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33 ANOS DO BOICOTE À ORDEM DeMOLAY NO BRASIL

Kennyo Ismail

Em julho de 2021 completa-se 33 anos do boicote à Ordem DeMolay no Brasil. Não é


algo a se comemorar mas, com absoluta certeza, não é algo que devemos nos esquecer.
Pegando emprestado o moto judaico relativo ao Holocausto, "lembrar para jamais esquecer",
compreende-se a importância de recordarmos e melhor compreendermos fatos tristes para
que eles nunca mais se repitam.
A Ordem DeMolay chegou ao Brasil em 1980, por intermédio do Supremo Conselho do
Grau 33 do REAA da Maçonaria para a República Federativa do Brasil, o SC33, o Supremo
Conselho de Montezuma e Behring. À época, era presidido pelo Soberano Grande
Comendador, Alberto Mansur, e formado principalmente por Mestres Maçons oriundos das
Grandes Lojas.
Nessa época, a rivalidade histórica entre Grande Oriente do Brasil - GOB e Grandes
Lojas - CMSB ainda estava em pleno vapor. Tanto que, enquanto o SC33 contou com o apoio e
solidariedade das Grandes Lojas para a expansão inicial da Ordem DeMolay no país; o GOB
desenvolvia seu projeto legislativo para criar sua própria ordem juvenil, a Ação Paramaçônica
Juvenil - APJ, apresentado em março de 1982 e sancionado pelo executivo em abril de 1983.
Foi a partir de 08 de julho de 1988 que o boicote à Ordem DeMolay teve início, com
várias Grandes Lojas proibindo o funcionamento de Capítulos em seus templos e de suas
jurisdicionadas. A justificativa: os templos são sagrados e os jovens são profanos.
Quando de tal decisão, a Ordem DeMolay já estava em funcionamento há oito anos no
Brasil e já somava quase cem capítulos. Então, por que se esperou oito anos para tomar uma
medida tão drástica e impactante? Uma loja ou grande loja não deveria ter pensado nisso
antes de patrocinar um Capítulo DeMolay? Esperou-se até oito anos de profanações semanais
para se corrigir tal sacrilégio? E, considerando tal justificativa, os templos profanados pelos
jovens passaram por novas sagrações?
Ainda, a decisão somente perdurou por um pouco mais de um ano. Por que? Os
templos deixaram de ser considerados sagrados? Os jovens DeMolays deixaram de ser
considerados profanos?
São muitas questões facilmente respondidas pela compreensão da real razão dessa
proibição.
Desde 1927 que o SC33, por meio do Decreto Nº 7,1 declarava o GOB irregular,
justificando em seu decreto que essa decisão era baseada na adoção pelo GOB do Rito
Moderno (em sua versão sem um Livro Sagrado) e em sua constante tentativa de interferência
no SC33. E essa declaração impulsionou o surgimento das primeiras Grandes Lojas estaduais
brasileiras.
Então, no dia 1º de janeiro de 1988, o Soberano Grande Comendador do SC33, Alberto
Mansur, publica o Decreto Nº75-83/88,2 revogando o artigo 1º do Decreto Nº 7-1927, que
declarava a irregularidade do GOB; e modificando o texto do artigo 2º do mesmo, que
declarava as Grandes Lojas como "únicas" regulares no Brasil.
É comum que decretos polêmicos sejam planejados com antecedência e suas
publicações sejam programadas para datas comemorativas ou estratégicas. E foi assim com
esse decreto, publicado no feriado de 1º de janeiro de 1988, quando as Grandes Lojas estavam
de recesso, além de próximo ao fim da gestão de Alberto Mansur como Soberano Grande
Comendador do SC33, que ocorreria no início de março, ou seja, em um pouco mais de 60 dias.
Ao tomarem conhecimento do decreto, no final de fevereiro daquele ano de 1988, seu
conteúdo causou incômodo em muitos Grão-Mestres de Grandes Lojas, que viam a
exclusividade do SC33 como um diferencial competitivo e sua declaração histórica de
irregularidade sobre o GOB como um argumento estratégico em suas relações exteriores.
Contudo, faltava poucos dias para o final da gestão de Alberto Mansur como Soberano Grande
Comendador do SC33.
Essa situação conseguiu ficar ainda pior quando, no dia 06 de abril daquele ano, uma
reportagem da Revista Veja expôs um esquema de corrupção criado no Governo Sarney,
envolvendo especialmente a liberação indevida de verbas federais sem previsão orçamentária,
a fundo perdido.i Na época, foi criada a CPI da Corrupção, cujo relatório final comprovou o uso
de recursos públicos para beneficiar parlamentares da base aliada do então Presidente da
República. E dentre os recursos solicitados por parlamentares da base aliada a fundo perdido,
e liberados pelo governo federal, a reportagem da Veja destacou 25 milhões de cruzadosii
destinados ao GOB, para construção de sua sede em Brasília.3 Era o bastante para muitos
Grão-Mestres de Grandes Lojas entenderem que a decisão do SC33 a favor do GOB não
poderia estar mais errada.
Isso motivou à convocação de Venâncio Igrejas, novo Soberano Grande Comendador
do SC33; e Alberto Mansur, ex-SGC e então Grande Mestre do SCODB - Supremo Conselho da
Ordem DeMolay para o Brasil, a participarem de uma reunião reservada com os Grão-Mestres,
realizada dia 03 de julho daquele ano de 1988, durante o primeiro dia da Assembleia Geral da
CMSB.4
Durante a reunião, Igrejas afirmou que é o Supremo Conselho quem determina o que é
regular ou não para ingresso em seus corpos, o que não deixava de ser uma verdade. E Mansur
justificou sua decisão, dizendo que o decreto visava minguar o Supremo Conselho irregular (de
São Cristóvão) e alertar aos novos maçons do GOB, já que somente pode haver um Supremo
Conselho regular e reconhecido por jurisdição.
Um dos Grão-Mestres utilizou da justificativa do Irmão Mansur para ilustrar a situação
das Grandes Lojas perante o decreto do SC33: assim como somente pode haver um Supremo
Conselho, somente pode haver uma potência simbólica reconhecida por território, então o
Supremo Conselho precisaria escolher.
Já o Grão-Mestre da GLESP, que havia trocado correspondências com Mansur no ano
anterior, contrário à questão da revogação da irregularidade do GOB por parte do SC33, que já
se ventilava, informou ao Irmão Mansur de sua decisão de proibição do uso dos templos
maçônicos pelos jovens da Ordem DeMolay em sua jurisdição. E o Grão-Mestre da GLMDF
entregou a Mansur uma cópia do "Projeto Amanhã", que seria a alternativa da GLMDF em
substituição à Ordem DeMolay.
Essas foram as primeiras respostas de algumas Grandes Lojas para aquilo que
consideraram como uma afronta. Em vez de atacar o SC33, o que não mais atingira Mansur,
que deixara o cargo, optaram por atacá-lo no cargo em que ainda ocupava: de Grande Mestre
da Ordem DeMolay. E esse ataque foi concretizado no dia seguinte, 04 de julho de 1988.
O Grão-Mestre da GLESP apresentou a tese intitulada "USO DO TEMPLO MAÇÔNICO",
que foi aprovada por maioria de votos: 17 a 08. A tese tinha por proposta que "O TEMPLO

i
Fundo perdido é subsídio pago por instituição pública ou privada a pessoas jurídicas ou físicas, sem
espera de retorno.
ii
O que equivaleria hoje a aproximadamente dois milhões e meio de reais.
MAÇÔNICO SOMENTE PODERÁ SER UTILIZADO NAS SESSÕES REGULARES MAÇÔNICASiii
CONSTANTES DOS RITUAIS OFICIALIZADOS DOS RITOS ADOTADOS PELA GRANDE LOJA,
RATIFICANDO-SE AS LEIS TRADICIONAIS QUE OS REGULAM".5
Assim, como uma peça sacrificada no tabuleiro da maçonaria brasileira, os Capítulos da
Ordem DeMolay ficaram impedidos de reunirem-se em templos, em várias Grandes Lojas.
Diante disso, nesses estados, alguns capítulos conseguiram permissão de lojas dos Grandes
Orientes da COMAB ou GOB, para se reunirem; outros funcionaram em salões de festas, casas
de "tios" e até mesmo salas de aulas de colégios; e houve aqueles que adormeceram.
Quanto a reação do GOB ao boicote dessas Grandes Lojas sobre a Ordem DeMolay,
não houve, de fato, uma reação. A política do Poder Central do GOB era única, desde 1983 até,
pelo menos, 2018. Por 35 anos, as mensagens do Poder Central a respeito da Ordem DeMolay
foram basicamente as mesmas e podem ser resumidas pela do GMG Francisco Murilo Pinto,
em 1993: "A APJ há de ser apoiada e incentivada pelos Grandes Orientes Estaduais; a Ordem
DeMolay pode ser tolerada como entidade paramaçônica juvenil nas Lojas em que já exista".6
Contudo, com a impopularidade do boicote junto aos maçons da base das Grandes
Lojas, em especial os pais dos jovens DeMolays, o que ocasionou até mesmo perda de
membros; e a ineficácia do boicote sobre a decisão do SC33, que se manteve apesar da
oposição; uma nova geração de Grão-Mestres revogou o veto nas jurisdições em que ainda
existia. Anos depois, em 2004, a CMSB recompensou a Ordem DeMolay brasileira quando,
junto do SC33, garantiu sua regularidade internacional e passou a oferecer-lhe apoio de modo
mais institucional.
Atualmente, a maçonaria brasileira experimenta uma fase de união e harmonia entre
as diferentes vertentes do simbolismo, e DeMolays Sêniores alcançaram e estão alcançando o
posto de Grão-Mestres em muitas Grandes Lojas. Assim, um novo boicote à Ordem DeMolay é
improvável no cenário atual. Mas é bom lembrar para "não esquecer": o SC33 foi a primeira
instituição maçônica brasileira a procurar, formalmente e em escala nacional, reunir maçons
da CMSB, do GOB e da COMAB, o que já fazia indiretamente, mediante a Ordem DeMolay; e a
Ordem DeMolay brasileira acabou pagando caro por esse pioneirismo de sua Alma Mater.7

NOTAS:
1
BEHRING, M. Decreto Nº 07. Rio de Janeiro: SC33, 03-08-1927.
2
MANSUR, A. Decreto Nº75-83/88. Rio de Janeiro: SC33, 01-01-1988.
3
REVISTA VEJA, Editora Abril, N. 14, Edição 1022, de 06 de abril de 1988, p. 20-24.
4
GUEDES, A. M. Resumo da Reunião Reservada de Grão-Mestres. Manaus: CMSB, 03-07-1988.
5
LINS, A. L. C.; DA CUNHA E SILVA, C. Conclusões da XVII Assembleia Geral Ordinária da CMSB. Manaus:
CMSB, 08-07-1988.
6
PINTO, F. M. Mensagem e Relatório do Grão-Mestre à SAFL. Brasília: GOB, dezembro de 1993, p. 5.
7
Este e muitos outros casos são revelados, em detalhes e com acesso aos documentos comprobatórios,
na obra: "MAÇONARIA BRASILEIRA: a história ocultada - Volume II".

iii
Incluindo "Brancas, Econômicas, Magnas e Especiais Maçônicas, sempre com o preenchimento dos
cargos por Maçons".

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