BRASILEIRO, Castiel Vitorino. Eclipse

4
ECLIPSE
ECLIPSE
ECLIPSE
Castiel Vitorino Brasileiro: Eclipse
Realização [Organized by]

CSS Bard / Hessel Museum
Curadoria [Curatorship]
Bernardo Mosqueira
Textos de [Texts by]

Castiel Vitorino Brasileiro
Bernardo Mosqueira
Matilde de Oyá Caboclo Pena Branca Castiel Vitorino Brasileiro: Eclipse is curated by
Bernardo Mosqueira as part of the requirements
Projeto Gráfico [Graphic Design] for the Master of Arts degree at the Center for
Rodrigo Lopes Curatorial Studies, Bard College.
Tradução [Translations] Além do apoio geral do CCS Bard, a exposição

Monyque Assis Suzano Castiel Vitorino Barsileiro: Eclipse só foi possível
graças ao generoso apoio da 4H5H Media
Revisão [Proofreading] (Marcus Vinicius Ribeiro e Zach Kuipers) e do
Maria Bernadete Morosini OSUN Center for Human Rights and the Arts.
Ana Clara Simões Lopes
In addition to general CCS Bard exhibition
Coordenação Editorial [Editorial Coordination] support, Castiel Vitorino Brasileiro: Eclipse was
Ana Clara Simões Lopes made possible by the generous support of
4H5H Media (Marcus Vinicius Ribeiro and Zach
Agradecimentos [Acknowledgments] Kuipers) and OSUN Center for Human Rights
4H5H (Marcus Vinicius Ribeiro and Zach Kuipers) and the Arts.
OSUN Center for Human Rights and the Arts
Mara and Marcio Fainziliber
Frances Reynolds
Genny and Selmo Nissenbaum
Luciana Caravello
Daniel Victorio
Castiel Vitorino Brasileiro: Eclipse tem curadoria
de Bernardo Mosqueira como um dos requisitos
para o grau de mestre em artes pelo Center for
Curatorial Studies, Bard College.
6 7
ECLIPSE
ECLIPSE
Eclipse
Projeto para a instalação [Project of the installation]
Pintura aquarela [Watercolor draft]
8 2021 9
ECLIPSE Installation view from Castiel Vitorino Brasileiro: Eclipse,
ECLIPSE
Hessel Museum of Art, Center for Curatorial Studies, Bard College,
Annandale-on-Hudson, NY, April 3 - May 30, 2021.
Master’s thesis exhibition curated by Bernardo Mosqueira.
Photo: Evan John 2021.
Exortação: Prece e Pressa 12

Matilde de Oyá Caboclo Pena Branca
Castiel Vitorino Brasileiro: Eclipse 16

Bernardo Mosqueira
Combustível para incêndios inevitáveis 26

Bernardo Mosqueira
Ancestralidade Sodomita, Espiritualidade Travesti 44

Obras 56
Works
Exhortation: Prayer and Haste 140

Matilde de Oyá Caboclo Pena Branca
Castiel Vitorino Brasileiro: Eclipse 144

Bernardo Mosqueira
Fuel for unavoidable fires 154

Bernardo Mosqueira
Sodomite Ancestry, Travesti Spirituality 172

Castiel Vitorino Brasileiro: Eclipse

Vista da instalação [Installation views]
10 2021 11
ECLIPSE
ECLIPSE
Transcrição de O que eu tenho a dizer pra você,
mansagem de voz de minha filha, é que você é uma
Matilde Caboclo de Oyá
Pena Branca enviada para
pessoa muito aluminada, e tem
Castiel Vitorino Brasileiro. muita força de vencer. E que
os Orixás estão sempre ao seu
lado. Que Oxumarê... que é o
arco íris.. que é uma cobra...
que é a força da natureza…
A lua vem se representando

no clarão. Muita força, muita
luz pra ela poder aluminar os
nossos caminhos. Pra poder
EXORTAÇÃO: nos proteger, pra poder fazer

a nossa guiada.
PRECE Então, o arco-íris: ele dá a força

da água, a força de todos os
Orixás que vem nos protegendo,
E PRESSA
nos aluminando, dando força
para nós podermos acaminhar
nosso dia a dia. Porque, sem
esses… é o que conseguimos
Matilde de Oyá Caboclo Pena Branca dar vitória e dar saúde para
nossos caminhos.
Aí, o que vem se dizendo o mar:

o mar é energia, o mar é saúde.
É uma personalidade, é uma
força muito grande. E ainda
junto com Oxumaré... são
coisas maravilhosas!
Como vocês estão falando de

roupa, o arco-íris vem dizendo
sobre as cores, porque ele vem
decretando os rosas, o azul...
que ela vai pro mar, pra poder
12 beber água. 13
ECLIPSE O carvão vem dizendo muita rosa se apresentam as coisas
ECLIPSE
força de Exú. Força das águas. das nossas crianças, que dá
Porque o carvão também aquela força para a gente
elimina feitiços, de olhos poder vencer naquelas lutas.
grandes e de perturbação no
caminho. Então a gente usa o Porque as nossas crianças são
carvão pra poder ser feito essas os nossos dias de amanhã. As
coisas, pra poder a gente nos nossas crianças, é o que faz nós
livrar. Tanto pra benzer, quanto se levantarmos. Ser hoje o que
na força espiritual de Exú. Então, nós somos. Você é uma pessoa,
o carvão: com ele se resolve eu sou outra, e cada uma com
também muita coisa, pra sua energia, com tua força, para
poder te alumiar. você poder avencer todas
essas lutas.
A lua são coisas brilhantes,
ela se brilha ao dia e na noite. É só isso que eu tenho a dizer
Portanto que existe a Lua pra você, minha filha.
Crescente, que dá aquela
força, e frutos para tudo, para E que Deus te acaminhe ai.
dar energia pra nós. Então, você
vê que ela brilha, querendo
ou não querendo, tanto nos
dias, quanto nas noites. De
repente disso, a gente não vê
ela, mas ela fica escondida, mas
ela brilha. Ela te dá força pra
você poder te aluminar seus
caminhos.
O verde, ela vem representando Mathilde de Oyá Caboclo

nossas matas. O azul, ela vem Pena Branca ou Mãe
representando ao mar, o céu, Matilde de Oyá (1960) foi
e são coisas brilhantes. O rosa iniciada no Candomblé de
também vem falando muito Nação Angola em 1986.
das crianças. O branco é paz, É zeladora da "Casa de Iansã
é coisa de energias. Porque se Caboclo Pena Branca", da
você olhar, realmente, as cores Nação Ketu e Axé Oxumaré,
de Oxumarê, ela tem sete cores. em atividade há 28 anos
Então ela vai se aluminando, em Jucutuquara (ES).
dando aquele eclipse. E que Matilde é também
você possa tirar de cada uma, empresária, e possui um
14 um pouquinho de cada coisa. No comércio em seu bairro. 15
ECLIPSE
ECLIPSE
Desde 2015, Castiel Vitorino Brasileiro
CASTIEL VITORINO (Vitória, Brasil, 1996) vem investigando

e experimentando processos de cura
que produzem experiências vitais
BRASILEIRO:
íntegras por meio da harmonia
com a transmutação. Combinando
suas pesquisas acadêmicas e
ECLIPSE
experiências de prática clínica como
psicóloga (atualmente, é mestranda
em psicologia pela PUC-SP, orientada
por Suely Rolnik) com a cosmovisão
Bantu-diaspórica e sua prática vital/
Bernardo Mosqueira espiritual macumbeira (é filha de
santo de Mãe Matilde de Oyá no
terreiro Casa de Iansã Caboclo Pena
Branca), Vitorino Brasileiro vem
criando obras e textos que concebem
a cura como um estado provisório de
alinhamento entre as inúmeras vidas
que simultaneamente compõem uma
pessoa. Com uma atenção especial às
diversas dimensões que constituem
a matéria vida, Castiel propõe outras
formas de conceber as noções de vida,
morte, fim, ser, e transformação. Tudo
isso faz de seu trabalho um poderoso
agente de construção, inspiração
e conspiração de opacidades,
16 insubmissões, insurgências e outras 17
ECLIPSE curas - para si e para outras pessoas “cientificamente” o uso da violência
ECLIPSE
que também sofrem com a distribuição total sobre os corpos e territórios
desigual de recursos e violências da explorados pela colonização, a Europa
modernidade-colonialidade. pós-Iluminista utilizou o racionalismo
para produzir e naturalizar categorias
Uma das armas mais perversas sociais fixas (como distintamente e
e determinantes utilizadas na entrecruzadamente raça, gênero,
manutenção das estruturas de poder local de nascimento, sexualidade)
da colonialidade é o próprio sistema que até hoje são procedimentos
¹ Termo derivado do onto-epistemológico¹ característico fundamentais para conservação das
grego ōn, ont- ‘ser’ + da modernidade. Como parte do estruturas hegemônicas de poder
epistēmē ‘conhecimento’, processo de colonização, os povos estabelecidas no período histórico
do epistasthai (saber,
saber fazer). Refere-se
europeus esforçaram-se ao máximo do colonialismo.
ao sistema que, em uma para dizimar as formas de saber, de
sociedade, sustenta as viver e de entender a existência dos Parte da radicalidade do trabalho de
relações entre ser e saber. povos colonizados. A partir deste Vitorino Brasileiro está em desafiar
aniquilamento, construíram hegemonia diretamente esse sistema
para si e dependência epistemológica onto-epistemológico da modernidade.
para os outros. Por meio da violência, Em uma primeira mirada, pode-se
impuseram uma forma de ver o mundo perceber em suas obras e textos
que separa tudo aquilo acessível aos a recusa em relação às categorias
instrumentos do racionalismo Europeu sociais da Europa pós-Iluminista.
(medida, categorização, definição) Mas é importante ressaltar que, muito
como ciência, a “verdadeira verdade,” além das disputas pelos valores
enquanto caracteriza os saberes de atribuídos a essas categorias, a
todos os outros povos como “antigas obra de Vitorino Brasileiro relembra
superstições,” vestígios culturais de constantemente a natureza ficcional,
um passado primitivo naturalmente forjada e arbitrária dessas formas de
fadado ao desaparecimento. Impondo agrupar e definir pessoas e povos.
o pensamento e a temporalidade Sua prática parece partir da recusa
lineares, procuraram soterrar formas em reconhecer a legitimidade dessas
poéticas de viver e pensar com sua categorias como maneiras de aferir
própria prosaicidade, dedicaram-se verdades, ao mesmo tempo em que se
ao desencantamento do mundo. engaja em combater as consequências
A pretensa neutralidade desse concretamente nefastas do uso
racionalismo que ainda sustenta a radical e centenário dessas próprias
ciência e o direito modernos esconde categorias. Em seu texto Ancestralidade
um princípio universalista messiânico Sodomita, Espiritualidade Travesti
Cristão e um sujeito — feito invisível — (2020), por exemplo, a artista trata da
que impõe determinados limites às diferença entre ser retinta e negra:
formas de estar com(o) o mundo.
18 A partir do interesse em sustentar 19
ECLIPSE “Sou retinta e, quando me tornei negra, temperaturas... Continuo fazendo porque
ECLIPSE
transmutei e virei apenas retinta novamente. descobri o prazer em não ser entendida.
Mas não deixei de ser negra, porque ainda Corpoflor é uma promessa: modificar a
vivo neste mundo. E se também habito Forma, preservar a coragem, insistir na
outros mundos, então lá sou como Orixás: Verdade: ainda me desconheço.
retintos, sem raça. E Orixás precisaram se
adaptar a um corpo com cor diferente do
deles. Tenho tentado aprender com Por meio da defesa constante
essas negociações…” e irrevogável de sua opacidade,
Vitorino Brasileiro defende sua
Ao optar recorrentemente liberdade, sua vida, seu ser-mudança.
pela nomeação do racismo como Com seu trabalho, ela compartilha esse
a “ficção da raça”, por exemplo, movimento gingado — essa forma de
Vitorino Brasileiro ressalta a natureza dança-luta que resiste à apreensão —
linguística, narrativa e impermanente com quem também sofre com as
dessa forma colonial primordial de consequências das categorizações
controle sobre os corpos que ainda sociais coloniais/modernas. As
estrutura o capitalismo global. noções de cuidado mútuo, cura
coletiva e conspiração permeiam
A noção de impermanência todo o seu trabalho, mas é perceptível
é central no trabalho de Vitorino de maneira bastante direta em suas
Brasileiro. A artista compromete-se oficinas, como Estéticas macumbeiras
com os estudos e a experiência na Clínica da Efemeridade (2019-2021),
da transmutação desde seus e em suas práticas colaborativas,
trabalhos. Há seis anos, a artista como Espiritualidade Travesti (2020),
vem desenvolvendo uma série com Aya Ibeji, Rainha Favelada e Jade
fotográfica chamada Corpo-flor Maria Zimbra; Quintal Bantu (2019),
em que registra seus experimentos com Natan Dias, Rafael Segatto, Kika
rituais que a auxiliam na recriação e Carvalho e Renato Santos; e Romaria
incorporação de seu próprio corpo em dos Testículos Femininos (2019), por
transformação. Sobre o trabalho, exemplo.
a artista diz:
Para proporcionar uma concepção
Em 2016, eu inicio minha ininterrupta da experiência vital para além da
transição de gênero e transmutação da racionalidade e linearidade
carne. Nesses primeiros movimentos de que permitem a existência da
transfiguração, começo a desenvolver estruturação racista do mundo
estéticas sobre aquilo que a mim ainda moderno — e, portanto, para fazer
continua sendo indescritível: meu prazer as capacidades imaginantes irem
em transfigurar... Criei quando não conseguia além dos limites da colonialidade —
explicar o que estava acontecendo o trabalho de Vitorino Brasileiro nos
20 em mim. Gêneros... músculos... convida a pensar complexamente 21
ECLIPSE ² FERREIRA da SILVA, e simultaneamente em diversas linearidade dos ciclos da lua ou do sol.
ECLIPSE
Denise. A Dívida Impagável, escalas. Vibrando com o conceito Como em português, língua materna
p. 183 (São Paulo: 2019). de “pensamento fractal,”² como de Vitorino Brasileiro, “sol” é palavra
desenvolvido por Denise Ferreira da masculina e “lua” é feminina; “eclipse,”
Silva, a artista nos oferece pensar o portanto, pode ser entendido nesta
afeto e a continuidade entre os corpos obra como um símbolo para todas
numa encruzilhada entre as escalas as formas de vida que inevitavelmente
quântica, orgânica, histórica e cósmica. contradizem o sistema de identidades
fixas imposto pela colonialidade.
Eclipse, o trabalho comissionado
e em exibição no Hessel Museum, Em sua tese de doutoramento, A
Center for Curatorial Studies cosmologia africana dos bantu-kongo
Bard College (CCS Bard), é um por Bunsei Fu-Kiau: tradução negra,
bom exemplo disso. A terra, o sal, reflexões e diálogos a partir do Brasil
o carvão, a pedra, a água, o tecido, (2019), Tinganá Santana oferece
a luz, e o ar que compõem a obra uma longa análise de Dikenga e
afetam (transformam) quanticamente nos diz que, segundo a cosmovisão
os corpos dos presentes no espaço, Bantu, o humano pode caminhar
com uma agência que não parte horizontalmente (em direção aos
do pressuposto da racialização. desafios do mundo: para frente, trás,
Da mesma forma, a referência ao esquerda, e direita) e verticalmente
fenômeno celeste convida a (pensando e raciocinando: para cima,
imaginar que, do “ponto de vista” para baixo, e para o centro). O autor
dos astros, as categorizações nos conta que “o ser humano sofre,
(assim como a separação e oposição sobretudo, em virtude da sua falta de
sujeito-objeto que propiciam) não conhecimento de como caminhar para
fazem o menor sentido. A forma essa 7ª dimensão, a interior,” e diz que
de Eclipse (2021) faz referência a essa caminhada para dentro de si é o
Dikenga, o cosmograma Bakongo que permite que uma pessoa conheça
que, para Vitorino Brasileiro, simboliza seu próprio núcleo, torne-se mestra
o movimento em espiral do tempo de si mesma e, dessa forma, consiga
e representa a vida (as existências) alcançar o poder da autocura.
como uma série de mortes e
renascimentos contínuos. Baseado no De maneira análoga, Eclipse é
ciclo do sol que nasce, culmina, se uma obra imersiva que nos atrai a
põe e desce à longa noite antes caminhar para o centro luminoso de
de renascer, Dikenga representa uma um espaço escuro. No centro deste
forma alternativa de compreensão do trabalho, Vitorino Brasileiro localizou
tempo e do ser que privilegia os ciclos um espelho d'água no qual vemos
e as mudanças ao invés da linearidade refletida a imagem de uma sereia
e da continuidade. Um eclipse é, por que — dançando com o sol, a lua,
22 definição, uma quebra que ocorre na o mar e o ar — produz mundos em 23
ECLIPSE seus movimentos de contração e “estimulam estados corporais
ECLIPSE
expansão. As sereias são criaturas desconhecidos”. É por meio
híbridas e maravilhosas que resistem deste movimento de mergulho
em ser definidas pelos instrumentos incorporado, indefinível, sempre
do racionalismo, ainda que sejam inédito e instável ao centro
acessíveis pela imaginação. mutante de si que Eclipse
Ao localizar-se como sereia no centro espera apoiar as pessoas no
de seu Eclipse, a artista nos inspira desenvolvimento de seus
a mergulhar ao encontro de nossos próprios caminhos de cura
próprios interiores pelos recursos da – em seus próprios estados
imaginação radical de si, a partir de si corporificados de eclipse.
e para si. É significativo que ao buscar
por si no espelho d’água (diferente do
espelho plano), uma pessoa só possa
encontrar sua imagem ondulante com
os movimentos vivos da água e em
conjunção às formas dos peixes,
pedras, plantas e seres marinhos
que habitam o outro lado da superfície
do espelho, no encantado mundo
subaquático. O espelho d’água
se torna, portanto, um instrumento
de busca de si, sem que a própria
interioridade possa ser medida,
definida, separada do
mundo - ou categorizada.
As demais maneiras pelas

quais esta instalação é capaz de
apoiar as pessoas em seus processos
de cura permanecem não ditas, ainda Bernardo Mosqueira
que acessíveis a quem se aventurar (Rio de Janeiro, 1988).
em dançar no outro lado do abismo Curador, pesquisador e
criado pela modernidade, no escuro escritor. Mestre em Estudos
profundo onde o ocidente vem Curatoriais pelo Center for
tentando esconder as formas de vida Curatorial Studies, Bard
que ameaçam seu poder. Assim como College (CCS Bard). É
para outros de seus trabalhos de fundador e diretor artístico
natureza instalativa, Vitorino Brasileiro do Solar dos Abacaxis
diz que Eclipse é um “espaço perecível (2015-presente) e diretor
de liberdade,” conceito criado pela do Prêmio Foco ArtRio
24 artista para suas instalações que (2013-presente). 25
ECLIPSE
Entrevista de Bernardo Mosqueira: Castiel, eu quero
Castiel Vitorino Brasileiro começar nossa conversa agradecendo
a Bernardo Mosqueira. enormemente por você ter aceitado o
Fevereiro de 2021. convite para desenvolver um projeto no
Hessel Museum, Centre for Curatorial
Studies Bard College (CCS Bard).
O processo dessa colaboração se
deu inteiramente durante a pandemia
COMBUSTÍVEL de Covid-19, sob condições bastante

incomuns, instáveis e adversas que
exigiram da gente muita dedicação
PARA e flexibilidade. Mesmo acompanhando

seu trabalho já há alguns anos,
nesses últimos meses eu tive a alegria
INCÊNDIOS
de poder testemunhar mais de perto a
profundidade, a liberdade e a coragem
com as quais você realiza sua obra.
Apresentar esse resultado agora é
INEVITÁVEIS muito gratificante, e eu te agradeço

por isso. Eclipse (2021) é um trabalho
inevitável, comovente, encantador.
Como eu percebo que ele concentra,
Castiel Vitorino Brasileiro expande e atualiza algumas discussões
muito cruciais para o trabalho
Bernardo Mosqueira que você vem desenvolvendo
desde 2015, a minha ideia para essa
nossa conversa hoje é refletir sobre
a sua prática de uma maneira mais
ampla, a partir de questões sobre os
elementos formadores de Eclipse.
Eu começo pela própria ideia

de eclipse. No seu trabalho, percebo
uma crescente recorrência de
referências aos astros ou fenômenos
celestes: o sol, a lua, a estrela, as
constelações, o céu - agora, o eclipse.
26 Eles estão presentes em trabalhos 27
ECLIPSE como Corpo-Flor (2016 — presente), feminilidade e masculinidade.
ECLIPSE
Porque nossos mergulhos no sol tem Astros não tem gênero ou raça,
gosto de coragem (2020), Uma noite e daqui onde eu falo, também não
sem lua (2020), em algumas aquarelas possuo tais identidades. Sou uma
da série Somagramas (2018 — presente) animal híbrida de céu e mar.
e também em alguns de seus textos.
Porém, essa é a primeira vez que um No Brasil, me nomeiam Travesti.
trabalho seu ganha o próprio nome do Daqui, onde estou, não me importam
fenômeno. Como se dá a sua relação as palavras. Estou dentro de um
com os astros no pensamento eclipse, estou vivendo um eclipse,
e desenvolvimento de sua obra? sou um eclipse, sou híbrida. Eclipses
E como acontece o seu eclipse? são momentos de equilíbrio e
descanso. São encontros. Quando a
Castiel Vitorino Brasileiro: Eu acordo lua e o sol se alinham com o nosso
quando a luz solar começa a acontecer planeta, nosso universo é recriado,
frente a mim. Consigo medir o horário nossa vida terrestre é recontada.
cronológico de acordo com minha Quando o ar e a água se alinham
temperatura corporal e a temperatura em mim, torno-me uma sereia.
do ambiente em que estou. Quando o
sol morre e o nascer da lua se inicia, Eu quis criar essa obra, para dizer
eu preciso estar em um local seguro. que sereias existem e elas nascem
Sinto que esse momento é um eclipse em eclipses. Sereias não têm pai ou
em mim. O momento de transição mãe. Somos criaturas formadas pelo
da claridade para a escuridão alinhamento da luz com a escuridão.
é um eclipse em mim. Não sei Eclipses geram cores invisíveis
explicar o porquê, e também não sinto à criaturas terrestres. Por isso
necessário o entendimento racional nascemos — para dizer sobre coisas
sobre essa experiência. Todos os que vocês dizem não existirem.
dias vivo eclipses.
Aqui, não estou contando
O sol e a lua são autônomos, uma mitologia.
e isso me encanta. Não há nada
que a vida terrestre possa fazer Estou dizendo a história de minha vida.
a não ser respeitar a inevitabilidade
dasenergias solares e lunares Me chamem de Castiel Vitorino
conduzindo a dinâmica vital terráquea. Brasileiro, este é um dos meus nomes.
Nunca poderemos tocar o sol, nunca
poderemos estacionar a lua. Isso é BM: Outra característica que me
radical. E ainda que sujeitos modernos parece muito importante na sua
tentem compreender o Sol e a Lua a prática é uma consciência muito
partir de suas categorias identitárias, elevada sobre como se dá a interação
28 esses astros nada tem a ver com entre corpos e diferentes materiais. 29
ECLIPSE Entendo isso como uma das Estudem animais como as
ECLIPSE
suas formas de manipulação e Borboletas-atlas e camaleões,
transmutação de energias, relações, a vidasexual de cavalos marinhos,
formas, estruturas, corpos. Isso é muito as camuflagens de insetos como
forte, por exemplo, nas processos de Bicho-Pau, Sapo Folha e peixes como
desenvolvimento de Corpo-Flor (2016 Linguado. A modificação do meu corpo
— presente), Colete Salva-vidas (2017), não é uma questão de gênero, mas um
Ouço Mar (2018), Comigo-ninguém- fator de minha animalidade híbrida de
pode (2018), Minha garganta dói, céu e mar.
minha garganta pode doer? (2018),
Manjericão (2018), Manjericão roxo O que muda sou eu. Minha
(2019), Os peitos que não terei com materialidade. E os modos
perlutan (2019), Macete para crescer que relaciono-me com a minha
peito (2019) e Acredito no amor como verdade. Minhas mutações são
uma ventania que espanta o medo prelúdios da mais profunda e
(2020). Como começaram essas inevitável transformação vital que
experimentações de relações entre pode existir: a morte. Eu me preparo
o seu corpo e diferentes materiais? para a morte transmutando em vida.
Já são pelo menos cinco anos E quando eu morrer, serei cultuada
investigando e vivendo esses não pelo meu gênero ou raça, mas
trabalhos. O que você acha que pela minha escuridão dérmica, meus
mudou nessa prática nesse tempo? movimentos musculares, e meu cheiro.
CVB: Todas as vidas se modificam.

BM: Esse entendimento dos
Sociedades modernas se
materiais como agentes elementais
organizam em identidades, e isso
de transformação também me parece
é um problema para minha vida,
ser crucial nos seus trabalhos de
porque escolhi acolher minha
natureza ambiental, que você chama
qualidade vital inquestionável:
de “espaços perecíveis de liberdade”.
a mudança. Ainda que meu corpo
Entre eles estão Quarto de Cura (2018),
continue sendo cotidianamente
Nada aqui se acaba (2020) e o próprio
recolocado na mitologia do gênero,
Eclipse (2021).
na mitologia da Transsexualidade,
ou na Mitologia da Travestilidade —
Como você conceitua essa noção de
ainda assim, continuo afirmando:
espaço perecível de liberdade? Como
essa não é a minha história.
operam as ideias de perecibilidade e
liberdade nesses trabalhos? Como isso
Precisamos entender que
se dá especificamente na proposta de
a transmutação da carne não é algo
Eclipse?
particular da espécie Homo sapiens
sapiens. Modificar a forma é o que
30 há de mais comum no Planeta Terra. 31
ECLIPSE CVB: Crio espaços porque tenho Espaços perecíveis de liberdade são
ECLIPSE
fé em quilombos e amo o Planeta situações geográficas instauradas
Terra. Às vezes, sinto um aperto no onde forem precisas para que
meu coração quando penso que não possamos lembrar daquilo que os
tenho condições de sair do Planeta traumas da racialização nos fazem
Terra e viver outras histórias que esquecer: a liberdade existe, e ela
não a Terrestre. Aprendi a amar o não é um espaço possível de ser
planeta que vivo, e a respeitar seus descrito pela física mecânica, muito
ecossistemas secos e molhados. menos algo invisível. Liberdade é uma
situação tempo-espacial que ocorre
Se tem algo que perdura nas quando nossa consciência cósmica
vidas terráqueas, é a perecividade. é expandida, e liberdade é a
Nada aqui se acaba e tudo aqui um experiência de criar, viver, e desejar
dia há de morrer; morrer é transfigurar, após ultrapassarmos os limites
assumir uma outra forma de existir. ontológicos que são criados
Um oceano que transformou-se com a colonização.
no deserto do Saara. Uma quantidade
de mar ou rio que evapora e Liberdade pode acontecer em
transforma-se em nuvens. qualquer lugar, assim como a Cura
Meu corpo, que, com a terapia Líquida e a minha arte. Crio espaços
hormonal, muda sua qualidade perecíveis dentro das casas
líquida e sua fisicalidade. de pessoas que amo e em instituições
de arte. Para criá-los, preciso imergir
Existem templos religiosos, como nesses territórios, conhecê-los, sentir
no Brasil ocorrem com Umbandas, sua temperatura, o sabor do ar, o
Omolocô, e Candomblés. cheiro da luminosidade, a densidade
São importantes, mas, no entanto, das memórias. Todo espaço que
idealizados dentro do espectro de crio relaciona-se com o território
cura moderna, a cura pela assepsia. em que está sendo instaurado. Essa é
Muitas pessoas acreditam que a radicalidade de minha obra: não há
esses templos de macumba estão nenhuma possibilidade de repetição da
isentos de cometerem violência forma, de espaço. Até mesmo o Quarto
colonial, e precisamos entender que de Cura (2018), em cada montagem
a criação desses locais relaciona-se toma uma forma diferente.
com a expansão territorial colonial.
Misoginia, transfobia, e racismo Para criar um espaço perecível
acontecem dentro dessas tradições, de liberdade, necessito entender
ainda que essas tradições também e respeitar a comunidade biótica
se contraponham à colonização. É uma que acontece naquela parte do
contradição, uma encruzilhada. ecossistema em que desejo cultuar as
memórias da transfiguração. Me sinto
32 livre quando me relaciono 33
ECLIPSE com os reinos vegetais e minerais, de cuidado e de transformação das
ECLIPSE
não com a minha raça ou negritude, condições de vida dessa pessoa
mas a partir de minha animalidade. Me a partir de suas palavras. Cura é,
sinto livre quando me percebo intuindo sem dúvida, uma das questões mais
a vida terráquea ou cósmica a partir importantes do seu trabalho até hoje.
das relações inter e intraespecíficas, E eu sei que você desenvolveu uma
e não mais culturais. Me sinto livre forma muito particular de entender
quando tento olhar para o sol e a ideia de cura, informada tanto
lembro que meus olhos podem perder pelas macumbas e as filosofias Bantu,
a capacidade de enxergar, ou quando quanto pela sua prática artística
percebo que meu estado emocional e pelas suas pesquisas e experiências
se modifica com a alteração das fases em psicologia. Em uma conversa nas
lunares, porque nestes momentos não últimas semanas, você me disse
me importa minha raça, meu gênero, que se incomodava com o fato de
ou qualquer identidade moderna algumas pessoas não estarem abertas
— apenas meu corpo, meu músculo, a entender o que você nomeia por
minha pele e meus hormônios “cura”. Então, eu te pergunto: como
compõem minha história, você concebe a relação entre o seu
essa outra história. trabalho e a “cura”? E como isso está
presente no caso específico de Eclipse?
A liberdade para pessoas retintas
é poder criar outra história. A liberdade
para mim é nos encontrar CVB: A dificuldade que meu
nesses outros momentos. trabalho enfrenta no Brasil e em
outros territórios colonizados pelo
BM: Essa prática de formulação de cristianismo ocorre justamente
conceitos originais para fundamentar pelo modo em que estas posturas
sua própria obra tem sido muito filosóficas e religiosas cristãs afirmam
fértil, tanto por posicioná-la em suas presenças: a evangelização.
relação a determinadas discussões Assim, é a evangelização
importantes para o nosso tempo, mas que também impede que meu
também por oferecer essas noções trabalho seja respeitado e acolhido
como ferramentas para o pensamento nestes e em outros lugares que
e fortalecimento de outras pessoas. utilizam-se de seus princípios cristãos
Eu já presenciei a sua noção de alterados para colonizar outros povos
“ancestralidade sodomita” sendo e sociedades. O grande dilema da
instrumento de uma discussão que Modernidade é que a instauração
não era sobre a sua obra, mas sobre desse modo de viver o planeta Terra,
como o seu trabalho tinha ajudado com as suas inerentes qualidades,
essa pessoa a se (des)entender formas, e tipos de alteridade — ou seja,
no mundo. Eu observei esse a subjetivação — é uma postura
34 acontecimento como uma cura filosófica cujos fundamentos 35
ECLIPSE religiosos e espirituais são tidos como clareza, linearidade. Pelo contrário,
ECLIPSE
inexistentes. A racialização moderna acredito na cura como mistura, sujeira,
descreve que não são todas as vidas contradição, e desentendimento. As
da espécie Homo sapiens sapiens pessoas relacionam-se com o meu
capazes de tornarem-se sujeitas — trabalho a partir da evangelização
e sou uma daquelas que nem mesmo — ou seja: o apagamento e a
deseja a subjetivação. No entanto, a usurpação. Evangelizar é utilizar
racialização também é um modo de de modo religioso as categorias
nos inserir na história e na dinâmica do pensamento moderno. Logo,
dos processos de subjetivação. na evangelização, ocorre a explicação
Não nos tornamos sujeitos/humanos, e o desejo do entendimento. E este
mas corporificamos os dilemas da é o nó, porque acredito na cura
humanidade de modo cognitivo, justamente como um momento de
emocional, religioso, e espiritual. desentendimento. Momentos vitais
onde a experiência nos desloca
Nessas dinâmicas sociais coloniais, radicalmente de qualquer possibilidade
Humanos organizam as faculdades do ou capacidade de explicar
pensar numa hierarquia que subjuga o que está acontecendo.
saberes religiosos e espirituais.
Acredito que essa subjugação A cura é uma experiência, e não uma
também é realizada porque entende-se palavra — assim como o eclipse. A
que apenas os Outros desenvolvem cura e o eclipse são modos de dizer
suas sociedades com religiosidades sobre acontecimentos inevitáveis que
e espiritualidades. É um dos enlaces fogem do domínio do tempo linear ou
da violência Racial: subjugar qualquer do entendimento moderno. Os eclipses
saber religioso e espiritual, estabelecer acontecem independente da forma que
a Ciência Moderna/Branca como única homo sapiens sapiens organizam seus
forma correta e eficaz de apreender o calendários. Assim como os eclipses, a
Planeta e classificar qualquer modo Cura Insondável modifica os cotidianos
de vida ou tecnologia diferente das vidas que dela participam.
e/ou não compreendida pela A cura, como acredito e vivo —
branquitude como “não científico” essa cura líquida — também é
e “meramente religioso.” inevitável e cotidiana.
Acredito e vivo a cura como BM: O centro vibrante do seu

um deslocamento desta história Eclipse convoca quem está presente
moderna. A cura é um movimento a percorrer um caminho na escuridão
efêmero, ainda que encarnado. É uma até ser capaz de encontrar a imagem
forma perecível, é uma temperatura, luminosa de um ser que nada em um
um sabor, um ritmo, e uma densidade. mar cristalino e claramente cheio de
A cura, em minha vida, nada tem a ver vida. Esse ser nada brincando, contrai,
36 com um ideal iluminista de limpeza, expande, transforma, respira, sussurra, 37
ECLIPSE canta, flutua na matéria vida, dança eu preciso atravessar o mar. Iniciei
ECLIPSE
na superfície entre seus próprios minha vida morando na boca da mata
estados líquido e gasoso. Se for um da Fonte Grande, o ponto mais alto do
ser nascendo, nunca houve nada tão maciço central desta ilha. Lá em cima
lindo e forte como é e se tornará. Se ainda vou toda semana, e quando era
for uma sereia, conhece a beira da adolescente eu olhava pra beira-mar e
praia e também Kalunga. A primeira me imaginava um dilúvio. No entanto,
vez que assisti esse vídeo, logo lembrei me mantinha calma, porque sentia que a
que não é o seu primeiro trabalho onda não engoliria a Montanha.
que estabelece uma relação com o Meu medo nunca foi da morte, e sim do
mar. De alguma forma, ele é quase sofrimento que pode antecedê-la.
uma sequência de Virar Mar (2017), E tudo mudou quando eu aprendi
Mergulho como rede 1 e 2 (2018), e a respirar embaixo d'água, quando
Travessia (2018). O mar e seus seres aprendi a nadar. Porque senti que o
também estão nos Somagramas fim é inevitável. O planeta Terra um
(2018 — presente), em Quando lembrei, dia explodirá e a Montanha se partirá
voltei (2019) e São predadoras, e no meio ou antes será engolida por
muitas vezes caçam e alimentam-se de uma grande onda. A morte é uma
outros animais maiores que elas (2019). transfiguração inevitável.
Como se dá a relação do seu trabalho
com o mar? Genéticamente, sou líquida. Quis
nadar contra essa verdade e sofri
CVB: Eu aprendi a nadar sozinha. agonia, tristeza, e desespero: de
Quem me ensinou foi o próprio mar. algum modo, eu acredito em destino
Fui concebida numa transa que minha e sinto que meu destino é morrer na
mãe teve com meu pai na cachoeira beira-mar, descansando. Mergulhar
e visitei essa cachoeira durante toda cansa porque ainda que no mergulho
minha infância e adolescência. nos deparemos com o Inesperado, o
As cachoeiras são traiçoeiras — Incompreensível, e o Inominavel, existe
ou, as pessoas são desatentas. a memória e a capacidade de lembrar:
Então, quando eu dei um passo para lembrar do gesto que mergulhei no
trás dentro da cachoeira, me percebi mistério de minha gestação — a zona
caindo num buraco. Eu era criança. abissal da Kalunga — e decidi voltar
Intui que deveria ir até o fundo da à superfície (ou não tive outra escolha).
água, tocar seu chão, pegar impulso, Voltar aqui, na atmosfera, reencarnar-se,
e subir para a superfície. E assim o nem sempre é uma escolha. E meu
fiz. E assim me salvei: permitindo corpo precisa estar preparado para isso.
meu corpo ao mergulho, ao afundar. A minha espiritualidade é um abismo,
a profundidade, a escuridão, o mar,
Moro numa ilha, Vitória, e para chegar e o seu fundo. Todo corpo negro escuro
nas cachoeiras de Santa Leopoldina deve aprender no músculo, a diferença
38 — ou em qualquer outro lugar — entre mergulho e naufrágio. Essa é a 39
ECLIPSE minha promessa: continuar o caminho Eu te pergunto: como você vê a relação
ECLIPSE
do córrego, criar cachoeiras, entre o seu próprio trabalho e as
chegar no mar, voltar a questões do nosso tempo?
beira do mar, descansar, morrer.
CVB: Eu posso responder essa
No encontro com o mar, tudo em mim
questão de infinitas formas, mas
se dilui, a Verdade Racial se dissolve e
dessa vez vou acolher minha dúvida
desaparece. O mar não me exige nada
e responder de modo polarizado. No
além dos meus músculos e do meus
entanto, não uma polaridade que
instintos para conseguir habitá-lo e
exclui os caminhos que a atravessa.
respirar junto contigo. O que importa
Eu poderia responder como uma
ao mar não é minha racialização ou
encruzilhada, mas eclipses me
meu gênero, e sim a capacidade que
fazem chorar e quando choro, às
meu corpo escuro possui de tornar-se
vezes, me lembro dos caminhos
fluvial, líquido. Quando mergulho, sinto
fluviais que a água desenvolve para
que não tenho mais pele. Meu corpo
chegar no Mar. Eu poderia dizer sobre
integra-se fisiologicamente às águas.
as inimagináveis e imprevisíveis
Na Kalunga, “tornar-se negra” já não é
possibilidades de rotas fluviais, com
minha história. No mar, torno-me algo
suas correntezas, secas, enchentes,
indescritível a essa linguagem com
profundidades, e temperaturas.
que, aqui, me comunico com vocês.
No entanto, fazer convites já não é o
que me faz chorar. Fecho os olhos e
BM: Recentemente, você me me imagino encontrando as espécies
contou como foi desenvolver-se que trouxeram de volta a este planeta,
artista a partir do contexto de aquelas que me lembraram que eu
Vitória, no Espírito Santo. Entre também escolhi voltar. Esse é o meu
diversas passagens significativas, caminho: afogar, ensinar a nadar,
você mencionou como você foi aos olhar de longe alguns náufragos
poucos identificando de maneira acontecerem, agradecer, orar,
autônoma trabalhos de artistas aos respeitar, e continuar o meu nado.
quais você dedicava longas pesquisas,
como é o caso de Rosana Paulino, Para responder sobre as questões do
Rubiane Maia, Ayrson Heraclito, nosso tempo, preciso me reinserir na
Marcus Vinícus, Ana Mendieta, e História Moderna e entender minha
Carlos Martiel. Ao falar com muita presença na História da Linearidade,
admiração de Paulo Nazareth ou no Tempo Linear. O Tempo Linear
— que como Ana Mendieta, tem é apenas uma qualidade de tempo,
obras presentes na coleção do Hessel a qual, infelizmente, está
Museum — você afirmou admirá-lo profundamente enamorada dos
por ele sempre ter sabido lidar, em desígnios da racialização. É uma
seu trabalho, com os problemas tristeza, mas essa é a verdade:
40 41
fundamentais do seu tempo.
ECLIPSE o nosso tempo, Bernardo, o linear, espécie ou de sua cultura. Sereias
ECLIPSE
transformou-se numa Violência Racial. respondem aos problemas terrestres
Eu me relaciono com a linearidade sendo Sereias, e nada mais. Suas
com crueldade, angústia, preguiça, e questões vitais são identitárias,
tesão. Mas a minha vida e a minha arte e as nossas, são as temperaturas,
não correspondem ao nosso tempo, os sabores, as profundidades,
pois não pertencemos e o Vento.
à mesma egrégora.
Bernardo, com você estou vivendo
Nossas águas são intransponíveis. Elas um risco inevitável à qualquer relação
se misturam, podem se confundir, mas interespecífica: o predatismo. Aprendi
chega o momento em que novamente a respeitar os modos com que vocês,
se separam. Eu e você, eu e tudo terrestres, relacionam-se com o nosso
aquilo que não sou eu. Essa é a minha planeta. Os matar é fácil; no entanto,
verdade: nos separaremos. E farei o o sacrifício com suas vidas não me
que for preciso para honrar o sacrifício fazem chorar, apenas me alimentam.
que me trouxe até aqui: irei fluir até o Existe um momento em que a fome
mar, e no mar dançarei apenas com as das sereias passa a querer outros
espécies que rasgaram meu pescoço alimentos que não aqueles possíveis
e me permitiram respirar na Kalunga, à protocooperação que desenvolvemos Castiel Vitorino Brasileiro
nesta noite sem lua. O nosso tempo, com vocês, terrestres. Esse é (Fonte Grande, 1996).
Bernardo, corresponde a uma História o momento de partida. Algumas de É artista visual, macumbeira
que já não é a minha. Eu sou uma nós permanecem procurando em e psicóloga. Atualmente é
sereia. Encontrarei outras sereias, e vocês aquilo que nunca terão, e se mestranda no programa
sua espécie terrestre tornou-se a mim esquecem do caminho de volta. de Psicologia Clínica da
apenas um lembrete de que não sou Alguns de vocês morrem de fome. PUC-SP. Vive a macumbaria
daqui. Eu desejo que você saiba usar o fogo, como um jeito de corpo
pois é nele que nossas diferenças necessário para que a fuga
Acredito que esse é o grande dilema musculares se encontram numa dança e o descanso aconteçam.
das espécies híbridas de Água e Ar: que nos alimenta ou numa luta
não esquecermos que nossa condição pelo alimento. Bernardo Mosqueira
é a transição num nível muscular. (Rio de Janeiro, 1988).
Respirar na atmosfera, correndo o Estou profundamente feliz com Curador, pesquisador e
risco de sermos trancafiadas em nosso trabalho. Nosso encontro é um escritor. Mestre em Estudos
Museus. Respirar embaixo d'água, combustível para incêndios inevitáveis. Curatoriais pelo Center
encontrar outros predadores e sentir Desejo a nós descanso e alimento. for Curatorial Studies,
saudade dos animais terrestres. Bard College (CCS Bard).
Essa é a nossa história. Esse é Muitas gracias. É fundador e diretor artístico
o meu destino irrevogável. do Solar dos Abacaxis
E não se trata de contradição ou Castiel. (2015-presente) e diretor
negociação, pois, novamente, já não do Prêmio Foco ArtRio
42 estou circunscrita à história de sua (2013-presente). 43
ECLIPSE
“Para uma pessoa se dizer, Transição Travesti
‘eu sou uma travesti’, ela
tem que tá muito bem Se em outra vida fui escravizada,
da cabeça.” Durante um também fui livre e fui esperta.
encontro com minhas Porque voltei, deixei de ser Gabriel
irmãs Rainha Favelada, e virei Castiel. Castiel é meu nome de
Jade Maria Zimbra, e guerra e de liberdade. Sou agora uma
Wiliane Jacob, Rainha travesti. E neste Mundo, o Ocidente
diz que ouviu essa Brasileiro, travesti é o nome que
ANCESTRALIDADE
frase de Bianca Kalutor. se dá às pessoas que conseguem
Assim como Rainha, não transmutar; mas essa linguagem
faço uma transcrição diz de algumas, e não de todas as
SODOMITA.
exata do pensamento experiências de modificação, porque a
e conselho de Bianca, palavra é sempre um limite. Um limite
mas dou continuidade ao que seu próprio conteúdo
pensamento por meio de – a vida – dissolve.
ESPIRITUALIDADE uma atualização poética.

Aqui, na Modernidade Brasileira,
nomeiam-se algumas transmutações
TRAVESTI de travestilidade, e também dizemos

que estamos transicionando.
A transição é a passagem de um
lugar para outro, e essas ações de
desfilar, andar, passarelar, quando
Castiel Vitorino Brasileiro assistidas através de lentes coloniais,
são pensadas e sentidas no limite
das linguagens e das
palavras portuguesas.
Como se chamam esses lugares por

onde nós, travestis, transicionamos
na colonialidade? Pergunto não
sobre os territórios que devem
permanecer inomináveis, mas sobre
os espaços de prisão – identitários
e geográficos – criados pelos
conhecimentos modernos. 45
44
ECLIPSE Então minha questão espiralada é: cisgeneridade racista pensa sobre
ECLIPSE
como eu transiciono para fora da si e sobre nós. Meu pensamento é
colonialidade? uma dobra contraditória que afirma:
travestilidade é transmutação. No início
Redizendo: não farei o caminho de e no fim, me interessa a transmutação
deixar de ser homem negro para e não a transição.
ser mulher negra, pois esse trajeto Fui a uma reunião de
apresenta-se à mim como um labirinto travestis da década de Transmutação Travesti
colonial. Ou passarei pelo labirinto 1980 em Vitória (ES).
feito uma travesti, ou farei do labirinto Naquele dia, me esforcei O limite é o Mundo (moderno),
a minha travestilidade. Ou farei de muito para ficar feminina, e interagimos com esse Mundo
minha travestilidade outro labirinto. mas chegando lá me (e com qualquer outro) porque ele
senti apenas um viado interage conosco em intensidades
Ou farei do meu local de trava uma de vestido. Um mês se que aproximam nossas existências
encruza. E a encruza não é um passou, a transmutação uma das outras, numa relação
labirinto, mas um espaço espiralado continuou, e encontrei de fazer desaparecer (findar-se)
que infinita-se para todas as direções uma bixa-travesti de 50 ou possibilitar transmutar, modificar.
– encruzilhadas – feito o ar. anos que, no meio da rua,
me disse, gargalhando: É que estamos no Mundo porque
E se sou uma travesti regida pelo “Nossa! O que aconteceu o Mundo está em nós. Somos
poder do Planeta Gêmeos, então com você, viado? Virou travestis porque ainda estamos aqui.
tenho aprendido a perambular com mulher? Tá linda! E se um dia eu transicionar, espero
rapidez e inteligência por esses Eu também já virei chegar nesse outro lugar que estou
locais de fala que só me engasgam e travesti, tá?! Mas enjoei e construindo enquanto me transmuto.
enforcam. Bem, a Transição Travesti é voltei a ser viado.” Um lugar escuro, opaco
de um lugar para qual lugar? para a branquitude.
Em 2019, num churrasco
Dito isso, preciso também assumir de minha família, estava Um lugar ou um Mundo onde eu
que não me interessa tanto saber usando longos cabelos consiga ouvir com menos ruído, o que
o que é Travesti, mas como nós, orgânicos. Maria, uma a mata e o mar têm dito sobre minha
Travestis, despensamos (deixamos antiga vizinha, me disse transmutação. Tenho experimentado
de pensar) o Mundo Moderno para que quando me viu, hormônios, e também cristais, como
conseguir sermos travestis. E para olhou assim e falou: “Que turmalina e cianita. Já passei um
isso abandono qualquer análise desgraça de mulher é tempo andando com turmalina
antropológica, fetichista e psicológica essa?” Ela me reconheceu negra no pescoço, enquanto estava
edipiana para dizer que não há – não me reconhecendo. começando a entender o efeito
a priori – um conteúdo ou uma forma Gargalhamos bastante.  energético que os cristais criam
essencial ou fundamental para que a em meu corpo físico.
Transmutação Travesti aconteça. Cada “Travesti é peito e quadril”,
trava rejeita ou namora o hormônio dizia minha amiga travesti Aí compreendi que ali, na garganta,
que a faz ser nada daquilo que a bibliotecária Marcela não é o melhor lugar para se fazer
46 Aguiar, desde quando massagem com a turmalina. Enquanto 47
ECLIPSE eu era apenas uma a usava, fiquei equilibrada na raiva um cristal SuperSeven, para aterrissar
ECLIPSE
bixinha preta com medo e na impaciência. Não há problema nas demandas carnais e me alimentar
de virar travesti. na raiva. Pelo contrário, nós, travestis de coragem para enraizar em
negras, precisamos aprender a fazer outros solos desse planeta e
uso dessas raivas, e, quando entendi em outras relações desses
isto, comecei a estudar melhor meus mundos que perambulamos.
chakras básicos. E lembrei que energia Minha diáspora negra travesti.
sexual é energia de criação, por isso
não uso bloqueador de testosterona. Aterrissar em mundos,
compreender seus cativeiros.
Estou tentando corporificar a Enraizar na ancestralidade
frequência vegetal e mineral. Isso me sodomita, no plano superior
causa tonteiras que me lembram dos divinamente profano, no sagrado
efeitos do Diane35 em meu corpo feminino de merda. No Tempo
físico. Eu tomei esse remédio por cinco que não será esquecido! No corpo
vezes, e em todas elas meu joelho que será lembrado na transmutação.
doeu; então parei porque meu avô,
Benedito Brasileiro, perdeu uma Então digo: não faça chuca. Enfie um
perna por causa de trombose, logo, cristal no cu! Porque a chuca é uma
eu também tenho propensão desgraça colonial. Limpeza anal não
a ter trombose. é chuca. Chuca é uma orientação
colonial na anatomia, na fisiologia,
Mas meu avô ganhou uma neta, que no gesto, no desejo, na emoção, e no
sou eu, porque me disse para tomar pensamento. Não faça chuca, enfie
cuidado com Exú e me deu coragem um cristal no cu. Limpeza energética.
para continuar tomando banhos Limpeza com água benzida. Limpeza
que me ajudam a viver na encruza. com quartzo ou turmalina. Banhos
Os primeiro banhos que tomei me de assento. Chuca não é limpeza.
davam tonteira, mas hoje meu corpo Cuide do seu cu, sem ele, não há
já consegue digerir as fitoenergéticas sobrevivência. E nele há cura.
que me curam das disforias e me
preparam para continuar destruindo e Estou modificando meu corpo
fugindo dos cativeiros cognitivos numa negociação com a indústria
e emocionais. farmacêutica e com os terreiros de
macumba. Enfio cristais em meu cu e
Enquanto crio minha ancestralidade passo gel em minha virilha. Modificar
travesti, lembro que entre nosso cu meu corpo é transmutar para outro
e o pau há uma concentração Mundo. “Travesti” talvez seja um nome
energética relacionada à fuga para – provisório – interessante para se
sobrevivência. Nosso cu também dar a esse Novo ou Outro Mundo
integra as áreas físicas desse chakra que temos construído enquanto
48 base. Às vezes estimulo meu cu com transmutamos... 49
ECLIPSE “Não existe tradição,” Ancestralidade sodomita Xica Manicongo é a primeira referência
ECLIPSE
respondeu Ayrson de sacerdote Quimbanda no Brasil. Ela
Heráclito quando Sou retinta e, quando me tornei negra, fez feitiço angolano e amaldiçoou essa
perguntei se existia transmutei e virei apenas retinta terra com sua esperteza. A macumba
travesti benzedeira. novamente. Mas não deixei de ser se cumpriu, e agora, 400 anos depois,
Quero viver até o fim negra, porque ainda vivo neste mundo. Francisco é batizada pelas travestis
desta encarnação E se também habito outros mundos, brasileiras do século XXI e recebe seu
modificando meu corpo então lá sou como Orixás: retintos, nome de guerra: Xica Manicongo. Ela
para experimentar sem raça. E Orixás precisaram se foi condenada, como fizeram com
esse pensamento adaptar a um corpo com cor diferente algumas Pomba-Gira, a ser queimada
de outras maneiras. do deles. Tenho tentado aprender viva em praça pública. E, num ato de
E hoje entendo: com essas negociações... esperteza exusiática, decidiu se vestir
tradição não existe de homem para não ser assassinada.
porque, na passagem Tibira também não era indígena, nem
do conhecimento a gay, nem travesti, nem Tibira. Mas foi Eu já fiz o mesmo, me vesti de mulher,
outros corpos, o que racializada com as leis da sexualidade e a ilusão se fez real, pois construímos
acontece com esse criadas pela religião cristã apostólica juntas um gênero para colonizador ver.
conteúdo é sempre romana, às quais desobedeceu e E o mistério que eu vi, enxerguei com
uma modificação, tornou-se sodomita. Essa pessoa olhos etéricos formados por músculos
sutil ou radical. Se existe era Tupinambá. Mas aí, na tradução e ametistas.
algo que permanece colonial de sua existência, Tibira
na tradição é sua também virou berdache. E agora cansei de fechar Incorporei para consegui lembrar
condição mutante. os olhos para enxergar, aquilo que esqueci
A transmutação desse corpo foi vou abri-los para
Porque para nós, travestis traduzida para a linguagem colonial, conseguir jogar búzios Neste mundo, o que tenho sentido
brasileiras, falta uma e neste mundo tornou-se uma peste. com unhas postiças, e muito é vontade de fim, de morte.
linguagem codificada Mas se eu incorporar o espírito de perguntarei algumas Quero morrer e quero que essa
o bastante para que Tibira, vou assistir ao meu corpo coisas à Tibira e à Xica. desgraça de Mundo desapareça.
os brasileiros não nos se tornando um quilombo e ouvirei Vou perguntar sobre o Quero a morte do meu Mundo, e não
entendam, e por isso talvez minha boca dizendo, em Tupinambá, Tempo e sobre orgasmos. do planeta. Você me ensinou que a lua
o Pajubá já não nos sirva sobre a experiência de transmutar no Eu me interesso em saber é um pedaço da Terra que foi arrancado
mais. Pois essa língua século XVI e num Tempo ameríndio sobre peitos e fé. Como foi na colisão com outro planeta, lembra?
que aqui escrevo é que não sei contar. Eu me interesso e o que ainda pode ser?
limitada para dizer sobre em ouvir Tibira para saber sobre sua Às vezes desejo que as colisões que
nossas transmutações. experiência de fundir no corpo as Tenho medo de perguntar, meu Mundo tem com este Mundo em
contradições modernas. Contudo, o mas, se é necessário, que vivo me arremessem para perto da
Como Xica Manicongo que se funde não são contradições, então terei coragem e lua. Eu sou Lua e Terra. E sou também
nomeava e era nomeada mas uma relação com a vida que, pedirei: me diga esse planeta que colide, se modifica e
por suas amigas travestis na tradução colonial, torna-se como vocês se sentiram depois desaparece.
de Congo no século XVI? contraditória. quando as desgraças
chegaram de navio? Às vezes quero desaparecer, mas sou
50 Digo, seus corpos: macumbeira e na macumba não existe 51
ECLIPSE o que sentiram quando, isso. Nada desaparece, o que Estou entendendo que, diante da
ECLIPSE
na linha cinza do horizonte, acontece é a modificação. Energias ameaça, se constrói uma sobrevivência.
apareceram a novidade não se findam, elas se modificam. Isso foi o cacique Babau Tupinambá
e a dúvida? Por isso, Xica e Tibira, hoje, amanhã quem me disse. Então tomei coragem
e ontem estou aqui pedindo para e abri esse jogo para continuar
Tibira, a chegada dos vocês me ajudarem a fugir ou lembrando como fazer mandinga
portugueses foi uma a me camuflar. de travesti e feitiço de bixa.
novidade para seu povo
Tupinambá? Porque hoje, Agora, quando eu abro esse jogo e “Estou diminuindo mesmo. Morrer me parece necessário
daqui de onde estou na pergunto à Xica Manicongo, vejo uma Só volto a crescer quando
História, posso dizer que trava pretona. Bem preta, retinta. A eu morrer”, responde De vez em quando ouço, em meu
nada é novidade. Nada primeira imagem é essa porque Xica minha avó, Julite Loureiro terreiro de macumba, este ponto
aqui tem de novo. Não me sou eu. Eu sou Xica Manicongo. Esse Brasileiro, com 65 anos, exusiático: “Quem disse que o Diabo é
surpreendo com a chegada ano eu virei condessa da Corte Bantu quando implico com feio, bonito que ele não é! Ele tem cara
de outras embarcações – do Espírito Santo. A primeira travesti, ela dizendo que está de homem e cinturinha de mulher.”
essa merda de Queer, mas não a primeira corte. Xica, você diminuindo de tamanho.
por exemplo. Nessa terra foi a primeira de quê? Em que eu e Transicionei quando subi e desci a
há tanta desgraça que em você fomos as primeiras? E quando A dor da morte é azul e Fonte Grande. Transmutei de flor para
algum ponto deste país foi nosso primeiro encontro? a vida parece vermelha. terra quando mergulhei nas luas e
imperialista, você já deve Eu sou uma trava negra, aceitei: hoje sou benzedeira porque
estar sendo chamada de Xica, eu quero te perguntar sobre mas quero ser roxa. virei travesti e antes fui sodomita
Queer ou não-binária. os quilombos. Como continuar Misturar morrer e viver, porque sabia prever o futuro.
Gata, não há nada de construindo quilombos no século que é a transmutação. Virei travesti quando acessei minha
novo na colonização. XXI? Pois sei que não existe Transmutar é a conversão ancestralidade sodomita, e dobrei o
As embarcações quilombo Angolano ou do Congo de um elemento químico Tempo colonial que nunca me fez sua.
Queer chegaram aqui e sem povo Tupinambá, e também sei em outro. E, na Umbanda,
mortificam tanto quanto a que alianças afroindígenas só existem aprendi com caboclos e Travesti não se traduz e travesti já
merda da inquisição que te na perspectiva colonial Tenho tido sereias sobre seus corpos é uma tradução. Travestilidade
explodiu num canhão. raiva dessas nomeações niversalistas! híbridos de mar, terra, e ar. e espiritualidade são traduções
“Afro,” de que povo você fala? coloniais de nossas transmutações.
Hoje vivemos “Indígena,” de quais? Também estou Como, com nosso alfabeto,
as inquisições trabalhando nas encruzas conseguimos construir linguagens
Queer, inquisições Quais são nossos reais nomes?! para continuar me de fuga? Ou como fazer da nossa
neopentencostais, Ajude-me a lembrá-los! Prepara transmutando, por isso língua um órgão de insurreições?
inquisições… Não tenho meu corpo para aguentar o peso da torno-me contraditória
me surpreendido com a rememoração daquilo que tentam me na colonialidade. Sempre Sou macumbeira porque sou negra.
colonialidade que vivo. fazer esquecer. Pois não é possível a peço calma à Oxalá e E perambulo na luz negra porque
existência de um quilombo sem sua inteligência aos marujos sou travesti. Escrevo em português
sagacidade de Xica Manicongo. para viver a travestilidade para dizer que macumba está no meu
E Xica foi Xica porque foi quilombo. sem ser refém dessa sangue, e se no meu sangue há mar
identidade. Aí, eles é porque sou rio que afunda e chorou
52 me ensinam que devo de alegria quando eu morri. Para a 53
ECLIPSE preparar meu corpo. Ficar alquimia, transmutação é a conversão
ECLIPSE
de preceito na macumba de um elemento químico em outro.
é foda, mas aprendo pra Somos alquimistas porque de
caralho. Então, o que tenho corpo-flor transicionamos para
feito é viver no tempo do ametista, e na tradução colonial
meu corpo transmutado, viramos apenas travestis.
e às vezes no tempo
identitário quando preciso A macumbaria é uma encruzilhada
ganhar dinheiro para fazer feita com Química, Física, Biologia,
mistérios de aqué. Medicina, Semiótica, Arte, Astrologia,
Transmutar é isto: Filosofia, Metalurgia, Geologia e
negociações entre Matemática. E a minha transmutação
morte e vida. foi quando derreti no encontro de
fogos, e nesse fogaréu beijei minha
pomba-gira e lhe disse: muitas gracias.
Lembrei que também sou éter,
virei trava.
Porque foi incorporando que vivi o

Tempo Espiralado e deixei minha
matéria ser dilacerada pela rapidez
de Gêmeos e pela ventania de Oyá.
Eu morri, mas ainda não fiz o que devo
fazer. Porque eu mergulhei bem fundo
e gozei tendo medo. Eu não aguento
mais esta década.
Em minha garganta tem um choro

preso num corpo que não é mais
meu. Esta noite vou girar até morrer.
Morrerei me lembrando de tudo,
e voltarei para buscar os instantes
que não vivi por ter medo de amar. Castiel Vitorino Brasileiro
Te amo, meu preto. Te amo, vida. (Fonte Grande, 1996).
Amo a vida, porque não desisti de É artista visual, macumbeira
construir um corpo capaz de viver e psicóloga. Atualmente é
na imprevisibilidade. mestranda no programa
de Psicologia Clínica da
PUC-SP. Vive a macumbaria
como um jeito de corpo
necessário para que a fuga
54 e o descanso aconteçam. 55
ECLIPSE
ECLIPSE
Série “Chegaram pelos céus, pousaram nas águas” Série “Chegaram pelos céus, pousaram nas águas”
[From the series “Arrived in the skies, landed in the waters”] [From the series “Arrived in the skies, landed in the waters”]
Pintura aquarela [Watercolor painting] Pintura aquarela [Watercolor painting]
15,5 x 20,7 cm 25,5 x 17 cm
56 2021 2021 57
ECLIPSE
ECLIPSE
Série “Lua em câncer” [From the series “Moon in cancer”] Série “Lua em câncer” [From the series “Moon in cancer”]
12 x 16 cm cada [each] 12 x 16 cm cada [each]
58 2020 2020 59
ECLIPSE Série “Lua em câncer” [From the series “Moon in cancer”]
ECLIPSE
Pintura aquarela [Watercolor painting]
12 x 16 cm cada [each]
2020
Série “Lua em câncer “[From the series “Moon in cancer”]

2020
Série “Lua em câncer” [From the series “Moon in cancer”]

2020
Série “Lua em câncer” [From the series “Moon in cancer”]

60 2020 61
ECLIPSE
ECLIPSE
Série “O beijo” [From the series “The kiss”] Série “O beijo” [From the series “The kiss”]
62 2021 2021 63
ECLIPSE
ECLIPSE
Série “O beijo” [From the series “The kiss”] Série “O beijo” [From the series “The kiss”]
64 2021 2021 65
ECLIPSE
ECLIPSE
Série “Somagramas de quando encontro vocês” Série “Somagramas de quando encontro vocês”
[From the series "Somagramas de quando encontro vocês”] [From the series "Somagramas de quando encontro vocês”]
Tamanhos variados [Various sizes] Tamanhos variados [Various sizes]
66 2019-2020 2019-2020 67
ECLIPSE
ECLIPSE
Série “Somagramas de quando encontro vocês” Série “Somagramas de quando encontro vocês”
[From the series "Somagramas de quando encontro vocês”] [From the series "Somagramas de quando encontro vocês”]
Tamanhos variados [Various sizes] Tamanhos variados [Various sizes]
68 2019-2020 2019-2020 69
ECLIPSE
ECLIPSE
Série “Tudo está em tudo” [From the series "Everything is in everything”]
Díptico [Diptych]. 15 x 12 cm cada (each)
70 2018-2019 (Coleção Raimundo Carvalho) [Raimundo Carvalho Collection] 71
ECLIPSE
ECLIPSE
Série “Tudo está em tudo” [From the series “Everything is in everything”] Série “Tudo está em tudo” [From the series “Everything is in everything”]
Díptico [Dypthic]. 15 x 12 cm cada [each] Díptico [Dypthic]. 15 x 12 cm cada [each]
72 2018-2019 2018-2019 73
ECLIPSE
ECLIPSE
Acredito no amor como uma ventania que espanta o medo Acredito no amor como uma ventania que espanta o medo
[I believe in love as a windstorm that scares away fear] [I believe in love as a windstorm that scares away fear]
Fotoperformance. Fotografia digital [Digital photography] Fotoperformance. Fotografia digital [Digital photography]
74 2020 2020 75
ECLIPSE
ECLIPSE
Quando o segredo é revelado, o mistério não é roubado
[When the secret is revealed, the mystery is not stolen]
Fotografia digital [Digital photography]
2020
Se enxergo a cura [If I see the cure] Este trabalho foi comissionado pelo projeto "Enciclopédia negra”, de Flávio Gomes,
Fotografia digital [Digital photography] Jaime Lauriano e Lilia Moritz Schwarcz em 2021 [This work was commissioned by
297 x 420 mm the project "Black Encyclopedia", by Flávio Gomes, Jaime Lauriano and Lilia Moritz
76 2019 Schwarcz in 2021] 77
ECLIPSE
ECLIPSE
Série fotográfica “São predadoras, e muitas vezes caçam
e alimentam-se de outros animais maiores que elas”
[From the photographic series ”They are predators, and often hunt
and feed on other animals larger than them”]
420 x 594 mm
78 2019 79
ECLIPSE
ECLIPSE
Ponto Riscado
80 2020 81
ECLIPSE
ECLIPSE
Ponto Riscado
2020
Ponto Riscado
2020
Ponto Riscado
82 2020 83
ECLIPSE
ECLIPSE
Lembrar da maldição, sentir a profecia [Remember the curse, feel the prophecy] Lembrar da maldição, sentir a profecia [Remember the curse, feel the prophecy]
Fotografia digital [Digital photography] Fotografia digital [Digital photography]
2020 2020
Este trabalho foi comissionado pelo projeto "Enciclopédia negra”, de Flávio Gomes, Este trabalho foi comissionado pelo projeto "Enciclopédia negra”, de Flávio Gomes,
Jaime Lauriano e Lilia Moritz Schwarcz em 2021 [This work was commissioned by Jaime Lauriano e Lilia Moritz Schwarcz em 2021 [This work was commissioned by
the project "Black Encyclopedia", by Flávio Gomes, Jaime Lauriano and Lilia Moritz the project "Black Encyclopedia", by Flávio Gomes, Jaime Lauriano and Lilia Moritz
84 Schwarcz in 2021] Schwarcz in 2021] 85
ECLIPSE
ECLIPSE
Série fotográfica “Corpo-flor” [From the photographic series “Body-flower”] Série fotográfica “Corpo-flor” [From the photographic series “Body-flower”]
86 2016-2021 2016-2021 87
ECLIPSE
ECLIPSE
Série fotográfica “Corpo-flor” [From the photographic series “Body-flower”]
2016-2021
Esta foto foi feita em parceria com a fotógrafa Re Henri. [This photo was taken in
88 partnership with photographer Re Henri.] 89
ECLIPSE
ECLIPSE
2016-2021 2016-2021
Esta foto foi feita em parceria com a fotógrafa Re Henri. [This photo was taken in Esta foto foi feita em parceria com a fotógrafa Re Henri. [This photo was taken in
90 partnership with photographer Re Henri.] partnership with photographer Re Henri.] 91
ECLIPSE
ECLIPSE
92 2016-2021 2016-2021 93
ECLIPSE
ECLIPSE
94 2016-2021 2016-2021 95
ECLIPSE
ECLIPSE
96 2016-2021 2016-2021 97
ECLIPSE
ECLIPSE
O estado líquido do fogo é a saudade [The liquid state of the fire is the longing]
Espaço perecível de liberdade [Perishable space of freedom]
10 kg de sal, 40 kg de carvão, pétalas de 100 rosas brancas, luz azul 100W, luz laran-
ja 100W [10 kg of salt, 40 kg of charcoal, petals of 100 white roses, 100W blue light,
100W orange light]
5x4m
98 2021 99
ECLIPSE O estado líquido do fogo é a saudade [The liquid state of the fire is the longing]
ECLIPSE
10 kg de sal, 40 kg de carvão, pétalas de 100 rosas
brancas, luz azul 100W, luz laranja 100W
[10 kg of salt, 40 kg of charcoal, petals of 100 white
roses, 100W blue light, 100W orange light]
5x4m
2021
Em 2020 descobri que minha mãe esta morta. Depois de 11 anos sem notícias...
Fiz seu velório ou algo assim... dentro da casa de sua mãe, minha avó Éda.
O culto durou 7 dias. [In 2020 I found out that my mother is gone. After 11 years wi-
thout any news... I've held a wake over her body or something as that...
At her mother's house, my grandma Éda. The ceremony lasted 7 days.]
100 101
ECLIPSE Abandone-se à imprevisibilidade das sensações como quem flutua na
ECLIPSE
superfície da Kalunga [Abandon yourself to the unpredictability of sensa-
tions like one who floats on the surface of Kalunga]
Vídeo, cor, estéreo, HD [Video, color, stereo, HD]
3’ 15”
Vitória, 2020
102 103
ECLIPSE Lembrar daquilo que esqueci [Remember what I forgot]
ECLIPSE
Vídeo documentário, cor, estéreo, HD [Documentary video, color, stereo, HD]
20’ 13”
Vitória, Guarapari, 2020
104 105
ECLIPSE Mergulho; como rede (2) [Diving; as net (2)]
ECLIPSE
2’ 22”
Salvador, 2018
106 107
ECLIPSE
ECLIPSE
Porque nossos mergulhos no sol tem gosto de coragem
[Because our dives in the sun taste like courage]
02’ 30’’
108 2020 109
ECLIPSE Quando lembrei, voltei [When I remembered, I came back]
ECLIPSE
3’ 07”
Guarapari, 2019
110 111
ECLIPSE
ECLIPSE
Travessia [Crossing]
2’ 25”
112 Serra, 2018 113
ECLIPSE Uma noite sem lua [A moonless night], 2020
ECLIPSE
27’ 30”
Vitória, Guarapari, São Paulo, Berlin, 2020
114 115
ECLIPSE
ECLIPSE
Uma noite sem lua [A moonless night], 2020
27’ 30”
Vitória, Guarapari, São Paulo, Berlin, 2020
Vídeo comissionado para o projeto KUIR (@kuir.poetry) com financiamento da

Subprefeitura Friedrichshain-Kreuzberg, Berlim [Video commissioned for the KUIR
project (@kuir.poetry) with funding from Friedrichshain-Kreuzberg, Berlin]
Direção e edição [Direction and editing]

Trilha musical e sound design [Soundtrack and sound design]

PODESERDESLIGADO (@podeserdesligado)
Finalização e trailer [Finishing and trailer]

Roger Ghil
Voz [Voice]
Bianca Kalutor
Roteiro [Script]
116 Castiel Vitorino Brasileiro 117
ECLIPSE Me faça um pedido [Make me a wish]
ECLIPSE
6’13“
Vitória, 2021
Viabilizado com o apoio do Center for Curatorial Studies, Bard College.

Me faça um pedido (2021) estreou junto da exposição Castiel Vitorino Brasileiro: Eclipse
no Hessel Museum, Bard College. [Made possible with the support of the Center for
Curatorial Studies, Bard College. Make me a wish (2021) premiered alongside the
exhibition Castiel Vitorino Brasileiro: Eclipse at the Hessel Museum, Bard College.]
118 119
ECLIPSE A cambonagem e o incêndio invetivável
ECLIPSE
30' 04"
New York, Vitória, 2021
120 121
ECLIPSE
30' 04"
Direção [Director]
Co-direção [Co-director]
Roger Ghil
Fotografia, produção, trilha musical e sonora, sound design, montagem,

finalização [Photography, production, soundtrack and sound effects, sound
design, editing, finishing]
Roger Ghil
Cambono
Rodrigo Jesus
Escultura [Sculpture]
Viabilizado com o apoio do Center for Curatorial Studies, Bard College, e do Insti-
tute for Study on Latin American Art (ISLAA). [Made possible with the support of
the Center for Curatorial Studies, Bard College, and the Institute for Study on Latin
American Art (ISLAA).]
A Cambonagem e o incêndio inevitável (2021) estreou junto da exposição Castiel

Vitorino Brasileiro: Eclipse no Hessel Museum, Bard College, e no 5º Simpósio Anual
de Arte Latino-Americana, ambos em abril de 2021. [A Cambonagem e o incêndio
inevitável (2021) premiered alongside the exhibition Castiel Vitorino Brasileiro: Eclip-
se at the Hessel Museum, Bard College, and at the 5th Annual Symposium of Latin
122 American Art, both in April 2021.] 123
ECLIPSE
30' 04"
Direção [Director]
Co-direção [Co-director]
Roger Ghil
Fotografia, produção, trilha musical e sonora, sound design, montagem,

finalização [Photography, production, soundtrack and sound effects, sound
design, editing, finishing]
Roger Ghil
Cambono
Rodrigo Jesus
Escultura [Sculpture]
Viabilizado com o apoio do Center for Curatorial Studies, Bard College, e do Insti-
tute for Study on Latin American Art (ISLAA). [Made possible with the support of
the Center for Curatorial Studies, Bard College, and the Institute for Study on Latin
American Art (ISLAA).]
A Cambonagem e o incêndio inevitável (2021) estreou junto da exposição Castiel

Vitorino Brasileiro: Eclipse no Hessel Museum, Bard College, e no 5º Simpósio Anual
de Arte Latino-Americana, ambos em abril de 2021. [A Cambonagem e o incêndio
inevitável (2021) premiered alongside the exhibition Castiel Vitorino Brasileiro: Eclip-
se at the Hessel Museum, Bard College, and at the 5th Annual Symposium of Latin
124 American Art, both in April 2021.] 125
ECLIPSE
Hessel Museum of Art,Center for Curatorial Studies, Bard College,
126 127
ECLIPSE Eclipse
ECLIPSE
Terra, sal, carvão, bacia de pedra, água, tecido
[Earth, salt, charcoal, stone bowl, water, fabric]
ø 4,25m, 4,80m
2021
Installation view from Castiel Vitorino Brasileiro: Eclipse,

128 129
ECLIPSE
130
131
ECLIPSE
ECLIPSE Eclipse
ECLIPSE
ø 4,25m, 4,80m
2021

132 133
ECLIPSE
134
135
ECLIPSE
ECLIPSE
Photo: Olympia Shannon 2021.
136 137
ECLIPSE
ECLIPSE
Eclipse
ø 4,25m, 4,80m
2021

138 Photo: Evan John 2021. 139
ECLIPSE
ECLIPSE
Transcription of What I have to say to you, my
a voice message from daughter, is that you are a very
Matilde Caboclo de Oyá
Pena Branca sent to
abright person, and you have a
Castiel Vitorino Brasileiro lot of strength to win. And that
the Orixás are always by your
side. That Oxumarê... which is
the rainbow... which is a snake...
which is the force of nature...
The moon has been
EXHORTATION:
representing itself in its own
light. A lot of strength, a lot
of light, so she is able to
PRAYER
ailluminate our paths. So she
is able to protect us, so she
is able to do our guiding.
AND HASTE So, the rainbow: it brings the

strength of the water, the
strength of all the Orixás,
who have been protecting us,
Matilde de Oyá Caboclo Pena Branca ailluminating us, giving us the
strength so we can awalk down
our day to day. Because, without
these… it's what we are able to
give victory and bring health
to our paths.
Then, what the sea has

been telling itself: the sea is
energy, the sea is health.
It is a personality, it is a very
great force. And together with
Oxumaré… they are
wonderful things!
As you are talking about

140 clothes, the rainbow talks 141
ECLIPSE about colors, because it has colors of Oxumarê, she has
ECLIPSE
been decreeing the pinks, seven colors. Then she goes
the blue… that she goes to on abrighting up, giving that
the ocean, to be able eclipse. And that you can take
to drink water. from each one, a little bit of each
thing. Pink illustrates the things
Coal has been carrying a lot of our children, which gives us
of strength from Exú. Strength that strength so that we can
of the waters. Because the win in those battles.
coal also eliminates spells,
from greedy eyes and from Because our children are our
disturbances on the way. So, days of tomorrow. Our children,
we use coal to be able to make is what makes us stand. To be
these things, to be able we get what we are today. You are one
rid of them. Both for blessing person, I am another, and each
and for Exú's spiritual strength. one with their energy, with
So, the coal, with it a lot of their strength so that you can
things are resolved too, aovercome all these struggles.
so it can alight you up.
That’s all I got to say to you,
The moon are bright things, my daughter.
she herself shines by day and by
night. So there is the Crescent And may God alead you
moon, which gives that strength, out there.
and fruits for everything, to give
energy to us. So, you see that
she shines, whether you want it
or not, both in the days, and in
the nights. Suddenly, we don’t Mathilde de Oyá Caboclo
see her, but she stays hidden, Pena Branca or Mãe
but still she glows, she gives you Matilde de Oyá (1960) was
strength so you can initiated at Candomblé
ailluminate your paths. de Nação Angola in 1986.
She's the caretaker of "Casa
The green, she has been de Iansã Caboclo Pena
representing our forests. The Branca", from the Nação
blue, she has been representing Ketu and Axé Oxumaré,
at the sea, the sky, and they are in activity for 28 years at
bright things. The pink has also Jucutuquara (Espírito Santo,
been talking a lot about children. Brazil). Matilde is also a
White is peace, it is energetics. businesswoman, and has a
142 Because if you look, truly, the store in her neighborhood. 143
ECLIPSE
ECLIPSE
Since 2015, Castiel Vitorino Brasileiro
(b. Vitória, Brazil, 1996) has been
investigating healing processes that,
through harmony with transmutation,
CASTIEL VITORINO produce vital experiences. Combining

her academic research and clinical
practice as a psychologist (she
BRASILEIRO: is currently a master’s student in

psychology at Pontíficia Universidade
Católica de São Paulo, supervised by
ECLIPSE
Suely Rolnik) with the Bantu-diasporic
worldview and her vital/spiritual
¹ An expression used to refer to macumbeira¹ practice (she is filha de
practitioners of Afro-Brazilian santo of Mãe Matilde at the Terreiro
religions, such as Umbanda, Casa de Iansã Caboclo Pena Branca),
Bernardo Mosqueira Quimbanda and Candomblé.
Translator's note.
Vitorino Brasileiro creates works
and texts that conceive healing as a
provisory state of alignment between
the countless lives that simultaneously
compose a person. With special
attention to the different dimensions
that make up life, she proposes
other ways of conceiving the notions
of life, death, ending, being, and
transformation. All of this makes her
work a powerful agent of construction
and inspiration, as well as a conspiracy
of opacities, insubmission, insurgencies
and other cures — for herself and for
others who also suffer from the unequal
distribution of resources and violences
144 of modernity-coloniality. 145
ECLIPSE One of the most perverse and — in both disparate and interconnected
ECLIPSE
determinantal weapons used in the ways) that remain fundamental
maintenance of coloniality’s power tools for the conservation of the
structures is the onto-epistemological hegemonic structures of power
system characteristic of modernity. structures stablished in the historical
As part of the colonization process, period of colonialism.
European peoples tried their best to
decimate colonized peoples’ ways of Part of the radicality of Castiel Vitorino
knowing, living and understanding. Brasileiro’ s work lies in its direct
From this annihilation, they built ² Term derived from the Greek challenge of the onto-epistemological²
hegemony for themselves and ōn, ont - (being) + epistēmē system of modernity. At first glance one
epistemological dependence for (knowledge), from epistasthai
can see a certain refusal of the social
(know, know how to do).
others. Through violence, they It refers to the system that, categories of post-Enlightenment
imposed a way of seeing the in a society, sustains the Europe in her works and texts. But
world that separates everything relationships between being it is important to emphasize that
accessible to the instruments of and knowing. Vitorino Brasileiro's work goes far
European rationalism (measurement, beyond disputing over the values
categorization, definition) as science, attributed to these categories,
the “true truth,” while characterizing constantly recalling the fictional,
the knowledge of all other peoples as forged, arbitrary, and cruel nature of
“ancient superstitions,” cultural traces these ways of grouping and defining
of a primitive past naturally doomed individuals and peoples. Her practice
to disappear. Imposing linear thinking seems to stem from a refusal to
and temporality, they sought to bury recognize the legitimacy of using these
poetic ways of living and thinking categories to assess truths; at the same
with their own prosaicity, devoting time, it combats the concretely harmful
themselves to the disenchantment of consequences of the radical and
the world. The alleged neutrality of centenary use of these very categories.
this rationalism, which still supports In her text “Sodomite Ancestry, Travesti
modern science and law, actually Spirituality” (2020), for example, the
hides a Christian messianic artist deals with the difference between
universalist principle and a subject having a deep, dark complexion and
— made invisible — that imposes being black:
certain limits on the ways of being
with (as) the world. In the interest of “I have a dark complexion and, when I became
“scientifically” sustaining the use of black, I transmuted and became only dark again.
total violence over the bodies and But I didn’t stop being black, because I still live in
territories exploited by colonization, this world. And if I also inhabit other worlds, then
post-Enlightenment Europe used there I’m like the Orixás: dark, without race. And
rationalism to produce and naturalize Orixás needed to adapt to a body of a different
fixed social categories (such as race, color than theirs. I’ve been trying to learn from
146 gender, location of birth, and sexuality these negotiations...” 147
ECLIPSE By repeatedly opting to name racism apprehension — with those who also
ECLIPSE
as the “fiction of race,” for example, suffer from the consequences of
Vitorino Brasileiro emphasizes the colonial/modern social categorizations.
linguistic, narrative, and impermanent The notions of mutual care, collective
nature of this primordial colonial form healing, and conspiracy permeate all of
of control over bodies that still her work, but are especially noticeable
structures global capitalism. in a very direct way in her workshops
- such as Estéticas macumbeiras na
The notion of impermanence is Clínica da Efemeridade [Macumbeiras
central to the work of Vitorino aesthetics at the Ephemerality Clinic]
Brasileiro. The artist has been (2019–2021), and in her collaborative
commited to the studies and practices, such as Espiritualidade
experiences of transmutation since Travesti [Travesti Spirituality] (2020),
her first works. For six years, the artist with Aya Ibeji, Rainha Favelada and
has been developing a photographic Jade Maria Zimbra; Quintal Bantu
series called Corpo-flor [Body- [Bantu Backyard] (2019), with Natan
flower] in which she records her ritual Dias, Rafael Segatto, Kika Carvalho
experiments that help her to and Renato Santos; and Romaria dos
recreate and incorporate Testículos Femininos [Pilgrimage of
her own body in transformation. Female Testicles] (2019), for example.
About the work, the artist says:
In order to provide a conception
In 2016, I began my unending gender of the vital experience beyond the
transition and flesh transmutation. In these rationality and linearity that allow
first transfiguration movements, I began to the racist structuring of the colonial/
develop aesthetics about something that still modern world to exist — and,
remains indescribable to me: my pleasure therefore, to make imaginative
in transfiguring... I created when I couldn't capacities go beyond the limits of
explain what was happening in me. Genders... coloniality — Vitorino Brasileiro’s
muscles... temperatures... I keep doing it work invites us to think complexly
because I discovered the pleasure of not being ³ FERREIRA da SILVA, Denise. and simultaneously on different
understood. Corpoflor is a promise: to modify A Dívida Impagável, p. 183 scales. Vibrating with the concept of
(São Paulo: 2019). “fractal thinking,”³ as developed by
the Form, to preserve courage, to insist on the
Author's translation. Denise Ferreira da Silva, the artist
Truth: I still do not know myself.”
encourages us to think of the affection
⁴ Encruzilhada (literally and continuity between bodies and
Through the constant and irrevocable translated as “crossroads”) materials at an encruzilhada⁴
defense of her own opacity, Vitorino is an important space for between quantum, organic,
Afro-Brazilian forms of historical and cosmic scales.
Brasileiro defends her freedom, her life,
spirituality. Closely related to
her being-change. With her work, she the Orixá Exú, it is a recurring
shares this sort-of waddling movement site for the realization of Eclipse, the work commissioned by
148 — this form of dance-fight that resists offerings and rituals. T/N. and on display at the Hessel Museum, 149
ECLIPSE Center for Curatorial Studies Bard Bunseki Fu-Kiau: black translation,
ECLIPSE
College (CCS Bard), is a beautiful reflections and dialogues from Brazil
example of this. The earth, salt, coal, (2019), Tinganá Santana offers a long
stone, water, fabric, light, and air that analysis of Dikenga and tells us that,
make up the work affect (transform) according to the Bantu worldview, the
the bodies of those present in space human can walk horizontally (towards
on a quantum scale, with an agency the challenges of the world: forward,
that does not stem from the backward, left, and right) and vertically
assumption of racialization. Likewise, (thinking and reasoning: upward,
the reference to an astronomical downward, and to the center).
event invites us to imagine that, The author tells us that “the human
from the “point of view” of the being suffers, above all, due to his lack
stars, the categorizations of knowledge on how to walk to this 7th
— as well as the subject-object dimension, the interior,” and says that
separation and opposition they this walk into oneself is what allows a
provide — do not make any sense. person to know their own core, become
The shape of Eclipse (2021) makes their own master, and — in this way —
reference to Dikenga, the Bakongo achieve the power of self-healing.
cosmogram that, for Castiel,
symbolizes the spiral movement Similarly, Eclipse is an immersive work
of time and represents life (the that attracts us to walk towards the
existences) as a series of continuous luminous center of a dark space.
deaths and rebirths. Based on the In the middle of this work, Vitorino
cycle of the sun that rises, culminates, Brasileiro placed a water mirror in
sets, and descends into the long which we see the reflected image of
night before rising again, Dikenga a siren who — swimming with the sun,
represents an alternative way of moon, sea, and air — produces worlds
understanding time and being that with her movements of contraction and
privileges cycles and changes instead expansion. Sirens are these hybrid
of linearity and continuity. An eclipse and wonderful creatures that resist
is, by definition, a break that occurs in being defined by the instruments
the linearity of the cycles of the moon of rationalism, even though they
or the sun. As in Portuguese, Vitorino are accessible by imagination.
Brasileiro’s first language, “sun” is a By locating herself as a siren in the
masculine word and “moon” feminine, center of her Eclipse, the artist
“eclipse” can be understood in this inspires us to dive to find our own
work as a symbol for all forms of life interior through the radical imagination
that inevitably contradict the system of of oneself, from oneself, and for oneself.
fixed identities imposed by coloniality. It is meaningful that when looking into
a water mirror — which is different
In his doctoral thesis, African from a flat glass mirror in that the
150 cosmology of the Bantu-Kongo by image is never still — one will always 151
ECLIPSE find their image undulating with the
ECLIPSE
living movements of the water and in
conjunction with the shapes of the
fishes, stones, plants, and marine
beings that inhabit the other side of
the mirrored surface, in the enchanted
underwater world. The water mirror
becomes, therefore, an instrument
to search for oneself, without the
interiority being measured, defined,
separated from the world,
or categorized.
The other ways in which this

installation supports people in their
healing processes remain unspoken,
though they are accessible to anyone
who ventures to dance on the other
side of the abyss created by
modernity, in the deep dark where
the West has been trying to hide the
forms of life that threaten its power.
As with her other installation works,
Vitorino Brasileiro says that Eclipse
is a “perishable space of freedom,”
a concept created by the artist for
installations that “stimulate unknown
corporeal states.” It is through this
incorporated, indefinable
diving movement — always
unprecedented and unstable, Bernardo Mosqueira
in the direction of the mutating (Rio de Janeiro, 1988).
center of oneself — that Eclipse Curator, researcher and
hopes to support people in developing writer. Master in Curatorial
their own healing paths, in their own Studies from the Center
embodied states of eclipse. for Curatorial Studies,
Bard College (CCS Bard).
Founder and artistic
director of Solar dos Abacaxis
(2015-present) and director
of the Prêmio Foco ArtRio
152 (2013-present). 153
ECLIPSE
Castiel Vitorino Brasileiro Bernardo Mosqueira: Castiel, I want
interviews with to start our conversation by thanking
Bernardo Mosqueira.
February 2021.
you immensely for accepting the
invitation to develop a project at the
Hessel Museum, Center for Curatorial
Studies Bard College (CCS Bard).
This collaborations's process took
place entirely during the COVID-19
pandemic, under very unusual,
unstable, and adverse conditions
that demanded a lot of dedication
FUEL FOR and flexibility. Even though I have been

following your work for a few years, in
the last few months I had the pleasure
UNAVOIDABLE of witnessing more closely the depth,

freedom, and courage with which you
carry out your work. Presenting this
FIRES
result now is very rewarding, and I
thank you for that. Eclipse (2021) is
an inescapable, touching, enchanting
work. As I realize that it concentrates,
expands, and updates some very
Castiel Vitorino Brasileiro crucial discussions for the work you
have been developing since 2015, my
Bernardo Mosqueira idea for our conversation today is to
reflect on your practice in a broader
manner, stemming from questions
about the elements that gave rise
to Eclipse.
I start with the very idea of eclipse.

In your work, I notice an increasing
recurrence of references to stars or
celestial phenomena: the sun, the
moon, the stars, the constellations,
the sky — and now, the eclipse.
They are present in works such
154 as Corpo-Flor [Body Flower] 155
ECLIPSE (2016 — present), Porque nossos to do with femininity and masculinity.
ECLIPSE
mergulhos no sol tem gosto de coragem Stars have no gender or race, and from
[Because our dives in the sun taste like where I speak, I also do not have such
¹ Refers to “somagram,” courage] (2020), in some watercolors identities. I am a hybrid animal of the
a term coined by Stanley from the series Somagramas¹ (2018 sky and ocean.
Keleman in 1988, in his — present), and also in some of your
somatic therapy studies. T/N.
writings. However, this is the first In Brazil, they name me Travesti. Here,
time that one of your works earns where I am, words don’t matter to me.
the phenomenon's own name. How I am inside an eclipse, I am living an
does your relationship with the stars eclipse, I am an eclipse, I am hybrid.
take place in the thinking and the Eclipses are moments of balance
development of your work? And how and rest. They are encounters. When
does your eclipse happen? the moon and the sun align with our
planet, our universe is recreated, our
Castiel Vitorino Brasileiro: I wake earthly life is retold. When the air and
up when the sunlight starts the water align in myself, I become
to happen in front of me. I can assess a siren.
chronological time according to my
body temperature and the temperature I wanted to create this piece to say
of the space I am in. When the sun that sirens exist and they are born
dies and the moon's birth starts, I in eclipses. Sirens have no father or
need to be in a safe place. I feel that mother. We are creatures formed by
this moment is an eclipse in me. The the alignment of light with darkness.
moment of transition from brightness Eclipses create colors that are invisible
to darkness, is an eclipse in me. to earthly creatures. That's why
I can't explain why, and also don't we're born — to speak of things
feel the need for a rational that you say don't exist.
understanding of this experience.
Everyday I live eclipses. Here, I am not telling a mythology.
The sun and the moon are I am telling the story of my life.
autonomous, and that fascinates me.
There is nothing that terrestrial life can Call me Castiel Vitorino Brasileiro,
do except respect the inescapability this is one of my names.
of solar and lunar energies driving
the earthly vital dynamics. We will
never be able to touch the sun, we will BM: To me, another characteristic that
never be able to stagnate the moon. seems to be very important in your
This is radical. And although modern practice is a very high consciousness
subjects try to comprehend the Sun of how the interaction between bodies
and the Moon out of their own defining and different materials takes place.
156 categories, these stars have nothing I understand this as one of your ways 157
ECLIPSE of manipulation and transmutation species. Modifying the shape is what's
ECLIPSE
of energies, relationships, shapes, most common on Planet Earth. Study
structures, bodies. This is very mighty, animals such as the Atlas moths
for instance, in the development and chameleons, the sexual life of
processes of Corpo-Flor [Body Flower] seahorses, the camouflage of insects
(2016— present), Colete Salva-vidas like the Stick insect, Boie's frog and
[Life Jacket] (2017), Ouço Mar [I Hear fishes such as the Flounder.
Ocean] (2018), Comigo-ninguém-pode The modification of my body is not a
(2018), Minha garganta dói, minha matter of gender, but a factor of my
garganta pode doer? [My throat hurts, hybrid animality of sky and ocean.
can my throat hurt?] (2018), Manjericão
[Basil] (2018), Manjericão Roxo [Purple What changes is me. My substance.
Basil] (2019), Os peitos que não terei And the ways that I relate to my
com perlutan [The breasts I won't truth. My mutations are preludes to
have with perlutan] (2019), Macete the most profound and inevitable
pra crescer peito [Trick to grow breast] vital transformation that can exist:
(2019), and Acredito no amor como death. I prepare myself for death by
uma ventania que espanta o medo transmuting alive. And when I die, I
[I believe in love as a windstorm that will be worshiped not for my gender or
scares away fear] (2020). How did race, but for my dermal darkness, my
the experimentation of relationships muscular movements, and my smell.
between your body and different
materials begin? It's been at least five
BM: This understanding of materials
years investigating and living out these
as elementary agents of transformation
works. What do you think has changed
also seems crucial to me in your
in this practice during that time?
works of an environmental nature,
that you call “espaços perecíveis
CVB: All lives change. Modern de liberdade” [perishable spaces of
societies are organized in identities, freedom]. Amongst them are Quarto
and this is a problem in my life de Cura [Healing Room] (2018), Nada
because I chose to welcome my aqui se acaba [Nothing here ends]
unquestioned vital quality: the change. (2020) and Eclipse (2021). How do
Even though daily my body continues you conceptualize the notion of a
being replaced in genre mythology, perishable space of freedom? How do
in Transsexuality mythology, or in the ideas of perishability and freedom
Travestiliaty Mythology — even so, operate in these works? Specifically,
I continue affirming: this is not my story. how does this take place in
Eclipse's proposal?
We need to understand that the
transmutation of flesh is not something
158 particular to the Homo sapiens sapiens 159
ECLIPSE CVB: I create spaces because I have what the traumas of racialization
ECLIPSE
faith in quilombos and I love Planet make us forget: freedom exists, and it
Earth. Sometimes, I feel a weight in is not a space that can be described
my heart when I realize I don't have by mechanical physics, much less
the conditions to leave Planet Earth, something invisible. Freedom is a
and live out stories other than the time-spatial situation that occurs
Terrestrial one. I learned to love the when our cosmic consciousness
planet I live on, and to respect its dry is expanded, and freedom is the
and wet ecosystems. experience of creating, living,
and desiring after exceeding the
If there is one thing that endures in ontological limits that are created
earthly lives, it is perishability. Nothing with colonization.
here ends and everything here one
day has to die; to die is to transfigure, Freedom may happen anywhere,
to take on another way of existing. just as Cura Líquida [Liquid Cure]
An ocean that has become the Sahara and my art. I create perishable spaces
Desert. An amount of ocean or river within the homes of people I love
that evaporates and turns into clouds. and in art institutions. To create them,
My body, that, with hormone therapy, I need to immerse myself in these
changes its fluid quality territories, get to know them, feel
and its physicality. their temperature, the taste of the air,
the smell of luminosity, the density
There are religious temples, as in Brazil of memories. Every space I create is
they occur with Umbandas, Omolocô related to the territory in which it is
and Candomblés. They are important, being established. This is the radicality
but, nevertheless, idealized within the of my work: there is no possibility of
spectrum of modern healing, the cure repetition of shape, of space. Even
by asepsis. Many people believe that Quarto de Cura [Healing Room]
these macumba temples are exempt (2018), with each set up it
from committing colonial violence, takes a different form.
and we need to understand that the
creation of these places is related To create a perishable space of
to the colonial territorial expansion. freedom, I need to understand
Misogyny, transphobia, and racism and respect the biotic community
occur inside these traditions, although that takes place in that part of the
these traditions are also opposed to ecosystem where I wish to cherish
colonization. It is a contradiction, the memories of transfiguration. I feel
an encruzilhada. free when I relate to the vegetable and
mineral kingdoms, not with my race
Perishable spaces of freedom are or blackness, but with my animality.
geographical situations established I feel free when I find myself sensing
160 where needed so we can remember terrestrial or cosmic life from inter- and 161
ECLIPSE intra-specific relationships, and no and your research and experiences in
ECLIPSE
longer cultural. I feel free when I try psychology. In a conversation in the
to look at the sun and remember that past few weeks, you told me that you
my eyes can lose the ability to see, were bothered by the fact that some
or when I notice that my emotional people are not open to understanding
state changes with the alteration of what you call “cure.” So, I ask you:
the lunar phases, because at these how do you conceive the relationship
moments I don't care about my race, between your work and the cure?
my gender, or any modern identity — And how is this present in the
only my body, my muscle, my skin, specific case of Eclipse?
my hormones make up my story;
this other story.
CVB: The difficulty that my work
For deep, dark complexioned people, faces in Brazil and in other
freedom is being able to create another territories colonized by christianity,
story. Freedom for me is to meet in occurs precisely because of the way
those other moments. in which these christian philosophical
and religious postures affirm their
BM: This practice of formulating presence: evangelization. So, it is
original concepts to support your evangelization that also prevents
own work has been very fertile, both my work from being respected and
for positioning it in relation to certain accepted in these and other places
discussions that are important for our that make use of their altered christian
time, but also for offering these notions principles to colonize other peoples
as tools for other people's thinking and societies. The great dilemma of
and strengthening. I have already Modernity is that the establishment of
witnessed your notion of “sodomite this way of living on planet Earth, with
ancestry” being an instrument of a its inherent qualities, forms, and types
discussion that was not about your of otherness — that is, subjectivation —
work, but about how it had helped this is a philosophical posture whose
person to (mis)understand herself in religious and spiritual foundations
the world. I observed this occurrence are considered to be non-existent.
as a cure of care and transformation of Modern racialization describes that
this person's living conditions through not all lives of the homo sapiens
your words. The cure is, undoubtedly, sapiens species are capable of
one of the most important issues of becoming subjects — and I am
your work so far. And I know that you one of those who don't even desire
have developed a very particular way subjectivation. However, racialization
of understanding the idea of healing, is also a way of inserting ourselves
informed both by the macumbas and into the history and dynamics of the
the Bantu philosophies, as well as by subjectivation processes. We do
162 your artistic practice not become subjects/humans, but 163
ECLIPSE embody the dilemmas of humanity in in the cure precisely as a moment
ECLIPSE
a cognitive, emotional, religious, and of misunderstanding. Vital moments
spiritual way. where the experience radically
displaces us from any possibility or
In these colonial social dynamics, capability to explain what is happening.
Humans organize the faculties of
thinking in a hierarchy that subdues Healing is an experience, not a word
religious and spiritual knowledge. — just like the eclipse. The cure
I believe that this subjugation is also and the eclipse are ways of talking
carried out because it is understood about inevitable events that escape
that only Others develop their societies the realm of linear time or modern
with religiosities and spiritualities. understanding. Eclipses happen
It is one of the knots of Racial violence: regardless of the way homo sapiens
subjugating any religious and sapiens organize their calendars. Much
spiritual knowledge, establishing like eclipses, the Unfathomable Cure
Modern/White Science as the modifies the daily lives of those that
only correct and effective way participate in it. The cure, as I believe
of apprehending the Planet and and live by — this liquid cure — is also
classifying any way of life or inevitable and ordinary.
technology that is different and/or
not understood by whiteness as “non
scientific” and “merely religious.” BM: The vibrant core of your Eclipse
calls on those who are present to
I believe and live the cure as a take a path in darkness until they are
departure from this modern history. able to find the luminous image of a
The cure is an ephemeral movement, being that swims in a crystal clear
although incarnated. It is a perishable ocean, clearly full of life. This being
form, it is a temperature, a flavor, a swims playfully, contracts, expands,
rhythm, and a density. Healing, in transforms, breathes, whispers, sings,
my life, has nothing to do with an floats in life matter, dances on the
enlightenment ideal of cleanliness, surface between its own liquid and
clarity, linearity. On the contrary, I gaseous states. If it is a being at its
believe in the cure as mixture, dirt, birth, there has never been anything
contradiction, and misunderstanding. so beautiful and strong as it is and will
People relate to my work based on become. If it is a siren, it knows the
evangelization, that is: erasure and edge of the beach and also Kalunga.
usurpation. To evangelize is to use The first time I watched this video,
the categories of modern thought I immediately remembered that it's
in a religious way. Therefore, in not your first work that establishes a
evangelization, an explanation and relationship with the ocean. Somehow,
the desire for understanding occur. it is almost a sequence of Virar Mar
164 And this is the knot, because I believe [Turning Ocean] (2017), Mergulho 165
ECLIPSE como rede 1 e 2 [Diving as Net 1 and calm, because I felt that the wave
ECLIPSE
2] (2018), and Travessia [Crossing], would not swallow the Mountain.
(2018). The ocean and its beings are My fear was never of death, but of
also present in the Somagramas (2018 the suffering that can precede it.
— present), in Quando lembrei, voltei And everything changed when
[When I remembered, I came back], I learned to breathe underwater, when
(2019), and in São predadoras, e muitas I learned to swim. Because I felt that
vezes caçam e alimentam-se de outros the end is inevitable, Planet Earth will
animais maiores que elas [They are one day explode and the Mountain
predators, and often hunt and feed on will split in the middle or before this it
other animals larger than them] (2019). will be swallowed up by a big wave.
How does this relationship between Death is an inevitable transfiguration.
your work and the ocean take place?
Genetically, I am liquid. I wanted to
swim against this truth and suffered
CVB: I learned to swim by myself. agony, sadness, and despair: in some
Who taught me was the ocean itself. way, I believe in fate and I feel that my
I was conceived in a sexual encounter fate is to die on the seaside, resting.
that my mother had with my father at Diving is tiring because even
a waterfall and I visited this waterfall though in the dive we face the
throughout my entire childhood Unexpected, the Incomprehensible,
and adolescence. The waterfalls and the Unnameable, there is memory
are treacherous — or, people are and the ability to remember:
inattentive. Then, when I took a step to remember the gesture, that I
back inside the waterfall, I found plunged into the mystery of my
myself falling into a hole. I was a child. gestation — the abyssal zone of
I sensed that I should go to the bottom Kalunga — and decided to come back
of the water, touch its ground, gather to the surface (or did not have any
momentum, and go up to the surface. other choice). Coming back here, in
And so I did. And so I saved myself: the atmosphere, reincarnating, is not
allowing my body to dive, to sink. always a choice. And my body needs
to be prepared for this.
I live on an island, Vitória, and to get
to Santa Leopoldina waterfalls — or My spirituality is an abyss,
anywhere else — I need to cross the the depth, the darkness, the ocean,
ocean. I started my life living on the and its seabed. Every dark black body
edges of the forest of Fonte Grande, must learn in the muscles, the
the highest point on this island's difference between diving and sinking.
central massif. I still go up there every This is my promise: to continue the
week, and when I was a teenager I stream path, create waterfalls, reach
looked at the seaside and imagined the ocean, come back to the seashore,
166 myself a flood. Nonetheless, I remained rest and die. 167
ECLIPSE In the encounter with the ocean, CVB: I can answer this question
ECLIPSE
everything in me is diluted, in infinite ways, but this time I will
the Racial Truth dissolves and welcome my doubt and answer it in
disappears. The sea requires nothing a polarized manner. However, not
more than my muscles and my a polarity that excludes the paths
instincts to inhabit it and breathe with that cross it. I could answer it as an
you. What matters to the ocean is not encruzilhada, but eclipses make me cry,
my racialization or my gender, but the and when I cry, I sometimes remember
capacity that my dark body has to the river streams that
become fluvial, liquid. When I dive, water develops to reach the Sea.
I feel as though I no longer have skin. I could talk about the unimaginable
My body is physiologically one with and unpredictable possibilities of river
the waters. In Kalunga, “becoming streams, with their currents, droughts,
black” is already not my story. At sea, floods, depths, and temperatures.
I become something indescribable However, making invitations is no
to this language with which, here, longer what makes me cry. I close my
I communicate with you. eyes and imagine myself finding the
species that were brought back to
this planet, those that reminded me
BM: Recently, you told me how it that I also chose to come back. This is
was for you to become an artist in my path: drowning, teaching to swim,
the context of Vitória, in Espírito watching some castaways happen from
Santo. Among several significant afar, thanking, praying, respecting and
passages, you mentioned how you continuing my swim.
were gradually identifying, on your
own, the works of artists to whom you To answer the questions of our time,
were dedicating extensive research, I need to reinsert myself in Modern
such as Rosana Paulino, Rubiane History and to understand
Maia, Ayrson Heraclito, Marcus my presence in the History of Linearity,
Vinícius, Ana Mendieta, and Carlos or in Linear Time. Linear Time is just
Martiel. When speaking with great a quality of time, which, unfortunately,
admiration of Paulo Nazareth — who, is deeply infatuated with the intents
like Ana Mendieta, has works in Hessel of racialization. It is so sad, but that's
Museum's collection — you said you the truth: our time, Bernardo, the linear
admired him because he always time, has turned into a Racial Violence.
knew how to deal, in his work, with I relate to linearity with cruelty, anguish,
the fundamental problems of his time. laziness, and lust. But my life and my
I wonder how you see the relationship art do not correspond to our time,
between your own work and the issues because we do not belong to the
of our time? same egregore.
168 169
ECLIPSE Our waters are untraversable. They relationship: predatism. I learned to
ECLIPSE
mix, they can get confused, but the respect the ways that you, terrestrials,
moment comes when they separate relate to our planet. Killing you is easy;
again. Me and you, me and all that is however, the sacrifice of your lives
not me. That's my truth: we will part. doesn't make me cry, it just feeds me.
And I will do whatever it takes to honor There is a moment when the siren's
the sacrifice that has brought me hunger starts to crave nourishments
here: I will flow to the ocean, and in other than those possible to the
the ocean I will dance only with the proto-cooperation that we developed
species that tore my neck apart and with you, terrestrials. This is the
allowed me to breath on Kalunga, starting point. Some of us keep
on this moonless night. Our time, seeking in you what they'll never
Bernardo, corresponds to a History have, and forget the way back.
that is no longer mine. I am a siren. Some of you starve to death.
I will meet other sirens, and your I want you to know how to use fire,
earthly species has become to because in it our muscular differences
me only a reminder that I am not meet in a dance that feeds us
from here. or in a fight to feed.
I believe that this is the great dilemma I am profoundly happy with our work.
of the hybrid species of Water and Our encounter is a fuel for inevitable Castiel Vitorino Brasileiro
Air: to not forget that our condition is fires. I wish us rest and food. (Fonte Grande, 1996).
the transition at a muscular level. Visual Artist, macumbeira
Breathing in the atmosphere, Muitas gracias. and psychologist. Currently
taking the risk of being locked up a master's student in the Clinical
in Museums. Breathing underwater, Castiel. Psychology program at PUC-SP.
meeting other predators and longing She lives macumbaria as a
for the terrestrial animals. This is our necessary body way for
story. This is my irrevocable fate. escape and rest to happen.
And it is not about contradiction or Bernardo Mosqueira

negotiation, because, again, I am no (Rio de Janeiro, 1988).
longer curtailed to the history of your Curator, researcher and
species or culture. Sirens respond to writer. Master in Curatorial
terrestrial problems by being Sirens, Studies from the Center
and nothing else. Your vital for Curatorial Studies,
issues are identitarian, and ours, Bard College (CCS Bard).
are the temperatures, the flavors, Founder and artistic director
the depths, and the Wind. of Solar dos Abacaxis
(2015-present) and director
Bernardo, with you I am living out of the Prêmio Foco ArtRio
170 an inevitable risk to any interspecific (2013-present). 171
“For a person to say, Travesti Transition
ECLIPSE
‘I am a travesti,’ they
must have to be very If in another life I was enslaved, I
well in their mind.” was also free and clever. Because I
In a meeting with my came back, I stopped being Gabriel
sisters Rainha Favelada, and became Castiel. Castiel is my
Jade Maria Zimbra, and name of combat and freedom. I’m
Wiliane Jacob, Rainha said now a travesti. And in this Western
that she heard this saying Brazilian World, travesti is the name
from Bianca Kalutor. Like given to people who manage to
Rainha, I won’t make transmute; but this language speaks
an exact transcription of some and not all experiences of
of Bianca’s thought and modification, because the word itself
advice, but will give the is always a limit. A limit that its own
SODOMITE
thought continuity through content — life — dissolves.
a poetic update.
Here, in Brazilian Modernity,
ANCESTRY,
some transmutations are named
travestiality and we also say that
we’re transitioning. The transition
is the passage from one place to
TRAVESTI another, and these actions of

strutting, walking, parading —
when assisted by colonial lenses —
SPIRITUALITY are thought and felt at the limit of

portuguese languages and words.
What are these places called where

Castiel Vitorino Brasileiro we, travestis, transition in coloniality?
I ask not about the territories that
must remain nameless, but about
the prison spaces — identitarian and
geographical — created by modern
knowledge.
So my spiraling question is: how do I

transition out of coloniality?
In other words: I will not follow the

path of leaving being a black man
to becoming a black woman, since
this path presents itself to me as 173
172
ECLIPSE a colonial labyrinth. I’m either going I went to a meeting of Travesti Transmutation
ECLIPSE
through the labyrinth as a travesti or travestis from the 1980s
I’m going to make the labyrinth my in Vitória (Espírito Santo, The limit is the (modern) World, and
"travestiality." Or I’m going to make my Brazil). That day, I tried we interact with this World (and with
travestiality another labyrinth. very hard to appear any other) because it interacts with us
feminine, but when I in intensities that bring our existences
Or I will make my trava¹ place got there I felt just like a closer, in a relationship of making
an encruza². And the encruza is fag in a dress. A month it disappear (ceasing) or making it
not a labyrinth, but a twirled space passed, the transmutation possible to transmute, modify.
that is infinite in all directions continued, and I met a
¹ An abbreviated — encruzilhadas — like air. 50-year-old travesti who, The thing is that we are in the World
and affectionate way in the middle of the street, because the World is in us. We are
of saying travesti. T/N. And if I’m a travesti ruled by the said to me, laughing: travestis because we are still here.
² Abbreviation of encruzilhada,
power of Planet Gemini, so I have “Wow! What happened And if one day I transition, I hope to
meaning “crossroads”. The been learning to move quickly and to you, fag? Have you reach this other place that I’m creating
word denotes an important intelligently through these places of become a woman? You while transmuting. A dark place,
space for Afro-Brazilian forms speech that just choke and hang me. are beautiful! I once also opaque for whiteness.
of spirituality. Closely related to Well, the Travesti Transition is from became a travesti, okay?!
the Orixá Exú, it is a recurring
site for the realization of
a place to which place? But I got sick of it and A place or a World where I can hear
offerings and rituals. T/N. went back to being a fag.” with less noise, what the woods and
That being said, I also need to admit the sea have been saying about my
that I don’t care much about what In 2019, at a family transmutation. I’ve been experimenting
Travesti is, but how we, Travestis, barbecue, I was wearing with hormones, and also crystals, like
unthink (stop thinking) about the long hair weave. Maria, tourmaline and cyanide. I spent time
Modern World in order to accomplish an old neighbor of mine, walking with black tourmaline around
being travestis. And for that I abandon told me that when she saw my neck, while I was beginning to
any oedipal, fetishist, psychological, me, she looked at me right understand the energetic effect that
anthropological analysis to say that away and said: “What kind crystals create on my physical body.
there isn’t — a priori — an essential of freaking woman is this?”
or fundamental content or form for She recognized me by Then I realized that there, on the throat,
the Travesti Transmutation to happen. not recognizing me. was not the best place to massage
Each trava rejects or flirts with the We laughed our heads off. with a tourmaline. While using it,
hormone that makes her none of what I was balanced on anger and
racist cisgenderism thinks about itself “Travesti is breasts and impatience. There is no problem with
and about us. hips”, said my librarian anger. Quite the contrary, we, black
travesti friend Marcela travestis, need to learn to make use
My thought is a contradictory fold that Aguiar, since when I was of this anger, and, when I understood
says: travestiliality is transmutation. just a fag-black little girl this, I started to study my basic chakras
Atthe beginning and the end, afraid to become a travesti. better. And I remembered that sexual
I’m interested in transmutation energy is the energy of creation, so I
and not in transition. don’t use testosterone blockers.
174 175
I’m trying to embody plant and mineral
ECLIPSE So I say: don't douche. Stick a crystal
ECLIPSE
frequency. This makes me dizzy and
up your asshole! Because douching is
reminds me of the effects that Diane35
a colonial misfortune. Anal cleansing
had on my physical body. I took this
is not douching. Douching is a colonial
medicine five times, and each time my
orientation in anatomy, in physiology,
knees hurt; so I stopped because my
gesture, desire, emotion, and thought.
grandfather, Benedito Brasileiro, lost a
Don't do rectal douching; stick a crystal
leg due to thrombosis, so I also tend
in your asshole. Energetic cleaning.
to have thrombosis.
Cleaning with blessed water. Cleaning
with quartz or tourmaline. Sitz baths.
But my grandfather gained a
A douche is not cleansing. Take care
granddaughter, which is me, because
of your asshole, without it, there is no
he told me to be careful with Exú and
survival. And in it there is healing.
gave me the courage to continue
taking baths that help me live at the
I'm changing my body in a negotiation
encruza. The first baths I took made
with the pharmaceutical industry and
me dizzy, but today my body is able to ³ Terreiros de macumba with the terreiros de macumba³. I stick
digest the phytoenergetics that cure are Afro-Brazilian spiritual
crystals in my asshole and spread gel
me of dysphorias and prepare me to community centers of both
Umbanda and Candomblé in on my crotch. To change my body is to
continue destroying and fleeing from
Brazil. T/N. transmute to another World. “Travesti”
cognitive and emotional captivities.
is perhaps a – temporary – interesting
name to give to this New or Other
While creating my travesti heritage, I
World that we have been building
remember that between our rear ends
while transmuting...
and our cocks there is an energetic
concentration related to escape for
“There is no tradition,” Sodomite Ancestry
survival. Our asshole also integrates
the physical areas of this base chakra. replied Ayrson Heráclito
when I asked him if there I have a dark complexion and, when
Sometimes I stimulate my asshole
was a travesti healer. I became black, I transmuted and
with a SuperSeven crystal, to land on
I want to live to the end of became only dark again. But I didn’t
carnal demands and to feed myself
this incarnation modifying stop being black, because I still live in
with courage to take root in other soils
my body to experience this world. And if I also inhabit other
of this planet and in other relations of
this thought in other ways. worlds, then there I’m like the Orixás:
these worlds where we wander. My
And today I understand: dark, without race. And Orixás needed
black travesti diaspora.
tradition doesn’t exist to adapt to a body of a different color
because, in the passage than theirs. I’ve been trying to learn
Landing on worlds, understanding
of knowledge to other from these negotiations...
their captivity. Taking root in the
Sodomite ancestry, in the divinely bodies, what happens
with this content is always Tibira was also not indigenous, nor gay,
profane higher plane, in the shitty
a modification, either nor travesti, nor Tibira. But she was
sacred female. In the Time that
subtle or radical. If there is racialized with the laws of sexuality
will not be forgotten! In the body that
176 anything that remains created by the roman apostolic christian 177
will be remembered in transmutation.
ECLIPSE in tradition, it is its religion, which she disobeyed and to see. And the mystery that I saw,
ECLIPSE
condition of change. became a sodomite. That person was I saw with etheric eyes formed by
Tupinambá. But then, in the colonial amethysts and muscles.
Because for us, brazilian translation of her existence, Tibira
travestis, a language also became a berdache. And now I’m tired of I Embodied So I Could Remember
that is coded enough closing my eyes to see I’m What I Forgot
so brazilians don't The transmutation of this body was going to open them so I
understand us is missing, translated into colonial language, and can throw shells with fake In this world, what I have been feeling
and perhaps that is why in this world it has become a plague. nails, and I'll ask Tibira a lot is the desire for an end, for death.
Pajubá⁴ no longer serves But if I embody the spirit of Tibira, I will and Xica a few questions. I want to die and I want this shit World
us. For this language watch my body become a quilombo⁵ I’m going to ask about to disappear. I want the death of my
that I write in here is and I will hear my mouth speaking, in Time and orgasms. I am World, not the planet. You taught me
limited to talk about our Tupinambá, about the experience of interested in knowing that the moon is a piece of the Earth
transmutations. transmuting in the 16th century and about breasts and faith. that was torn off from a collision with
in an amerindian Time that I cannot How was it and another planet, remember?
How did Xica Manicongo count. I’m interested in listening to what can it still be?
name herself and get Tibira to learn about her experience of Sometimes I wish that the collisions
named by her travesti merging modern contradictions in the I am afraid to ask, but, if that my World has with this World that
friends from the Congo in body. However, what is merged is not it is necessary, then I will I live in threw me close to the moon. I
the 16th century? a contradiction, but a relationship with have the courage and am Moon and Earth. And I am also this
life that, through colonial translation, inquire: tell me how you planet that collides, changes itself
⁴ Pajubá is the name of a becomes contradictory. felt when the disgraces and then disappears.
language and a vocabulary arrived by ship? I mean,
repertoire used by part of the
Xica Manicongo is the first referenced their bodies: what did you Sometimes I want to disappear, but
queer community in Brazil. T/N.
Quimbanda healer in Brazil. She did feel when, on the gray I am a macumbeira and in macumba
⁵ Quilombo (from the angolan magic and cursed this land horizon line, newness and there is no such thing. Nothing
Kimbundu word kilombo, with her cleverness. The macumba doubt appeared? disappears, what happens is the
"war camp”) denotes a type spell was fulfilled, and now, 400 modification. Energies do not end,
of Afro-brazilian hinterland years later, Francisco is baptized by Tibira, was the arrival of they modify. So, Xica and Tibira, today,
resistance community,
Brazilian travestis of the 21st century the portuguese a novelty tomorrow and yesterday I am here
historically founded by people
who withstood slavery and and receives his combat alias: Xica for your Tupinambá asking you to help me to escape or
developed ways of life and Manicongo. She was condemned, people? Because camouflage myself.
resistance against coloniality. as some Pomba-Gira were, to be nowadays, from where
T/N. burned alive in a public square. And, I am in History, I may Now, when I open this game and ask
in an act of “exusiatic” cleverness, she say that nothing is new. Xica Manicongo, I see a black trava.
decided to dress up as a man so Nothing here is new. I am Really black, dark complexion. The first
as not to be murdered. not surprised by the arrival image is this because Xica is me. I’m
of other vessels — that Xica Manicongo. This year I became
I already did the same, I dressed Queer shit, for example. In countess of the Bantu Court of Espírito
myself as a woman, and the illusion this land there is so much Santo. The first travesti, but not the first
became real, because we built disgrace that at some court. Xica, what were you the first of?
178 together a gender for the colonizer point in this imperialist What were you and I the first in? 179
ECLIPSE country, you may already And when was our first encounter? The pain of death is waist of a woman.”
ECLIPSE
have been called Queer blue and life seems red.
or non-binary. Girl, there Xica, I want to ask you about I'm a black trava, but I I transitioned when I went up and
is nothing new about quilombos. How to continue want to be amaranthine. down Fonte Grande. I transmuted
colonization. The Queer building quilombos in the 21st Mixing dying and living, from flower to earth when I dove into
ships arrived here and century? Because I know that there which is transmutation. the moons and accepted: today I am
mortified as much as the is no Angolan or Congolese quilombo Transmuting is the a healer because I became a travesti
fucking inquisition that without the Tupinambá people, and conversion of one and before I was a sodomite because
blew you up in a cannon. I also know that afro-indigenous chemical element I knew how to predict the future.
alliances only exist from the colonial into another. And, in I became a travesti when I accessed
Today we live the perspective. I have been angry at Umbanda⁶, I learned my sodomite ancestry, and folded
Queer inquisitions, these universalist nominations! from caboclos and the colonial time that has never
neo-pentencostal “Afro,” of what people do you sirens about their made me its own.
inquisitions, inquisitions... speak of? “Indigenous,” which ones? hybrid bodies of sea,
I have not been surprised land, and air. Travesti does not translate and travesti
by the coloniality They have always named us the way is already a translation. Travestility and
that I live in. they wanted, so I want the explosion of I am also working at the spirituality are colonial translations
that sovereignty of language! What are encruzas to continue of our transmutations. How, with
our real names?! Help me remember transmuting myself, our alphabet, can we build escape
them! Prepare my body to bear the which is why I become languages? Or how do we make
weight of remembering what they try contradictory in an organ of insurrections out
to make me forget. Because it is not coloniality. I always ask of our language?
possible for a quilombo to exist without Oxalá for calm and the
your wit of Xica Manicongo. And Xica marujos for intelligence to I am macumbeira because I am black.
was Xica because she was quilombo. live travestiality without And I wander in the black light
being held hostage by because I’m a travesti. I write in
I am understanding that, in the face that identity. Then, they portuguese to say that macumba is
of threat, survival is built. That was teach me that I must in my blood, and if in my blood there
something the chief Babau Tupinambá prepare my body. is a sea it is because I am a river that
told me. So I gathered courage and Being de preceito⁷, in sinks and that wept with joy when
opened up this game to continue macumba is tough, but I died. For alchemy, transmutation is
remembering how to cast travesti I learn so fucking much. the conversion of one chemical
charms and bixa spells. So what I have been element into another. We are
“I am really shrinking. doing is living in the time alchemists because we transitioned
I will only grow of my transmuted body, from the flower-body to amethyst,
again when I die,” replies Dying Seems Necessary to Me and sometimes in the and in the colonial translation
my grandmother, identitarian time when I we became only travestis.
Julite Loureiro Brasileiro, Every once in a while, I hear this need to earn money to do
aged 65 years, when I exusiastic song in my macumba mysteries of aqué⁸. That’s The macumbaria is an encruzilhada of
tease her saying that she terreiro: “Whoever said that the what transmuting is: Chemistry, Physics, Biology, Medicine,
is getting smaller. Devil is ugly, beautiful, well... he is not! negotiations between Semiotics, Art, Astrology, Philosophy,
180 He has the face of a man and the tiny death and life. Metallurgy, Geology and Mathematics. 181
ECLIPSE And my transmutation was when
ECLIPSE
6
An afro-brazilian religion. T/N. I melted at the encounter of fires, and
in that bonfire I kissed my pomba-gira
7
A period of retreat during
which one has to attend to and said: muitas gracias. I remembered
some obligations in order to that I am also ether, I became a trava.
prepare the body for
divine energies. T/N. Because it was by embodying that
I lived the Spiraling Time and let my
8
Queer slang from Pajubá,
meaning “money.” T/N. matter be torn apart by the speed of
Gemini and the windstorm of Oyá.
I died, but I still haven't done what
I should do. Because I dove very
deep and came in fear. I can't
take this decade anymore.
In my throat there is a cry stuck in a

body that is no longer mine. Tonight
I'm going to spin until I die. I will die
remembering everything, and I will
return to seek the moments that I did
not live because I was afraid to love.
I love you, my negro. I love you, life.
I love life, because I did not give up
on building a body capable of
living in unpredictability.

(Fonte Grande, 1996).
Visual Artist, macumbeira
and psychologist. Currently
a master's student in the
Clinical Psychology program at
PUC-SP. She lives macumbaria
as a necessary body way for
escape and rest to happen.
182 183
ECLIPSE

184 Photo: Olympia Shannon 2021.
ECLIPSE
186

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4

Realização [Organized by]

Textos de [Texts by]

Tradução [Translations] Além do apoio geral do CCS Bard, a exposição

Exortação: Prece e Pressa 12

Castiel Vitorino Brasileiro: Eclipse 16

Combustível para incêndios inevitáveis 26

Ancestralidade Sodomita, Espiritualidade Travesti 44

Exhortation: Prayer and Haste 140

Castiel Vitorino Brasileiro: Eclipse 144

Fuel for unavoidable fires 154

Sodomite Ancestry, Travesti Spirituality 172

Castiel Vitorino Brasileiro: Eclipse

A lua vem se representando

EXORTAÇÃO: nos proteger, pra poder fazer

PRECE Então, o arco-íris: ele dá a força

Aí, o que vem se dizendo o mar:

Como vocês estão falando de

O verde, ela vem representando Mathilde de Oyá Caboclo

CASTIEL VITORINO (Vitória, Brasil, 1996) vem investigando

As demais maneiras pelas

COMBUSTÍVEL de Covid-19, sob condições bastante

PARA e flexibilidade. Mesmo acompanhando

INEVITÁVEIS muito gratificante, e eu te agradeço

Eu começo pela própria ideia

CVB: Todas as vidas se modificam.

Acredito e vivo a cura como BM: O centro vibrante do seu

ESPIRITUALIDADE uma atualização poética.

TRAVESTI de travestilidade, e também dizemos

Como se chamam esses lugares por

Porque foi incorporando que vivi o

Em minha garganta tem um choro

Série “Lua em câncer “[From the series “Moon in cancer”]

Série “Lua em câncer” [From the series “Moon in cancer”]

Série “Lua em câncer” [From the series “Moon in cancer”]

Vídeo comissionado para o projeto KUIR (@kuir.poetry) com financiamento da

Direção e edição [Direction and editing]

Trilha musical e sound design [Soundtrack and sound design]

Finalização e trailer [Finishing and trailer]

Viabilizado com o apoio do Center for Curatorial Studies, Bard College.

Fotografia, produção, trilha musical e sonora, sound design, montagem,

A Cambonagem e o incêndio inevitável (2021) estreou junto da exposição Castiel

Fotografia, produção, trilha musical e sonora, sound design, montagem,

A Cambonagem e o incêndio inevitável (2021) estreou junto da exposição Castiel

Installation view from Castiel Vitorino Brasileiro: Eclipse,

Installation view from Castiel Vitorino Brasileiro: Eclipse,

Installation view from Castiel Vitorino Brasileiro: Eclipse,

The moon has been

AND HASTE So, the rainbow: it brings the

Then, what the sea has

As you are talking about

CASTIEL VITORINO produce vital experiences. Combining

BRASILEIRO: is currently a master’s student in

The other ways in which this

FUEL FOR and flexibility. Even though I have been

UNAVOIDABLE of witnessing more closely the depth,

I start with the very idea of eclipse.

And it is not about contradiction or Bernardo Mosqueira

TRAVESTI another, and these actions of

SPIRITUALITY are thought and felt at the limit of

What are these places called where

So my spiraling question is: how do I

In other words: I will not follow the

In my throat there is a cry stuck in a