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O sentido da Educacao Comparada: Uma compreensao sobre a construcao de uma identidade The meaning of Comparative Education: A comprehension about the construction of an identity ANTONIO GOMES FERREIRA” + RESUMO — Enunciada nos prineipios de Oitocentos por Marc-Antoine Jullien, a Educagio Comparada s comesou a ganhar dignidade académica no séeulo XX. A expansto da Educagdo Comparada no ocorre sob 0 signo da uniformidade das abordagens. Mas se alguns tém visto nesta situagio uma dificuldade de afirmagao cientfica, preferimos compreendé-Ia como a resposta possivel ao moment histérico que descobriu. a ineapacidade da ciéncia da explicacdo tinica em explicar a complexidade de mundo. Tendemos a considerat que uma abordagem sociodindmica da Educagao Comparada pode consumar uma sintese de contributos anteriores e dar sentido aos processos educacionais, elucidando, nomeadamente, sobre as relaptes espaciais, 2s interdependéncias com outros sectores da sociedade, a situagio eas implicagdes da evolugao histérica, as possibilidades ¢ exigéncias tecnologicas, a dimensio da consciencia ¢ da mobilizasao ideologic, cruzando dados e metodologias no propésite de, por exemplo, localizar aspectos condicionantes ou determinantes, ‘sentros ¢ periferias,fluxos de relagdes ou conflitos, homogencidades ou heterogencidades, permanéneias ou smudangas, protagonismos ou resistencias na tentativa de saber as saz0es explicitas e as implicitas das politicas, a consisténcia das vontaces, o aleance do realizado eo significado do nao cumprido. Deseritores ~ Educagao comparada; identidade; conceit. ABSTRACT — Announced in the beginnings of the eighteen hundreds by Mare Antoine Julien, the ‘Comparative education only achieved academic status in the XX century. The expansion of Comparative Education dees not occur under the sian of uniformity of approaches. But if some saw in this situation a difficulty of seienifie affirmation, we prefer to understand it asthe possible response inthe historical moment that discovered the incapacity of science of unique explanation to explain the complexity of the world. We tend to consider that a socio-dynamie approach to Comparative Education can include a synthesis of the anterior position and give meaning to the educational processes, explaining . specially the spatial relations, the interdependence with other sectors of society, the situstion and implications of historical evolution, the possibilities and demands of technology, the dimension of consciousness and ideological mobilization, crossing data and methodologies with the objective, for example to localize conditioning or determinant aspects, centers and periphery, flow of relations or conflicts, homogeneitis or heterogeneities, permanence or change, protagonisms or resistances in the attempt to know the explicit or implicit reasons for policy, the consistence of the wills, the achievement of the accomplished and the meaning of the not done Key words ~ Comparative education; identity; concept, Os comparatistas em educagdo encontram-se muma InTRopDUCAO, situagao especial. Sabem que a Educacao Com- parada exisie. Acaso nao tém dlante os seus olhos tum mimero cada vez mais impressionante de obrat relativas a esta disciplina? E, no entanto, nao sabem exactamente qual & a esséncia © os limites da sua espectalidade Os comparatistas mais eminentes reuniram-se vériar vezes, mas ndo chegaram, todavia. a por-se de cord para formular wma definigdo. ROSSELLO, 1978, Se, ao longo destes iitimos decénios, muitos acon- tecimentos contribniram para mudar o mundo, nada acontece no dominio da Educago Comparada que retirasse pertinéncia as citadas palavras de Rossello, pese embora os iniimeros estudos realizados no dimbito da Educagdo Comparada ¢ a variedade das reflexdes te6ri- cas sobre ela produzidas desde os anos 70 do século anterior até aos dias de hoje. Como & dbvio, nio se 5 profiasor da Fovildade de Psicologia e de Ciéncias da Educagio e Iavestizador do Centro de Psicopedagosin da Universidade de Coimbra, Email: canto Bfpoe ue p> Artigo recebido om: stenbre/2007, Aprovado em: novembro/2007 Educagii, Porto Alegre. 31, 1.2, p. 124-138, maio/ago. 2008 O sentido da Educagio Compared. pretenderd também aqui avangar com algo de signi- ficativo para essa definigao. Apenas tentaremos com- preender 0 que tem sido a Educagio Comparada, pro- curando encontrar-he um sentido que nfo tem que se inscrever numa légica linear nem ser subserviente a qualquer a uma sé definicdo por mais sofisticada que seja. Se € certo que a Educagao Comparada esteve, desde © seu inicio, sempre vocacionada para compreender a dindmica dos sistemas educacionais ou de aspectos com eles relacionados por via da comparacao. essa ambicao nao se modificou até ao presente, Todavia, a Educactio Comprada nao pode deixar de ser um produto duma historia ¢ de uma sociedade. A comparagao sempre deve ter matcado a evolugaio do pensamento humano e, por isso, sempre esteve presente na propria construgaio do saber, No entanto, s6 num periodo recente da Historia a uwilizaram de forma sistemética. Por outro lado, os homens sempre devem ter educado 0s scus filhios © teflectido sobre a melhor forma de o fazer mas demo- rou-se muito a aceitar a Pedagogia ou as Ciéncias da Educagdo como saber digno de se perfilar entre as, demais cigncias. A Educacdio Comparada surgia, assim, ‘um contexte histérico em que a expansao escolar & a afirmacio da cigncia se constituiam como pilares fundamentais do progresso, exactamente para poder contribuir para reformas educativas mais fndamentadas, ‘Na Educacto Comparada, claro esti, a comparacao é de finndamental importéncia mas nao é 0 tinico campo ‘em que cla assume fineao tio preponderante. Basta tao 6 invocar a literatura comparada, 0 diteito comparado a politica comparada, por exemplo, para vermos que ela € aj absolutamente essencial, Para além disso, deve-se reconhecet, faz-se bastante mais uso da comparagio do que se pensa, podendo-se mesmo dizer que ela contribu tanto para 0 progresso das Ciéncias da Educacdo como da Psicologia (DAELE, 1993), isto para s6 nos reme- Termos @ freas que se relacionam com bastante fre quencia De qualquer modo, como diz Dominique Groux (1997), a comparagdo em educagdo tem um sentido. Ela nunca é gratuita, Quando rigorosamente efectuada, a leinara dos aspectos comuns e das diferengas relativas a uma problemética fornecem informagdes mais inte- ressantes que as resultantes de uma leitura dessa mes- ma problematica num s6 contexto. A comparacdo em ducagao gera uma dindmica de raciocinio que obriga a identificar semelhancas e difereneas entre dois ot mais factos, fendmenos ou processos educativos e a interpre- térlas levando em consideracdo a relagio destes com 0 contexto social, politico, econémico, eultural, ete. a que pertencem, Dai a necessidade de outros dads, da compreensao de outros discursos. 125, Assim sendo, a Edueagtio Comparada € necessa- riamente miiltipla e complexa, Ela precisa de conheci- mentos ¢ de achegas provenicntes de outras areas cientificas, nomeadamente da Histéria, da Sociologia, da Economia, para além de outras especialidades das Ciéncias da Educacdo. Alids. os comparatistas em edu- cagdo nao parecem ter 0 monopdlio desta comparagao, sendo esta utilizada por especialistas de outras disc plinas que adoptaram o estudo da educagao, Por sta vez, esta colaboragiio e esta participagdo de diversos espe- cialistas das cigncias sociais tem contribuido fortemente para enriquecer a Educagdio Comparada (HALLS. 1990). A nttlidade da pluridisciplinaridade é provavelmente um. dos aspectos que maior consenso geta entre aqueles que se tém debrugado sobre a Educagao Comparada, 0 que nfo significa que tenha sido assim to contemplada e que nao coustitua ainda um desafi. Apesar das controvérsias, das incertezas e das dificuldades, no ha diivida que ¢ na comparagao dos fendmenos, factos e processos relativos & educagdo em. diferentes contextos que a Eduicagao Comparada toma 0 seu sentido, A maior parte das vezes, ela tem assumido ‘uma dimensiio intemacional mas pode também assumir uma nacional, regional on supranacional (HALLS, 1990). O que importa é que o estucdo das probleméticas ow das realidades se faga tendo em conta contextos diferentes para se poder estabelecer o que ha de diferente ede semelhante, 0 que diferencia ¢ aproxima, na ten- tativa de compreender as razdes que deteminam as sittagdes encontradas, Actualmente, o ambiente politico ¢ econémico mune dial € favoravel ao crescimento do niimero de estudos: comparados em educagao. Como € dbvio, a educagao & uum clemento central tanto dos processos de globalizacao econémica € cultural como das tendéncias de uniao politica que se verificam em algumas regides do mundo (ALTBACE, 1991), Ora, isto ctia oportunidades a Edu- cago Comparada, mesmo se muitas vezes ¢ a dimensio politica intemacional que a absorve em detrimento da di- ‘mensio comparativa cientifica desinteressada (NOVOA, 1995), Apesar de se poder inventatiar jé muitos estudos que procuram fugit da simples organizagao dos sistemas educativos, avangando sobre temas mais especificos © enguadrando espagos mais amplos que os paises. como, por exemplo, a situagio das mulheres no mundo da educasio (UNESCO, 1995), o problema do financia- mento com a educacao (HALLS, 1990), a sittagao dos, curriculos escolares (FORQUIN. 1989, PUSCI. 1990). os sistemas de formario profissional (ROTHE. 1995). 0s calendatios universitirios (PAUL: THOMAMICHEL. 1996), a participagio dos pais nos sistemas educativos (BOGDANOWICZ, 1994, EURYDICE, 1997), organis- Educagii, Porto Alegre. 31, 1.2, p. 124-138, maio/ago. 2008 126 ‘mos intemacionais prestigiados como a UNESCO, o Conselho da Europa e a OCDE, tém promovido sobre- tudo estudos comparativos cm educagio com base na recolha e tratamento de dados quantitativos sobre os diferentes paises, fornecendo importantes informacdes 0s politicos aos decisores em geral (DEBEAUVAIS. 1997), Assim sendo, € natural que a Educagtio Com- parada se veja fortemente condicionada pelos interesses pragmatistas e imediatistas das entidades que dirigem as, politicas educativas e que isso suscite algumas reaccoes dos que recusam aceitar que ela se cireunscreva a uma acco meramente técnica e desejam que ela enverede por caminhos mais criticos ¢ reflexivos. Do nosso ponto de vista, este é um dilema que ja esti na origem da Educagiio Comparada. Se € verdade que Mare-Antoine Jullien pretendia que se trabalhasse comparativamente os dados para que se pudesse deduzir ‘prineipios” e “regras” capazes de tomar a educacao uma “cicncia”, cle nao dissocion este objective da obten¢a0 das informacGes necessrias sobre a educagdo das nagdes, ceuropeias tendo em vista identificar onde se justficariam reformas, Na verdade, tanto o propésito de Marc~ Antoine como 0 dos que, ignorando-o, se interessaram. pelo estudo dos sistemas educativos estrangeitos re- sultava de se estar perante a construgao de sistemas escolares que se impunhiam como chave de desen- volvimento. Mas, enquanto Mare-Antoine pensou na recolha de informagdo tendo em vista produzir ciéncia, muito do interesse pelo conhecimento dos sistemas educativos de outros paises resultava somente da necessidade de se fiundamentar as reformas educativas que se pretendiam realizar. Além disso, em face da crenga das ilimitadas potencialidades da escola, que caracterizou os ambientes culturais ¢ politicos ocidentais, do século XIX (NOVOA, 1998, p. $7), procurow-se também encontrar e mostrar indicadores elucidativos duma supremacia civilizacional. Assim sendo. nao é de estranhar que, nos prineipios do século XX, se tivesse ja publicado uma cnorme quantidade de materiais sobre os sistemas educativos europeus © ameticanos. Era necessirio dar a conhecer o caminho do progresso € a escola era um dos melhores indicadores. Os estudos comparados em educacao indicariam a sitaagao em que seencontrava tim pais ¢o sentido a seguir. Claro, deviam seguir-se 0s sistemas educativos dos paises que demons- trassem maior desenvolvimento econdmico ¢ cultural Nele assentava a garantia da cficiéncia dum sistema educativo que. por sua vez, quando adoptado por tum pais podia coloci-lo no caminho certo do progresso Devido, provavelmente, ao maior conhecimento da evolugo de diversos sistemas educativos e das par ticularidades culturais ¢ politicas que os cnquadravam, nos finais do século XIX e principios de novecentos, Anténio Gomes Fosreira tomou-se evidente para alguns estudiosos mais pets picazes que a simples comparagao dos sistemas edu- cativos cra insuficiente para explicar as suas especi ficidades. Os comtributos mais decisivos ou, pelo menos, cos mais célebres vieram de Michael Sadler e de James E. Russel: ambos defendendo ser necessario compreen- det 05 sistemas educativos de cada pais € explicar as especificidades de cada um levando cm considcragao 0 contexto social que os envolvia. Nos decénios seguintes, outros estudiosos tentariam avangar nessa linha, vindo a explicar as semelhancas e as diferencas da educacdo dos diferentes paises através de expressdes como cardcter nacional, cultura, raga, forgas imanentes que, embora demonstrassem um esforgo de conceptializagao, vieram, a set consideradas prejudiciais a objectividade da abor- dagem comparativa, por correntes positivistas que se desenvolveram no periodo pos Segunda Guerra Mundial, Estas iiltimas, no entanto, vieram também a softer contestagio nas titimas décadas do século XX, periodo ei. que partlharam 0 espago da Educagao Comparada com abordagens que poderiamos situar numa linha pés- moderna. Como vemos, a afirmagtio da Educagiio Comparada esti longe de ter percorrido um caminho bem delineado. ‘A sa evolugio pode caracterizarse em fungi da importincia que € dada a sua dimensio técnica ou sua capacidade de produzir um saber intelectualmente sofisticado. Em geral, é esse o pressuposto que esti na base das periodizagdes definidas por comparatistas como Schneider, Bereday, Vexliard, Noah Eckstein Friedrich Schneider dividiu a evolucdo da Educacto Comparada em dois periodos: 0 da pedagogia do estran- geito eo da pedagogia comparada propriamente dita. O primeiro abarca fundamentalmente 0 século XIX ¢ ¢ caracterizado pelo produto das viagens de estdo a0 estrangeiro de pedagogos e politicos que observavam a organizacdo educativa dos paises visitados ¢ eventual- mente @ comparavam com a do proprio pais. O segundo desenvolve-se ao longo do século XX ¢ caractetiza-se pela aplicacao sistematica do método comparativo na tentativa de explicitar as “forgas determinantes” ou os “factores configurativos” que explicavam 0s factos pedagégicos. Para Gcorge Bereday, 0 percurso da Educacao Comparada reparte-se por trés periodos, sendo um designado de empréstimo. outro de predigio eo tiltimo de anilise. O periodo de empréstimo cobre 0 século XIX © pretende traduzir a insisténcia na apresentagao de dados descritivos que deviam favorecer a comparacdo com vista a avaliar as melhores praticas educativas para a5 transpor para outros paises. O segundo periodo abrange a primeira metade do século XX, tendo inicio em Michael Sadler, que introduzit a ideia de que cada Educagii, Porto Alegre. 31, 1.2, p. 124-138, maio/ago. 2008 O sentido da Educagio Compared. sistema educativo nao é facilmente separdvel da socie- dade que ihe serve de base. e contado com 0 contributo de nomes bem conhecidos, como Friedrich Schneider, Isaac Kandel, Robert Ulich, Nicholas Hans, que deram particular atengio aos factores que determinavam a educacdo. Com o “periodo de predicdo” pretende-se su Dlinhar que ja ndo interessava tanto 0 “pedir emprestado™ ‘mas mais 0 predizet do provavel sucesso de um sistema educativo num pais com base em experigncias similares noutros paises, enquanto através do designado periodo de analise se acentua o esforco posto na classificacaio dos factos edueativos ¢ dos sociais que Ihe esto associados, sendo, nesse caso, preocupacdo primeira a de desenvol- vet teorias ¢ métodos ¢ a de estabelecer uma clara formulagao das etapas, dos processos e dos mecanismos comparativos por forma a facilitar uma andlise menos baseada em valores ético-emocionzs. Alexandre Vextiard aponta a existéncia de quatro periodos para o trajecto da Educagaio Comparada, A etapa “estrutural” & representada essencialmente pela obra de Jullien, onde se encontravam j@ 05 prineipios “anquitecturais” dos estudos comparados em educagao ‘bem como os prineipios metodologicos. O segundo periodo, denominado dos “inquiridores”, abrange apro- ximadamente 0s anos que decortem entre 1830 a 1914, €poca em que varias pessoas, em geral, amando dos seus govemios, percorrem a Europa e 0s Estados Unidos com © objectivo de estudar os sistemas de ensino em vigor nesses paises. O periodo das sistematizagdes tedricas, situa-se entre as dutas guerras © € marcado pelas pt blicagdes dos tabalhos de Kandel, Schneider. Hans, entre outros, Quanto ao quarto periodo, Vexliard de- signou-o de prospectivo, porque, apés a Segunda Guerra mundial, ¢ sobretudo depois de 1935, 05 estudos com- parados em educagao passaram a organizar-se em fin¢a0 do futuro, enquanto 0 petiodo precedente havia sido essencialmente dominado por preocupacdes historicas. ‘Noah ¢ Eckstein avangaram com uma petiodizagio que mereceu ampla accitagao. Segundo estes autores, a histéria da Educago Comparada pode ser subdividida em cinco perfodos, cada um orientado por uma moti- vagdo especifica, bem como por um tipo de trabalho comparativo. O primeiro periodo é 0 dos viajantes e ca racteriza-se por trabalhos assistematicos, motivados pela curiosidade e marcados por interpretagdes subjectivas. segundo & o periodo dos inquiridores, ou seja, dos obscrvadores que, durante boa parte do século XIX, se deslocavam a paises estrangeiros para recolher 0 que poderia servir para melhorar o sistema educativo do seu pais, © periodo seguinte, concebido como de colabo ragao internacional, & visto como favoravel ao inter cambio cultural entre os povos, sendo a educagao pers pectivada como instrumento de harmonia e entendimento 127 entre nagdes. O quarto periodo, designado de “forcas” ¢ “factores”, tem como marcos cronolégicos as duas grandes gucrras. Os estudos realizados, nesta altura, realgam a dindmica das relagies entre a educacdo e a cultura e procuram explicagdes para a variedade dos fenémenos educativos observados em cada pais. A com- preensao das relagdes escola-sociedade faz-se atraves da analise historico-culturalista, que procurava explicar 0 presente a partir das dinimicas legadas pelo pasado. O titimo periodo caracteriza-se por procurar a “explicacao pelas ciéncias sociais”. Nele, 05 trabalhos teconem fundamentalmente aos métodos empirico-quantitativos, na tentativa de esclarecer cientificamente as relagdes centre a educagao ¢ a sociedade, num plano mundial. Diante de diversas possibilidades de marcar a evo- Ingo da Educagdo Comparada, entendemos seguir 0 seu. percurso apoiando-nos no alinhamento proposto por Ferran Ferrer (1990) ¢ A. D, Marquez (1972), mas alterando ligcitamente as denominagées que designamos, pot: periodo da criagdo, perfodo da descrigao, periodo da interpretagiio e periodo da comparagao complexa, PERioD0 DA CRIACAO DA EDUCACAO COMPARADA A Educagio Comparada, como ¢ evidente, ressente- se da evolugio da reflexto pedagégica, do desenvol- vvimento cientifico e da expansdo escolar. No seu aspecto ndo-sistemético encontram-se indicios de Educagao Comparada ja na Antiguidade, pois, Tucidides, Herodoto € Xenofonte fizeram comparagdes que nos permitem distinguir © modo educativo ateniense do espartano € a educagao grega da egipcia e da persa. No entanto, a fase dos cstudos sistemiaticos nao podia ter surgido antes da nossa Epoca. De facto, somente a0 longo dela os, sistemas educativos nacionais, objecto preferencial dos estudos de educacdo comparada, se comecaram a afirmar, fruto de progressivas transformagdes econ6- micas, sociais, politicas e culturais das nages ocidentais Por outro lado, era natural que a Educagdo Comparada nascesse no século XIX, ou seja. no mesmo ambiente cultural e cientifico em que desabrocharam a Anatomia Comparada, a Literarura Comparada, 0 Direito Com- parado, cntre outras ciéncias comparadas Em boa patte. a disposicdo para a abordagem com- parativa em educacdo prende-se com a confluéncia do racionalismo, to sublinhado pelos homens do Tuni- nismo ¢ do nacionalismo que, a partir da Idade Média, se foi afirmando tanto no plano politico como cultural, nos diferentes reinos da Europa. O desejo de fazer chegar a comparacao a0 dominio da educagao vé-se ja em algumas obras a partir dos finais do século XVI (MANN, 1784; HECHT, 1795; EVERS, 1806; CUVIER, Educagii, Porto Alegre. 31, 1.2, p. 124-138, maio/ago. 2008 128 1814). No entanto, na sequéncia de Brickman, tem-se, por vezes, referido que foi o Ensaio sobre a educagaoe a organizagao de algumas partes da instrugdo piiblica de Basset que terd levado Marc-Antoine Jullien a escrever uma obra sobre a Educacio Comparada. Nao ha diivida que a referida obra Basset teve um certo impacto, pois conheceu duas edigdes mum espaco de oito anos (1800 & 1808), ¢ quc nla se apresenta nao so um capitulo sobre as instituigdes educativas de outros paises como ainda a defesa da utilidade de as conhecer convenientemente, Todavia, também nfo se pode deixar de sublinhar que a comparagio comecava a ser valorizada integrando 0 reportério metodolégico de varios campos disciplinares na transigao, do século XVIII para 0 XIX; ¢ se ja havia dado resultados apreciiveis no ambito das ciéncias naturais comegava entdo a despertar interesse em certas, cigncias sociais, encontrando-se, portanto, disponivel para quem se mostrasse desejoso de abragar 0 progresso. Mare-Antoine Jullien de Paris nasceu na capital fiancesa a 10 de Margo de 1775 e teve uma vida bastante agitada, Ainda adolescente, participow activamente nas Iutas da Revolugdo. Nao admira, por isso. que a partir dos 17 anos tivesse sido nomeado para diversos cargos, inchusivamente alguns ligados a otganizacao militar. Como € natural, interessa sobretudo salientar a sua no- measio para Comissério-Adjunto da Comissaio Execu- tiva da Instrugio Pablica, em abril de 1794, quando contava apenas com 19 anos, ainda que ndo tivesse praticamente tempo de exercer 0 cargo, pois, um més depois foi enviado para Bordéus como Agente do Comité de Salvacdo Publica, ¢ em agosto, acusado de crneldade contra 0s Girondinos, tivesse sido preso, situagiio em que permaneceu até outubro do ano seguinte, Os anos posteriores também nao o deixaram instalado, tendo-the acontecido wm pouco de tudo: implicado em cons- piragdo, refigia-se em Millio: vé-se virias vezes a ocupar fingdes ligadas a actividade militar: chega a exercer 0 cargo de Secretirio Geral do govemno provisorio da Repiiblica Napolitana; em diferentes momentos, toma- se jomalista: em 1801, casa com Sophie Jouvence Niche, de quem tera cinco rapazes ¢ uma rapariga. A partir de 1808, Jullien comeca a interessar-se verdadeiramente pela educaeao, Nesse preciso ano pt- blicouw o “Essai sur tne méthode qui a pour objet de bien régler emploi du tems, premier moyen d’étre heureux. A Tusage des jeunes gens de 6 4 15 ans. Extrait d'un travail général, plus étendu sur Péducation”, que co- nhecen varias edigdes no primeiro tergo do século: € 0 volumoso “Essai général d’éducation physique, morale et intellectuelle suivi d'un plan d’éducation pratique pour enfance, adolescence et la jeunesse ou Recherches sur les principes et les bases de l'éducation a donner aux enfans des premigres familles d'un Etat, pour accélérer Anténio Gomes Fosreira Ja marche de la Nation vers Ia civilisation et Ja pros périté”, que contou com uma reedigao em 1835, Nestas duas obras so avancadas algumas idcias pedagogicas arrojadas que devem ter granjeado a Mare-Antoine Jullien uma reputacio de pedagogo vanguardista. Certo € que, em 1810, visitou o Instituto de Ywerdon, de Pes talozzi, ¢ ficou de tal modo bem impressionado com este pedagogo ¢ com os seus métodos que publicou, poucos, anos depois, dias obras intituladas: Précis sur Institut @ éducation dYverdun, en Suisse, organise et dirigé par M. Pestalozzi (1812) e Esprit de la méthode d’éducation de M, Pestalozzi, suivie et pratiquée dans institut ’Yverdun, en Suisse (1812). Todavia, nfo foi menhum dos citados livros ow mesmo algum dos da sua vasta obra literiria que 0 resgataria do esquecimento, Curiosamente. de todas as suas obras, aquela que hoje se apresenta mais signifi- cativa ¢ um opisculo de meia centena de paginas que tem por titulo “Esquisse et vues préliminaires d'un ouvrage sur Péducation comparée, entrepris d’abord pour les vingt-deux cantons de la Suisse, et pour quelques parties de Allemagne et de I'Italie, et qui doit comprendre successivement, d’aprés le meme plan, tous les Etats de I'Europe (1817)”. Com esta pequena obra, Jullien nao pretendeu propriamente criar, como alguns comparatistas defendem, uma ciéncia nova, Ele simples- mente procurou introduzir a comparacao na abordagem da educagdo. No entanto, independentemente do pro- pésito da brochura ser findamentalmente de caricter Pratico, no devemos esquecer que foi cle quem, pela primeira vez e logo num titulo, utilizou 0 temo “ede cagdo comparada”e se preocupou em tragar as Hinhas em que devia assentar um estudo conducente 4 elaboracao de uma “obra sobre a educagio comparada”, Tratando-se de um homem habitnado 4 acgao, é bem. possivel que a sua inteneo fosse. de facto, a de lancar um “projecto de wm grande empreendimento”, que consistia em recolher informagdes com as quais se devia claborar um quadro comparado dos principais estabe- lecimentos de educagdo existentes nos divetsos paises europeus bem como do seu fincionamento € métodos. ‘Se assim se considerar. o optisculo é na realidade apenas uum “esbogo preliminar sobre tim projecto de aceao (GARRIDO, 1986, p. 32), com que se pretendia obter a necessétia colaboragdo de pessoas influentes © dos poderes piiblicos, para depois se poder concluir a methor forma de proceder a descjada reforma da educagao. Scja como for. 0 livro & composto por duas partes: na pri meira, encontra-se a justificacio do referido projecto, 0s seus objectivos e nodes gerais: na segunda, apre- senta-se tim instrimento para com maior eficécia se recolherem os dados, constituido por duas grandes series de questdes. Educagii, Porto Alegre. 31, 1.2, p. 124-138, maio/ago. 2008 O sentido da Educagio Compared. Vejamos 0 que realmente pretendia Jullien através das suas proprias palavras Tratar-se-ia de organizar, sob os auspicios e com a protecgao de um ou de virios prineipes soberanos, e com © concurso das sociedades de educagio j& existentes, uma Comissto especial de educasao, pouco numerosa, composta de homens enearregados de recolher, por eles mesmos ¢ por intermedia associados correspondentes, escolhidos com euidado, fos materiais de um trabalho geral sobre os esta belecimentos e os métodos de edueagdo e de instrugto dos diversos Estados da Europa, relacionados e ccomparacdos entre si sob este aspecto, Séries de questdes sobre cada ramo da educagio e da instrusio, redigidas de antemo, classificadas sob titulos uniformes, seriam fornecidas a homens inteligentes ¢ activos, de julgamento seguro, de moralidade reconhecia, os quais procurariam a solugdo nos estabelesimentos de educagao, parti= culares e piblicos, que teriam a missao de visitar ede observar sobre diferentes pontos. ‘Esses resumos analiticos de informagoes recolhidas, ‘a0 mesmo tempo ¢ na mesma ordem, sobre a situagio da educagdo eda instrugdo publica em todos os paises a Europa, proporeionariam sucessivamente, em ‘menos de tés anos, quadros comparativos do estado actual das nagées europeias, sob este ponto de vista importante, Poderia julgar-se, com facilidade, quais as que avangam, as que recuam, as que permanecem ‘num estado estacionario; qual ¢, em cada pai a parte fraca on enferma; quais as causas dos vicios interiores que acaso se observaram: ou quais os obstaculos 20 prestigio da rligizo e da mora, e a0 progiesto social, @ como esses obstacuilos podem ser supersdos: enfim, quais as disciplinas que oferecem aperfeigoamentos susceptiveis de serem transportados de um pais para outro, com as modifieagdes @ as mudangas que as circunstancias eas localidades poderiam levar ajulaar convenientes. Por este extracto, podemos perceber porque & que 0 pequeno livro de Jullien obteve tanta accitagao entre 0s comparatistas da segunda metade deste século. E que ricle sc encontra praticamente entnciado todo tn corpus comparativo educacional e se sugere a criagao de uma Comissdo, que devia de compilar e tratar as informacdes necessérias 4 obtencdo de quadros comparativos que permitissem ajuizar do estado da educagtio nas diferentes nnagdes europeias. Alm disso ¢ exactamente com 0 objectivo de de- monstrar como se podia fazer a recollia dos dados necessirios a uma correcta deseriga0 dos sistemas educativos e a posterior comparacso entre eles, Jullien apresenta aj referida segunda parte composta por duas séties de questdes: a primeira debrugava-se sobre a “Educagao ¢ instrgao priméria ¢ comum” ¢ integrava 120 perguntas; a segunda comportava 146 ¢ tinha por tiulo “A educagdo secundaria e clissica” 329 0 fim deste questionéio, uma nota esclarecia: “As quatro séries de questies. que devem completar 0 Esboco do ensaio sobre a pedagogia comparada, serio publi- cadas imediatamente”, Tanto quanto se sabe, isso munca acontecetl. Os referidos questionsrios em falta eram os, “A cdhicagdo superior ¢ cientifica”: “Educagao ‘Educagao das mulheres"; “Educagio, nas suas relagdes com a legislagao © com as instituigdes sociais”. Compreender-se-é melhor, no entanto, a at séncia destas séries se tivermos em atencdo que os questionérios nfo giravam somente em torn dos as- pectos institucionais mas que se compunham de per guumtas que ultrapassavam o proprio dominio escolar & incidiam quer sobre aspectos da formagio religiosa © moral quer sobre aspectos dietéticos e sanitarios Na verdade, Fullien dava muita imporncia aos questionarios, considerando-0s verdadeiros instrumentos, de trabalho para a andlise educativa, Na sua perspectiva, através deles poder-se-iam obter “colecedes de factos € de observacdes, agrupadas em quadros analiticos que permitiam relaciond-las ¢ comparé-las, para delas deduzir principios certos” e, deste modo, transformar-se a cducagao numa “cigncia mais ou menos positiva”, Ow seja, ele o diz expressamente, as investigagdes sobre educagio comparada deviam servir para fornecer meios novos para aperfeicoar a ciéncia da educacio, Infelizmente. as palavras de Jullien nao tiveram 0 eco necessério, Independentemente deste seu pequeno livro ter comhecido uma traducdo polaca em 1822 e uma parcial para inglés, em 1826, publicada no American Joumal of Education, ele permanecen praticamente esquecido até depois da Seginda Guerra Mundial. So- bretudo nao teve qualquer influéncia nos viajantes e nos comparatistas que estudaram os sistemas educativos estrangeiros durante muitas décadas. PERIODO DA DESCRICAO, Como o préprio Jullien deixow bem claro, a sua ideia de Ediucagio Comparada exigia trabalho de uma equipa intemacional. Talvez fosse por isso que nfo teve seguimento 0 seu projecto. Por outro lado. os seus objectivos devem ter parecido demasiado ambiciosos para a época ¢ nio foram por certo compreendidos. No entanto, o interesse por outros sistemas educativos era partiliado por outras petsonalidades do seu tempo. Ji Citamos nomes que escreveram sobre o assunto antes dele, mas outros mais o fizeram posteriormente em anos, mais ou menos proximos da data da publicagao da sua pequena obra. Mas vendo bem os traballios publicados, em geral, 0 que se pretendia eta conhecer como se organizava o ensino em paises tidos como especialmente desenvolvidos para importar os aspectos que pode- riam introduzir melhorias nos sistemas escolares a que Educagii, Porto Alegre. 31, 1.2, p. 124-138, maio/ago. 2008 130 pertenciam os autores. Estamos, pois, diante de publi- cagdes que denunciam um interesse politico imediatista, portanto, muito mais adequadas a satisfazerem a cuio- sidade daqueles que desejavam para os sens paises sistemas educativos que 0s colocassem entre as socie- dades mais modemas. ‘No intuito de methor podermos dar uma visto mais esclarecedora deste period, apresentaremos uma breve panordimica sobre as abordagens realizadas durante © século XIX, referindo-nos téo s6 aos nomes mais significativos e aos paises mais citados, ‘Nos Estados Unidos, John Griscom (1818-1819). sob o titulo A year in Europe, publica dois volumes com observagdes de institigbes cdticativas da Gra-Bretanha, Franga, Suica, Itélia e Holanda, que tiveram grande repereusso no pais. Mais tarde, em 1843. Horace Mann, que foi secretétio do Board of Education de Massachusetts, publica Seventh Report onde regista as, suas obscrvagdes na Inglaterra, Escocia, Irlanda, Franga, Alemanha ¢ Holanda. Henry Bamard, que exercen fungdes idénticas as de Mann em Connecticut e mais tarde em Rhode Island, realizou varias viagens a Europa € deu uma ampla informagdo sobre os sistemas ¢s- frangeiros através do The American Journal of Education (1856-1881 ~ 31 v) ‘Na Franca. Victor Cousin publicou 0 famoso Rapport sur l'état de Penseignement et de Pinstruction publique en Allemagne et particulérement en Russie (21831), resultado da sta deslocagao a Prissia, por ordem do Conselho Superior da Instrugo Pablica francés, ‘Tratava-se apenas de uma descricGo do sistema educativo prussiano mas teve grande influéncia na Franga, Inglaterra e nos Estados Unidos. ‘Na Alemanha, Niemeyer, um dos viajantes que es- creveu, em 1824, uma obra de caracteristicas misceli- nicas, deu especial atencio a aspectos educativos tio significativos como a reforma universitaria de Napoleao. Por sua vez, as experiéncias educativas inglesas me- receram também interesse de alguns alemiics, como Fisher (1827) e Kruse (1837). No entanto, foi F. W. Thiersch que redigiu a obra mais ambiciosa desta época Publicada em 1838, ela analisa as experigncias edu- cativas na Alemanha, na Franca, na Holanda e na Bélgica argumenta sobre a utilidade das viagens a0 estrangcito, ainda que também considere algumas precaugdes a tomar quando se realizam descrigbes deste género. No que diz respeito a Inglaterra destacaremos Mathew Amold e Michael Sadler. Amold, tendo sido enviado pela Schools Enquiry Commission ao continente europeu, obteve um cone cimento profindo sobre a situacao da educagao em Franga ¢ na Alemanha, bem revelado ao longo de varios trabalhos que fez publicar entre 1861 e 1882, Contudo, Anténio Gomes Fosreira ainda que, como tantos outros contemporineos seus, tena procurado recolher ideias e experignciastiteis para © set pais, no deixou de advertir sobre 0 perigo da imitagdo de aspectos isolados sem se levar em con- sideraco 0s contextos que os tomam possiveis. De facto, um dos contributos mais importantes consistiu na delimitagtio de factores determinantes para a confi- guragao dos sistemas educativos nacionais, entre 05 quais destacou as tradigies histéricas, 0 caricter € as diferencas nacionais, as condigdes geogrificas, a eco- noma e a configuracdo da sociedade. Como vemos, neste period, ja ha indicios de que a meta descrigao dos sistemas nacionais de outros paises ow de aspectos educativos a cles pertencentes cra insuficiente para a compreensao do fendmeno da edu- cago. Sera precisamente essa preocupacdo que levari Michael Sadler a protagonizar uma alteragao na forma de abordar a Educagtio Comparada, Atendendo a esse facto, embora reconhecendo 0 sew importante trabalho na recolha de informagdes acerca das experiéncias educativas estrangeiras, entendemos consideré-lo sobre- tudo como precursor do periodo seguinte. PERIODO DA INTERPRETACAO Como em tantas outras tentativas de petiodizacao, (05 marcos cronolégicos ¢ as denominagdes apresentadas apenas pretendem tragar os contomnos de um discurso de maior visibilidade mum determinado tempo. Outros nomes ¢ outras datas igualmente pertinentes sio pose siveis © algumas delas poderao ser referidas a tinalo ilustrativo Como jé demonstramos atras, preferimos fazer ini iar este periodo no ano de 1900, porque 0s com- paratistas entendem que nele se deram acontecimentos significativos para o arrancar definitivo da Educacao Comparada: um, foi a organizacdo, pela primeira vez, de lum curso universitério de Educagtio Comparada na Universidade de Columbia, onde James E. Russel pro- curou que a abordagem dos sistemas educativos se fizesse sempre em estreita associagao com as condigdes, sécio-culturais das sociedades em que se inseriam: outro, foi a publicagtio dum excelente texto de Michael Sadler no qual cle se promunciava sobre a utilidade da Eduicacao Comparada para a compreensdo do sistema educative nacional ¢ onde defendia que cada sistema de educacio devia ser estudado em relagdo com 0 contexto social. Amos os casos obrigaram 4 sistematizagao de conhe- cimentos ¢ catapultaram a Educagao Comparada para uma espécie de autodeterminacdo que se foi (re)de- finindo, como veremos, ao longo do século. Apesar de Sadler ter nascido cm 1861 ¢ deter tido a oportunidade de comegar a interessar-se pela educacao Educagii, Porto Alegre. 31, 1.2, p. 124-138, maio/ago. 2008 O sentido da Educagio Compared. no estrangeiro, alguns anos antes de terminado o século XIX, foi, porém, no seguinte que o seu contributo se tomou significativo, Afinal, so cm 1903, 0 departamento de investigacto do Board of Education, por ele ditigido, publicou onze volumes sobre o ensino. nos quais figuram numerosas informagdes sobre a educagao europeia e americana, De qualquer modo, nio seri por isso que the damos 0 merecido destaque, mas sim porque € con siderado, por outros comparatistas, como 0 iniciador uma concep¢ao teérica em Edutcagaio Comparada ‘Na sequencia de uma conferéncia, Sadler publicou, em 1900, um texto intitulado “How far can we lea anything of practical value from the smdy of foreign systems of education?”, no qual apresenta algumas das stias principais ideias sobre a forma de abordar os estudos comparativos e a utilidade que deles se pode tirar. Para Sadler, as “forgas determinantes” que devem permitir compreender a estrurura dum sistema educative sio o Estado, a Igrcja, a familia, a economia, a politica, 5 minorias nacionais e a influéncia das universidades Segundo ele, nunca nos devemos esquecer “que as coisas que estdo fora da escola, sao mais importantes que aquelas que se encontram dentro dela”. E bem evidente que, para ele, hd todo um mundo que evolve a educagio dum pais. “Um sistema nacional de educacdo é algo vivo. produto de lutas ¢ dificuldades esquecidas e de batalhas do passado. Contém enn si algo da dinamica secreta da vida nacional. Reflecte, a0 ‘mesmo tempo que procura remediar, os defeitos do caracter nacional, Instintivamente poe, com frequéncia especial, énfase naqueles aspectos da formacdo que 0 caracter nacional necessita. Da mesma forma evita acentuar tudo © que no passado causou conflitos que podem dividir a vida nacional, Mas € provavel que, se captarmos com um espirito aberto ¢ compreensivo as relagdes © os significados profundos de um sistema educativo estrangeiro, nos vejamos melhor preparados para nos introduzitmos no espirito ena tradigtio do nosso sistema.... O valor pratico de estudar 0 funcionamento dos sistemas educativos estrangeitos, no seu verdadeiro espirito e com preciso cientifica, € que, como resultado disso. estaremos melhor preparados para estudar © compreender 0 nosso” (SADLER, 1900, p. 313-314) As palavras de Sadler permitem ver que cle con- tinvaya a crer fortemente na utilidade da Educacao Comparada como forma de contribuir para a methoria do sistema educativo do pais, Contudo, cle ja nao se preocupa tanto com o que deve ser imitado ow trans- plantado do estrangeito, o que pretende ¢ compreender , se necessitio, melhorar, o sistema educativo do pais, através do estudo dos factores e das forcas que de- terminam ¢ condicionam os sistemas educativos em geral, Concluindo, Sadler compreenden que a Educagio 131 Comparada ndo podia deixar-se prender a simples desctigdes dos sistemas educativos mesmo que estes fossem sujcitos a0 rigor da cstatistica, Precisava de compreender a educagao na sta relagdo com sistemas sociais ¢ culturais mais amplos: de dar importincia & compreensdo do espirito © da tradicao dos sistemas educativos; de encarar 0 estudo dos sistemas educativos estrangciros como forma de melhor se compreender 0 do proprio pais. A pattir de Michael Sadler, a Educagiio Comparada toma tuma postura mais explicativa. A maior parte dos comparatistas, da primeira metade do século, dé especial atengao ao estudo das tais foreas, factores ow cansas dcterminantes, explicativas ou configurativas dos siste- mas educativos. E por isso que também se denomina esta etapa de “explicativa” ou “analitica”. tal foi o empenho dos comparatistas mais relevantes desta época em nao s6 descrever a educagtio dos outros paises, mas também em indagar as swas causas © cm procurar interpreté-las Seguindo A.D. Marquez (1972). abordaremos este periodo considerando as seguintes tendéncias: inter- pretativo-historica: interpretativo-antropolégica: inter~ pretativo-filosofica Abordagem interpretativo-histériea Esta tendéncia pode ser caracterizada através de dois, importantes nomes da Educagio Comparada da primeira metade do século XX: I. L. Kandel e N. Hans. Isaac L. Kandel, seguindo uma linha sadleriana, interessa-se nao tanto pelos factos educativos mas sobretudo pelas causas que os possibilitam. No estudo dessas causas, concede especial relevo aos factores histéricos. Kandel cré que a histéria dos povos permite descobrir as particularidades nacionais dos sistemas educativos, tendo em conta as forgas politicas, sociais, culturais ¢ 0 caracter nacional Noah ¢ Eckstein (1969) consideram que 0 mais positivo da contribuigao de Kandel para a Educagao ‘Comparada se pode resumir aos aspectos seguintes, — insisténcia na importéncia da recolha de dados fidveis; — insisténcia na necessidade de se indagar 0 con- texto historico-cultural de cada sistema educative: ~ insisténcia na necessidade da explicagdo. Nicholas Hans apresenta uma coneepeto teérica original ¢ solidamente estruturada de Educagio Com- parada (VEXLIARD, 1967). A sua abordagem utiliza-se tanto da Historia como da Sociologia na interpretagao dos dados e por isso Ferran Ferrer (1990) escreveu que ele pode set cousiderado como um predecessor da abordagem comparativo-funcional de que falaremos depois. Educagii, Porto Alegre. 31, 1.2, p. 124-138, maio/ago. 2008 132 Para Hans, 05 factores determinantes dos sistemas educativos nacionais repartem-se por trés grupos: — Factores naturais: raga, lingua, meio-ambiente: — Factores religiosos: Catolicismo, Anglicanism, Pucitanismo: — Factores seculares: Humanismo, Socialismo, Na- cionalismo, Democracia ‘Na sua opinido, a compreensdo do cardcter nacional € absolutamente fundamental para interpretar 05 sistemas nacionais de educagdo. Ora, no seu entender, hi cinco factores que definem uma nagao ideal: “1. unidade de raca, 2. unidade de religiao, 3. unidade de lingua, 4. unidade de tetrititio e, 5. soberania politica” (HANS, 1971, p. 13). Nenhum desses factores eta, no entanto, ‘ido como “suficientemente poderoso pata, sozinho, criar «ssa unidade social ¢ cultural que chamamos de nasao”’ para isso, eram precisos varios; nas stas palavras, era necessério que actuassem “conjtmtamente pelo menos quatro desses factores”, Dai que 0 carieter nacional fosse entendido como “um resultado complexo de misturas raciais, de adaptacbes linguisticas, de movimentos religiosos e de situagdes histéricas © geogréficas em eral” (1971. p. 14) Abordagem interpretativo-antropolégica Aqui contemplaremos fndamentalmente a posigto. de Scheider, embora também Mochlnan metesa ser referenciado, A Friedrich Sclmeider nao the interessou 0 estudo das caracteristicas de um sistema educativo para pura e simplesmente as couhecer ow copiat, porque, pata ele, esse estudo sé tinha verdadeiro sentido se se analisassem os diversos factores que configuravam um sistema educativo: o caricter nacional, 0 espago geografico, a cultura, a ciéncia e a filosofia, a estrutura social politica. a econouia, areligido, a istéria, as influéucias estrangeitas ¢ as influéneias decorrentes da evolugao da pedagogia Na tentativa de elucidar como cada um destes factores implicavam com a esiruturagdo dos sistemas educativos nacionais. Schneider tem em conta, funda- mentalmente, 0 cardcter nacional ¢o factor histarico. No cotanto, © mais original do seu pensamento talvez se prenda com o papel do factor endégeno (imanente, interno ow potencial) nessa estruturagao dos sistemas. Schneider considera como forsas endégenas pola tidades dialécticas tais como: problemas e sas solucdes, passividade e actividade, racionalidade-irracionalidade, individuo-moral colectiva, estatuto social-mobilidade social, obediéncia-dignidade humana, necessidade-liber- dade, a escola ¢ a vida, ete.. Em seu entender, um est do hist6rico dos sistemas educativos nacionais devia Anténio Gomes Fosreira encontrar 0 movimento dialéctico entre as polaridades fundamentais, que constituem o essencial das foreas imanentes, determinando a evolugao dos sistemas, ‘Vemos, assim, que a perspectiva histérica contimna muito presente na abordagem de Schneider. No entanto, € igualmente certo que, ao considerar os factores con- figurativos do sistema educativo, dé especial atengio & relagdo cultura-educacao, stigerindo que ao encontrar-se concordancia na educagao de distintos povos se pergunte sobre a possibilidade de se atribuir tais concordancias as coincidéncias existentes entre as respectivas culturas. De acordo com Arthur H. Mochiman, a Educacaio Comparada tem necessidade dum principio de classi- ficagdo sistemético, vilido, pelo menos, para uma deter minada época, que derivando do pasado abriria pets- pectivas de futuro, Nesse sentido, considera que hi ne- cessidade dum modelo teérico que permita examinar a educagiio na sua estrutura cultural, no s6 como um sis- tema vigente mas também como uma tnidade historica © modelo de Moelilman apresenta catorze Factores agrupados por afinidades — 1° Poputlacao, espago, tempo: — 2° Linguagem, arte filosofia, religiao; — 3° Estrutura social, govemno, economia; — 4° Tecnologia. ciéncia, sade. eduucacdo, Na sta opiniao, o perfil da educagao, em cada socic- dade, & determinado pelo complexo jogo das inter- feréncias ¢ das interaccdes entre estes factores. Abordagem interpretativo-filoséfiea Sobre esta tendéncia, apenas daremos breve aponta- mento do pensamento de J. A, Lauvveris, embora Sergius Hessen tivesse também cabimento, pois procurou desco- briras bases tebtico-ideologicas dos sistemas educativos. Para Joseph A. Lauweris (1959), mais do que falar em cardcter nacional, a Educacdo Comparada deveria atender aestilos nacionais de filosofia, porque, ainda que a filosofia tenha um alcance universal, os diversos povos. apresentam wma inclinagao por um determinado tipo de pensamento filoséfico, Lauweris, no entanto, nao deseja que a Educacio Comparada exclua outros pontos de vista. As outras formas de abordagem sto consideradas também. importantes. A perspectiva do historiador, do sociélogo. do antropélogo, entre outras, so tidas como pertinentes desde que seja confiada a abordagem filos6fica a sintese critica que conferiré a cada uma das outras disciplinas 0 Iugar exacto da sua contribuicao, PERIODO DA COMPARACAO COMPLEXA Com 0 inicio do século XX, como j4 o demons- trimos, veio uma nova forma de encarar 0 estudo da Educagii, Porto Alegre. 31, 1.2, p. 124-138, maio/ago. 2008 O sentido da Educagio Compared. edlucaciio nos outros paises. Sadler veio a por em diivida anttilidade duma mera recolha de dados sobre a educagao «em paises estrangciros, A descrigao cra nccessaria mas indo suficiente: era preciso juntar-Ihe a explicacao e foi ‘sso que muitos fizeram depois de Sadler. Comparatistas, como Kandel, Hans, Schneider. Mohlman, Hessen, entre outros procuram as caracteristicas € os factores do caracter nacional, na tentativa de compreender a relagao centre a educacdo e a sociedade, mas a perspicicia das stias anilises sofre, no minimo, de evidente subjecti- vvidade € etnocentrismo europeista © periodo entre guerras, apesar de considerado ~“extremamente importante” por Vexliard (1967, 32). 140 pode, obviamente, set hoje reconhecido como a “era da maturidade” da Educagio Comparada. Verifica-se que, em vez da anslise do fimncionamento real, se caracterizou fundamentalmente por um acumular de observagdes © pelo recurso a explicagdes com nogdes tio vagas como “caricter nacional”, “raga”, “humanismo”, “forgas ima- nentes”, nogdes que denotam atraso na utilizacao da estatistica e da anilise sociolégica. [Nos anos que se seguiram, as tentativas de renovagao da Educagaio Comparada, resultaram em abordagens bastante diversificadas (HALLS, 1990, p. 29-41). Sem pretendermos abarcar todas ¢ semmos exaustivos, € nossa intengdo deixar uma breve apresentagtio das mais re- feridas. Abordagem positivista Desde o fim da Grande Guerra até cerca do final dos anos sessenta, as anilises sociolégicas orientavam-se flundamentalmente pelo funcionalismo, que via a socie- dade como resultado de elementos interdependentes & solidétios entre si. O sistema social, tal como um orga- nismo vivo, € um todo organico consttuido de insti tmigdes relacionadas entre si e dependentes umas das otras, orientadas para a conservagio da vida social Sob a influéncia do funcionalismo, os estudos de Educagtio Comparada procuram aleangar uma melhor compreens2o das complexas inter-relacoes entre a edu- cago € a sociedad, na esperanga de contribuir para 0 aperfeigoamento e democratizagaio da educacao, capaz de levar A modemizacio e & transformacio economica social (BONITATIBUS. 1989) ‘No entanto, o flncionatismo & claramente descrti- vo; nao tem uma dimensao historiea nem explicativa (GROUX, 1997). A abordagem funcionalista, bastante global e sistémica, pode ser operatéria e, portanto, apre- seutar-se como cientifica, Mas parece algo artificial limitar-se a descrigdo ea verificagdo da fhmgio das partes no seio do todo, sem abordar em algum momento 0 sentido da organizago, seu desenvolvimento, sua his- toria (LE THANH KHOI, 1981). 333 A partir da década de sessenta, surge a perspectiva estrutural-funcionalista que suscitow bastante interesse. De acordo com cla, as instituigdes educacionais tém uma estrufura € desempenham uma ou mais fungdes, esta- belecendo-se um relacionamento entre elas (estrutura/ funcdo) € com as outras instituigdes sociais. Autores como Kazamias ¢ Anderson apresentam trabalhos, logo nos inicios dos anos sessenta, que pretenidem inserir-se no dmbito desta perspectiva Para A. M. Kazamias (1965), a Educagao Compa- rada devia adoptar deliberadamente uma base cientifica os seus estudos poderiam tender para a necesséria objectividade utilizando 0 método fancionalista e a sua técnica das covariagses. Segundo Kazamias, as estra- turas e instituigdes equivalentes em dois ow mais paises, nfo correspondem necessariamente a fingdes equiva lentes. Nesse sentido, o objectivo da Educacdo Compara da deveria ser 0 de descobrir as fungdes que as escolas, como estruturas sociais, desempenham em cada pai Também C. A. Anderson parte da mesma perspecti- va, para sugerir que a investigagao comparativa deve atender a duas dimensdes: a situagdo educativa em sie a relagiio dos aspectos educativos com 0 seu contexto. A. primeira, pede uma analise intra-educativa, ou seja, uma andlise que se debruce sobre os dados eminentemente educativos, procurando, principalmente, estabelecer relagdes entre os distintos aspectos dos sistemas edu- cativos. A segunda, requer uma anélise social-educativa, capaz de estabelecer inter-relagdes entre as caracteris- ticas educativas ¢ as varidveis sociais, politicas, eco- nomicas, culturais, que condicionam uma reatidade vasta e complex A abordagem foncionalista pretendeu obviamente fomecer tum quadro interpretativo mais fifvel, a0 nao dissociar a estrtura da fung4o, a0 trabalhar aspectos mais manejaveis da realidade e ao fornmular generalize des passiveis de convalidacdo empitica (KAZAMIAS. 1972), Como ja acentuon Novoa (1998), a retérica da “cientificidade” € a melhor maneira de dissimular as dimensdes ideolégicas deste enquadramento tedrico que nega 0s conflitos sociais no seio da educagao, De facto. 6s autores que se sittam nesta perspectiva estao fun damentalmente preocupados com o rigor do método comparativo e com a possibilidade de alcangar conclu- sdes que servissem inclusivamente para. posteriores Adecisdes politicas Assim, ndo se pode dizer que Noah e Eckstein partam de uma nova preocupacio e que avancem com ‘uma perspectiva realmente nova, No fundo, o seu esforco de cientificagao da Educagao Comparada segue na linha de Bereday. Isto nao significa, todavia, que a abordagem de Noah e Eckstein deixe tudo na mesma. A sta proposta Educagii, Porto Alegre. 31, 1.2, p. 124-138, maio/ago. 2008 134 de uma andlise sistematica assente nos_métodos quantitativos das ciéncias sociais contribuin fortemente para o relangar da Educago Comparada, Com Harold J. Noah ¢ Max A. Eckstein (1969), os estudos compa- rativos propdem-se, por meio duma “anilise cientific assente na formulacdo e comprovacde de hipéteses e na quantificagio € controle da investigacdo, aleangar um nivel explicativo rigoroso, capaz, inclusivamente, de estabelecer relagdes causais entre fendmenos educativos e sociais. A utilizagio do modelo empirico-quantitativo em Educacdo comparada, designado de cientifico por Noah ¢ Eckstein, foi de facto tido como bastante promissor. Ele propos-se a genetalizar os resultados obtidos, além dos limites de uma s6 sociedade; a oferecer um campo de investigagio suficientemente amplo para testar propo- sigdes somente passiveis de prova em um contexto inter nacional; a abrit-se & colaboracdo interdisciplinar: a produzir conhecimento capaz de tanto levar a reflexdes estimulantes como a orientar decisdes de politica edu- cacional (BONITATIBUS, 1989). Assim dito parece que a ciéncia ai estava para tudo resolver. Bastava tio so- mente abragé-la, investir nela, para se alcangar a verdade € decidir sobre 0 caminho a seguir. Século e meio depois, de ter publicado o seu esboco sobre a Educacio Com- parada, Marc-Antoine Jullien devia estar satisfeito: afi- nal a educacio podia tomar-se uma ciéucia um tanto mais positiva Abordagem de resolucio de problemas Um dos representantes maximos ¢ seguramente 0 mais conhecido desta abordagem em Educagao Com- parada € Brian Holmes. Desde meados dos anos sessenta, ou seja, desde que publicou o seu famoso livro Problems in Education: a Comparative Approach, Holmes foi de- senvolvendo a sua ideia inicial, que ganhiou maior credi- bilidade e um crescente interesse. As intengdes de Holmes (1965) so confessadamente cientificas e utilitirias e isso deve ser 0 motivo do cesso desta abordagem que se tomou uma referéncia incontomavel em Educagao Comparada, De acordo com o citado autor, € preciso partir dos problemas educativos especificos que existem nas diversas sociedades © procurar encontrar as solucdes ‘mais convenientes. De facto, a unidade de comparacio nao € mais definida em termos de espago; 0 que se pretende é identificar problemas pertinentes e submeté- los a estruturas racionais que pudessem levar & sta solugao. As principais fases desta abordagem pela resoluctio, de problemas sao as seguintes: andlise dos problemas, formulagao da hipétese ou duma solusao politica, es- pecificacio das condigdes iniciais nas quais o problema Anténio Gomes Fosreira foi localizado, predigto logica dos resultados provaveis a partir das hipéteses adoptadas, comparacao dos re- sultados logicamente preditos com os acontecimentos, verdadeiros (HOLMES, 1986). Abordagem eritiea Nos anos sctenta, 0 optimismo acerca da evohugaio da educagdo desvanece-se. A instituigao escolar passa a set vista como um dos mais importantes aparelhos. ideolégicos do Estado e, logo, como um instrumento de dominagao reprodugao da ideologia dominante. A partir dai, a educagao viu-se alvo de abordagens contra- dit6rias: para uns, agente de mudanea, desenvolvimento promocao social: para outros, instituigdo legitimadora da desigualdade e ao servigo do poder: © que interessa aqui salientar ¢ que sob a influéncia da Teoria da Dependéncia da Teoria da Reproducao, comecam a aparecer discursos criticos, nomeadamente sobre a acco das organizacdes intemacionais © as po- liticas que diziam respeito ao Terceiro Mundo. Como ¢ natural, estes discursos crticos, rejeitam por completo as abordagens ligadas ao funcionalismo estru- tural, porque elas seriam responsiveis pela legitimacao de uma ordem social injusta, que, internamente, se mani- festava na manutencdo da desigualdade e, externamente, na criagao de situacbes de dependéncia. Martin Camoy (1974) foi seguramente tum dos pio- neitos a apostar neste tipo de abordagem. Apoiando-se uma série de estudos de caso, procurou explicitar “as bases estruturais da desigualdade educacional”. através da anflise da expansio diferenciada da educacdo escolar que atendcria, intemamente, aos interesses da classe dominante e, 4 escala mundial, aos do imperialismo. Com as abordagens criticas assiste-se também a uma renovasdo do objecto da comparacao. Como constataram, Altbach ¢ Kelly (1986), as criticas dos anos setenta deram origem a uma literatura que se debruca sobre os, que vao a escola mas também sobre a diferenga de oportunidades, de experigncias e resultados das mulhe- res, das minotias émicas e raciais e dos diferentes es- tratos sociais. Nao se trata, muitas vezes, de investi- gagdes que impliquem uma comparagao entre paises: trata-se de compatar a experiencia das mulheres, das minorias e dos diferentes estratos sociais nas suas re- agdes com a educagao. Abordagem socio-histériea Ao aproximar-se 0 fim do século XX e em particular ao longo da sua iltima década, foi-se acentuando a ideia de que a complexidade da realidade nao se compadecia com abordagens que se circunscreviam na procura da explicacdo tinica, objectiva e neutra. A abordagem sécio- histérica, como nos sintetiza Novoa, procura reformular Educagii, Porto Alegre. 31, 1.2, p. 124-138, maio/ago. 2008 O sentido da Educagio Compared. © projecto de comparagao passando da anise dos factos 4 andlise do sentido histérico dos factos. Nao sendo a realidade mais conccbida como uma coisa objectiva ¢ concreta sente-se a necessidade de compreender a sta natureza subjectiva e o sentido que Ihe é atribuido pelos diferentes actores. A busca de novas inteligibilidades assenta na recon ciliagao entre a historia © a comparagao; 0 esforgo de organizar uma abordagem comparativa baseada em fundamentos histéricos representa, segundo Jurgen Schriewer (1992). a melhor via para conseguit a sepa- ragio analitica entre o geral eo particular, necessétia a uma interpretacdo histérica portadora de sentido. E no ir ¢ vit historico ¢ no discemir o global ¢ local que se busca © consiréi o objecto da comparagao. A. investigacao comparativa deve partir para a compreensio, interpre- tando, indagando € coustruindo os facios, © mio res- wingir-se a deserevé-los, Podemos, assim, perceber uma ‘mudanga paradigmatica que se caracteriza por uma maior atengdo a histéria e 4 teoria, em detrimento da pura descrigao e interpretacao, aos contetidos da educagao e nnio somente aos resultados, a0s métodos qualitativos ¢ etiogrificos em vez do uso exclusivo da estatistica (PEREIRA, 1993: NOVOA, 1995). A anilise tende a prender-se em contextos definidos pela invisibilidade de praticas discursivas. tendo os autores procurado tematicas como a consolidacao das formas “legitimas” do conhecimento escolar. a construgao do curriculo, 1 formagio das disciplinas escolares (SCHRIEWER: PEDRO, 1993; POPKEWITZ, 1993) PARA UMA ABORDAGEM SOCIO-DINAMICA? UM EPILOGO PossivEL A educagdo é um campo de acgao tao complexo que no se tem mostrado ficil de aprecuder ¢ muito menos de se deixar reduzir a uma simples ciéncia. A sua com- preensiio exige estudos muito diversificados ¢ conheci- mentos ¢ abordagens pluridisciplinares, que devem ser chamados a interagir de modo a melhor elucidar o(8) problema(s) ou 0(8) aspecto(s) sobre os quais se acham em condigdes de tomar uma posigao intelectualmente consistente. Assim, parece-nos pertinente considerar a Edtucagao Compatada como componente pluridisciplinar das Cigucias da Educacdo, que deve debrugar-se compa- rativamente sobre dindmicas do processo educativo considerando contextos diversos definidos em fungao do tempo e/on do espago, de modo a obter conhecimentos que no setiam possiveis alcancar a partir da andlise de uma s6 situacdo, Todavia, porque a Educasao Compa ada nao pode compreender qualquer processo educativo sem olhar para 0 seu fincionamento intemo «, simulta neamente, encarar as stias relagdes com as dimensdes 135, politica, econémica, social ¢ cultural que 0 envolve, condiciona ou determina, ela nao deve considerar-se auto-suficiente mas, pelo contrério, tem de procurar 0 dilogo com outros campos disciplinares. Esse dislogo no deve, no entanto, ser condicionado por qualquer espécie de subserviencia cientifica, ou seja, a Educacao Comparada néo pode colocar-se como subsididria de uma qualquer disciplina ow técnica metodologica, Ela tem de assumir-se como wim saber que resulta da inter- pelagao, através da comparagio, da educagio em seus iltiplos aspectos, situados em contextos diferentes, captados e analisados com recurso a téenicas e metodo- ogias providenciadas por outras cigncias quando para tal forcm consideradas as mais adequadas pelos com- pparatistas, Para além duma criteriosa abertura metodo- logica, a Educagdo Compatada deve procurar apoiar-se num ecletismo interpretative fimdado no cruzar de saberes provenientes de varias éreas cientifieas. Ela seri tanto mais interessante quanto envolver, mma expli- citacdo de um aspecto ou na superacdo de um problema educacional, conhecimentos pertinentes. provenientes de outros dominios cientificos. Mas, mais uma vez se sublinha, € de fimdamental importincia que a interpelagao se faca a partir da necessidade de se compreender a educagio © que da comparagao re- sulte conhecimento diferente do produzido por outra cigncia A dignificacdo da Educagio Comparada passa por saber conciliar 0 apelo ao pragmatismo que a conduz & condigio de mera tecnologia ao dispor dos interesses. institucionais com a tendéncia intelectualista, especu- lativa e militantemente desinteressada, que com frequen cia prevalece em meios académicos, Esta tiltima inter~ pela, frequentemente, a educagio incidindo sobre as- pectos sociais hipervalorizados no presente tendo em vista a mudanea no pressuposdo que esta deriva fanda- mentalmente da vontade dos protagonistas. A primeira insere-se mais numa preocupagdo de promover conhecimento capaz de habilitar tecnicamente os que devem gerir ¢ decidir sobre as melhores solugdes edu- cativas mim tempo, sem cuiidar de olhar projectivamente, por isso, no antecipando questdes que obriguem a decisoes menos conformistas e mais adequadas a tempos, de acentuada transigao, De nada nos adianta wma Eda- cacao Comparada estéril intelectualmente, actitica, incapaz da deniincia mas dificilmente sera credivel, para quem tem de agit, gerir, administrar, enfim, decidir atriscando-se publica e politicamente, se se revestir de uma retorica hermeética e/ou diletante que a torne pouco acessivel ou inconsequente, Neste dominio, como noutros, 86 ha a ganhar com a realizacdo de trabalhos que interpelem 0 seu objecto com diferentes propositos, © através de diferentes técnicas, porque elas permitirao Educagii, Porto Alegre. 31, 1.2, p. 124-138, maio/ago. 2008

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