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Colegdo EDUCAGAO CONTEMPORANEA Dados de Catalogacao na Publicacéo (CIP) Intemacional (Camara Brasileira do Livro, SP, Brasil) s27te 1O.ed. Savian, Dermeval, 1944- TEducario ' Jo senso comum A. conscignciafiloséfica/Der~ ‘eval Savian! ~ Sio Paulo: Cortez Editora : Autores Associa os, 1991. (Colegio edueagio contemporines) Bibi, ISBN385-249-0138-6 1, Educagio — Brasil 2. BducasSo ¢ Estado ~ Brasil 3, Eudicagho Filosofia | Titulo. cpp-370.1 3-370.981 CONTEUDO Prefacio a Segunda Edigao ... Pés-Graduagao em Edi Uma Concepeao de Mestrado em Educasio .. ato Problemas Organizacao 540/68 e 5.692/71 e formacao do Congreso Ni na Legislagdo do Ensino: um Estudo de Politica Educacions A FILOSOFIA NA FORMACAO DO EDUCADOR A Filosofia da Educagdo entendida como reflexio sobre 03 problemas que surgem nas atividades educacionais, seu significado e funedo, 0 objetivo deste texto* ¢ explicitar 0 sentido e a tarefa da filosofia na educagio, Em que a filosofia poders nos ajudar a entender o fenémeno a educagio? Ou, melhor dizendo: se pretendemos ser educadores, de que ‘maneira ¢ em que medida a filosofia poderé contribuir para que alcance- ‘mos 0 nosso objetivo? Na verdade, a expresso “filosofia da educagao” & conhecida de todos. Qual é, entretanto, 0 seu significado? Aceita-se corren- temente como inquestiondvel a existéncia de uma dimensio filoséfica na educagdo. Diz-se que toda educagSo deve ter uma orientagao filoséfica. ‘Admite-se também que a filosofia desempenha papel imprescindivel na formagio do educador. Tanto assim & que a Filosofia da Educagdo figura como disciplina obrigatéria do curriculo minimo dos cursos de Pedagogia. Mas em que se baseia essa importincia concedida i Filosofia? Teria ela bases reais ou seria mero fruto da tradigd0? Serd que o educador precisa realmente da filosofia? Que € que determina essa necessidade? Em outros termos: que € que leva 0 educador a filosofar? Ao colocar essa questo, 'n6s estamos nos interrogando sobre o significado e a fungGo da Filosofia em si mesma. Poderiamos, pois, extrapolar 0 imbito do educador e per- guntar genericamente: que € que leva 0 homem a filosofar? Com isto esta- ‘mos em busca do ponto de partida da filosofia, ou seja, procuramos deter- ‘minar aquilo que provoca o surgimento dessa atitude no habitual, ndo espontinea & existéncia huimana. Com efeito, todos e cada um de nés nos descobrimos existindo no mundo (existéncia que € agir, sentir, pensar). Tal existéncia transcorre normalmente, espontaneamente, até que algo interrompe 0 seu curso, interfere no processo alterando a sua sequéncia natural. Ai, entéo, 0 homem € levado, € obrigado mesmo, a se deter € examinar, procurar descobrir o que é esse algo. E é a partir desse momento que ele comeca a filosofar. O ponto de partida da filosofia , pois, esse algo a que damos 0 nome de problema. Eis, pois, o objeto da filosofia, aquilo de que trata a filosofia, aquilo que leva o homem a filosofar: sao 0s problemas que o homem enfrenta no transcurso de sua existéncia *) Escrito em 1973 como texto diditico para os alunos da dsciplina Filo- sofia da Educagio I, do curso de Pedagogia ~ PUC/SP. Publicado na Revista Didata, 2. I, janeiro de 1975, 1, NOGAO DE PROBLEMA Mas que € que se entende por problema? Tao habituados estamos 0 uso dessa palavra que receio jé tenhamos perdido de vista 0 seu signifi cado. 1.1, Os Usos Correntes da Palavra “Problema”: Um dos usos mais frequentes da. palavra problema é, por exemplo, ‘aquele que a considera como sindnimo de questo, Neste sentido, qualquer pergunta, qualquer indagacdo é considerada problema. Esta identificagao resulta, porém, insuficiente para revelar 0 verdadeiro cardter, isto é, a es- pecificidade do problema. Com efit, se eu pergunto am dos litores: “quantos anos voeé tem?”, parece claro que eu estou lhe propondo uma questio; € parece igualmente claro que isto, nfo traz qualquer conotaggo problemitica. Na verdade, a resposta sera simples ¢ imediata. Nao se con- clua dai, todavia, que a especificidade do problema consiste no elevado complexidade que uma questio comporta. Neste caso estariam ‘exclu idos da nogo de problema as questdes simples, reservando-se aquele nome apenas para as questes complexas. Nao se trata disso. Por mais que lexidade de celevemos o grau de complexidade, mesmo que alcemos a ec uma questo a um grau infinito, ndo ¢ isto que ird car blema. Se eu complico a pergunta feita 40 meu supost determinar quantos meses, ou mesmo, quantos segundos perfazem a sua ta nfo sera simples e imediata mas nem por isso 0 referido leitor se pertur- bard. Provavelmente, retrucard com seguranca: “dé-me tempo para fazer los e the apresentarei a resposta”; ou entio: “uma questio como almente destituida de interesse; ndo vale a pena perder tempo jote-se que 0 uso da palavra problema para designar os exerci- s (de modo especial os de matemitica) se enquadra nesta pri- ‘meira acepgio, S40, com efeito, questdes. E mais, quest&es cujas respostas slo de antemfo conhecidas. Isto € evidente em relagdo ao professor, mas nfo deixa de ocorrer também no que diz respeito ao aluno. Na verdade, 0 ‘aluno sabe que 0 professor sabe a resposta; e sabe também que, se ele aplicar os procedimentos transmitidos na sequéncia das aulas, a resposta serd obtida com certeza. Se algum problema ele tem, nfo se trata af do desconhecimento das respostas as questdes propostas mas, eventualmente, da necessidade de saber quais as possiveis consequéncias que poderd acar- retar 0 fato de nfo aplicar os procedimentos transmitidos nas aulas. Isto, peas, sect esclarecido mais adiante. ONmerpetinnienioinenciaihi)? conhecida. E quando a resposta ¢ desconhecida? Estariamos ai diante de um problema? Aqui, porém, n6s jé estamos abordando uma segunda forma do uso comum e corrente da palavra. Trata-se do problema como nio-sa- ber. De acordo com esta acepeo, problema significa tudo aquilo que se desconhece. Ou, como dizem os dicionérios, “coisa inexplicdvel, ineompre- ensivel” (ef. Caldas Aulete, Dicionério Contemporineo da Lingua Portu- ‘guesa, vol. IV, verbete problema, Ed, Delta). Levada ao extremo, tal inter- ppretago acaba por identificar o termo problema com mistério, enigma (0 ‘que também pode ser comprovado numa consulta 20s, determinada questo, nfo é suficiente para caracte- im efeito, se retomo 0 didlogo com o meu suposto leitor e the pergunto agora: “quais os nomes de cada uma das ilhas que compdem 0 arquipélago das Filipinas?” (cerca de 7.100 ilhas). Ou: “Quais s nomes de cada uma das Ilhas Virgens (cerca de 53), territério do Mar das Antilhas incorporado aos EE.UU.?" Com certeza, 0 referidoleitor no sabera responder a estas perguntas e, mesmo, é possivel que sequer soubes- se da existéncia das taisilhas Virgens. E evidente, contudo, que essa situa $40 ndo se configura como problematica. E quando 0 ndo-saber é elevado 4 um grau extremo, implicando a impossibilidade absoluta do saber, confi- gurase, como jé se disse, 0 mistério. Mistério, porém, nfo é sindnimo de problema. E, a0 contrario e freqientemente, a solugo do problema, e, Quiga, de todos 0s problemas. Dé prova disso a experiéncia religiosa, A atitude de f€ implica a aceitagao do mistério. O homem de fé vive da con- fianga no desconhecido ou, melhor dizendo, no incognoscivel. Este é a fonte da qual brota a solugdo para todos os problemas. Com isto no quero dizer que a atitude de f€ no possa revestirse, em determinadas circuns- tncias, de certo caréter problemitico. Apenas quero frisar que o problema nfo estd na aceitago do mistério, na confianga no incognoscivel. Esta ‘uma necessidade inerente a0 ato de f. O problema no fato de que essa necessidade nfo possa ser satiste lidade de que a confianga no incognoscivel venha a 48 coisas que nés ignoramos so muitas e n6s sabemos fato, como também a consciéncia deste fato, ou mesmo, @ aceitagdo.da cexisténcia de fendmenos que ultrapassam irredutivelmente e de modo ab- soluto a nossa capacidade de conhecimento, nada disso é suficiente para caracterizaro significado essencial que a palavra problema encerra. © uso comum do termo, cujo constitutive fundamental estamos buscando, registra outros vordbulos tais como obsticulo, dificuldade, divida, etc. Nao 6 preciso, porém, muita argicia para se perceber a insufi cigncia dos mesmos em face do objetivo de nossa busca, Existem ‘obsticulos que ndo constituem problema algum. Quanto ao vocabulo culdade”, é interessante notar as seguintes definigbes de “problem: encontradas nos dicionérios: “coisa de dificil explicago” (cf. Caldas 19 Aulete, citado) © “coisa dificil de explicar” (ef. Francisco Femandes, Dic. Bras. Contemporineo, p. 867). Julgamos supérfluo comentar seme- thantes definig6es, uma vez que as consideragGes anteriores jé evidencia- ram suficientemente que nfo é 0 grau de dificuldade (mesmo que seja levado a0 infinito) que permite considerar algo como problemitico. Por fim, a divida tem, a partir de sua etimologia, o significado de uma dupla possiilidade. Implica, pois, a existencia de duas hipGteses em principio ‘gualmente vilidas, embora mutuamente excludentes. Ora, em dete: das circunstincias € perfeitamente possivel manter as duas hipétese que isto represente problema algum. O ceticismo & um exemplo tipico. AA vida cotidiana assim como a historia da ciéncia ¢ da filosofia nos ofere- ‘cem intimeras ilustragbes da “'dGvida no problemética”. Tomemos apenas um exemplo da experiéncia cotidiana: imagi do em diregio a escola; a cem met seguinte desafio: “duvido que voce m ipio, a ‘até que vocé me demonstre 0 contrério, ndo posso tampouco admitila”. 0 desafiado poderd aceitar 0 desafio e uma das hip6- teses seré comprovada, dissipando-se conseqientemente a dvida. Poderd, ‘contudo, no aceitar e a duvida persistira sem que isto imptique problema algum, is 1.2. Necessidade de se Recuperar a Problematicidade do “Problema” Notamos, pois, que 0 uso comum e corrente da palavra problema ‘acaba por nos conduzir a seguinte conclusio, aparentemente incongruente: “o problema nfo é problematico”. Isto permitiu a Juliin Marias' afirmar: “Os tiltimos séculos da historia européia abusaram levianamente da denominagéo “problema”: qualificando assim toda pergunta, 0 homem modemo, ¢ principalmente a partir do tiltimo século, habituouse a viver trangiilamente entre problemas, distraido do dramatismo de uma situa- ¢0 quando esta se toma problemética, isto é, quando ndo se pode estar nnela e por isso exige uma solucao."” Se o problema deixou de ser problematico, cumpre, entio, recuperar a problematicidade do problema. Estamos aqui diante de uma situaggo que ilustra com propriedade o proceso global no qual se desenrola a existéncia ‘humana, Examinamos alguns fendmenos, ou seja,algumas formas de mani- festagdo do problema, No entanto, o fendmeno, ao mesmo tempo que revela (manifesta) a esséncia, a esconde, Trata-se daquilo a que Karel 1. MARIAS, J. ~Introdugéo a Filosofia, p. 22. 20 Kosik? denominou “o mundo da pseudo-concreticidade”. Importa esta “pseudo-conereticidade” a fim de captar a verdadeira concreti Esta € a tarefa da ciéncia ¢ da filosofia. Ora, captar a verdadeira concr cidade nfo é outra coisa sendo captar a esséncia, Nao se trata, porém, de algo subsistente em si e por si que esteja oculto por detrés da cortina dos fendmenos. A esséncia é um produto do modo pelo qual o homem produz ‘ua propria existéncia. Quando o homem considera as manifestagGes de sua ropria existéncia como algo desligado dela, ou seja, como algo indepen- dente do processo que as produziu, ele esté vivendo no mundo da “pseudo- -concreticidade”, Ele toma como esséneia aquilo que é apenas fenémeno, isto é, aquilo que é apenas manifestag%o da esséncia. No caso que estamos ‘examinando, ele toma por problema aquilo que é apenas manifestago do problema, ‘Apés essas consideragdes, cabe perguntar agora: qual 6, esséncia do problema? No processo de produco de © homem se defronta com situagbes ineludiveis, i io depende a continuidade mes este conceito de necessidade € fundame para se entender o significado essencial da palavra problema. Trata-se, pois, de algo muito embora frequent ignorado. A es problema € a necessidade. Com isto € possivel agora destrui sconereticidade” e ceptar a verdadeira “concreticidad ‘meno pode revelar a esséncia e nio apenas Com is pode- ‘mos, enfim, recuperar 0s usos correntes do termo “problema’, superando 8 suas insuficigneias ao referi-los 4 nota essencial problematicidade: a necessi n, uma q io transpor, uma diffeuldade que precisa ser superada, uma dtivida que no pode deixar de ser dssipada so situagdes que se nos configuram como verdadei a8. 2. KOSIK, K. —Dialétca do Conereto, especialmente pp. 920. ‘mo qualquer outro aspecto da existéncia humana, apresenta um lado sub- jetivo e um lado. objetivo, intimamente conexionados numa unidade dia- Tética. Com efeito, o homem constr6i a sua existéncia, mas o faz a partir e citcunstincias dadas, objetivamente determinadas. Além disso, 6, ele proprio, um ser objetivo sem 0 que ndo seria real. A verdadeira compre- tensfo do conceito de problema supe, como jé foi dito, a necessidade. Esta 36 pode existir se ascender ao plano consciente, ou seja, se for sentida pelo homem como tal (aspecto subjetivo); hi, porém, circunstncias concretas ymando possivel, de um lado, io) e, de outro, prover os meios que objetivizam a necessidade sen avaliar 0 seu caréter real ou suposto (fi de satisfazé-ta. cada individuo ‘© problema existiria toda vez que cada individuo o sentisse como tal, importando a5 circunstancias de manifestago do fendmeno. Sabemos, porém, que uma reflexio sobre as condigdes objetivas em que os homens produzem a propria existéncia nos permite detectar a ocorréncia daquilo que esté sendo denominado “pseudoproblema”, A estrutura escolar (em geral por reflexo da estrutura social) € fértil em exemplos dessa natureza, Muitas das questdes que integram 0s curriculos escolares sfo destituidas de contedido problemitico, podendo-se aplicar a elas aquilo que dissemos a propésito dos exercicios escolares: “se algum problema o aluno tem, no fe trata ai do desconhecimento das respostas &s quest® Dranineateevenc tidos nas s ‘ desencad como re: 0 cardter oso das questdes propostas. O referido cariter artificioso configura, evidentemente, o que denominamos “pseudo- -problema”. Um raciocinio extremado tomaré dbvio o que acabamos de dizer: suponhamos que as 7.100 ilhas do arquipélago das Filipinas tenham, cada uma, um nome determinado. Suponhamos, ainda, que um professor de Geografia exija de seus alunos 0 conhecimento de todos esses nomes. Os alunos estardo, entfo, diante de um problema: como conseguir a apro- vagdo em face dessa exigéncia? Uma vez que eles no necessitam saber os rnomes das ilhas (iss blema), mas precisam ser aprovados, parti Go em busca dos a (*pseudo-solug6es”) que thes garantam a apro- vvagio. Esté aberto tho para a fraude, para a impostura. Com este fendmeno esto relacionados os ditos jé generalizados, como: “os alunos aprendem apesar dos professores”, ou “a nica vez que a minha educagdo 2 foi interrompida foi quando estive na escola” (Bemard Shaw). © “pseudoproblema”, como j4 se disse, € possivel em virtude de ‘que 0s fendmenos nfo apenas revelam a esséncia, mas também a ocultam. ‘A conscigncia dessa possiblidade toma imprescindivel um exame detido das condigdes objetivas em que se desenvolve a nossa atividade educativa. Em suma: problema, apesar do desgaste determinado pelo uso exces- sivo do temo, possui um sentido profundamente vita altamente dramé- tico para a existEncia humana, pois indica uma situacdo de impasse. Trata- -se de uma necessidade que se imp0e objetivamente ¢ ¢ assumida subjetiva- consciente de si mesmo, capaz de se avaliar, de verificar o grau de ade- quagdo que mantém com os dados objetivos de medir-se com o real. Pode aplicar-se as impressbes ¢ opinides, 20s conhecimentos cientificos e téc- nicos, interrogandose sobre o seu significado. Refleti é 0 ato de retomar, reconsiderar os dados disponiveis, revisar, vasculhar numa busca constante de significado. E examinar detidamente, prestar atengo, analisar com ‘euidado. E ¢ isto 0 filosofar. ‘Até aqui a atitude filos6fica parece bastante simples, pois uma vez que ela € uma reflexdo. sobre os problemas ¢ uma vez que todos e cada homem tém problemas inevitavelmente, segue-se que cada homem é natu- ralmente levado a refletir, portanto, a filosofar. Aqui, porém, a coisa ‘omega a se complicar dauauiee vance me one aaa aera ESC oa ae a a netted el UE ei 23 3. AS EXIGENCIAS DA REFLEXAQ FILOSOFICA Com efeito,se a filosofia ¢ realmente uma reflexdo sobre os proble- mas que a realidade apresenta, entretanto ela nfo é qualquer tipo de refle- xo. Para que uma reflexdo possa ser adjetivada de filos6fica, é preciso ‘que se satisfaca uma série de exigéncias que vou resumir em apenas trés 4 radicalidade, 0 rigor e a globalidade. Quero dizer, em suma, Radical: Em primeito lugar, exige-se que 0 problema seja colocado em ter- mos radicais, entendida a palavra radical no seu sentido mais proprio ¢ imediato. Quer dizer, é preciso que se vi spmslatiseeniore mt seus Satenenle ‘outras palavras, exige-se que se opere uma reflexio.em_ indidade, Git deveas procter com igor, ou tee, setematicanente, pind 61a" modo pa as numa perspectiva de conjunto, relacionando-se 0 as pecto em questo com os demais aspectos do contexto em que esté inse- rido. E neste p de um modo mais marcante. Com efeito, a0 seu campo de ago é 0 problema, esteja onde estiver. Melhor dizendo, seu campo de ago € 0 problema enquanto nio se sabe ainda onde ele est4; por isso se diz que a filosofia é busca. E ¢ nesse sentido também que se pode dizer que a filosofia abre caminho para a através da reflexo, ela localiza o problema tomando possivel a sua d mitagdo na area de tal ou qual ciéncia que pode entfo analisé-lo e, quigd, solucionélo. Além disso, enquanto a ciéncia isola o seu aspecto do con- texto ¢ o analisa separadamente, a flosofia, embora dirigindo-se as vezes apenas a uma parcela da realidade, insere-a no contexto e a/examina em — fapeto.da.copiuntn, ‘A exposigiio sumaria lo. nos deve iludir. Nao se tapdem numa somatéria suse ‘sua jungio, a reflexdo filoséfica, A profundidade (radicalidade) é essencial a atitude filosfica do mesmo modo que ay visio de conjunto. Ambas se jsolada de cada um dos ftens acima descritos 20 mesmo tempo a radicalidade, a universalidade ¢ a unidade da teflexio filos6fica.* Deste modo, a concepedo amplamente difundida segundo a qual 0 aprofundamento determina um afastamento da perspectiva de «, vice-versa: a ampliago do campo de abrangéncia acarreta uma superficializagao, € uma ilusio de éptica decorrente do pensar formal, 0 nosso modo comum de pensar que herdames da tradgfo ociden- liga a uma coneepeio geral da realidade, exigindo uma reinterpretagdo slobal do modo de pensar essa realidade. Entdo, a l6gica formal, em que (principio de contradie40, ou lei da unidade dos contrérios). Por iss0, a ogica formal acaba por enredar a atitude filos6fica numa gama de cont digoes freqientemente dissimuladas através de uma postura idealista, seja (que se reconhece como tal) ou ingénua (que se autodenomina ‘A visio dialética, 20 nos arma de um instrumento, ou ‘capaz de nos propiciar a compre- slobalidade na unidade da reflexdo Afirmamos antes que 0 problema apresenta um lado objetivo € um ubjetivo, caracterizando-se este pela tomada de consciéncia da neces- . As consideragdes suprasdeixaram claro que @ reflexao ¢ provocada lema e, ao mesmo tempo, dialeticamente, constitui-se numa res- posta a0 problema. Ora, assim sendo, a reflexio se caracteriza por um aprofundamento da consciéncia da situaego problemitica, acarretando (em especial no caso da reflexao filosofica, por virtude das exigéncias que lhe sfo inerentes) um salto qualitativo que leva & superagao do problema no seu nivel origindrio. Esta dialética reflexdo-problema é necessério ser compreendida para que se evite privilegiar, indevidamente, seja a reflexo (© que levaria a um subjetivismo, acreditando-se que o homem tenha um pode absoluto sobre os problemas, podendo manipuliclos a seu bel- 4 ia reificé-lo desligando-o de sua , em a qual a esséncia do pro- blema ndo pode ser apreendida, como jé foi explicado). Por fim, é necesséria uma observagio sobre @ expressio bastante difundida, “problema filos6fico”. Cabe perguntar: “existem problemas do uso corrente da palavra problema (ji abordado) que a dé i mo de questdo, tema, assunto, Aqueles assuntos, que sf0 objeto de estudo dos cientistas, por exemplo, sfo denominados “problemas cientificos". Dai as derivagSes: “problemas sociol6gicos”, “problemas psicologicos”, “problemas quimicos”, etc. Mas como aceitar essa interpre da filosofia que, como foi dito antes, ndo tem objeto determin: aceiticla, se qualquer assunto pode ser objeto de reflexao filosof ‘comum ¢ corrente tem se pautado, entio, pelo seguinte paralelismo: assim como “problemas cientificos” sio aquelas questdes de que se ocupam 0s cientistas, “problemas fllosbficos” ndo so outra coisa sengo aquelas ques- ‘Bes de que se tém ocupado os filbsofos. Nao se deve esquecer, porém, que ‘fo ¢ porgue o filsofos s ocuparam com tas assunts que les sfopro- ‘mas, ao contririo: & porque eles so (ou fore se ocuparam e se preocuparam. altemativa: a expresso “problei ¢sséncia do filosfar. Oculta, na’ medida em que compartimentalzando tam tude filos6fica (bem a gosto do modo formalista de pensar) a reduz a uns tantos assuntos jé de antemdo catalogéveis, empobrecendo um trabalho que deveria ser essencialmente criador. Revela, enquanto pode chamar a atengdo para alguns problemas que se revestem de tamanha mag- nitude, em face das condi we sm, em caréter prioritirio, |, tigo- rosa e de conjunto. Tratar-se-ia, por conseguinte, de problema que pde em tela, de imediato e de modo inconteste, a necessidade da filosofia. Estaria, justificado, nessas circunstincias, 0 uso da expresso “problema filos6- 4, NOCAO DE FILOSOFIA Esclarecido o signifieado essencial de problema; explicitados a nogo de reflexdo € 0s requisitos fundamentais para que cla seja adjetivada de 26 filos6fica, podemos, finalmente, conceituar a filosofia como uma REFLE- XAO (RADICAL, RIGOROSA E DE CONJUNTO) SOBRE OS PROBLE- MAS QUE A REALIDADE APRESENTA. 5. NOCAO DE “FILOSOFIA DE VIDA” Mas serd que isso nos diz alguma coisa? Quando ouvimos filosofia da educagdo ndo me parece que ocorra em nosso esprit acima. Com efeito, ouvimos falar em Filosofia da Educagi Nova, Filosofia da Educagio da Escola Tradicional, Filosofia da Educacdo do Governo de Sto ilosofia da Educagio da Igre sabemos que no i da reflexio da Igreja Catdlica, dores da Escola Nova qiéncia da reflexdo. Com ef tagho; a todos momentos est reflexdo; podemos agir sem refletir (embora no nos seja possivel agir sem pensar). Neste caso, nés decidimos, fazemos escolhas espontaneamente, seguindo 0s padrdes, a orientago que o proprio meio nos impée. E assim que nés escothemos nossos clubes preferidos, nossas amizades; € assim que 6s pais escolhem o tipo de escola para os seus filhos, colocando-os em colé- ‘gio de padres (ou freiras) ou em colégio do Estado; é assim também que certos professores elaboram o programa de suas cadeiras (vendo 0 que 0s livros didéticos, etc.);€ assim, ainda, que se fundam certas escolas ou que 0 Govern tas medidas. NesassituagGes n6s nfo temos conscién- cia clara, expl orgué fazemos assim e nfo de outro modo. Tudo Todos e cada um de vida", Esta se constitui 30 comum”. CI. GRAMSCI, A. ~ Quadern del Carcere, especial: 0. (Na tradugio brasileia, ver, Concepeso Dialética da Historia, ‘em especial a Parte 1.) 27 6. NOGAO DE “IDEOLOGIA” Mas, como ja dissemos, quando surge 0 problema, ou seja, quando ‘go sei que rumo tomar e preciso saber, quando no sei escolher e preciso saber, ai surge a exigéncia do filosofar, ai eu comeco a refletr. Essa refle- ois se eu preciso saber ¢ ndo sei, isto significa que eu no ; busco uma resposta e, em io, ela pode ser encon- trada em qualquer ponto (daf, a necessidade de uma reflexio de conjunto). A medida, porém, que a reflexdo prossegue, as coisas comegam a ficar mais claras ¢ a resposta vai se delineando. Estrutura-se entio uma orientagio, rincipios sfo estabelecidos, objetivos sfo definidos e a ago toma rumos novos tomando-se compreensivel, fundamentad: ‘que também aqui cipi "ago, Mas aqui nés temos consci assim e no de outro modo. 7. ESQUEMATIZACAO DA DIALETICA “ACA : - ua i \CAO-PROBLEMA-REFLE- Podemos, pois, para facilitar a compreensio, formular 0 seguinte diagrama: 1. AgGo (fundada na filosofia de vida) suscita 2. Problema (exige reflexdo: a filosofia) que leva & 3. Ideologia (consequéncia da reflexdo) que acarreta 4. Agio (fundada na ideologia) 55-171. Por fim, eabe lembrar que a nosso adota sem pretenses de algar-se ao plano de uma teoria da idcologia, obtém forte apoio ¢m GRAMSCL, A. - Concenpéo Dialic de Midia,(Verpriniplmente p. 61-63 © 28 [Nao se trata, porém, de uma seqiéncia logica ou cronolégica; é uma seqdéneia dilética. Portanto, nfo se age primeiro, depois se reflete, de- pois se organiza a ago e por fim age-se novamente. Trata-se de um proces- so em que esses momentos se interpenetram, desenrolando o fio da exis téncia humana na sua totalidade. E como nio existe reflexdo total, a agi {rari sempre novos problemas que estardo sempre exigindo a reflexdo; por iss0, a filosofia € sempre necesséria e a ideologia serd sempre parcial, fragmentiria e superavel.® Assim, poderfamos continuar 0 diagrama ante- rior, da seguinte forma: 4. Acdo (fundada na ideologia) su 5. Novos Problemas (exigem reflexio: a filosofia) que leva & 6. Reformulagdo da ideologia (organizagdo da ago) que acarreta 7. Reformulagio da ago (fundada na ideologia reformulada), 8. NOCAO DE FILOSOFIA DA EDUCACAO. Portanto, © que conhecemos normalmente pelo nome de filosofia da educagio nio 0 é propriamente, mas identificase (de acordo com a ter- rminologia proposta) ora com a “flosofia de vida”, ora com a “ideologia”. ‘Acreditamos, porém, que a filosofia da educagdo $6 serd mesmo indispen- sivel a formagio do educador, se ela for encarada, tal como estamos pro- pondo, como uma REFLEXAO (RADICAL, RIGOROSA E DE CON- JUNTO) SOBRE OS PROBLEMAS QUE A'REALIDADE EDUCACIO- NAL APRESENTA. Podemos, enfim, responder & pergunta colocada no inicio: que é que leva 0 educador a filosofar? O que leva 0 educador a filosofar slo 0s pro- amas (entendido esse termo na, procurando descobrir quais 0 aspectos que ele comporta, quais as suas exigéncias referindo-as sempre a situagdo existencial concreta do homem brasileiro, pois é ai (ou pelo menos a partir dai) que se desenvolveré 0 8, Esta mancira de colocar as relagSes entre filosofia¢ ideologia nos permite sua possivellimitagdo, Tal mo © outro que exchii (Porat isto, acabase por defender o cariter desinteresado do saber. Cabe, pois, lembrar que (0 saber & sempre interesado, vale dizer, o saber supBe sempre a ideologia da mesma forma que esta supSe sempre o saber. Com efeitoa ideologia #6 pode ser identificada ‘como fal, 20 nivel do saber. A ideologia. que nio supe o saber, supde-se saber, Ver, por exemplo, ALTHUSSER, L. ~ Ideologic e Aparelhos Ideoldpicos de Estado ¢ 3 apresentagdo de CHAUT, Marlena ~ Ideologia e Mobilizpo Popular. 29 nosso trabalho. Assim, a tarefa da Filosofia da Educagdo serd oferecer aos educadores um método de reflexo que lhes permita encarar os problemas ‘educacionais, penetrando na sua complexidade e encaminhando a s ideologias; a possibilidade, legitimidade, valor elimi: tes da educaglo; arelagdo entre meios fins na educagéo (como usar meios velhos em funco de objetivos novos”); a relago entre teoria e pratica (Como a teoria pode dinamizar ou cristalizar a prética educacional?); & ossivel redefinir objetivos para a educagio brasileira? Quais os condicio- nnamentos da atividade educacional? Em que medida 6 possivel superé-los © em que medida é preciso contar com eles? © elenco de quest®es acima memcionado é apenas um exemplo do cariter problemitico da atividade educacional, o que explica a importan- cia ¢ a necessidade da reflexdo filos6fica para o educador. Além desses, itados a0 acaso, muitos outros problemas 0 educador terd que enfrentar, Alguns deles séo pi tos sero decorréncia do proprio desen 9. CONCLUSAO Assim encarada, a flosofia da educago nfo teri como fungi fixar “a prion” principios e objetivos para a educagdo; também ndo se reduzira 4 uma teoria geral da educagdo enquanto sistematizagao dos seus resulta- dos. Sua har reflexiva e criticamente a atividade sional’ de modo a explicitar os s das diversas disciplinas 7 0 sign 9. Cf. FURTER, P. ~ Educapdo e Reflexdo, pp. 6-27. 30

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