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Ofício Do Historiador Da Ciência: Capítulo 1
Ofício Do Historiador Da Ciência: Capítulo 1
iona l
Alfon so-Gol dfarb & Ferraz '"Raízes históric as da difícil equaçã o instituc
da ciência no Brasil," 3
/1.o mesmo tempo em que a Hi stória da Ciência se fir-
mêJva enquanto área de con hecimento específica, delineava-
-st o perfil de um novo profissional: o historiador da ciência .
É especialmente sobre a formação e o ofício desse profissio-
nal q ue t rata remos aqui.
Essa defi niçã o de cam po, emb ora aind a abra nge nte,
obje to
ajud a a map ear o obje to da Hist ória da Ciên cia , um
cam pos ,
com plex o, con stru ído na inte rfac e entr e dife rent es
part es.
com o vere mos a segu ir, anal isan do essa defi niçã o por
cia
Pois bem , se con side ram os que a Hist ória da Ciên
ão e
é o estu do da(s ) form a(s) de elab oraç ão, tran sfor maç
técn icas
tran smi ssão de con heci men tos sobr e a natu reza as
obje to de
e a(s) soci edad e(s) , pod ería mos con side rar que seu
, as técn i-
estu do seri am os con heci men tos sobr e a natu reza
do da
cas e as soci edad es. Entr etan to, esse é o obje to de estu
epis tem olog ia, com o será visto no Cap ítulo 3.
o-
Estu dos cent rado s ness e obje to trata riam da elab
, bem
raçã o e da com para ção entr e conc eito s rela cion ados
. Estu dos
com o das cond içõe s e dos limi tes de sua vali dade
uisa em
com esse foco cert ame nte fazem part e de uma pesq
riog rá fi-
Hist ória da Ciên cia e, em algu mas pers pect ivas histo
dese n-
cas , cent raliz am o trab alho . Tal é o caso dos estu dos
na qu e las
vo lvid os na pers pect iva hi stor i ográ fi ca tra di cio na l e
ca p ítul o .
cham a das inte rn a li sta s, com o vere mos no p róxim o
Mas, essa abo rdag e m soz inh a não d á co nta de uma
ivas hi s-
pesq u isa e m Hi stó ria da Ciên cia , co nfo rm e pers pect
aliz ação
to riog ráfica s atua is qu e leva m em cont a a cont extu
taçã o de
dos p roce ssos de e labo raçã o, tran s mis são e adap
16
e transmissão de conhecimentos sobre a natureza as técni cas
e a(s) sociedade(s) - em três esferas: epistemológica, histo -
riográfica e contextual (ciência e sociedade).5
Hinoriogrofio ·. : Ciência e
Sociedade
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•m , com base em outros documentos , incluindo
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-
documentos da cultura material. tais como objetos de esca-
vações, Levey atribuiu as origens ~o alambi~ue aos anti-
quíssimos povos mesopotâmios, afirmando., ainda que sua
evolução conduziria a realizações da cultura arabe medieval
Com O exemplo dos estudos descritos anteriormente,
podemos perceber algumas das características do ofício do
historiador da ciência tais como a pesquisa - busca, locali-
zação e análise - de originais de diferentes tipos tais corno
textos e objetos (documentos da cultura material) nos quais
ficaram registrados antigos conhecimentos sobre a natureza e
as técnicas. Podemos também notar a possibilidade de deba-
tes sobre um mesmo tema, no caso a "evolução do alambi-
que", quando são considerados diferentes documentos.
No caso dos estudos citados, chama atenção também
a ênfase dada às origens do processo de destilação. Se para
Sherwood Taylor as origens estariam na Grécia antiga; para
Levey, elas teriam raízes ainda mais remotas e orientais .
Dentro dos estudos sobre as origens da destilação
também devem ser consideradas as pesquisas desenvolvi-
das por Joseph Needham ( 1900-1995), estudioso da cultura
e particularmente da ciência chinesa . Needham e seus cola-
boradores também analisaram as origens da destilação, em
especial sobre as primeiras preparações do álcool e dos áci-
dos minerais, e chegaram inclusive a realizar experimentos
para comprovar suas hipóteses sobre a origem chinesa des-
ses procedimentos. 16
Embora possam parecer divergentes, as co nclusões
desses três pesquisadores sobre as origens da desti lação tra·
zem em comum a mesma perspectiva historiográfica tradi·
cional, que tende a considerar o passado com os olhos do
presente. Dessa forma, é possível escolher diferentes origens
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HISTÓRIA DA CI ÊNCIA PARA FORMAÇÃO DE PROFESSORES
para os conhecimentos. Na época em que Sherwood Taylor
publicou seu artigo, era unânime a ideia de que as origens
da ciência estariam na Grécia antiga . Já nos anos 1960 e 1970,
quando Levey e Needham publicam seus trabalhos , a possi-
bilidade de que poderia haver conhecimentos científicos em
culturas diversas e de que o contexto poderia interferir no
desenvolvimento desses conhecimentos passaria a ser discu-
tida entre os pesquisadores que consideravam fatores sociais
no desenvolvimento científico. Entretanto, a visão tradicional
da História da Ciência como relato de um processo que pro-
gressiva e inevitavelmente levaria à ciência atual permanecia
entre esses autores, mesmo considerando que as origens das
ideias pudessem ser diferentes. Isso porque continuavam a
analisar o passado com os olhos do presente.
Porém, esses estudos pioneiros, mesmo circunscritos
aos limites da perspectiva historiográfica tradicional, trata-
ram com seriedade a pesquisa em História da Ciência e trou-
xeram à luz vários tipos de originais, abrindo caminho para
análises cada vez mais complexas do tema. Isso mostra o
papel central que os originais exercem no ofício do historia-
dor da ciência. Assim, vamos, em seguida, tratar um pouco
mais sobre os diferentes tipos de originais e mais especifica-
mente dos textos.
Textos originais
Grande parte dos estudos em História da Ciência
tem como centro a análise de textos originais de di ferentes
tipos. Nos exemplos apresentados já falamos de textos pro-
venientes da antiguidade grega e também de tabletes meso-
potâmios. Esses originais constituem formas de registros de
conhecimentos sobre a natureza e as técnicas gravadas sobre
diferentes suportes. De fato, os suportes dos textos originais
variam desde a argila até o papel, passando por suportes de
fibras vegetais, como o papiro e por peles de an imais conhe-
cidas como pergaminho. Também as fo rmas de gravar os
• e. séc. Ili
Papiro X de Leiden
Papiro de Estocolmo
•Séc VIII
Compositiones ad tingenda
•Séc X
De arti&us Romanorum, atribuído a Eraclius
•Sécs X e XII
Mappae clavicula
•Séc XII
Diversarum artium schedula , atribuído a Teófilo
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artes que os autores propalam em seus textos . Muitas das
passagens, e mesmo das imagens descrevendo complexas
operações, são simplificadas no livro, de modo a serem com-
preendidas apenas por leitores que tivessem intimidade com
as operações focalizadas . 18