You are on page 1of 49

COLEÇÃO BRASIL DOS TRANSFORMADORES - III

CENTRO DE AÇÃO COMUNITÁRIA - CEDAC

O DINHEIRO

A FORMAÇÃO DO CAPITAL
Digitalização: Argo – www.portaldocriador.org
PRIMEIRA PARTE -- O DINHEIRO

O DINHEIRO É UMA MERCADORIA

Quando as tribos primitivas substituíram a caça e a pesca pela


agricultura e a pecuária, o pequeno excedente de alimentos, de
instrumentos e de enfeites que existiam na comunidade eram troca-
dos pelos excedentes que existiam em outros grupos. A troca era
ocasião de festas e foi assim que nasceram e se desenvolveram as
FEIRAS. É claro que, às vezes, essas festas degeneravam em brigas
que podiam chegar ao verdadeiro massacre, mas o comércio nunca
deixou de se desenvolver.
Com o passar do tempo, esses encontros se repetem com mais
freqüência, pouco a pouco as tribos fabricam objetos especialmente
para a troca, além daquilo que os seus habitantes precisavam. En-
tão, o comércio se torna uma atividade normal para muitos povos e
se desenvolve entre os nômades, como os ciganos ou aquelas popula-
ções que habitavam as praias e as margens dos grandes rios.
Algumas tribos se especializam então em certos tipos de produ-
ção exclusivamente para a troca, a divisão do trabalho se desen-
volve, as próprias condições do ambiente forçam à especialização.
Os habitantes da beira-mar tinham tendência a fazer da pesca sua
atividade principal; os habitantes do interior, tinham que fazer
da criação de gado e da agricultura, uma especialização.
Quando a propriedade privada se desenvolve, o comércio deixa
de ser uma atividade entre tribos e passa a se realizar no interi-
or de cada comunidade. Nestas sociedades, a divisão social do tra-
balho já estava bastante avançada. Elas eram muito diferentes das
comunidades primitivas ou dos pobres núcleos de pescadores de que
falamos antes.
Nas sociedades em que a criação de gado se desenvolve, o boi,
o cavalo, o camelo, o carneiro, a lhama, são uma reserva de ali-
mento vivo, leite ou carne que podem ser transportados a longas
distâncias, para alimento, ou para ser trocados por outras merca-
dorias.
Durante milhares de anos, o gado foi o principal e quase o ú-
nico meio de transporte. Na agricultura, era uma fonte de energia
que permitia fertilizar a terra e aumentar a produção. Na vida in-
teira da sociedade, o gado produz o material fundamental, dele de-
pende o fornecimento de couro e lã, com os quais as comunidades
fabricam seus móveis, bolsas e malas, calçados e roupas, cobertas
e uma quantidade incontável de objetos úteis. O gado é tão impor-
tante que, para muitos desses povos da antigüidade, o boi e o car-
neiro são considerados como deuses e adorados nos templos. À medi-
da que o comércio se desenvolve, o gado cumpre função social mais
ampla, ele é uma mercadoria geral que serve de equivalente para
todas as outras. É claro que, em cada região do mundo, havia uma
mercadoria mais valiosa que as demais, que servia de auxiliar nas
trocas e que podia ser: cereais, cacau, gado, sal etc...
Nas sociedades onde o gado é a produção fundamental, ele é
também símbolo da riqueza e, o poderio de um homem é medido pelo
tamanho de seu rebanho. Nessas comunidades, o gado tem preferência
sobre todas as mercadorias, é a mais desejada e a mais importante.
Ele serve para comprar qualquer outro produto. O Antigo Testamento
diz: "Abrahão era muito rico de rebanhos, de prata e de ouro...".
"Lot, que acompanhava Abrahão, tinha também rebanhos de animais".
Também no Egito antigo, todos os produtos: tecido, mel, azei-
te, eram medidos em relação ao valor do gado.
Nessas sociedades, quem tinha gado podia comprar o que quises-
se, a qualquer hora; ele cumpria nessas sociedades de que fala o
Antigo Testamento: Babilônia, Egito, Israel, o mesmo papel que o
dinheiro tem hoje. Podemos dizer que o gado era o dinheiro daque-
les tempos.
Isso parece mais lógico do que usar um pedaço de papel ou de
metal, sem valor real, que todo mundo chama de DINHEIRO. Por exem-
plo, quando os portugueses iam comprar escravos nas costas da Á-
frica, para levar para o Brasil, eles não pagavam em escudos, nem
em patacas. Os chefes das tribos africanas não iam nem pensar em
aceitar rodelas de metal que para eles não tinham o menor valor.
Eles queriam aguardente e fumo. E, efetivamente, eram pagos em ca-
chaça e fumo, trazidos do Brasil para servir de instrumentos de
troca no comércio de escravos.
Voltando aos tempos antigos, desde que os rebanhos cresceram,
o gado se tornou uma mercadoria geral, ou seja, a única mercadoria
desejada e trocada de maneira ilimitada. Isto significa que mesmo
as pessoas que não tinham necessidade de meios de transporte, de
carne, de leite, de lã, aceitavam o gado como pagamento porque ele
era uma reserva de valor segura, que poderia ser utilizada a qual-
quer momento.
Na Babilônia e no Egito dos tempos bíblicos, foi a aceitação
do gado, como mercadoria equivalente geral, que permitiu que o co-
mércio se expandisse. No interior dessas comunidades, havia uma
quantidade de produtos feitos por trabalhadores diferentes, que
deviam ser trocados. Havia agricultores, criadores de gado, comer-
ciantes, banqueiros, médicos, arquitetos, metalúrgicos, esculto-
res, tecelões, que trabalhavam com teares manuais, funcionários
públicos etc... Muitas dessas profissões eram exercidas por es-
cravos, pois a produção na Babilônia e no Egito, dessa época, era
baseada no trabalho escravo.
No Egito, país onde já existiam cidades importantes e uma po-
pulação grande, não era um ou outro excedente do consumo, que era
trocado. Havia um verdadeiro comércio no interior da sociedade.
Este comércio exigia uma mercadoria que fizesse o papel de equiva-
lente. Este papel foi cumprido pelo gado, no início, depois pelo
trigo, e quando o Egito se desenvolveu ainda mais, pelos metais.
O comércio é nessa época uma troca generalizada que se faz no
interior da sociedade e seu funcionamento é parecido com o de uma
feira de um povoado do interior, para onde todos os produtores
trazem suas mercadorias; o agricultor frutas e legumes de sua ter-
ra; o fabricante de farinha traz farinha; o pescador os peixes; os
artesãos artigos de barro, de couro, de madeira e metal e assim
por diante. A principal diferença em relação aos mercados que e-
xistiam na antigüidade é que a mercadoria equivalente, hoje em di-
a, é a nota de banco e o dinheiro metálico, cunhado pela casa da
moeda.
Na sociedade atual, uma quantidade imensa de produtos são tro-
cados e a equivalência não se estabelece mais entre 4 ou 5 produ-
tos fundamentais como a carne, o pano e os utensílios. A sociedade
capitalista produz uma quantidade incontável de bugigangas, ao la-
do de alguns produtos essenciais. A venda de todas essas mercado-
rias constitui o comércio, onde se comparam todas as mercadorias
que foram produzidas.
Quando o comércio se organiza como uma atividade independente
não é mais o tempo de trabalho do pescador que deve ser comparado
com o do produtor de legumes do povoado vizinho. Há uma quantidade
de profissões diversas, e para que as trocas possam ser realizadas
normalmente, é preciso que os donos das mercadorias possam vendê-
las, mesmo que os possíveis compradores não tenham as mercadorias
que eles mesmos desejam. Para que as trocas se realizem normalmen-
te, é preciso que uma só mercadoria faça o papel de equivalente.
O equivalente geral, que hoje chamamos de DINHEIRO, É UMA MER-
CADORIA, E O SEU VALOR DE TROCA É DETERMINADO, como o de qualquer
mercadoria, PELO TEMPO DE TRABALHO SOCIAL NECESSÁRIO PARA SUA PRO-
DUÇÃO.
Se a mercadoria que funciona como dinheiro é o gado, é uma re-
lação ao valor de troca do gado que todas as outras mercadorias
vão exprimir seu próprio valor de troca. Nessas épocas, o equiva-
lente geral, além de servir como moeda, tem um valor de uso espe-
cífico que decorre de suas propriedades naturais. Se o equivalente
geral é o gado, ele terminará sendo utilizado como gado, para pro-
duzir carne, leite, lã, gordura, couro etc... Se o equivalente é o
trigo, ele terminará sendo utilizado para fabricar farinha, se o
equivalente é o sal, ele terminará sendo utilizado para salgar a
carne.
Mas, ao lado de seu valor de uso particular, o equivalente ge-
ral ganhou um novo valor de uso, uma utilidade paralela, que é
permitir a troca de mercadorias. Este valor de uso paralelo é que
facilita a troca e permite o desenvolvimento do comércio.
Com o crescimento das cidades, o comércio se desenvolve ainda
mais; a população rural passa a produzir para vender seus produtos
nas feiras e mercados da cidade. Com o aparecimento do metal, essa
transformação se realiza completamente. Quando o gado ou um cereal
faziam o papel de dinheiro, a cidade dependia do campo. Os grandes
criadores e plantadores eram as pessoas mais poderosas da cidade.
Na Grécia e em Roma antigas, as pessoas mais poderosas eram as que
possuíam os grandes rebanhos e plantações de uva, de trigo, de o-
liveira e muitos escravos para cuidar de suas terras.
Na América Latina, essa situação existiu até o começo do sécu-
lo XX (vinte). No Nordeste do Brasil, as pessoas mais importantes
das cidades eram chamadas "senhores de engenho", ou seja, proprie-
tários de terras onde se plantava cana e se fabricava açúcar, e
que tinha empregados para cultivar a terra e fabricar o açúcar.
Também em São Paulo, nessa época, as pessoas mais importantes, até
mesmo na capital, eram os donos de cafezais. No sul do continente,
os homens influentes, que dominavam a vida política das cidades,
eram os criadores de gado.
Mas, voltemos aos tempos antigos, para entender como é que o
aparecimento da metalurgia vai mudar a situação e submeter as po-
pulações do campo à cidade.
Os objetos de metal são fabricados nas cidades pelos artesãos.
Com a melhoria da técnica da metalurgia, o metal substitui os ou-
tros materiais usados até então. O metal não só substitui, ele é
muito superior e permite a criação de uma quantidade crescente de
objetos que não era possível fabricar com outros materiais. Os
instrumentos de cobre, bronze, ferro, passam a ser utilizados em
quantidades cada vez maiores na cidade e no campo, substituindo o
couro, a madeira, a argila, como matéria-prima. Ao mesmo tempo, o
ouro e a prata são utilizados na fabricação de objetos de luxo pa-
ra o uso das famílias poderosas, e a metalurgia provoca uma verda-
deira revolução técnica nessas sociedades. Graças ao desenvolvi-
mento que ela permitiu, não só na produção como no comércio, as
velhas relações de parentesco, que ainda dominavam a sociedade, e
que eram uma herança das comunidades primitivas, se romperam. As
cidades, com a exploração do campo, cresceram e se desenvolveram,
os comerciantes puderam comprar muito mais mercadorias.
Quando a metalurgia começa, os metais são apenas uma mercado-
ria como as outras. Mas, como eles são as mercadorias principais e
mais valiosas, acabam tomando a forma de dinheiro, isto é, a mer-
cadoria-gado e cereais como equivalente geral. Já na Babilônia,
2.000 anos antes de Jesus Cristo, havia uma espécie de medida de
prata de 6 gramas que era usada como dinheiro. É claro que essa
medida de prata conservava inteiramente o seu valor de uso especí-
fico que é o de ser fundido para a fabricação de objetos de luxo.
Era diferente, portanto, das notas de banco que usamos hoje, cujo
único valor de uso é facilitar a troca.
Nessa época, em Babilônia, o valor de algumas mercadorias me-
didas em siclos de prata era o seguinte:

12 litros de óleo de sésamo = 1 siclo de prata


600 litros de sal = 1 siclo de prata
300 litros de trigo = 1 siclo de prata
5 quilos de lã = 1 siclo de prata

Como vemos, a prata era um metal muito raro e muito estimado


que exigia muito tempo de trabalho para ser produzido. Neste caso
particular, a mercadoria equivalente geral, a prata, tomou a forma
de moeda, embora ainda fosse medida pelo seu peso, e pudesse ser
fundida para a fabricação de objetos, a qualquer momento. Mas, o
ato de pesar metal de ferro, de ouro ou de prata, acaba também a-
bolido quando, a partir de um certo nível de desenvolvimento da
sociedade, o Estado assume a responsabilidade da fabricação de mo-
eda metálica. Então as medidas de prata, de ouro, de bronze, são
carimbadas com o selo do Estado. Esse tipo de moeda metálica, já
existia há 3.000 anos antes de Cristo, no Egito, e há 2.000 anos
antes de Cristo, na Grécia. Na China, essas peças circulavam há
mil anos antes de Cristo.
Os metais e principalmente os metais preciosos acabaram assu-
mindo o papel de mercadoria equivalente geral, porque possuíam uma
série de qualidades que os tornavam superiores a todas as outras
mercadorias. Estas qualidades são:

1: O metal é facilmente transportável. É fácil transportar uma


carga de ouro ou de prata, para servir de dinheiro, mesmo nas lon-
gas viagens de barco que os comerciantes da época eram obrigados a
fazer. Esses comerciantes não podiam nem pensar em transportar ga-
do, por exemplo, nesses pequenos barcos. De qualquer modo, o gado
não resiste também a longas viagens com travessias de desertos e
montanhas. A mesma coisa também se pode dizer dos cereais, que são
muito pesados para ser transportados e têm um pequeno valor de
troca em relação com outras mercadorias;

2: O metal é durável, graças à resistência à usura, à oxida-


ção, à ação da água. Foi isto que permitiu que o metal substituís-
se o sal, por exemplo, ou o cereal; pois o sal não resiste à umi-
dade, ele se dissolve com a chuva ou a umidade do ar. O cereal era
facilmente inutilizável pelos insetos se não fosse consumido, nes-
sas épocas em que não existiam inseticidas;

3: O metal é facilmente divisível e pode ser refundido. Uma


pequena unidade de peso metálico servia para as pequenas transa-
ções comerciais. Múltiplos dessa unidade podiam ser fundidos fa-
cilmente. Por exemplo, o dólar é dividido em centésimos, assim é
que temos moedas de 10 centavos, de 1/4 de dólar, de 50 centavos
de dólar etc... Cada uma dessas moedas equivale a uma parte apenas
do peso da moeda de um dólar. Ao mesmo tempo, existem os múltiplos
de 1 dólar, que podem ser 2, 5, 10, 20 dólares e assim por diante.
Com um sistema de divisão assim é muito fácil comprar e vender
qualquer tipo de mercadoria, desde aquelas que têm valor de troca
até as mais valiosas.

Enquanto o papel de dinheiro era feito por uma mercadoria que


conservava seu valor de uso próprio, sua utilidade, que consiste
em servir de equivalente para a troca, é apenas secundária. O seu
valor de uso mais importante é aquele que está ligado às suas qua-
lidades naturais. Por exemplo, o valor de uso principal dos cere-
ais, do gado e do sal, é de servir de alimento. O valor de uso
principal dos metais é de servir para fabricação de enfeites e
instrumentos. Nesse caso, o seu valor de uso secundário, que é de
servir de equivalente para troca, desaparece no momento em que seu
possuidor desejar utilizá-lo de acordo com as suas propriedades
naturais, isto é, transformar o gado em alimento, ou o metal em
instrumento de trabalho, por exemplo.
2

FUNÇÕES SOCIAIS DO DINHEIRO

Quando as peças metálicas fabricadas pelo governo circulam em


toda parte, mesmo nas regiões rurais, e substituem o gado e os ce-
reais como dinheiro, o valor de uso natural, exclusivo dessas pe-
ças metálicas, é de servir de equivalente para as outras mercado-
rias. Essas peças metálicas só terão uma utilidade que é de faci-
litar a troca. A sociedade humana, depois de milhares de anos, a-
cabou produzindo uma mercadoria cujo único valor é de servir de
equivalente geral. É essa mercadoria que conhecemos hoje em dia
com o nome de dinheiro ou moeda, um pedaço de papel ou uma peça
metálica emitidos pelo governo. Em um país ele se chama escudo, em
outros: peso, franco, dólar, rublo, cruzeiro, e assim por diante.
Nós já vimos que as comunidades primitivas ainda não conheciam
as mercadorias e o comércio. Nessas comunidades, a única riqueza
material eram uns poucos instrumentos e um bom território de caça
e pesca. Mesmo quando essas sociedades se desenvolvem um pouco e
já sabem plantar e têm alguns rebanhos, elas continuam ignorando a
mercadoria e o comércio. Nesse estágio de desenvolvimento da soci-
edade humana, a riqueza material da sociedade é constituída pelo
arroz, o trigo, o milho, que se guarda nos paióis para evitar a
fome nas entressafras, um pequeno rebanho e alguns instrumentos de
trabalho.
Quando o capitalismo aparece e se desenvolve, o comércio tam-
bém aparece como uma atividade econômica fundamental, e o uso do
dinheiro se torna corrente. Mais ainda, o dinheiro se transforma
em símbolo da riqueza material da sociedade. Do ponto de vista in-
dividual, quanto mais dinheiro tem uma pessoa, mais ela é conside-
rada. Dizemos então que uma pessoa vale pelo dinheiro que tem. Se
uma pessoa vive do salário mínimo, ela é um "pé-rapado" e um "Jo-
ão-ninguém". Se, ao contrário, tem uma enorme conta bancária e po-
de comprar tudo que deseja ela é tratada com respeito.
Mas o dinheiro não tem só esta função social. Ele desempenha
alguns papéis importantes, que veremos a seguir.

1. O dinheiro é o equivalente geral

É o fato de ser equivalente geral que permite que o dinheiro


seja trocado por qualquer mercadoria. Desde que uma pessoa tenha
dinheiro no bolso ela pode comprar qualquer mercadoria que esteja
exposta à venda se o seu dinheiro der para pagar.
Nós já vimos que quando o comércio no interior das cidades
cresceu, os produtos naturais deixaram de ser instrumentos de tro-
ca. A sociedade criou então um equivalente universal independente
de todos os outros produtos, o DINHEIRO.
Quanto maior a produção da comunidade, mais o comércio cresce
e se diversifica, daí a necessidade de um instrumento de troca es-
pecial. Nós vimos que, no começo da história das sociedades, o
produto simples como uma cabra, um pé de couve, ou um leitão, po-
diam servir de instrumentos de troca. Até mesmo no começo do sécu-
lo XX (vinte), isto ainda acontecia na América Latina, onde era
muito comum, homens e mulheres trabalharem na roça de um agricul-
tor rico, ou no armazém de um comerciante, em troca de um prato de
comida.
Quando as comunidades crescem e se tornam cidades grandes e
estas mesmas são apenas parte de um país, as necessidades de tro-
cas crescem, as pessoas querem possuir mais mercadorias. Quando
conseguiram matar a fome e se abrigar em uma casa, os homens dese-
jaram se cercar de objetos. Esses objetos são muito simples, como
os bancos de madeira, as panelas de barro e de ferro e outros u-
tensílios do mesmo tipo. Eles são muito diferentes na casa do ban-
queiro que empresta dinheiro a juro: o chão de sua casa é forrado
de tapetes, as paredes estão cobertas de quadros, ele tem uma
quantidade enorme de objetos perfeitamente inúteis, mas sem os
quais não consegue viver.
Em uma sociedade assim, em que a quantidade de mercadorias é
incontável, e a troca atinge todo mundo, é absolutamente necessá-
ria a existência de um instrumento de troca geral.
O dinheiro é então o intermediário ao qual todas as mercadori-
as passam a se referir. É por isso que, hoje em dia, nós nunca ou-
vimos dizer que um agricultor qualquer trocou um saco de batatas
com um comerciante por 12 quilos de farinha. O agricultor pode até
levar o saco de batatas para o mercado, com a intenção de trazer
para casa 12 quilos de farinha; mas, para realizar seu desejo terá
que trocar suas batatas por dinheiro, depois, então, irá trocar o
dinheiro conseguido com a venda das batatas pela farinha de outro
comerciante. Como isto acontece com todas as pessoas que têm coisa
para comprar ou vender, dizemos que o dinheiro é uma mercadoria
especial à qual todas as demais mercadorias se referem. O dinheiro
é verdadeiramente o EQUIVALENTE GERAL.
Nós já vimos que o trabalho físico individual se materializa
na forma de um objeto útil qualquer. O sapateiro faz sapatos, a
costureira faz roupas, o padeiro faz pão, e assim por diante.
Nós já vimos também que o resultado do trabalho social é a
mercadoria em geral. Quando falamos em trabalho social, só o que
nos interessa é o tempo de trabalho médio que uma determinada mer-
cadoria leva para ser produzida. Pois bem, o DINHEIRO É UM INSTRU-
MENTO DE MEDIDA DESSE TRABALHO SOCIAL. Da mesma maneira que usamos
o metro para medir o pano, o quilo para medir o arroz, o litro pa-
ra medir o leite, usamos o dinheiro para medir o tempo de trabalho
social que foi preciso para produzir uma mercadoria determinada.
Nós já vimos como é que se faz esse cálculo no capítulo da MERCA-
DORIA e voltamos ao assunto para que se possa entender bem uma das
funções importantes que o dinheiro desempenha na sociedade de
classes.
Graças a essa qualidade de equivalente geral, que o dinheiro
possui, é que podemos trocar uma mercadoria determinada com qual-
quer outra mercadoria que contenha um tempo de trabalho equivalen-
te.
É claro que quem tem valor de uso e valor de troca ao mesmo
tempo, é o objeto que está no mercado para ser vendido. Quando va-
mos ao supermercado da cidade grande, ou à feira do povoado, nós
vamos encontrar sempre objetos que estão aí para ser vendidos: Es-
ses objetos, xícaras, panelas, martelos, roupas, alimentos, têm
cada um, uma utilidade, um valor de uso particular. Esses objetos
têm também cada um deles, um valor de troca particular que medimos
em dinheiro.
Mas nós não podemos nem imaginar, nos dias de hoje, uma situa-
ção em que todos os homens trocassem uns objetos por outros como
as crianças nas escolas, que trocam bolas de gude por piões, e pi-
ões por figurinhas. Uma situação dessas provocaria uma confusão
tão grande que a sociedade inteira pararia de funcionar. Isto não
seria possível hoje em dia, nem na feira semanal que se realiza no
povoado.
Esta contradição, que faz parte da produção de mercadorias, só
pode ser resolvida pela existência do dinheiro. Podemos dizer que
o dinheiro faz na circulação das mercadorias, o mesmo papel de me-
diador que faz o advogado entre o acusado e o juiz. Dizendo em ou-
tras palavras, a sociedade identifica o valor de troca das merca-
dorias, com uma mercadoria particular, diferente de todas as ou-
tras. Essa mercadoria é o DINHEIRO, que representa o valor de tro-
ca, da mesma maneira que o advogado representa a justiça.
Na realidade, o dinheiro só resolveu a contradição ao genera-
lizar as trocas. Nas comunidades atrasadas, muito pobres, era por
acaso que um objeto qualquer era trocado por outro. Hoje em dia,
todas as mercadorias devem ser trocadas por dinheiro, só se produz
mercadorias com o objetivo único de trocá-las por dinheiro. Por
isso é que dizemos, que o dinheiro é o equivalente geral.

2. O dinheiro é medida de valor

Se considerarmos os produtos como objetos úteis, vemos que e-


les não podem ser comprados. O tecido, o óleo e as batatas, são
objetos diferentes, eles possuem propriedades naturais particula-
res, e nós só podemos calcular suas qualidades. O tecido será me-
dido em metros, o óleo em litros e as batatas em quilos. E cada um
conservará suas qualidades naturais próprias e sua utilidade par-
ticular. O pano servirá para fazer roupas, o óleo para ser queima-
do na cozinha ou na indústria, as batatas serão úteis como alimen-
to.
Se considerarmos por outro lado, os produtos como mercadorias,
eles nos aparecem imediatamente como trabalho humano materializa-
do. Seu valor é igual à quantidade de tempo de trabalho que con-
tém. Assim, se a mercadoria vale 1 (uma) hora de trabalho, ela po-
derá ser trocada contra qualquer outra mercadoria que valha 1 (u-
ma) hora de trabalho.
Como valores, as mercadorias podem ser comparadas umas com as
outras e medidas em dinheiro. É preciso aqui, fixar bem que é o
trabalho que dá valor à mercadoria e não o dinheiro. O papel do
dinheiro é apenas o de medir o valor das mercadorias, isto é, o
tempo de trabalho que elas contêm.
O dinheiro como medida de valor é apenas a manifestação da me-
dida real do valor das mercadorias, o tempo de trabalho. Por isso
é que dizemos que o dinheiro é um padrão, como o quilo e o metro.
O dinheiro mede apenas a aparência da mesma maneira que o metro, o
quilo e o litro. Assim como um quilo não mede nenhuma qualidade
natural da batata, nem diz se ela está boa para servir como ali-
mento, também o dinheiro é apenas um padrão que pode nos dizer, em
princípio, a quantidade de trabalho social que foi necessário para
a produção de uma mercadoria. O dinheiro não diz nada sobre a qua-
lidade desse trabalho, nem sobre as condições em que ele foi rea-
lizado. Podemos concluir então, que: o dinheiro é um padrão para
medir o valor das mercadorias. O dinheiro mede o valor da mercado-
ria da mesma forma que o metro mede o comprimento do tecido, o
quilo mede o peso do metal e o litro mede o volume do óleo.
Do ponto de vista do valor, todas as mercadorias são, portan-
to, idênticas, pois elas são a materialização do trabalho social.
Como valores, a única diferença que elas têm umas em relação às
outras, é a quantidade de trabalho social que cada uma representa.
Assim, do ponto de vista da utilização e das qualidades naturais,
um prato de comida, um maço de cigarros e uma xícara de café, são
coisas muito diferentes. Um prato de comida serve para matar a fo-
me, uma xícara de café é um bom estimulante e um maço de cigarros
ajuda a passar o tempo. Do ponto de vista do valor, a situação é
muito diferente. Nós supomos que nas condições atuais de produção
que existem na indústria, um prato de comida tem o triplo de valor
do maço de cigarro, e um maço de cigarros tem o dobro do valor de
uma xícara de café. Isto significa que para produzir um maço de
cigarros é preciso duas vezes mais tempo de trabalho social que
para produzir uma xícara de café. Para produzir um prato de comi-
da, supomos que é necessário um trabalho social três vezes maior
do que foi gasto na reprodução de um maço de cigarros.
Do ponto de vista do valor, o que distingue as mercadorias é
que elas são mais ou menos valiosas. E o dinheiro só se torna pa-
drão de medida, porque é em relação a ele que toda e qualquer mer-
cadoria exprime o seu próprio valor.
O VALOR EXPRIME UM VALOR SOCIAL. Por exemplo, se um livro vale
dez vezes mais que um pão, o padeiro vai ter que vender no mínimo
dez pães antes de poder comprar o livro em questão. Mas, o padeiro
tem necessidade de comprar mercadorias todo dia: farinha, leite,
ovos, sal, margarina, para poder fabricar seus pães. Além disso,
ele tem que comprar outras mercadorias para seu uso pessoal: sa-
bonete, roupas, comida, sapato etc. Ele passa o seu tempo compa-
rando o valor da mercadoria que ele produz, o pão, com o valor das
mercadorias que compra todo dia. Por isso é que ele sabe quando é
que tem que aumentar o preço do pão. Se o valor das mercadorias
que compra todo dia subiu em relação com o antigo valor do pão,
ele vai ter que aumentar o preço do pão, para que o valor da sua
mercadoria e o valor das outras mercadorias continuem sendo re-
presentados em dinheiro nas mesmas proporções.

3. O dinheiro é um instrumento da circulação das mercadorias

O preço de uma mercadoria é o seu valor de troca expresso em


moeda. No preço, o dinheiro aparece como unidade de medida do va-
lor de troca das mercadorias. Esta qualidade do dinheiro é que faz
com que ele seja útil para fixação dos preços.
Quando compramos mercadorias, não pensamos no seu valor, mas
nos preços. O valor de uma mercadoria é uma qualidade própria de-
la, mas o preço é uma qualidade do dinheiro. Desde que pensamos no
preço de uma mercadoria, ela desaparece e em seu lugar aparece o
dinheiro. O dinheiro domina as outras mercadorias. Ele é muito
mais importante que elas.
Na vida real, um industrial quando monta sua fábrica, só pensa
em produzir sua mercadoria para transformá-la em dinheiro. O agri-
cultor que planta a soja e a menta, não pensa em se alimentar com
seus produtos. Ele só planta para poder transformar sua mercadoria
em dinheiro. O que interessa não é a utilidade do produto, o que
importa mesmo para o capitalista é se desfazer da mercadoria o
mais depressa possível para poder ter dinheiro, por isso, uma fá-
brica pode produzir só bugigangas que não têm nenhum valor de uso
real. O fato de que o dinheiro é inseparável da mercadoria é a
prova de que elas são produzidas só para ser vendidas, mesmo que
tenham ou não valor real. Em um sistema monetário desenvolvido,
como o que existe na sociedade atual em que a produção é feita só
para troca, se o dinheiro desaparecesse, a sociedade desapareceria
também, pois é ele que a sustenta.
No processo de troca, o capitalista tem mercadorias para ven-
der cuja única utilidade é se transformar em dinheiro. Do outro
lado da barreira está o consumidor que compra a mercadoria porque
tem uma utilidade. Para que o consumidor tome posse da mercadoria
que deseja é preciso que haja troca de duas mercadorias. O consu-
midor entrega dinheiro e recebe em troca uma mercadoria comum.
Nesta operação, a mercadoria representa para o consumidor um valor
de uso, um objeto útil, e o dinheiro, apenas um valor de troca,
que vai servir para que ele possa receber a mercadoria que deseja.
O capitalista vê as coisas justamente pelo contrário. A mercadoria
que ele tem para vender não tem utilidade nenhuma para ele. Ela é
apenas valor de troca para que ele possa conseguir o objeto que
tem utilidade, o dinheiro.
Vejamos então como é que o dinheiro cumpre sua função de meio
circulante a partir de um exemplo simplificado.

Um pequeno agricultor vem à cidade para feira semanal e traz


um saco de milho para vender. A sua mercadoria tem um preço deter-
minado na feira. Digamos que ele consegue vendê-la logo que chega
e recebe uma quantidade de dinheiro como pagamento. Terá tempo en-
tão, de dar uma volta no mercado para ver o que pode comprar com o
dinheiro que conseguiu receber. Depois de algum tempo, descobre
que já conseguiu se desfazer do dinheiro que recebeu. Em lugar do
dinheiro, ele tem outras mercadorias: 10 metros de pano, 8 quilos
de açúcar e um pacote de cigarros. Na cabeça do pequeno agricultor
que não raciocina como um grande industrial ou um banqueiro, o ú-
nico papel do dinheiro é facilitar a troca do produto de seu tra-
balho pelo produto do trabalho de outras pessoas, isto é, facili-
tar a troca de produtos.
Podemos representar por um esquema este exemplo simplificado
de circulação de mercadorias, da maneira abaixo:

M1 ..........D .......... M2

M1 representa a mercadoria que o pequeno agricultor trouxe para


a feira.
D representa o dinheiro que ele recebeu e gastou em seguida.
M2 representa as mercadorias que ele leva para a casa.
Nos dias de hoje, é muito raro que as coisas se passem da ma-
neira que desenvolvemos. É claro que em pequenos lugarejos no in-
terior da América Latina, as trocas podem ainda acontecer dessa
maneira, mas nas cidades grandes da Argentina, Brasil, Venezuela,
México e outros países a circulação é muito diferente, mas isto
veremos depois. Vamos continuar com o nosso exemplo, para tentar
explicar o mecanismo da circulação de mercadorias.
O movimento M1 ...... D ...... M2, que explicamos acima se de-
compõe, na prática, em operações diferentes. A primeira operação é
constituída pela troca de mercadorias contra dinheiro. Esta pri-
meira operação é a VENDA que pode ser representada da maneira se-
guinte:

M .......... D

significando que no sistema de divisão social do trabalho, todo


mundo é obrigado a trocar o produto de seu trabalho por dinheiro,
se quiser continuar vivendo. A existência do dinheiro, como reser-
va de valor, ao lado das outras mercadorias, permite também que a
pessoa que comprou o milho do agricultor, e que provavelmente não
tem necessidade dessa mercadoria, continue a comprar mercadorias
de que não tem necessidade. Mas, ele compra para vender para ou-
tras pessoas. A pessoa que fez negócio com o agricultor é prova-
velmente um comerciante, para o qual o milho não tem nenhum valor
de uso. Ele vai vender o milho a um fabricante de fubá ou a um
granjeiro que precisa de milho para alimentação de seus animais.
Quando o agricultor troca sua mercadoria por dinheiro, apren-
demos com ele, algumas coisas interessantes sobre o funcionamento
da sociedade capitalista. Nós vemos que não se troca mais trabalho
contra trabalho, ou mercadoria comum contra mercadoria comum, como
acontecia nas sociedades mais atrasadas. Os produtos continuam
sendo o resultado de um trabalho físico qualquer, mas aqui as mer-
cadorias não são medidas diretamente em tempo de trabalho, ou em
relação com outra mercadoria comum. Mesmo nos lugarejos do interi-
or, as mercadorias têm um preço. Assim, ficamos sabendo que o pre-
ço não é nenhuma coisa misteriosa.

O PREÇO DE UMA MERCADORIA É O NOME, EM DINHEIRO, DA QUANTIDADE


DE TRABALHO SOCIAL QUE FOI NECESSÁRIO PARA SUA PRODUÇÃO.

Mas, nós aprendemos também que todas as belas palavras sobre a


liberdade individual, que o capitalismo concede ao homem, não pas-
sam de propaganda mal-intencionada. É o próprio agricultor quem
vai descobrir para nós, que o regime de divisão social do traba-
lho, que existe na sociedade capitalista e que faz dele um produ-
tor independente, orgulhoso de sua liberdade, é uma farsa. Na rea-
lidade, o processo social de produção e as relações que se estabe-
lecem dentro desse processo dominam o homem.
Vejamos o caso do nosso pequeno agricultor. Ele pensa que é um
indivíduo independente porque mora em um sítio isolado, no meio do
mato. Mas, ele é obrigado a vender seu produto para o comerciante
da cidade pelo preço que este ditar, se quiser continuar vivendo.
Ao mesmo tempo, cada vez que vem à cidade, tem que comprar merca-
dorias, sem as quais não pode viver. E levar para casa objetos
produzidos por outras pessoas e vendidas por um comerciante. Para
fazer isto, o agricultor é obrigado a transformar sua produção em
dinheiro. Se ele quiser produzir mais e melhorar suas condições de
vida, terá que recorrer ao financiamento do banco, reforçando ain-
da os laços que o ligam à cadeia da divisão social do trabalho e
fazem dele um instrumento dos que dominam a sociedade.
A divisão do trabalho converte o produto do trabalho em merca-
doria, tornando obrigatória sua transformação em dinheiro. Isto
significa que quem possui mercadoria tem que transformá-la em di-
nheiro se não quiser ir à falência ou morrer de fome.
A segunda operação do processo de troca é a COMPRA que pode
ser representada desta maneira:

D .......... M

sendo D o dinheiro que o agricultor recebe e utiliza em seguida, e


M as mercadorias que ele compra com o dinheiro ganho na venda do
produto de seu trabalho.
Vemos então que o dinheiro é uma mercadoria indispensável, sem
a qual o processo de troca se interrompe. Sem o dinheiro a circu-
lação de mercadorias não se realiza.
Podemos supor que o pequeno agricultor que ocupa a nossa aten-
ção neste momento, só produz e vende uma mercadoria: o milho. Mas,
esse agricultor tem muitas necessidades que precisa satisfazer.
Por isso, deve gastar o dinheiro que recebeu, comprando outros ob-
jetos: cigarros, tecido, açúcar etc... Na realidade, a venda que
fez, dá origem a várias operações de compra. Este é o processo de
circulação, do qual o dinheiro é instrumento, embora ele apareça
na cabeça do agricultor e dos comerciantes que ocupam nossa aten-
ção neste momento, como verdadeiro agente do processo.
No processo de circulação, as mercadorias comuns são consumi-
das, mas a mercadoria-dinheiro fica sempre presente. Cada mercado-
ria que sai da circulação, o dinheiro ocupa imediatamente o seu
lugar, como em um passe de mágica. O dinheiro parece sair do nada,
mas está sempre presente em toda parte. Na vida real, são os ho-
mens que se movimentam, trabalham, produzem, consomem e vivem, mas
na cabeça dos homens o processo de circulação de mercadorias apa-
rece como resultado do movimento do dinheiro. Ganhar dinheiro pas-
sa a ser o único objetivo da vida. Nesta sociedade onde o traba-
lhador é alienado, o exercício de qualquer atividade é apenas um
meio para se conseguir dinheiro. O dinheiro nesta sociedade não é
apenas reserva de valor e padrão de medida, ele domina inteiramen-
te o homem.
O dinheiro, em sua função de meio circulante, representa o va-
lor das mercadorias. Portanto, o seu movimento como meio circulan-
te é também a representação do movimento das mercadorias. Por isso
é que o dinheiro não sai nunca de circulação, enquanto as mercado-
rias saem e são consumidas. Por exemplo, um par de meias, ou um
quilo de sal, quando são comprados, saem de circulação e desapare-
cem. Nós dizemos que eles foram consumidos. E as pessoas que com-
pram mercadorias para seu próprio uso, nós chamamos, consumidores.
Mas, o dinheiro que o comprador tinha no bolso, não sai de circu-
lação, ao contrário, quanto mais mercadorias forem consumidas,
mais rápido ele vai circular. Do bolso do comprador, ele vai para
a caixa registradora do comerciante. Da caixa registradora do co-
merciante, ele pode ir para o cofre do industrial, se o co-
merciante compra mais mercadoria. Do cofre do industrial, ele vai
para o bolso do operário no fim de semana. Quando estiver no bolso
do operário ele vai servir para comprar cigarros, café, pão etc...
e assim, continua sem parar o ciclo infernal da circulação.
A circulação parece um processo sem fim. A mercadoria é troca-
da por dinheiro; o dinheiro é trocado por mercadoria e assim por
diante, enquanto existir a sociedade de classes. A renovação cons-
tante do mesmo processo é que é a essência da circulação. Mas, de-
vemos observar que existe neste processo outro aspecto interessan-
te que é a MEDIAÇÃO.
Vamos ver então o que é a MEDIAÇÃO. No processo de circulação,
uma mercadoria é trocada por dinheiro. No caso, o milho do nosso
pequeno agricultor. Em seguida, o dinheiro foi trocado por tecido
que o pequeno agricultor precisava para fazer roupas para seus fi-
lhos. Foi preciso um duplo movimento para trocar a mercadoria mi-
lho, contra a mercadoria tecido. A troca é que é a MEDIAÇÃO, atra-
vés da qual quando um vendedor passar para diante a mercadoria que
comprou do primeiro vendedor, no caso o agricultor.
Vemos assim que cada pessoa tem uma dupla personalidade, como
nas novelas populares do rádio e da televisão.
Uma mesma pessoa é, ao mesmo tempo, comprador e vendedor.
Mesmo o operário é no primeiro momento vendedor de sua merca-
doria e FORÇA DE TRABALHO.
Com o dinheiro que ele recebe pela venda dessa mercadoria, ele
se torna comprador, ele vai para o mercado comprar os mantimentos
que precisa para continuar vivendo e trabalhando.
Uma mercadoria se troca contra outra mercadoria, a compra e a
venda aparecem sempre como dois atos separados no tempo e no espa-
ço. Na realidade, cada operação é, ao mesmo tempo, compra e venda.
Compra e venda estão interligadas em um mesmo processo, no qual o
dinheiro só faz o papel de mediador. Como a compra e a venda, os
dois elementos fundamentais da circulação são indiferentes um ao
outro, eles não precisam coincidir. Esta indiferença reforça a a-
parente autonomia de um em relação ao outro.

4. O dinheiro é meio de pagamento

No sistema de circulação simples, um mesmo valor aparece de um


lado como mercadoria, e de outro como dinheiro. Vendedores e com-
pradores apareciam sempre um na frente do outro. O vendedor com
sua mercadoria e o comprador com o dinheiro no bolso. E isto acon-
tece, de fato, no pequeno comércio. Por exemplo, quando um operá-
rio vai ao bar da esquina ele encontra um pequeno comerciante que
tem cerveja, café, cigarros e outras mercadorias para vender. O
trabalhador entra no bar, pede uma cerveja e um maço de cigarros,
porque tem dinheiro no bolso que dá para pagar as mercadorias que
deseja. Ele recebe o que pediu e paga a quantia correspondente. O
dinheiro aí é MEIO CIRCULANTE, ele promove a circulação de merca-
dorias. Aqui as pessoas só entram em contacto como representantes,
ou do dinheiro ou da mercadoria.
Com o desenvolvimento, a sociedade chegou a uma situação em
que a venda de uma mercadoria é realizada em uma data e o seu pa-
gamento só é feito mais tarde.
Esta situação é comum hoje em dia no comércio atacadista, em
que os industriais vendem aos grossistas para receber com prazo de
180 dias. O comerciante atacadista faz o mesmo tipo de operação
com o comerciante varejista. Nos dois casos, a simples assinatura
de uma contrafatura serve como instrumento de reconhecimento de
dívida. Quando o prazo se esgotar, o industrial receberá um cheque
do comerciante na quantia correspondente à venda realizada. O mes-
mo acontecerá com o comerciante atacadista que receberá do vare-
jista, e assim por diante, pois as transações comerciais não pa-
ram.
Todas essas vendas foram realizadas sem que o dinheiro esti-
vesse presente. O comerciante recebeu as mercadorias, teve tempo
de vender uma parte delas e só fez o pagamento depois. O industri-
al também utiliza o mesmo sistema, pois seus fornecedores acredi-
tam que ele possa pagar suas dívidas quando chegar o momento.
A mesma coisa acontece quando uma pessoa compra uma casa para
pagar dentro de 2 ou 3 anos. Ela assina um contrato de compra, dá
uma entrada e ocupa a casa. O contrato vale para o vendedor como
uma garantia de que receberá dinheiro quando chegar o momento. A-
qui também, o dinheiro não está presente, ele é meio de pagamento.
Isto é possível porque a lei pune rigorosamente os maus pagadores.
Se um comerciante ou um industrial não pagar sua dívida quando
chegar o momento, ele será forçado ou terá de fechar seu negócio.
A justiça decretará sua falência. Os maus pagadores são castigados
para que o sistema possa continuar funcionando. O mesmo pode acon-
tecer com o comprador de uma casa que se revelar mau devedor. O
banco ou a construtora que financiou a compra, tem o direito de
tomar a casa. Por ser mau pagador, ele perde até o dinheiro que já
gastou como entrada, ou sinal. E assim, as coisas entram nos ei-
xos, para felicidade de todos.
Se, ao contrário, tudo se passar bem, quando o prazo estabele-
cido terminar, o meio de pagamento entra em circulação, ou seja, o
dinheiro passa das mãos do comprador para as mãos do vendedor. O
dinheiro não funciona aqui como mediador entre produção e consumo,
como na circulação simples. Aqui o dinheiro fecha o processo.
Se nós examinamos a contabilidade de uma empresa, vamos ver
que a maioria de suas transações comerciais é feita sem dinheiro
efetivo, com base em cheques, letras, promissórias e outros ins-
trumentos comerciais que fazem o papel do dinheiro. À medida que a
produção e o comércio se desenvolvem com base no crédito entre em-
presas, o dinheiro perde sua função de meio circulante para se a-
firmar como meio de pagamento. Com a expansão do crédito ao consu-
midor, até mesmo a importância do dinheiro, como meio circulante
no comércio varejista, perde sua importância em favor de sua fun-
ção como meio de pagamento.
Nos países onde o sistema bancário é integrado, até as peque-
nas compras em supermercados, restaurantes, sapatarias etc são
feitas com cartões de crédito fornecidos pelos bancos aos seus
clientes. E cada um desses clientes pagará as mercadorias compra-
das, 60, 90 ou 120 dias depois da compra. Isto não quer dizer que
o dinheiro já perdeu sua função de meio circulante. Quando isto
acontecer, os sistemas de dominação já terão desaparecido.

5. O dinheiro é reserva de valor

Ao estudarmos a evolução da mercadoria, nós vimos que a pri-


meira forma da riqueza é constituída pelo excedente de produtos,
mantimentos, e instrumentos que as pessoas, que constituem a comu-
nidade, não podem consumir imediatamente, e são, assim, guardados
para o futuro. O comércio começa a se desenvolver com o aumento
desse excedente, pois os produtos que sobram, acabam servindo para
a troca. A melhor forma de guardar o excedente é em ouro e prata,
pois eles são metais úteis.
Mas, quando são guardados, o ouro e a prata viram TESOURO, e-
les se transformavam em RESERVA DE VALOR.
Quem poupa guarda dinheiro, ouro, jóias, ações, obrigações,
títulos etc. Quem usa o dinheiro como reserva de valor, deve ven-
der o mais possível e consumir o menos possível.
Quanto mais houver consumo de matérias-primas para a indústria
e menos consumo individual, mais a sociedade capitalista se enri-
quece. É este o segredo da poupança. E por isso mesmo é que a so-
ciedade capitalista é uma sociedade onde haverá sempre pobreza,
mesmo nos países desenvolvidos.
Como reserva de valor, o dinheiro deve ser retirado da circu-
lação, mas para que exista dinheiro para ser retirado da circula-
ção é necessário que continue a circulação de mercadorias. A pou-
pança não tem limites, ela é um processo interminável. Por isso é
que dizemos que como reserva de valor, o dinheiro dá origem à acu-
mulação. E o ciclo sem fim continua com outras formas: a necessi-
dade de acumular os cereais transforma os paióis em silos; a pro-
dução de silos cria outras tantas fábricas, os cereais acumulados
precisam ser moídos e assim são construídos novos moinhos. A ne-
cessidade de ter carne exige a acumulação de bovinos, a acumulação
de bovinos provoca a formação de rebanhos, o crescimento dos reba-
nhos faz aparecer as grandes fazendas de criação, os abatedouros
se transformam em frigoríficos e assim por diante.
Mas, a acumulação não é mais baseada nas pessoas que guardam
dinheiro enterrado no jardim, dentro do colchão, ela está ligada
aos bancos que utilizam o dinheiro poupado, para criar indústrias,
empresas comerciais, como veremos no capítulo seguinte, dedicado à
FORMAÇÃO DO CAPITAL.
SEGUNDA PARTE –- A FORMAÇÃO DO CAPITAL

A DECADÊNCIA DA SOCIEDADE FEUDAL NA EUROPA

1. A organização do domínio feudal

Se quisermos estudar a sociedade capitalista, temos que exami-


nar como ela aparece e se desenvolve na Europa; pois o capitalismo
chegou aos outros continentes através dos aventureiros e comerci-
antes ingleses, holandeses, espanhóis, portugueses e franceses.
Depois os colonos continuaram este movimento. Mas antes de estudar
seu desenvolvimento é preciso saber como ele aparece no interior
da sociedade feudal européia.
No centro do domínio feudal havia um castelo que era a casa do
senhor. Essa casa era uma verdadeira fortaleza, construída em um
lugar que facilitava sua defesa. Em volta do castelo, havia as
terras de plantio, onde cada família camponesa cuidava de um lote.
Mais longe ficavam os terrenos que todas as famílias do domínio
podiam usar, o pasto e a mata. Da mata, os camponeses só podiam
tirar lenha e frutas. Só o senhor e sua família podiam caçar e
pescar.
A mão-de-obra empregada nos domínios feudais era de vários ti-
pos:
O primeiro tipo era o servo doméstico, que morava e comia na
casa do senhor, como acontece ainda hoje com as empregadas domés-
ticas. Esses servos formavam um grupo de caseiros, inteiramente
submetidos à autoridade do proprietário do castelo. Em certos paí-
ses da América Latina, nas grandes fazendas de criação de gado ou
de plantação, quando o latifundiário mora na fazenda, se estabele-
ce uma relação social parecida. Existe nessas fazendas, uma cria-
dagem doméstica inteiramente submetida ao proprietário. Isto cria
a ilusão de que existem, no caso, relações de produção feudais,
embora a produção dessas fazendas seja determinada pelo mercado
capitalista. É um engano considerar estas situações como prova de
que o feudalismo é uma realidade social ainda presente no conti-
nente. Na realidade, estas relações sociais são restos caducos de
uma herança cultural, que continuam em vigor por causa do isola-
mento dessas unidades de produção, e por ser uma fonte de mão-de-
obra muito barata para os trabalhos da fazenda.
Mas voltemos ao servo doméstico que existia na Europa feudal.
Eles executavam as tarefas principais do domínio: preparação das
terras, plantação, colheita, moagem do trigo, fabricação de cerve-
ja e vinho, fiação do tecida caseiro de lã e de linho, forja de
ferro para utensílios e ferração dos cavalos. A partir do ano
1.000, com o desenvolvimento do comércio e da moeda, esta célula
doméstica estruturada em torno do trabalho do servo e da dominação
do senhor, começa a se desmantelar, pois o crescimento da popula-
ção rural obriga uma parte dos servos domésticos a deixar o caste-
lo.
Os que deixavam o domínio, às vezes conseguiam ir morar na pe-
riferia das cidades que começavam a nascer ou se desenvolver em
toda a Europa ocidental, pela ação dos comerciantes. Os primeiros
comerciantes foram quase sempre servos que conseguiram deixar o
castelo e que saíram pelo mundo, de feira em feira, de mercado em
mercado, fazendo serviço de intermediário, procurando vender o pe-
queno excedente que existia nas áreas rurais e que acabaram se es-
tabelecendo no BURGO como MERCADOR, ou seja, COMERCIANTE.
Uma parte considerável dos que deixavam a servidão da terra,
principalmente os que fugiam, viravam vagabundos e assaltantes que
existiam aos milhares na época. Por causa destes indivíduos que
vivem como ciganos, as estradas eram muito perigosas, principal-
mente para os mascates que deviam se deslocar sem parar, para ven-
der suas mercadorias.
Alguns dos servos que deixavam o castelo, conseguiam do senhor
um lote de terra para seu uso pessoal, onde construíam uma casa
para viver com suas famílias. Esses servos continuavam trabalhando
de graça para o senhor alguns dias por semana, mas podiam plantar
e criar pequenos animais e eram chamados MORADORES. O morador se
ligou logo às feiras e mercados dos povoados, que existiam pró-
ximos ao castelo, vendendo todo produto excedente, para comprar
outras mercadorias ou para juntar dinheiro.
É assim que o papel do dinheiro como reserva de valor aparece
na prática, pois o produto excedente não pode ser usado como re-
serva de valor por um tempo muito longo. Os animais têm que ser
abatidos para a venda, as plantas têm que ser colhidas, mas a moe-
da de prata, de ouro ou qualquer metal, pode ser guardada muito
tempo. A moeda era para o camponês a única reserva de valor segu-
ra. Foi assim que o capitalismo nascente começou a penetrar nos
domínios feudais e acabou provocando a sua decomposição. É claro
que as pessoas que viviam na época não viam isto, porque este pro-
cesso durou várias centenas de anos.
Quando começaram a aparecer as fazendas de tipo novo, criadas
pelos burgueses e pelos monges, esses moradores foram engajados
como assalariados agrícolas, e receberam seu salário em dinheiro.
Mas isto só aconteceu a partir do ano 1.200 e nos lugares onde ha-
via pouca mão-de-obra.
Outro tipo de servo da terra é aquele que explora um pedaço de
terra e deve uma parte de seu produto ao castelo como pagamento.
Este tipo de servo era obrigado também a fornecer um trabalho gra-
tuito nas épocas de colheita, quando havia muita necessidade de
mão-de-obra. É claro que os senhores feudais só utilizavam o tra-
balho assalariado dos camponesesde outros domínios, quando a mão-
de-obra local não era suficiente e as colheitas podiam se perder.
Com o crescimento do comércio, os moradores que conseguiam
juntar um pouco de dinheiro, acabavam comprando sua liberdade.
Muitos deles, mesmo tendo deixado de ser servos, continuavam como
agricultores. Mas como homens livres, eles podiam ser assalaria-
dos, ou colonos em outras terras, quando o movimento de coloniza-
ção começou a aparecer. Mesmo quando continuam como agricultores
livres, esses camponeses procuram ganhar um pouco de dinheiro,
trabalhando de encomenda para os comerciantes da cidade na fabri-
cação de tecidos, calçados etc. Outros acabam indo para os burgos,
onde terminam por constituir uma excelente reserva de mão-de-obra
que os comerciantes aprendem a usar. Foi assim que nasceu a MANU-
FATURA como veremos depois.

2. Conteúdo social do regime feudal

O domínio feudal é uma organização patriarcal. A população que


vivia nas terras em torno do castelo era considerada como parte
dos domínios do senhor, como um boi, ou uma besta; tinha que tra-
balhar para ele e lhe dever obediência. O senhor feudal tinha di-
reito de vida e de morte sobre os camponeses, considerados servos
da terra. Isto significa que eles nasceram para cultivar aquelas
terras e não podiam fazer outra coisa. O domínio feudal dá impres-
são de grande estabilidade, de uma sociedade que não muda, onde as
pessoas nasceram para cumprir uma tarefa e têm que levá-la até o
fim da vida. A liberdade está excluída do domínio, mas o senhor é
obrigado a proteger a sua gente em caso de guerra, pois vive do
seu trabalho.
O servo da terra era um miserável que trabalhava de sol a sol,
mas sua vida ainda era melhor que a dos primeiros operários, aque-
les que trabalhavam nas manufaturas e que fizeram a grande prospe-
ridade de países como a Inglaterra e a Holanda. Porque o comerci-
ante que empregava os operários na manufatura só queria ter lucro,
enquanto que a idéia mesmo de lucro não existia no domínio feudal.
O servo trabalhava para satisfazer as necessidades par-
ticulares do senhor feudal, produzindo roupas, comida, móveis, ob-
jetos de luxo.
Um nobre morando em um castelo perdido no meio do mato, só ti-
nha necessidade mesmo de um paiol cheio de grão que agüentasse bem
até a próxima colheita; de um estábulo com um número de vacas e de
cabras suficiente para produzir leite, queijo e manteiga para ele
e sua família; roupas boas; um castelo bem mobiliado e era tudo.
Jamais entraria na cabeça de um homem da antiga nobreza que ele
pudesse vender qualquer coisa produzida nas suas terras.
É preciso entender bem a natureza da sociedade feudal. Os an-
tigos domínios nunca foram unidades de produção de mercadorias. O
trabalho dos servos era destinado exclusivamente a atender o con-
sumo do castelo e o seu próprio. Por isso é que a vida do campo-
nês, nos antigos domínios, só começa a ser insuportável a partir
do ano 1.200, quando na Europa ocidental as relações de produção
do tipo capitalista penetram diretamente no campo.
O domínio produzia só para a população local. Como não havia
para quem vender, não havia necessidade de uma produção excedente
que se transformasse em mercadoria, além do mais as terras eram
exploradas de maneira tradicional. O imenso patrimônio imobiliário
dos senhores feudais produzia muito pouco. O que mantinha o servo
ligado à terra era a segurança de poder continuar vivendo, produ-
zindo um pouco e tendo uma família. Era o sentimento de segurança
que lhe dava a dominação do senhor. O fraco rendimento do trabalho
agrícola era compensado pela exploração coletiva do solo. O que
quer dizer que toda a terra do domínio era considerada de explora-
ção de todos. O gado pastava na terra disponível e quando um cam-
ponês ficava doente, todos contribuíam para o seu sustento e de
sua família.
Do ponto de vista social, os servos eram inteiramente submeti-
dos ao poder do senhor, não podiam se casar sem sua permissão e
tinham que dar dois ou três dias por semana de trabalho gratuito,
assim como uma parte de sua colheita.
Os servos não podiam ter moinho, por isso eram obrigados a mo-
er o trigo no moinho do castelo e tinham que deixar uma parte da
farinha para o senhor. A mesma coisa acontecia na fabricação da
cerveja, do vinho ou do azeite pois só havia as instalações do do-
mínio para fabricar esses produtos. Uma grande parte dos senhores
recebia para si o dízimo que era devido à Igreja. A vida nas ter-
ras da Igreja era organizada da mesma maneira, pois a sociedade
feudal européia tinha mais ou menos a mesma organização em toda
parte.

3. A decomposição do feudalismo começa na agricultura

Com o crescimento da população rural, uma parte dos habitantes


do campo é obrigada a deixar as terras, pois de acordo com as leis
feudais, só o filho mais velho herda a situação do pai. A situação
era pior para a pequena nobreza que geralmente tinha famílias mui-
to grandes. Esses filhos da pequena nobreza que emigram, se tornam
aventureiros e vão fornecer os militares para as guerras. São es-
ses nobres sem terra que vão partir para as grandes invasões da
Terra Santa, da Grécia, do sul da Itália, da Inglaterra.
Em geral, esses nobres entravam nos exércitos simplesmente pe-
lo gosto da aventura, mas muitos deles esperavam fazer fortuna e
morar nas cortes dos reis. É claro que tudo isso aconteceu, mas o
curso da história não foi desviado e o feudalismo continuou sendo
destruído pelo capitalismo.
Outros desses nobres alugavam seus serviços às cidades mais
importantes, como oficiais para comandar as tropas que os mercado-
res precisavam para sua defesa. Outros ainda ficavam nas estradas
cobrando pedágio aos comerciantes de passagem para as cidades e
feiras. Muitas vezes, quando havia resistência, matavam os merca-
dores, roubavam as mercadorias e se tornavam assaltantes, coman-
dando antigos camponeses que tinham fugido para escapar das perse-
guições de um senhor feudal.
O mesmo processo de mudança atingia os servos. Dos que eram
obrigados a deixar as terras, alguns se organizavam em torno dos
povoados e acabavam se tornando comerciantes. Como o excedente de
produtos que existia era pequeno, os burgos levaram muito tempo
para se desenvolver. Outros servos deslocados ficavam vagabundando
pelas estradas.
Mas, uma parte importante desses camponeses, que era a mão-de-
obra jovem e forte, vai iniciar o movimento de colonização das
terras, criando novas relações de produção no campo. Eles se tor-
nam homens livres, pois tendo sido expulsos de um domínio por ex-
cesso de população não tinham mais nenhuma ligação com os antigos
senhores.
Como havia terras da Igreja que não eram exploradas, esses co-
lonos as invadem criando núcleos que algumas vezes se transformam
em cidades. Nessas terras a servidão nunca chegou a ser conhecida.
A própria produção agrícola visava produzir um excedente comercia-
lizável, uma mercadoria.
Muitas vezes, um príncipe que possuía muitos domínios, ou um
bispo que também tinha grandes extensões de terra, resolviam colo-
nizar uma região e fundar uma cidade. Esse movimento de fundação
de cidades novas e colonização de terras, começou, quando o comér-
cio entre as várias regiões já existia.
Com isso, os príncipes recebiam uma taxa em pagamento pelo uso
da terra, embora essa terra continuasse ligada ao domínio. Não e-
ram só os agricultores que pagavam uma taxa. Os comerciantes e ar-
tesãos, que moravam na cidade nova, também pagavam ao senhor da
região na qual a cidade estava. Esse movimento dá origem também a
uma nova aristocracia, cujos interesses estão em contradição com
os interesses da velha nobreza feudal.
A nova aristocracia era centralizadora. Por meio de alianças e
casamentos, ela procurava aumentar suas terras e ter, sob o seu
domínio, pequenos domínios decadentes que acabavam sendo incorpo-
rados. Ao mesmo tempo ela procurava associar seus interesses aos
da aristocracia do dinheiro que começava a se formar nos burgos:
os banqueiros e os grandes comerciantes.
A sorte da população dessas cidades novas, cuja expansão maior
é entre os anos 1200 e 1300, também é incomparavelmente melhor do
que a dos servos da terra. Nas terras em volta da cidade nova, não
existe a servidão. Também não há obrigação de trabalho gratuito,
pois não há terras reservadas para o príncipe. Todas as terras são
cultivadas e cada camponês se dedica ao seu pedaço de terra. O que
significa que os camponeses livres se beneficiam de uma situação
nova, criada pela burguesia.
Mas o movimento de transformação econômica do meio rural não
consegue ir até as últimas conseqüências porque o poder político
da aristocracia rural procura impedir a generalização de relações
de produção capitalistas na agricultura. Em toda parte, a velha
nobreza feudal resiste a expansão da burguesia ou fica indiferente
às modificações que acontecem na sociedade e que atingem o mundo
rural.
A atitude da Igreja católica, também é parecida, mas muito
mais comprometida. Em geral, os bispos, baseando-se na autoridade
dos teólogos condenam a burguesia e sua sede de dinheiro, a usura
que os banqueiros praticam, a sede de lucro dos comerciantes. Mas
essa atitude da Igreja tradicional não era geral. Havia um clero,
aberto às modificações, que participou ativamente na implantação
de relações de produção não-feudais no campo, na Europa ocidental.
Em geral, os bispos e certos monges adotaram uma atitude con-
servadora em relação às modificações da agricultura. Os bispos,
porque a burguesia que governava as cidades contestava a sua auto-
ridade, os monges porque eram os administradores dos domínios da
Igreja, e comprometidos, portanto, com a ordem feudal.
Ao lado desta organização tradicional do mundo rural, alguns
monges começam a criar domínios agrícolas baseados exclusivamente
no trabalho livre de assalariados e colonos. Nas terras desses
mosteiros não havia servos, nem trabalho gratuito, pois o sistema
de exploração das terras também correspondia ao espírito da época.
Os monges também não eram contra a venda dos produtos agrícolas
que as cidades precisavam para se desenvolver.

4. O campo perde sua importância econômica, social e política

Atualmente, nos países industrializados, a cidade é mais im-


portante que o campo, ou seja, a cidade comanda a vida do campo.
Os trabalhadores agrícolas são obrigados a produzir aquilo que in-
teressa ao comércio.
Mas não era assim quando o capitalismo começou a aparecer. Na-
queles tempos, o campo era mais importante que as cidades. Primei-
ro, porque quase não havia cidades. Segundo, porque o centro polí-
tico importante em cada região era o castelo. Em torno do castelo,
havia os campos cultivados, as matas e alguns povoados, mas tudo
dependia da autoridade do senhor.
Quando as cidades cresceram, tiveram necessidade de produtos
agrícolas para poder existir, porque aí só moravam comerciantes e
artesãos, incapazes de produzir sua própria alimentação. Até en-
tão, os camponeses só produziam para as necessidades do domínio
feudal. Com o crescimento das cidades tiveram que produzir para o
comércio em quantidades cada vez maiores. Assim, a circulação de
dinheiro no campo também aumentou. Ao mesmo tempo, os pagamentos
das taxas e impostos devidos à Igreja e à nobreza começaram a ser
pagos em dinheiro, e o sistema de pagamento em produtos, do regime
feudal, começou a definhar.
Também a nobreza quis acompanhar a vida de consumo que o co-
mércio oferecia. Os nobres, que recebiam as taxas pelo uso das
terras como sempre, passaram a exigir dinheiro à medida que a moe-
da se afirmava como único meio de circulação. Como a rentabilidade
das terras dos domínios não aumentava, as taxas também não aumen-
tavam. Para poder manter as aparências, a maioria dos senhores
feudais se endividava, para se arruinar em seguida. Em certas re-
giões até 90% das famílias nobres desapareceram com a expansão do
capital comercial.
Assim, os proprietários dos grandes domínios, para poderem re-
sistir à crise do feudalismo, tiveram que se aliar à burguesia,
embora a forma política do regime tivesse permanecido. Para poder
continuar existindo, os nobres tiveram que aceitar a circulação de
moeda e receber suas taxas em dinheiro. Começa então um movimento
de grande importância social que é a supressão da servidão. Isto
era vantajoso para os donos de domínios pois a libertação tinha
que ser comprada com dinheiro. E além disso, o novo liberto tinha
que pagar em dinheiro as taxas de exploração de terra que antes
eram pagas em produtos. É claro que a servidão não terminou aí.
Como o que caracteriza a sociedade é seu desenvolvimento desigual,
havia dois movimentos opostos. Um que levava a reforçar ou a man-
ter a servidão e era conduzido pelas camadas mais conservadoras da
sociedade. Um outro, que levava à abolição da servidão, era condu-
zido pelo baixo clero, isto é, os padres dos povoados e das cida-
des, a burguesia e a aristocracia urbana, interessada em liquidar
o feudalismo e instituir o poder absoluto do príncipe. É claro que
os próprios servos não tinham nenhuma possibilidade de se manifes-
tar, a não ser pela revolta contra a miséria e os maus tratos. Às
vezes, essas revoltas, que tinham sempre um conteúdo religioso,
explodiam e contaminavam regiões inteiras. Como os bispos tinham
necessidade de manter sua autoridade, procuravam caracterizá-las
como heresias religiosas, o que provocava às vezes da parte de Ro-
ma e dos príncipes, repressões terríveis. O movimento camponês era
tão extenso e tão violento que houve até mesmo uma cruzada dirigi-
da contra eles no sul da França.
Mas a repressão só conseguiu generalizar o problema, e como os
religiosos eram sensíveis às perseguições e injustiças, foram os
padres que assumiram a liderança da luta dos camponeses em toda a
Europa, luta que só terminou com a criação das Igrejas reformadas
em quase todos os países da Europa ocidental.
Com a expansão das cidades e das relações comerciais, a grande
nobreza e a nova aristocracia de origem burguesa, passam a viver
da renda da terra e vão morar nas cidades. A decadência do sistema
de produção feudal é assim proporcional ao desenvolvimento do co-
mércio e ao crescimento das cidades e, nas regiões em que a bur-
guesia se impôs, o sistema de produção feudal entrou em decadên-
cia. A pequena nobreza foi desaparecendo aos poucos, e os grandes
aristocratas passaram a arrendar suas terras a camponeses ricos e
aos burgueses. Essas tendências se desenvolveram sobretudo em re-
giões da Itália, na Catalunha, na França, na Bélgica e Holanda, na
Alemanha do Norte e na Inglaterra. Nas regiões da Europa onde o
comércio e as cidades não se desenvolveram como a Rússia, o feuda-
lismo e a barbárie se conservaram até o final do século XIX.
A influência da burguesia se revelou também na divisão do tra-
balho entre as diversas regiões onde o comércio passou a ser a
principal atividade econômica. Antes de existirem mercados e fei-
ras, estradas e transportes de barco, cada região procurava produ-
zir todos os produtos agrícolas que fosse possível, pois a ameaça
da fome estava sempre presente. E como não havia comércio, ninguém
podia comprar em outras regiões o que faltasse. Com o comércio, os
camponeses passaram a fazer culturas adaptadas às condições da
terra e do clima. E uma parte importante da produção era realizada
para ser exportada, embora os mercados locais fossem mais impor-
tantes para os pequenos camponeses. De qualquer maneira, por maio-
res que tenham sido os progressos no campo, eles foram impostos
pelas cidades. Contudo a vida no campo continuou a ser marcada pe-
lo domínio político da aristocracia, situação que só vai desapare-
cer de fato quando a burguesia toma o poder político e realiza to-
das as mudanças que a sociedade exigia, inclusive a reforma agrá-
ria, para que o capitalismo pudesse se desenvolver plenamente. Mas
a revolução capitalista, que era necessária para que a burguesia
concluísse a destruição da velha ordem feudal, só vai acontecer
muito depois, em 1645, na Inglaterra, e em 1789, na França.
2

O PAPEL DO COMÉRCIO NO DESENVOLVIMENTO DO CAPITALISMO

1. O capitalismo europeu começa com os comerciantes

No começo, a atividade comercial é muito reduzida. Os campone-


ses que conseguiam um excedente procuravam vender sua produção na
feira ou no mercado dos povoados. Ao mesmo tempo, os comerciantes
italianos que conseguiam trazer do Oriente mercadorias de luxo,
que não existiam na Europa: tapetes, seda, perfumes, pimenta, açú-
car, só podiam vendê-las para a aristocracia. Como havia poucas
cidades importantes na Europa medieval, os comerciantes italianos
eram obrigados a fazer longas viagens, e levar também mercadorias
para vender no Oriente, por exemplo, escravos da Europa do Norte e
central. Aos poucos, camponeses e artesãos na Itália, França, Ho-
landa e Bélgica acabaram produzindo tecidos e outras mercadorias
encomendadas por esses comerciantes. E, como os grandes comer-
ciantes da época eram italianos, é na Itália exatamente que a ma-
nufatura e o artesanato vão começar a se desenvolver. Quando o co-
mércio se afirma como uma atividade independente, aparecem dois
tipos de comerciantes. O primeiro é o mascate, que percorre os po-
voados com um saco de mercadoria em cima de um jumento. O mascate
andava a pé atrás do seu animal e vendia sua mercadoria de casa em
casa e nas feiras e mercados de povoados. Nessas pequenas feiras e
mercados, o mascate comprava novas mercadorias para vender adiante
e nós podemos verificar que a atividade do mascate é uma circula-
ção simples de mercadoria, do tipo M1 ........D........M2, como vi-
mos no capítulo destinado ao estudo do dinheiro. Aí, o dinheiro
era apenas um meio circulante, que o mascate utilizava como media-
dor para conseguir novas mercadorias com as quais continuava a e-
xercer sua profissão. Mas a função do mascate não pára aí. Em uma
sociedade tão atrasada, é ele quem transmite as notícias de um po-
voado para outro, e por isso a sua função social é muito importan-
te. Com o desenvolvimento do comércio e o crescimento das cidades,
esse tipo de comerciante foi desaparecendo e em seu lugar aparece
o comerciante das cidades e dos povoados que tinha uma bodega per-
manente. O pequeno comércio se expandiu e os comerciantes acabaram
se reunindo em corporações, como os artesãos, e constituíram com
eles, o que se chama hoje em dia, a pequena burguesia, um grupo
social muito "menos rico que os grandes comerciantes que formavam
o governo das cidades. Com o tempo, certos elementos da pequena
burguesia também se tornaram grandes comerciantes. Isso podia a-
contecer, pois os monopólios das grandes fortunas, dos bancos e
das grandes indústrias, não existia como hoje.
Até o ano 1300, o grande comércio é feito entre as cidades im-
portantes da época, Florença, Gênova e Veneza, no sul da Europa;
Lyon, Paris, Bruges e Gand no norte. Nos pontos de parada, havia
as feiras, nas quais se encontravam mercadorias vindas de toda
parte. O grande comerciante partia da Itália em caravana com sua
mercadoria e ia vendendo nas feiras das regiões atravessadas. Os
caminhos comerciais não eram só os que ligavam a Itália ao norte
da Europa. Havia também os caminhos que partiam da Catalunha e do
sul da França, pois essas regiões tinham também um comércio inten-
so com o Oriente. A cidade de Barcelona já era na época um centro
importante de produção e de comércio.
As caravanas comerciais organizavam um pequeno exército de
guarda-costas que serviam também de carregadores, pois as estradas
eram infestadas de bandoleiros. Como os reis e grandes senhores
viram na cobrança de pedágio uma ótima fonte de renda, passaram a
proteger os comerciantes. Assim, o comércio entre as regiões e as
feiras cresceu muito. Certos senhores, como os condes da Champag-
ne, chegaram mesmo a criar feiras em suas terras, para as quais
vinham comerciantes de toda a Europa.
Quando os grandes comerciantes aumentaram suas fortunas, pre-
feriram se estabelecer em uma cidade determinada. Da cidade onde
estavam estabelecidos, enviavam suas caravanas conduzidas por pes-
soas de absoluta confiança para vender e comprar mercadorias. Em
cada cidade importante, abriam uma representação. Assim os italia-
nos tinham escritórios na Bélgica e na Alemanha. Ao mesmo tempo,
os alemães tinham representações nas principais cidades italianas.
Como o sistema feudal era um sistema baseado em organizações
fechadas, também os comerciantes adotaram o sistema de corporações
ou ligas. Tais associações profissionais de comerciantes destina-
das a criar um clima de segurança favorável à expansão dos negó-
cios, terminaram na realidade sendo um instrumento de controle de
mercados e de afastamento dos concorrentes. As principais corpora-
ções de comerciantes da época eram italianas e alemães. As italia-
nas controlavam praticamente o comércio da Europa com o Oriente e
os principais portos através dos quais as mercadorias do Oriente
podiam chegar à Europa. As corporações alemãs, que nasceram com a
criação da liga alemã de comerciantes, controlavam o comércio no
Mar do Norte. No século 14, a corporação alemã tinha representa-
ções e armazéns na Bélgica, na Rússia, na Inglaterra e na Itália.
As corporações de grandes comerciantes reuniam todas as casas
de comércio de uma região e tinham representações e armazéns nos
principais centros comerciais e nos portos. Muitas dessas casas
comerciais possuíam seus próprios navios, e sua atividade comerci-
al estava sempre ligada ao governo da cidade, dirigido pela bur-
guesia, à política dos príncipes e reis das regiões com as quais
faziam comércio. Como os príncipes e os reis tinham cada vez mais
necessidade de dinheiro para sustentar os gastos da sua corte, pa-
ra fazer a guerra, ou para lutar contra a nobreza feudal, que não
aceitava a monarquia, os grandes comerciantes eram obrigados a a-
poiar sua política, obtendo vantagens comerciais em troca de seu
apoio.
Os grandes comerciantes sabiam o que faziam. Desde o começo,
sua luta tinha sido contra o mundo feudal e eles aproveitavam a
aliança dos príncipes para conseguir favores para seu comércio,
como a isenção de impostos e taxas e a participação no governo co-
mo conselheiros e ministros. Foi assim que conseguiram leis que
protegiam o comércio e davam segurança e estabilidade à realização
dos negócios.
Em geral, os livros contam a história desses tempos do fim da
Idade Média como uma história de combates de cavaleiros, de tor-
neios, de caçadas, de bailes rococós. Pode ser que isso tenha a-
contecido, mas quem fazia a verdadeira história eram os burgueses,
pois toda mudança na Europa ocidental dependia dessa classe, como
hoje todo progresso depende da classe operária.
Os livros contam também que a política dos príncipes e dos
reis era uma política feudal. Isto também não é verdade, pois os
reis quanto mais dependiam dos burgueses, mais alinhavam sua polí-
tica ao progresso dos negócios. Por exemplo, o rei da França, Luís
XI, que morreu poucos anos antes da descoberta da América, é co-
nhecido nos livros pelas suas guerras e batalhas muito heróicas.
Na realidade, a luta de todo seu reinado foi para destruir os feu-
dais, atividade em que teve muitos sucessos. Ele é um verdadeiro
rei burguês, até pelo seu nascimento em Bourges, principal centro
do capitalismo francês da época.
O mesmo nós podemos dizer de Henrique VIII da Inglaterra que
nasceu na época das grandes descobertas marítimas da Espanha e de
Portugal e que é conhecido apenas por ter introduzido a religião
reformada em seu país. Na realidade, Henrique VIII foi um rei bur-
guês que fez tudo para favorecer a atividade dos comerciantes e
industriais ingleses. O seu zelo era tão grande que reprimia cam-
poneses e operários que se revoltavam contra as condições de vida
no campo e contra o trabalho das manufaturas. Os registros ofici-
ais dizem que ele conseguiu enforcar 72.000 trabalhadores durante
toda sua vida.

2. As principais atividades econômicas dos comerciantes

No começo da expansão comercial, os comerciantes iam às feiras


para trocar mercadorias. Por exemplo, os comerciantes belgas vi-
nham às feiras da Champagne, perto de Paris, trazendo tecidos de
linho e de lã, e rendas de bilro feitas nas manufaturas belgas por
antigos camponeses transformados em operários. Aí eles encontravam
os comerciantes italianos vindos de Florença, Gênova e Veneza, que
traziam mercadorias do Oriente. Como uma feira dessas durava bem 2
meses, tinha tempo de sobra para fazer os negócios que achassem
melhor. Depois de tudo ajustado e terminado, cada grupo partia pa-
ra outras feiras ou para as cidades de onde tinha vindo. Aí a mer-
cadoria podia embarcar em navios para outras terras, ser vendida
aos pequenos comerciantes, ou diretamente ao consumidor. Com o
tempo e o desenvolvimento do comércio, as coisas mudaram. Da mesma
maneira que o mascate acabou se transformando em bodegueiro, uma
parte dos grandes comerciantes se transformou em CORRETORES.

COMO É QUE ISSO ACONTECE?

Quando a população das cidades começou a crescer, o consumo


dessas cidades foi ficando mais importante, outras cidades nasciam
e se desenvolviam em volta delas. As grandes casas comerciais ita-
lianas e alemãs que tinham seus próprios navios podiam também en-
tregar suas mercadorias nos principais portos. Aos poucos, as fei-
ras, que eram famosas na Idade Média, foram perdendo sua importân-
cia. Não era preciso mais o encontro de comerciantes de várias re-
giões para que a circulação de mercadorias se fizesse. Os comer-
ciantes italianos e alemães, com seus navios, depósitos, escri-
tórios espalhados em todos os portos importantes da época, tinham
criado um comércio ampliado, um verdadeiro comércio internacional.
O papel desses CORRETORES era muito importante: faziam os con-
tactos entre comerciantes estrangeiros e comerciantes locais, ser-
vindo de intermediários e de intérpretes nos negócios e nas opera-
ções financeiras, tratando da hospedagem e do depósito das merca-
dorias.
Uma outra categoria de comerciante que surge com o fim das
feiras medievais é a dos CAMBISTAS, que veremos mais adiante,
quando estudarmos a origem dos bancos. Podemos adiantar que eles
eram os principais fornecedores de moedas, bastante experientes na
realização das principais operações bancárias e se dedicavam tam-
bém à exportação de ouro e de prata.

3. O papel social dos comerciantes

É preciso dizer logo de saída que os grandes comerciantes sem-


pre tiveram o papel dominante em todas as atividades ligadas à ci-
dade. Os pequenos comerciantes, mais ligados às corporações de ar-
tesãos, sempre foram dominados pela grande burguesia.
Em relação à classe dominante dessa época, a nobreza,, os
grandes comerciantes sempre tiveram duas atitudes que variavam com
o poder local dos nobres: o afrontamento ou o compromisso. Quando
os feudais locais eram fortes e decididos a conservar seus privi-
légios, a burguesia entrava em luta aberta, mas acabava se subme-
tendo. Mas no final de contas, as cidades sempre conseguiam uma
certa autonomia política, mesmo tendo que pagar taxas e prestar
juramentos de fidelidade ao senhor feudal. Na verdade o juramento
era puramente formal, e não impedia novos afrontamentos, cada vez
que a burguesia se sentia forte ou prejudicada pelos nobres.
Em algumas cidades onde a nobreza participava do governo, como
na Itália, a luta era violenta e terminava às vezes com o afasta-
mento dos nobres, por causa da própria decadência da economia feu-
dal. Na maior parte das vezes, é a própria nobreza que procura não
se misturar com os negócios e as atividades da burguesia que ela
considerava indignos da sua posição. Dependendo das regiões, a no-
breza procura, ao contrário, participar dos negócios. Transforma
parte de seu patrimônio em dinheiro e aplica um capital no comér-
cio e nas atividades bancárias. Isto acontecia na Itália onde a
nobreza sempre viveu nas cidades. É claro que nos países mais a-
trasados onde os feudais viviam em seus castelos, isso não aconte-
cia, pois os nobres viam os comerciantes como um bando de ciganos
que podiam maltratar e roubar quando não tinham guarda-costas bem
armados e decididos a enfrentar a cavalaria do domínio.
A nobreza das grandes cidades acabava aceitando a colaboração
que a burguesia propunha. Dessa colaboração é que nasceu a aristo-
cracia burguesa que abandonou os castelos feudais e fez construir
os magníficos palácios cheios de conforto e de luxo que ainda e-
xistem até hoje, na França e na Itália. É claro que havia outras
razões muito importantes para o abandono dos castelos feudais. Uma
delas é que a fuga dos servos deixou os castelos sem mão-de-obra.
Outra razão é que os castelos perderam inteiramente sua importân-
cia militar e política com o uso da pólvora e dos canhões.
A nova aristocracia que vive nas cidades, era então uma mistu-
ra de antigos feudais, de comerciantes ricos e de antigos funcio-
nários reais. O grande comerciante podia usar de algumas astúcias,
para passar a fazer parte da nobreza. Por meio de casamento, os
ricos entravam nas famílias da antiga nobreza feudal que tinham
empobrecido, e obtinham um título, mas continuavam a negociar e
podiam ocupar até os mais altos postos da administração, como con-
selheiros do rei, ou ministros. Uma outra maneira, e a mais comum,
era comprar as terras de uma família nobre completamente arruina-
da. Comprar terras era também um bom negócio para o comerciante
que podia explorá-las para produzir mercadorias. Quando essas ter-
ras estavam ligadas a um principado em expansão ou a um rei, o co-
merciante acabava comprando do rei os títulos de nobreza.
Com a generalização desse sistema, os grandes comerciantes
passaram a se vestir e a se comportar como a classe dominante, a
copiar suas maneiras e logo não havia mais diferença aparente en-
tre a grande burguesia e a nobreza das cidades. Até mesmo seus in-
teresses políticos passaram a ser os mesmos, o que afastou-a cada
vez mais da pequena burguesia e dos trabalhadores. Na realidade,
depois de ter conseguido o poder político nas cidades, os grandes
comerciantes dividiram esse poder político com a velha nobreza e
passaram a oprimir os outros habitantes: pequenos comerciantes,
artesãos e operários.

4. O papel político dos comerciantes

O governo das cidades era um privilégio dos grandes comercian-


tes que o usavam para se fortalecer politicamente. For isso, no
começo do crescimento das cidades, os nobres estiveram contra os
comerciantes e procuraram destruí-los, por meio da repressão. É
claro que isso não adiantou nada, o comércio continuou a se expan-
dir, os comerciantes fundaram novas cidades, viajaram por novas
terras, e acabaram fazendo reconhecer o seu poder político. Mas ao
mesmo tempo que os comerciantes eram os representantes de um mundo
novo dentro do velho mundo feudal, eles eram obrigados a aceitar a
existência do feudalismo nas cidades.
Os representantes do mundo feudal dentro da cidade eram os ar-
tesãos organizados em suas corporações de ofícios. As regras das
corporações de ofícios que davam a disciplina dos artesãos eram
uma representação fiel do mundo feudal. Rígidas e complicadas, ba-
seadas na moral, na transmissão do ofício de pai para filho e nos
ideais de pobreza da Igreja medieval. Os artesãos aceitavam essas
regras como a verdade eterna, mas os comerciantes tinham outras
regras e outra moral: fazer negócios e ganhar dinheiro. Na reali-
dade, os grandes comerciantes acabaram usando as regras das corpo-
rações para fazer os artesãos trabalharem para eles, produzindo de
encomenda para os mercados e as feiras. Como as regras das corpo-
rações de artesãos os impediam de comerciar, os comerciantes com-
pravam seus produtos e iam vendê-los nas feiras e mercados. Os ar-
tesãos resistiam, revoltando-se contra tais abusos, mas os merca-
dores acabavam criando as manufaturas, onde trabalhavam camponeses
que tinham abandonado os campos.
Em geral, na cidade o poder político estava nas mãos dos mag-
natas, que eram a aristocracia do dinheiro. Entre os comerciantes
ricos, havia quatro grupos diferentes de atividade:

• os IMPORTADORES possuíam navios, armazéns, nos principais


portos e escritórios nas cidades maiores. Era nessa categoria que
se recrutavam os principais dirigentes das cidades e alguns minis-
tros dos reis e dos príncipes.
• os CAMBISTAS, que deram origem aos banqueiros
• os COMERCIANTES DE TECIDOS que tinham grandes armazéns e
compravam panos de lã e de linho na Bélgica e seda e tapetes no
Oriente, para revender em toda a Europa
• os COMERCIANTES DE TEMPEROS E REMÉDIOS que importavam mel,
pimenta, canela, perfumes, incenso e outras drogas do Oriente. Sua
importância na comunidade era grande, pois eram os médicos da épo-
ca.

Em geral, esses burgueses ricos dominavam os pequenos burgue-


ses, o resto da população das cidades, porque além de terem o go-
verno nas mãos, dirigiam também os tribunais e podiam fazer a lei
em seu próprio benefício. O domínio político dos comerciantes ri-
cos tinha bases materiais muito concretas, o dinheiro. Eles tinham
dinheiro e emprestavam a juros altos, pedindo garantias excessi-
vas. Quando a pessoa que pedia empréstimos não podia pagar, toma-
vam pela força seus bens, pois os tribunais estavam do seu lado.
Os grandes comerciantes eram também proprietários das melhores ca-
sas da cidade e utilizavam seus imóveis para aumentar seus rendi-
mentos.
Em relação aos antigos camponeses que se tornaram operários,
sua dominação era mais forte, pois só os comerciantes podiam lhes
dar trabalho. Nós já vimos que o artesanato era uma atividade he-
reditária, que se transmitia de pai para filho, rigidamente enqua-
drada pelas corporações e proibida para os antigos camponeses. Co-
mo o comerciante vendia sua mercadoria para ter um lucro, ele pro-
curava pagar ao seu operário o menor salário possível e impor uma
disciplina rígida. O operário não pertencia a nenhuma corporação,
ele não tinha nenhuma possibilidade de se defender, estava entre-
gue de pés e mãos atados à grande burguesia. E, para o grande co-
merciante, possuir muitos operários era uma maneira de aumentar o
próprio poder político diante dos outros comerciantes.
A ação política dos comerciantes na cidade era direta pois e-
les moravam aí e tinham que dirigi-las de uma maneira ou de outra.
Em relação ao campo, sua ação política aparece indiretamente atra-
vés de uma ação econômica paciente, determinada e demorada contra
o sistema econômico do feudalismo.
A ação dos comerciantes contra a servidão tinha razões econô-
micas muito fortes, pois sua abolição enfraquecia os feudais.
Sem mão-de-obra servil, os domínios entravam em decadência e
tinham que ser vendidos e assim os comerciantes podiam comprar as
terras dos nobres. Mas a importância maior da sua ação contra a
servidão é que com a libertação dos servos e sua ida para as cida-
des, os comerciantes podiam dispor de uma reserva de mão-de-obra
abundante e barata para suas manufaturas.
A compra das terras também tinha um objetivo ligado diretamen-
te à produção de mercadorias, o fornecimento de matérias-primas
para as manufaturas. Por isso, em certas regiões, a produção de
trigo foi substituída inteiramente pela criação de carneiros, que
forneciam lã para as fábricas, ou também por culturas de linho e
de plantas usadas na coloração de tecidos, deixando inteiramente
de lado o cultivo de produtos alimentícios. Ao mesmo tempo, nos
novos domínios, a servidão foi substituída por uma exploração vio-
lenta dos assalariados agrícolas, para que a agricultura pudesse
dar os resultados econômicos desejados. Em toda parte na Europa
ocidental, se desenvolve ao lado da servidão um regime de assala-
riados miseráveis que davam grandes lucros à agricultura capita-
lista.
Junto aos reis e príncipes, seu papel político é importante e
se exerce no começo como banqueiros, financistas e conselheiros
econômicos. Por detrás de todas as grandes campanhas militares da
época, estavam sempre os grandes comerciantes, pois essas campa-
nhas exigiam a mobilização de grandes quantidades de dinheiro, pa-
ra a construção de navios, a compra de alimentos e armas, e o pa-
gamento do soldo dos militares engajados.

5. A organização dos mercados e das feiras

Os lugares onde os comerciantes se reuniam para trocar suas


mercadorias eram os mercados, que se abriam uma vez por semana, e
as feiras que eram anuais e chegavam a durar dois meses. Para se
reunir no mercado, os comerciantes pagavam uma taxa à cidade. Para
se reunir nas feiras, os comerciantes pagavam uma taxa ao príncipe
da região.
Nas regiões rurais, havia pequenos mercados que se realizavam
nos povoados, onde os camponeses traziam os seus produtos e onde
os pequenos comerciantes apareciam também, para vender suas merca-
dorias e comprar outras para revender nas cidades. Quando a produ-
ção agrícola aumentou, os mercados rurais forneciam grandes quan-
tidades de trigo, vinho e gado, que eram vendidas para a alimenta-
ção das cidades, e de lã para as manufaturas.
As grandes feiras se realizavam no início na Inglaterra, na
Bélgica, na França e na Espanha. Mas, com a expansão do comércio,
Florença, Gênova e Veneza se tornaram as sedes do grande comércio
internacional da época.
Quando os turcos tomaram os portos do Oriente no século 15 e
dominaram o mar Mediterrâneo, essas cidades começaram a empobre-
cer, pois seus navios não podiam mais ir buscar mercadorias. Com
isso as feiras de França, também começaram a se esvaziar. Em se-
guida, com a descoberta da América em 1492, o comércio internacio-
nal muda para a Inglaterra e a Holanda, que passam à frente das
outras nações.
3

BANCOS E BANQUEIROS DA IDADE MÉDIA ATÉ A COLONIZAÇÃO DA AMÉRICA

1. No começo, os banqueiros eram comerciantes de ouro e agiotas

Os banqueiros aparecem como uma categoria de comerciantes à


parte com os cambistas italianos, vindos de Lombardia para as fei-
ras da Champagne. Logo, esses lombardos abriram escritórios nas
principais cidades da Itália, da França e da Inglaterra, e se tor-
naram banqueiros dos condes de Champagne e dos reis da França.
Mas a verdadeira atividade de banco, separada das outras ati-
vidades comerciais, começa com a Ordem dos Templários, criada em
Jerusalém, no ano 1128, com a finalidade de proteger os peregrinos
que vinham da Europa visitar a Terra Santa. A casa da Ordem ficava
ao lado das ruínas do templo de Salomão, daí o nome de Templários
que eles passaram a usar. Nas lutas das cruzadas contra os mu-
çulmanos, os Templários conseguiram importantes tesouros que au-
mentaram suas riquezas. Quando o rei Afonso de Navarra e Aragão
morreu, deixou suas terras como herança para os Templários, o que
fez crescer o seu poder político.
Em seguida, na França, Inglaterra, Alemanha, Itália, Hungria e
outros países, foram criadas legações da Ordem que se dedicavam a
operações bancárias por conta de príncipes, reis, bispos e comer-
ciantes; mas suas casas principais estavam em Londres e Paris. No
momento de seu maior desenvolvimento, os Templários tinham 9.000
legações em toda a Europa, todas tendo como atividade principal as
operações bancárias. Os Templários foram os principais financiado-
res das cruzadas, e todos os reis da época dependiam de seu di-
nheiro para realizar obras públicas e também as guerras constantes
em que estavam metidos.
Com a expansão do comércio, que se deu no fim da Idade Média,
as feiras eram quase um comércio permanente. Pois além de durarem
meses, quando acabava uma, começava outra. Os comerciantes que
participavam das feiras tinham, por isso, grande necessidade de
moeda para a circulação de mercadorias.
Por isso, nessas feiras se desenvolve um comércio paralelo, o
dos cambistas. Esses CAMBISTAS eram geralmente comerciantes de ou-
ro e prata que, nas feiras, prestavam um serviço útil, pois, na-
quele tempo, não havia duas ou três moedas importantes, que todo
mundo conhece e que se troca facilmente, ou uma moeda nacional,
que seria a única a circular em um país determinado. Cada região
estava sob a autoridade de um príncipe, que vivia em guerra com os
outros vizinhos, com medo de ser destruído. E cada cidade era como
se fosse uma ilha capitalista cercada de feudalismo por todos os
lados. Algumas cidades, como Florença, Veneza, Gênova, eram verda-
deiras repúblicas burguesas. Assim sendo, cada príncipe, por menor
que fosse seu território tinha sua moeda, a mesma coisa faziam os
bispos e os abades. As cidades também tinham a sua, e a confusão
seria grande, nas feiras, se não existissem os cambistas.
O papel do cambista era, pois, o de pesar moedas, comparar seu
teor de metal e avaliá-las em relação à moeda corrente na feira
que estivesse sendo realizada. Este comércio foi muito próspero
até o fim da Idade Média, quando os reis começaram a liquidar o
feudalismo e impor o governo centralizado da monarquia absoluta.
Nesse momento desapareceram as moedas regionais, substituídas por
moedas nacionais. As próprias feiras começaram a desaparecer, ou
perderam toda importância real quando os reis conseguiram criar
verdadeiras nações na Europa.
Com a destruição da Ordem do Templo, o papel de grandes ban-
queiros da Europa foi assumido pelos florentinos. O poderio dos
banqueiros florentinos via do fato que eles eram os banqueiros do
rei da Inglaterra e do rei de Nápoles. Com o passar do tempo, os
bancos de Florença se tornaram também banqueiros oficiais do Papa
e seu poder cresceu ainda mais, se prolongando até depois da des-
coberta da América.

2. Posição da Igreja frente aos agiotas

Quando apareceram os primeiros capitalistas, fazendo trabalho


de mascate ou de agiota, a Igreja ficou contra a burguesia na teo-
ria e na prática. Na teoria, os teólogos condenaram as atividades
dos comerciantes, o lucro e a agiotagem enquanto puderam.
O direito canônico do século 12 era muito claro quando afirma-
va: "O comerciante não pode ser agradável a Deus". Os documentos
eclesiásticos da época que dão a lista das atividades que a Igreja
considera ilícitas, desonestas e proibidas, incluem o comércio em
lugar de destaque. O Papa São Leão, o Grande, que já conhecia a
atividade dos comerciantes em Roma, dizia deles: "É difícil não
pecar quando se tem a profissão de comerciante". São Tomás de A-
quino, que viveu no século 13, nas épocas de grande expansão do
comércio e de atividade dos bancos, dizia que "o comércio carrega
consigo a maldade".
Podemos dizer que a Igreja condenava a sede de lucro que ca-
racteriza o capitalismo, inteiramente contrária à moral do cristi-
anismo primitivo, aos seus ideais de fraternidade e de igualdade.
É claro que a profissão do comerciante e do banqueiro levam
essa gente a cometer certas ações condenadas pelos ensinamentos do
Cristo. Mas, na realidade, a atitude dos teólogos foi mudando com
a transformação da sociedade. Podemos dizer que a Igreja se adap-
tou à vida na sociedade capitalista.
Os primeiros a entender que o mundo feudal estava desaparecen-
do, foram exatamente os cristãos da Igreja reformada. O que talvez
tenha dificultado a compreensão da mudança, é que um modo de pro-
dução novo e as relações sociais novas que ele produz, nascem den-
tro de uma formação social global misturada com os modos de produ-
ção e as relações sociais antigas herdadas pela sociedade. As mo-
dificações são lentas e difíceis de perceber. Mesmo as pessoas que
admitem as mudanças, imaginam que elas acontecem de repente, como
por milagre. Na verdade uma sociedade está em mudança o tempo to-
do. Só em determinados momentos é que acontece uma mudança violen-
ta.

O papel dessa violência é libertar as forças sociais, libertar


o homem de certos preconceitos que prejudicam o desenvolvimento de
toda a sociedade.

Nesse momento, as pequenas mudanças diárias que tinham se acu-


mulado durante séculos se generalizam, são aceitas por todo mundo.
Podemos dizer que, nesse momento, os velhos valores culturais são
varridos das mentes das pessoas, começa então uma época nova em
que o desenvolvimento social se acelera, até que a sociedade caia
outra vez no conservadorismo para que uma nova revolução venha sa-
cudi-la e assim por diante.
Geralmente os livros dão uma idéia de que o capitalismo come-
çou no mundo com a revolução francesa, em 1789. Mas nós estamos
vendo que o modo de produção capitalista começa a se generalizar
na Europa desde os anos 1200. Em 1492, a burguesia européia desco-
bre a América e começa uma revolução comercial que termina com a
conquista da África, da Ásia e da América. Em 1645, os capitalis-
tas ingleses fazem a primeira revolução burguesa e transformam a
Inglaterra em uma potência econômica e política. O que acontece de
fato, por volta de 1760, é uma revolução técnica na Inglaterra,
que vai provocar o desaparecimento das manufaturas e a expansão da
grande indústria. O que aconteceu na França em 1789, foi a liqui-
dação de uma classe, a nobreza que não tinha mais nada de feudal,
mas continuava governando com leis herdadas da sociedade feudal.
Na prática, a Igreja tentou lutar contra o capitalismo, muitas
vezes, usando as próprias armas do capital. Entre essas experiên-
cias vale a pena comentar o aparecimento do "Montepio", do qual
ainda se ouve falar hoje em dia.
Revoltados contra a exploração dos agiotas e banqueiros contra
o povo, os monges franciscanos fundaram em 1428, o primeiro "Mon-
tepio". Como a primeira experiência foi um sucesso, outros foram
fundados na Itália. Estas experiências serviram para dar aos fran-
ciscanos as primeiras lições de capitalismo prático que eles pre-
cisavam. Esses promotores viram que era impossível manter um banco
funcionando com um capital reduzido. O funcionamento de uma insti-
tuição com pagamento e recebimento, transporte de dinheiro, manu-
tenção da escrita, exigia um corpo de empregados especializados,
recebendo salário, gastando material de escritório, viajando
etc... Os monges sabiam que os dons das pessoas caridosas e os pe-
quenos depósitos não podiam manter os "Montepios" funcionando. Vi-
ram logo que era uma ilusão não cobrar juros e perceberam que o
juro é que permite ao banco crescer e expandir seus negócios. Os
franciscanos tiveram assim que aceitar a idéia de que era legítimo
cobrar juros.
Em 1493, foi o capítulo geral da ordem que aprovou a prática
do empréstimo de dinheiro e cobrança de juros. E em 1515, o conci-
lio de Latrão oficializou os "Montepios". Da Itália, os Montepios
se espalharam para a Bélgica e a França, tendo ganhado depois o
mundo inteiro.

3. A descoberta da América provoca uma revolução comercial na Europa

Com a descoberta da América, houve uma verdadeira REVOLUÇÃO


COMERCIAL. Os bancos mudaram completamente, deixaram de ser um
simples comércio de moedas, para ser um centro promotor de inves-
timentos. O primeiro banqueiro por meio do qual o banco começa a
desempenhar funções parecidas com as que tem hoje, foi um francês
chamado Jacques Coeur. Esse banqueiro nasceu na cidade de Bourges
onde viveu durante a primeira metade do século 15. Além de ban-
queiro ele foi um grande comerciante e um dos primeiros promotores
da indústria na França. Suas atividades muito variadas, iam dos
grandes empréstimos, ao financiamento da importação, à compra e à
exploração de terras e aos investimentos industriais. Na indús-
tria, possuía manufaturas de lã, de linho e de seda, fábricas de
papel e minas de cobre e chumbo. Mas suas atividades não paravam
aí, pois era tesoureiro do rei, diretor da casa da moeda, conse-
lheiro econômico e financeiro do governo e imaginou o sistema de
orçamento que todos os governos do mundo usam hoje em dia.
Com a descoberta da América, os bancos começam a ter um papel
econômico e social dominante, que antes era dos comerciantes. Nes-
sa época, os cristãos já estavam divididos em duas Igrejas separa-
das. De um lado, estavam os católicos, que obedeciam à orientação
do Santo Padre, e de outro lado, estava a Igreja reformada.
Em geral, os livros procuram dar a idéia de que a Igreja re-
formada era um instrumento do capitalismo e de que a Igreja cató-
lica continuou sendo um instrumento do feudalismo. Isso está muito
longe da verdade. Primeiro porque na Europa ocidental o feudalismo
já tinha sido batido e não tinha mais bases econômicas para poder
ter iniciativas que promovessem o desenvolvimento. Em seguida, a
descoberta da América e a colonização internacional, que começou
com essa descoberta, não têm nada a ver com os feudais, nem com a
velha aristocracia que ainda continuava governando. O comércio in-
ternacional e a colonização é uma iniciativa dos grandes comerci-
antes e dos banqueiros. A colonização da América e principalmente
a exploração do ouro e da prata no México, Peru e Bolívia; a ex-
ploração de madeira e essências no Caribe e no Brasil; o comércio
de escravos; o comércio marítimo com a China, a índia e o Japão;
são atividades exclusivas de um capitalismo em plena expansão.
Nesta expansão da civilização européia no mundo, católicos e
protestantes tiveram parte igual. Não só os colonos eram católicos
ou protestantes, os grandes comerciantes e os grandes banqueiros
também estavam de um lado ou de outro.
No caso, o melhor exemplo é dado pelos Fugger, banqueiros do
Império austríaco, da Espanha e do Papa e que, durante 200 anos,
dominaram a economia da Europa. Participaram ativamente de todas
as lutas que os governos da Áustria e da Espanha mantiveram contra
a Igreja reformada. Durante todo esse tempo, foram os banqueiros
mais importantes da Europa, suas atividades tomavam a Europa in-
teira e a América espanhola.
Os Fugger começaram suas atividades como servos libertos que
trabalhavam como tecelões independentes na cidade de Augsburgo
desde 1368. Da tecelagem, passaram ao comércio e fizeram fortuna
comprando mercadorias em Veneza, para revender na Alemanha, na Di-
namarca e na Holanda. Em seguida, aumentaram suas atividades e sua
fortuna, comprando metais nas minas da Hungria, para fornecer às
fundições da Europa ocidental. O fato é que cem anos depois de co-
meçar suas atividades comerciais em 1473, eram banqueiros do impe-
rador da Alemanha, Frederico III. Vinte anos depois, abriam uma
agência bancária em Roma e se tornavam um dos principais banquei-
ros do Papa. Em 1519, conseguem nomear Carlos V como imperador da
Alemanha e Áustria, rei da Espanha, da Bélgica e da Holanda, con-
tra Francisco I da França que era o rei mais poderoso da época. A
colaboração dos Fugger com os reis católicos e o Papa continuou
sempre. Depois da morte de Carlos V, financiaram as guerras de Fe-
lipe II da Espanha, filho de Carlos V, contra os Turcos e também
contra a Igreja reformada.
Como prêmio por uma participação política direta, esses ban-
queiros receberam muitos favores, e o principal deles foi a admi-
nistração dos bens das ordens de Santiago, de Calavatra e de Al-
cântara, das quais o rei de Espanha era grão-mestre, ordens imen-
samente ricas que tinham, como bens, minas de mercúrio e de prata
na Ásia. Os Fugger receberam também como dom os territórios que
constituem hoje a Venezuela.
Essa família não foi o único banqueiro de importância na Euro-
pa dessa época. Outros banqueiros alemães também tiveram importân-
cia. Os Welser, banqueiros da casa da Índia, de Lisboa, que con-
trolaram durante mais de 100 anos o comércio da Europa com a Amé-
rica, a África e a Ásia. Os Tucker, que financiaram as expedições
da Inglaterra ao novo mundo.
A grande capacidade desses banqueiros foi a de entender as mu-
danças econômicas e políticas que estavam acontecendo nesse tempo.
Eles viram que, com a grande expansão do comércio e a importação
de ouro e de prata, os negócios tinham necessidade de bancos muito
fortes e com agências em todas as praças importantes.
Como havia muito dinheiro espalhado na Europa também entre os
artesãos e pequenos comerciantes, os banqueiros alemães inventaram
o sistema que hoje conhecemos com o nome de depósitos populares e
criaram uma retribuição para esse pequenos depósitos, um juro fixo
pagável ao ano, como faz a Caixa Econômica. Com o aumento dos re-
cursos, esses bancos puderam emprestar aos investidores um dinhei-
ro mais barato e em maiores quantidades, o que provocou expansão
dos negócios em toda parte onde operavam.
Com a descoberta do caminho por mar, em direção da América, da
Ásia e da África, as cidades italianas e do sul da França entram
em decadência. O comércio se desloca para a Bélgica, a Holanda e a
Inglaterra. É assim que em 1531 é fundada, na cidade belga de An-
tuérpia, a Bolsa de mercadorias e o mercado de capitais que são os
primeiros aparecidos no mundo.
Com a expansão do comércio internacional, Antuérpia fica sendo
o grande entreposto comercial da Europa. De Antuérpia saíam para
Lisboa e Cadiz, a maior parte das mercadorias produzidas nas manu-
faturas belgas, holandesas e alemãs, para depois serem enviadas
para as colônias.
Por outro lado, a maior parte do ouro coletado pelos espanhóis
no Peru e no México e pelos portugueses nas costas africanas aca-
bava em Antuérpia, de onde era redistribuído por toda a Europa. A
mesma coisa acontecia com a prata boliviana cujas minas descober-
tas em 1545, chegaram a produzir até 300.000 quilos por ano.
A acumulação de tão grandes quantidades de ouro e de prata,
provocou uma verdadeira REVOLUÇÃO FINANCEIRA na Europa. Para come-
çar houve a INFLAÇÃO, com os preços das mercadorias aumentando de
três a quatro vezes em poucos anos. A especulação tomou conta de
todos os mercados europeus. Foi em Antuérpia também que, na mesma
época, se inventaram as companhias de seguro, destinadas a garan-
tir as mercadorias transportadas pelos armadores espanhóis, portu-
gueses e ingleses. Nessa mesma cidade belga apareceram em 1565 as
primeiras loterias, o que foi um motivo a mais de especulação.
A partir de 1575, a praça de Antuérpia entra em crise e a ci-
dade holandesa de Amsterdam toma seu lugar como principal centro
comercial da Europa. Durante os séculos 17 e 18, a praça de Ams-
terdam é o mais importante mercado financeiro e monetário do mun-
do.
Com o excesso de ouro e prata trazidos da América, da África e
da Ásia, pelos navios espanhóis e portugueses e despejados na Eu-
ropa ocidental, a anarquia monetária no continente cresceu muito,
pois os bancos que existiam eram bancos particulares e em caso de
falência de um deles, nenhum governo assumia a responsabilidade.
Com a finalidade de evitar esses problemas, foi criado em
1609, na cidade de Amsterdam, um banco público, o banco de Amster-
dam, que pertencia à cidade e era dirigido por quatro funcionários
públicos, eleitos todo ano. Os depósitos e empréstimos eram garan-
tidos pela cidade. Tendo começado como banco de depósitos dos co-
merciantes holandeses, ficou sendo o banco de todos os grandes ca-
pitalistas da Europa ocidental. E porque só trabalhava com moedas
metálicas, ele se tornou logo o maior comerciante de metais pre-
ciosos da Europa. Isto aconteceu, de um lado, porque a Holanda era
então o centro do capitalismo em expansão. De outro lado, porque
os governos da Espanha, Portugal e França, querendo controlar as
atividades econômicas da burguesia só faziam provocar exportações
maciças de ouro e prata para a Holanda que iam parar nos cofres do
banco de Amsterdam.
Foi também na Holanda que se criou A SOCIEDADE ANÔNIMA isto é,
a companhia por ações. Os bancos, as empresas comerciais e as ma-
nufaturas já existiam desde a Idade Média, mas os títulos dessas
empresas, chamados quotas, não podiam ser negociados pois perten-
ciam a uma pessoa ou uma família. Os holandeses inventaram então o
sistema do capital parcelado, com ações vendidas na bolsa de Ams-
terdam.
Este foi um passo importante na linha do desenvolvimento capi-
talista, pois as pessoas ao comprar ações aumentavam o capital das
empresas. Um outro passo importante foi dado pelo Banco de Veneza,
fundado em 1587, um banco público como os que foram fundados na
mesma época em Amsterdam, em Hamburgo e em Nuremberg. Mas a grande
importância do banco de Veneza foi ter lançado e vulgarizado o di-
nheiro de papel, as notas de banco que conhecemos hoje. Essa medi-
da destinada a favorecer a circulação foi um instrumento fundamen-
tal da expansão do capitalismo europeu no mundo.
4

O APARECIMENTO DA INDÚSTRIA NA EUROPA

1. O começo das manufaturas

Quando falamos da indústria nos seus começos, não devemos ima-


ginar fábricas como as que existem hoje, nem pequenas oficinas de
artesãos.
O começo da indústria, são as manufaturas criadas pelos comer-
ciantes com mão-de-obra assalariada. Em geral, os artesãos ficaram
contra o desenvolvimento da indústria e suas corporações defende-
ram até o fim, a ordem feudal contra a subversão capitalista.
A divisão do trabalho que existia na Idade Média entre as di-
versas cidades, acabou promovendo a expansão das manufaturas. Como
os comerciantes franceses, alemães e italianos compravam rendas e
tecidos de linho produzidos nas cidades belgas, essas cidades aca-
baram trazendo mais gente do campo para trabalhar, aumentaram seus
barracões, mandaram fazer mais teares, e assim a indústria de te-
cidos da Bélgica foi crescendo. O mesmo aconteceu com a fabricação
de aço da Espanha que cresceu e se ampliou para alimentar o comér-
cio das feiras européias. Assim é que se desenvolveram por toda a
Europa ocidental as manufaturas, ramos de produção que escapavam
inteiramente do sistema corporativo.
A grande expansão das manufaturas na Itália e na Bélgica foi
baseada no desenvolvimento do comércio que ligava as cidades da
Europa ocidental ao Oriente Médio e ao Extremo Oriente, e era um
verdadeiro comércio internacional. Mas havia também manufaturas
que produziam só para o mercado interno, na Inglaterra e na Fran-
ça. Isto significa que, no começo, as manufaturas inglesas e fran-
cesas produziam só para vender nas feiras e mercados de seus ter-
ritórios.
Vemos assim que há também três condições sociais importantes
para que as manufaturas possam se desenvolver:

1) A concentração de população nos burgos e nas regiões rurais


em torno desses burgos. A concentração de população é necessária,
de um lado, porque as manufaturas precisam de mão-de-obra e, de
outro lado, porque a produção das manufaturas precisa de comprado-
res.
2) Uma certa quantidade de capital acumulado nas mãos dos co-
merciantes, para que eles pudessem investir em materiais, equipa-
mentos e pagamento de salários.
3) A realização de um trabalho que não estivesse debaixo do
controle das corporações de artesãos. Esse trabalho foi a tecela-
gem, que os camponeses praticavam em suas casas, como única manei-
ra de ter roupa para vestir e que foi a principal atividade das
manufaturas durante muito tempo.

O crescimento da população das cidades fazia aumentar o consu-


mo de tecidos. A circulação de dinheiro também aumentara por causa
do crescimento do comércio. Cresceu assim o trabalho dos tecelões
assalariados, cuja produção era necessária para satisfazer o cres-
cimento da procura no mercado interno, e nas feiras. É claro que
os camponeses continuaram fabricando tecidos em seus teares casei-
ros, mas logo a produção das manufaturas se tornou a mais impor-
tante.
O que facilitou o desenvolvimento da tecelagem foi, em primei-
ro lugar, o fato de que era um trabalho que não exigia nenhuma
qualificação particular, que podia ser feito por qualquer camponês
atrasado. Em segundo lugar, a tecelagem incorpora uma quantidade
de outros trabalhos, sem os quais não pode se completar. Assim,
esta atividade que começou nas casas dos camponeses, como um tra-
balho auxiliar, ganhou os povoados e acabou chegando às cidades,
onde fez nascer a indústria.
O desenvolvimento do capitalismo das manufaturas está ligado
também ao aumento da mendicância, pois uma parte dos antigos ser-
vos expulsos da terra não encontrava trabalho. Os escritores da
época contam que só na Escócia, que é um pequeno país no Norte da
Inglaterra, existiam no ano de 1698, duzentos mil pobres sem eira
nem beira, vagando pelas estradas. Muitos desses pobres eram enga-
jados pelas manufaturas. Foi essa mão-de-obra barata, que só ga-
nhava para comer e vivia como bicho, que permitiu que o capitalis-
mo se expandisse. Como a exploração dessa mão-de-obra era muito
brutal, logo o capital se acumulou.
A manufatura provocou também uma mudança importante nas rela-
ções de trabalho. Nas antigas corporações de artesões, havia uma
relação paternalista, de tipo patriarcal, do mestre artesão em re-
lação aos profissionais e aprendizes que trabalhavam com ele, for-
mando uma fraternidade de ajuda mútua. Na manufatura, essas rela-
ções foram substituídas por relações impessoais. O patrão da manu-
fatura pagava o salário e exigia um trabalho que o trabalhador te-
ria que cumprir se não quisesse ser punido e piorar sua sorte. Ao
lado desses comerciantes, que criavam as manufaturas, apareciam
também artesãos que abandonavam o sistema das corporações para se
tornar capitalistas.
De qualquer forma, o que importa é saber que com as manufatu-
ras, se impõe o trabalho livre, o TRABALHO ASSALARIADO, que é a
base da valorização do capital.
É claro que a manufatura, para se desenvolver, dependia daque-
les que tinham conseguido acumular capital: o comerciante e o agi-
ota em cujas mãos estava concentrado o dinheiro da sociedade.
Quando as manufaturas se desenvolvem, e com elas o comércio e a
produção agrícola, animam a atividade econômica das cidades, pagam
a renda ao nobre que aluga suas terras, os salários aos operários,
os impostos e as taxas ao príncipe. Sem esses capitalistas, a so-
ciedade européia do fim da Idade Média entraria em colapso. Eles
são as figuras mais importantes e por isso mesmo, guardam para si
a parte mais importante da riqueza produzida.
Mas a mentalidade do comerciante estava muito ligada à do agi-
ota. Por isso é que o crescimento da economia era lento nesse tem-
po. Os capitalistas da época, em vez de investir, ampliando o nú-
mero de instrumentos e de operários assalariados de suas manufatu-
ras, preferiam continuar com a mesma produção e guardar o dinheiro
conseguido com a venda de suas mercadorias, em cofres. E por isso
a acumulação de capital era muito lenta. Os capitalistas preferiam
ter um tesouro do que investir. Havia muita acumulação de reservas
de valor e pouca acumulação de capital. Mas isso não impedia que
toda a riqueza viesse de novo parar em suas mãos. De um lado, os
agiotas cobravam juros pelos empréstimos que faziam aos príncipes,
à Igreja, aos nobres e à pequena burguesia. De outro lado, todo o
comércio era monopolizado por eles.
Como as leis da sociedade européia dessa época continuavam
sendo feudais, impediam o dinheiro capitalizado pelos banqueiros e
pelos comerciantes de se transformar em capital industrial. Mas
essas barreiras acabaram desaparecendo. De um lado, as terras fo-
ram utilizadas cada vez mais para produzir matérias-primas para a
indústria e alimentos para a população das cidades. A própria no-
breza, quando passou a viver da renda da terra, facilitou esse mo-
vimento. De outro lado, os grêmios e fraternidades de artesãos,
não podiam competir com a produção das manufaturas, pois essa pro-
dução era mais barata. Além disso os mestres artesãos que resolvi-
am se tornar capitalistas, passavam a utilizar em suas oficinas o
trabalho assalariado, aceleraram a desagregação do sistema. E a
população do campo, expulsa com a expropriação da terra para a
produção de mercadorias, aumentou a mão-de-obra. Por fim, a decom-
posição dos grêmios e corporações se amplia com a descoberta da
América em 1492.

2. A descoberta da América e as manufaturas

As manufaturas tiveram um desenvolvimento muito grande com a


descoberta da América. Ao mesmo tempo que iniciavam a colonização
das terras descobertas, os comerciantes europeus desenvolveram
também o comércio com a Ásia e a África. Da África, saíam os es-
cravos que, na América, iam servir de mão-de-obra para as minas, a
extração de madeiras, usinas de açúcar, as plantações de algodão.
Da Ásia, vinham as mercadorias raras, as sedas, objetos de marfim
e de metal etc...
A maior parte dessas riquezas entrava na circulação nos países
mais adiantados da época, a Holanda, a Bélgica, a Inglaterra. Nes-
ses países, a situação das classes sociais se modificou inteira-
mente, pois os lugares onde os fabricantes iam vender suas merca-
dorias, não eram mais as feiras do interior da França, da Galícia
ou da Catalunha. Era agora, um verdadeiro mercado mundial. A maior
parte dos produtos, acabava passando por Amsterdam. Ao mesmo tem-
po, as mercadorias produzidas pelas manufaturas belgas, holandesas
e inglesas, atingiam todos os mercados da África, da Ásia e da A-
mérica, por mais distantes que eles estivessem.
A colonização dos países descobertos, alimentou a luta comer-
cial e militar entre as nações européias. Espanha, Portugal, Ho-
landa, Inglaterra e França se meteram em guerras permanentes, para
o maior lucro das burguesias desses países, e nas quais a nobreza
continuava a se arruinar e a desaparecer. A extensão do comércio e
da manufatura acelerou o movimento de acumulação de capital, en-
quanto as corporações de artesãos, que não podiam ampliar sua pro-
dução, perdiam importância.
Com a REVOLUÇÃO na Inglaterra em 1645, os capitalistas tomam o
poder, e esse país se torna a nação mais importante e poderosa da
Europa. A partir daí, a Inglaterra vai promover a expansão do ca-
pitalismo durante quase trezentos anos, até as vésperas da primei-
ra guerra mundial quando perde seu papel de potência capitalista
dominante, em favor dos Estados Unidos. O comércio e a navegação
neste período, se desenvolveram mais rapidamente que as manufatu-
ras. Os países colonizados começam a se tornar grandes consumido-
res e o mercado mundial é dividido entre os países colonizadores.
A Inglaterra, que tinha a melhor frota de navios de comércio e de
guerra, se tornou também a primeira potência industrial. Mesmo os
países que fizeram as primeiras descobertas: a Espanha e Portugal,
passaram a ser potências de segunda ordem; pois não puderam desen-
volver a indústria e ter uma parte do mercado mundial que fosse
igual ao seu prestígio político. O mesmo aconteceu com a Itália,
a França e a Alemanha, que tinham tido um papel importante no
desenvolvimento do comércio, no fim da Idade Média.
Desde o século 17 o comércio mundial e a manufatura começaram
a se concentrar na Inglaterra, que em 1680 tinha 3 milhões de pes-
soas, homens, mulheres e crianças, trabalhando nas manufaturas. A
expansão comercial criou uma situação em que as forças produtivas
desse país não podiam mais satisfazer as necessidades sociais. As-
sim nasce na Inglaterra, a GRANDE INDÚSTRIA com o desenvolvimento
das máquinas, a utilização do vapor como força motora, e a amplia-
ção da divisão do trabalho no interior das usinas.
A produção industrial da Europa, que se concentrava então na
Inglaterra e na Holanda, levou a concorrência comercial a todas as
partes do mundo. Até então, o comércio tinha sido a atividade eco-
nômica mais importante. Com o aparecimento da grande indústria o
comércio passou a ser um instrumento do crescimento do capital in-
dustrial, da mesma maneira que os bancos.
Mas o fato mais importante para nós é que, a grande indústria,
ao destruir a sociedade feudal, libertou o trabalhador do sistema
corporativista e criou a classe operária.
5

O TRABALHO ASSALARIADO É A BASE DO DESENVOLVIMENTO CAPITALISTA

1. O feudalismo e o trabalho corporativo

Na Idade Média européia, o mundo do trabalho é dominado pelo


artesanato. É um artesanato independente, ao lado da atividade a-
grícola, que ocupava mão-de-obra no trabalho da madeira, dos me-
tais, da pedra e do couro. Muitos camponeses se dedicavam também a
uma atividade produtiva fora da agricultura, para conseguir um
rendimento um pouco maior. Até o ano de 1300, nos países da Europa
ocidental, esta produção rural era destinada à gente do castelo e
do povoado. Depois dessa época, os comerciantes utilizavam a mão-
de-obra como trabalhadores assalariados. Por seu lado, os domínios
também passaram a exigir produtos desses artesãos, para vendê-los
aos comerciantes e assim a produção, tanto artesanal como das ma-
nufaturas, aumentou em toda parte. A partir daí, a produção nas
cidades cresceu, absorvendo os trabalhadores que antes viviam nos
domínios.
Desde que as cidades começaram a aparecer no território da Eu-
ropa ocidental, os artesãos saídos do campo vinham se instalar aí,
organizando corporações de ofícios. Seguindo a orientação da Igre-
ja, os trabalhadores de um mesmo ofício se reuniam em uma corpora-
ção ou irmandade, cada uma com um santo padroeiro. Com o tempo, as
corporações organizaram um verdadeiro monopólio sobre a produção,
mantendo preços elevados e impedindo o desenvolvimento econômico.
Essas confrarias começaram a atrapalhar o desenvolvimento da
produção, por causa das suas regras muito rígidas e do monopólio
que praticavam sobre a produção. Ao mesmo tempo, para evitar que
os preços de seus produtos baixassem, impediam a entrada de novos
artesãos. Com o tempo, o ofício passou a ser uma atividade heredi-
tária, que passava de pai para filho, e só podiam chegar ao mes-
trado, os artesãos que tinham um certo recurso, ou que eram muito
bem relacionados, para poderem passar nas provas corporativas.
A unidade fundamental do trabalho artesanal é uma pequena em-
presa individual, onde o trabalho é feito à base de ferramentas
que pertencem a um mestre que trabalha o tempo todo com os outros
artesãos, controlando a qualidade do produto, e formando seus a-
prendizes na própria produção. Em geral, o mestre artesão não era
proprietário da matéria-prima que era fornecida pelo cliente. Isto
quer dizer que os artesãos trabalhavam por encomenda, na maioria
das vezes.
Com o crescimento das corporações, as oficinas ficaram subme-
tidas a uma dura disciplina imposta por um pequeno número de mes-
tres. No interior de cada profissão, o título de grande mestre era
hereditário, exigindo de cada novo membro competência profissional
e independência material. Cada candidato ao mestrado, tinha que
executar uma "obra-prima", um trabalho em que devia provar sua
qualificação excepcional. Na realidade, o mestrado foi regula-
mentado de maneira a bloquear a entrada de gente nova.
Os trabalhadores que, tendo terminado seu aprendizado, se en-
contravam diante de duas situações possíveis. Mais comumente, não
podia se tornar mestre e trabalhava toda a vida em uma oficina,
deixando uma parte do produto de seu trabalho para o mestre. Havia
também os que tinham possibilidade de se tornar mestres e para is-
so faziam um longo estágio como companheiro, até passar o mestra-
do, montavam sua oficina, onde trabalhavam com outros com-
panheiros, e aceitavam aprendizes, seguindo sempre a mesma rotina.
Os companheiros viviam, como os aprendizes, na casa do mestre, e
eram proibidos de alugar seus serviços a uma outra oficina.
Cada oficina, como cada corporação, obedecia a uma disciplina
dura que regulava não só as relações de trabalho, mas também a
compra de matérias-primas, a distribuição da mercadoria, os preços
e a qualidade do produto. Esse regime feito de proibições e de re-
pressão, que não admitia nenhuma mudança, nenhuma concorrência,
estabelecia o monopólio e impedia o progresso, e mantinha preços
elevados.
Na realidade, a classe operária que nasceu nas manufaturas,
debaixo da exploração brutal dos comerciantes, não tem muito a ver
com o artesanato das corporações. O artesanato que existia nessa
época, era uma das formas da organização feudal do trabalho, que
já estava em decomposição quando as manufaturas começaram a se ex-
pandir.

2. Trabalho assalariado e manufaturas

Os comerciantes, que dominavam a vida econômica e a política


das cidades da Europa, faziam trabalhar para eles, muitos tecelões
e outros profissionais que antes faziam um trabalho suplementar,
depois de terminado o trabalho no campo. Aos poucos, o trabalho
secundário desses camponeses se torna sua principal atividade, seu
ganha-pão verdadeiro. Com o crescimento das cidades os servos e-
mancipados deixam os povoados à procura de trabalho. Aos poucos,
numerosos camponeses se tornam operários permanentes das manufatu-
ras, trabalhadores assalariados.
O processo de aparecimento do operário é, pois, muito diferen-
te do processo de aparecimento do artesão. O operário é um antigo
camponês que mora nos povoados e não pertence a nenhuma corporação
artesanal. Nos povoados, fabricava produtos, geralmente tecidos
para os comerciantes, trabalhando parte do tempo como agricultores
independentes e parte do tempo como produtores independentes de
tecidos, ou qualquer mercadoria. Só quando aparecem as manufaturas
é que esses trabalhadores passam a depender inteiramente dos capi-
talistas.
No início, os comerciantes só compravam o produto desses tra-
balhadores. A dominação do capitalista era formal e se dava pela
posse do dinheiro e pelo controle do mercado, pois o trabalhador
ainda era proprietário dos instrumentos de trabalho. Com a criação
das manufaturas, o capitalista possui também os instrumentos de
trabalho, as matérias-primas, os meios de subsistência e o dinhei-
ro. Nesse momento, a dependência do trabalhador, em relação ao ca-
pitalista, é total.
No começo, é a produção dos trabalhadores independentes dos
povoados, que constitui a base para a acumulação do CAPITAL. Quan-
do as massas de capital, em mãos dos comerciantes, começam a au-
mentar é que surgem nas cidades, verdadeiras indústrias, como as
fábricas de vidro e de papel, as metalurgias, as serrarias. A ex-
ploração dessas indústrias exige forte concentração de mão-de-
obra, exploração intensa de recursos naturais, instrumentos de
trabalho poderosos, e massas de capital importantes para a época.
Na agricultura, a situação se modifica em toda parte com o
nascimento da indústria. As propriedades passam a produzir merca-
dorias e parte dos antigos servos se transformam em assalariados
agrícolas ou em operários.
A produção industrial precisa de muita matéria-prima, de mão-
de-obra, e a concentração de dinheiro nas mãos do empresário. É
por isso que a decomposição do feudalismo na Europa, e o avanço
das manufaturas transformam em seguida todos os ramos principais
da atividade econômica em explorações capitalistas.
O processo de valorização do capital que se expande com as ma-
nufaturas tem como finalidade produzir mercadorias de um lado, e,
de outro, produzir operários e capitalistas. E quando falamos em
operários e capitalistas, falamos também de uma oposição política,
de uma contradição que só pode desaparecer quando desaparecer esse
modo de produção e as relações sociais que se desenvolveram com
ele.
6

COMO É QUE O DINHEIRO SE TRANSFORMA EM CAPITAL

Neste ponto, podemos estudar o dinheiro como capital, a função


mais importante do dinheiro na sociedade capitalista, que não foi
vista no capítulo anterior.
Na sociedade feudal européia, quando o dinheiro ia parar nas
mãos de um nobre, de um padre ou de um artesão, ele não se trans-
formava em capital. Ele podia ser gasto para comprar roupa ou co-
mida, cumprindo sua função de meio circulante ou então podia ser
guardado para os dias difíceis, cumprindo sua função de reserva de
valor. Ele virava um tesouro particular. A mesma coisa acontece
hoje com o dinheiro, quando ele vai parar nas mãos de uma dona-de-
casa ou de um operário. Ele é gasto imediatamente, para comprar
sapatos para as crianças, ou feijão para encher a panela. Aqui
também ele é um meio circulante.
Naquelas épocas, foi nas mãos do comerciante que ele começou a
cumprir sua função de capital. Vejamos então como é que o dinheiro
se transforma em capital, pois o capital apareceu exatamente na
circulação de mercadorias, isto é, no comércio. Sempre ouvimos di-
zer que um determinado capitalista ficou rico porque vendia uma
mercadoria sempre mais cara do que comprava. Daí para afirmar que
o capital é produzido no comércio, é um pulo. Mas esta é apenas a
metade da verdade. Vejamos por quê:
Nós poderíamos também afirmar que o capitalista "Fulano de
Tal" ficou rico porque botava água no leite. Neste caso, estaría-
mos próximo da verdade, mas seria ainda meia-verdade. O capitalis-
ta Fulano de Tal, que era antes um pequeno comerciante, ao botar
água no leite, cometia um atentado contra a saúde do povo, mas fa-
bricava um produto novo. Ele aumentava a quantidade de mercadoria
que tinha antes, e ganhava dinheiro. Mas isto não explica o fun-
cionamento de toda a economia capitalista, onde não se pode viver
só de botar água no leite, ou de tomar tudo o que uma pessoa tem,
sob a ameaça de um revólver.
Na realidade, o que passa na sociedade capitalista é muito
mais parecido com o que aconteceu entre Esaú e Jacó em que este
último tomou tudo o que seu irmão tinha, por um prato de lenti-
lhas. Esta é a verdadeira religião dos capitalistas, pois a histó-
ria se repete todos os dias sob os nossos olhos. Milhões de vezes
ao mesmo tempo, e nós achamos a coisa muito natural. Só que aqui
quem dá tudo o que tem por um prato de lentilhas, é o operário.
Vejamos como é que isto acontece.
De fato, a transformação do dinheiro em capital, começa e aca-
ba sempre no mercado. Mas para que ela comece é preciso que exista
sempre capitalistas e operários nesse mercado. O CAPITAL SÓ APARE-
CE NAQUELAS SOCIEDADES ONDE O POSSUIDOR DE MEIOS DE PRODUÇÃO E DE
SUBSISTÊNCIA ENCONTRA NO MERCADO O OPERÁRIO LIVRE VENDENDO SUA
FORÇA DE TRABALHO.
Não importa que o proprietário dos meios de produção e de sub-
sistência seja um capitalista individual ou um capitalista coleti-
vo representado pelo Estado.
Nós já vimos que

A FORÇA DE TRABALHO É O CONJUNTO DAS CONDIÇÕES


FÍSICAS E ESPIRITUAIS QUE SE MATERIALIZAM NA
PESSOA DE UM HOMEM E QUE ELE PÕE EM AÇÃO PARA
PRODUZIR VALORES DE USO DE QUALQUER TIPO.

Pois é esta capacidade de produção que o operário vende ao ca-


pitalista. O capitalista não compra a produção de um operário: uma
mesa, uma cadeira ou um sapato, como faziam os comerciantes da I-
dade Média, quando encomendavam produtos aos artesãos ou aos cam-
poneses.
O capitalista contemporâneo compra a força de trabalho do ope-
rário e usa essa força de trabalho em sua fábrica da maneira mais
rentável possível.
A TRANSFORMAÇÃO DO DINHEIRO EM CAPITAL, COMEÇA nesse momento
QUANDO A FORÇA DE TRABALHO DO OPERÁRIO É CONSUMIDA.
Vamos mostrar em seguida, porque é que a força de trabalho do
operário é a única fonte de valor que existe, como é que essa ca-
pacidade de produção do homem, ao se materializar em trabalho,
cria um valor novo.
O processo de produção capitalista começa com a compra de for-
ça de trabalho por um determinado tempo, um dia, uma semana, um
mês, um ano, conforme o tipo de contrato de trabalho feito entre o
CAPITALISTA e o OPERÁRIO.
Mas, o operário só é pago depois que trabalhou todo o período
de um dia, uma semana, uma quinzena, durante o qual produziu mer-
cadorias. Nesse período, o operário teve tempo suficiente para
produzir o equivalente ao seu salário, e também um valor maior,
que o capitalista chama de LUCRO BRUTO e que podemos também chamar
de Mais-Valia.
O operário, ao trabalhar na fábrica, produz além desta mais-
valia que vai inteiramente para o bolso do patrão, o fundo de con-
sumo da empresa. Deste fundo de consumo, o capitalista vai tirar
uma parte para pagar o operário. Assim, uma parte da produção, que
já foi inteiramente apropriada pelo capitalista, volta às mãos
desse mesmo operário com o nome de SALÁRIO. Isto significa que o
capitalista paga o operário com o que este operário produziu. As-
sim, o operário, além de pagar seu próprio salário, ainda engrossa
o capital.
É verdade que o capitalista paga o seu salário em dinheiro, e
que este dinheiro vai servir para que o operário possa comprar co-
mida. É certo também, que o operário não pode comer vidro, ou ca-
deira, ou pedaço de balanças. Mas é também verdade, que o salário
não é mais do que a forma que tomou uma parte da produção diária,
semanal ou quinzenal do operário, que foi vendida no mercado.
Enquanto o operário está no batente, produzindo mercadorias,
uma parte de sua produção já foi vendida. Assim, o seu trabalho
dessa semana ou dessa quinzena é pago com o dinheiro tirado de sua
produção de três ou seis meses atrás. Mas, o que é mais interes-
sante é que o capitalista entrega aos seus operários apenas uma
parte do que eles produziram. Uma outra parte ele guarda para si.
É esta parte que os capitalistas vão juntar ao seu capital antigo,
vão como se diz ACUMULAR.
Agora resta saber por que é que o capitalista pode se dar ao
luxo de aparecer no mercado como comprador de mercadoria, enquanto
o trabalhador tem que vender sua força de trabalho se quiser con-
tinuar vivendo.
A força de trabalho só aparece no mercado como mercadoria
quando é vendida pelo seu próprio possuidor, isto é, o operário.
Para que uma pessoa possa vender força de trabalho, é preciso que
disponha livremente dela, isto é, que seja um homem juridicamente
livre e que não esteja ainda empregado. O capitalista se encontra
com o operário; como indivíduos juridicamente iguais podem fazer
UM CONTRATO DE TRABALHO.
Para que este contrato de trabalho seja válido, é necessário
que o dono da força de trabalho, a venda por um certo tempo, e
possa desfazer o contrato quando tiver razões para isso. Se o ope-
rário tivesse que vender sua força de trabalho para um capitalista
para sempre, ou não pudesse nunca romper o contrato de trabalho,
ele seria um escravo. É isto que cria a ilusão de que um operário
é livre e igual ao capitalista. E o capitalista aproveita bem essa
ilusão, cultiva-a e tira ótimos resultados.
Mas para que a força de trabalho continue a ser vendida no
mercado, é preciso também que exista gente que só tenha força de
trabalho para vender.
Como é que isso acontece?
Para que o homem de negócios, ou empresário como se diz, en-
contre no mercado a força de trabalho, é preciso que exista gente
que não tenha nenhuma outra mercadoria para vender. Nós já vimos
como é que isso aconteceu quando os comerciantes criaram as manu-
faturas, e privaram os trabalhadores independentes de seus instru-
mentos de trabalho.
Como a produção industrial dos dias de hoje é feita em grandes
fábricas com máquinas gigantes ou caríssimas, é natural que haja,
de um lado, um pequeno punhado de capitalistas cada vez mais rico
e poderoso, e, de outro lado, uma massa cada vez maior de gente
que não tem nada a não ser sua força de trabalho.
Para ser um vendedor de mercadorias diferentes de sua força de
trabalho, um homem precisa ter MEIOS DE PRODUÇÃO que são os ins-
trumentos de trabalho, as MATÉRIAS-PRIMAS etc.. . e precisa também
ter MEIOS DE SUBSISTÊNCIA.
Além disso, a produção não se faz do dia para a noite. Nin-
guém, por mais otimista ou sonhador que seja, pode viver de produ-
tos que ainda não foram produzidos. Mas, as mercadorias têm que
ser vendidas depois de ser produzidas, e isto leva tempo. Supõe-se
que um homem que tem dinheiro para manter esse processo só pode
ser um capitalista.
Vejamos então como é que o capitalista usa a força de trabalho
do operário. Considerada como mercadoria, a força de trabalho é
igual à quantidade de trabalho social necessário para sua produ-
ção. Para a produção diária da força de trabalho o operário preci-
sa então fazer gastos que podemos reunir em três tipos diferentes:
1 — MEIOS DE SUBSISTÊNCIA, para assegurar que o trabalhador
possa continuar vivendo e produzindo normalmente. Esses meios de
subsistência são: alimentos, roupas, calçados, moradia etc...
2 — O operário só tem capacidade de produzir até uma certa i-
dade. Se ele continuar trabalhando depois dessa idade, sua produ-
ção é fraca. Por isso, é necessário repor sempre os trabalhadores
que vão se aposentando, e também preparar trabalhadores para as
novas empresas que são criadas todo ano. Assim, a soma dos meios
de vida necessários à REPRODUÇÃO DOS TRABALHADORES, isto é, dos -
filhos dos operários, quando tiverem idade suficiente.
3 — Para modificar a natureza do homem, isto é, para educá-lo,
também é preciso gastar dinheiro. A EDUCAÇÃO DO TRABALHADOR é ne-
cessária para desenvolver sua habilidade e sua destreza, em deter-
minados tipos de trabalho. Para que um jovem se torne um operário
qualificado em eletricidade, na metalurgia, na tecelagem ou em
qualquer outro tipo de produção, é preciso um certo tempo de trei-
namento e de estudos que custam dinheiro, e durante os quais os
futuros trabalhadores consomem sem produzir. Todos esses gastos
devem ser incluídos na produção da força de trabalho.
Resumindo, podemos dizer que o valor da força de trabalho se
reduz ao valor de uma determinada soma de meios de vida. Uma parte
desses meios de vida, como os alimentos, são consumidos todos os
dias. Outros meios de vida, como a roupa e os sapatos, duram meses
inteiros. Outros têm que ser pagos mensalmente, como o aluguel da
casa, a conta de luz e do gás. Mas, qualquer que seja o modo como
esses gastos se distribuem durante o ano, o operário tem que tra-
balhar todo dia para poder ter recursos necessários.
Vamos então supor que esta massa de mercadorias que o operário
consome todo dia pode ser paga com a produção de 6 horas de traba-
lho diárias.
Se o operário trabalha 10 ou 12 horas por dia na fábrica, as 4
ou 6 restantes vão para o bolso do capitalista. O capitalista diz
que essas 6 horas, ou melhor, o dinheiro correspondente à produção
dessas 6 horas, é o lucro bruto de sua fábrica. Mas nós sabemos
que essa produção de 6 horas que o capitalista embolsa é parte da
mais-valia. Se o trabalhador recebe o equivalente a meio dia de
trabalho, o valor de sua força de trabalho é igual a meio dia de
trabalho.
A quantidade de trabalho necessário para que ele possa traba-
lhar cada dia é o valor de um dia de força de trabalho. Se o tra-
balhador aparece no mercado para vender sua mercadoria nessas con-
dições, o capitalista estará pronto a pagar, pois sabe que terá um
"lucro bruto" diário, ou seja, uma mais-valia diária, igual a meio
dia de trabalho do operário.
Se o preço da força de trabalho é fixado abaixo desse mínimo
necessário para viver, nós teremos uma situação de SUPEREXPLORAÇÃO
DA MÃO-DE-OBRA.
Nós já vimos que a produção de mercadoria e sua circulação no
comércio, é que fazem nascer o capital. Vejamos então como é que o
capitalista do nosso exemplo vai transformar a mais-valia produzi-
da pelos seus operários, em capital. No fim de um período de pro-
dução, ele tem uma produção de farinha, por exemplo, pronta para
ser vendida. Na produção dessa farinha, ele gastou 100.000 cruzei-
ros, dos quais 80.000 correspondem à matéria-prima, eletricidade e
despesas gerais. Os 20.000 restantes foram gastos para pagar os
salários dos trabalhadores. O capitalista vende sua mercadoria por
120.000 cruzeiros. Se nós supomos que dos 20.000 que fazem parte
do que ele chama lucro bruto, ele pagará impostos, gastará uma
parte consigo e sua família, sobram 10.000 que ele não vai gastar,
nem guardar. O capitalista vai juntar os 10.000 restantes com os
10.000 que já tinha guardados para comprar mais matérias brutas,
pagar mais operários. Foi assim que, na prática, o dinheiro se
transformou em capital. O valor primitivo que o capitalista possu-
ía, passou por uma modificação, ele cresceu com a mais-valia, o
valor antigo se valorizou. O capital deste pequeno industrial au-
mentou. E assim o capital continua seu movimento incessante, cres-
cendo e se multiplicando, graças ao suor do operário.

No próximo volume, veremos em detalhe os problemas relaciona-


dos com a ACUMULAÇÃO DO CAPITAL.

-----------xxxxx------------

Revisão: Argo – www.portaldocriador.org


ÍNDICE

PRIMEIRA PARTE
O DINHEIRO

1. O dinheiro é uma mercadoria


2. Funções sociais do dinheiro
1. O dinheiro é o equivalente geral
2. O dinheiro é medida de valor
3. O dinheiro é um instrumento de circulação das mercadorias
4. O dinheiro é meio de pagamento
5. O dinheiro é reserva de valor

SEGUNDA PARTE
A FORMAÇÃO DO CAPITAL

1. A decadência da sociedade feudal na Europa


1. A organização do domínio feudal
2. Conteúdo social do regime feudal
3. A decomposição do feudalismo começa na agricultura
4. O campo perde sua importância econômica, social e política
2. O papel do comércio no desenvolvimento do capitalismo
1 O capitalismo europeu começa com os comerciantes
2 As principais atividades econômicas dos comerciantes
3. O papel social dos comerciantes
4. O papel político dos comerciantes
5. A organização dos mercados e das feiras
3. Bancos e banqueiros da Idade Média até a colonização da A-
mérica
1. No começo, os banqueiros eram comerciantes de ouro e a-
giotas
2. Posição da Igreja frente aos agiotas
3. A descoberta da América provoca uma revolução comercial
na Europa
4. O aparecimento da indústria na Europa
1. O começo das manufaturas
2. A descoberta da América e as manufaturas
5. O trabalho assalariado é a base do desenvolvimento capita-
lista
1. O feudalismo e o trabalho corporativo
2. Trabalho assalariado e manufaturas
6. Como é que o dinheiro se transforma em capital

You might also like