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Texto 1 - Vico
Texto 1 - Vico
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RESUMO
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Trabalho apresentado, em novembro de 2007, como exigência final do Curso de Especialização em Filosofia
Moderna e Contemporânea da UFJF, sob a orientação do prof. Mário José dos Santos.
pelo homem, Vico busca conhecer o homem, suas idéias, explorando os territórios onde nascem os
mitos, as línguas e as instituições humanas. Lança-se na busca de um Método Histórico, uma vez
que a história é feita pelo homem, o homem a conhece.
RIASSUNTO
ABSTRACT
Anti-Cartesian... Obscure... Ignored... Profetic... This is the New Science, masterpiece of the
Italian thinker of the XVII century Giovanni Battista Vico, or simply Giambattista Vico, the biggest
Italian thinker, who tried to demonstrate through a strict analyses that it’s possible to know humanity
steps. This can be proved scientifically by History, which is a science, and should only be
demonstrated in a different way from the natural sciences. The History is represented by cycles, which
one with its single characteristics and it’s the union of two factors: human activity and the Providence.
Starting from the indubitable principle that the civil world was created by man, Vico tries to know the
man, his ideas, exploring the territories where the myths were born, the languages, and human
institutions. He launched into a History Method finding, once history is made by man, man knows it.
INTRODUÇÃO
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Estes homens são os grandes pensadores, os grandes filósofos que dedicaram suas vidas na busca incansável de
respostas para o grande enigma do universo.
procura, ao buscar desvendá-lo, compreender seu sentido. (ABRÃO, 2004,
p. 6)
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Filósofo ítalo-germânico, professor da Universidade de Notre Dame. Éle é autor de Hegels System; O café dos
filósofos mortos (Ed.Angra/Inst.R.Lúlio) e Moral und Politik, sua obra mais importante, etc.
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Autor de Teorias da História, nasceu em 1922. Estudou na Westminster School em Londres. Cursou História
em Oxford, licenciando-se em 1974 em Filosofia, Política e Economia. Em 1948 iniciou sua carreira de docente
universitário em Oxford.
2 - A VIDA, A OBRA E A FORMAÇÃO CULTURAL DE GIAMBATTISTA VICO
é o mais importante. Ele vai falar sobre os métodos de estudo daquele tempo
relacionando-os com os dos tempos passados. Neste pronunciamento ele torna
pública sua posição anticartesiana. Analisando a forma de estudo acadêmica, ele
indaga qual seria a melhor: a moderna ou a antiga forma. Respondendo, Vico vai
condenar a modernidade uma vez que ela, baseada no ensino crítico e na arte de
julgar, inibe no aluno a criatividade o que o incapacita para a vida prática. Critica os
métodos de ensino da física, da mecânica, da medicina e a utilização do mesmo
método para as ciências naturais e humanas. Defende a ligação entre a erudição
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Frederico Gaymonat comenta em sua obra Storia del Pensiero Filosofico e Scientifico que esta obra é um
documento muito interessante, mas não merece muita fé; foi de fato escrita quando Vico tinha pouco menos de
cinqüenta anos e é explicável que ele não recordasse mais de todos os detalhes de sua própria infância. Que ela
representa de fato um desejo do autor de apresentar um quadro de sua própria vida, em particular de sua própria
formação, que ele via a partir das novas posições agora maduras em longos anos de estudo.
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Prof. Dr. Antonio Lázaro de Almeida Prado em sua tradução de 1979.
filológica e histórica e entre o conhecimento abstrato e dedutivo. Para Vico, a
Filosofia não deve isolar-se no plano das puras abstrações lógicas, mas deve
mergulhar no terreno concreto dos produtos culturais humanos.
Em 1723, Vico candidata-se a professor de Jurisprudência na Universidade
de Nápoles, mas foi recusado. Este fato deixou-o profundamente entristecido. Assim,
desiludido com a carreira universitária, passa a dedicar-se à escritura de sua obra
prima, Ciência Nova, que terá sua primeira edição em 1725. Foi reescrita e em 1730
sai a Segunda Ciência Nova. Em 1735, é indicado ao cargo de historiógrafo real e
assim começa a receber um salário que é o dobro daquele recebido na
Universidade. Agora, a fama do filósofo vai se consolidando e também a sua
situação financeira. Em 1744 é lançada a terceira edição da Ciência Nova, mesmo
ano em que a morte o colhe, em sua terra natal, a 23 de janeiro de 1744.
As leituras de Platão, Tácito, Bacon e Grotius foram de fundamental
importância para a formação do seu próprio pensamento. Vico se preocupava com a
natureza e a história do direito, da poesia, do mito e da linguagem. Também o
anticartesianismo foi um fator essencial do seu pensamento. Junto aos que
difundiam as conquistas científicas e filosóficas dos europeus, havia ainda na Itália à
época de Vico uma tradição de erudição acadêmica de gramáticos e latinistas, que
não conseguiam superar seus antecessores da Renascença. Vico não vai se aliar a
nenhuma corrente, terá um pensamento original e revolucionário que será ignorado
pelos pensadores europeus da época.
Apesar desta rejeição, Vico exercerá influência sobre alguns pensadores
italianos do seu tempo como Mário Pagano (jurista e político), Gaetano Filangieri
(jurista e pensador), Gian Domenico Romagnosi (jurista e filósofo), Vincenzo Cuoco
(escritor, jurista, político e economista) e seu filho Gennaro que será seu sucessor
3.1 - RENASCIMENTO
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Benedetto Croce nasceu em Pescasserolli, na região dos Abruzzi, em 25 de fevereiro de 1866, mas passou a
maior parte da vida em Nápolis. Aos dezesseis anos perdeu os pais num terremoto em Casamicciola, experiência
que o deixou marcado para o resto da vida, caracterizada pela solidão. Estudou Direito em Roma e, de volta a
Nápoles, depois de estudos históricos e filológicos, dedicou-se por completo à filosofia. (Enciclopédia Britânica
do Brasil Publicações Ltda)
Até o Renascimento o Ocidente não conhecia Platão. Sabia-se apenas
através de alguns comentários, mas suas obras eram desconhecidas. Mas, alguns
manuscritos gregos, comprados em Constantinopla por uma das famílias
importantes da Itália, levados a Florença por volta de 1430, trouxe entre eles a obra
completa de Platão. Seus Diálogos foram traduzidos e nesta época foi também
fundada a Academia florentina, influente centro de filosofia. A partir deste momento
o pensamento toma um novo rumo. Se, na Idade Média, a Escolástica incorporou o
aristotelismo ao cristianismo, no Renascimento, a oposição às idéias medievais se
fez a partir de uma “reabilitação” de Platão.
Nas artes, nas ciências e na filosofia surgem novas idéias, concepções e
valores. A fé cristã no teocentrismo se transforma numa visão antropocêntrica,
valorizando a obra humana. Isso levou ao desenvolvimento do racionalismo e de
uma filosofia laica que acredita na capacidade da razão de intervir no mundo,
organizando a sociedade e aperfeiçoando a vida humana. Assim, inspirando-se no
Humanismo8 e em seus principais atributos, a razão e a liberdade, surge o
Renascimento.
O homem renascentista busca moldar o mundo à sua imagem e
semelhança, como um empreendimento seu. Mas essa é também uma
experiência dolorosa. Ao descobrir a própria individualidade frente à ordem
do mundo, ele não se conforta mais com a certeza medieval de uma vida
cujo princípio e fim encontra-se em Deus, mas este parece cada vez mais
indiferente ao mundo. (ABRÃO, 2004, p.135)
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Como primeira tentativa coerente de elaborar uma concepção do mundo cujo centro fosse o próprio homem,
pode-se considerar o humanismo a origem de todo o pensamento moderno. Ele foi um movimento intelectual
que germinou durante o séc. XIV, no final da Idade Média e alcançou pleno desenvolvimento no Renascimento
orientado no sentido de reviver os modelos artísticos da antigüidade clássica, tidos como exemplo de afirmação e
independência do espírito humano. No final da I. Média ocorrera um notável crescimento da burguesia urbana.
Nobres e burgueses enriquecidos adquiriram condições de dar à cultura um apoio antes exclusivo da igreja e dos
grandes soberanos. A necessidade de conhecimentos que habilitassem os burgueses a gerir e multiplicar suas
fortunas também os impelia na direção da cultura. Juntaram-se duas linhas com um mesmo fim: maior
valorização da cultura e necessidade de uma educação mais prática do que a teologia medieval podia
oferecer...Esses estudos compreendiam a leitura de autores antigos, o estudo de gramática, retórica, história e
filosofia moral. A partir do séc. XV deu-se a esses cursos o nome de studia humanitatis ou “humanidades”, e aos
que os ministravam Humanistas... (Encyclopaedia Britannica do Brasil Publicações Ltda)
quando observamos o fundo religioso que ainda existe nas obras artísticas deste
período. Existe no Renascimento uma associação do espírito científico nascente e
de um misticismo de origens diversas.
O homem agora está disposto a questionar os mistérios do mundo, ele
aguçou seu espírito de observação sobre a natureza, dedicou mais tempo à
pesquisa e às experimentações, deixando a mente mais aberta ao livre exame do
mundo.
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Iniciada por Lutero com seu desafio aos legados papais e à excomunhão se caracteriza pela oposição à doutrina
e à disciplina da igreja romana.
reagiram e enfrentaram as inovações, as vezes com violência, levando à morte
alguns representantes da nova mentalidade. Um exemplo seria o Tribunal da
Inquisição10, órgão da Igreja, encarregado de descobrir e julgar os responsáveis pela
propagação de heresias, isto é, concepções contrárias aos dogmas dos católicos.
Foi o que aconteceu com Giordano Bruno (1548-1600), uma das figuras mais
importantes da Renascença italiana, condenado à morte na fogueira por contestar o
pensamento católico que tinha como um dos pontos básicos a crença que o planeta
Terra era o centro imóvel do universo.
Porém toda a exuberância cultural e científica experimentada pela Europa e
especificamente pela Itália no período do Renascimento passa ao obscurantismo por
mais de dois séculos, de meados do século XVI até o século XVIII. Os grandes
artistas italianos desta época partiam dali para outros países europeus em busca de
apoio que na maioria das vezes lhes era oferecido. O pensamento renascentista já
havia se alastrado na Europa e estava produzindo muitos frutos fora da Itália. Com o
triunfo da Contra-Reforma11 que propiciou o poder da igreja sobre a Península, a
condenação da teoria heliocêntrica de Copérnico, além da censura a Galileu, que o
obrigou a retratar-se porque suas concepções eram contra o entendimento medieval
do mundo físico, geraram muita insegurança por causa das perseguições religiosas.
Isto fez com que a Itália buscasse o isolamento e se mantivesse longe do
pensamento de vanguarda que agora era desenvolvido na França, Inglaterra, etc. e
houve nesta época um florescimento dos estudos histórico-eruditos, especialmente
aqueles que a ajudassem a manter a união religiosa. Preocupando-se mais com sua
situação interna e esquecendo-se do que se desenvolvia nos países ao seu redor, a
Itália passou a desempenhar um papel secundário na história das idéias.
Nesta época, na Europa, precisamente na França, o pensamento que se
destacava como original e inovador era o de René Descartes (1596-1650). Este,
temendo perseguições religiosas, foi muito cauteloso na exposição de suas idéias.
Apesar de ter até se autocensurado para evitar problemas, tanto com os católicos
quanto com os protestantes, o que ele publicou foi suficientemente vasto e valioso.
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Tribunal da Inquisição: Criado em 1232 pelo papa Gregório IX. Sua ação estendeu-se por vários reinos
cristãos – Itália, França, Alemanha, Portugal, e especialmente Espanha. Com o decorrer do tempo reduziu suas
atividades, que somente foram reativadas em meados do século XVI diante do avanço do protestantismo.
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Contra-Reforma: Reação oficial da Igreja católica para deter a propagação da Reforma protestante e instaurar,
de forma orgânica e oficial, uma Reforma católica, o que vai ocorrer através do Concílio de Trento que se
desenvolve em três etapas durante 1545 a 1563.
Para Descartes a única verdade absolutamente firme, certa e segura era que
seus pensamentos existiam (Cogito ergo sum) e que ela deveria ser adotada como
princípio básico de toda a sua filosofia12. Este cogito abrange tudo que afirmamos,
negamos, sentimos, imaginamos, cremos e sonhamos. Ele foi um racionalista
convicto. Recomendava que desconfiássemos das percepções sensoriais, elas
poderiam nos levar ao erro. Dizia que o verdadeiro conhecimento das coisas
externas devia ser conseguido através do trabalho lógico da mente. Ele considerava
que só os matemáticos13 tinham, no passado, conseguido encontrar algumas razões
certas e evidentes.
A obra de Descartes passa a ser estudada na Itália por intermédio de um
professor universitário de Nápoles chamado Tommaso Cornelio, matemático,
astrônomo e médico. O cartesianismo foi se expandindo e muitos se aliaram a este
pensamento. Entretanto, Vico, se manteve à margem, sustentando suas idéias e se
colocando numa postura anticartesiana.
O contexto histórico no qual se movia o autor da Ciência Nova, como
acabamos de relatar, foi uma fase de profundas transformações e por isto mesmo
muito rica e de onde brotaram muitas idéias que até hoje discutimos sem jamais
conseguirmos esgotar qualquer assunto proposto.
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Na filosofia pré-cartesiana o ser é quem propõe a verdade – ele se impõe através das sensações. Descartes
inverte este paradigma quando afirma que as sensações nos enganam , o cogito , as idéias, nos remetem ao ser.
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Descartes foi um grande matemático que deixou importante contribuição: a criação da geometria analítica que
tornou possível a determinação de um ponto de um plano através de duas linhas perpendiculares fixadas
graficamente – as coordenadas cartesianas.
O desenvolvimento científico do Renascimento e os grandes questionamentos
do homem renascentista vão também despertar em Vico uma consciência reflexiva
no que se refere ao homem. Este homem que não aceita mais o determinismo como
única saída para suas angústias, este homem que quer ser o dono do seu destino e
que quer ele mesmo moldar a natureza que o rodeia segundo suas necessidades
mais íntimas, sem, contudo, imergir no caminho sem volta que o levaria a uma
encruzilhada impondo-lhe uma direção inversa, completamente oposta ao caminho
que leva a Deus. O filósofo vai justificar a organicidade das coisas terrenas através
da Providência Divina que age nas mentes humanas e que, inconscientemente, o
homem trilha o caminho que lhe satisfaz pela utilidade, para conservar a justiça e
viver em sociedade. Assim ele propõe que se contemple o mundo a partir das
mentes humanas - Metafísica, e não apenas através dos recursos naturais:
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Disciplina que, nesta época, na Itália, representava maior prestígio porque se estudava muito a respeito do
direito que deveria ser tratado de forma prática e não mais teórica nestes tempos novos. Vico certamente,
acreditava que suas teorias poderiam ser de grande utilidade neste campo.
os clássicos, os humanistas e os grandes filósofos do século XVII, como Spinoza15 e
Hobbes16.
Vico não concordava com o tratamento dado aos fatos humanos pelos
filósofos do seu tempo. Suas teses se opunham às principais linhas do Iluminismo,
ramo do pensamento europeu que no século XVIII procurava estudar de maneira
análoga as ciências humanas e os procedimentos das ciências naturais. Ele achava
que deveria haver um processo metodológico diferente para tratar estas duas áreas,
para ele opostas, do conhecimento.
A desilusão profissional e a discordância de suas idéias com o pensamento
racionalista de Descartes servirão para que Vico invista cada vez mais na
elaboração de “sua ciência” que terá como bases inspiradoras quatro pensadores
fundamentais: Platão e Tácito entre os antigos e Bacon e Grotius além de outros
autores que não foram citados na sua Autobiografia tais como Lucrécio, Maquiavel e
Spinoza. Hösle diz que a genialidade de Vico está em integrar as teorias de grandes
materialistas e naturalistas em um sistema “idealístico” de matriz platônica. Vico vai
dizer na Dignidade 5:
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Defensor da liberdade de pensamento. É sua a pioneira proposta de interpretar historicamente os textos
bíblicos, pois acreditava que o homem se salva pela filosofia, verdade da religião. Seu espírito libertário
manifestou-se também na crítica da monarquia e na defesa do regime democrático.
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Para Hobbes, a igreja cristã e o estado cristão formavam um mesmo corpo, encabeçado pelo monarca, que teria
o direito de interpretar as Escrituras, decidir questões religiosas e presidir o culto. Segundo ele a primeira lei
natural do homem é a de autopreservação, que o induz a impor-se sobre os demais, por isso a vida seria “uma
guerra de todos contra todos “ na qual o homem é o lobo do homem”. Para construir uma sociedade o homem
tem que renunciar a parte de seus direitos e estabelecer um “contrato social”, garantido pela soberania. Esta, para
ser efetiva, tem que recair sobre uma só pessoa, donde a conveniência da monarquia absoluta. Para Hobbes a
fonte do poder monárquico não residia no direito divino, mas na manutenção do contrato social.
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Aforismo: texto curto e sucinto, fundamento de um estilo fragmentário e assistemático na escrita filosófica,
geralmente relacionado a uma reflexão de natureza prática ou moral. (Houaiss)
Como grande leitor dos clássicos, Vico buscará inspiração nos dois maiores
poemas épicos da Grécia antiga, Ilíada e Odisséia, obras atribuídas a Homero para
explicar como se deram as origens dos homens e seu desenvolvimento. Além destas
obras, vai se inspirar em Platão. Vico vai defender uma educação global e esta é
uma influência atribuída a Platão que também defendia a universalidade do saber e
a unidade das várias esferas do conhecimento. Tácito, famoso historiador romano,
além de muitas outras obras, escreveu dois grandes tratados, Histórias e Anais. Eles
foram escritos pouco antes de sua morte e perfaziam um total de trinta livros. Ali, ele
descreve e analisa a história do Império Romano a partir da morte de Augusto.
Entre os modernos, os que mais o influenciaram foram Bacon e Grotius.
Bacon foi o fundador do método empírico, indutivo, como nova maneira de estudar
os fenômenos naturais. Hugo Grotius, jurista holandês, considerado o fundador do
direito internacional, cujas idéias exerceram influência sobre o pensamento
racionalista e também iluminista do século XVII. Além destas influências foram
também importantes para o pensamento de Vico os filósofos: Spinoza e Hobbes.
Finalmente, algo que incomodou Vico foram as teorias de Descartes. Assim, a
base de sua filosofia será composta pela oposição ferrenha que ele faz ao
cartesianismo, ou seja, à pretensão racionalista que quer subordinar todas as coisas
ao conhecimento matemático, o que levaria todas as demais esferas do
conhecimento à evidência da razão abstrata. Isto vai colocar em xeque todo o
pensamento viquiano, porque ele entende que existem certezas humanas que não
podem ser demonstradas. Podem-se citar exemplos como a retórica, a poesia, a
história e a própria prudência que regula a vida prática, não podem se basear em
verdades matemáticas, pois são crenças apenas verossímeis, não podendo ter
garantia infalível de verdade. Ele insere, desta forma, o que é provável, no campo da
indagação filosófica. Mas, Vico não se detém apenas nisto, ele vai além, buscando
mostrar que a base da filosofia cartesiana também tinha seus defeitos. Para
demonstrar todas as suas idéias, Vico propõe uma nova ciência, onde expõe os
problemas essenciais e suas soluções no terreno da história. Suas idéias, mais
tarde, servirão de base para o positivismo e o historicismo.
6 - A CIÊNCIA NOVA
A Ciência Nova é uma tentativa de fundar uma nova ciência sobre a natureza
comum dos diversos povos e de entender as leis que determinam o desenvolvimento
das várias culturas. Assim a história assume um estatuto fundamental e deve-se
entender que ela não é um amontoado confuso de fatos, mas um conjunto deles,
que segue determinadas leis e que se desenvolve segundo alguns princípios.
Como dissemos anteriormente, Vico foi um grande estudioso dos clássicos e
se declarou anticartesiano. Sua grande obra Ciência Nova, cujo título é Princípios de
uma Ciência Nova acerca da natureza comum das nações, tem sua primeira parte
escrita sob a forma de aforismos aos quais ele chama de Dignidades. São axiomas,
o que é definido no dicionário eletrônico Houaiss como sendo “premissa considerada
necessariamente evidente e verdadeira, fundamento de uma demonstração, porém,
ela mesma indemonstrável, originada, segundo a tradição racionalista, de princípios
inatos da consciência ou, segundo os empiristas, de generalizações da observação
empírica...” Outros definem axioma como aquele princípio evidente por si mesmo. O
matemático grego Euclides definiu axioma como sendo aquela noção comum ou
afirmação geral aceita sem discussão, cujo exemplo seria “a parte é menor que o
todo”.
Entretanto, apesar de Vico querer com isto enfatizar toda a clareza e
objetividade de sua obra, ele coloca, no início, uma gravura à qual vai chamar de
Idéia Geral da Obra e, em seguida, vem o primeiro texto que é “Explicação da
Gravura Ilustrativa proposta no frontispício e que serve de introdução à obra”. Nesta
explicação ele vai expor tudo que representa cada componente daquela figura que,
segundo o autor, equivale ao conteúdo de sua obra, a qual o leitor poderá
compreender mesmo antes de ler, e ele a chamou de Tábua das coisas civis.
Esta ciência dos fatos humanos, isto é, a História, tem como disciplinas
mais importantes, a Filosofia e a Filologia. Na Filosofia se encontra a sabedoria
ideal, a ciência do verdadeiro, da idéia, e seus temas são as idéias eternas de
justiça e a incidência de tais idéias na mente humana. Já, a Filologia, faz parte da
sabedoria vulgar, onde encontramos a ciência do fato, do certo, tendo como temas
as tradições dos povos e a linguagem destes povos. Vico busca uma junção destes
dois campos: o verdadeiro e o real. Vico está convencido de que só podemos ter
ciência daquilo que fazemos. Tudo que fazemos é o verdadeiro. O grande artífice é
Deus que tudo fez e, portanto, tudo conhece. Ao homem, resta o mundo da história,
com suas instituições, guerras, comércios, costumes e mitos. Da História, o homem
pode ter ciência, uma vez que esta foi feita por ele. Assim, Vico vai se comprometer
a esclarecer os elementos, princípios e método desta “ciência nova”.
6.1 - ELEMENTOS
Este grande pesquisador das coisas humanas nos diz que devemos
mergulhar nos aspectos mais concretos da história a fim de conhecer o homem. O
material usado por ele é, sobretudo, a linguagem, a qual conserva em seu seio os
mitos, as fábulas, as tradições e expressões do espírito humano. Ele procura, assim,
uma união íntima entre filologia e filosofia.
Devemos , ademais, destacar que na presente obra, com uma nova
arte crítica, de que até agora carecíamos, ingressando na pesquisa da
efetiva realidade acerca dos fundadores das mesmas nações (nas quais
terá decorrido mais de mil anos para se chegar aos escritores de que se
ocupou a crítica até hoje), por isso mesmo há de aqui a filosofia haver-se
com a filologia, que é a doutrina de todas as coisas que dependem do
humano arbítrio, quais, por exemplo, todas as histórias das línguas, dos
costumes e dos fatos pacíficos ou bélicos dos povos. Com tal doutrina, por
efeito da lamentável obscuridade de seus motivos e da quase infinita
variedade de seus efeitos, a filosofia como que sentia um horror em
racionalmente entreter-se. E só a reduz em forma de ciência ao descobrir
nela o projeto de uma història ideal eterna, sobre a qual fluem no tempo as
histórias de todas as nações. Dessa forma, e em virtude deste outro seu
relevante aspecto, converte-se esta Ciência em uma filosofia da autoridade.
(VICO, 2005, p. 11)
Vico vai fazer uma leitura da história a partir de uma síntese entre universal e
particular, entre abstrato e concreto, entre ideal e factual e, portanto entre filosofia e
filologia. A filosofia é vazia sem a filologia e a filologia é cega sem a filosofia.
Contrário a uma filosofia abstrata, cujo exemplo é o racionalismo cartesiano, ele
queria ser o teórico daqueles princípios universais cuja validade e fecundidade deve
emergir da capacidade de explicar a história em suas fases principais.
A filologia, não pode existir sem um arcabouço teórico. Em meio a tantas
análises desconexas e fragmentárias a que tinha se reduzido ainda pode tornar-se
uma ciência. Para ele, não existem fatos brutos, neutros, desprovidos de implicações
teóricas. Montar este quadro teórico e utilizá-lo na atividade filológica significa
transformá-los em ciência rigorosa.
A filologia tem por finalidade a definição dos fatos que vão das instituições
civis e religiosas às várias linguagens, às mitologias, à poesia, a tudo o que se
inscreve nos fragmentos da antiguidade ou material documentário de natureza
histórica. Ela é a doutrina de tudo que foi produzido nas comunidades humanas, dos
costumes mais díspares às linguagens e às instituições religiosas e civis. Mas seria
impossível ou incompleta a definição dos fatos se ela não se sustentasse no
“verdadeiro” da filosofia, se não se guiasse por um projeto teórico que possa
confirmar ou desmentir suas teses.
Podemos, resumidamente, dizer que, para Vico, a filosofia e a filologia são as
guias da Ciência Nova. A filosofia, representando a sabedoria ideal, tem por objeto o
verdadeiro, enquanto a filologia, a sabedoria vulgar, ocupa-se do certo, isto é, o fato.
Para o filósofo, verdade e certeza, idéia e fato, devem se juntar e se converterem
transformando consciência em ciência. Assim fica evidenciado o caráter empírico-
teórico do discurso de Vico, onde filosofia e filologia são indissociáveis. Afirma
também a influência de Platão, destacando “o homem como deve ser”, não podendo
ser separada da influência recebida de Tácito, “o homem como tem sido”.
6.2 - PRINCÍPIOS
.
Em sua obra, Vico vai dizer que o primeiro dever de quem cultiva a Ciência
Nova é reconstruir uma língua que preceda a formação de todas as linguagens
históricas, ”uma língua mental comum a todas as nações, com base na qual se pode
compor um vocabulário mental comum a todas as diversas línguas faladas, mortas e
vivas18“. Esta sintaxe e este léxico mental constituem a estrutura fundamental da
vida psíquica do homem e presidem o desenvolvimento gradual de seus
sentimentos, das suas fantasias e de seus pensamentos.
Independente dos lugares e das culturas nas quais nascem, os homens têm,
portanto, alguma forma comum de sentir e de pensar, e então de agir, segundo o
grau de desenvolvimento histórico no qual se encontram. É através destas
comunidades que a história revela suas verdades. “Idéias uniformes que nascem
entre povos desconhecidos entre si devem ter um motivo comum de verdade19”.
Segundo este critério, Vico demonstra a existência de um direito natural reconhecido
por todas as nações, assim como os três usos: a religião, os matrimônios solenes e
a sepultura dos mortos, presentes entre todos os povos, quase três “sensos comuns”
18
Ciência Nova, 2005. Dignidade XXII, p.53.
19
Idem. Dignidade XIII, p.48.
do gênero humano, tanto que eles podem valer como princípios gerais da Ciência
Nova. Ele diz que observou todas as nações; que elas, mesmo afastadas por
imensos espaços de lugar e de tempo e fundadas de maneiras diversas, guardam
entre si estes três costumes. Por isto, ele os considera eternos e universais e os
princípios primeiros da Ciência Nova.
6.3 – MÉTODO
Vico estava certo de que, para sustentar suas idéias, deveria enfrentar
polemicamente as idéias cartesianas. Como precisava deixar claros os princípios
nos quais baseava sua ciência, a primeira oposição dele ao cartesianismo foi em
relação ao critério de verdade que Descartes afirmava em sua teoria do
conhecimento. Para Descartes o conhecimento matemático era o único possível e
Vico se opunha a isto.
Ele critica o método analítico cartesiano tanto no plano científico quanto no
filosófico. No plano científico, este método, inspirado na matemática, e totalmente
abstrato, é privado do controle factual das hipóteses científicas; as verdades físicas,
que não são produzidas pelo homem, não são, de fato, demonstráveis, com a
mesma credibilidade dos axiomas geométricos, que são criação humana. No plano
filosófico, Vico diz que com o Cogito cartesiano pode-se chegar à consciência da
existência, isto é, à aceitação do fato, mas não à ciência que, ao invés, refere-se às
causas e aos elementos que constituem o fato; além disso, o método cartesiano
fecha-se ao acesso dos fatos verossímeis, aqueles que estão entre o verdadeiro e o
falso e são, na realidade, a verdade humana por excelência, na qual se inspiram a
poesia, a arte e a história.
Segundo Collingwood, Vico reconhece o saber matemático proposto por
Descartes, o que ele não concorda é que seja este o único método capaz de levar o
homem ao conhecimento. Que mesmo as idéias claras e distintas propostas por
Descartes são garantia de conhecimento. Podemos estar enganados e essas idéias
só provam que acreditamos nelas e não que são verdadeiras. Vico diz que o que
busca é um princípio que permita distinguir aquilo que pode ser conhecido daquilo
que não pode.
Ele vai buscar sustentação para suas teorias no verum et fatum convertuntur,
ou seja, a condição para se conhecer verdadeiramente qualquer coisa é que seu
conhecedor a tenha criado. Desta forma Vico conclui que a natureza só é inteligível
por Deus que a criou e que a matemática é inteligível pelo homem porque é
composta de ficções ou hipóteses criadas pelos matemáticos. A História, que é algo
feito pelo espírito humano, está especialmente apta a ser objeto de conhecimento do
homem. Reconhece no homem o verdadeiro criador de seu desenvolvimento
histórico, logo, esta criação é um fato humano eminentemente cognoscível pelo
espírito humano.
Vico acredita que o historiador pode reconstruir, no seu espírito o processo
pelo qual as coisas foram criadas pelos homens no passado. Que existe entre o
historiador e seu objeto de estudo uma harmonia fundamentada numa natureza
humana.
O pensador diz que o homem, além de ser o protagonista da história, é por
natureza um ser sociável. Este não é um traço originário do homem, mas um traço
original dele, que, impelido por paixões e finalidades egoístas, se pudesse, viveria
sozinho. Mas, apesar da vida em comum exigir o refreamento das paixões, os
homens se associaram. Isso significa que a dimensão social, que emergiu apesar
dos sacrifícios que impõe, se insere na natureza mesma do homem, a tal ponto que
é lícito defini-lo como animal sociável.
Além disso, o homem é livre. Revelando-se contra a idéia dos estóicos20 que
falam em destino e dos epicuristas21 que se baseiam no acaso, Vico sustenta a
centralidade do arbítrio humano. Segundo ele, a história não é fruto de uma
necessidade cósmica ou pura acidentalidade. Tanto uma quanto a outra versão não
20
Estoicismo: Doutrina filosófica baseada na crença em uma estrutura racionalmente organizada do universo.
Surgida na Grécia com Zenão de Cítio, por volta do ano 300 a.C.
©Encyclopaedia Britannica do Brasil Publicações Ltda.
21
Epicuro e epicurismo: Os princípios enunciados por Epicuro e praticados pela comunidade epicurista
resumem-se em evitar a dor e procurar os prazeres moderados, para alcançar a sabedoria e a felicidade. Cultivar
a amizade, satisfazer as necessidades imediatas, manter-se longe da vida pública e rejeitar o medo da morte e dos
deuses são algumas das fórmulas práticas recomendadas por Epicuro para atingir a ataraxia, estado que consiste
em conservar o espírito imperturbável diante das vicissitudes da vida.
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explicam o efetivo desenvolvimento da história. Ela é o que os homens quiseram que
fosse dentro de condições e meios disponíveis. Esse arbítrio, entretanto, é incerto,
pois só se manifesta no ato em que opera. Reconhece que pode haver
conseqüências não desejadas nem previstas nas atitudes do homem. Isto acontece
porque o homem está sujeito à heterogênese dos fins, ou seja, o que ele cria
retroage sobre ele modificando-o.
O homem cria as instituições e estas irão influenciar ele mesmo. Esse é o
caminho pelo qual, potencialidades ocultas e germes de idealidades superiores se
afirmam lentamente, antes que o homem se dê conta. A história não amadurece
contra o homem ou apesar dele, mas é nela que necessidades recônditas, inscritas
em sua natureza, emergem e se impõem à sua atenção e ao seu espírito, que desse
modo se amplia e se afina. Não é possível conhecer as instituições sem conhecer o
homem, e vice-versa.
O homem muda no tempo e, com ele, tudo o que por ele é produzido. Com a
instituição do casamento, o homem primitivo satisfez suas paixões de modo novo e
sua psique enriqueceu-se com outra emoção, o amor. Este novo sentimento
funciona como pólo agregador de outros sentimentos, como o sentido de
propriedade e as respectivas instituições de proteção. Trata-se de elementos novos,
provocados pelos próprios institutos criados pelo homem que agora reagem sobre
ele, em intercâmbio constante e incisivo A heterogênese dos fins, portanto, é uma
tese central de Vico na interpretação da história, porque mostra com quanto trabalho
e por que tortuosos caminhos a consciência humana se clarifica e se afirma.
Só ao fim de um trabalho minucioso o homem percebe de que germes estava
dotada sua natureza. Vico estava certo de que “inicialmente os homens sentem sem
perceber, depois percebem com o espírito perturbado e comovido para, finalmente,
refletirem com mente pura”.
Vico entende que cada Nação passa por fases de desenvolvimento e cada
uma destas fases possui um caráter específico que permeia todos os setores da
expressão e da vida humana. Ele compara as fases de crescimento de um homem
com as fases pelas quais passa a humanidade. O homem passa de sua infância,
estado de vida onde prevalecem os sentidos e que existe um conhecimento obscuro
e ainda confuso das coisas, à adolescência onde prevalece a fantasia, a clareza das
representações é acompanhada dos sentidos e da emotividade e, enfim, à
maturidade, fase de uma reflexão serena, livre da obscuridade dos sentidos e da
emotividade da fantasia. A isto ele faz corresponder a humanidade, que também
atravessa por fases que podem ser assim chamadas: idade dos sentidos, ou seja,
dos deuses, fase primitiva da história humana, depois a idade da fantasia, ou seja,
dos heróis, descendentes dos deuses, e, finalmente, aquela da razão, ou seja, dos
homens.
7. AS ERAS DA HISTÓRIA
22
“Citou, como exemplo, a semelhança genérica entre o período homérico da história grega e a Idade Média
européia – aos quais atribui a designação genérica de períodos heróicos. Os seus traços comuns eram: governo
constituído por representantes duma aristocracia guerreira, economia agrícola, literatura de baladas, moral
fundamentada na idéia de coragem e lealdade pessoais, etc. Deste modo, para aprendermos mais sobre a idade
homérica, além daquilo que o próprio Homero pode dizer-nos, devemos estudar a Idade Média, vendo então até
que ponto podemos aplicar à Grécia primitiva o que aprendemos.” (COLLINGWOOD, 1972, p. 92)
Vico divide a história em eras. A primeira seria a dos deuses, cujos homens
são “insensatos e estúpidos” sobre os quais prevaleciam os sentidos. Estes homens,
incapazes de refletir, identificavam os fenômenos da natureza com divindades.
Assim, os primeiros governos foram divinos: “os homens creram que os deuses
comandassem todas as coisas”. A segunda era, dos heróis, tem o predomínio da
fantasia. Agora os homens já se associam para proteger-se contra opressores e já
surgem os primeiros líderes que se destacavam com base no uso da força.
Finalmente, a terceira, era dos homens, “ou da razão totalmente explicada, quando
os homens chegam à consciência crítica”.
Era dos sentidos; era dos deuses ou era da infância. A natureza da mente
humana faz com que ela atribua ao efeito sua natureza e, em tal estado sua
natureza era de homens todos robustos em força corporal que, urrando e
resmungando, expressavam suas violentas paixões. Estes homens imaginavam que
o Céu era um grande corpo e o chamaram de Júpiter. Ele lhes falava através dos
raios e trovões. Esta idéia da natureza habitada por divindades terríveis e punitivas
levou os homens a cultivarem costumes salpicados de religião e piedade. Os
homens achavam que Júpiter governava por sinais e que estes sinais fossem
palavras reais e que a natureza fosse a língua de Júpiter. Acreditavam que sua
ciência fosse a adivinhação, que pelos gregos foi chamada “teologia” que quer dizer
“ciência do falar dos deuses”.
Vico diz que esta é a primeira grande fábula divina, a maior que já se
inventou, isto é, Júpiter rei e pai dos homens e dos deuses. Assim, na teologia
poética, os primeiros governos foram divinos e os gregos os chamavam
“teocráticos”. Os homens acreditavam que tudo era comandado pelos deuses; esta
foi a época dos oráculos; e estas foram as mais antigas coisas que lemos na
história. Governos teocráticos ou repúblicas monásticas fundadas na autoridade
paterna como representante da autoridade divina. A natureza do primitivo se reflete
nas crenças religiosas, estas na organização social e esta, na própria natureza dos
homens primitivos, não mais inteiramente desenfreada, mas em vias de domínio e
contenção. A religião é o primeiro passo dos gigantes, em direção à civilização. Em
primeiro lugar, estes gigantes, temendo a ira dos deuses, abandonam o costume
animalesco de se unirem ao acaso e logo surgem os matrimônios solenes de onde
nascem as famílias e já sinaliza um início de moralidade. Em segundo lugar, eles
começam a enterrar seus mortos e a considerar sagrados os recintos onde se
localizam as sepulturas (nascem os cemitérios). Na idade dos deuses já estão
presentes os três princípios que Vico acredita serem comuns a todos os homens,
uma vez que eles já começam a ter uma atividade espiritual.
A transição para a era dos homens foi um processo longo e trabalhoso. Este
foi um tempo marcado por lutas internas nas cidades e entre os povos em particular.
Apesar das concessões por parte dos patrícios aos plebeus, às vezes para manter
uma melhor dominação (leis agrárias). As tensões entre os dois grupos sociais eram
constantes, até levá-los ao progressivo reconhecimento da igualdade entre todos os
cidadãos. Com o reconhecimento de igualdade, estritamente ligado a idéia de uma
razão comum entre eles, se entra na idade dos homens. A esta idade correspondem
como realizações históricas, a Grécia clássica, a Roma republicana e a civilização
moderna.
Nesta idade as repúblicas aristocráticas se transformam em populares, nas
quais as distinções sociais e políticas não são mais confiadas a uma ascendência
nobre ou plebéia, mas ao patrimônio, isto é à riqueza e à capacidade de trabalho
dos cidadãos. Na idade dos homens a razão encontra seu mais vasto campo de
aplicação: só nela então pôde nascer a filosofia, isto é, uma metafísica que não seja
mais simplesmente sentida ou fantasiosa, mas seja confiada à reflexão de uma
mente pura. A filosofia retorna de alguma forma ao âmbito do mundo civil, uma vez
que ela tem entre as suas tarefas a busca de um princípio de justiça comum a todos.
O reconhecimento dos direitos dos cidadãos leva a formas de legislação
escrita e, portanto, à prosa. Daí o surgimento das lutas políticas. Penetrando no
sofisticado mundo da lógica e, portanto,da razão filosófica, passa-se da metafísica
fantástica à metafísica racional; da vaga percepção dos ideais de verdade e justiça
para a sua explícita tematização. Esta fase é sintetizada na pólis grega através da
filosofia de Platão. O que nas eras anteriores era vagamente antevisto pelos homens
agora se torna prática necessária ditada pela razão.
Na era dos homens a história se baseia em uma natureza inteligente e,
portanto, modesta, benigna e racional, que reconhece por lei a consciência, a razão
e o dever .As mudanças operadas em todos os sentidos não vão apagar as
dimensões típicas das épocas anteriores, mas seus conteúdos vão apresentar-se
mais elaborados e assumidos racionalmente. Existe, então, enriquecimento e
integração, não rejeição entre eles. A metafísica natural dos primitivos agora se
torna metafísica racional, com repercussões sobre as instituições sociais, religiosas
e civis.
O esquema triádico que marca as fases da história, segundo Vico, não é
irreversível. Por causa do ceticismo23, da anarquia e do luxo desenfreado, os
estados da idade dos homens podem cair numa inexorável decadência, que os faz
retornar ao início do ciclo mental da humanidade. Um exemplo clássico deste retorno
à barbárie é o período Medieval, no qual Vico vê a perda total daqueles valores
históricos idealizados pelo classicismo greco-romano. Naturalmente este fato
também comporta o retorno, com renovado vigor, dos sentidos e da fantasia que
estavam enfraquecidos na idade racional dos homens: assim, o período medieval
torna-se também a idade de Dante.
A teoria viquiana dei corsi e dei ricorsi (dos avanços e dos retornos),
apresenta então algumas analogias com as interpretações cíclicas do processo
histórico elaborado na antigüidade pelos estóicos: mas, Vico vai se distanciar destes
pensadores, uma vez que, para ele, os ciclos não são necessários nem repetitivos.
O retorno histórico, a volta às origens é apenas uma possibilidade, que deriva da
idéia de que a sucessão das três idades não tem um caráter necessário ou definitivo,
23
Ceticismo: Doutrina filosófica que prega a impossibilidade de se conhecer ou de se transmitir a verdade.
Nascida na antiguidade, influenciou diferentes pensadores de todos os tempos.
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mas reflete a tendência ideal da humanidade a seguir o desenvolvimento daquela
que é sua intrínseca estrutura mental.
Na obra de Vico a linguagem ocupa um lugar central. Para ele, ela não é uma
criação arbitrária, mas foi surgindo a partir das necessidades do povo. Assim, a
linguagem é citada sob diferentes formas em que se apresentou desde o início: a
gestual, a hieroglífica, a cantada e finalmente a linguagem em prosa. Além disso, o
filósofo vai dizer que a poesia é a expressão mais apropriada para “o ânimo
perturbado e comovido”, e o valor dela é reconhecível nos mitos, os “universais
fantásticos”, aos quais ele atribui grande importância.
8.1 – A LINGUAGEM
Para Vico, as línguas têm uma origem natural, pois são a tradução fônica das
imagens poéticas que os povos desenvolveram na Antigüidade, de acordo com os
seus graus de desenvolvimento mental e histórico. Sobretudo na terceira idade, dos
homens e da razão, surgem os componentes convencionais da linguagem.
Fundamental para ele e extremamente atraente no estudo de sua filosofia é o
entendimento excepcional que ele dedica à linguagem. Todos os tipos de linguagem
são reflexos que brotam do interior das atividades do homem e é a partir da
linguagem que podemos captar a unidade que existe entre todos os humanos. É o
lugar universal e o repertório original das imagens, o lugar do inconsciente e do não
formulado. E Vico nos diz na sua Ciência Nova, nas Dignidades 17 e 18,
respectivamente:
A língua de uma nação antiga, que preservou a sua soberania até o seu
desabrochamento nacional, deve ser um relevante testemunho dos
costumes dos primeiros tempos do mundo.
Para nosso filósofo, a análise filológica da linguagem permite que nos aproximemos
das instituições civis e religiosas não a partir do exterior, como se elas fossem
“resíduos históricos”, mas do interior, para nelas captar conflitos e tentativas de
superação.
A linguagem não é uma criação arbitrária. Inata como disposição para a
comunicação, a linguagem formou-se lentamente sob a pressão de urgentes
necessidades, ou seja, de problemas imediatos e urgentes que tinham que ser
resolvidos. Essa naturalidade que lhe é característica a torna um veículo privilegiado
do mundo dos primeiros povos.
As primeiras linguagens eram gestuais. A comunicação se dava através de
movimentos ou ações particulares. A evolução desta linguagem é a forma
hieroglífica que é seguida pela linguagem cantada, precedente da linguagem
recitada e à linguagem em prosa.
Podemos dizer que, para Vico, às três eras da história correspondem três
formas de linguagem: a língua dos deuses que era quase totalmente muda, muito
pouco articulada; a linguagem dos heróis, também mesclada em falada e muda,
contendo falares vulgares e caracteres heróicos e, finalmente, a linguagem dos
homens, articulada e muito pouco muda. Estas três fases, entretanto, não se
compõem de estágios separados, mas há uma absorção, ainda que parcial, das
formas anteriores por parte da linguagem posterior.
24
Aquiles
Herói da mitologia grega, filho de Peleu e da ninfa Tétis. Ao nascer, a mãe segurou-o pelo calcanhar e
mergulhou-o no rio Estige, para torná-lo invulnerável. Morto na guerra de Tróia com uma flechada no calcanhar,
que não fora banhado pelas águas do rio. Suas proezas estão narradas na Ilíada de Homero.
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25
Ulisses
Herói da mitologia grega, filho do rei Laerte e de Anticléia. Protagonista das epopéias homéricas, tornou-se
símbolo da capacidade humana para superar as adversidades
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violentas. Os mitos, portanto, eram as únicas formas que permitiam aos primitivos
pensar e transmitir suas experiências. Ele atribui autonomia a estas formas de
expressão cultural quando diz que cada estágio de nossa história tem sua lógica e
seu fascínio.
Em plena harmonia com seus pressupostos teóricos está a doutrina da
descoberta do verdadeiro Homero, que Vico considera um dos maiores resultados,
no plano filológico e filosófico, de seus estudos, tendo dedicado a este assunto um
livro inteiro da sua Ciência Nova.
Em sua tese, de grande importância histórica para o desenvolvimento da
“questão homérica” 26, Vico defende a idéia de que Homero não seja nem um poeta,
considerado como indivíduo singular, nem um poeta imaginário, mas o povo grego
no seu conjunto. Para ele, Homero é uma realidade histórica, não enquanto pessoa
física, mas porque representa o caráter heróico único no qual são reconhecidos
diversos rapsodos, aqueles que, na Grécia, recitavam obras épicas, como a Ilíada e
a Odisséia, nas ruas.
Antecipando teorias que serão retomadas no século XVIII pelos românticos,
Vico afirma que a poesia homérica não pode ser considerada como produto de um
só autor, mas de todo o povo grego no seu tempo fabuloso, produto coletivo de
gerações inteiras de poetas populares que se auto elogiavam sob o nome simbólico
de Homero.
Segundo Diego Fusaro, a linguagem, para Vico, não é o produto do intelecto
humano, mas uma operação da fantasia, o fruto daquele momento em que o homem
percebe as coisas com a alma perturbada e comovida. Isso começou por causa das
emoções dos homens primitivos; é típico entre os homens como obra poética, como
expressão emotivo-fantástica. Esta é uma das concepções mais audaciosas de Vico,
uma concepção que faz da linguagem um comportamento totalmente criativo, um ato
que se repete ainda hoje nas páginas dos escritores quando eles usam as palavras
26
Homero:
Poeta grego que segundo a tradição é o autor dos épicos Ilíada e Odisséia. As muitas lendas e a escassa
confiabilidade dos dados biográficos sobre Homero fizeram com que já no século XVIII muitos questionassem
até mesmo a existência do poeta. As diferenças de tom e estilo entre a Ilíada e a Odisséia levaram alguns críticos
a aventar a hipótese de que poderiam ter resultado da recomposição de poemas anteriores, ou de que teriam sido
criadas por autores diferentes. Já a tese que defende a autoria única baseia-se na afirmação de Aristóteles, de que
a Ilíada seria uma obra da juventude de Homero, enquanto a Odisséia teria sido composta na velhice, quando o
poeta decidiu redigir a segunda obra como complemento da primeira e ampliação de sua perspectiva essas
dúvidas constituem a chamada "questão homérica".
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comuns, mas numa situação nova que lhes dá um sentido renovado, rendendo-se às
novas exigências, às novas visões propostas pelas coisas e pelos homens.
9 – A PROVIDÊNCIA
11 – CONCLUSÃO
12 – REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS