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Pois é, não se define. Em 1952 os antropólogos A.L. Kroeber e Clyde Kluckhohn analisaram
162 diferentes definições de cultura e concluíram que não seria possível uma definição de
cultura que contentaria a maioria dos antropólogos. Com esse balde-de-Água-fria, seguem
algumas definições já “clássicas” de cultura na antropologia que devem ser consideradas
criticamente.
Um dos pioneiros da antropologia, Edward Tylor (1832-1917) fez uma das primeiras propostas
científicas de que cultura seria “em seu amplo sentido etnográfico, este todo complexo que
inclui conhecimentos, crenças, arte, moral, leis, costumes ou quaisquer outras capacidades ou
hábitos adquiridos pelo homem como membro de uma sociedade”. (1871, p.1).
Note o adquirido e o membro de uma sociedade nessa definição. Apesar de não ficar tão claro
a cultura material na proposta de Tylor, seria algo socialmente adquirido, não genético ou
inato.
Em uma definição menos estática, outros pioneiros como Franz Boas e Bronislaw Malinowski
propuseram que “cultura abrange todas as manifestações de hábitos sociais de uma
comunidade, as reacções do indivíduo afectado pelos hábitos do grupo em que vive e o produto
das actividades humanas, como determinado por esses hábitos.” (BOAS, 1930, p. 79) e que “a
cultura é uma unidade bem organizada dividido em dois aspectos fundamentais – um corpo de
artefactos e um sistema de costumes”. (MALINOWSKI, 1944).
Voltando a Clyde Kluckhohn, ele lista um rol de acepções sobre cultura, que seria:
1. O modo de vida global de um povo;
2. O legado social que o indivíduo adquire do seu grupo;
3. A forma de pensar, sentir e acreditar;
4. Uma abstracção do comportamento;
5. Uma teoria, elaborada pelo antropólogo, sobre a forma pela qual um grupo de pessoas se
comporta realmente;
6. Um celeiro de aprendizagem em comum;
7. Um conjunto de orientações padronizadas para os problemas recorrentes;
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8. Comportamento aprendido;
9. Um mecanismo para a regulamentação normativa do comportamento;
10. Um conjunto de técnicas para se ajustar tanto ao ambiente externo como em relação aos
outros homens;
11. Um precipitado da história;
Além das analogias da cultura como um mapa, uma peneira e uma matriz.
Sob um aspecto ecológico, cultura é “uma parte dos meios distintos pelos quais a população
local se mantém em um ecossistema e pelo qual essa população se mantém e coordena seus
grupos e os distribui através da terra disponível”. (RAPPAPORT, 1971).
Semelhante à definição ecológica, Darcy Ribeiro via a cultura como “o conjunto e a integração
dos modos de fazer, agir, pensar desenvolvidos ou adoptados por uma sociedade como solução
para as necessidades da vida humana associativas”.
Essas perspectivas reflectem uma falsa dicotomia no debate sobre a cultura. De um lado, a
cultura como um parâmetro de comportamento social (como em Rappaport, Hofstede) e de
outro, a cultura como um sistema simbólico de valores e significados (como em Geertz).
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O termo cultura vem do latim colere e é cognata às palavras agricultura, cultivar, colher,
culto (tanto o adjectivo quanto o substantivo), ou seja, tudo aquilo que requer esforço humano
para transformar em oposição ao encontrado na natureza. Para Cícero, educar um indivíduo em
um ser social e político implicava em cultivá-lo: a filosofia é a cultura da mente. No século
XVIII e XIX, filósofos alemães passaram a empregar o termo Kultur como cultivado,
culto ou civilizado, daí vem a acepção de cultura como erudição.
Com a popularização do termo pela antropologia, surgiram outras nuances. Antecedido pelo
modificador “outro”, o termo cultura é usado para referir a um grupo social. É nesse sentido
que aparece no plural: culturas. É o caso de a cultura dos xavantes, a cultura japonesa ou a
cultura ocidental. Nessa acepção, há uma idealização de uma cultura como pertencente a um
grupo, idealmente com suas fronteiras e conteúdos definidos. Entretanto, essa concepção é
mais uma abstracção empregada no sentido lato que propriamente reflexo da realidade. Falar
algo como cultura brasileira ou cultura paraguaia seria um tipo ideal. Internamente há outras
facetas nessas culturas nacionais.
Nesse contexto, pode-se falar ainda em cultura popular, de massa, subcultura, contracultura e a
cultura subalterna.
Subcultura reflecte o uso selectivo de alguns elementos de uma cultura para reforçar a
identidade de um grupo social, étnico, de género, etário, de orientação sexual ou de
afinidade. É o caso dos cowboys urbanos que frequentam Barretos e acham que leite
nasce das caixinhas Tetrapak.
Contracultura ou cultura marginal (underground) são aquelas subculturas de
descolados que não gostam de se conformar com o status quo. São os que ainda
insistem em escutar música caipira de raiz em LPs.
A cultura subalterna é aquela que feita de baixo para cima, não consegue um
reconhecimento e aceitação amplos. São as modinhas ainda tocadas em serão por
violeiros não profissionais nos sertões do Brasil.
Apesar dessa diversidade de empregos do termo, Avruch (1998) aponta seis usos
equivocados da noção antropológica de cultura:
1. Cultura é homogénea.
2. A cultura é uma coisa que funciona ou existe independente da ação humana.
3. A cultura se distribui uniformemente entre os membros de um grupo.
4. Um indivíduo possui apenas uma única cultura.
5. Cultura é costume.
6. Cultura é atemporal.
Como se vê, ainda que haja uma pluralidade semântica no termo “cultura”, esse conceito
possui seus contornos. Entre outros, o uso inadequado desse termo produz atitudes similares
ao racismo. Se racistas pressupõem (1) a existência de raças fixas determinando atributos,
comportamento e valores a seus membros; (2) a superioridade entre raças; (3) a raça ser
propriedade do indivíduo e de um povo; (4) que a raça deva ser protegida contra contaminação
externa; basta trocar a palavra “raça” nessas afirmações por “cultura” para identificar um
preconceituoso “culturista”.
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A cultura não é uma mera soma de elementos. A experiência de cada pessoa com a cultura é
única. A cultura condiciona a visão de mundo, interfere na existência física do ser humano,
opera com uma lógica própria e se mantém dinâmica (LARAIA, 1986). Com isso, a
configuração dos elementos da cultura, às vezes funcionais (ou não), é complexa.
Uma das divisões mais simples e úteis é a entre cultura material e cultura imaterial. Proposta
por Ogburn (1922), organiza a cultura como uma moeda de duas faces. De um lado, os
artefactos, o design (a arquitectura ou configuração de objectos), animais e plantas
domesticados constituem a cultura material, o hardware da cultura. E vale ressaltar
que artefacto é qualquer objecto, tangível ou não, que possa ter um significado atribuído. Por
exemplo, uma pedra pode ser deixada na natureza ou se tornar um artefacto quando passa a ser
reverenciada como sagrada ou misturada com cimento para fazer concreto. Já cultura
imaterial ou cultura não material inclui tanto os significados atribuídos à cultura material
como também os sistemas de crenças, valores, símbolos, linguagens, normas, instituições e
organização social desde a família até o Estado. Ogburn notou que há um descompasso
(cultural lag) entre a cultura material e a cultura imaterial, pois as tecnologias da cultura
material estão desenvolvendo com maior velocidade enquanto a cultura imaterial tem
dificuldade em se adaptar rapidamente a essas modificações.
Atributos da Cultura
Uma vez posto o que cultura não é, vale apontar alguns de seus atributos clássicos:
Há quem diga que não. O termo tem sido usado com tantas significações que perdeu sua
serventia como unidade de análise.
Adicionalmente, cultura tende a ser usada como uma simples abstração para ajuntar
acriticamente tudo quanto é actividade humana. Desconfie de explicações de causalidade do
tipo “isso só deu certo/errado naquele país por causa da cultura”, “esse tipo de crime acontece
porque há uma cultura de crime” ou “os fulanos se comportam assim por causa da cultura
deles”. Explicam tanto quanto dizer “que peixe é molhado porque vive na água”.
Para esse debate, veja Abu-Lughod (1991), Gupta e Ferguson (2000) e Brumann (1999). Seja
como for, quando qualificado criticamente ainda o conceito de cultura é um instrumento
cotidiano da teoria antropológica.
1.Teoria Evolucionista
Principais representantes:
Edward B. Tylor (1832-1917), Lewis H. Morgan (1818-1881) e James Frazer (1854-1941).
1. Selvagismo: que por sua vez se dividia em inferior-médio (identificado pela pesca e o domínio
do fogo) e superior (com domínio de armas como o arco e a flecha).
2. Barbárie: no nível inferior somente com o domínio da cerâmica e a domesticação; no nível
médio com a conquista da agricultura e o ferro no nível superior.
3. Civilização: etapa correspondente aos povos que desenvolveram o alfabeto fonético e que
possuíam registros literários.
Assim, Taylor defendia que existiam diferentes tipos de famílias que evoluíam até chegar à
família patriarcal em suas formas poligâmica e monogâmica.
2.Difusionismo
Nessas teorias de perspectivas diacrônicas, a cultura seria “em seu amplo sentido etnográfico,
este todo complexo que inclui conhecimentos, crenças, arte, moral, leis, costumes ou
quaisquer outras capacidades ou hábitos adquiridos pelo homem como membro de uma
sociedade”. (Tylor, 1871, p.1).
Essa busca pelos seres humanos mais prístinos levou ao estudo da origem das instituições –
principalmente a religião, a família, a propriedade e o direito – entre os esses povos “fósseis”
como os arunta da Austrália, por sua suposta simplicidade.
Como pode se inferir dessa visão bem enviesada, a complexidade tecnológica refletiria uma
maior complexidade social. Assim, as sociedades ocidentais seriam as mais “avançadas”.
REFERÊNCIAS
AVRUCH, K. Culture and Conflict Resolution. Washington DC: United States Institute of
Peace, 1998.
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BOAS, Franz. “Anthropology”. Em: Encyclopedia of the Social Sciences, vol. 2. pp. 73-110.
ELIAS, Norbert. O processo civilizador: Uma história dos costumes. Tradução de Ruy
Jungmann. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1994. [1936].
GUPTA, Akhil e FERGUSON, James. “Mais além da ‘cultura’: espaço, identidade e política
da diferença” [1992]. In: Arantes. A. A. (org.). Espaço da Diferença. Campinas: Ed. da
Unicamp, 2000, pp. 30-4
HOFSTEDE, Geert. Cultures and Organizations: Software of the Mind. McGraw-Hill, 1997.
KLUCKHOHN, Clyde. Mirror for man: The relation of anthropology to modern life. New
York: Whittlesey House, 1949.
LARAIA, Roque de Barros. Cultura: um conceito antropológico. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,
1986.
MALINOWSKI, Bronislaw. A Scientific Theory of Culture and other Essays. Chapel Hill:
University of North Carolina Press; London: Humphrey Milford, Oxford University Press.
1944.
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OGBURN, William Fielding. Social Change with respect to culture and original nature. 1922.