidades, mas de cidades de uma Liga, a
mesmo condições econômicas só possíveis
qual se torna uma entidade capaz de ação
de serem pensadas e efetivadas a partir da
histórica. A Liga Suábia era uma nova
existência de um conceito como Liga. Um
entidade política no cenário europeu, so­
conceito relaciona-se sempre ilquilo que se
mente viabilizada a partir desse procedi­
quer compreender, sendo portanto a relação
mento de abstração e agregação, e chegou
entre o conceito e o conteúdo a ser com­
a constituir-se na maior potência militar
preendido, ou tomado inteligfvel, uma re­
européia da época. Sem sua atuação deci­
lação �riamente tensa. Dessa relação
siva, certamente as Guerras Camponesas
chegarei a falar mais tanIe. Isto porque
de 1525 teriam conhecido desfecbo dife­
considero teoricamente errônea toda postu­
rente do que efetivamente tiveram.
ra que reduz a história a um fenômeno de
O p roced imento aqui exemplificado
linguagem, como se a língua viesse a se
com a construção do conceito de Liga pode
constituir na líltima instãncia da experiên­
na verdade ser aplicado a uma série de
cia histórica. Se assumíssemos semelhante
conceitos que são social e politicamente postura, teríamos que admitir que o traba­
relevantes, como Estado ou Revolução. A lbo do historiador se localiza no puro cam­
história dos conceitos coloca-se como pro­ po da hennenêutica.
blemática indagar a partir de quando deter­ O terceiro ponto a ser abordado nesta
miruidos conceitos são resultado de um conferência diz respeito aos critérios sele­
processo de teorização. Essa problemática
.

tivos quando se pensa na escrita de uma


é possível de ser empiricamente tratada, história dos conceitos. Com relação a este
objetivando essa constatação, por meio do ponto, bouve críticas contundentes, como
trabalho com as fontes. por exemplo a que aponta um pretenso
Um segundo ponto que eu gostaria de desconhecimento de nossa parte acerca da
aholdar diz respeito à utilização/emprego análise de discursos, modismo que aliás
de conceitos (BegriffsveJWeudung), ques­ considero extremamente rico e importante.
tão bastante controversa no interior do de­ Todo conceito articula�e a um certo
bate teórico. Defendo a hipótese de que contexto sobre o qual também pode ablar,
todo conceito é sempre concomitantemen­ tornando-o compreensível. Pode-se enten­
te Fato (Faktor) e Indicador (Indikator). der esta formulação IDrnando-<l mais insti­
Todo conceito é não apenas efetivo en­ gante. Posso dizer que procederei com mi­
quanto fenômeno lingüístico; ele é tam- nha análise a partir do texto/contexto, da
UMA HISTóRIAOOS OONCEIIOS 137

mesma forma como se faz em Saint Cloud, mação de palavras pode ser derivada do
na Califórnia ou em Chicago, entendendo­ conjunto mais amplo de palavras à dispo­
se texto/contexto na sua acepção mais re­ sição nesta língua.
duzida; o parágrafo no conjunto de um Podemos assumir que a língua (Spra­
texto maior. Eu mesmo fiz um teste em chhaushalt) pode ser pensada corno ele­
relação ao termo crise, indagando nos tex­ mento importante na compreensão e enten­
tos clássicos franceses a rmazenados em dimento do uso de certos conceitos e não de
computador acerca do contexto em que o outros para a inteligibilidade de realidades
3
tenno surgia num dado período de tempo. históricas. Assim procedendo estamos
Dez minutos depois a resposta vinha, e construindo uma cadeia, através do conjun­
contexto significava uma frase anterior e to da língua, que articula u m conceito a
uma frase posterior à localização do termo outro. Através desse procedimento pode­
solicitado. Ainda que seja de utilidade esse mos constatar, por exemplo, estreita articu­
tipo de locali7ação, ela não dispensa o re­ lação dos conceitos de Estado e Sociedade,
curso às bibliotecas no sentido da melhor articulação hoje esquecida, posto que a par­
contextualização, incapaz de ser realizada tir de Hegel esses dois conceitos foram
pelo computador. Um desdobramento lógi­ pensados separadame nte. Podemos ainda
co desse p roced imento exige necessaria­ nuançar e separar conceitos tornando pos­
mente a contextualização dos termos em síveis de serem ditos e expressos conteúdos
unidades maiores, num conjunto de textos, que não t inham expressão.
por exemplo, como livros, panfletos ou ma­ A história dos conceitos pode ser pen­
nifestos' cartas, jornais etc. Por sua vez, sada a partir de um procedimento metodo­
esse texto maior, no qual o tenno se insere, lógico que poderíamos chamar de Seleção
articula-se a um contexto ainda mais am­ (Ausgrenzung) daquilo que diz respeito a
pliado para além do próprio texto escrito ou um conceito daquilo que não diz respeito,
falado. O que significa dizer que todo con­ o que pode vir a ser realizado, em grande
ceito está imbricado em um emaranhado de parte, pela análise mesma da língua. No
perguntas e respostas, textos/contextos. caso da antítese entre Estado e Sociedade,
Esse procedimento metodológico nada realizada teoricamente, ainda que ernpiri­
tem de novo em relação aos tradicionais camente possa ser questionada, pode ficar
métodos histórico-filológicos de trabalho. claro esse procedimento de nuançar e dife­
Temos de ir adiante, avançando teorica­ renciar próprio da história dos conceitos.
mente um pouco na esteira do trabalho que Poder-se-ia aclarar esta disOlssão atra­
Diderot já fizera em relação à Enciclopé­ vés da utilização da metáfora do fotógrafo.
dia, em que a língua francesa é posta como Para tirar uma fotografia posso ajustar mi­
condição última de possibilidade para a nha máquina de acordo com a distância do
formulação de certos conceitos. Assim, objeto a ser fotografado: a perspectiva (se
além de investigar que conceitos foram de mais perto ou de mais longe) vai me
formulados na língua francesa, temos de obrigar a um foco diferente. Assim, tanto
interrogar acerca das possibilidades de for­ poderei proced er à análise dos conceitos a
mulação conceitual efetivamente passíveis partir de um método que privilegiará textos
de serem deduzíveis do léxico da língua comparáveis, quanto poderei proceder me­
francesa. Em que medida, portanto, um todologicamente expandindo minha análi­
certo léxico próprio à língua francesa via­ se ao conjunto da língua. Entre esses dois
bilizaria ou não certas formulações concei­ procedimentos haveria ainda fonuas inter­
tuais. Numa concepção um tanto estática mediárias. O objeto se mantém o mesmo, e
da língua, poder-se-ia pressupor que a for- o que se altera é apenas a perspectiva em
138 I'Sruoos HlSTÓRlCOS-199:1110

relação a ele. Esta seria minha resposta titico de uma cidade..",tado, a expansão do
àqueles que atgUmentam se só seria possí­ direito de cidadania nos séculos nem para
vel a realização de alÚlises de diSCllrsos. as á reas do mar Mediterrâneo configura um
Esta seria uma das possibilidades, posto quadro de dados históricos empiricamellte
que a história dos oonceitos pe nnanece uma verificáveis bastante diverso daquele que
metódica consistente, com suas fronteiras, ensejara a formulação do conceito original
seuS limites e vantagens, naturalmente. de Aristóteles. Agora o conceito de cidada­
Tc.memos nosso quarto ponto, a saber, nia, restrito à experiência histórica de uma
uma afirmação hipotética que posterior­ única cidade, ganha IIOva conotação, pas­
mente procurarei relativi2llr e que tem a sarvlo a designar cidadãos de um mundo
seguinte fonnulação: todo conceito só pode baSlante ampliado. A palavra pode perma­
enquanto tal ser pensado e falado/expressa­ oecer a mesma (a tradução do conceito),110
do uma única vez. O que signi fica dizer que entanto o conteúdo por ela designado alte­
sua fonnulação teórica/abstrata relaciona­ raojlC substancialmente. O que portanto é
se a uma situação concreta que é única. Essa uma societas civilis depende do momento
tese, defendida no seio dos historiadores da em que o tenno é empregado, se no primei­
Época Moderna, custou-me críticas fulmi­ ro ou quarto século depois de Cristo. Isto
nantes, posto que, segundo argumentavam, significa assumir sua variação temporal,
se cada conceito só pode dizer respeito a por isso mesmo histórica, donde seu caráter
uma única situação específica e concreta a único (eirunalig) articulado ao momento de
qual ele designa, tornando-a pensável e in­ sua utilização.
teligível, como então pensar uma história A questão irá certamente complexifi­
dos conceitos, uma vez que este car.iter car-se quando pensarmos no emprego do
único (Eiumaliqkeit) do uso da língua inva­ mesmo termo societas civiJis em nossas
lidaria a possibilidade da escrita de uma sociedades modernas. Em sua acepção
história enquanto diacronia. moderna, o emprego do conceito socie/as
Vejamos por exemplo Aristóteles com a civilis é um fenômeno próprio dos rUIS do
sua formulação do conceito de Koinonia século xvm, quando a expressão foi tra­
politike,4 posteriormente traduzido como duzida por bürgerliche Gesellsclzaft em
respublica ou também societas civilis. Cer­ alemão, socié/éciviJe oupolitique em fran­
tamente ao fonnular o conceito de Koino­ cês ou ainda civil society em inglês. O caso
nia politike tinha Aristóteles diante de si, inglês parece apresentar certa especificida­
como experiência empírica, a realidade da de, que poderíamos abordar no debate,
polis e de sua comunidade de cidadãos. uma vez que, se do ponto de vista teórico
TInba, portanto, diante de si a realidade marcaria uma utili2llção inovadora do ter­
específica e concreta tanto da cidade de mo, enquanto linguagem política traria um
Atenas quanto das outras cidades estado da viés marcadamente conservador.
Grécia. Foi para esses cidadãos que Aristó­ Tornemos o exemplo alemão, por ser
teles pensou e concebeu sua Política. Com relativamente mais fácil: bargerliche Ge­
a tradução do tenno para o latim como sellschaft refereojle a unidades de poder
societas civilis, na forma em que aparece político (Herrscbaftseinbeiten) no interior
em Cícero, altera-se o quadro de experiên­ das ql1ais os cidadãos de alguma forma
cias históricas que possibili taram a Aristó­ exercem poder político. Qnais deles têm o
teles a formulação do conceito deKoinonia direito ao exercício do poder político rela­
politike. Mesmo que o termo possa ainda cionaojle também com a utilização do con­
referirojle à cidadania romana, visto que a ceito. Exemplificando: nas cidades econo­
cidade de Roma m3Jltém-se no quadro po- micamente ricas e pujantes, eram os gran-
UMA lDSTÓRIA IX)S OONlElOS 139

des COII�ICiantes que poosufam o direito de uma sociedade de iguais. O exercício do


cidadania. Eles t inham assento no Senado poder polítiro, até o séallo XVIII nasmãos
dessas cidades, participavam das corpora­ do príncipe (Fiirst) ou da comuna (Gemein­
ções (Zünfte) urbanas. Ao lado desses cida­ de), instâncias últimas do exercício desse
dãos havia u ma grande camada de não-ci­ poder, é transferido .0 Estado, que p•••• a
dadãos urbanos. Essa situação se assemelha agenciar a soberania do poder político, con­
em algt·ma medida à realidade hislÓriro­ ceituahnente, é claro. Soberano passa • ser
política da cidade de Atenas, habitada tanto o Estado, e não mais o príncipe: esta passa
por àdadãos com direitos políticos quanto a ser • linguagem usual no séallo XIX.
pelos meteros e escravos, destituídos da Temos assim • transferência do poder polí­
cidad;mia plena. Essa ronvergência entre tiro da sociedade civil para o Estado, sendo
sociedade civil e organivoção do poder po­ • partir de enlão • desigualdade ecollÔmica
lítico-organização esta subsumida ao con­ localizada na snciedade civil. Vale re<saltar
ceito de Estado a parti r do século XVIII e que essa desigualdade econômica presente
tã()-50mente a partir daí - pressupõe uma nasociedade civil existe, no entanto, a partir
artirulação entre os conceitos de cidadão e da premissa de uma igualdade política. É
poder polítiro: a cidadania implicava algu­ nes" formulação anti-aristotélica que au­
s
ma forma de exercício de poder polítiro. tores como Tteilscbke, que mesmo criti­
Mas na forma romo nós hoje roncebemos cando-a, ronbecem-na, compreendem o
o conceito de sociedade civil, desde a sepa­ conceito de sociedade civil.
ração eDsejada por Hegel entre sociedade Ainda uma .dvertênci. para clarearain­
civil e Estado, ou desde a utilização tomada da mais este problema: para que seja pos­
clássica por Marx - autores, portanto, que sível pensar-se numa sociedade econômica
operam a separação entre Estado e Socie­ é ne cessário como pressuposto que o pró­
dade -o ronceito diferencia-se de sua for­ prio ronceito de economia tenha sofrido
mulação original. Na moderna acepção do modificações. Até • metade do século
conceito e em seu emprego há um sentido XVIII o conceito de eronomia (Okono­
IlOVO que não implica necessariamente uma mie) designava/.plicav.-se .0 conbeci­
forma de poder (de exercício de poder). mento do governo da casa (economia do­
Nesse novo sentido o conceito aplica-se ao méstica - Hausbaltslebre) da qual se era
entendimento de uma rede de cidadãos senhor, quer se tratasse de um camponês,
(Bürger), que satisfazem livremente suas de um proprietário territorial, de um nobre
necessidades, se auto-organizando, que ou de um citadino que poosuía sua própria
dispõem de um código jurídiro (Recbtsord­ casa. Portanto, a economia era a ciência
nung) ou podem influenciar na constituição (die Lebre) da economia doméstica. Esta
de um, capaz de garantir o funcionamento concepção da economia expandiu-se ao
de um Estado sob o princípio da igualdade longo do século XVIII, alterando seu v.lor
de direitos, da liberdade e do contrato entre designativo. Cada vez ma is o ronceito pas­
as partes. Asociedade civil estaria portanto sou a ser aplicado primordialmente ao ron­
organizada a partirde rondiÇÔe5 rontratuais junto do território. É por isso que a partir
entre iguais, sendo as desigualdades pre­ de 1720 os mercantilistas puderam roll"'­
sentes em seu seio de natureza ecollÔmica çar a pensar a operar com um conceito de
e não política. Há pessoas que são ricas, economia que operava a transferência en-·
outrasquesão pobres, poosuiodo diferentes Ire uma economia doméstica (empirica­
graus de influência. Contudo, sob o ponto mente caracterizada pelos dependentes de
de vista jurídico-polítiro, falando..se em uma casa) e uma economia de um terrilÓrio
tennos ideal-típicos, naturalmente, tem..se .. sensivelmente ampliado, pressupondo cáJ-
140 ES1UDOS IDSTÓIUCOS 1991/10
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culos econômicos mais sofisticados e uma dos/pensados ainda que as palavras empre­
preocupação orçamentária. Este foi um gadas possa m ser as mesmas. Este grande
processo que começou a se desenvolver na vôo, de Aristóteles ao século XVIIl, sem
primeira metade do século XVIII e que maiores referências ao que ficou no meio,
lnmi>u pensável um novo conceiln de eco­ mostra-nos que da mesma palavra um no­
nomia, o qual, posteriormente, com Adam vo conceito foi fOljado, e que portanln ele
Smilh, encontraria uma formulação antro­ é único a partir de uma nova situação his­
pol()gicamente fundada e pressuporia a sa­ tórica que não só engendra essa nova for­
tisfação global da lntalidade do Logos a mulação conceitual, como também poderá
partir das necessidades de cada um. Um se lnrnar através dela inteligível. Podemos,
conceito em que a economia para além dos radicalizando esta problemática, sugerir
limites de uma forma política especifica, uma nova questão: os conceitos não pos­
seria pensada como estando voltada para suiriam uma história e conseguiriam tomar
suprir as necessidades e aumentar a satis­ inteligível somente aquilo que se apresen­
fação geral dos homens através de condi­ tasse no seu caráter único e de novidade
ções de produção adequadas à realização (Neuheit). Esta hipótese é um tanto radical,
de tais objetivos. Um conceito em que a e gostaria de contestá-Ia imediatamente.
economia, para além do Estado, é pensada No entanln, parece-me que faz sentido for­
como dotada de au tonomia, um fenômeno mulá-Ia, pois a questão pode contribuir
próprio da modernidade. Vemos surgir aí para o debate acerca das dificuldades de se
um novo conceiln de economia. escrever uma história dos conceilns. Tenho
Quando descrevi anteriormente a alte­ propostas a esse respeito formuladas no
ração do valor conceitual do termo socie­ decorrer das últimas décadas, que implica­
dade civil, seria p reciso relacioná-Ia ao riam obrigatoriamente uma outra Begriffs­
esfacelamento da tríade aristotélica (Etica­ geschichte, com claros desdobramenlns de
Oikos-Politike). A partir desse esfacela­ ordem metodológica demandando novos
menln posso interpretar a política de forma programas de pesquisa. Ainda que sem
puramente econômica, ou posso interpre­ condições de desenvolvê-Ias, gostaria de
tar a moral de forma econômica - O que, apresentar essas propostas enquanto su­
aliás, freqüentemente aconteceu no século gestões.
XIX. Posso a partir daí desenvolver crité­ lbmemos o caráter único da utilização
rios ideológicos de crítica (Ideologie Kritik da língua (Sprachhandlung) a partir do
Kriterien) e afirmar que determinadas for­ Tropos tradicional da pragmática (prag­
mas de exercício da política atendem a matik), considerando também um outro
interesses econômicos especificas que lhe aspecto: o da semântica. O que é decisivo
são subjacentes. Estabeleço uma relação é que o uso pragmático da língua é sempre
entre política e economia, medindo uma único. Eu falo uma única vez aqui e agora,
em relação a outra, atitude teoricamente procurando convencê-los do que penso; a
realizável somente a partir do século vocés e não àqueles que não me ouvem.
XVIIl. Este seria um exemplo ilustrativo Trata-se de uma situação característica do
da afirmação - enquanto tese por mim uso pragmático da língua: é uma situação
anteriormente proposta -acerca do caráter única, e neste sentido também irrepetível.
único (EinmaJiqkeit) e particular que con­ Contudo, tudo o que eu disser só será com­
figura o momenln concreln em que um pICensível na medida em que os senhores
conceito é formulado e articulado. A histó­ conhecerem minha seffiâ ntica, pois sem o
ria dos conceitos mostra que novos concei­ conhecimento prévio do significado das
tos, articulados a conteúdos, são produzi- palavras que utilizo, nada será compreell-
UMA msTóRIA[X)S CONCElIOO 141

dido. A semântica é assim imprescindível também uma diacronia. Toda sincronia


para a comunicação lingüística (Spra­ contém sempre uma diacwnia presente na
cbhandlung) e para o uso pragmático da semântica, indicando temporaüdades di­
língua. É ainda imp rescindível para que se versas que não posso alterar. E aqui situa­
possa fazer política, exercer influência so­ se o ponto que pode sustentar núnha defesa
cial, exercer poder político, fazer revolu­ de uma história dos conceitos: ela pode ser
ção, enfim tudo aquilo que se possa imagi­ escrita, posto que em cada utiüzação espe­
nar como atos sociais e históricos. Todos cífica (situative Verwenduog) de um con­
esses liSOS pragmáticos articulados a uma ceito, estão contidas forças diacrônicas so­
língua, ou que pela língua são iniciados, bre as quais eu não tenho nenhum poder e
vivem na verdade de uma semântica que é que se expressam pela semântica. As mu­
pré-<lxistente e nos é dada. Dificilmente danças neste campo são muito mais lentas
posso pressupor que uma situação revolu­ do que no campo do uso pragmático da
cionária haja possibilidade de formulação língua. A esse respeito os senhores podem
de conceitos absolutamente novos em ter­ encontrar exemplos no Dicionário de con­
mos da semântica. Recentemente na Ale­ ceiJos,1 ainda que sob este ângulo especi­
manha Oriental por exemplo, a utiüzação ficamente a questão não tenha sido traba­
de expressões oomo "nós somos um povo" lhada pelos autores. No último artigo do
(Wir sind ein Volk) ou "nós somos o povo" professor Schreiner acerca da toleríincia,
(Wir sind das 'vblk) vive de uma semântica tentamos considerar de forma mais cuida­
que pressupõe o conhecimento por cada dosa os aspectos de longa duração da se­
um do que seja um povo. Do ponto de vista mântica como dado. Este procediJnento,
do uso da língua, tratava-se de um ato no entanto, está sujeito a enonnes dificul­
efetivamente revolucionário, posto que dades do ponto de vista metodológico,uma
punha em xeque a legitilnidade do poder vez que cada fonte é única enquanto fonte
6
do partido ú,úco (SED) No entanto, o que impressa (temos apenas uma carta, um tex­
um povo/nação deveria ser, portanto do to). Tentar apreender estruturas profundas
ponto de vista da semântica,já estava dado; de continuidades, próprias da semântica,
o que estava implícito no ato de linguagem demandaria um proced imento analítico
era um povo soberano, e não mais a sobe­ comparativo com outras fontes textuais, já
rania do partido. A expressão pragmática que a partir de um texto ú,úco isto não nos
"nós somos um povo" e seu uso político seria possível. Tarefa hercúlea, por exem-.
alteraram a situação. Portanto, o que a pio, a análise que buscasse desvendar a
8
semântica indica é que ela é repetível. Tra­ semântica de Wolff ou de Leibniz ainda
ta-se de estruturas lingüísticas que se repe­ presente ou não na filosofia kantiana, pro­
tem e cuja repetição é necessá ria para que cedendo de forma criteriosa através do mé­
o conteúdo seja compreensível, ainda que todo comparativo. Hegel foi o único que
uma única vez. Eu só posso ser compreen­ soube fau-Io.
dido se um mínimo de repetição da semân­ Bem, voltemos ao nosso tema: a diaclO­
tica estiver pressuposto. E a&<im os senho­ nia está contida na sincronia. Quero trazer­
res têm uma outra possibilidade da histó­ lhes um exemplo que esclareça este ponto.
ria, a ser pensada não apenas de forma No debate poderei trazer outros. Tomemos
linear sucessiva. Devemos partir teorica­ o próprio conceito de história (Geschichte)
mente da possibiüdade de que em cada uso fOljado no século xvm. Os senhores de­
pragmático da linguagem (Sprachpragma­ vem saber que o conceito de história era até
tik), que é sempre sincrônico, e relativo a o século xvm um conceito plural (as his­
uma situação específica, esteja contida tórias): "as histórias nos ensinam como nos
142 ESTIJOOS HIsTóRICOS 1992/10
-

comportar". As histórias continham sem­ posslvelS, seu campo empmco; ao mesmo


• • • •

pre exemplos morais para os homens. Re­ tempo significa o relato, o pensamento, o
pentinamente o conceito ganha uma acep­ falar sobre esta história, enquanto campo
ção singular, que pode ser acompanhada empírico. Tomou-se assim um conceito
nos textos. Não pude provar que esta utili­ transcendental, articulando condições pos­
zação singular do conceito fosse uma ati­ síveis da realidade no ato do pensamento.
tude consciente dos autores. No entanto, Procedimento hegeliano, portanto: o con­
após vinte anos desse uso, por volta de ceito de história expressa a convergência
1780, há subitamente crítiOls ao uso singu­ entre sujeito e objeto. Hegel pensou a Ges­
lar do conceito de história, e a novidade eiliclrLe desta forma, posto que o conceito
nessa utilização no singular do conceito de já fora assim concebido, fenômeno lingüís­
história, possível de ser fonnulado, estava tico constatável entre 1770-1780. Neste
em que não se tratava mais de um conceito sentido a filosofia transcendental alemã ar­
que se reportasse a uma clara relação su­ ticula-se a esta concepção de história, que
jeit% bjeto. "A história ensi.-1", e com esta no Ocidente não é assim fonDulada, ainda
nova afinoação estava claro aquilo a ela que posterionnente seja também assumida.
subjacente: a história do Papado, da Igreja, Por exemplo, Napoleão sentia-se responsá­
de moa batalha, enfim, a história de alguma vel frente à história, não apenas frente àque­
coisa ou de alguém (portanto histórias) les que escreviam sobre a história, mas
ensinava a alguém o que acontecera. também frenteà história enquanto sucessão
A conseqüência lógica desta acepção contúlUa de atos encadeados em direção ao
particular do conceito de história - conce­ futuro. Esta mesma postura assumiu Hitler,
bida sempre no plural-vigente até o século o que em ambos os casos pressupõe uma
XVIII era de que, ao se traL1r da história de concepção de história como unidadé abs­
um país (por exemplo da história da Ingla­ trnta que se prolonga em direção ao futuro,
terra), subentendia-se na verdade a história onde se torna pensável e realizável, como
das histórias desse país (relatos, descrições procedimento teleológico. Mas como pode
etc.). Thdo se transfonoa quando passo a ser alguém responsável frente à história?
falar de história simplesmente e no singular Pode-se ser responsável frente a outros ho­
de uma fonDulação conceitual altamente mens, não frente a uma unidade abstrata
abstrata e teorizada, que transfonna a his­ como a história. Resumindo, o conceito foi
tória em seu próprio sujeito e também seu fonnulado, e minha tese é de que a diaciO­
próprio objeto. E este conceito altamente nia está contida na sincronia: quando se
elaborado abstratamente, em oposição à fonDulou o conceito de história como um
natureza, possui na língua alemã uma traje­ coletivo transcendental singular, definiu-se
tória só aí perceptível no quadro europeu. um conceito de história, mna concepção de
Ingleses, franceses, nlssos, italianos, todos história, vigente desde mais ou menos 1780
mantêm o tenno história (Historie), pren­ até hoje. Tomemos por exemplo as falas do
dendo.,;e portanto à idéia do relato da res­ chanceler alemão Helmut Kohl, com seus
[aetecom a separação analítica radical entre apelosà história, por cujos desdobramentos
pe,\S3r, escrever, falar sobre aquilo que é ele também se sente responsável - o que
feito, sobre aquilo que é pensado. O concei­ aliás não é totalmente errado se pensannos
to de Geseilicilre (história), falando franca­ em temlOS da sua efetividade política, mas
mente, articula tantos sentidos em si, que é analitica mente pouco fundado se pensar­
para efeitos analíticos não deveria ser utili­ mos a afiffi13ção em tennos científicos. Há
zado. Pois que o conceito indica num pri­ portanto uma diaaorua a impregnar o uso
meiro momento a soma de tooas as histórias lingüístico do conceito de história em ale-
UMA HlSTÓRlADOS (X)NCEJlOS 143

mio. Esse conceito pn<Sui, portanto, essa experiências individl'sis tollllidade


ambivalência de considerar como sendo abstrnta.
iguais sujeito e objeto, de considerar as O quinto ponto diz respeito à seguinte
condições da história pn<Sível e da história questão, fruto da tese anteriormente for­
coou.,. também iguais, além de manter mulada, de que a diaCJonia está contida na
sua relação com l'ma filosofia transcenden­ sinCJonia; esta força diaClÔnica deve. ser
tal. Certau",nte a formulação do conceito passível de ser mensurada de alguma for­
de história é lima criação lingüística genial, ma, quando se pretende trabalhar empiri­
quando se pensa no momento histórico des­ camente. Mas como fazer isso? Para a
sa criação no século Xvm, molliento em elaboração do Dicionário de cOIICeitolO
que as condições de pen:epção das histórias concebemos três grupos de fontes e busca­
individuais, até então percebidas isolada­ mos descrever de forma sistemática as es­
'""ote de forma relativamente fácil, tor­ truturas tempornis desses textos, no senti­
nam-se cada vez mais difíceis. Isto porque do de apreender quando estruturas repeti­
a compreensão de fatos históricos únicos tivas poderiam indicar forças diaClÔnicas e
demanda O estabelecimento de relações quando, por outro lado, um uso único da
múltiplas com outros fatos, constituindo-se língua não deixaria pensarnuma semântica
num todo altamente agregado de partes, que se repetiria, Confesso que, do ponto de
cuja intelegibilidade escapa à experiência vista teórico, o que trago aqui para discus­
individual particular. são ainda são observações preliminares,
Tomemos o exemplo da Guena dos 7 mas podem esclarecer problemas de méto­

anos,9 uma guena cujas batalhas desenvol­ do com relação ao trnbalbo empírico.
viam-se tanto no Canadá quando na índia­ Em primeiro lugar, existem as fontes
uma guena com dimensões mundiais. As pnSprias da linguagem do cotidiano, que ÍIO
decisões políticas a serem tomadas pelo seu uso são únicas por princípio. Quando
Estado pmssiano demandavam o controle escrevo uma carta contendo uma informa­
sobre o desenrolar das lutas no Canadá ou ção, por exemplo "quebrei o pé", trata-se da
na índia, ainda que o conhecimento desses informação de um ato único, que não acon­
desenvolvimentos não f"",e partilhado pe­ tece todos os dias, evidentemente. Objetiva
lo soldado - mosqueteiro pmssiano - dire­ alcançar um único ouvinte. O m",mo pode
tamente envolvido no cotidiano da luta. ser pressuposto parn um texto político, ca­
Certamente por trás dessa$ decisões esta­ mo por exemplo um artigo de jornal, suas
vam interesses econômicos mundiais da maocbetes e editoriais, que se ligam a um
Inglatena e da Frnnça em disputa por áreas dia e fatos espeáficos, e que, passados
coloniais. A história do sucesso e dos even· cinco dias, peroem a força que pn<Sufam no
tos cotidianos da Guena dos 7 anos, parn momento de sua publicação, posto que o
que pudesse ser trnnsmilida em sua articu­ cotidiano pode superá-los, Em relação à
,

lação com a história dos sucessos e eventos história alemã, no caso recente da unifica­
de outras regiões extrn..,uropéias, como o ção, isto pode ser facilmente observado e
Canadá e a lndia, passou por um processo comprovado, demonslrnndo o caráter sin­
de abstrnção e agregação de elementos que gular e especifico desses textos. Outros ti­
tomou possível, pela via do conceito de pos de fontes com o mesmo caráter seriam
história, em sua acepção a partir do século os manifestos, as petições e requerimentos,
XVIII, a sua compreensão e inteligibilidade ligados à linguagem do cotidiano e que em
como fenômeno histórico. Trnta-se portan­ termos de volume configurariam uma grnn­
to de um conceito altamente sofisticado do de massa documental. Estas seriam fontes
ponto de vista teórico, capaz de articular primárias, que do ponto de vista da sua
144 FSlUOOS lOSTóRlCOS 1992/10
-

estrutura se articulam ao cotidiano, e cujo de-se constatar facilmente que em linhas


sentido primeiro é uma leitura única. gerais elas se copiam. Isto porque esta
O gênero Zeit é bastante mais interes­ descrição normativa comum às duas enci­
sante, posto que a relação entre repetição e clopédias parte do pressuposto de que os
unicidade/singularidade aparece de forma conteúdos a serem descritos podem ser
clara, a saber: os dicionários. Tomemos os compreendidos, subsumidos a um mesmo
dicionários. Pode-se traduzir o que cada conceito. O leitor sente-se esclarecido so­
palavra significa. Exemplo: Staat, State, bre detenninado conteúdo ao ler um artigo
État, e para esta tradução poderemos en­ de enciclopédia. No entanto, a observação
contrar, por suposição, quin7..e significados de sucessivas edições pode mostrar nuan­
diversos. A princípio Estado (Staat) signi­ ces, pequenas alteroções, capazes de indi­
fica situação (Zustad); a situação de um ser ciar redefinições de conceitos, mas ainda
humano, e de maneira alguma o Estado em são nuances. Penoanece ainda o conjunto
sua acepção moderna. Antes a descrição de central de uma semãntica a ser preservada
uma situação. Um outro significado seria e repassada, e novas definições marginais,
o de Estado enquanto expressão de uma ainda que introduzindo novos sentidos pa­
ordem, um lugar detenninado na socieda­ ra um conceito, não representam uma que­
de, segundo a concepção de uma sociedade bra radical com o conjunto da língua dis­
de ordens. Nesta acepção e nesle emprego pOlúvel. Isso não seria possível. Metodo­
poderíamos compreender por exemplo o logicamente o p rocedimento com este tipo
lugar da mulher assim como as di ferentes de fonte requer uma leitura cuidadosa e
fonnas de representaÇ<1o próprias a cada minuciosa, capaz de, a partir das estruturas
ordem específica da sociedade. E Estado repetitivas próprias da semântica, medir
pode significar, além disso, na França, a inovações de sentido. Assim, pode-se atra­
partir do século XVII , o que posterionnen­ vés dessas enciclopédias, medir as mudan­
te iremos' designar por Estado na A1ema-

ças de experiência tão logo estas tenha m
nha. Portanto, o conceito de Estado é plu- sido fonouladas linguisticamente. Pode
rivalente, multifacetado no que pode de­ ser um procedimento metodológico cansa ­
signar até sua especificação e limitação tivo, mas certamente frutífero.
restrita ao conceito ainda de Estado. Em­ O terceiro conjunto de fontes que bus­
piricamente este trabalho pode ser realiza­ camos descrever diz respeito àqueles tex­
do através da análise dos dicionários, de tos que permanecem inalterados no decor­
maneira comparotiva, paro constatarquan­ rer de suas sucessivas edições: é o caso por
do numa língua detenninada o conceito de exemplo da obra de Kant, do texto bíblico,
Estado altero-se em relação a outro língua. da obra poética, enfun aplica-se aos cha­
Atrovés desta fonte pode-se consL1tar, por mados textos clássicos dos diferentes cam­
exemplo, quando na língua alemã o con­ pos do saber.
ceito moderno de Estado supero aquele de A tese principal é a de que as estruturas
Estado como ordem, tomando-se mesmo repetitivas, de acordo com o tipo específi­
seu oposto. A palavro é a mesma, mas co de texto, encontram-se diferentemente
ganhou outro valor. O trobalho fica ainda distribuídas. Este me parece ser o argu­
mais interessante quando se tomam as en­ mento decisivo: a semântica comporta
ciclopédias e não apenas os dicionários, sempre em si estruturos de repetição, mas
uma vez que estas têm por finalidade a a semântica mesma, de arorda com o gê­
descrição normativa dos conteúdos. No nero e o tipo de texto, possibilitará, impe­
caso de duas importantes enciclopédias em dirá ou mesmo proibirá diferentes fonnas
IÚlgua alelnã - Brockhaus e Mayer - po- de repetição.
UMA HISTÓRlADOS OONCElIOS 145

Acredito poder tenDinar por aqui, não Estado que realizava de forma centralizada
sem antes esclarecer que uma história dos esta tarefa. O mesmo problema existe parn
conceitos só é possível de ser pensada sob nós, que também usamos os conceitos de
a premissa teórica de que se realize uma fonna ingênua, a partir de uma semântica
separação analítica entre Sp raclrausage e que temos em nossas cabeças como um a
Sachanalyse quando se quer ter cJare71l priori. O mesmo problema, visível de for­
acerca do que se fala. A separação analítica ma talvez contundente em relação ao mar­
entre cada afirmação lingüística presente xismo, existe portanto para todos aqueles
em todas as fontes textuais e a história que se utili71lm de uma linguagem política
concreta, o que deveria ser ou supostamen­ ou social e fonnulam-nas conceitualmente
te é, deve ser obrigatoria mente reali71lda de de fonna a dar conta (em tennos de com­
forma rigorosa do ponto de vista teórico. preensão) das experiências de vida.
Só então posso perguntaràs fontes textuais
o que elas indiciam em relação à história
concreta e que qualidades possuiriam para
coproduzirem história enquanto textos.
Para exemplificar a importãncia desta se­ Notas
paração, tomemos os textos de Marx e
Engels que foram canoni71ldos pelos parti­ 1. o autor rcfere·se ao trabalho do qual é
dos leninistas internacionais. E no momen­ co-editor, i niciado em 1972, e cujo título é Ges·
to mesmo em que foram canonizados po­ clrichl/icht: GrundlxgrifTe. flu'lorisdle Le.xikon
dem estes textos alterar os fatos, ainda que zur poliJisch.sozialen Spraclll! in DeulselrlaM.
a linguagem pennaneça a mesma. Eles têm 2. Liga (1488-1534), organizada por ordem
que, a partir da mesma lingu.1gem, realizar de Frcderioo IH rom o intuito de manter a paz e
um proced imento de acomodação da reali­ que viria a se tomar instrumento de poder dos
J-Iabsburgos. Por ocasião das Guerras Campone.
dade à mesma linguagem. O que significa
sas, o exército da Liga (oi acionado contra os
dizer que cada nova situação está sempre
camponeses rebelados. As contradições internas
submetidaà necessidade imperiosa de sub­
dos membros da Liga, assi m como as sllcessivas
sumir-se à mesma linguagem, ao mesmo Guems de Religião, terminaram {Xlr levar à sua
conjunto ortodoxo de conceitos e catego­ desagregação.
rias. Foi uma tarefa extremamente cansa­ 3. A importância ronferida pelo autor à i nves­
tiva, tanto para os mssos quanto paIa o ligação da relação entre U nguagem/Língua e
comunismo da Europa Oriental. Isto por­ História expressa-se no trabalho realizado em
que as definições lingüísticas ortodoxas, co-edição Spradle und Gesdlielue (Língua e
extremamente rígidas, mostravam-se pou­ História).
co elásticas para a interpretação do mate­ 4. Aristóteles, A polírica, \jvro I, t ( 1 252 A)
rial empírico, da novidade, de fonna a (Paris, Belles I...o.!Ures, 1968).
concebê-Ia conceitualmente. Quando sur­ 5. Tcata·se do historiador alemâo Heinrich
giu o fascismo, não previsto nesta lingua ­ von Treits"hke (1834-1896). Adepto em sua ju­
gem ortodoxa, ela só poderia ser interpre­ ventude da Revol ução de 1848 e (e rrenho adver·

tado enquanto estágio mais avançado do sário de Bismarck, Treitschke tornou-se


posteriormente defensor das polílicas interna e
capitalismo. O exemplo do marxismo in­
t:xterna bismarck.iana, sustentando na imprensa
dicativo da necessidade imperiosa dessa
a unificação alemã sob a direção política do
sepa rnção analítica entre apreensão lin­
estado prussiano. Foi profcssor nas universida·
güística e realidade concreta dos fatos é des de Kiel, J-Ieidelberg e Berlim. Ao longo de
relativamente simples, posto que a admi­ sua vida (oi se tomando cada vez mais defensor
nistração da linguagem estava a cargo do de uma {XlI íl'ica conservadora em nome dos
146 fSlUOOS msTóRlcos - 1992/10

ideais do nacionalismo alemão. Sua principal poder de Frederico n. o monarca esclarecido,


obra, História alemã no século XIX impregnou pôde voltar à Prússia.
várias gerações de intelectuais alemães até
• •

00-
Gonrried Wilhelm l.eibniz (1646-1716), Ii-
mcços do século XX. looofo alemão, estudou nas universidades de
6. Abreviação para Soz;alistische EinheiJs­ Leipzig e Jena, doutorando-se em 1667 em Alts­
portei Deu/schumds (partido da Unidade Socia­ dorf. A serviço de alguns principes eleitores
lista da Nemanha). fruto da união dos dois dedicou-se à filosofia e ao direito e à defesa de
partidos ligados à classe operária, o SPD (parti­ um Estado racional concebido em termos deuma
do Social Democrata Nemão) e o KPD (Partido I6respublica OIristiana",
Comunista Alemão), DO Congresso da Unirica­
ção realizado em Berlim em 2 1 e 22 de abril de 9. A Guerra dos Sete Anos (1756-1763), foi

1946. Tomou-se o partido dirigente na ex-Repú­ uma guerra de dimensões globais. cujo Cinal

blica Democrática Nemã (DDR). redefiniu o sistema polítiCXJ europeu, marcando


a definitiva ascensão da Prúss ia ao quadro das
7. Ver nota 1.
potências políticas européias. O desfecho da
8. Olrislian Wolff (1679-1 754), filósoro ale­
guerra selou ainda o destino da política inglesa
mão que desenvolveu o direito natural, acredita­
no continente norte-americano, de onde a França
va queo ser e a nalurC7.a dos homens e das coisas
se viu definitivamente alijada. e consolidou a
são o ponto de partida para o oonhecimento
supremacia maritima inglesa sobre Espanha e
radonaL Professor de matemática na Universi­
França, Como resultado da guerra houve tam­
dade de Halle a partir de 1706 por reoomcndação
bém um crescimento do poder político russo.
de Leibniz, aí pennancceu até ser exilado para
Marburg em 1723. Somente com a ascensão ao 10. Ver nola I.

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