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60714-Texto Do Artigo-78200-1-10-20130814
60714-Texto Do Artigo-78200-1-10-20130814
O
CO PSICANÁLISE E
O
EDUCAÇÃO, PONTOS
1
DE REFERÊNCIA
•
a
tos foram publicados antes da "6 Con- lizar" o Saber analítico (teoria corpus)
ferência" de Freud e estão de certo para uma exploração do campo da edu-
modo à frente dos desenvolvimentos cação redundando na produção de um
ulteriores de uma psicanálise aplicada à conjunto de novos conhecimentos sobre
educação que só podem ser lidos nas o citado campo, -seja de tomar em face
entrelinhas em Freud^. Eles são ao mes- deste campo, enquanto pesquisador
mo tempo significativos de uma tendên- "analista", uma atitude interpretativa re-
cia para distinguir, melhor que o fazia dundando também num saber sobre em
Freud, a questão da educação (que im- que ponto está a educação.
plica educação familiar e educação Nestes dois últimos decênios, estes
escolar) da questão pedagógica, no dois grandes tipos de aplicação (inspi-
quadro específico da escola, das rela- ração imediata de uma prática, leitura
ções mestre-aluno que se instituem e da em referência a um saber) dividem-se
personalidade do pedagogo. em pesquisas e publicações, embora o
segundo, mais recente, seja provavel-
mente o mais heurístico.
APÓS FREUD, PSICANÁLISE
1 - O que se pode chamar de
E EDUCAÇÃO HOJE "tradição" da pedagogia psicanalítica to-
ma lugar na corrente geral da psico-pe-
Se se deixam de lado os proble- dagogia. Aos pedagogos (professores,
mas surgidos na análise de crianças e educadores) se exigiria menos uma for-
adolescentes, que são de certo modo mação psicanalítica - como nos primei-
problemas de ordem estritamente ana- ros tempos- que uma consciência dos
lítica, a problemática da "aplicação" ou aportes da psicanálise no desenvolvi-
do "uso" da psicanálise no campo da mento da criança, do adolescente, atra-
escola, pode ser assim esquematizado: vés de uma formação que pode tomar
- Trata-se por ventura de estender várias formas. Não foi por acaso que a
a prática analítica (a cura) a uma práti- partir da instalação, desde 1945, de uma
ca educativa (ensinar, educar)? Ou antes pedagogia curativa, no Centro Claude
de "fertilizar" esta última por um Saber Bernard, Georges Mauco, em 1967, vê
( o saber analítico) originário da cura. na psicanálise um auxílio, seja para uma
Nos dois casos, pode-se talvez falar; na psicoterapia de crianças e adolescentes,
terminologia da Revista, de "analista pe- seja do lado do professor, para uma
dagogo". Mas no primeiro caso surge a melhor "compreensão" do aluno. Mau-
questão crucial da diferença, provavel- co centra efetivamente seu livro, mais
mente incontornável, do projeto analíti- sobre esta compreensão que sobre os
co e do projeto educativo ao nível da cuidados; ele desenvolve também, nu-
prática. No segundo, o risco é de, ao ma perspectiva que se aproxima mais
querer "melhorar" do lugar de um Saber do que chamamos o "segundo tipo" de
(analítico), legiferar e dar à análise uma aplicação, o problema da identificação
posição normativa que lhe é por direito com o mestre e da transferência.
estranha. A pedagogia psicanalítica é evoca-
- No entanto pode-se colocar, na da na Alemanha na mesma época
linha do desenvolvimento já esboçado (1968) por uma obra de Walter Schraml,
pela Revista indicado acima, que a aná- Initiation à la pédagogie psychanaly-
lise (saber ou prática) é antes de tudo tique,1 1
que retoma textos anteriores
interpretação, isto é, leitura e decodifi- de Meng e de Zulliger sobre a subli-
cação. Tratar-se-á então -seja de "uti- mação e elabora uma tipologia "psi-
canalítica" do educador, prelúdio a preceitos relativos a sua "higie-
ne mental". Mas é principalmente ao nível da emergência da peda-
gogia institucional que se desenvolve o que se pode chamar de
infiltração da psicanálise na teoria pedagógica.^ A pedagogia pro-
posta por Aida Vasquez e Fernand Oury leva deliberadamente em
conta "a existência do inconsciente", assim como "um feixe de
noções teóricas, como o fantasma, a transferência, o super-eu, e
quer particularmente "utilizar, no âmbito escolar, a noção de iden-
tificação" para "introduzir psicanálise na aula". Esta infiltração será
também encontrada um pouco mais tarde no trabalho pedagógico,
para dizer a verdade, muitas vezes mais reeducativo que educati-
vo, evocado nos textos de Xavier Audouard, o qual situa sua
reflexão e sua prática a partir da condição de analista e não de pe-
dagogo. 13 Audouard propõe um novo modelo de função educati-
va fundado sobre a noção de escuta educativa à imagem da de
escuta analítica e chega até a imaginar um termo para designar esse
educador analista que não imporia, mas faria "surgir ou revelar o
sentido", o de "edutor". Levado a este extremo,o tema da peda-
gogia psicanalítica se radicaliza e faz mais que nunca a pergunta da
clivagem da posição de analista e de pedagogo. Em sua obra {'il-
lusion psychanalytique en education Jean-Pierre Bigeault e
Gilbert Terrier denunciam como ilusória a idéia de uma pedagogia
dita analítica em que a psicanálise não seria pervertida. O "mode-
lo da cura" é insustentável, com o risco de se tornar mistificação: o
"saber" analítico usado pelo pedagogo só pode ser um saber morto
uma vez que fora de seu uso na cura... Seria então condenável
qualquer pedagogia "inspirada" na psicanálise?
A questão é a do sentido próprio desta "inspiração", e do que
se coloca sob o conceito do Saber analítico. A maiúscula que puse-
mos intencionalmente no termo não deveria implicar a concepção
monolítica de um "corpus teórico", que seria uma espécie de para-
digma fechado, com um consenso fixo. Por outro lado, o que inte-
ressa à educação, é também um saber que, por ser analítico, nem
por isso é menos obtido tanto pela experiência de psicanálises de
crianças ou de reeducação (por exemplo) como pela referência ao
dito "corpus" analítico. Se houver saber, ou "Saber", pode-se desig-
nar por este termo, ou o que, do corpus geral, interessa mais espe-
cialmente à educação: teoria da sexualidade infantil, o Édipo, as
identificações, etc..; - ou o que pode ser produzido pela pesquisa
no âmbito específico do campo educativo.
2 - O que chamamos o "segundo tipo" de aplicação quer pre-
cisamente constituir, por um método interpretativo, um "saber ana-
lítico sobre" que representa o resultado de um uso da análise, mas
fora do campo de uma praxis. Falaremos doravante mais de uso
que de aplicação; mais de objetivo de exploração que de pedagogia
no sentido de uma ação "inspirada".
Tal uso pode tomar a forma de análise de discurso; o discur-
so escrito de teóricos da pedagogia, o discurso obtido por encon-
tros de professores, alunos e outros par- substituir o desejo de saber do aluno
ceiros do jogo educativo; mas também pelo desejo de um outro saber^A
o que se chama de "discurso institu- Nessa perspectiva, perguntar-nos-emos,
cional", que está ligado ao coletivo. Ele com os participantes de um Congresso
pode ainda tomar a forma de análise, de 1973, qual é a relação do desejo do
observações, - observações de aulas, de professor com a constituição do ideal
práticas pedagógicas. Material a deci- do eu da criança: mesmo que o profes-
frar, para ler o que, do pedagógico, está sor resista a seu desejo de que a criança
ligado ao inconsciente. identifique suas posições com a sua,
Evocaremos apenas alguns temas não estaria ele determinado pela pró-
publicados nesses últimos quinze anos. pria situação educativa a ocupar o lugar
Referem-se à situação do aluno em sua do ideal do eu (moi) da criança?^ Não
relação com o mestre e com o saber, a implicaria para outros a posição de re-
relação quem ensina-quem é ensinado, presentante da função do saber, assim
o grupo. como em relação à função de controle
Sendo a escola lugar -institucional- da libido do sistema escolar, nessas
de transmissão de saberes e apoiando- condições, um recalque do desejo de
se sobre uma atividade intelectual do saber? Problema da identificação e da
aluno, temos que nos interrogar, como idealização, de seus vínculos com o
analistas, sobre o que fundamenta o de- processo de sublimação ^
sejo de saber do aluno, o funcionamen- Por conseguinte, a questão é de
to e o destino das pulsões da libido li- passar da análise da posição do aluno a
gadas a esse desejo, a maneira pela do professor, em sua relação de edu-
qual se opera sua sublimação. Aparece- cação. Assim Marie-Claude Baietto ex-
rá, por exemplo, que a atividade inte- plora, no Désir d'enseigner, o desejo de
lectual depende ao mesmo tempo da amor (amar e ser amado), uma certa
sublimação e de um trabalho de ideali- paixão por influência, as transferências
zação e de identificação com o profes- e contra-transferências ligadas à situa-
sor, de tal maneira que o professor re- ção de ensino; isto na linha das intui-
presenta um papel no destino do dese- ções de Daniel Hameline, analisando,
jo de saber do aluno. Captura deste principalmente no Du savoir et des
desejo? É o que descreve Octave Man- hommes, os móveis da "intenção de
noni num texto intitulado "Psicanálise e instruir" as "ilusões" em jogo, não me-
ensinamento". Após a constatação de nos que os "riscos da profissão" e
que a instituição escolar é feita para em continuidade com o trabalho elabo-
garantir ao professor o papel de "mestre rado por Janine Filloux sob o título Du
do saber", demonstra-se como "o dese- contrat pédagogique. Esta obra tem por
jo de saber do aluno é paradoxalmente objetivo a análise da dinâmica incons-
deslocado pelo desejo ambíguo do ciente da relação pedagógica e dos fan-
mestre de que o aluno saiba": assim tasmas subjacentes a partir de conversas
"seu desejo de saber lhe é raptado" ^ não-diretivas de professores e alunos.
Na mesma perspectiva, Claude Rabant, Janine Filloux faz a hipótese de um
a partir de uma leitura "analítica" do "contrato de posição" de natureza para-
Emüe e de um certo número de textos doxal e imaginária entre os parceiros,
de teóricos dos métodos ativos, tais no qual, sob as aparências de um con-
como Claparède, Ferrières, analisa o trato racional, pesam os elementos afe-
que, em qualquer pedagogia, é da tivos do amor e do ódio. Assim fica
ordem da "astúcia" e tem por objeto aberta uma interrogação sobre a irra-
cionalidade da ordem escolar: ordem ata de um "saber fazer" psicanalítico no
consumatória ou ordem sublimatória? quadro de uma "pedagogia psicanalíti-
20. Utilizando uma metodologia análo- ca", é a relação pedagógica, no sentido
ga as de Janine Filloux e Marie-Claude de uma metodologia da relação, que
Baietto, Claude Pujade-Renaud dedi- está em jogo. Mas o que é feito desse
cou-se por sua vez a aprofundar o dis- "interesse" no plano da leitura do cam-
curso dos professores e dos alunos po pedagógico, que acabamos de evo-
sobre o corpo, procurando em que car, que se trate do uso intelectual do
ponto está a sexualização da relação "saber analítico" ou da tomada de uma
pedagógica e da teatralização do corpo, posição de analista?
com o duplo surgimento de um "corpo Parece que, a priori, qualquer a-
simbólico", o jogo da homossexuali- porte de conhecimento originário de
dade e da heterossexualidade fantas- uma pesquisa no campo pedagógico é
madas^l. suscetível de uma "consideração" pelos
Fantasmas individuais e também atores com uma virtude formativa. No
fantasmas de grupo. Os estudos de Di- entanto é menosprezar as resistências
dier Anzieu e René Kaes, a partir de um nascidas da própria natureza dos "co-
"trabalho psicanalítico" nos grupos, nhecimentos" produzidos, cuja trans-
contribuiram para uma abordagem psi- missão só pode questionar o professor.
canalítica do "aparelho psíquico gru- É por exemplo interessante notar que as
pai", capaz de trazer uma melhor com- hipóteses saídas da sociologia da edu-
preensão do funcionamento do grupo- cação são muito mais facilmente rece-
aula, embora estes autores se dediquem bidas que as saídas da psicanálise:
a decifrar o fantasmático da formação e Freud já falava de um efeito de subver-
o desejo de formar em grupos de for- são inerente à extensão da psicanálise à
mação e não no grupo escolar educação. •
O maior risco do uso da psicaná- Viu-se que Jean-Pierre Bigeault e
lise como instrumento de interpretação Gilbert Terrier falam de uma "ilusão psi-
1
e conhecimento do "campo" dito edu- canalítica" em educação ^3 Ao c o j >
cativo, ou pedagógico, seria fazer dele trário, outros como Daniel Hameline,
uma espécie de grade de leitura exte- vêem na análise a iluminação que mais
rior, modelada sobre o material obtido, nos ensina sobre a paixão de instruir, a
o saber psicanalítico funcionando con- relação com o saber, os fracassos da e-
sequentemente como fechamento, risco ducação. Apenas retomaremos, in fine,
que outros nem sempre souberam evi- estas linhas do relatório da Comissão
tar. Mireille Cifali aponta bem o proble- "Psicanálise e educação" do Congresso
ma, quando mostra que, na relação do de 1973, referente à posição do edu-
sujeito em pesquisa e das práticas e cador em relação às pesquisas de tipo
especialmente em práticas discursivas, psicanalítico: "há uma possibilidade de
que são objeto da pesquisa, trata-se de que a leitura do campo pedagógico e
que o sujeito ( na perspectiva de apli- educativo e a leitura dele mesmo nesse
cação da psicanálise) esteja em posi- campo possa interrogá-lo sobre sua
ção... de analista. prática e colocá-lo ele mesmo em po-
De um modo geral pode-se colo- siçao de criar . ^ •
car a questão do "interesse" da apli-
cação da psicanálise para o professor,
até mesmo ao nível de uma "teoria" do
ensino. Se se tratar da aplicação imedi-
NOTAS
VAvenir d'une illusion (p. 70). O contexto é uma interrogação sobre a possi-
bilidade de um excesso pelos humanos do narcisismo, do infantilismo e das
"Ilusões" que a eles estão ligadas no nosso atual estado de "civilização", "O
homem não pode continuar eternamente uma criança": uma educação não fun-
damentada sobre ilusões ou capaz de as colocar em xeque deveria garantir, -
segundo o comentário de Catherine Millot em Freud anti-pédagogue, (Bibl.
Ornicar, 1979, p. 107, "a supremacia da razão sobre as forças do instinto em
detrimento do recalque".De seu lado, Mireille Cifali vê nisso, "o desejo de que
a educação perca o imaginário sobre o qual ela funciona", (o.cit. p. 124)
24 o.cit., p . 4 l l .