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Batcelos Fontonele, Secrotiro-Gorsl de CMS BM Exovatio ‘ORIN Editora Macinica Trolha” Lda, 2 : i i i : i INTRODUGAO A histéria da Maconaria brasileira, como toda Instituigao social relativamente grande e antiga, esta estritamente ligada & histéria do pais, tanto de for- ma ativa, em que a Magonaria e/ou seus membros Impactaram direta ou indiretamente na histéria bra- sileira; como de forma passiva, quando os momen- tos pelos quais a patria passou, de alguma forma, afetaram a Ordem magénica, e suas organizacies. No entanto, como gosto de afirmar sempre que tenho a oportunidade, “a Maconaria que nao conhece a sua histéria est condenada a repeti-la’ Acrescenta-se ai a observagio de uma célebre fra- e, que alguns costumam creditar ao escritor inglés George Orwell, pseudénimo de Eric Arthur Blair, que diz que “a historia é escrita pelos vencedores". Esse mesmo autor explica que os vencedores no apenas ‘omitem os erros cometidos pelo seu préprio lado, como tém uma incrivel capacidade de ignord-los 0u refutd-los quando expostos. Com algumas raras excegies, os historiadores tém provado que essa maxima é verdadeira. Assim como 0 dito popular que “aprendemos com os erros” também 0 é, Ou seja, Histéia da Maconara Basin para Adutos | 21 no basta conhecer a histéria, pura e simplesmente. Faz-se necessério um esforco para encarar as duas faces dela. Inicialmente escritas por Irmios bem intencio- nados, mas, via de regra, nem um pouco compro- metidos com o rigor metodolégico que a pesquisa histérica exige, ou mesmo familiarizados com o exerciclo da pesquisa, além da clara parcialidade a Favor da instituiso e, algumas vezes, de uma ou outra obediéncia especifica, as obras que, ao longo das décadas, apresentaram ao Macom brasileiro a histéria (ou seria histérias?) de nossa sublime instituigo, esto repletas, com raras excecbes, de romancismo (sim, contos de fadas), achismo, “ouvi dizer" e lados especificos da histéria, com a omisséo (ou maquiagem dos fates histéricos mals, digamos, constrangedores. Por sorte, nos uiltimos anos essa participacéo da Magonaria na histéria do Brasil tem chamado a atencéio de importantes historiadores, ligados as rincipais universidades do pais, os quais tm se dedicado a reescrevé-la, de forma responsdvel, embasada, imparcial, alguns deles evidenciando os errs crassos dos autores macénicos que anterior mente haviam se exacerbado de liberdade ao tentar produzir conhecimento histérico em suas obras, Entre esses historiadores, & justo darmos crédito a Alexandre Mansur Barata, Marco Morel, Frangolse de Souza, Marcos José Diniz Silva, Ivanil~ son Bezerra da Silva, Virginia Maria Trindade Vala- dares, dentre outros que vm, nos ultimos anos, 22 | Kenryo imal brindando-nos com informagées vélidas valiosas sobre a Maconaria na histéria do Brasil. Até mesmo um escritor no campo do jomalismo histérico, camo Laurentino Gomes, merece ser citado, pois colaborou mais com esse campo de pesquisa do que muitos dos escritores Macons mals consagrados no pais, No entanto, quando se trata do “microcosmo’, da histéria interna da Maconaria, campo quase que exclusivo de autores Macons (néo tao interessante © acessivel aos historiadores académicos), nossa realidade fica um tanto quanto calamitosa. Cabe entéo enaltecermos os trabalhos de Irméios histo- riadores como Octacilio Sobrinho e Joaquim da Silva Pires, que tomaram os devidos culdados metédicos que nossa histéria organizacional merece em seus relatos histéricos, De antemo, devo confessar que nao sou historiador, apesar de minha paixao por histéria Entretanto, enquanto pesquisador e professor uni- versitério, estou famillarizado com a realizaco de pesquisas, rigor metodolégico, leitura de periédicos Clentificos, desenvolvimento de estudos e publicacao de artigos. E como bom adepto da multidisciplinari- dade, que é 0 cerne do Centro de Estudos Avanga- dos Multidisciplinares da UnB, o qual abriga 0 nosso niicleo de pesquisas que, liderado pelo Professor Or, Carlos Marcos Batista, tem se dedicado a pesquisa Macénica, dentre outros temas e campos, dou-me @ liberdade de ultrapassar as antiquadas barreiras entre as ciéncias, como os pesquisadores da Escola de Frankfurt tém nos ensinada desde a década de 20 FHistria da Magonara Srastere para Adutos | 23, do século passado, Liberdade essa, que recomendo a todo pesquisador. ‘A intengSo, com “Histéria da Maconaria Bra- sileira para Adultos” é apresentar, sem as amarras da linguagem técnica e a rigidez do “politicamente correto” impostas na literatura académica, que muitas vezes impede a revelacao do ébvio ao leltor tecnicamente leigo, interessantes fatos historicos da ‘Magonaria brasileira, alguns deles estranhamente desconhecidos por muitos dos Irmaos brasileiros, de forma "nua e crua”, apresentando questionamentos onde cabem e colocando 0 “dedo na ferida” dos er- 0s, muitas vezes escondidos por frigels curativos literérios. E se no tem conto da carochinha, se nao tem omisso ou maquiagem, se a verdade & despida exposta, se ha cenas constrangedoras, e se tem “dedada na ferida", entdo no ¢ colsa pra crianca e adolescente, A classificagao Indicativa é alta, tarja preta, leitura recomendada apenas para adultos, ou seja, ndo recomendada para pessoas emocional- mente e/ou intelectuaimente Imaturas. Para se fazer isso, é preciso uma pitada de coragem. Acredito que néo era para ser assim, jé que 2 Maconaria brasileira se declara defensora das liberdades civil e intelectual, mas infelizmente 6. Isso porque, de certa forma, se desaprendeu a de- bater na Maconaria brasileira, atualmente formada principalmente por geracées de homens crescidos © educados em periodos ditatoriais, nos quais a educacdo civica era otima (e faz falta), mas o livre 24 | Kennyo tna Pensamento eo direito de expressé-lo publicamente no eram praticados. E 0 uso do cachimbo deixa a boca torta, Atualmente, 2 desculpa oficial para a morte do debate no meio magénico é a famigerada egrégora, Em nome dessa coisa abstrata e inexistente nos rituais magénicos, no se pode mais discutir con- celtos ¢ ideias em Lojas. Lamentavel, em especial ‘numa instituigéo que tem como um de seus objetivos combater a ignordncia, a intolerancia e 0 fanatismo (algo que, diferente da egrégora, consta em rituais). Fazer isso sem dialética 6 um tanto quanto dificil, para ndo se dizer impossivel Sempre achei engracado que o resultado de pesquisas possa ser considerado por alguns como polémico, enquanto crengas de que o Magom no pode cruzar as pernas ou os pés em Loja porque dé curto-circuito na energia espiritual ndo sejam. De qualquer forma, apés anos e anos publicando artigos &s vezes considerados “polémicos” em meu blog, 0 “No Esquadro”, e em revistas magénicas, repetindo essas “polémicas” em palestras em quase todos os Estados do Brasil, e "polemizando” ainda mais em livros como “Debatendo Tabus Macénicos”? (todos resultados de estudos e pescuisas), apeser de alguns ataques sofridos, estou aqui, um pouco escaldado, mas "vivinho da silva". Entdo vou me arriscar uma vez mais com este livro, na ainda existente, apesar stat, Kenpo, Dobtenso Taba Hoge. Lenin: ATROLI, 2046 Hiséria da Maconara Brasira para Adutos | 25, de diminuida, esperanca de incitar & pratica proibida do debate. Somente peco que, caso vocé tome as dores de alguma personalidade, loja ou obediéncia ‘mencionada em algum fato histérico relatado nesta obra, leve em consideracdo que meu compromisso & com a busca da verdade e, por essa razo, no osso omitir ou mudar fatos histéricos somente para te agradar. Espero que contente-se com o fato de que “passado é passado” e que a luz sobre esses fatos se faz necesséria para que nio cometamos os mesmos erros que nossos antecessores, pois esse é meu mais sincero desejo, Apresento nas préximas paginas um cruza- mento analitico das duas histérias, a do Brasil e a da Maconaria brasileira. © contetido principal foi desenvolvido em trés grandes capitulos, relativos aos trés séculos: século XIX, quando a Magonaria brasileira surgiu e rapidamente alcancou seu dpice politico social; século XX, quando a Maconaria so- freu duros golpes internos e externos, adormecendo (ou seria “desmaiando"?) politica e socialmente; e século XXI, quando se vé os primeiros sinais de um ossivel despertar da institulcao. Esse interessante comportamento historico se assemelha ao do prota- gonista de um conto do famoso escritor Fitzgerald, “O curioso caso de Benjamin Button”: como o per sonagem, @ Magonaria brasileira parece ter nascido ‘madura socialmente e foi “imaturando” e encolhendo sociaimente com 0 passar dos anos, até se tornar uma crianga social, mas senil em seu discurso, que esté dormindo agora e nao se sabe se acordaré, 26 | Kennyo ti E ao afirmar tais coisas, suplico a vocé, meu Irmfo, que, por favor, ndo me interprete mal. Eu amo a Maconaria. Nao dedicaria tantas horas do meu tempo livre (lé-se "madrugadas"), durante tantos anos de minha vida, se nao a amasse, Pense bem. Eu n&o teria investido tanto tempo, dinhelro, estu- do e energia nisso; escrito tantos posts, artigos ¢ livros; viajado tantas horas de carro, énibus e aviéo para ministrar palestras nos cantos mals variados; criado blog, revistas, cursos; ajudado a fundar ¢ instalar Lojas, Capitulos, Conselhos, Comanderias, Taberndculos; etc. Poderia ter convertido todo esse ‘tempo, recursos e dedicagao & familia, & vida aca- démica ou @ qualquer outra causa social que ndo fosse a magdnica. Entao, por que falo essas coisas, ‘sobre a Maconaria brasileira? € exatamente porque eu 2 amo! Aprendi a amé-la desde crianca, quando via meu avé vestindo seu terno para ir a Loja. Ele fol Iniciado em uma Loja do GOB-MG, na década de 60; seguits Athos Vieira em 73, quando do surgimento da COMAB, como membro do GOMG; e filiou-se & GLMMG na década de 90, para atender ao pedido de um amigo e Irmo, o entdo Gréo-mestre Celso Sérgio Ferreira, que pedira ajuda para criar uma Loja da GL- MMG na cidade de Unai. Seu nome € Aprigio Furtado de Oliveira Primo, mais conhecido pelo apelido de "Camarada”. 34 se passaram 90 anos de idade e 50 ‘anos de Maconaria, ¢ ele nunca distinguiu Irmaos por obediéncia, rito ou qualquer outro aspecto. Ele me ensinou que uma Loja boa néo é aquela que pratica 0 Fito X ou é jurisdicionada a obediéncia Y, e sim aquela istéra da Masonara Brastera para Adults | 27 que tem bons Irméos e faz um bom trabalho. E eu acredito piamente que sé teremos uma Maconaria brasileira realmente boa quando entendermos isso e ‘comecarmos, independente de ritos e obediéncias, a transformar os Irmaos de nossas Lojas em homens ainda melhores. E, como professor e Macam, entendo que © Unico caminho para essa transformacdo é por meio do conhecimento, da educagéo. E por isso, e somente por isso, que exponho tals fatos da forma mais simples e direta que encontro. Despertemos esse Benjamin Button, esse Frankenstein? que é a Maconaria brasileira, como um. filho adulto que acorda seu velho pai para que tome seu remédio e dé uma caminhada matinal. Gulemo-la pela mao nessa caminhade, com a atengdio de um es- Coteiro e o carinho da gratidao natural no amor filial E, como a um pai idoso que comeca a se esquecer das coisas, tenhamos a paciéncia de lembrar essa “crianga-senil" dos momentos pelos quals passou esses aproximadamente 200 anos, momentos bons também ruins! E, quem sabe, esse curioso caso do tenha sua segunda chance e, agora em corpo de crianga (soclalmente falando), nao possa despertar diferente e, daqui em diante, crescer naturalmente, oportunidade essa que nunca teve. Boa leitura! > ser coma o mens de Neko cen, a Henn ashes fl cana Srey seraa vette pir nls ante Wee ears ee Wo, amore edesannes sun fara = 28 | Keneyo small 1. SECULO XIX © século XIX fol o século das grandes transfor~ mages para o Brasil: de colénia a reino unido, de reino unido a império independente, e de império a Fepliblica. Tudo isso durante o século XIX, ocorrendo ainda, entre uma guinada politica e outra, revoltas regionals, abolicéo da escravatura, imigragiio em massa, criacdo das primeiras universidades, etc. Nada mal, depois de trezentos anos de relativa cal- maria colonial. ‘Somos a tinica nago de todo o continente ameri- ano que jé foi um verdadeiro Império. Somos 0 maior Pals em territério, populace e economia de toda a América Latina e Hemisférlo Sul do mundo, E tudo sso se deve aos fatos acorridos no sécula XIX, que também € 0 século do florescimento da Maconaria no Brasil. E qual a real particioaco da Maconaria nessas importantes transformagées brasileiras nesse periodo? Este capitulo & dedicado & resposta dessa pergunta, 1.1, Antes de 1822 1.1.1, A Maconaria Brasileira Surgiu na Bahia ou no Rio de Janeiro? A histéria que quase todos os historiadores itis do Maconaia Brasera para Aduitos 29 Masons brasileiros descreveram pode ser resumida da seguinte forma’: Em 1815, nove Macons funda- ram, no Rio de Janeiro, a Loja “Comércio e Artes”, @ Loja Primaz do Brasil. Apés um breve periodo de interrupgio, em 1822, a Loja contava com noventa © quatro membros, os quais dividiram-na em trés € fundaram 0 Grande Oriente do Brasil, Obediéncia Primaz do Brasil, Apesar dos esforcos de muitos autores Macons em negar tal fato (talvez, em alguns casos, por simples desconhecimento), 0 pioneirismo macénico brasileiro ocorreu no Nordeste, mals precisamente na Bahia, € no no Rio de Janeiro. A primeira ca- pital do Brasil também fol 0 berco da primeira Loja macénica: “Cavaleiros de Luz’, fundada em 1797, Nada mais justo. Se quase tudo no Brasil comecou na Bahia, por que a Maconaria seria diferente? Q historiador e Macom Francisco Borges de Barros‘, que foi diretor do Arquivo Piblico da Bahia e relatou Pela primeira vez a existéncia dessa Loja macénica, ainda deu conta de que a Loja “Cavaleiros de Luz" foi a chama principal da Conjuracéio Baiana. Nada mal para os nossos pioneiros. Barros (1928, p. 44-45) descreve qu Em princlpies de Julho de 1797 ancorava na Bahia @ Fragata franceza “La Preneuse” do comando de Monsieur Larcher, que havia sustentado um ‘combate com a corveta portuguesa Santo Antonio * Gaagns, ancico Bases, rds die Secoddes Sexes 1m 8M, ‘eae ovo Pb ta Bat, Saver” Ungrtes Shea Ss tees ot 30 | Keonya tai Folyphemo, de que ere comandante Manoel do Nascimento Costa, (...) ‘Naquelfafragata houve iniimeros entendimentos pelos homens mais esclarecidos da terra, # des ‘Sas confabulagées fizeram parte: José da Silva Lisboa, 0 Padre Francisco Agosti- nho Gomes, Cypriano Barata, Ignacio Bulcio, Francisco Muniz Barretto, professor em Minas do Rio de Contas, Domingos de Silva Lisboa, José Borges de Barros e 0 Tenente Hermégenes de Aguiar Pantoja, repreendido pelo Governador D. Fernando José de Portugal, por ter pretendido dar um jantar aos francezes, De Francisco Moniz Barreto hé uma parte inte- ressante do seu depoimento (vide Sedicdo de 1798-99. ~ Arch, Pubtico). (...) = Este 0 estado dos espiritos sequiosos de "Uber- dade, humanidade e igualdade, quando aos 14 de Juiho de 1797 Larcher e os brasileiros citados fundaram na poveacio da Barra a loja macénica "Cavalleiros da Luz”, ‘As primeiras sessées, anteriores & tundagio, fo~ ram feitas, como sempre foi permitido, @ bordo da Fragata. No Rio de Janeiro, a Magonaria teve inicio com @ fundagao da Loja Reuniao, em 1801, filiada ao Grande Oriente de Franga. Alexandre Mansur Barata® explica que esse proceso teve inicio com estudantes * eanarh, Avance Mansy £é carta cue a homers se canvencem asp woertica Go ave pus nora: eure gates “acaSacle ropes oS EnSiaesh ehdaae ) te SOLE Hise da Magonara Brass para Aduitos | 31 brasileiros em universidades na Europa, que inicia~ fam na Maconaria europeia e, ao retomarem ao Brasil, fundaram Lojas macénicas, principalmente no Rio de Janeiro, Minas Gerais, Bahia e Pemambuco, {5 quals "se transformaram em espacos de crescente efervescéncia magénica”. A partir dai, Laurentino Gomes® credita 8 Maconaria o pioneirismo na che- gada das ideias revolucionarias ao Brasil, apesar do isolamento e do atraso Impostos por Portugal. 4.1.2, Tradentes era Macom? Mas ndo podemos confundir “ploneirismo na chegada das idelas revolucionérias ao Brasil”, como disse Gomes, com “protagonismo nas revolucées no Brasil’, como quiseram alguns escritores Macon: Muito se tem falado e escrito sobre a suposta filiacao magOnica de Tiradentes, heréi da inconfidéncia mi heira e, apés a Proclamaco da Republica, exaltado 20 posto de heréi nacional. Muitos autores Macons, € até alguns no Macons, exaltaram Tiradentes como um Macom convicto e entusiasta em suas obras. E, seguindo esse movimento, surgiram muitas Lojas cujos nomes distintivos homenageiam o mértir: “Tiradentes’, “Alferes Tiradentes”, "Joaquim José da Silva Xavier", entre outras varlagdes. Joaquim Felicio dos Santos’ foi um desses * ONES, taventine, 1222: como ur haem sil, ue pecesa rte @ in ‘see nuco por deevo ohana Rese aengto ee con ak Say {oo pra dar traan bio deere! hese Rasisre SO ” BOE Sin fea Hens Dae Cameos Comare 32 | Kennyo tai autores, ao afirmar que “quando Tiradentes foi re~ movido da Bahia, trazia instrugdes secretas da Ma- onaria para os patriotas de Minas Gerais". Marcelo Linhares® também, ao escrever que “de Tiradentes se diz haver iniciado na Bahia, quando em seus primeiros tempos de vida profissional mascateou No elxo Minas-Bahia”. Nessa mesma linha ha Lima Junior, que relata que Tiradentes, “iniciado na Ma onaria, tomava parte nas reunides desta, no Rio de Janeiro e pregava suas doutrinas onde quer que se encontrasse”, Mas o prémio vai para o Irmo Tendrio de Albuquerque’, que ndo se contentou em afirmar que Tiradentes era Macom, declarando que este era 33° grau do rito Escocés Antigo e Aceito e fundador de diversas Lojas. A teoria magénica de Tiradentes levou @ um desdobramento de tamanha grandeza que chegou a impulsionar a teoria de que Tiradentes no morreu enforcado, tendo sido salvo por uma conspiracdo magénica que colocou um ladrao para morrer em seu lugar, Isidro de Gouveia, providenciando a fuga de Tiradentes para a Europa. Essa estéria até poderia se juntar aqueles contidas em "O Conde de Monte Cristo” e “Os Trés Mosqueteiros", de Alexandre Dumas (por sinal, umainnes, xreao. a Nana o 9 Quest Rlios do Seguin SRC Rect de Ae acne oe was Ger, 0 AIECGUERGUE Tes d Uberndores oe Andris, Sto Pau: © Mates, "SUD, cats ava Uns ae de Tadenes tm contests Fa ot ui, sos Raa be 88 Histria de Magonara Bresiera para Adults | 33 um de meus autores preferidos): os Magons mineiros, para salvar Tiradentes, propéem a outro prisioneiro, Isidro de Gouveia, também condenado & morte, que tome o lugar de Tiradentes na execucio publica, em troca do compromisso da Ma- onaria de sustentar e cuidar de sua familia Isidro, preocupado com © futuro de sua familia esem chances de salvar ova 1 Traders esquorenee 0 S@U proprio, acelta a ee proposta. E Tiradentes, entao solto, & posto em um navio rumo a Portugal, onde passa alguns anos, pelo menos até “a poeira abaixar’, incluindo nessas férias prolongadas, uma ida a Paris, com direlto a visita & Assemblela Nacional Francesa e assinatura no livro de visitas. ‘Obviamente que os historiadores especialistas ‘em inconfidéncia mineira rejeitam tal hipdtese, que no tem sustento de qualquer documentacao-ou mesmo forte indicio, construida fantasiosamente com base em relatos de pessoas que viram alguém parecido com Tiradentes na rua, assim como muitos ainda veem Elvis Presiey por ai... Mas muitos Macons gostam dessas estérias heroicas, quase hollywoo- 34 | Kenaye tema dianas, e provavelmente vo se segurar 20 menor resquicio de suspeita de provavel suposta possibili- dade remota de proximidade da verdade, Por sorte, alguns autores Macons se esforgaram ra tentativa de desmitificar tals afirmacées da vida magénica de Tiradentes. José Castellani (1993, p.25) fol um deles: Existem, todavia, autores, que, aproveltando um periodo nebuloso e de grande caréncia de registros histéricos, falam da existéncia de Lojas, rincipaimente na Bahia, nos meados do século XVII, 0 que, por falta de qualquer prova docu- ‘mental, é uma afirmacao téo temeréria quanto aquela dos que apontam os conjurados mineiros, principalmente 0 Tiradentes, camo Macons, sem que haja qualquer apolo histérico documenta! para tal afirmacdo. Outro foi Kurt Prober, que creditou a farsa principalmente a Tenério de Albuquerque, referin- do-se & afirmacao de Tiradentes ser Macom como uma fabula. Facamos um simples exercicio de deducao: ‘como se sabe, Tiradentes fol preso em 1789. Logi camente, sua Iniciago teria que ter acorrido antes disso, correto? Nao tendo recebide educacéo no exterior, sua iniciacdo, necessariamente, teria que ter ‘ocorrido no Brasil, correto? Considerando o simples fato de que a mais antiga Loja magénica no Brasil "= moaen cz Sec Mes Bos, deen eas Lissa dv Masonara Grate pera Altos [ 35 que se hd meno, pelo menos até os dias de hoje, fol fundada apenas em 1797, tal possibilidade tor- nase, simplesmente, impossivel."® € considerando que 0 rito Escocés Antigo e Aceito teve sua instala~ 40 em territério brasileiro apenas em 1832, outra Impossibilidade é de sua condigao de 33° grau, como quis Tenério, Nao me leve a mal. Sou minelro e tenho Tira- dentes como heréi e martir. E como Magom e grau 33, adoraria afirmar que tenho isso em comum com esse grande vulto. Mas os fatos falam por si. 1.1.3. A Primeira Obediéncla Mag6nica do Brasil (a Verdadeira “Primaz”) e a Primeira Proibicao da Maconaria no Pais Retornando nassos olhos ao Nordeste, mesmo com 0 desaparecimento daquela primeira Loja na Bahia, a “Cavaleiros da Luz’, com o passar dos anos a Magonaria foi se desenvolvendo em fértil solo baiano: ‘em 1802 surgiu a Loja "Virtude e Raziio” que, depois de um breve perfodo de adormecimento, foi reer- uida com o nome de "Virtude e Razdo Restaurada", la mesma época em que, também de seu espélio, surgiu a Loja “Humanidade”. € ainda no Nordeste, Adio demorou para que a luz macénica iluminasse, Por influéncia da Bahia, o Estado de Pernambuco. Sobre Pernambuco, é necessério aqui um WORAES Ma Traders, Map ines? Cl & gon, Yo 2, Minera 236 | Kennyo tema Comentério a parte. Apesar de multos escritores Macons assim desejarem, a “Aredpago de Itam- bé" nao era uma Loja macénica de fato. No século XVIII existiam dezenas de institulgées, sociedades secretas, criadas 20s moldes da Maconaria, multas vezes adotando simbolos iguais ou similares, ¢ até dividindo os graus em Aprendiz, Companheiro e Mes- tre aos moldes da Maconaria. Era uma verdadeira “coqueluche” de Ordens, Clubes e Associages, e ‘era muito comum os homens livres serem membros de duas ou mais dessas diferentes instituicBes, até mesmo no Brasil. Um exemplo disso é 0 "Apostolado", a qual José Bonifacio, Goncalves Ledo e D. Pedro I também faziam parte.** Ser inspireda na Maconaria no € 0 mesmo do que ser Loja macénica, e esse 6 © caso da “Areépago de Itambé", cujo tinico aspecto magOnico existente é a insisténcla de autores Magons em afirmar que se tratava de uma Loja magénica, sem qualquer fato, indicio ou simples argumento que sustente tal afirmacdo. Ora, é evidente que a Maconaria & a maior referéncia, quando nao a tinica, de qualquer profano quando sé trata de sociedades secretas. Para multos deles, toda sociedade secreta é uma “Maconaria’. Nés sabemos que néo. Assim, chamar a Areépago de Itambé de Loja magénica é um erro até aceltével da parte dos Profanos, mas 180 da nossa. Alguém pode argumentar que a Areépago de * GSI Cur 0 Fntvimo na Replies, SHo Bod: Compania Fos Histiria da Magonaro Brass pare Adults | 37 Itambé era sim uma Loja magénica, tanto que ela existe até hoje, lé em Itembé-PE. Na verdade, Ir- mos Macons se uniram na cidade de Itambé, em 1980 (mais de 200 anos depois), e fundaram uma loja, dando a ela o nome de "Aredpago de Itambé". Isso deve ser visto como uma homenagem endo pode, de maneira alguma, ser considerado um reer- guimento. Em primeiro lugar, porque no se pode em sequer comprovar que se tratava realmente de uma Loja macénica. E em segundo, porque ndo hé reerguimento, ou seja, reabertura de uma insti- tuigo sem que haja membros remanescentes dela 0 Se comprove uma linhagem de autoridade inin- terrupta. Ou seja, a instituigo morreu e qualquer coisa que surgiu é nova, néio podendo reivindicar uma antiguidade inexistente. Caso contrério, eu poderia muito bem viajar amanha para Salvador reerguer a Loja "Cavaleiros da Luz”, declarando a existéncia “desde 1797”. Mas ndo tenho esse direito. Ninguém tem. Sobre o Apostolado, Morel e Souza o conside- raram como um rival do Grande Oriente Brasilico, apesar de terem varios membros, principalmente liderangas, em camum. Essa visdo de rivalidade se deve, principalmente, pelo papel de Anténio Teles da Silva Caminha de Meneses, homem de confianca de Dom Pedro I e importante lider no Apostolado, que serviu como testemunha de acusacao contra membros do Grande Oriente Brasilico, em outubro de 1822, Sua acusacéo serviu de motivacdo (ou desculpa) para que Dom Pedro I, ento Gréo-mestre 38 | Kennye Ismail do Grande Oriente Brasilico, fechasse as portas da Obediéncia e, enquanto Imperador, voltasse a proibir © funcionamento de Lojas magénicas no Bras. Voltando a "verdadeira” Maconaria, em 1809, atendendo as intimeras Lojas que 4 existiam, fol fundado em Salvador 0 "Grande Oriente Brasileiro”, @ primeira Obediéncia Macénica brasileira.'> N50 era um "Grande Oriente da Bahia”, como os poucos historiadores Magons que o citam costumam se referir, pois era composto de, pelo menos, 09 Lo- Jas: 03 na Bahia, 04 em Pernambuco e 02 no Rio de Janeiro. Macons portugueses e Brasileiros, muitos Geles iniciados na Franca e Portugal, eram membros dessas Lojas. Tudo isso sels anos antes da fundacdo da "Comércio e Artes” € 13 anos antes da fundacdo do Grande Oriente Brasflico. Pernambuco, por con- tar com maior nimero de Lojas, ganhou, em 1816, uma Grande Loja Provincial filiada a esse “Grande Oriente Brasileiro” Interessante observar que mais uma vez a Maconaria se fez presente na histérla: um dos res- Ponsdveis pela formacao do Grande Oriente Brasi- leiro e tido como primeira Grao-mestre da Grande Loja Provincial de Pernambuco, Anténio Carlos de Andrada, fol o lider da Revolugao Pernambucana, em 1817, Prova malor do papel decisério da Maconaria ho movimento pernambucano é a lei régia de 1818, " Moms, rac SOUZA, Frangse Jan de Chern Poder da Heese: Ist de uma sede sezea no Bran. Re de an Nast orton, Histira ds Maconara Baste para Adutos | 39 Proibindo sociedades secretas no Brasil (a primeira proibicéo).'* Destaco aqui o fato de Que Anténio Carlos de Andrada foi posterior- mente um dos fundado- res do Grande Oriente Brasiico, em 1822. Be ‘Antes que alguém Foie 3 sina cree e Andny tenite justificar a cons ne So tante omissao de tais fatos nas "versées off- cialis” da Maconaria brasileira pelo fato dessas lojas € obediéncia n&o terem sido regulares, é importante observar que até mesmo a histérica Loja “Comércio e Artes’ foi fundada sem Carta Constitutiva, em 1815, e trabalhou de forma irregular até 1818, quando fol fechada..” Somente quando de seu reerguimento, em 1821, a "Comércio e Artes” foi filiada a0 Grande Oriente Lusitano. O importante, em verdade, é esclarecer que, antes de fundada uma Loja situacionista (Comércio ¢ Artes), a qual deu origem & obediéncla que colaborou pare a independéncia sob a manutencéo do Impe- rlalismo no Brasil (Grande Oriente Brasilico), houve ‘expan due pee tects ets police Sacashdsds ae a isO2i) Aen Va 2 Ne tea Tieéea de Sande i bbl’ ASHMAN 2, feb tone, pase 40 | Kennyo tsmail vérias outras Lojas e até obediéncias oposicionistas, muitos de seus membros morreram ou sofreram duras penas defendendo os principios magénicos de liberdade e democracia. € a Maconaria brasileira de hoje tem o dever moral de honrar essa histéria. 1.2, De 1822 a 1832 Ap6s 0 sucesso da Revolucao do Porto, em 1820, a Maconaria brasileira tratou de retornar 05 trabalhos e se reorganizar politicamente, al- cancando seu dpice em 1822. Em junho daquele ‘ano, um grupo de noventa e quatro Macons da Loja “Comércio Artes”, no Rio de Janeiro, tomou @ iniciativa de ultrapassar as fronteiras regionais da influéncia magénica, institucionalizando-a em &mbito nacional, fundando assim 0 Grande Orlente Brasilico, cujo intuito era o de promover a indepen- d&ncia do Brasil. A iniciativa alcancou a Influéncia desejada, Inclusive promovendo a iniciacgo de Dom Pedro 1, que chegou a ser eleito Gro Mestre. Sobre as acdes da Maconaria brasileira em 1822, Laurentino Gomes relata que: ‘Nas Lojas macénicas foram estudadas, oiscutidas © aprovadas varias decisées importantes, como (© manifesto que resultou no Dia do Fico, 9 de Janeiro de 1822, 2 convocagio da constituinte, 95 detathes da aclamacio de D. Pedro como defensor perpétuo do Brasil e, nalmente, como Imperador, no dia 12 de outubro (1822, GOMES, 2010, p. 238), Histirla da Magonara Brasire para Aduitos [1 38 sobre © papel da Maconaria na indepen- déncia do Brasil, 0 historiador Octavio Tarquinio de Sousa deciarou que “imensa fal a contribuicéo da Maconaria para o movimento da Independéncia”, Em uma obra anterior, Sousa havia explicitado sua compreenséo do papel da Maconaria: Essa atividade encoberta, esses juramentos em ssegredo deixam fora de dvida como @ indepen déncia fé estava decidida alguns meses antes de Setembro de 1822 e como principe se dera sem reservas & causa brasileira (A Vida de D. Pedro I= Vol. 2, Octavio Terquinio Sousa, p. 17). Muito se escreveu também quanto a histérica reunido magénica, presidida por Goncalves Ledo, na qual ter-se-la, supostamente, decidide a Indepen- GEncla do Brasil. A confuséo deveu-se, principal- mente, pelos diferentes calendarios adotados pelos diversos ritos macénicos praticados no Brasil Muniz Barreto: um herdi quase andnimo Domingos Alves Branco Muniz Barreto é um dequeles heréis desconhecidos, mas que tern re- cebido a justa atencéo de iniimeras historladores ‘os titimos anos, Como intelectual, durante o final do século XVIIL inicio do XIX, colaborou com estudos ¢ Publicagdes sobre as riquezas natureis brasilel fas € suas potencialidades, como, por exemplo, indicando formas de explorar a madeira das te- Ges litorsneas sem desmatar demasiademente, Dedicava-se principalmente a Idela de pragresso econémico equilibrado preservacao natural. Pode, pertanto, ser considerado o primeiro grande ambientalista do pats. ‘Como Macom, compunha 0 grupo de Gon- salves Ledo no Grande Oriente Brasilico, em contraposicéo ao de José Bonifacio, E sua malor colaboracao fol a de definir o nova modelo de governo quando da independéncia, Enquanto a tendéncla era, logicarmente, deciarar Dom Pedro I coma rei, em reuni&o do Grande Oriente Bra- silico, Muniz Barreto sugeriu que o Brasil fosse considerado um império e, por tal razso, Dom’ Pedro I recebesse 0 titulo de imperacior No entanto, apesar de sua colaboracao intelectual 4 causa da independéncia, na devas- ‘sa contra a Maconaria, ocorrida em outubro de. 1822, Muniz Barreto foi um dos presos politicos. E mesmo apés ser solto ¢ a Maconaria perma- necer proibida (de 1822 3 1831), Muniz Barreto publicou manifestos de defesa da Ordem contra as Publlcagdes antimacénicas que surglamna época, 20 contrario dos diversos "lideres” Macons, que ‘optaram pelo siléncio. Um dos pontos mais questionados na literatura mac6nica brasileira sobre o tema esté relacionado ao Dia do Macom, 20 de agosto, Essa data entrou para 0 calendério magénico brasileiro por conta de proposta apresentada em 1957 na CMSB ~ Confederacio da Magonaria Simbélica do Brasil, que congrega as 27 Hisiria da Mogonara rasta pare Aduitos | 43 Grandes Lojas Estaduais brasileiras, proposta que, -8p65 0 fim da ditacura militar e impulsionada pelas leis estaduais que haviam sido sancionadas, foi posterior- ‘mente apresentada no Congresso Nacional, em 2010. Vé-se a seguir a evolucio da oficializacio da data em nivel estadual, que somente teve comeco no inicio da década de 80, quando a ditadura militar iniciou um processo de “desarrocho", rumo & lenta e gradativa redemocratizagio do pals: ‘S80 Paulo [Lei N° 3.889 de 26 de outubro de 1983]; Rio de Janeiro [Lei N° 732 de 16 de mio de 1984]; Mato Grosso [Lei NO 5.855 de 4 de novembro de 1991]; Bahia [Lei N° 6.563 de 7 de janeiro de 1994]; Minas Gerais [Lei N° 12.063 de 9 de janeiro de 1996]; Acre [Lei N° 1.250 de 22 de dezembro de 1997]; Maranhdo [Lel N° 7.438 de 19 de agosto de 1999]; Rio Grande do Norte [Lei N° 7.812 de 30 de marco de 2000); Pernambuco [Lei N° 11.967 de 24 de abril de 2001); Santa Catarina [Lei N® 13.461 de 6 de setembro de 2005]; + Paraiba (Lei N° 8.796 de 6 de maio de 2009); + Mato Grosso do Sul [Lei N° 3.766 de 4 de novem- bro de 2009]; + Parana [Lei N° 17.163 de 16 de maio de 2012] (© que poucos saber e ninguém menciona é ‘que, apesar do sucesso na oficializagao da data em varios estados e da costumeira comemoracéo anual ‘no Congreso Nacional, 0 projeto de lei federal que Institui 0 Dia Nacional do Magom nunca fol aprovado 4 | Kennyo tsi ©, por sso, a data no consta no calendério das ‘efemérides nacionals. No calendério da biblioteca digital da Camara dos Deputados, o dia 20 de agosto 6 apenas 0 “Dia do Vizinho"! 0 projeto de lei 7810/2010 foi apresentado pelo Deputado Federal Mario Negromonte, instituindo o Dia Nacional do Magom. No entanto, o relator da Comisso de Educagdo e Cultura, Deputado Federal Gasto Vieira, apresentou parecer contrario, consi- lerando que as normas existentes para a instituigdo de datas comemorativas no foram observadas ¢, principalmente, porque a escolha da data néo havia sido devidamente justificada. Mal sabia o relator que essa data, de 20 de agosto, ¢ simplesmente injus- tificdvel. 0 projeto foi, entéo, arquivado, ‘A razdo de a Maconaria ter escolhido o dia 20 ce agosto é por conta de ata de reunigo do entéo Grande Oriente Brasilico, datada do "20° dia do 6° Més da Verdadelra Luz”. Nessa reunido, presidida por Goncalves Ledo, os Macons presentes teriam apro- vado a Independéncia do Brasil, sobre a qual Dom Pedro seria Informado e deveria aderir, tornando-se Imperador, ou voltar para Portugal. Porém, José Castellani defendeu em suas obras “Os Magons e a Independéncia do Brasil"!* “Do Pé dos Arquivos" que 0 20° dia do 6° més da Verdadelra Luz nao foi dia 20 de agosto de 1822, ‘ CASTELLANL Jot, Magoo n inaopendic Brash Lend: ATAOLNA otis de MagonariaBrasera para Aduitos | a5 erro histérico esse atri- buido ao Bardo do Rio Branco, Castellant indica como data correta o dia 9 de setembro, ou seja, Posterior ao Grito de Independéncia. Fato & que em 1822 houve uma reu- nigo macénica, presidi- a por Goncalves Ledo, na qual 2 Maconaria Posicionou-se a favor da Independencia do Brasil. Qual fol o dia dessa reu- nio? Teria sido antes de 7 de setembro, ¢ esse ato teria influenciado direta ou indiretamente a aco de D. Pedro, as margens do Rio Ipiranga? Ou teria sido depois de 7 de setembro, em nada Influenciando o ato do Grito de Independéncia, em particular? A ata dessa histérica reunido apenas informa que fol no 20° dia do 6° més do ano de 5822. Para desvendar esse mistério, faz-se necessdrio compreender os calendarios magénicos adotados época: Um arcebispo anglicano irlandés, James Us- sher, realizou uma série de célculos no século XVIT € determinou que, conforme a Biblia, o mundo teve origem no ano de 4004 a.C.® Seu cdlculo dava até Fuca 3 Gone edo * WAR), Wyte Wa Vs Creatas n 4006 BE: cbse Unser ae Be Sirol ole ev darn Ryans Unio oie ne TSO 46 | Kennyo tsa hora e data de alguns acontecimentos biblicos. Qua- se cem anos depois, James Anderson, acreditando que a Maconaria deveria marcar os dias de forma prépria, diferente dos calendairios adotados e ligados a religiées, criou o primeiro Calendario Macénico. © Calendério de Anderson arredondava a criago do mundo para 4000 a.C,, ento © ano macénico Passava a ser a soma do ano comum e 4000 e era chamado de Anno Lucis.** Creio que Anderson teve duas motivagfes ao escolher 4000 a.C.: uma seria diferenciar do arce- bispo Ussher, dando vida prépria ao calendario ma- énico; outra seria facilitar a vide dos secretdrios no célculo, evitando assim possiveis erros. No caso da Franca, pionelra da Magonaria latina, adotou-se o sistema de anos de Anderson, com certo “plus” (ou complicagao). No rito Francs ou Moderno, © primeira dia do ano foi tido como 1° de marco eos meses passaram a ser contados pelo numero ordi nal.22 Assim, o dia 24 de junho de 1717 na Maconaria, por exemplo, passava a ser 24° dia do 4° més de 5717 da Verdadeira Luz. A Maconaria francesa ser- viu de modelo quando do surgimento da Maconaria em Portugal e no Brasil, as quails herdaram dela 0 nome “Grande Oriente", além dos ritos, modelo de constituicSo e outras caracteristicas. Considerando © calendario magdnico francés (rite Moderno), 0 20° * HEOOEA. A Ae La a Hs Qtr Coron endo: Gar stra 6a Magontria Brsiera para Adutos | 47 dia do 6° més de 5822 é exatamente o dia 20 de agosto de 1822. E como se sabe, 0 Grande Oriente Brasilico fol fundado no rito Moderno. Nesse caso, @ CMSB ~ Confederacao da Maconaria Simbélica do Brasil - estaria certa. Mas na Franca também houve um costume de muitos Altos Corpos e até Lojas Simbélicas manterem © acréscimo de 4.000 no ano, sugerido por Anderson, mas usarem os dias e meses conforme o calendério Judaico. Isso se deveu a influéncia da cultura judal- a Nos rituals € ritos macénicos, além da relevante bresenca de judeus na Maconaria. Tal costume pode Ser visto até hoje em muitas obediéncias, em que © calendério judaico, incluindo os nomes dos meses em hebraico transliterado (Nissan, Elul etc.), é usado em certificados. Considerando esse calendatio ju- dalco-magénico, 0 20° dia do 6° més de 5822 (ano ‘ma¢6nico) seria o dia 6 de setembro de 1822, E ha também 0 chamado no Brasil de Calen- dério Macénico Gregoriano, defendide por Castellan] Como o sistema utilizado nas primeiras atas mac6ni- £as brasileiras, que fixa 0 Equinécio Vernal no dia 21 de marco, 0 qual passa a sero 19 dia do ano Considerando esse calendario, 0 20° dia do 6° més de 5822 seria 0 dia 9 de setembro de 1822. Ateoria de 9 de setembro, defendida por Cas- tellani, em minha opiniao Inicial, antes de um estudo mais cuidadoso, esbarrava em algumas questdes. 0 calendério com inicio em 21 de marso é tido como um calendario historicamente adotado pelo rito Adoni Famita, rito esse no qual a Loja "Comércio e Artes” 48 | Kennye tal teria trabalhado inicialmente e, por isso, defendido Por Castelianl. Porém, os registros indicam que em, 1822 as trés Lojas fundadoras do Grande Oriente Brasilico jé trabalhavam no rito Moderna, oficial no Grande Oriente da Franca e no Grande Oriente Lusi- tano, como 0 préprio Castellani também evidenciou em sua obra "Fragmentos da Pedra Bruta" Havia ento certa contradicSo. Outro ponto interessante & que 0 Calendario Mac6nico Gregoriano, com inicio em 21 de marco, foi abolido pelo Grande Oriente da Franca ainda em 12/10/1974, 0 que levava & conclu- do de que 0 Grande Oriente Lusitano nunca chegou @ adoté-lo. Se, em 1822, a Franca e Portugal no mais 0 utilizavem, 0 qual estava em desuso desde 1774, por que © Brasil o teria usado em 1822? Considerando 0 formato utilizado a0 datar a ata da referida reunidio, minha conclusio inicial era de que se tratava do calendério magénico usual no sistema francés e portugués da época, ou seja, a reunido teria mesmo ocorrido no dia 20 de agosto de 1822, com tempo de sobra para que a noticia tenha Corrido entre os lideres populares e intelectuais da poca, a ponto de provavelmente influenciar José Bonifacio e Dona Leopoldina no teor de suas cartas, que alcancaram D. Pedro no dia 7 de setembro de 1822, motivando-o a bradar o histérico Grito de Independéncia, Até ai, cabia 0 justo questionamento sobre o tema, Porém, ao se analisar a ata de fundagdo do ‘CASTELLAM, 3. ragments oo Pear Bee Lorine: A TROLMA, 2009. Histérla da Magonara Basia para Adutos | 49 Grande Oriente Brasilico, transcrita, dentre outras publicagées, na revista “Astréa", edic&o de abril de 1928,* constata-se que a teoria de Castellani esta correta. A ata registra a fundacao do Grande Oriente Brasilico “aos 28 dias do 3° mez do anno da Verda- delra Luz de 5.822", Sabe-se que o Grande Oriente Brasilico foi fundado no dia 17 de junho de 1822, pré- ximo ao dia de Sao Joo Batista, como de costume. Um cdlculo simples comprova 0 uso do Calendario Magénico Gregoriano, conforme Castellani defendia, Fato € que, por conta da precariedade da co- municacéo na época, que seguia literelmente “a cavalo”, enquanto os Macons cariocas defendiam a independéncia entre colunas, realmente ja havia passado dois dias do grito de independéncia de D. Pedra I. Porém, deve-se levar em considerago que, apesar da referida reuniao no ter tido participacso direta no ato de independéncia em si, ela teve sua importancia nos momentos seguintes, decisivos para © sucesso do Brasil como pals independente. Quando da chegada ao Rio, D. Pedro sabia que estava as- sumindo um Brasil em que 90% da populacso era analfabeta, parte da elite intelectual era republicana, com rivalidade entre provincias, a beira da faléncia, sem exércite, marinha, armas e munigées. O apoio dos Irm&os Macons, muitos com certa influéncia ‘nas principais provincias, e num momento de tanta fragilidade politica e de perigo iminente, fol, sem 50 | Kennyo tsmail diivida alguma, de suma importéncia para o novo Imperador. Pelo menos, inicialmente. Todavia, a partici- aco magénica nesse processo de indepen- déncia nao ficou restrita 20 Rio de Janeiro. De- ve-se registrar também que os Macons paulista- nos foram os primeiros a aclamar publicamente ‘novo Imperador, ainda naquela noite de 7 de setembro de 1822," no teatro da cidade, fato esse muitas vezes es- quecido ou ignorado pela literatura macénica. De qualquer forma, ¢ importante ressaltar que a andlise dos registros acerca da participacéo ma- génica na Independéncia do Brasil evidencia que tal participaco "no foi apenas gloriosa, mas visceral- mente humanizada, com suas grandezas, ousadias, fraquezas, contradigées, traigBes e violéncias”.* Enfim, que bom que funcionou. pds os festejos de independéncia, o entao Grdo-mestre do Grande Oriente Brasilico, Imperador aura 4. Dom Peto (54, 1830) istéria da Moponaria Brasilia pare Adulos | $1 D. Pedro I, optou por fechar a abediéncia em 25 de ‘outubro do mesmo ano, apenas quatro meses apés sua fundagio, Depois de quase dez anos sem uma obediéncia magénica em funcionamento no Brasil, quando da abdicagao de Dom Pedro I ao trono e seu exilio na Europa, em abril de 1831, Magons do Rio de Janeiro optaram por fundar uma nova obediéncia, o Grande Oriente Brasileiro, 0 que foi concretizado em 24 de Junho de 1831 e tendo como Gréo-mestre o Senador Vergueiro. Alguns Macons oriundos do extinto Grande Oriente Brasflico, revoltades por terem ficado de fora da fundagao dessa nova Obediéncia, entao promove- ram 0 “reerguimento” dele, em 23 de novembro do mesmo ano, ou seja, cinco meses depois. 0 Grande Oriente Brasileiro entao publicou uma carta-dentincia contra 0 Grande Oriente Brasi co. Entre as acusagées, © Grande Oriente Bra- sileiro apontava como irregularidace no reer- guimento do Grande Oriente Brasilico 0 fato ter sido reerguido com José Bonifécio como Grao-mestre, tido na €poca como inimigo da Magonaria por conta de, Towns aboonricoceaaaae entre outras coisas, & 2 criacdo do Apostolado, e 52 | Kennyo tsmait no Dom Pedro I, 0 tiltimo Grdo-mestre, ou seu su- cessor legal. Entre as Lojas que apolavam a dentincia, estavam a prépria “Comérclo e Artes", embrigo do primeiro Grande Oriente Brasilico, e a Loja “Educacio Moral”, de Goncalves Ledo, ambas no Grande Oriente do Senador Vergueiro.”” A rivalidade entre os dois Grandes Orientes durou até 18 de janeiro de 1883, quando da fusio deles, sob forte presslo da Maconaria de Portugal. Era para ter sido uma dizia de anos antes, mas a vaidade néo deixava. ‘Ao seguir esse raclocinio legalista, de que um reerguimento somente pode ser realizado quando promovido pela maioria daqueles membros de quan- do de seu adormecimento/fechamento, ou pelo seu Ultimo dirigente geral ou legitimo sucessor, dé-se total razéo ao Senador Vergueiro e seu Grande Orien- te Brasileiro: Dom Pedro I fora eleito Grdo-mestre ‘em detrimento de José Bonifacio, que correu para o Apostolado e traiu o Grande Oriente Brasilico. Portan- to, questiona-se se Bonifacio tinha condicdes legais morais para “reabrir” o Grande Oriente Brastlico em 1831, 0 que significa que seria uma nova obediéncia, apenas homénima aquela de 1822. Nesse caso, estritamente legalista, aquele Grande Oriente Brasilico, fundado em 1822, que contou com a lideranca de Gongalves Ledo, que ini- ciou e tornou Dom Pedro I seu Grao-mestre, morreu * gameno cara to ae. Rose Ate Estos Hans. Mani ee ek asa oe a lista da Magonara Basia para Adultos | 53

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