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Watson e Nascimento do Behaviorismo
Lucelmo Lacerda

Na história da humanidade, na grande maior parte do tempo, as pessoas


compreenderam a realidade como parte de um mundo muito maior, que
compreendia uma realidade não natural, sobrenatural, seja habitada pelos
espíritos das coisas, que eram entendidas como animadas, o chamado
animismo, seja como um campo em que divindades, seres maiores, mais
poderosos e etéreos, reinavam sobre o mundo natural.
As divindades primeiras eram caprichosas, cheias de vontades, como
Zeus, a principal divindade do panteão grego, cujo gosto por mulheres lhe era
característico e cujas vontades tinham que ser atendidas, sob risco de grave
vingança, que poderia incluir relâmpagos e dilúvios.
Posteriormente, surgiram e se expandiram as religiões monoteístas que
se baseavam em uma divindade que se fundamentava na dualidade entre bem
e mal, advinda do zoroastrismo e aprofundada no cristianismo, em que a
divindade se confundia completamente com o bem, a bondade, enquanto seu
oposto era a maldade. A inimizade com Deus não era mais simplesmente a não
obediência a suas vontades, mas a adesão ao mal (muita atenção com o lado
sombrio da força, padawans), as novas divindades aderiam ao referencial da
ética, iniciando o processo que foi chamado de Desencantamento do Mundo.
Este processo de eticização da religião foi lhe extraindo o caráter mágico
de explicação dos fenômenos da realidade como meras repercussões das
vontades caprichosas dos deuses e tornou-se progressivamente mais difícil
explicar uma praga como fruto da ira de Deus, uma boa colheita como o bom
humor divido ou quaisquer destas variações nos campos físicos, criando o
contexto que surgiu e se desenvolveu o racionalismo.
A Ciência surge com a tentativa de criar um processo de produção de
conhecimento que seja capaz de oferecer predição dos fenômenos, isto é, que
conheçamos tão bem a realidade que, de acordo com certas informações,
possamos saber o que irá acontecer em certas circunstâncias.
No século XIX, as pessoas passaram a encarar de maneira diferente a
realidade, a herança do Renascimento e do Iluminismo culminou em uma busca
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por utilizar a razão como mecanismo para conhecer a realidade, para que
fôssemos capazes de descrever as coisas do mundo real de tal modo que nos
possibilitasse atuar sobre este mundo de modo efetivo.
Não que tenha havido qualquer revolta contra o pensamento religioso ou
contra a religião organizada, mas explicar o mundo através da vontade divina
tornou-se algo progressivamente menos aceitável, dando lugar à razão, como
base para a busca do conhecimento do mundo. O advento do racionalismo nos
instigou a procurar formas cada vez mais efetivas de conhecermos a realidade,
culminando com o surgimento da ciência, tempos depois, com o advento da
Física, com a Química tragando e deglutindo a herança alquimista assim como
a Astronomia a herança da astrologia, o que foi (e é ainda, infelizmente) muito
mais complicado naqueles domínios que envolvem a compreensão dos seres
humanos.
Foi neste contexto do fim do século XIX e começo do século XX que
surgiram diversas propostas filosóficas que vão culminar com o surgimento do
Behaviorismo, na década de 1910, sob a liderança de John B. Watson, nos
Estados Unidos, um dos principais centros nervosos do desenvolvimento
científico no mundo.
A ciência é um conhecimento sobre a realidade que se baseia na
racionalidade, mas como podemos definir quais são os melhores métodos de
pesquisa? Qual é a natureza do conhecimento científico? Como devemos
produzir ciência?
Todas estas questões são muito relevantes e podem parecerem menores
porque há já séculos de avanço que nos propiciaram um conhecimento científico
que se traduziu e se traduz cotidianamente em tecnologia altamente eficaz, que
afeta a todas as pessoas e demonstra o poder deste conhecimento, mas esta
construção não foi simples, ela passou por diversos estágios importantíssimos e
continua a passar todos os dias.
O campo que estuda como reconhecemos algo como um conhecimento
científico ou não, qual é a natureza do conhecimento científico, se ele é
verdadeiro, quase verdadeiro ou não verdadeiro, se ele representa ou é a
realidade, é um ramo da Filosofia chamado de Epistemologia, que criou o cenário

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crítico do surgimento do Behaviorismo, em 1913, mas também se transformou
profundamente desde então.
Watson, como todo grande pensador, foi um homem de seu tempo, uma
pessoa que foi capaz de estudar o que havia de conhecimento até então e
formular uma síntese, que é o Behaviorismo (que podemos chamar também de
comportamentalismo).
As fontes que possuem maior influência no pensamento de Watson são:
1. O objetivismo de Comte;
2. O Funcionalismo;
3. A Psicologia Animal.

A primeira grande proposta filosófica que nos interessa é o Positivismo


(importante lembrar que a versão contemporânea do Behaviorismo, o Radical,
não parte dos mesmos pressupostos), elaborado por Augusto Comte, que
defendeu o que chamou de Lei dos 3 Estados, a ideia de que o conhecimento
sobre as coisas seguia um processo em que explicávamos as coisas
primeiramente através da religião, encontrando causas sobrenaturais para o
funcionamento do mundo, depois este conhecimento caminhava para o estado
metafísico, em que se supunha a existência de forças acima da natureza, não
físicas e a terceira fase seria a fase científica, em que o mundo seria tomado
pelo que é, um fenômeno natural em todas as suas dimensões e aspectos.
O Positivismo entendia que estes três estados era o processo natural pelo
qual tudo passava, inclusive a Psicologia, que começara também com a
compreensão das alterações entre as formas de ser como reflexos dos espíritos
e forças sobrenaturais, passando pela metafísica e chegando, por fim, em algum
tempo, em alguma visão científica sobre os seres humanos.
Para o Positivismo, a “natureza” que o cientista desejava conhecer era
real, independentemente de nós a observarmos, a conhecermos, ou não, ela
existe e os cientistas nada mais fazem do que descrever esta realidade, que
continha em si todo o seu conhecimento. Ou seja, o cientista era um agente
descritivo, era alguém que registrava, em uma língua, os códigos da realidade.
Ocorre que nesta perspectiva, o grande desafio é conter as próprias
opiniões e tendências, o cientista tinha a si mesmo como inimigo, o que ele
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precisava gravemente combater, lutar dia após dia, era contra qualquer
perversão do conhecimento da realidade. O cientista deveria ser um observador
completamente neutro.
A ideia de que a ciência pode ser um produto asséptico da relação entre
o observador da realidade, que é o cientista, e seu objeto de estudo, a natureza,
já foi completamente superada. Hoje é aceito, de modo consensual, que a
ciência é um conhecimento formulado pelo cientista, que não há nenhuma forma
de se esquivar de sua própria cultura, sua própria língua, suas convicções.
Embora o cientista possa e deva trabalhar para que seja mais objetivo e
que o conhecimento que produz tenha mais capacidade de prever e controlar
fenômenos, não há como separar o conhecimento científico de seus
proponentes. Como diria Skinner, a ciência é o comportamento verbal do
cientista e o comportamento verbal é controlado pelas variáveis do contexto, de
modo que o conhecimento científico é igualmente produto das variáveis que
constroem o cientista, tal como ele o é.
Dentro desta perspectiva positivismo dominante no século XIX é que
nasce o objetivismo psicológico, que propunha trazer uma perspectiva objetiva,
neutra, também para o campo da Psicologia, que até então se dedicava a
estudar a consciência como objeto de pesquisa, o que obviamente não é uma
coisa objetiva, mensurável, tangível ou mesmo diretamente acessível. O método
fundamental da Psicologia da época era o instrospeccionismo, em que os
indivíduos eram inquiridos sobre o que pensavam, sentiam e acreditavam e estes
relatos eram tomados como um produto da observação desta consciência pelo
sujeito que relata. A forma de realizar a interpretação destes relatos também era
assistemática e subjetiva, fazendo com que o discurso objetivista na Psicologia
se opusesse gravemente à corrente dominante que se agarrava à introspecção
ainda na virada de século.
Watson, por vezes, admitiu que era possível inquirir as pessoas de
algumas formas específicas e sobre determinados temas, de modo que aquilo
que elas dissessem poderia ser tomado como um relato fiel do que ele pensava
e/ou sentia, proposição pela qual foi atacado por parte de seus parceiros,
acusado de banir o introspeccionismo por uma porta e admiti-la pela porta de
trás. Noutras vezes, no entanto, refutou de modo incisivo a utilização de relatos
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como fonte do trabalho psicológico, demonstrando uma certa fluidez com que
também se comportou em relação à influência da genética no comportamento
humano e de vários outros temas, o que pode ser um comportamento importante
de quem abre uma picada como o behaviorismo na Psicologia, demonstrando
flexibilidade e mudança ao longo do caminho, com o aparecimento de novas
evidências e perspectivas.
Mas não era somente o objetivismo psicológico a única corrente a
influenciar o surgimento do Behaviorismo, também cumpriram um papel especial
neste processo o fortalecimento da Psicologia Animal e do Funcionalismo.
Desde que Charles Darwin propôs a Teoria da Evolução, o mundo tem
estado em alvoroço com diversos aspectos daquela proposição, mas talvez a
mais perturbadora era a noção de que o mundo estava habitado por diversos
animais e entre eles, os seres humanos, que não seriam algo fora da natureza,
mas parte dela, que esta não seria uma criatura à parte, mas fruto do mesmo
processo de seleção das espécies que fez a todos evoluir desde as primeiras
estruturas ridiculamente simples, até o conjunto integral dos seres vivos
existentes, a baleia, a aranha, o pinguim, a galinha, a barata e, claro, os seres
humanos.
É claro que esta perspectiva provocou violenta reação daqueles que
defendem o “caráter especial” dos seres humanos, feitos à imagem de Deus e
portadores de aspectos essenciais não naturais, na verdade para muito além da
natureza. E como não poderia deixar de ser, os defensores de Darwin e da
Teoria da Evolução também foram às armas por suas posições e
desencadearam um imenso programa de pesquisa para submeter a perspectiva
darwinista (e seu oposto) a rigoroso escrutínio. Tarefa alcançada muitos anos
depois e incorporada da noção de genética na esteira de Mandel e tantos outros
que o sucederam.
Um dos eixos centrais para a demonstração empírica da teoria
evolucionista de Darwin era o estudo da continuidade entre os diversos animais,
contendo os seres humanos como parte. Provavelmente a mais especial
característica dos seres humanos seria sua experiência enquanto ser, sua
psicologia, sua “subjetividade”, de modo que isso os separava, supostamente,
da natureza. Construir uma psicologia animal que demonstrasse uma espécie de
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continuidade entre os animais não-humanos e os animais humanos era central
dentro deste projeto cético e assim se fortaleceu enormemente este campo de
pesquisa, no qual se inserem figuras como Thorndike e Pavlov, que tiveram
decisiva influência sobre o próprio Skinner, Loeb e inclusive o próprio Watson,
que se dedicou extensivamente à pesquisa com animais.
As pesquisas com animais se consolidaram e passaram desde a tradição
do Behaviorismo de Watson para o Behaviorismo Radical, sendo um excelente
recurso de produção de conhecimento com maior controle de variáveis,
preocupações éticas menos centrais e uma simplicidade do comportamento que
torna mais fácil as observações e experimentação. As primeiras décadas do
Behaviorismo Radical também foram dedicadas extensivamente à pesquisa com
animais, retirando, no entanto, o caráter antropormofizante que a pesquisa
científica possuía neste período anterior.
“Quais são os elementos de nossa Psiquê?” Se perguntavam diversos
sujeitos que estavam embrenhados no desafio da Psicologia humana. Esta foi,
por exemplo, uma pergunta feita por Freud e pelos estruturalistas. Mas nem
todos estavam realmente interessados nisso, havia quem acreditasse que sair
em busca de que elementos constituem a psicologia humana era um
enquadramento inadequado para o estudo da Psicologia, que não era a estrutura
psíquica, psicológica, mental ou qualquer outro nome que se possa dar a estes
elementos que interessava, mas o processo de existir no mundo. Esta forma de
abordar o fenômeno psicológico constituiu o movimento chamado de
Funcionalismo, que exerceu enorme influência sobre Watson e o Behaviorismo
de modo geral.
O Funcionalismo se dedicava aos processos em que o indivíduo existia,
se opondo ao estruturalismo, que buscava as estruturas psíquicas da Psicologia
humana. Segundo Schultz & Schultz, William James, um dos mais importantes
fundadores do funcionalismo, “acreditava serem as experiências conscientes
simplesmente experiências conscientes e não grupos de conjuntos de
elementos” (SCHULTZ & SCHULTZ, 2009, p. 161). Angel, outro funcionalista
importante e com forte influência na carreira acadêmica de Watson, inclusive
considerado como Pseudobehaviorista, chegou a proclamar que a “consciência”
seria excluída do vocabulário da Psicologia, em benefício da ação do fazer
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humano, do processo como objeto de estudo fundamental da Psicologia
(CARRARA, 2005, p.60).
O Funcionalismo se concentrou, em princípio, na chamada Escola de
Chicago, sob a liderança de dois intelectuais em especial. O primeiro deles foi
John Dewey, de longa carreira e forte influência também na educação, o autor
defendeu que a Psicologia deveria se dedicar à análise do indivíduo inteiro e
como ele funcionava no ambiente, isto é, pensar o comportamento humano a
partir do que ele significava para o organismo, de seu papel adaptativo para o
sujeito. Isto é, o funcionalismo não se interessava pelo organismo em si, mas por
seu funcionamento, pelo processo em que ele agia no ambiente.
A outra vaga desta história é de James Rowland Angell, nada mais nada
menos que o orientador de John B. Watson. Com uma carreira brilhante, que
incluiu a reitoria de Yale e a presidência da Associação Americana de Psicologia,
Angell desenvolveu um trabalho, no campo do funcionalismo, com enorme
influência, que sintetizamos em 3 aspectos: a) Angell voltou-se formalmente
contra o estruturalismo de Titchener e acentuou a divisão entre eles. Enquanto
o estruturalismo se dedicava ao conhecimento das estruturas mentais, o
funcionalismo se interessava pelos processos mentais, humanos, isto é,
dedicava-se a conhecer o modus operandi do processo mental, o que se realiza
e em que condições se realizam tais operações; b) o funcionalismo era
utilitarista, assim, a consciência era vista como executando processos úteis ao
organismo em diferentes contextos, e uma tarefa essencial era a descoberta
dessas relações, a que servia cada processo; e c) o funcionalismo é a psicologia
das relações psicofísicas, daí que não admita a distinção entre mente e corpo e
os considere pertencentes à mesma classe, abrangendo todas as funções
nestas esferas.
Dado todo esse contexto, emerge a figura de John Broadus Watson
(1878-1958), um Psicólogo nascido em Nova Iorque, formado e com primeira
atuação na Universidade de Chicago, depois se mudando para a Universidade
John Hopkins, onde construiu sua brilhante carreira acadêmica, encerrada
prematuramente por um escândalo sexual que ocasionou sua demissão e
rejeição em todo o campo acadêmico, o que o levou à atuação empresarial na

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área da publicidade e propaganda, onde teve enorme sucesso utilizando os
princípios behavioristas.
Talvez possamos dizer que Watson não propôs, de fato, nada novo ou
especial, não foi ele um teórico revolucionário, mas foi sim um agente dos
tempos, capaz de reconhecer, ordenar e lutar por uma nova lógica no campo da
Psicologia, estabelecendo firmemente o cenário de uma Psicologia Behaviorista
e detratando seus opositores com todo o vigor.
Em 1913, Watson publicou um artigo que ficou conhecido como o
Manifesto Behaviorista, justamente por apresentar formalmente sua perspectiva
e propor este caminho como uma estrada segura para a Psicologia moderna e
científica que o autor defendia.
Apesar do objetivismo se afastar do instrospeccionismo, ele não propunha
um caminho de pesquisa que pudesse oferecer à Psicologia outras bases de
trabalho, seria quase como a ideia de que a Psicologia seria uma ideia
impossível, uma semente infértil para a produção científica, enquanto Watston
propôs claramente que o objeto da pesquisa na Psicologia deveria ser
modificado, da consciência, ou mente, para o comportamento humano. É
verdade que Watson tenha sido gravemente criticado por não apresentar um
objeto que fosse o mesmo, embora com outro enquadramento. Tal como ele
propôs a noção de Comportamento, ela se tornava um reducionismo, diante da
Psicologia de então, mas àquela época, seu apontamento direto e específico
resolveu esta principal contradição daquela corrente.
A Psicologia Animal ganhava espaço e proliferava à toda, mas suas
descrições sempre inferiam uma espécie de mente ou de consciência menos
evoluída para explicar os processos comportamentais que eram avaliados,
assim ocorria com todos os grandes nomes como o próprio Pavlov e Thorndike.
Assim, se um gato passava a se comportar de uma certa forma depois de
um certo estímulo, interpretava-se que ele pensou algo ou sua mente ou
consciência se modificou em certo sentido, sempre na procura de uma entidade
superior da qual o comportamento fosse expressão, contradição que também foi
resolvida por Watson ao estabelecer o comportamento em si como objeto de
estudo.

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Enquanto os funcionalistas encaravam a Psicologia como a ciência da
vida mental, que estudava os processos em que os sujeitos agem como aquilo
que se poderia chamar de consciência, incorriam no problema fundamental de
dedicarem-se a um processo sem uma operacionalização clara de sua visão, de
modo que Watson também encarou esta contradição ao retirar a mente do
campo de estudo da Psicologia.
Era preciso, portanto, que essas ideias fossem reunidas e depuradas e foi
exatamente este o papel de Watson, aproveitar essas influências e formar um
corpo capaz de propor a si mesmo como uma substituição da Psicologia vigente,
que propusesse um modelo diferente de encarar os seres humanos.
Progressivamente, o Behaviorismo foi sendo transformado desde sua
raiz, especialmente com a chegada de Skinner al cenário, o mecanicismo deu
lugar ao pragmatismo funcionalista de Ernst Mach, o dualismo deu lugar ao
monismo, a limitação à relação entre estímulo-resposta deu lugar a um sistema
complexo fundamentado em grande medida no Comportamento Operante, entre
outras muitas modificações, que veremos nos tópicos seguintes.

Burrus Frederick Skinner


Vamos falar brevemente aqui deste importantíssimo intelectual chamado
Skinner. Formado primeiramente em Letras, Skinner não estava satisfeito com
sua área e se interessou pelo que estava ocorrendo na Psicologia e decidiu
então fazer um Doutorado em Harvard, no Departamento de Psicologia. No
entanto, nas voltas que o mundo dá, acabou vinculado à Psicologia, que emitiu
seu título de Doutor, mas tendo realizado toda sua pesquisa na Fisiologia,
praticamente sem orientação.
Em sua tese de Doutorado, Skinner fez uma apreciação do conceito de
reflexo ou comportamento respondente, já começando a ensaiar a noção de
comportamento operante que desenvolveu posteriormente. Um amigo deste
período, Fred Keller, ficou especialmente impressionado com Skinner e teria,
posteriormente, papel decisivo na formação do campo da Análise do
Comportamento no mundo.
Em princípio, Skinner trabalhou muito com animais, sofrendo influência de
muitos pensadores como Thorndike, Mach e Watson, entre inúmeros outros,
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vindo a elaborar uma nova versão do Behaviorismo, ao qual se adicionou o
adjetivo “Radical”, para sinalizar que para neste novo comportamentalismo, a
raiz de toda a compreensão humana poderia e deveria se dar pela análise de
seu comportamento, não por uma simples questão metodológica, como propõe
o Behaviorismo Metodológico, mas porque todo fazer humano é comportamento.
Skinner primeiramente enfrentou a questão do delineamento do campo do
comportamento, estabelecendo uma distinção fundamental entre o
comportamento respondente e um outro tipo de comportamento, o operante. Ele
fez isso trabalhando de maneira intensa com animais como ratos e pombos,
elaborando a teoria comportamental a partir de seus princípios básicos.
Em 1938, Skinner publicou o livro O comportamento dos organismos, em
que apresentou sua proposta como um sistema, que fez com que Keller
reconhecesse que aquilo era algo a que se poderia aderir realmente e que ele
poderia divulgar, como de fato o fez, escrevendo um influente livro de introdução
à Psicologia em muito baseado em Skinner e levando estas ideias para os quatro
cantos do mundo, inclusive para o Brasil, onde veio trabalhar na década de 1950,
construindo uma base sólida de Analistas do Comportamento, como Carolina
Bori, João Claudio Todorov, Maria Amélia Matos, Rodolpho Azzi, entre muitos
outros.
O autor brasileiro Kester Carrara entende que o sistema skinneriano só
foi realmente desenvolvido em 1945, com a publicação do trabalho The
operational analysis of psychological terms1 (CARRARA, 2005), mas o consenso
é que a obra mais completa de Skinner sobre seu sistema foi publicada em 1953,
chamada Ciência e Comportamento Humano, ainda hoje utilizada em cursos de
Psicologia como base para o ensino da Análise do Comportamento.
Quando a tarefa de construção de seu sistema estava mais avançada,
sustentada em bases firmes e com sólidas demonstrações empíricas, Skinner
quis mais e sua produção foi em busca do que há de mais elaborado, mais
complexo, em termos de comportamento humano para demonstrar que o
comportamento é, realmente, a raiz de tudo.

1 Análise operacional dos termos psicológicos (em tradução livre)

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O primeiro livro deste tipo, publicado no ano de 1957, super ousado para
seu tempo foi Comportamento Verbal, em que ele argumentou que o
comportamento de comunicação humano é regido pelas mesmas regras dos
demais comportamentos, classificando os diversos comportamentos verbais a
partir dos diferentes antecedentes que que apareciam e que tipo de reforçamento
o sustentava, era a elaboração dos Operantes Verbais. Mas Skinner lançou este
livro, diferentemente dos anteriores, não como conclusão de pesquisa empírica,
mas como derivação de outras pesquisas básicas e uma séria interpretação
teórica destes dados, aplicados a um contexto diferente do que foi
experimentado.
Nesta obra, o autor considerou como “comportamento verbal” todo fazer
humano cujo reforçamento não era diretamente produzido pelo comportamento,
mas sim por meio da mediação de outra pessoa, treinada pela comunidade
verbal para esta mediação. O comportamento verbal, portanto, poderia ocorrer
pela fala, gestos, cartões, sinais, qualquer forma que, compreendida por uma
outra pessoa, treinada, faria com que ela mediasse o reforçamento. Assim, se
um consumidor pede ao garçom uma cerveja, ele se comporta e o reforçamento,
operado pela cerveja, é mediado por este garçom. O consumidor pode ter dito
“Chefe, vê uma cerveja pra mim, por favor?”, pode ter simplesmente feito um
gesto apontando a garrafa vazia, pode ter tocado em um tablet com o cardápio
e de todas as formas o reforçamento foi mediado por uma pessoa treinada para
esta tarefa, são todos exemplos de comportamento verbal.
O livro Comportamento Verbal foi duramente criticado dentro da
comunidade de Analistas do Comportamento por não se basear em pesquisas
experimentais específicas para aquelas afirmações e recebeu uma pesada
crítica externa, vinda do linguista Noam Chomsky, advindo de outro campo de
pesquisa, de natureza cognitivista, que teceu diversas críticas à perspectiva
comportamental, sendo a maioria delas baseadas em equívocos sobre o tema,
uma vez que ele não conhecia a Análise do Comportamento e, pasmem, sequer
leu todo o livro que criticara. Ainda assim, por este conjunto de fatores, o livro de
Skinner ficou “enterrado”, até que Murray Sidman resolveu, entre as décadas em
1970 e 1980, o principal problema da perspectiva comportamental sobre o
comportamento verbal, que é o surgimento de novos comportamentos não
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diretamente reforçados (isso vocês verão depois) e Jack Michael colocou o livro
debaixo do braço e o adotou como aquilo que ele de fato era, um verdadeiro
programa de pesquisa (ainda hoje incompleto) e surpreendentemente, a
esmagadora maioria das afirmações feitas por Skinner naquela obra se
demonstraram corretas por rigorosa experimentação posterior, inclusive com
grande impacto sobre a área aplicada às intervenções com pessoas com
desenvolvimento atípico.
Outra obra igualmente ousada foi Tecnologias do Ensino, em que o autor
destrinchou os equívocos e possibilidades educacionais a partir desta ciência do
comportamento e propôs o ensino sobre novas e inovadoras bases, que foram,
ao mesmo tempo, base para experiências educacionais fantásticas, como a
Escola da Ponte, em Portugal ou grande parte da instrução programada por
Ensino à Distância atual e, por outro lado, compreendido de forma equivocada
como proponente da substituição dos professores por máquinas de aprender.
Essas máquinas eram dispositivos que apresentavam, mecanicamente,
atividades para os estudantes, que respondiam de maneira correta ou errada e,
caso acertassem de modo consistente, demonstrando que atingiam os critérios
de aprendizagem, passavam para o próximo tópico, assim como aqueles que
não acertavam suficientemente ficavam no mesmo nível até aprenderem
adequadamente, individualizando o processo de ensino e respeitando os ritmos
individuais. No livro, Skinner acentuava o papel do Professor como alguém que
apoiava os estudantes de modo a explicar, resolver problemas, ajudar a escolha
de certos percursos, uma tarefa muito superior à de selecionar atividades em
sala de aula (o que era feito antes, na programação das máquinas de aprender),
mas o discurso apressado e corporativista também fez com que este livro ficasse
por muito esquecido.
Na visão de Skinner, a escola deveria ser um lugar maravilhoso, o lugar
de aprender deve ser bonito, agradável, cheiroso (olha que sacada), para
produzir um reforçamento poderoso para os vários comportamentos que a
escola propõe produzir e, mais ainda, para o próprio comportamento de
aprender, que possibilitaria aos indivíduos interagir com outros ambientes e ter
autonomia para aprender muitas outras coisas não planejadas pela escola.

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Em suas últimas obras, o autor ainda analisou temas sofisticados como
arte, poesia e as várias formas do amor, como se pode ler em Questões
Recentes da Análise do Comportamento, demonstrando que a Análise do
Comportamento é uma ferramenta versátil e complexa de descrição dos
fenômenos humanos.
Por outro lado, o autor também refletiu seriamente sobre a humanidade e
nossas limitações e possibilidades. Em um livro chamado Walden II, Skinner
pensou em uma sociedade perfeita, governada por um modelo a que chamou de
personocracia, em que os conhecimentos derivados das ciências do
comportamento seriam a base do governo. Este livro é uma grande controvérsia
dentro de nosso campo de estudo, alguns acham que a realidade imaginada por
Skinner é uma utopia enquanto outros a entendem como uma verdadeira
distopia. Walden II inspirou diversas comunidades reais, a de maior sucesso
ainda está de pé, são os Los Horcones, na qual são realizados experimentos
científicos para tomar decisões, esses experimentos são publicados sem uma
assinatura individual, mas como Los Horcones. Outras comunidades com a
mesma proposta fracassaram e a proposta de Skinner é considerada por muitos
como ingênua e que o modelo proposto facilmente degeneraria para um
autoritarismo tecnocrata.
Outro livro mais filosófico é Beyond Freedon na Dignity, que em tradução
literal significa “Para além da liberdade e da dignidade” e que sofreu (a palavra
ideal é essa, que remete a sofrimento) a infeliz tradução de “O mito da liberdade
e da dignidade”. No qual o autor discorre longamente sobre o papel do ambiente
em nosso comportamento, no qual ele argumenta que a liberdade não é nunca
absoluta, que somos governados por uma interação com o contexto em que
vivemos. Assim, à medida em que nossa realidade muda, também mudamos.
Por um lado, pode parecer uma acepção limitadora de homem, quando,
na verdade, é precisamente o contrário. Skinner argumenta que se quisermos
pessoas boas, adeptas da paz, que preservem o meio ambiente... temos que
arranjar contingências, organizar nosso ambiente, para produzir contingências
que reforcem precisamente estes comportamentos e que impeçam o
reforçamento dos comportamentos que lhe são opostos. Em outras palavras,
Skinner assumiu que a responsabilidade por um mundo mais justo está em
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nossas mãos e que a Análise do Comportamento deveria se comprometer com
esse objetivo ético.
Nesta obra, o autor analisa longamente qual é a visão do senso comum
sobre este tema, que tenta encontrar explicação para a maneira pela qual as
pessoas se comportam de maneira diferente, sendo alguns bem sucedidos ou
verdadeiros desastres em seus percursos, atribuindo a eles atributos como
perseverança, coragem, medo, fraqueza, determinação, ousadia, entre inúmeros
outros, que brotariam de suas mentes, inexplicavelmente diferentes. Explicações
encampadas por parte da ciência, que aceitam a utilização de constructos
teóricos como a mente, sem nenhuma existência física no mundo real, como um
recurso que facilita a explicação, mas a encurrala em um esquema de explicação
circular que não possibilita à ciência um avanço àquilo que ela se propõe, que é
a predição e controle dos fenômenos.
Assim, se eu tenho uma pessoa que não faz as atividades propostas na
escola, eu posso explicar isso como fruto de um estado mental a que chamo de
“preguiça”, no entanto, eu poderia ainda perguntar como se chegou à conclusão
de que aquele rapaz é um preguiçoso, e a resposta seria algo como “porque ele
nunca faz a lição”, e “porque nunca faz a lição?”, “ora, porque é um preguiçoso”,
construindo um círculo pseudo-explicativo que nos impede de agir para que o
comportamento se modifique, produzindo uma ciência que contribua com o
desenvolvimento da sociedade.
Skinner morreu em 18 de agosto de 1990 pouco depois de sua última
obra, sendo, portanto, um autor que acompanhou cerca de 60 anos deste campo
de estudo como seu principal experimentador e formulador, desenvolvendo
sempre obras revolucionárias e solidamente fundamentadas, sendo a
construção teórica da contingência, base do comportamento operante,
comparada, em termos de relevância, à formulação da Teoria da Evolução, a
Genética e as teorias da Relatividade e da Mecânica Quântica.
É claro que a Análise do Comportamento não é limitada a Skinner e, como
qualquer ciência, o objetivo é que ele seja largamente superado. Mas o
conhecimento deste autor ainda é fundamental para as bases desta ciência e
para compreendermos os fenômenos comportamentais. Recentemente, a Teoria
das Molduras Relacionais – RFT, apresentou-se como uma Teoria Pós-
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Skinneriana, causando grande frisson dentro da comunidade de Analistas do
Comportamento, acentuando a necessidade imperativa a qualquer ciência de
esquivar-se de qualquer tipo de dogma e de “fidelidade” a qualquer autor, a única
fidelidade que uma ciência pode ter é com as evidências disponíveis.

Principais obras de Skinner:


Skinner, B.F. The Concept of the Reflex in the Description of Behavior. Journal
of General Psychology, 1931, 5, 427-457.
Skinner, B.F. On the Rate of Extinction of a Conditioned Reflex.Journal of
General Psychology, 1933, 8, 114-129.
Skinner, B.F. A Discrimination Without Previous Conditioning. Proceedings of the
National Academy of Science, 1934, 20, 532-536.
Skinner, B.F. The Generic Nature of the Concepts of Stimulus and response.
Journal of General Psychology, 1935, 12, 40-65.
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O Behaviorismo Radical
A ciência da Análise do Comportamento é dividida em três faces. Uma
delas é o Behaviorismo Radical, a filosofia que a fundamenta. A outra é a Análise
19

CBI of Miami
Experimental do Comportamento, na qual se formulam os conhecimentos sobre
os processos básicos do comportamento e a terceira é a Análise do
Comportamento Aplicada.
O Behaviorismo Radical é uma filosofia, mas por que uma ciência
necessita de uma filosofia? Simples, todas as ciências se fundamentam em uma
filosofia (embora nem sempre de maneira clara) porque a epistemologia, o modo
de se produzir conhecimento, é um ramo da filosofia.
O Behaviorismo Radical possui uma relação intrínseca com a Análise
Experimental do Comportamento, sendo submetido à crítica e possível
modificação à medida em que temos novos conhecimentos sobre a realidade.
Não se trata de uma filosofia estática, mas de uma base sobre a qual a Análise
Experimental atua.
Como exemplo, enuncio alguns elementos fundamentais do Behaviorismo
Radical (e observando com atenção cada um desses pontos, você pode
perceber que eles possuem enorme impacto sobre a prática):
Todo o fazer humano é comportamento, não faz sentido afastar
comportamentos que ocorrem dentro da pele, como pensar, amar, sentir dor, da
esfera de atuação desta ciência simplesmente porque não são observáveis
diretamente. Este é um problema metodológico resolvido com sofisticação
metodológica à medida em que esta ciência avança. Assim, tudo o que o homem
morto não faz é comportamento, sendo mensurável, como o comportamento
motor, e mesmo não sendo mensurável, como o pensamento.
Esse foi o grande diferencial do Behaviorismo Radical para as versões
comportamentalistas que o precederam, pois eram versões reducionistas, por
não olharem para aquilo que era absolutamente fundamental para a Psicologia
e para o que a sociedade esperava dela.
Um trecho do trabalho do Prof. Kester Carrara descreve bem o problema
fundamental da perspectiva de Watson, que criou o espaço que acentua a
importância da inovação proposta por Skinner:

Watson foi [...] acusado de ter removido a consciência como objeto


central do estudo científico, sem colocar no mesmo lugar alguma forma
de análise daquelas ações humanas não visíveis a olho nu, mas de
cuja existência e relevância ninguém duvida (o pensamento,
sentimentos e algumas emoções mais sutis, por exemplo). Watson não
20

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tinha uma resposta clara para estas questões, embora especulasse
sobre elas. [...] (CARRARA, 2005, p.42).

É verdade que há importantes dificuldades metodológicas de se estudar


o pensamento, porque ele não é visível e a única forma de acessá-lo é por meio
do relato da única pessoa que é capaz de observá-lo, a própria pessoa que
pensa. No entanto, esta pessoa que pensa pode fazer um relato completamente
contrário a seu pensamento, ela pode ter uma dificuldade em se auto-observar
para relatar com fidedignidade o que ocorre, ela pode ainda ser incapaz de
comunicar-se como é o caso de pessoas com o Transtorno do Espectro Autista
que não são verbais. Mas nada disso faz o pensamento ser menos
comportamento, afinal a definição do que é ou não é comportamento não se
baseia em critérios metodológicos e sim em critérios epistemológicos.
O Behaviorismo Radical rompeu com o Behaviorismo Metodológico
justamente por este motivo, o que as pessoas fazem só pode ser comportamento
porque o ser humano é parte da natureza, na qual os eventos físicos se
influenciam mutuamente e não são criados “do nada”, mas não produto das
relações funcionais entre variáveis deste próprio ambiente físico. Se algo
acontece, se algo muda, dentro ou fora de um organismo, seja um movimento
motor, um pensamento ou um sentimento, isso só pode decorrer das relações
físicas estabelecidas entre variáveis, isto é, isso só pode ser um comportamento,
independentemente de que o vejamos ou não.
O ser humano é um todo único, uno, sendo assim, o Behaviorismo Radical
é monista e não admite a separação entre corpo e mente ou alma e corpo
(embora isso não vede em nenhum momento uma compreensão religiosa do
Analista do Comportamento de que exista uma alma – desde que isso não se
misture com sua avaliação científica). Isto quer dizer, o ser humano é um ser
orgânico, físico e todo o seu ser o é, não há uma coisa de um estofo diferente,
de diferente natureza, a que chamam “mente”, que seja algo diferente.
Descartes utilizou o sistema de irrigação do Palácio de Versalhes como
modelo de compreensão dos seres humanos. Ele observou que todo o sistema
era uma maquinaria engenhosa em que uma coisa movimentava a outra que
movimentava a outra em uma relação mecânica complexa de causa e efeito e
elaborou a ideia de que os seres humanos seriam tal como essa maquinaria
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dotada de relações mecânicas intrincadas de mobilização de nosso corpo (base
do mecanicismo) e que seria habitado por um espírito, uma força vital que definia
como esta maquinaria iria se comportar (daí o comportamento como uma esfera
separada da “mente”, que seria esta tal força), a alegoria do “Fantasma na
Máquina” que tanto habitou e habita o senso comum e outras correntes teóricas
que lidam com o comportamento humano como uma expressão física de uma
outra coisa, de outra natureza, inefável, da “mente humana”.
O pensamento, ou mente, não são, em nenhuma hipótese, causadores do
comportamento. É o conjunto de relações complexas entre organismo e
ambiente que determinam o comportamento, mas isto se dá por meio de um
processo a que chamamos de “seleção pelas consequências”, assim, um
comportamento se torna mais provável à medida em que suas consequências
atendem às funções necessárias ao organismo e menos prováveis se não
alcançam as funções necessárias ao organismo, seja uma pessoa, seja qualquer
outro organismo.
Este papel do pensamento é um dos temas mais candentes na relação
entre a Análise do Comportamento e outros campos de estudo do
comportamento humano. Da forma como sentimos, nossa experiência nos indica
que o que governa nosso comportamento são nossos pensamentos. Mas esta
análise não é precisa e não possui evidências para suportá-la.
Por outro lado, para a Análise do Comportamento, o pensamento existe,
é relevante, mas não é a CAUSA do comportamento. O pensamento é, em si,
também um comportamento. Assim, não devemos encará-lo como uma coisa “o
pensamento”, mas como um ato, uma ação “o pensar”. E se pensar é um
comportamento, ele pode ser descrito também como funcionando a partir das
regras que regem o comportamento humano.
Mas não é exatamente este ponto que pretendemos trabalhar neste texto
e sim uma outra questão, de fundo. Quando entramos em uma lanchonete e
pensamos “Humm, estou com fome, vou pedir uma coxinha” e então falamos
“Boa tarde! Me vê uma coxinha, por favor!”, a pergunta é, foi o pensamento
anterior que causou o comportamento de pedir a coxinha? E a resposta é NÃO.
Isso não quer dizer que o comportamento de pensar não existiu, mas que
ele apenas descreve o organismo se comportando e optando por comprar ou
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CBI of Miami
não, mas o que faz com que o indivíduo se comporte são as relações de
reforçamento, extinção e punição que estabelecemos em nossa vida. Assim, se
comemos em uma lanchonete que tem uma péssima coxinha, esta
consequência pode ser punitiva e, portanto, da próxima vez nosso pensamento
pode ser descrito como “Humm, a coxinha daqui é ruim, não vou comer) e mais
uma vez não é este pensamento que causou o comportamento de não comer a
coxinha, mas o pensamento foi um comportamento de auto-observação e
descrição do organismo se comportando.
Basta lembrarmos tantas vezes que agimos contra nosso próprio
pensamento para realmente termos a certeza de que o pensamento não controla
comportamento. Ele é nossa forma de sentir e descrever como nos comportamos
e não sua causa.
Quando uma pessoa com TEA severo se comporta de certa forma e há
uma consequência reforçadora, ele tende a se comportar mais da mesma forma.
Alguém poderia argumentar “Mesmo sem entender?”, sim, mesmo sem entender
(por “entender” consideremos “ser capaz de descrever”) e o entendimento será
ensinado aos poucos. Quando ensinamos, priorizamos o entendimento,
queremos que a pessoa mude seu comportamento por meio de um discurso que
fazemos que objetiva mudar seu entendimento e isso quase nunca é eficaz,
porque esta atitude parte do pressuposto “Mudo o pensamento dele, logo, o
comportamento mudará” e como esta afirmativa está equivocada, ele não
funciona. Nós mudamos o comportamento mudando o ambiente em que o sujeito
está mudando, portanto, as contingências, isto é, fazendo com que o ambiente
não permita mais acesso a reforçadores que sejam produzidos por
comportamentos indesejáveis e fazendo com que o ambiente libere reforçadores
para comportamentos desejados. E quanto ao pensamento? Ele será mudado
junto com os demais comportamentos.
Por exemplo, quando faz uma birra para não tomar banho, a mãe de
Joãozinho diz “Não quer tomar banho, não toma” e deixa que ele vá para o
videogame. Mudar o ambiente pode ser, por exemplo, reter o controle do
videogame até que Joãozinho tome seu banho. Se isso ocorrer
consistentemente, você verá que depois de algum tempo, Joãozinho “se
conscientizará” da importância do banho.
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CBI of Miami
Quando um comportamento é muito reforçado, em certa circunstância, ele
se torna muito provável, se repetindo circunstância semelhante. Mas não é
possível garantir com 100% de chance de que ele será emitido, o que se pode
dizer é que ele muito provavelmente será emitido, isto é, que se aquela
circunstância se repetir uma série de vezes, na maior parte destas
oportunidades, o comportamento será emitido. A isso chamamos de
“Determinismo Probabilístico”, a que, talvez, a Análise do Comportamento se
filie. Digo “talvez” porque esta foi a defesa realizada por Skinner e tantos outros
Analistas do Comportamento relevantes, mas vem sendo questionada
recentemente por importantes teóricos.
Carolina Laurenti, em 2009, publicou sua tese doutoral Determinismo,
Indeterminismo e Behaviorismo Radical, em que defendeu que a Análise do
Comportamento é muito mais compatível com o indeterminismo do que com sua
versão determinada. Isto é, o estudo exaustivo dos desfechos alcançados com
as inúmeras manipulações de variáveis nos dá uma excelente segurança de que
possamos predizer e controlar fenômenos, criando cenários em que atuamos
efetivamente quase sempre. No entanto, também é verdade que é impossível
asseverar que dada uma certa relação entre variáveis, SEMPRE se dará um
certo desfecho, necessariamente aberto ao imponderável da realidade, sendo,
portanto, indeterminista (a discussão é muito mais profunda do que este
parágrafo, como deve imaginar, então leia a tese).
O comportamento é sempre individual e a avaliação do comportamento,
bem como a intervenção, deve considerar este critério de modo radical. Assim,
sempre que se realiza uma intervenção de caráter analítico-comportamental, a
medida de avaliação nunca é outra pessoa e sim sempre o próprio sujeito, em
sua linha de base, isto é, em sua avaliação antes da intervenção. A isso
chamamos de delineamento de sujeito único (este é um dos motivos pelos quais
uma intervenção baseada em ABA para uma criança nunca será igual a de outra,
mesmo que ambas tenham autismo e que tenham o comportamento bem
semelhante).
Existem 3 níveis de seleção do comportamento que são complementares
e se integram de modo ímpar em cada ser humano existente, eles se entrelaçam
de modo que a descrição de médias gerais do comportamento humano não
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CBI of Miami
oferece medidas de ninguém em particular, são conhecimentos que não
descrevem o comportamento de nenhuma pessoa real, mas uma pessoa ideal,
uma pessoa que não existe, e não é (ou não deveria ser) o caminho de uma
ciência do comportamento.
O primeiro desses níveis é a Filogênese, que é a base orgânica sobre a
qual se erige todo o resto que um organismo faz no mundo. Nossa biologia foi
selecionada também pelas consequências, mas não do decorrer de nossa vida,
mas de nossa espécie. Bilhões de anos atrás, o surgimento da vida propiciou
uma infinidade de variações comportamentais e estruturais que eram
adaptativas ou não eram adaptativas ao ambiente e sobreviveram aquelas que
eram, enquanto as demais foram eliminadas.
Imagine em um certo momento da história de nossa espécie específica ou
algum antepassado, a presença simultânea de seres humanos que respondiam
dilatando a pupila no escuro e a contraindo em cenários mais claros e outros que
não o faziam. Aqueles que apresentavam este comportamento de contração e
dilatação poderiam engajar-se em uma luta contra outros da espécie ou
predadores e transitar desde o interior de uma caverna, debaixo da mata densa
ou no descampado ensolarado com o mesmo nível de visão alcançado em
poucos segundos enquanto aqueles que não o faziam tinham dificuldades
significativas em transições, com alta probabilidade de serem mortos, diminuindo
a probabilidade de deixarem descendentes e, portanto, sua genética, deixando
tomar todo o conjunto da espécie pela variação genética mais adaptativa.
É claro que este exemplo é um arremedo de um comportamento
biologicamente instalado, um respondente, que provavelmente foi selecionado
por meio de aproximações sucessivas no decorrer de milhares ou milhões de
anos, em que competiam exemplares com maior dilatação e contração da pupila
contra outros com menos dilatação e contração da pupila, favorecendo
progressivamente aqueles com melhor habilidade, mas é bem ilustrativo de
como as consequências de um certo comportamento determinado por uma
variação genética o selecionaram na história da espécie, constituindo este nível
filogenético.
Mas também é verdade que este nível filogenético não é somente na
história de seleção da espécie, de modo geral, mas cada um de nós possui uma
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CBI of Miami
filogenética específica, diferente de outras pessoas, podendo ser mais ou menos
sensível aos estímulos do ambiente e determinando toda uma alteração de meu
percurso comportamental ainda que eu viva em um contexto muito parecido com
outras pessoas.
O segundo nível de seleção do comportamento é a história individual do
sujeito, seu percurso desde a geração até a morte, em que certos
comportamentos operam uma mudança no ambiente, que por sua vez operam
sobre o indivíduo também uma mudança e tornam este organismo mais ou
menos propenso a emitir este mesmo comportamento. Em minha história
pessoal, agi no mundo e os comportamentos produziram modificações que
constituíram uma vantagem para mim, enquanto organismo, dotado de uma
certa sensibilidade específica ao ambiente, desta forma estes estímulos também
me transformaram e eu me tornei alguém com mais probabilidade de repetir
esses mesmos comportamentos em caso de o contexto em que foram emitidos
se repetissem, trata-se da relação à que denominamos de reforçamento.
Por outro lado, eu também fiz coisas no passado que modificaram o
ambiente, mas não em um sentido vantajoso, mas desvantajoso para mim,
enquanto organismo e essas consequências do ambiente também me
modificaram no sentido de que me tornei alguém com menor probabilidade de
fazer estas mesmas coisas, isto é, a relação estabelecida não foi de
reforçamento, mas de punição (não se preocupem, isso será muito mais bem
trabalhado e explicado logo à frente).
Então, durante uma vida inteira, nós agimos no mundo e este mundo pune
certas respostas que emitimos, fazendo com que nós não mais as emitamos ou
o façamos com menor frequência e reforça certas respostas, que se tornam
muito frequentes e passam a constituir o nosso repertório, isto é, o conjunto de
comportamento que emitimos durante nosso dia a dia, em circunstâncias
determinadas. Este nosso repertório é composto de comportamentos motores,
de sentimentos e de pensamentos. Basta se auto-observar e comparar-se
consigo mesmo quando era adolescente, não são somente as partes de nosso
corpo que mudaram (mais moles, lamentavelmente), também mudaram nossos
gostos, a maneira com que nos sentimos diante da vida, as paixões (lembra da
primeira vez que se apaixonou e achou que o mundo iria ruir? Que não passaria
26

CBI of Miami
nunca?), nossos pensamentos, enfim, somos outras pessoas, porque sobre a
nossa base filogenética houve desde então intensa relação entre ambiente e
nosso fazer, moldando nosso repertório atual, a que também podemos chamar
de “personalidade”.
Nesta nossa história pessoal, uma bronca pode ser um baita punidor para
um comportamento de qualquer um de nós, principalmente se for de alguém
muito querido ou admirado, se for em um momento em que estejamos tristes, se
usar palavras fortes e que se relacionam com algum evento que no passado nos
trouxe sofrimento ou, a depender de outro percurso, pode ser, pasmem, um
poderoso reforçador, caso seja dada em uma pessoa com forte privação de
atenção social ou que não consiga discriminar o que quem está dando a bronca
está pensando ou sentindo, como acontece muitas vezes com pessoas com o
Transtorno do Espectro Autista com uma alteração importante na percepção
social.
Ou seja, um mesmo estímulo do ambiente não opera da mesma forma
sobre diferentes pessoas porque cada pessoa possui uma base filogenética
específica e à medida em que se relaciona com o ambiente, passa ter uma
história ontogenética também particular, que faz alterar também as próximas
interações com o ambiente, tornando, portanto, o comportamento humano uma
coisa altamente complexa e indeterminada, uma verdadeira bola de neve.
O terceiro nível de seleção do comportamento humano é a cultura. Todos
nós nascemos em um determinado tempo na história e isso determina
diferencialmente se nós vamos caçar elefantes em grandes planícies, se vamos
protegê-los para preservação da natureza, adorá-los como divindades ou
simplesmente comercializá-los em feiras e todos os pensamentos e sentimentos
que acompanham estas ações descritas, ou seja, a cultura de um certo tempo
influencia diretamente os limites e possibilidades de quem somos e tudo o que
fazemos.
Mas mesmo se nascermos em um mesmo tempo, digamos, em 2000 ou
próximo disso, é possível que sejamos (nos movamos, pensemos e sintamos)
de muitas formas diferentes, podemos nos comportar de maneiras radicalmente
diferentes, como pela igualdade de gêneros, ou pela primazia dos homens sobre
as mulheres ou ainda defendendo ou realizando atos abomináveis como a
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CBI of Miami
ablação, com cortes profundos, feitos com lâminas enferrujadas, da vulva das
meninas, para que elas não sintam qualquer prazer, como se faz ainda com
milhares de meninas no mundo, isto porque a cultura também é distinta entre os
vários cantos do planeta, afetando diretamente na definição de quem somos nós,
ainda que exemplares da mesma espécie.
Essas culturas sobreviveram porque foram adaptativas, isto é, elas
criaram contingências, contextos de comportamento de seus membros que
fizeram com que essas sociedades continuassem existindo e conseguiram
manter-se de pé mesmo com a eliminação progressiva da maior parte das
culturas que já viveu neste nosso planeta e estas culturas, no entanto, continuam
fazendo isso, criando contextos de comportamento para que nós existamos e
continuam lutando por sua sobrevivência, seja modificando-se e se adaptando,
seja sendo eliminadas e dando lugar a novas culturas.
A interação entre estes três níveis de seleção do comportamento produz
exemplares altamente idiossincráticos que só podem ser bem estudados
idiograficamente, isto é, perseguindo suas histórias individuais, observando e
experimentando interações específicas com o ambiente e não nomoteticamente,
isto é, pela extração de médias de populações, em que não se conhece a relação
específica de organismo com o ambiente e seu desfecho sempre único.
O Behaviorismo Radical, esta filosofia que subsidia a Análise do
Comportamento adota alguns princípios científicos fundamentais que merecem
ser apresentados brevemente também aqui neste contexto:
O Pragmatismo – em grande parte da ciência vigora uma corrente a que
denominamos de Realismo, que pressupõe que a realidade existe
independentemente de nós, que ela existe em si e que nós, por não podermos
acessar a própria realidade como ela é, a acessamos por via dos sentidos e para
que estejamos bem sedimentados, fazemos a aferição da realidade através do
olhar intersubjetivo do objeto, isto é, não basta que vejamos ou sintamos de outra
forma esta realidade, é preciso que outros o vejam ou sintam da mesma forma
para que possamos confirmar sua “existência real”.
Mas se a realidade só pode ser percebida pelos sentidos, como podemos
afirmar, com certeza, se ela de fato existe? Esta é uma das principais premissas
de uma outra corrente filosófica contemporânea, o Pós-Modernismo, que coloca
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CBI of Miami
em xeque a existência da realidade e defende que ela é uma construção social
da linguagem, que ordena nossa percepção.
Do ponto de vista dos adeptos do Behaviorismo Radical, há uma outra
corrente filosófica que melhor representa nossa visão de mundo, a pragmatista.
Desde este ponto de vista não interessa se a realidade existe ou se ela
não existe, se ela é uma construção externa ou não, só o que importa é que nós
percebemos algo como realidade, intersubjetivamente, ou seja, eu vejo uma
criança se comportando de maneira inadequada e outra pessoa também a vê,
eu meço seu comportamento disruptivo (digamos que ele bata a cabeça na
parede) e outra pessoa também mede o fenômeno de modo muito próximo a
mim (o que é verificado por um índice de concordância entre observadores),
então nós nos abstemos de opinar sobre a existência da realidade, se o menino
existe DE VERDADE ou não existe DE VERDADE, somos agnósticos quanto a
isso, mas lidamos pragmaticamente com aquilo a que temos acesso.
Não obstante que percebamos o mundo da mesma forma, propomos
nesta realidade algum tipo de intervenção que altera esta realidade percebida,
que de fato faz com que as coisas se transformem no mesmo sentido em que
desejamos e previmos e esta transformação é percebida e mensurada por mim
e também por terceiros, sem que combinemos isso, então podemos dizer que a
percepção de algo que parece com uma realidade exterior é consistente entre
as pessoas, isto é, quando olhamos para o mesmo lugar, percebemos as
mesmas coisas, a mesma realidade.
Também podemos dizer, dada essa relação, que esta realidade pode não
existir, ela pode ser uma ilusão, talvez vivamos todos em uma Matrix, mas as
regras naturais que conseguimos elaborar depois de inúmeros estudos
experimentais, nos dá segurança o suficiente para propormos tecnologias que
conseguimos prever que serão efetivas. Assim, tanto os físicos conseguem
elaborar conexões entre certos processos físicos que nos permitem enviar uma
mensagem por um aparelho para o outro lado do planeta quanto os Analistas do
Comportamento conseguem elaborar intervenções que conseguem eliminar
comportamentos inadequados com a função de atenção (só para citar um
exemplo).

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CBI of Miami
O Funcionalismo de Ernst Mach – a ciência possui quatro objetivos, que
são a) descrever; b) explicar; c) predizer; e d) controlar fenômenos. Explicarei
preliminarmente três deles, exceto o segundo, para depois me dedicar
brevemente a ele e esclarecer esta influência central de Mach em relação a
Skinner, que pervadiu todo o Behaviorismo Radical.
A descrição dos fenômenos necessita da observação da realidade tal
como ela é e da experimentação, sempre que possível, para que a relação
específica de cada variável do ambiente em relação às demais variáveis seja
mensurada adequadamente e possamos estabelecer como a natureza se
comporta dadas todas as circunstâncias em que a conhecemos.
A predição da realidade é diretamente derivada da robustez de nossa descrição.
Se nós descrevemos uma enorme quantidade de corpos celestes que
fazem uma trajetória esperada, inúmeras vezes vista. Se nós descrevemos tudo
o que circunda este corpo celeste, a existência ou não e o efeito ou não na
trajetória de matéria escura, energia escura, atmosferas e outros corpos celestes
próximos, então podemos dizer, com grande margem de segurança, que este
corpo fará um determinado roteiro. Ou seja, apesar de não ter habilidades
futurísticas e pouco conhecimento sobre leitura de mãos e de borra de café no
fundo das canecas, os cientistas partem das descrições da realidade para fazer
predições muito precisas sobre o futuro dos fenômenos que descreveram, tanto
mais precisas quanto melhor descrita sua área de atuação, como a citada Física,
a Química, entre outros.
E se nós sabemos que em dada certa situação, certa interação entre
variáveis, então ocorrerá isto ou aquilo, se podemos predizer o que acontecerá
em uma série de situações em que somos espectadores, como um magma que
ameaça irromper em um vulcão, um furacão que varrerá a costa de um país ou
uma espécie que será eliminada em alguns anos, caso continuemos no mesmo
ritmo de exploração, então também é possível que nós mesmos arranjemos o
ambiente de modo a dispor certas variáveis para produzir o desfecho que
pretendemos.
Em um passado distante, as tecnologias eram produzidas pelo método da
tentativa e erro ou por alguma intuição engenhosa de algumas pessoas, mas a
maior parte da tecnologia contemporânea é fruto da ciência mais avançada, na
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CBI of Miami
qual nós descrevemos de maneira incrivelmente minuciosa a realidade e com
isso somos capazes, por exemplo, de provocar fenômenos em partículas
menores do que os átomos em computadores quânticos, conseguimos falar com
uma pessoa, vendo seu rosto do outro lado do mundo, simultaneamente através
dessa invenção fabulosa que é o celular, conseguimos organizar estímulos
reforçadores para reforçar comportamentos socialmente relevantes e retê-los
para que não reforcem comportamentos inadequados, enfim, conseguimos
organizar parcelas do mundo para que essa organização/interação entre
variáveis promova desfechos vantajosos para a humanidade. Este é o controle
da realidade a que a ciência se propõe.
Mas o que nos interessa mais especialmente aqui é o segundo objetivo,
a EXPLICAÇÃO, de que se trata explicar a realidade após descrevê-la?
Imaginemos que nós tenhamos a relação entre duas coisas, um corpo celeste
com uma massa substancial, como o sol, e um outro corpo celeste com uma
massa menor, a curta distância, como um meteoro. Então este pequeno corpo
celeste será atraído pela força gravitacional do sol (uma maneira leiga de
descrever a ação das ondas gravitacionais) e será tragado pela estrela maior
deste sistema planetário.
Provavelmente será dito que a gravidade do sol CAUSOU a atração do
pequenino corpo celeste, mas esta pergunta levará à necessidade de uma outra
explicação, que é POR QUE uma coisa causou a outra e talvez explicaremos
que isto ocorre porque corpos com massa maior atraem corpos com massa
menor, mas poderíamos perguntar mais uma vez POR QUE isso acontece e
qualquer outra explicação poderia receber a mesma pergunta novamente até
finalmente chegar a um “porque sim”, que obviamente todos os que
acompanharam o Castelo Rá-Tim-Bum sabem que não é resposta.
É por este motivo que Mach entendeu que toda relação entre variáveis
não pode ser apresentada como uma relação de causalidade em que A causa
B, porque uma relação deste tipo pressupõe sempre que há uma outra
explicação, necessariamente metafísica, para que o porquê seja
adequadamente respondido. Assim, em sua perspectiva, depois adotada por
Skinner e incorporada ao Behaviorismo Radical, a explicação da realidade que
a ciência propõe a realizar, nada mais é do que uma sintetização da descrição
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em termos mais gerais, para melhor aplicação nos processos de predição e
controle da realidade.
Então vejamos, nós sabemos que os seres humanos se comportam e que
ao se comportarem, modificam seu ambiente e este ambiente modificam a eles
também, mas não podemos dizer que a apresentação de um certo estímulo após
um comportamento CAUSA seu aumento de probabilidade (no caso de ser um
estímulo reforçador), mas que dadas certas relações entre uma resposta e um
estímulo, então este comportamento ocorrerá mais no futuro, trata-se de uma
relação funcional entre variáveis em interação e não de uma relação causal entre
eventos (ok, eu sei que é complexo, mas vá pensando sobre isso).
E quando descrevemos esta relação entre variáveis, o behaviorista
descreve o que ocorre, como o ambiente se modifica e afeta o organismo e como
este organismo se comporta, como ele age no mundo, e faz a descrição de tudo
isso, que se transforma, na pena do teórico, como Skinner e tantos outros, em
processos gerais identificados como o Reforçamento e a Punição, a Operação
Motivacional, a Lei da Igualação, a Extinção, entre tantos outros conceitos, que
não servem para EXPLICAR nada, a rigor, isto é, para dizer porque certas coisas
ocorrem ou não ocorrem, mas para descrever certas coisas que ocorrem, de
modo que podemos identificar estes mesmos processos em outras
circunstâncias.
E nesta explicação conceitual é preciso que sejamos claros e diretos, uma
descrição não pode acrescentar conjecturas a seu escopo, ela deve ser
transparente tanto quanto possível e a explicação deve refletir esse pé no chão,
sem apelar a forças metafísicas ou constructos teóricos como a MENTE, dado o
princípio da Parcimônia, que estabelece a necessidade, em ciência, de sempre
se optar pelo caminho mais direto que dê conta da explicação dos fenômenos.

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Referências Bibliográficas

CARRARA, Kester. Behaviorismo: crítica e metacrítica. São Paulo: Editora


UNESP, 2005

CRUZ, Robson Nascimento. B. F. Skinner: uma biografia do cotidiano científico.


Belo Horizonte: Artesã, 2019

LAURENTI, Carolina. Determinismo, Indeterminismo e Behaviorismo


Radical. 2009. 430 f. Tese (Doutorado em Ciências Humanas) - Universidade
Federal de São Carlos, São Carlos, 2009.

RICHELLE, Marc. B. F. Skinner: uma perspectiva europeia. São Carlos:


EDUFSCar, 2014

WEBER, Max. A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo. São Paulo:


Companhia das Letras, 2004.

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