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uma proliferacdo de independentes ¢ minisculos grupos finaneeiros 1¢a0 aciondria com os grandes bancos comerciais, eajas estre- inspiraram uma sucessdo de intervengdes “brancas” saneadoras — indicagdo inequivoca da fragilidade destas instituigdes. Em parélelo d intencional concentragdo do setor bancétio priva- do de ambito nacional, deve ser pensada a oportunidade do banco lo- cal como instituicio sensivel as especificidades crediticias de ambito microrregional. Existe uma faixa de operagées que tende a sor descon- iderada pelos grandes bancos, a ser coberta por um agente financeiro je atuagdo circunserita d microrregiio. Uma rede capilar integrada por bancos locais daria melhor suporte as operagdes de crédito agrico- la, cooperativo, de apoio a pequenas e microempresas, regularizagao do fluxo de caixa das administragdes municipais, etc. atual sistema de bancos de desenvolvimento deve ser preserva~ do como principal instrumento financeiro da politica industrial. Este sistema corre o risco de sua descaracterizacdo. Em 1982 foi criado 0 Finsocial, um corpo inteiramente estranho as finalidades do BNDE. 0 Finsocial, por sua natureza fiscal e campo de aplicacio (gastos so- ciais a fundo perdido), deveria ter reforcado os oreamentos estaduais e municipais, ndo fosse a inspiragdo antifederativa e centralizadora que marca a sua constituicao. A confirmacdo do papel nuclear do sistema de Bancos de Desen- volvimento para a instrumentalizacio de estratégias alternativas de retomada de expansio da economia exigiria, junto com o bloqueio & atual tendéncia a sua desearacterizacdo, o reforco de seu creamento mediante a transferéncia de fundos fiscais. Quanto ao sistema de bancos oficiais, & conveniente » desenho institucional de um banco central circunscrito a suas fungiesclassicas, As atuais LTN, deveriam ser da responsabilidade das Autoridades Monetarias, circunscrita sua utilizacdo como instrumento de politica monetéria. Contas de fomento hoje entranhadas nas Autoridades Mo- netérias deveriam ser operadas pelos demais bancos oficiais que, em conjunto com a rede capilar de bancos locais, dariam origem a diver- 80s subsistemas especializados de financiamento. 12 f PROLOGO PARA A TERCEIRA CARTA : Edmar Bacha* INTRODUCAO Esta nota procura esclarecer alguns problemas da negociagdo ‘a.com o FMI. A secdo seguinte discute as regras do jogo para © ajuste de um pais deficitirio na atual ordem econdmica internacio- nal. A segunda secdo explicita o jogo do FMI, tentando explicar por que ele é criticavel. Na seco seguinte revisa-se o “enfoque monetirio ", adotado pelo Fundo, e tenta-se localizar onde entra uma indefensavel pressio politica no estabelecimento dos eritérios de desempenho que do acesso aos recursos do Fundo. A questio fiscal, ou seja, o déficit pablico, “crowding out”, et allia so considerados na quarta seco. O caso brasileiro permeia toda a discus- séo. Um sumério da argumentagao encontra-se na seco final. 1, AS REGRAS DO JOGO. Quando o pais procura o FMI é porque tem um problema de ba- lango de pagamentos. Este problema tipicamente se expressa pelo de o pais se ver incapaz de tomar no mercado internacional de capitais ‘um volume de empréstimos (liquidos de amortizagdes) suficiente para financiar aquela parcela de seu déficit em transagdes correntes que no ¢ coberta pela entrada de investimentos diretos. Em conseqtién- el. do Det. 6 Eco da PUR PO on Exe a Uns 113 ‘ocorre uma rapida exaustéo de suas reservas internavionais. O FMI condiciona sua assisténcia financeira ao pais a que ele adote me- didas econdmicas internas destinadas a ajustar o déficit do balango de pagamentos, de forma que ele se reduza para uma magnitude que pos- sa ser financiada, através de investimentos diretos ou outros canais fi- nanceiros internacionais normai ‘No caso de um pais altamente endividado no exterior, boa parte de seu déficit estara inevitavelmente associada a conta de juros que tem que pagar a seus credores externos. Em condigdes normais, este item no pode ser comprimido; segue-se, portanto, que 0 grosso do ajuste tem que dar-se através da balanca comercial, ou seja, da dife- renga entre exportagdes e importagies. 0 objetivo fundamental de um programa de ajuste acordado com o FMI é, portanto, uma melhoria da balanga comercial. Assegurada esta melhoria, o FMI poderé tranqililizar-se que o empréstimo que faca ao pais sera devidamente amortizado. Deste modo, o Fundo estara cumprindo sua obrigacao ‘com os demais paises-membros de zelar pela manutencao do patrimd- nio comum. A melhoria da balanga comercial seré também a principal garantia para os bancos privados e outras instituicdes financeiras in- ternacionais poderem tranqiiilizar-se a respeito dos empréstimos que se dispée a conceder ao pais, caso um acordo com o Fundo seja nego- ciado. Deste modo, ao enfatizar a necessidade da melhoria da balanca comercial, o FMI também‘estaré mantendo intacta sua imagem de junto a comunidade financeira internacior as regras do jogo do atual sistema econdmico intern: cional, Certamente assimétricas, no sentido de que o ajuste é unilate- ralmente requerido dos paises com déficits insustentaveis em transa- ¢Ges correntes. De um ponto de vista global, entretanto, a cada déficit corresponde um superavit, j& que o balanco de pagamentos do mundo esta por definicgo em equilibrio. Assim, se ha déficits insustentéveis, os superavits que a estes déficits correspondem também serdo insus- tentaveis. Mas tanto a arquitetura como a pratica da atual ordem eco- mica internacional requerem que o ajuste se faca do lado dos paises deficitarios, endo dos superavitério ‘Os danos dessa assimetria seriam menores, caso o ajuste dos paises deficitarios se pudesse fazer exclusivamente através da combi- nagdo de um aumento das exportagdes com uma reducao de importa- ges supérfluas. E claro que, se originalmente os recursos produtivos do pais estivessem plenamente empregidos, esta melhoria do balanco comercial somente poderia ser feita caso houvesse uma concominante reducio da demanda interna, que, por um lado, liberasse 0s recursos produtivos necessdrios para exportar mais, e, por outro, permitisse Importar menos bens supérfluos. O custo do ajustamento se expressa- ria entdo pelo tamanho da reducio requerida na demanda interna. Deve-se notar que este custo inevitavelmente ocorreria, mesmo que o ajuste fosce feito pelo lado dos paises superavitarios. Pois nesse caso o ajuste se daria através de um aumento de demanda interna nes- 4 ses paises, da qual presumivelmente resultaria um aumento das i portagdes dos e uma reducio das exportagées para os paises deficit rios. Mas, caso j houvesse pleno emprego nesses tiltimos paises, esta possibilidade de melhorar suas balencas comerciais apenas poderia transformar-se em realidade, caso houvesse'uma concomitante redu- gao da demanda interna, que permitisse, de novo, exportar mais e im- portar menos, ‘Nao seria por af, portanto, que a assimetria do processo de ajuste estaria impondo um dnus excessivo aos paises deficitrios. Entretanto, 4 atual ordem econdmica internacional ndo s6 requer que 0 ajuste se aca exclusivamente do lado dos paises deficitarios como impde a esses paises que o ajuste se faca rapido demais, oferecendo a esses paises um financiamento compensatério insuficiente para Ihes dar tempo de fa- ter suas exportagoes crescerem ¢ suas mportacées diminuirem, de uma forma compativel com a manutencdo do nivel interno de emprego. Consideremos, por exemplo, 0 caso de um pais cujas exportacdes estejam contidas devido a uma queda, temporéria mas acentuada, da demanda externa e cujas importacbes néo possam. de imediato, ser contraidas sem perda da produgao interna. A curto prazo, este pais s6 tem a alternativa de provocar uma recessio, como forma de ajustar suas contas externas. A queda da demanda interna nao correspondera assim um aumento de exportagdes ou uma reducdo das importacées supérfluas, mas uma contracdo do nivel de atividade e emprego. Com a recess, menores serdo as importacdes de bens complementares & produgao doméstica, reequilibrando-se as contas externas, A deman- da interna deve, neste caso, cait por um miltiplo do ajuste requerido no balanco de pagamentos, pois as importagdes s6 se reduzitéo no montante requerido apés uma contracdo acentuada do nivel de ativ dade. Tal é 0 dnus excessivo imposto aos paises deficitarios pela forma de ajuste do-balanco de pagamentos consagrada na atual ordem eco- némica internacional. Para fixar idéias, consideraremos uma versio estilizada do caso brasileiro. A proposta apresentada aos eredores é a de uma melhori de USS 5,2 bilhdes na balanca comercial entre 1982 e 1983. Suponh: ‘mos que a economia brasileira estivesse em pleno emprego em 1982 (u- ma suposico obviamente absurda, mas que, como veremos, esta implieita no racfocinio do staff do FMI). Caso a demanda externa por rnossos produtos fosse ampla e caso importassemos produtos supé fluos, poderiamos, por exemplo, contemplar um processo de ajuste re~ duzindo 0 gasto do governo em importagdes supérfluas em USS 3 thoes e liberando para exportacdo um volume adicional da produeao agticola doméstica no valor de USS 2,2 bilhdes. Obviamente, o gover no teria que conformar-se com a reducdo de seu gasto em USS 3 hoes, enquanto o setor privado teria que reduzir seu consumo em USS 2.2 bilhées, para evitar a emergéncia de um excesso de demanda no Pais. Ou seja, para melhorar o balango de pagamentos em USS 5.2 bi 115 Ihdes, teriamos que contrair a demanda interna em US$ 5,2 bilhées. Tal seria o custo do ajuste externo. Significativo, porém toleravel, pa- ra uma economia cuja demanda agregada interna esté na casa dos USS 320 bilhdes por ano. O-ajuste contemplado implicaria um empo- brecimenio dos brasileiros de ndo mais do gue 1.5% A realidade é, de fato, distinta, pc grosso do ajustame lo através do corte de importagdes, por via da recessio in Tipicamente, corta-se o investimento do governo, coatraindo-se de imediato a importagdo de bens de capital. A esse corte do investi- mento corresponde complementarmente uma menor encomenda as ii diistrias domésticas produtoras de bens de capital. Estas entéo despe- dem trabalhadores e reduzem seus pedidos de matérias-primas e pro- dutos intermediarios, Assim, a recesséo propa resto da economia, contraindo-se ao longo do proceso as importagies de bens intermediarios e matérias-primas. No final da linha, pode calcular-se que o produto brato cairé num valor trs yezes maior do que a melho- tia requerida no balanco comercial, ou seja, em US$ 15,6 bilhées!: A demanda interna reduzir-se-4 entéo num valor igual a soma da melho- da balanea comercial (US$ 5,2 bilhées) com a queda do produto 3$ 15,6 bilhdes). Ou seja, em US$ 20,8 bilhdes, algo em torno de 6.5% de seu valor inicial. Um custo nao s6 significativo mas até meng intoleravel para uma economia em desenvolvimento como abra: Entretanto, com relacao a esse 6nus excessivo no se deve criticar exclusivamente o FMI. A culpa cabe ‘tual ordem econémica inter- nacional, que nao prové os recursos financeiros compensatorios neces- srios para evitar que o ajuste dos paises deficitarios se face através de uma brutal contragdo de sua absorgdo e renda domésticas. 2.0 JOGO DO FMI O FMI tem, entretanto, que ser criticado pelo fato de sua meto- dologia de trabalho induzir o pais deficitario a fazer uma recessa\ ‘mesmo que essa ndo seja necesséria para a desejada melhoria do ba Jango de pagamentos. E que o staff do FMI toma como ponto de partida de sua anilise a idéia de que se um pais tem um problema do balanco de pagamentos & porque esta “gastando além de seus meios”, ou seja, tem uma de- ‘manda interna que excede os recursos disponiveis localmente. E fun- damental entender por que essa posiedo, a primeira vista razoavel, po- de ser extremamente enganosa. Consideremos um pais que tenha um produto interno bruto de USS 320 bilhdes, como o Brasil em 1982. Destes, cerca de US$ 12 bilhoes correspondem a renda de capitals ex- ternos, de modo que sobram US$ 308 bilhées de produto nacional bru- 1) Fara 05 Gates do cel, ls aca,“ asl eo FL rs c {ao ees fo ce, wi Pres Sembilan Uap, i 116 to. Entéo, se a demanda interna (igual a soma do consumo e investi- mento privados, mais gastos do governo! for igual a USS 322 bilhdes, os US$ 14 bilhdes de excesso do gasto (dos residentes) sobre a renda (nacional) terdo vindo do exterior, na forma de um saldo negativo do balango de pagamentos em transagdes correntes. Se subtrairmos o consumo privado ¢ o do governo do gasto dos residentes, sobra 0 it vestimento; subtraindo-os da renda nacional, sobra a poupanea inter~ na. De modo que a diferenga entre o gasto (dos residentes} e a renda (nacional) pode se expressar de forma equivalente como um excesso de wvestimento sobre a poupanca interna. Nesse caso podemos dizer que uma poupanea externa de USS 14 bilhdes (conforme medido pelo sal- do negativo do balango de pagamentos em conta corrente} cobriu 0 ex- ccesso do investimento sobre a poupanca doméstica. A partir destas identidades contabeis, a tentagdo se tem tornado irresistivel para o staff do Fundo deduzir um enganoso preceito de politica, a saber, que o caminho para a reducia do déficit externo pat sa necessariamente por uma reduedo da demanda interna, ou, de for- ma equivalente, por um aumento da poupanga interna. O programa econdmico desenhado para o Brasil pelo FMI nao deixa divvidas a esse respeito. A primeira de suas metas é “... um aumento na poupanc: terna de 14,5% do PIB em 1982 para quase 16% em 1983 (...). [sto permitiria uma reduedo no déficit em conta corrente de 4.5% do PIB em 1982 para 2,2% em 1983"? . Este enfoque, ao deslocar a atengdo das contas do balanco de pa- gamentos p. dito (exportagdes, importacées, etc.) para as contas na~ cionais (poupanca, investimento, etc.), omite a possibilidade de que ‘um pais possa ter um déficit do balanco de pagamentos sem que exista tum excesso de demanda interna sobre os recursos disponiveis. Entre~ tanto, é facil imaginar mais de uma situacdo relevante na historia eco- nOmica brasileira em que tal seja 0 caso. Por exemplo, 0 agravamento da recessdo mundial no ano passado restringiu de forma clara nossas exportagées. A reducdo das exportages fer contrair o nivel de ativida- de interna, ao mesmo tempo que agravava o déficit externo, Passamos a conviver com mais desemprego e mais desequilibrio externo. Segura~ mente, 0 excesso contabil do investimento sobre a poupanca interna acentuou-se, j4 que a poupanga tera caido junto com a renda intern quando esta se reduziu em face da perda dos mercados externos. Mas este excesso & ilusdrio, j& que recursos internos agora devero estar ociosos, na expectativa de uma recuperacdo econdmica externa. Considere-se alternativamente um caso tipico na década de cin: giienta, em que 0s produtos exportados ficavam “gravosos”, devido an fata de que a desvalorizacia cambial ndo acompanhaya a élevacdo dos custos internos. De novo, a reduedo das exportacdes forgava a lade aos recursos domésticos, ainda que fosse por um problema 2) 1 ape ge Saas, 4 Cree Want ea Estatég Basa de stant do Basra apse fos Bra Sede Few 29/3788 ut de politica interna de pregos e ndo por falta de demanda externa, co- mono caso anterior. ‘Em ambos os casos hi desemprego e deficit externo. Mas, de um ponto de vista econdmico, em nenhum deles se pode dizer que ha ex- cess0 de demanda. Contabilmente, ao déficit em transacdes correntes ‘em ambos os casos correspondera tanto um excesso do gasto dos resi- dentes sobre a renda nacional quanto um excesso do investimento s0- bre a poupanca doméstica. Entretanto, uma cura adequada para 0 problema em nenhum dos dois casos residiré numa contragio da de- manda interna ou na elevacio autOnoma da poupanca interna. No primeiro caso, 0 que se requer ¢ uma retomada da expansio econdmi- a internacional; no segundo, uma desvalorizaeao da taxa de edmbio Ambos movimentos provocardo, de forma induzida, uma eleva- do da demanda interna, a qual, entretanto, seré mais do que com- Pensada pelo aumento da produgao do pais e, portanto, da poupanga interna. Numa conseqtiéneia, importante do ponto de vista contal mas apenas curiosa, do ponto de vista econémico, a melhoria do défi- cit externo correspondera uma redugdo dos “excessos”, seja da de- manda interna sobre o produto, seja do investimento sobre a poupan- ca interna Idealmente, em vex de ficar manipulando identidades contibeis, o que o staff do FMI deveria tratar de verificar em primeico lugar é se ha ou néo desemprego e capacidade ociosa nas indiistrias potencial- mente exportadoras e substituidoras de importacdo. Em segundo lu- gar, procurar determinar se essa ociosidade se deve a falta de deman- da extorna ou a falta de competitividade. E s6 entao recomendar uma politica de ajuste. Caso o problema seja de desemprego com falta de competitividade, a énfase deveria recair sobre a taxa de cimbio, ou instrumentos conexos de controle das importaces e promogao das ex portagdes. Caso as indiistrias estejam trabalhando a plenacarga, a én- fase do programa teria de fato que ser na reducio da demanda agrega~ da interna, Caso o problema seja derivado de uma recessio econdmica mundial, entio deveria tratar-se de minimizar o ajuste e maximizar 0 financiamento, até que a economia mundial se recompoaha. Obvia- mente, na pratica, os trés casos se misturardo, ainda que um deles possa tender a prevalecer. A questo é que o FMI sempre presume ue o problema é de excesso de demanda e, portanto, sua recomenda- ‘cdo principal tem sempre sido a de contrair a demanda agregada, es~ pecialmente a do setor piblico. Nao é preciso muito tirocinio para antever que esta op¢do meto- doligica é & prova de erro, se 0 tinico objetivo do programa é melhorar a halanca comercial. Pois sempre sera verdade que a umia contracdo da demanda correspondera uma melhoria da balanga comercial. No caso de excess de demanda, com manutenedo do nivel de emprego. Nos outros dois, com o agravamento da situacio econdmica interna do pais. Mas, para o FMI, parece tratar-se de um detalhe: o importante @ garantir o retorno do dinheiro empatado. us 3. DO ENFOQUE MONETARIO A PRESSAO POLITICA Adotada a perspectiva de controle da demanda interna, resta es- colher os instrumentos através dos quais esse controle serd feito, Aqui abe uma outra forte critica aos economistas do FMI, Pois nao é 5 {que eles atuem como se o problema do balango de pagamentos fosse devido a uma demanda interna excessiva. Eles também tendem. por ‘um lado, a ignorar 0 potencial recessivo de medidas puramente fiseais, presumindo que o nivel da demanda agregada seja exclusivamente de- terminado por varidveis monetarias. Por outro lado, tendem consis- tentemente a subestimar as previsdes para a taxa de inflacdo durante 0 periodo de ajuste, aparentemente como forma de colocar 9 governo lo- cal sob pressio para que adote as medidas ‘impopulares” que o FMI entende serem necessarias para conseguir uma efetiva reducdo da in- flacéo. Esta postura é bem ilustrada no caso do programa para o Brasil. Nele, o FMI insiste numa enorme reducdo do financiamento ao setor piblico, enquanto, pelo menos na primeira das cartas de intengdes. concorda com metas monetarias que seriam apenas medianamente contracionistas, caso as projecées para a inflacdo, no programa, tives- sem algum grau de realismo. ‘A postura metodologica do FMI esté ligada ao “enfoque moneté- rio do balango de pagamentos”, o qual, diga-se de passagem, parece ter sido ali mesmo inventado, por J. J. Polak, na década de cingiien- ta. Embora sejam muitos os refinamentos tedricos, na pratica os xercicios financeiros” do Fundo podem ser entendidos como um exemplo simples. A ancora do enfoque é a presuncao de que exista uma Telagdo estivel entre a demanda por moeda e a demanda por hens. Assim, quanto maior for a demanda por bens, maior sera a de- manda por moeda. Mais especificamente, a idéia & que a maior de- manda por bens somente poder materializar-se caso a demanda por moeda também possa ser satisfeita. Entdo, se se controla a oferta de ‘moeda, pode controlar-se a demanda por bens, Mas hé dois proble- mas para controlar a oferta de moeda. O primeiro deriva-se do fato de que ela é, em parte, um item do passivo das autoridades monetarias (a chamada base monetaria), mas, em parte, é determinada pelos bancos comerciais (na forma de depésitos a vistal. Entretanto, é de se presu- mir que a expansio dos depésitos bancérios possa, em principio, ser controlada pelas autoridades monetarias, através de instrumentos ‘convencionais, como 0 compulsorio e o redesconto, ou néo convencio- nais, como os limites ao crédito baneario. O segundo problema é que a ia” nao esta de fato sob controle das autoridades mone arias, caso estas estejam simultaneamente fixando o valor da taxa de cdmbio e, nos limites das regras de controle cambial existentes. garantindo a conversibilidade entre a moeda estrangeira e a moeda nacional, ‘Assim, uma operagio de exportacdo com pagamento a vista, no 119 montante de, digamos, US$ 10 milhdes, levaré simultaneamente a um ‘aumento neste valor das reservas internacionais das autoridades mo- notirias e a uma elevacdo correspondente de Cr8 6 bilhées na oferta de ‘moeda, na forma de depésitos a vista dos exportadores junto ao Banco do Brasil, caso a taxa de eimbio fixadd para o dolar seja de Cr 600,00. Entretanto, se as autoridades monetarias néo podem controlar a ., elas podem em principio controlar o crédito que es- tendem ds atividades econdmicas internas, ou seja, suas operagbes ati- ésticas, conforme ilustrado no balaneete simplificado abaixo: Balancete das Autoridades Monetirias aie Pas ‘serene Paavo rao oomie (am mond etange) ‘ws comésica (toto dost) ase monica as gone “past mots on ease ster aco — beste ob aca camels este neo = oessios aveta Assim, admitindo a constincia do passivo néo-monetario, caso 0 crédito doméstico esteja sob controle, a base monetaria se expandiré apenas quando haja expansdo das reservas internacionais.) Mas, se as reservas se expandem, isto indica que a situacdo externa do Pais es- ta melhorando, portanto se justifica que a demanda interna possa au- ‘mentar e assim que, nessas circunstincias, se deva permitir um au- mento da oferta de moeda. De maneira similar, se a situagio externa do Pais se estiver deteriorando, as reservas internacionais dever cair. Nessas circunsti . entretanto, é conveniente deixar a oferta de moeda contrair-se, para conter a demanda interna, ja que esta pa- rece ser excessiva, pois de outro modo as reservas internacionais do Pais nao se estariam esvaindo. E este o raciocinio que esta por detras do “enfoque monetario do balanco de pagamentos” do FMI. E 0 que o leva conclusio de que o crédito doméstico liquido das autoridades monetarias é o instrumento mais para controlar a demanda interna, de uma forma consis- tente com a manutencao do equilibrio do balanco de pagamentos. 0 ponto importante a ressaltar é que, na visio do FMI, uma vez controlado o crédito doméstico das autoridades monetarias. est con- trolada a demanda interna. Pode-se entao fazer a seguinte marcha re. Primeiro estabelece-se um quadro que se cré factivel para o balan- Sits Seneca arta ea Sip aaa es ama rue pure otal psacuriaws mows es adapt par man ces carat cass ies em oblares oy em cruztiros nas auoridades maneras, ™ 120 go de pagamentos do Pais durante o perfodo do programa de ajuste. Determina-se, entio, o limite para o crédito em conta corrente. Dada uma previséo exdgena para o produto interno bruto, fixa-se dessa for- ma a magnitude a que se deve limitar a demanda agregada interna. Faz-se entéo uma previsio para a taxa de inflacéo, a qual. em principio, tem que ser declinante, para garantir a respeitabil programa. Determina-se, assim, o valor nominal da demanda interna. Utiliza-se, entdo, 0 suposto de uma demanda estivel de moeda, ando-se, portanto, a quantidade de moeda consistente com o dado nivel de demanda agregada. Faz-se, a seguir, uso da relago existente entre a base monetaria e a oferta de moeda para estimar-se de quanto a base deve expandir-se. Subtraindo-se, finalmente, a estimativa da variagdo das reservas internacionais, obtém-se, através do balancete das autoridades monetdrias antes exposto, o limite que deve ser esta- belecido para o erédito doméstico. Uma ilustracdo da aplicacdo desse método esta na segunda carta de intengdes submetida pelo governo brasileiro ao FMI, em 24 de fe- vereiro. Ali se diz que: “Os limites dos ativos liquidos internos das au- foram revistos 4 luz da nova e mais elevada estimativa da taxa de inflagdo e dos dados agora disponiveis para 31 de dezembro de 1982. Os ativos liquidos internos, que em 31 de de- zembro de 1982 totalizavam Cr8 5.122 bilhées, néo excederéo Cr8 6.150 bilhdes durante o trimestre até 31 de marco de 1983; Cr8 6950 bilhdes durante o trimestre até 30 de junho de 1983; Cr$ 7.950 bilhoes durante o trimestre até 30 de setembro de 1983; ¢ Cr$ 8.300 bilhoes durante o trimestre até 31 de dezembro de 1983”. Ou seia, prevé-se uma expansio do crédito interno de 62% ao longo do ano, para uma taxa esperada de inflacio, no programa, de 85-00%. Deve notar-se que houve um considerdvel endurecimento dos eritérios monetiios entre a primeira e a segunda cartas, pois na carta de 6 de janeiro previa-se uma expansdo do crédito interno de 65.7%. para uma previ- sio de inflacdo de 70%, em 1983. Isto implicaria uma contragio do cerédito em termos reais de apenas 2.5%. Ja na segunda carta, a con- tracdo projetada do crédito real é de 13,6%, entre dezembro de 1982 € dezembro de 1983. Esse endurecimento dos critérios monetarios éilustrativo do com- portamento intrusive do FMI em aspectos da economia brasileira que no esto no.ambito de suas atribuigdes. F, que. especialmente depois, da maxidesvalorizacio de fevereiro, estava ficando patente que a tat de inflaedo em 1983 iria superar a de 1982. Parece ser uma maldicéo para a diretoria do FMI constatar que a inflacdo se esteja acelerando ‘num pais sob sua batuta. A resposta veio na forma de um critério de desempenho monetario muito mais rigoroso que antes, como instru- mento de pressio para forar a adocao das medidas “impopulares”. especialmente na area da politica slarial, que o FMI (e muito prova> velmente também a atual equipe econémica) entende serem neces: 's para reduzir a taxa de inflacdo. ial © FMI reconhece o cardter “politico” das medidas destinadas a reduzir a inflagdo brasileira e sobre elas evita, pelo menos de pablico, pronunciar-se. No que faz bem. Entretanto, também nio Ihe cabe passar julgamento sobre a taxa de inflacdo que vigore num pais com problema de balango de pagamentos. Desde que o pais apresente um programa de ajuste consistente com a melhora do balaneo de paga- mentos, os limites ao crédito interno deveriam, em primeiro lugar, fixar-se em fungdo de uma previsio realista da taxa de inflegdo; em se- gundo lugar, serem reduzidos ou aumentados ao longo do eno, confor- mea taxa observada de inflagdo fosse menor ou maior do que previsto no programa, O FMI, entretanto, em seu dogmatismo, no pode acomodar-se com a idéia de que nao seja de sua algada determinar a taxa de infla~ ‘Gio do Pais. Assim ¢ que ni s6 estabelece, como a segunda das metas do programa para o Brasil, um declinio substancial na taxa de infla- gio”, mas também, 0 que é pior, acentua de uma forma dristica 0 aperto monetario quando observa que a taxa de inflagdo de fato nao ird declinar em 1983. 4. AQUESTAO FISCAL Chegamos, por fim, & questo fiscal. Nao hé nada na logica do “enfoque monetério” que justifique uma atencdo especial as contas do governo, Ao longo de sua experiéncia com planos de estabilizacdo, entretanto, o staff do FMI foi chegando a conclusio de que nao have- ria. como as autoridades monetarias controlarem a expansio do crédi- to interno total, a menos que houvesse um controle paralelo do erédito por elas estendida ao governo. De uma forma quicd inocente, apenas para reforcar os instrumentos de controle do crédito interro, foram-se entio introduzindo, nos critérios de desempenho, limites especificos aos créditos concedidos pelas autoridades monetirias 20 governo. Progressivamente, estes limites passaram a ganhar vida propria, justificando-se como uma forma de garantir um tratamento equanime para o setor privado em programas de est 0. Pois, se se con- trolasse o crédito total. mas néo aquele dirigido ao governo, todo o corte recairia sobre o setor privado. E, preciso notar que, ao percorrer este caminho, o FMI também estava entrando em seara fora de sua competéncia, a saber, os critérios nacionais de divisio do erédito dis- ponivel entre os setores pblico e privado da economia, Mas, uma ver aberta a porta, o arrombamento foi inevitavel, especialmente depois que a “magia do mercado” passou a reinar na Casa Branca ¢ 0 “erow- ding out” em Wall Street. Quando ao lado do principio teorico do controle do erédito Inter- no emerge 0 postulado ideoldgico do controle do governs, nao mais basta limitar o acesso do governo central aos cofres das eutoridades ‘monetirias. E preciso limitar o acesso de todo 0 setor piblico a qual- ‘quer tipo de erédito. Dai que, em anos recentes, emerja uma nova es- 122 tela nos programas de estabilizacdo do FMI, a saber, a necessidade de financiamento do setor pablico (NFSP). Este, entretanto, & um conceito que o staff do FMI ainda lida com muito menos familiaridade do que, por exemplo, com o crédito interno das autoridades monetarias. Que esta inexperiéncia pode ter conseaiiéncias danosas é bem ilustrada no caso brasileiro. A primeira vista, o de que se trata é de evitar o “crowding out" financeiro. ou se- ja, a expulsio do setor privado pelo setor pablico no mercado de erédi to interno, Supostamente, ao estabelecer-se um limite para o crédito interno liquido das autoridades monetarias, fica de alguma forma de- terminado o limite da tomada de empréstimos por parte do setor pi blico, que 6 consistente com a manutencio de taxas constantes de juros no mercado financeiro interno. Entretanto, o FMI nio tem um “e- xercicio financeiro” para calcular esse limite. Ao observarmos os pla- nos de estabilizacdo recentemente implantados pelo FMI na América Latina, na verdade podemos deduzir uma regra de bolso que parece dizer: “Megam quanto 6, e cortem-na pela metade”. Assim, na Argen- tina, a NFSP foi caleulada em 14% do PIB em 1982; 0 programa do FMI requer que ela seja reduzida para 8% em 1983. No Brasil, o cal culo do FMI indicou uma NFSP de 16,9% do PIB em 1982; 0 pros ma requer que este valor caia para 8.8% em 1983. No Chile, a NFSP foi estimada em 4% do PIB em 1982: 0 plano do FMI estima uma re- dueGo para 2% em 1983. No México, o FMI requer uma reducao da NFSP de 16,5% do PIB em 1982 para 8,5% em 1983. Esta indicacdo que a NFSP é tratada de forma quase leviana nos planos do FMI é reforcada por uma andlise mais detalhada do easo brasileiro, feita a seguir. Na verdade, o objetivo parece ser ndo 0 de evitar o “crowding out”, mas, sim, o de praticamente eliminar a pre- senga do setor pitblico no mercado interno de crédito, conforme indi- eam os niimeros minisculos para a razdo NFSP/PIB que estdo pre- istos para o terveiro ano nos programas de ajuste na Argentina, Bra- sil, Chile e México. Nao queremos passar julgamento sobre se esse ob~ jetivo é ou nao meritério. O que queremos enfatizar é que nao cabe a0 FMI decidir sobre esse assunto de politica interna. Entretanto, minimamente o que se requer & uma atenedo para as conseatiéncias reais, ndo somente as financeiras, dessa compressdo da NFSP. E certo que, numa perspectiva monetarista extrema, as conse- aiiéncias serdo apenas distributivas — mais setor privado, menos setor piiblico — e nao agregativas, jé que o nivel de atividade estaria regula- do pela oferta de moeda, e no pela NFSP. Trata-se, entretanto, de uma posicdo extremada e certamente ndo justificada pela experiéncia brasileira, onde as varidveis fiscais parecem afetar o nivel de demanda agregada, de forma independente e complementar a quantidade de moeda’ . 5 Este problema é grave porque, em nivel dos critérios de desempe- a necessidade de financiamento do setor piblico & fixeda em ter- ‘mos nominais (e nao como uma proporgao do PIB nominal, que é a forma em que ele é popularmente divulgado). No easo brasileiro, po- demos dividir a NESP em dois grandes componentes: NFSP = deficit pablico p. dito + juros nominais e correcdo moneti- tia da divida piblica.> Infelizmente, 86 0s técnicos do FMI e os do Banco Central (uma confraria 4 qual,’ recentemente. também se incorporaram os econo- mistas dos bancos eredores} tém acesso as contas que compdem a NESP. Os economistas brasileiros, como 0 resto da populago, temos ue procurar adivinhar o que esta acontecendo. A julgar por um docu- ‘mento submetido aos bancos em dezembro em Nova Torque. 1/2 da NFSP ealeulada pelo FMI corresponde ao déficit pitblico p. dito e a outra 1/2 aos juros nominais e correcdo monetaria da divida piblica. Em prineipio, os diversos componentes da NFSP crescem com o nivel de precos. Em particular, a menos que ocorra uma desindexacéo mui- to acentuada, em 1983 a soma dos juros nominais com a corregio mo- netaria da divida piblica deverd aleancar um valor igual a pelo menos duas vezes seu valor em 1982. Nao obstante, o FMI determinou e 0 governo assinou o compromisso de que em 1983 a NFSP terd, em va- ores nominais, praticamente o mesmo valor que em 1982. Isto signifi- ca que o déficit piblico p. dito terd que reduzir-se a zero ou mesmo tornar-se negativo (isto é, transformar-se num superévit). Ou seja. um ‘montante de demanda correspondente a cerca de 8.5% do PIB (0 va-: lor do déficit piblico p. dito em 1982, segundo o FMI) seria retirado do fluxo de renda. Néo é preciso ser um fiscalista fandtico para com- preender que tamanha contragao fiscal significaré em termos de re- ducao do nivel de atividade e do emprego. Seguramente, a valer a carta de 28 de fevereiro, estamos a beira de uma recessio de proporedes descomunais na economis brasileira thos préximos meses. Fica claro, por outro lado, que nao basta fazer ajustes marginais nessa carta de intengdes para evitar tal recesslo. Dois exercicios aritméticos simples sugerem @ magnitude das corre- ces requeridas. Partamos de uma estimativa conservadora para flagéo este ano: 150%. Neste caso, mantendo 0 nivel de conten monetiria crediticia em termos reais de 2.5% . concluimos que o limite para a expansio do crédito interno das autoridades monetirias até 31 de dezembro deste ano deveria passar dos CrS 8,3 trilhées da segunda carta de intengdes para Cr8 13.1 trilhdes. Portanto, um aumento de 57% No caso da NFSP, admitimos uma queda substancial do déficit piblico p: dito de 8.5 para 4.2% do PIB. Calculando, coma a FMI, uma queda do PIB de 3.5% em 1983, coneluimos que o limite nomi nal da NFSP deveria alcancar em 31 de dezembro de 1983.0 valor de ©) tamhament, oF Hn parece nua oem da hi ca empress eats ma NFSP pre ‘alla pa 6 rs, 124 Cr$ 16,1 trilhées, em contraste com os Cr8 8,8 trilhdes especificados nna segunda carta de intengGes. Portanto, um aumento de 83%° . Nes- tas condigdes — triste consolo — se poderia evitar uma recessdo ainda maiorffio que aquela que vimos experimentando. Alternativas que’ permitam uma efetiva recuperacdo da economia nao esto, te, contempladas no atual processo de renegociacao de nossa divida externa. 5. SUMARIO 1, O FMI tem que zelar por seu patriménio e por sua imagem junto & comunidade financeira internacional. Por isto, ¢ razoavel que insista em que o objetivo fundamental de um programa de ajuste com ele acordado seja uma melhoria da balanca comercial, 2. As regras do jogo da atual ordem econdmica internacional sto assimétricas, no sentido de que, dos paises deficitarios, se requer uma politica de’ ajuste, enquanto os paises superavitarios podem adotar uma atitude de indiferenca em relacdo a seus saldos em conta corrente, 3. A atual ordem econdmica internacional ndo so requer que 0 juste se faca exclusivamente do lado dos paises deficitarios como também impde a esses paises que o ajuste se faca rapido demais. Ou seja, nao prové esses paises com um financiamento compensatorio su- ficiente, que Ihes dé tempo para fazer suas exportagdes crescerem € suas importagées diminuirem, de uma forma compativel com a manu- tencdo do nivel interno de emprego. 4. No caso brasileiro, se fosse possivel manter o nivel de emprego. © ajuste contemplado para a balanca comercial em 1983 exigiria uma redugdo da demanda interna de USS 5,2 bilhées, ou seia, uma redugao de ndo mais que 1,6% em relacdo aos valores atingidos em 1982. 5. Caso, entretanto, o ajuste seja feito exclusivamente pela via re- cessiva, 0 produto interno bruto tera que cair em quase 5% e o gasto iterno teré que se reduzir em 6,5%. 6. Com relacdo a esse Snus excessivo, nio se deve criticar exclusi vamente 0 FMI, exceto pelo fato de ele ser um dos principais agentes de uma ordem econémica internacional que nao dispée dos mecanis- ‘mos apropriados para evitar que o ajuste dos paises deficitarios tenha ‘que ser feito através de uma brutal contracio de sua renda interna, 7. 0 FMI tem que ser criticado pelo fato de sua metodologia de trabalho induzir o pais deficitario a fazer uma recessdo, mesmo que essa ndo seja necesséria para a desejada melhoria do balanco de pagé mentos. E que o staff do FMI toma como ponto de partida de sua ané- lise a idéla de que se um pais tem um problema de balango de paga- ©) sss eels imam coma asa 2 asin pena na aqua cata pro alos dos aba i ‘ees Sasa gnc wp ge rene ag ge eran ce é mentos & porque esté “gastando além de seus meios”, ou seja, tem ‘uma demanda interna que excede os recursos disponiveis localmente. 8. E facil imaginar mais de uma situagdo em que tal ndo seja 0 ca- so. Por exemplo, 0 agravamento da recessdo mundial no ano passado restringiu de forma clara as exportacées brasileiras. Passamos entéo a conviver com mais desemprego e mais desequilibrio externo. Jé na dé- cada de cingiienta, os produtos exportados freqiientemente se torna- vam “gravosos”, devido ao fato de a desvalorizagao cambial nio acompanhar a clevacéo dos custos internos. De novo, a reducdo das exportacdes forcava a ociosidade dos recursos domésticos, ainda que fosse por um problema de politica interna de precos e nao por falta de demanda externa, como no caso anterior. 9, A obtusidade do FMI a este respeito é, entretanto, a prova de erro, se 0 iinico objetivo do programa é melhorar # balanca comercial, Pois sempre sera verdade que a uma-contragdo da demanda interna correspondera a uma melhoria da balanca comercial. monetarias é o instrumento mais eficaz para controlar a demanda in- terna, de uma forma consistente com a manutengdo do equilibrio do balango de pagamentos. 11, O FMI ndo deve ser criticado somente porque presuma que um problema do balanco de pagamentos esteja sempre associado a um terna. Ha dois problemas adicionais. Primeiro, é exclusivamente monetarista e desconsidera 0 Potencial recessivo de uma contracdo puramente fiscal. Por outro la- do, o FMI tende consistentemente a subestimar as previsdes para a ta- xa de inflagéo durante o periodo de ajuste, aparentemente como forma de colocar 0 pais sob presséo para que adote as medidas “impopula- res” que o FMI entende serem necessérias para conseguir uma efetiva reducio da inflacao. 12, Esta postura do FMI é bem ilustrada no caso do programa brasileiro. Nele, o FMI insiste numa enorme reducio do déficit do se- tor pablico, enquanto, pelo menos na primeira carta de intengdes, concorda com metas monetarias que seriam apenas medianamente contracionistas, caso as projecées para a inflagdo tivessem algum grau de realismo. 13. No caso brasileiro, houve um considerdvel endurecimento dos critérios monetarios entre a primeira e a segunda cartas de inteng6es. Este endurecimento foi seguramente devido & aceleragio da inflago no final de 82 e inicio de 83. Ele é ilustrativo do comportamento intru- sivo do FMI em aspectos da economia brasileira que néo es:do no am- Dito de suas atribuigdes. Mas o FMI ndo tem um mandato que o auto- rize a vedar a um pais acesso aos tecursos do Fundo porque sua infla- do se tenha acelerado. 14. Nao ha nada na logica do “enfoque monetario™ que justifique uma atencdo especial do FMI as contas do governo. Entretanto, espe- 126 cialmente depois que a “magia do mercado” passou a reinar na Casa Branea e o “crowding out” em Wall Street, o FMI alegremente incor- necessdade de finaneiamento do setor pablico (NFSPI aos no mesmo nivel de impor- 15. Ao contrario do crédito doméstico, cujos limites sio estabele- cidos através de um “exercicio financeiro” teenicamente s6lido, 08 li- mites para a NFSP parecem ser estabelecidos de uma forma totalmen- pelo FMI. Quatro planos de estabilizagao recentemente jos na América Latina pelo FMI sugerem que esta organizacdo adota uma regra de bolso: "Mecam quanto é. e cortem- nna pela metade”. 16. 0 objetivo parece ser nao o de evitar o “erowding out” finan- ceiro do setor privado, como 6 comumente apregoado, mas o de prati- camente eliminar a presenca do setor piiblico no mercado interno de crédito. Mas nao foi em Bretton Woods que se decidin que o FMI de- ‘vesse ser o paladino da desestatizacio no Brasil. 17. Independentemente deste aspecto ideoldgico, o FMI nfo pa- rece levar em conta as conseqiiéncias reais da compreensio da NFSP. Este problema é muito grave no caso brasileiro, pois o que o FMI re- quer & uma reducéo da razio do déficit do setor piblico sobre o PIB de 8,5 pontos percentuais, entre 1982 e 1983. Nao é preciso ser um fis calista fanatico para compreender o que tamanha contracdo fiscal sig- nifiearé em termos de redugdo do nivel de atividade e do emprego. 18. Dois exercicios aritméticos sugerem a magnitude das corre- bes exigidas na segunda carta de intengdes, para evitar um aprofun- damento da recessio no Pais. Os limites para a expansio do crédi terno das autoridades monetarias precisam ser aumentados 57%. Ja a necessidade de financiamento do setor pitblico deve ter seu limite ex- pandido em 83%. 127

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