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AUTISMO Uma brevissima introdugao Prof. Dr. Lucelmo Lacerda EXCERTOS DO LIVRO “TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA: UMA BREViSSIMA INTRODUCAO” INTRODUGAO Quando tive © primeiro contato com 0 tema do autismo nao foi ainda pelo interesse académico, mas porque um médico levantou a suspeita (depois confirmada), de que meu filho tinha autismo. Na mesma noite deste ocorrido, ¢ nos meses posteriores, consultava-me horas a fio com 0 Dr. Google e lia mais e mais textos, especialmente em sites e blogs, sobre autismo, assistia a videos e ficava cada ver mais confuso. O fato & que a internet & 0 primeiro ¢ talvez maior informante sobre autismo ‘no Brasil, quase sempre em sites de movimentos de pais € amigos de pessoas com autismo, professores ¢ curiosos em geral Ocorre, contudo, que é muito comum que haja uma grande quantidade de informagGes erradas e/ou desatualizadas decorrentes de muitos processos tais como: a) Informacées decorrentes de estudos cientificos, mas mal compreendidas por alguém de fora da comunidade académica; b) Informagées nfo cientificas advindas de priticas niio confirmadas e nio confiaveis; Alocomogio na internet para se encontrar trabalhos confidveis € muito dificil, pois temos poucas publicagées de cariter mais amplo sobre autismo no Brasil. Os artigos cientificos, por sua vez, sio muito espeeificos e parte da premissa de que 0 leitor possua uma série de conhecimentos prévios que muitas vezes nfo estio satisfeitos, Por conta de tudo isso, resolvi criar um curso de “Inteodugio ao Autismo”, para estudantes, profissionais e demais interessados no tema e este livro surgiu como uma possibilidade de fixagio ¢ expansio dos conhecimentos nele trabalhados. A ideia era que houvesse um espaco em que pudesse apresentar, especialmente ao pais, uma sintese do que o mundo da ciéncia havia produzido acerca do tema e quais as principais linhas de pesquisa em curso. Realizamos © curso inimeras vezes, sempre atualizando as informacies conforme a publicagio de novas pesquisas. Neste percurso, sentimos lacuna: diividas persistentes ¢ pontos mal desenvolvidos ¢ desenvolvemos o texto que tem agora em mios. No campo do autismo, conduzi estudos sobre o papel do “Acompanhante Especializado”, previsto na Lei Berenice Piana, no campo da Linguistica, publiquei estudo sobre a representagio da pessoa com TEA nas séries de TV e enveredei pelo campo da pesquisa translacional, analisando impactos de _tecnologias comportamentais em sala de aula regular e também no estudo do conhecimento de professoras de Sala de Recursos para a inclusio, este thtimo assunto, aplicado 20 Litoral Norte de Sao Paulo, é o tema de meu Pés-Doutoramento em Educagio Especial pela UFSCar. Além dos estudos cientificos que tenho conduzido, minha atengio também se debruga sobre as novidades da academia sobte 0 autismo, acompanhando a evolugio das discussdes no campo da genética, neurologia, psicologia e educacio, Este livro entio pretende se movimentar entre © piblico leigo, constitufdo acima de tudo por pais de pessoas com autismo, ¢ também por estudantes universitirios, professores ¢ psicélogos. Nao é ficil construir uma linguagem que seja acessivel o suficiente e academicamente rigorosa. Quando estas tentativas entraram em conflto, optei sempre pelo rigor, de forma que talvez certos trechos do livro necessitem de uma atengio especial para quem nfo esti acostumado com um vocabulitio técnico, O QUE E, ENFIM O AUTISMO? Quais so as causas do autismo? © Transtorno do Espectro Autista é uma condigio caracterizada por um Conjunto sintomitico. Isto porque ndo conhecemos ainda com exatidio as causas ctiolégicas que o definem, ou seja, quais sio 0s marcadores que esto presentes em ‘uma pessoa com autism. No entanto, hoje ji temos diversos contedidos importantes a pronunciar. Na maior parte das vezes 0 autismo € genético, ou seja, decorre da carga genética de seus pais ou é uma mutacio genética ocorrida na propria crianca, Estudos recentes apontam o impacto genético no desenvolvimento entre 80 ¢ 90%. Pesquisa recente informou este percentual em 83% (SANDIN, ef al, 2017). Mas embora haja esta forte presenga genética, nem sempre o autismo se desenvolve no sujeito, € preciso também situagées ambientais para que possamos dizer que se trata de uma crianga com TEA. Mas é muito importante ressaltar que este “ambiente” de que falamos nada tem a ver com 0 afeto dos pais ou a relagio com as pesso2s, mas sim o ambiente de dentro do ttero € talver o processo de parto. FE muito importante notar que a pesquisa esta somente iniciando seu conhecimento sobre os fatores de risco para autismo de modo que durante 0 processo de escrever este livro, tivemos que atualizar mais de uma vez as informagées este respeito e seguramente até cle chegat a suas mios, outras coisas jé se somaram a0 conhecimento aqui elencado ¢ talvez coisas que aqul enunciamos podem ter se transformado a partir de novas pesquisas. Mas antes de apresentar duas grandes pesquisas que fizeram um amplo levantamento sobre o tema, é preciso antes elucidar um ponto fundamental, que € a distingio entre as relagdes de causagio e de correlagio ou associagio, Nos sabemos que 0 autismo, quase sempre, possui CAUSA genética’, isto, alguma altera¢io no DNA produz uma alteragio no sujeito de tal forma que, no ambiente médio, cle se comporta de modo que é classificado, pelo DSM-V, como dentro do Transtorno do Espectro Autista No entanto, existem outras coisas que podem ser afetadas por uma mesma causa ¢ quando descobrimos um fator que esteja ASSOCIADO isto no significa que ele seja 0 causador. Por exemplo, uma parte das pesquisas afirma que partos muito prematuros esto associados a uma maior incidéncia para o TEA. Isso quer Em dezembro de 2017 foi patenteado um método de diagndstico genético de autismo (dividido nos subtipos do DSM-IV) pela LabCorp. A sociedade e academia devem avaliar 0 servico no decorrer do tempo. Cf:_http://mw.thetimesnews.com/news/20180107/labcorp-patents- autism-diagnosis-method dizer que entte as criangas nascidas prematuramente, hé um indice maior de pessoas com autismo do que entre aquelas que nasceram no tempo correto. No entanto, no € possivel dizer que nascer prematuramente CAUSA. autismo, mas que esté associado, seja porque cause (¢ ainda estamos longe de conhecer bem as causas nfo genéticas), seja porque alguma coisa, ainda desconhecida, causou o autismo ¢ também causou ou favoreceu a prematuridade do parto, Além do mais, mesmo pesquisas de associago apresentam imensas dificuldades financeiras ¢ metodolégicas de realizagio, devido & escala ea necessidade longitudinal de acompanhamento dos casos para afirmar que a ctianga esta no espectro autista, isto é, para eu saber se certo fator esta ou nao associado 20 TEA é preciso saber que criancas desenvolveram ou nao, os prejuizos préprios do autismo, que s6 é possivel as acompanhando durante anos, O que apresentamos agora, portanto, sao duas metandlises dos estudos sobre autismo, isto é, um balango do que ja foi publicado no mundo sobre © tema. O primeiro é de Karimi e outros, chamado Environmental factors influencing the risk of autiom € publicado no Journal of Research in Medical Sciences, revista oficial da Isfahan University of Medical Sciences, em 2017, confira os resultados Fatores de risco pré-natal Estudos que Estudos que negam apontam a associagio | __a associagio T Idade dos pais (combinacdo) Idade da mae Idade do pai ‘Ordem de nascimento 6 Doenga fisica materna Pre eclampsia Diabete gestacional Hipertensdo/edema Vémito e ndusea Outras condicdes da mée, incluindo Psoriase, asma, febre alta, dermatite atépica, —_artrite reumatoide, doenga Celiaca e mastocitose Sangramento durante a gravidez Infecgées durante a gravidez 2 tof fro] oo > Tradugao livre realizada pelo autor; Infeceao bacteriana InfeccSes vials: Influenza Rubéole Gitomegalovirus ‘Sarampo ‘Caxumba Catapora Herpes viral Pneumonia Sifilis Varicela Zoster Doengas mentais maternas: Esquizofrenia a] =]frafrs]rofeofro] afer Depressao Estresse e ansiedade Desordem da personalidade Existéncia de irmao com autismo {dos pais) Utilizacao de medicagio pré-natal Utilizaco—sde_~=—smediicagdo antiepilética Drogas anti-psicoticas Antidepressivos Agonista adrenérgico beta-2 Paracetamol Antipirético nfrofesfrs) eo} Talidomida Misoprostol Exposigao a metais pesados Pesticidas Poluentes (ar) PCB (Bifenilpoliclorado) PBDE (Eteres de —_difenila polibromados) rofrofa]efa fooler PHA (Hidrocarbonetos arométicos policiclicos) ‘Condigao da familia: Condigo econémica Condigao social Nivel educacional Me nascida no exterior Alcoal e fumo de um dos pais Deficiéncia da mae em ferro, folato e metionina Deficiéncia da mae em vitaminas Ganho de peso durante a gestagao ‘Ameaga de aborto Fatores de tisco perinatal wefrs| Estados que Estados que negamm apontam a associagio | __a associagio. ‘Apresentagao anormal Nascimento prematuro Nascimento apés a hora T Nascimento por cesarea Complicacées fetais| Hipoxia (falta de oxigénio) ‘Anormalidades congénitas Dificuldade respiratoria fetal Ulcera e sangramento natal Complicagses com 0 cordao umbilical ‘Complicagdes maternas Hemorragia materna pés-parto 3 Trombose venosa 1 Gravidez assistida (in vitro) 1 Periodo de nascimento: Inverno Verio Fatores de tiseo perinatal Estudos que apontam a associagao Estados que negam a associagio Baixo peso e tamanho 1B 7 Ictericia e hiperbilirrubinemia 7 3 Encefalopatia a Doengas congénitas 7 3 Infecgdes nos 30 primeiros dias 6 2 Meningite 1 Falta de ar e ressuscitagao infantil 5 2 Anemia Fraqueza ou auséncia de choi ‘onascimento Fo apés Deficiéncia de vitamina D Dificuldades alimentares Interven¢o medicamentosa Baixo nivel de cuidados maternais Exposicao a _—_‘Trialometano, tetracloroeteno ¢ Triclorostileno. Hel a]rofro O segundo que estudo de metanilise que apresentamos mais cautcloso ¢ criou um método de selecio mais critetioso para os estudos. Trata-se do estudo de Wang c outros, também de 2017, Prenatal, perinatal, and postnatal factors associated with autism: A meta-analysis, publicado na Medicine (Baltimore). A revisio v seguintes indicativos de risco: ficou os Fatores pré-natais Fator perinatais Fatores pés-natais Idade da mae (acima de 35) Cesarea Baixo peso no nascimento Idade do pai (acima de 35) Parto prematuro (abaixo de 36 semanas) Hemorragia pés-parto Hipertensao gestacional Paridade igual ou superior 2.4 (fator protetivo) ‘Género masculino Diabetes gestacional ‘Apresentagao pélvica ‘Anomalia cerebral ‘Ameaga de aborto Pré-eclimpsia ‘S-min APGAR menor que 7 Hemorragia na gravidez Sofrimento fetal Infecco respiratoria Exposigdio a0 cigarro Cordao umbilical em torno do pescogo Baixo peso no nascimento Infecglo urindria Ruptura prematura da membrana Um dos elementos que aparecem como associados a0 TEA sio os medicamentos antiepiléticos. Embora nio esteja discriminado na tabela, o principal deles, na correlacio com autismo é o Acido Valpréico, tomado em geral por pessoas 2 Importante notar que este estudo de referéncia é uma revisdo que foi realizada exclusivamente. de trabalhos realizados com modelo animal (em geral roedores) e que os estudos cientificos ja ‘afastaram completamente a tese da causa¢do do autismo por cuidados maternos. pilepsia mais severa e que, quando injetado em ratas prenhas, faz nascerem ratos com comportamentos tipicamente autisticos, que é uma das formas de producio de modelo animal para pesquisa sobre autismo em_laboratério. (COUTINHO e BOSSO, 2015). Esses eventos ambientais que podem servir de gatilho para que a base genética do autismo seja ativada esto sendo largamente estudados em todo o mundo. Outro elemento controverso que apareceu em um dos estudos é a questio do uso de antidepressivos por parte da mie, que é um fator em discussio, uma vez que é muito dificil distinguir se 0 pequeno aumento de prevaléncia do TEA nestas mies & decorrente do remédio ou da propria depressio, o péndulo aponta, neste momento, mais para que seja a propria depressio, embora sem unanimidade (RAT ct al., 20 LIU et al, 2017; VIKTORIN et al,, 2017; VIKTORIN et al, 2017b) Hé alguns anos, nos Estados Unidos, a pesquisa para 0 autismo se voltou do tratamento (quando um tratamento bastante eficaz foi desenvolvido, falaremos & frente) pata as causas € apontando para a possibilidade de cura, no futuro. E a grande corrida era para a descoberta do gene do autismo, Esta corrida, que tem o brasileiro Alysson Muotri, Ph.D, Prof, da Universidade da California (e que também é um pai do autismo), como um dos lideres (para uma aproximagio com o trabalho de Muotti, cf Muotri ¢ Gage, 2006; Chailanhkarn, Acab e Muotsi, 2012; Acab ¢ Muotri, 2015; Muotri, 2016; Beltrio-Braga e Muotri, 2017), jé foram identificados mais de mil genes que esto de alguma maneira associados a0 autismo, ou seja, a questo é muito mais complexa do que se imaginava ¢ estamos ainda longe de uma compreensio que poss set chamada de completa. Ainda assim, € comum que pessoas com TEA fagam exame de sequenciamento genético completo € algumas vias metabélicas jé sio conhecidas (cerca de 1% delas), podendo teceber um tratamento medicamentoso ou de suplementacao bem efetivo. A grande maioria, contudo, ainda nao consegue ver resultados clinicos deste campo de pesquisa gigantesco. © Prof. Alysson Muotti vem desenvolvendo pesquisas com minicérebros (ACAB ¢ MUOTRI, 2015). O que é isso? Colhe-se células de uma pessoa, que si0 quimicamente regredidas até virarem células-tronco € depois sio quimicamente envelhecidas até se especializarem e tornarem-se células de todos 0s tipos, inclusive ncurénios, que sto separados ¢ estudados por Muotri cm scu laboratério, cle as testa com drogas para compteender como, potencialmente, o cérebro da pessoa com autismo reagiria a essas drogas (com alguns resultados proximos 4 normalizagio em algumas variacdes do autismo), dando infcio, jé, hd alguns estudos clinicos com algumas drogas. Algumas coisas importantes € que, infelizmente, ainda devem ser repetidas, é que vacina nao causa autismo, isto é um dado definitivo, os estudos demonstraram de maneira inquestionavel que uma coisa nada tem com 2 outta. Todos os boatos neste sentido vém de um estudo publicado na década de 1990 no jomnal cientifico Lancet, mas que foi “despublicado” apés descobrit-se que 0 autor havia falsificado dados, patenteado uma vacina diferente, que de havia recebido propina de uma firma de advogados que possufa um processo contra empresas de vacina. Ou seja, os dados publicados eram todos falsos, propositalmente inventados para finalidades nada nobres (DONVAN ¢ ZUCKER, 2017) Muitas outras coisas foram falsamente apontadas como causas pata o autismo, tais como o timerosal (0 mercitrio das vacinas), metais pesados, vermes, entre muitos mitos que sobrevivem 4 eta da informagio, algumas vezes com um vigor impressionante, wa comercializar ¢, além disso, O que 0 DSM V tem a dizer? A ciéneia € um conhecimento muito volitil e se modifica com muita velocidade. Neste exato momento em que vocé lé este texto, ha intimeros cientistas realizando pesquisas sobre 0 autismo. Algumas delas possivelmente vao obrigar a revisio de conhecimentos presentes neste livro. Quando uma pesquisa aponta em um sentido diferente de um conhecimento j4 consolidado, este novo conhecimento é avaliado pela comunidade cientifica ¢ em geral passa por testes de validacio, até ser aceito como nova forma de se enxergar um dererminado evento, E este € processo de avanco da ciéncia que nos propicia um conhecimento cada vez mais preciso de cettos objetos, entre eles, o autismo. A Associagio Americana de Psiquiatria desde ha décadas concentra os conhecimentos consolidados em distirbios mentais em um Manual Estatistico ¢ Diagnéstico de Transtornos Mentais, o DSM‘ Nao nos parece que aqui seja cabivel informar todo o histérico de compreensio do autismo nos DSMs. Contudo, faz-se necessirio compreender as inovacdes trazidas na ikima edigfio do manual, em 2013, Até a quarta versio do DSM, ou seja, até 2013, 0 autismo era subdividido em diversas subcondigdes do que chamavam de Transtornos Globais do Desenvolvimento, tais como Sindrome de Asperger, Transtorno Desintegrative da Infincia, Autismo Classico, Sindrome de Rett ¢ Teanstorno Global do ‘A literatura especializada optou por utilizar a sigla em inglés ~ Disorders Statistic Mental — DSM; Desenvolvimento sem outta especificagio. A partir do DSM V, todas as subdivisoes deixaram de existir ¢ passaram ficar sob um guarda-chuva diagnéstico de Transtorno do Espectro do Autismo — TEA, que designa agora todas as formas de autismo (a Sindrome de Rett, contudo, foi separada, por jf conhecermos bem a genética que a causa). Na antiga versio do Manual, havia 3 critérios que caractetizavam 0 autismo, quais sejam: 1) prejuizo na comunicacio; 2) prejuizo na interacio social; 3) comportamento estereotipado ¢ repetitive; na nova versio, os dois primeiros critétios foram agrupados sob o item A, que engloba as varias formas de interagio/comunicasio. Outra novidade também é a formalizagio da dimensio do nivel do autismo, distingio diagndstica entre autismo leve, ou Nivel 1, 2 € severo, Nivel 3, Esta distingio é importante por diversos motivos como a intervencio, 0 cuidado ¢ as possibilidades laborais. Note-se que os niveis nfo sio determinados pela gravidade dos sintomas, 0 que seria muito complexo, devido a grande variagio deste quesito, de forma que o que conta, na verdade, é a quantidade de apoio que a pessoa necessita, assim, a pessoa com autismo leve, Nivel 1, é aquela com a necessidade de um minimo de apoio, enquanto a pessoa com Nivel 3 precisa de muito apoio, é totalmente dependente. Um aspecto a se consi portanto, com a mudanga do quadro, seja para melhor, com as intervengdes, seja para pior, na falta delas, © nivel de um determinado sujeito pode ser modificado no decorret de sua existéncia. assim, temos noderado, Nivel rar é que, Critérios diagnésticos no DSM-V O primeito critésio a ser apresentado define a relagio encontrada na pessoa com TEA em felagio & comunicagio. Espera-se “A. Déficits persistentes na social € na interacio social em miiltiplos contextos [...”. O Manual entio exemplifica possibilidades de manifestagio deste critério, exploraremos entio rol. comunica 1. Déficits na reciprocidade socioemocional, variando, por exemplo, de abordagem social anormal ¢ dificuldade para estabel normal a compartil dificuldade para iniciar ou responder a interagox er uma conversa hamento reduzido de interesses, emogdes ou afeto, a ies sociais A reciprocidade socioemocional € a capacidade de se relacionar com outra pessoa da mancira esperada, em que a reagao de uma pessoa corresponde a ago da outra, Mas isso pode ser muito complicado para a pessoa com autismo, que reconhece de mancira natural c/ou imitativa os padres de aproximacio considerados adequados pela sociedade ¢ possui dificuldade em compreender o que se espera dele. A abordagem social anormal se rclaciona 4 forma com que as pessoas so treinadas socialmente pata abordarem umas As outras. A determinacio de uma abordagem social normal deve contabilizar uma enormidade de fatores, tais como 0 ambiente, aproximagées sociais em um bar, uma igreja, um clube, na praia, uma empresa, uma assembleia sindical ou no salio de cabeleiteiro sio situa absolutamente diversas, que demandam diferencas em inimeras areas do comportamento para que a aproximago seja “normal” Entre estas Areas, podemos citar o vocabulério usado, palavras como “Deus”, “jmao”, “gloria”, “graga” podem ser bons na igrcja, mas péssimas no sindicato, assim como “luta”, “campanha”, “press sucesso no clube. Outros itens sio o volume da fala, a ptoximidade com 0 outro, a corrclagio entre os dialogantes (Pai ¢ filho? Patrio e empregado? {lembrando do léxico, imagine aqui falar de luta, salério e direitos]. Um casal?), a intencionalidade do didlogo (conversar com uma pessoa pata que ela trabalhe para voce é bem distinto de conversar para encontrar uma companhia para lazer, por exemplo). Sao iniimeras variaveis nas quais as pessoas tipicas se locomovem mais ou menos naturalmente, ‘mas no a pessoa com autismo. Os prejuizos no compartilhamento de interesses podem ser observados como resultantes da dificuldade na Teoria da Mente, sobre a qual falaremos posteriormente. Mas € comum encontrarmos pessoas com autismo que possuem hiperfoco em um assunto especffico e pouca disponibilidade para se engajar em assuntos alheios aos seus centros de intetesse, 0 que ptejudica imensamente a interacao social. ‘Mais & frente voltaremos ao tema da atencio compartilhada. 10”, “‘salirio”, “direitos” nio devem fazer 2. Déficits nos comportamentos comunicativos no verbais usados para interagio social, variando, por exemplo, de comunicagao verbal € no verbal pouco integrada a anormalidade no contato visual e linguagem corporal ou déficits na compreensio e uso gestos, a auséncia total de expressdes faciais ¢ comunicagio nao verbal. ‘Em primeiro lugar ¢ preciso dizer que uma parte das pessoas com autismo nao fala. Por algum motivo ainda nfio muito claro, uma parte das pessoas com TEA possuem toda a capacidade vocal, mas nfo sio capazes de desenvolver a linguagem falada. FE; preciso ainda lembrar que embora muitas vezes a fala esteja ausente, isto nao impede que haja outras formas de comunicagio, como através de gestos on de PECs, assunto sobre o qual dissertaremos mais & frente, Em nossa aco no mundo, muito do que fazemos € comunicative. Por exemplo, além da fala, também expressamos mensagens através de gestos ¢ expresses faciais. Na pessoa com autismo, estas mensagens podem se dar de ‘maneira complexa. Por exemplo, todos sabemos como é tet uma expresso de alegria ou de tristeza em nossos rostos € em geral elas coincidem como nosso real estado emocional. Nas pessoas com TEA clas podem estar desconectadas, pasando impressGes comunicativas distintas do real. Outro problema interessante de ser observado é a dificuldade que o sujeito com TE. quando nossos rostos apresentam expressdes que correspondem a esses sentimentos citados, também conseguimos compreender e distinguir as diferentes comunicacdes nos rostos de outras pessoas, isso é uma tarefa drdua para pessoas com autismo € muitas vores cxige intervengao especifica. A série de TV Alphas possui um personagem com TEA, seu nome é Gary. Em certo episédio da segunda temporada, uma colega de Gary, Rachel, sofre uma espécie de ataque ¢ sente muita dor, fazendo uma expressio facial bem contundente. y entio aponta para ela e diz “Oh, parece com a carta de trist referéncia ao treinamento especifico com faces, A questio dos gestos é sempre um elemento marcante inclusive no processo de identificagio do autismo. Uma das indicagdes mais citadas é a auséncia, quase sempre, de dois gestos muito usuais, que é 0 aceno de “tchau” e o apontar. Estes gestos podem ser desenvolvidos posteriormente, especialmente se houver uma cio especifica para isso. No entanto, como se verd a frente, sua observac € fandamental nos primciros anos no processo de diagnéstico. tem em reconhecer expressées humanas. Nés no sabemos somente 1", fazendo interven 3. Déficits para desenvolver, manter ¢ compreender relacionamentos, variando, por exemplo, de dificuldade em ajustar 0 comportamento para se adequar a contextos sociais diversos a dificuldade em compartilhar brincadeiras imaginativas ou em fazer amigos, a auséncia de interesse por pares Este item fica muito patente nas criangas, ja que os adultos muitas vezes conseguem encontrar formas de contornar certos problemas de relacionamento. Mas na vida escolar, por exemplo, a auséncia de amizades pode ser incrivelmente prejudicial & crianga e é bastante comum. As ctiangas costumam brincar com jogos imaginativos, 0 que também podemos chamar de simbélicos. Estas brincadciras podem ser, por exemplo, de policial e bandido, de c: -a, de super-her6i, entre outros. Para que essas brincadeitas deem certo, é necessério que haja um forte componente imaginative que as pessoas com TEA tém muita dificuldade em ter. Pessoas com autismo, em geral, sio muito pragméticas, tomam as falas ao pé da letra, e essa dificuldade prejudica a capacidade de se fazer amigos. Outro clemento que faz parte desse item é a capacidade de distinguir os espagos ¢/ou interlocutores para um ajuste de comportamento. Os neurotipicos instintivamente adequam sua forma de falar, de tocar as pessoas, de acordo com 0 grau de intimidade e/ow da circunstincia, isso pode nao acontecer com pessoas no espectro autista, dificultando também sua interagio social, Passamos, pois, a0 segundo critério diagnéstico, que trata da questio comportamental: “B, Padrdes restritos e repetitivos de comportamento, interesses ow atividades, conforme manifestado pot pelo menos dois dos seguintes, atualmente ou por histéria prévia” Novamente a titulo ilustrative, o Manual apresenta quatro pontos a serem observados de maneira privilegiada: sinha de bon 1. Movimentos motores, uso de objetos ou fala esteteotipados ou repetitivos (p. ex., estereotipias motoras simples, alinhar brinquedos ou girar ). objetos, ecolalia, frases idiossineritic A primeira observagio aqui é a necessidade da compreensio conceitual de estetcotipia. Trata-se de um comportamento inadequado, nao habitual, nao convencional. As vezes pode set muito dificil reconhecer um comportamento estereotipado © pode requerer mais convivio com o sujeito (CUNNINGHAM e SCHREIBMAN, 2009). Talvez 0 movimento motor estereotipado mais comum no autismo seja o que chamamos de flapping, que é 0 agitar de mios para baixo ¢ para cima, dobrando os punhos. E também como o hébito de balangar o troco para frente e para tris, que constitui, inclusive, um dos tépicos da imagem convencionalmente propagada pela midia sobre o espectro autista © uso de objetos de modo nfo convencional é também uma marca, Um exemplo também classico é a utilizagio do carrinho. Este brinquedo é normalmente segurado por cima ¢ jogado para correr no chao, sobre suas rodas. A brincadeira pode vir acompanhada por batulhos, feitos com a boca, imitando © som do carro “vrummmin”. As pessoas com TEA dificilmente brincam assim com o catrinho, mas preferem viré-lo de cabega para baixo ¢ girar suas rodas com os dedos. No campo do comportamento verbal, € comum que pessoas com autismo tepitam frases vistas em desenhos, filmes ou pot outras pessoas. Este comportamento é denominado ecolalia, é uma fala por eco, por repetigao. Este tipo de fala, normalmente, nfo possui uma funcio comunicante. As frases construidas por pessoas com TEA também podem ser idiossincriticas, isto é, ter composigdes completamente distintas de como se constroem frases normalmente, com uma carga, pessoal muito particular, sem atender as fungdes inerentes da fala, comunicagio ¢ adequagio. we Sioa 2. Insisténcia nas mesmas coisas, adesdo inflexivel a rotinas ou padroes ritualizados de comportamento verbal ou nao verbal (p. ex., sofrimento extremo em telagio a pequenas mudangas, dificuldades com transiges, padrdes rigidos de pensamento, rituais de saudagio, necessidade de fazer 0 mesmo caminho ou ingerir 0s mesmos alimentos diariamente). Lota Wing propés que o autismmo era catactetizado por uma triade — imaginagio, socializacio, comunicagio (WING, 1976). O primeiro destes itens, 0 prejuizo na imaginacio, € comumente associado ao apego obsessive que muitos sujeitos no espectto autista tém em relagio a estraturagio de suas rotinas. Apés acordarmos, hé diversas possibilidades de o dia se desenvolver, que podem envolver pessoas diferentes, lugares novos, decisdes inusitadas ou até mesmo coisas muito pequenas como fazer um caminho distinto para os mesmos lugares ou chegat em casa um mével ter sido mudado de lugar. Estas pequenas variagies nao nos petturbam nem nos angustiam, mas muitas vezes podem fazer com que uma pessoa com TBA tenha uma crise Ha muitas formas de abordar desequilibrio, mas primeiramente é necessirio operacionalizar melhor que queremos dizer neste ponto. Uma pessoa com TEA, em particular, em um dia de semana tipico vai 4 escola por certo caminho, lé faz certas atividades com certas pessoas ¢ depois volta para casa, estruturada de certa, forma e assiste certas coisas na TV ou tablete, por exemplo. Quando um destes pontos ndo ocorre como previsto, a estrada esta em obras ¢ obriga a tomar outro caminho, a professora faltou, hoje é uma atividade diferenciada na escola, quando chegou em casa a luz acabou e nao ha'TV ou tablete, enfim, qualquer mudanga pode produzir comportamentos como choro, grito, murros, chutes, entre outros. Emocionalmente talvez os pais chamem de desespero ou desequilibrio, como auséncia de homeostase, ou equilibrio interno, bem-estar. Uma possibilidade é compreender que, com prejuizo da imaginagio, o futuro da pessoa com TRA é plancjado tendo a meméria como fundamento. Assim, quando acorda, aquela pessoa fundamenta suas expectativas em relacdo ao seu dia baseado em informagies como: comer algo (presente na meméria), pegar certo caminho, chegar & escola (ou trabalho, ou qualquer outro lugar determinado), fazer as ligdes, voltar ¢ encontrar esta casa tal como encontrei ontem ¢ sempre. Quando algo sai do setipt surge é dificil lidar com estas novas possibilidades. Esta seria uma explicacio mais baseada nas Fungdes Executivas. Mas ainda resta o problema, ela tem dificuldade para projetar o futuro quando muda o “planejado”, mas qual o motivo da violencia? Tirar aquilo que gostamos de nés é equivalente a uma punicio ¢ a punicdo tem como uma das consequéncias, a agressividade, por motives evolutivos (SIDMAN, 1995), Assim, muitas pessoas dentro do espectro sentem-se confortaveis quando a rotina é muito estraturada e podem prever o que ocorrerd, ou seja, quando ao fararo é reservado a repeti¢io daquilo que Ihe € agradvel, tecnicamente eu usaria a palavra “teforgador”. FE, também recorrente nos processos de intervencao, que uma mudanca na rotina possa acontecer, mas desde que seja também planejada e apresentada em detalhes para 0 sujeito antes de ocorrer. Na série Alphas, o personagem Gary, dentro do espectro autista, dorme todos os dias as 21h30min, Devido a certos contratempos do trabalho, nfo consegue chegar em casa antes deste horétio em determinado dia e a0 entrar em casa avisa a sua mae que j4 passava da hora de dormir e, portanto, nao dormitia aquela noite. A reagio de Gary é uma reagio possivel, trata-se de um adulto com autismo moderado (32 na escala CARs*, como ele mesmo afirma), mas em uma crianga a reacdo a essa desorganizacio é geralmente uma crise de birra, sobre a qual falaremos mais ate. 3. Interesses fixos ¢ altamente restritos que sio anormais em intensidade ou foco (p. ex., forte apego a ou preocupagio com objetos incomuns, interesses excessivamente citcunscritos ou perseverativos) Esse elemento € muito comum em sujeitos com autismo. No caso daqueles que possuem um grau mais leve do transtorno, esse hiperfoco pode favorecer sua vida em sociedade € aproveitamento no metcado de trabalho, pois ele pode ser apegado a temas de interesse profissional ou académico, como Fisica Quantica ou Matemitica, entre outros, 0 que é bastante comum. * childhood Autism Rating Scale (CARS) & uma escala de avaliacdo dos niveis do TEA; Contudo, essa obsessi também possui uma face bem menos proveitosa socialmente ¢ talvez também mais comum, que ¢ a fixagio em contetidos que sto simplesmente repetidos, como dinossauros, esportes entre outros, tornando impraticivel qualquer didlogo, ou ainda uma obsessio por certos objetos, que podem, ser, por exemplo, bolas, livros, revistas ou qualquer outro. Esse interesse ¢ normalmente disfuncional, ou se no possui uma func: usual. Por exemplo, € suposto que um interesse grande por livros seja um pré- requisito para alguém qui © pode ser meramente pela sensago do tato na relacio das mios com o livro © ni necessariamente esta relacionado & leitura. ja um leitor contuma: Mas neste caso, 0 inte 4, Hiper ou hiporreatividade a estimulos sensoriais ou interesse incomum por aspectos sensoriais do ambiente (p. ex., indiferenga aparente a dot/temperatura, reag! a sons ou texturas especificas, cheirar ou tocar objetos de forma excessiva, fascinagao visual por luzes ou movimento). contra Este item é novo, ou seja, nfo apatecia nas versdes anteriores do DSM. Trata- se do reconhecimento de uma caracteristica autistica bastante bem estudada que & uma forma distinta de sentir. Meltzer, discutindo a sensibilidades das pessoas com autismo aos estimulos sensoriais extemos ¢ internos, afirma que “dio a impressio de um aparelho exposto 20 vento (qpud BARROS, 2011, p. 31). Esta metéfora parece bem aplicada ao caso de muitos sujeitos com TEA, que possuem um aparelho senso: delicado. Por exemplo, podem ter uma extrema sensibilidade ao som, de modo que um ambiente ruidoso pode ser, muitas vezes, insuportével para uma pessoa com autismo. O mais comum é a hipersensibilidade auditiva, mas ela pode estar presente também no tato, fazendo com que o sujeito seja irritadico com o toque ou tenha uma estereotipia ligada 4 sensagio de tato com certos objetos ¢ texturas (HAZEN #f al 2014), "Também nao é incomum uma hipersensibilidade gustativa, o que pode ser um grande problema para pais de pessoas com autismo, pois podem desenvolver sérios problemas em relagio a alimentacio, comendo somente certos alimentos, ow alimentos com certa textura, etc. Fi claro que neste caso nao é somente a sensibilidade gustativa que conta, mas também a olfativa, o tato (textura) ¢ a propria caracteristica na fixagao em certos comportamentos. Encontramos, por outro lado, varios casos de hipossensibilidade, isto é, certos sentidos menos sensiveis do que o usual. © caso classico, neste tépico, é uma dessensibilidade em telag ‘al extremamente 10 a0 frio, a0 calor, € A dor, © autismo (HAZEN ¢f al. quue se apresenta com bastante frequéncia entre pessoas o 2014) Seguem agora outros critérios diagnésticos que mio dizem respeito as caracteristicas que devem estar presentes para 0 diagnéstico do autismo, mas sim a forma com que essas caracteristicas se apresentam, C. Os sintomas devem estar presentes precocemente no perfodo do desenvolvimento (mas podem nio se tomar plenamente manifestos até que as demandas sociais excedam as capacidades limitadas ou podem ser wrados por estratégias aprendidas mais tarde na vida Hé algum tempo, acreditava-se que as criangas s6 manifestavam 0 autismo apés os dois anos de idade, hoje sabemos que esta informacio manifestagio do autismo pode ser observada algumas vezes desde muito breve € quase sempre da sinais claros a partir dos 12 meses de idade (ADRIEN ef ai. 1993) Contudo, quando bebé ¢ pequeno, nao existem muitas demandas sociais, ele € protegido pela familia e nfo se espera, por exemplo, que ele fale ou corresponda a certos comportamentos. Mas quando mais o bebé cresee, espera-se que cle se comunique adequadamente, imite uma série de comportamentos, entre outros. E, sé quando estas demandas aparecem que podemos observar com mais clareza a manifestacao do autismo. F, comum que antes disso, uma crianga demasiado quicta € nio interati nba”, tanto pelos pais quanto por std incorreta, a seja somente considerada “boa muitos clinicos com pouca preparak Outros elementos que so interessantes de lembrar é que pode haver uma regressio da crianca, por volta dos 2 aos 3 anos. E comum que bebés que falam € interagem, por exemplo, regridam desta condigao ¢ deixem de falar e passem a se isolar cada vez mais. Esclarecendo este ponto, estudos realizados com pais que se queixavam de que os sintomas de autismo teriam aparecido apés os 02 ou 03 anos de idade da criana, analisando videos mais antigos desta erianga, observaram que os sintomas ja estavam presentes, mas ndo de modo saliente ¢ quando algumas habilidades conquistadas comecavam a desaparecer & que o sinal de alerta tinha aparecido (ADRIEN ¢f al, 1993), Caso 0s sintomas no aparecam neste periodo de desenvolvimento € sim muito mais tarde, € provavel que nio estejamos falando em um caso de autismo, mas ha muitas outras possibilidades de condigdes que apresentam alguns sintomas semelhantes E. Essas pertutbagées nao sio mais bem explicadas por deficiéncia intelectual (transtorno do desenvolvimento intelectual) ou por atraso global do desenvolvimento. Deficiéncia intelectual ou transtorno do espectro autista costumam ser comérbidos; para fazer 0 diagnéstico da comorbidade de transtorno do espectro autista e deficiéncia intelectual, a comunicagao social deve estar abaixo do esperado para o nivel geral do desenvolvimento. Este item é considerado por muitos profissionais como o bicho papio do diagnéstico, j4 que, como grande parte da comunidade médica tem pouca intimidade com 0 autismo, & costumeiro que se reconheca somente um atraso global do desenvolvimento, dificultando 0 acesso a vitios direitos que sio concernentes pessoa com autism. Outro ponto a ser discutido é a dificuldade de se avaliar a inteligéncia da pessoa com autismo, devido a suas capacidades comunicativas prejudicadas, assim, muitas vezes gera-se um diagnéstico equivoco de Deficiéncia Intelectual € nfo de autismo quando, muitas vezes, 0 autismo esta presente sé ou em comorbidade, ou seja, juntamente com outeas condigdes Comorbidades ODSM V também explora a questo das comorbidades presentes no autismo, Trata-se de condigdes associadas ao autismo no sujeito. © Manual instrui os elinicos a registeatem o autismo: Com ou sem comprometimento intelectual concomitante; Associado a alguma condigio médica ou genética conhecida ou fator ambiental Associado a outro transtorno do neurodesenvolvimento, mental ou comportamental; Com catatonia 1 2. Com ou sem comprometimento da linguagem concomitante; 3 4 Em 2013, Matson Goldin defenderam que as comorbidades mais comuns encontradas com 0 autismo sao epilepsia, distarbio do sono, transtorno de atengio € hiperatividade - TDAH, ansiedade, estereotipia, comportamento infrator € Deficiéncia Intelectual e também Deficiéneia Auditiva. Essas condigdes sio comumente associadas a0 autismo ¢ sio fonte de intervencio especifica, j& que podem criar condigdes que dificultam o desenvolvimento do sujeito. Uma outra comorbidade que crescentemente aparece juntamente com 0 autismo €a apraxia (cerca de 63% das pessoas com TRA tem, ef Tierney ¢f al, 2015), que é também de origem neurolégica c dificulta a relagdo entre os comandos para a fala e sua execugio pelo aparelho motor responsivel pela fala. Poucos profissionais sio habilitados para o diagnéstico da apraxia ¢ também para scu tratamento, extremamente invasive ¢ delicado. O tratamento requer muito mais sessdes fonoaudiolégicas semanais (em geral o minimo de 3) ¢ algumas vezes a colocagio da mio da profissional na boca da crianga para modelar a operacio muscular para a producio de certos sons, como no tratamento chamado PROMPT, mas também possui diversos outros tratamentos como MSTP, DTTC e aqueles com melhores evidéncias até agora, ReST ¢ NDP3 (MURRAY e¢ IUZZINI-SEIGEL, 2017) 5 Grandes ideias sobre os TEA A Prof* Uta Frith, alema radicada na Inglaterra, estuda hé muitas décadas 0 autismo. Ela escreveu uma obra chamada lution: a very short intraduction, no ano de 2008, no qual cla faz uma apresentacdo das discussGees sobre o tema ¢ indica que hé © que chama de 5 geandes ideias sobre o autismo, cinco distintas abordagens que podem servir melhor ou pior para explicar a condico de cada individuo com autismo em particular. Passo a apresenta-las: Ideia 1 - Teoria da mente Um grupo de cientistas ingleses vém se debrugando ha décadas nos aspectos cognitivos do autismo, Os mais destacados entre eles esto Uta Frith e Simon Baron- Coben. Entre os principais constructos teéricos deste grupo, esta o que podemos chamar de Teoria da Mente, ou Mentalizagio., ‘Trata-se do processo por meio do qual se dé 0 proceso padrio de desenvolvimento da intersubjetividade humana. As pessoas neurotipicas aprendem, por uma série de recursos, a reconhecer 0 que 0 outro esté pensando. Talvez possamos dizer que esta habilidade seja em parte natural, mas isto nfo esta totalmente claro. Mas o fato € que quando uma pessoa est bufando, testa franzida, talvez gritando, gesticulando de forma acentuada, sabemos com certeza que ela esté de brava ou irritada. Quando nos encontramos com alguém em uma praga e ela nos trata com frieza ou carinho malicioso ou terno, em geral conseguimos identificar essas reagdes. Teoria da Mente “é a capacidade para compreender que as percepedes € pensamentos das outras pessoas sio diferentes de suas proprias percepgdes € pensamentos” (ARAUJO, 2011, p. 177). Assim, quanto mais prejudicada a mentalizagao, mais dificil de atribuir agdes intencionais a outras pessoas ¢, portanto, mais dificil o proceso de socializacio. Uma forma bastante bem documentada de verificar a capacidade de mentalizacio do sujcito é com a aplicagao do teste denominado “A tarcfa de Sally”, ou “Sally-Ann”. Trata-se de um teste eriado por Wimmer ¢ Perner (1983), com 0 objetivo de testar a capacidade de um sujeito de “se colocar no lugar do outro”, isto € compreender sua intencionalidade. Neste teste, é apresentado ao sujeito duas bonecas, uma se chama Sally e outra Ann e se narra uma histéria, emparelhada com agées “fisicas” das bonecas. Ambas as bonecas possuem um recipiente e Sally guarda uma bolinha em seu recipiente ¢ 0 tampa, Apés isso, Sally sai do ambiente ¢ & posta fora de qualquer alcance fisico ou visual da sala Ann, a boneca malvada, abre o recipiente de Sally, pega a bolinha e coloca em seu préprio recipiente e o tampa, Sally retorna ao ambiente, e 4 erianga é perguntado em que recipiente ela iré procurar sua bolinka. Nés normalmente sabemos que, a0 sait do ambiente, a mente de Sally no recebe a informagio de que 2 bolinba mudou de lugar, portanto, € dbvio que ela procurara sua bolinha no recipiente onde a deixou. F. virtualmente impossivel que ela tenha qualquer informagio diferente desta. Contudo, a auséncia ou prejutzo na Teoria da Mente impede que o sujeito compreenda que sua mente é separada da mente de Sally, portanto, se ele viu a bolinha ser mudada, por conseguinte Sally também o sabe e ele presume que ela procurard a bolinha onde ela realmente est4, isto é, no recipiente de Ann. Na execucio mais prestigiada deste teste, participaram 20 criangas diagnosticadas com autismo, com 11 anos de idade, 14 com Sindrome de Down, centre 10.¢ 11 anos de idade e 27 criancas neurotipicas entre 4 ¢ 5 anos de idade. Entre 827 eriancas neurotipicas, 23 julgaram a situagio conforme a mente de Sally ¢ foram bem-sucedidas em estabelecer em que recipiente ela procuraria sua bolinha. Os 14 participantes com Sindrome de Down, 12 foram bem-sucedidos em reconhecer a mente de Sally. Contudo, entre as 20 pessoas com TEA, 16 falharam em identificar a individualidade da mente de Sally e concluiram que ela procuraria sua bolinha no ecipiente em que cle de fato estava ¢ no onde cla o tinha deixado (BARON COHEN, FRITH, LESLIE, 1985). Além da dificuldade no reconhecimento da intengao dos outros, 0 prejuizo na Teoria da Mente também dificulta 0 desenvolvimento do autoconhecimento. Isto porque embora parega que sejam coisas totalmente desvinculadas, est bastante bem demonstrado, desde o ponto de vista da Psicologia Cognitiva, que a capacidade de reconhecimento de emogGes de medo, felicidade, seguranga, alegria, entre outros, em si mesmo, é um jogo dialético em que entram clementos completamente internos, mas também uma espiral comparativa com a expressio emocional do outro (ARAUJO, 2011). Ideia 2 - Coeréncia Central Leo Kanner (1943) apontou jé em seu primeiro trabalho sobre autismo, jé apresentou uma ideia que se mostraria bastante condizente com o que as pesquisas posteriores demonstrariam, que era a dificuldade do sujeito no espectro autista em integrar partes para a compreensio de um todo. Na década de 1980, 2 Dra. Uta Frith levou & frente esta ideia, realizando diversos experimentos com pessoas com autismo sobre sua forma de compreender as coisas. No documentirio Living With Autism, da rede de Tv BBC, Frith expée pessoas com autismo e neurotfpicas a uma velha brincadeira, procurar o personagem Wally em imagens com centenas ou milharcs de imagens. Os neurotipicos demoravam uma imensidio para encontrar o personagem (algumas vezes s6 encontravam com dicas bem especificas) enquanto as pessoas com TEA demoraram poucos segundos para cumprir a tarefa. Enquanto os neurotipicos se concentram no contexto, as pessoas com autismo se fixam nos detalhes. A pattir de testes académicos rigotosos, Frith designou a relagio que as pessoas neurotipicas estabelecem com as partes como Coeréncia Central Forte, porque 20 olharmos um conjunto de coisas, nosso olhar/pensamento as agrupa em um todo, privilegiando © contexto em prejuizo da parte. ‘As pessoas com autismo, por sua vez, possuem muita dificuldade em integrarem as partes em um todo contextual. A tendéncia das pessoas com TEA é verem as varias partes nfo integradas entre si, ou Seja, como partes isoladas. Um exemplo € quando vemos uma boca, um nariz logo acima e dois olhos ainda mais acima, para uma pessoa neurotipica, é Gbvio que estamos olhando para uum rosto € isso pode nos parecer até mesmo quando estamos olhando para um desenho em uma flor ou nuvens. A pessoa com autismo, por sua vez, pode ver estes itens totalmente desconectados um do outro € apesar de saber que encara um nariz, uma boca, dois olhos, e tudo 0 mais, ter dificuldade em integré-los para compreender que © que vé, como um todo, € um rosto humano. Da mesma forma pode ocorrer em relagio a uma circunsténcia, em que 2 presenga de certos elementos faz com que saibamos exatamente do que se trata, devido 20 contexto em que aparece € que pode nao ser percebido por uma pessoa com autismo. Ideia 3 - Prejuizo no sistema de navega¢éo social Na vida social, ha a necessidade de certa sutileza, de certa compreensio que nio é aprendida cxplicitamente, mas que construimos no decorrer de nossa experiéncia social e que a pessoa com autismo, por vezes, no consegue desenvolver. A tese é que ha um sistema de navegacio social “‘pré-instalado” em cada um de nés, que faz com que consigamos nos movimentar neste campo lodoso ¢ é nesta area que & pessoa com autismo falha e daf decorrem os demais prejuizos em seu comportamento. ‘A abordagem social anormal se relaciona a forma com que as pessoas so treinadas socialmente para abordarem umas As outras. Como exemplo, apresentamos uma sequéncia de cenas da personagem Sonya Cross, pessoa com autismo, de uma série de TV chamada The Bridge. Em uma noite, apés o trabalho, Sonya est excitada facaricia sua vagina) € vai a um bar para encontrar um parceito. Ela encara um homem, cle se aproxima ¢ pergunta “Posso te pagar uma bebida?”, cla diz que nao ¢ cle sai, ela percebe que algo deu errado, se aproxima dele e pergunta porque ele saiu, jf que ela s6 nfo queria beber, ele acha esttanho e diz “Tudo bem”. Cross entio dispara, sem nenhuma preparacio: “Voce quer transar comigo? Podemos ir para minha casa”. Ele pergunta “Isso € alguma piada?” e Sonya responde “Nao. Por que, € casado?”. “Nao”, ele responde. E ela rebate: “Quer transar, sim ou nio?”, Ele responde “Sim” c cla diz “bom”, sai e aponta para cle ir junto. Chegando em casa ela rejeita um toque na mao, dé a ele uma bebida e tira a roupa ¢ ele pergunta “Voce jé fez isso antes?”, ela responde “Sim, e voc’?” ¢ ele diz “sim”. “Ok, entio vamos” é a frase final da personagem antes do ato sexual. Obviamente sabemos que esta nfo é uma abordagem adequada para se conseguir um parceiro sexual. Mas sabemos disso porque fomos treinados em conversas, filmes, tentativas com muitas possibilidades de fracassos. Em algum lugar esté escrito “Quando uma pessoa, em um bar, pede para pagar uma bebida a outra, este é um primeiro passo para desencadear uma conversa que deve desaguar em uma proposta de sexo”? Nio, nfo esté, ainda assim nés sabemos disso. Quase nunca ha um discurso explicito sobre como deve se dar a aproximagio em casos como esses (¢ muitos outros) € nem é possivel um roteiro detalhado que preveja as possibilidades de resposta. Assim, é necessério um sistema de navegacio ineuitivo para a aproximagio social, ¢ é justamente esse sistema que falta ao sujeito com autismo. Quando © parceito procurado por Cross pergunta “Vocé j fez isso antes?” era dbvio que estava dizendo que o comportamento dela era estranho, o que o fez desconfiar que se tratava de uma pessoa sem qualquer experiéncia sexual. Ela, por sua vez, no petcebeu o sentido embutido na pergunta € simplesmente respondeu que sim, perguntando o mesmo a cle. Ok, cles transaram, mas outras situagdes com menos motivacio do interlocutor poderia impedit o exereicio adequado da interacio. Ideia 4 - Prejuizo nas fungées executivas As funges exccutivas so processos cognitivos complexos, muito importantes para que © sujeito seja capaz de se adaptar quase instantaneamente a seu ambiente em mudanga, Nés utilizamos nossas Fungdes Executivas a todo o momento ¢ é neste ponto que muitas pessoas com autismo tém dificuldade, por um prejuizo nestas fungdes (CZERMAINSKI e BOSA, 2013). Estamos falando em capacidades elementares como inibigfo, planejamento, flexibilidade mental, fluéncia verbal ¢ meméria de trabalho. A capacidade inibitoria permite que nos concentremos em algo importante, que no nos disteaiamos com uma borboleta que passa, A capacidade de planejamento é uma das mais importantes de nosso repertério, uma espécie de organizacio mental do que faremos ou deixaremos de fazer, trata-se desta conversa conosco mesmo em que, por exemplo, tomamos decisdes e, jé engatando com o préximo elemento, nos planejamos com certa flexibilidade, avaliando cada passo ¢ tomando novas decisées para atingir nosso objetivo. Sdo sob estas nogdes que se interpreta o apego da pessoa com autismo As rotinas inflexiveis, pois esta perspectiva sobre o futuro é prejudicado, tendo que ser estruturado com base na meméria ¢ no em um planejamento, além do mais, quando algo sai etrado, bé prejuizo na flexibilidade para a adaptagio do comportamento & nova situagio. Invertendo os tltimos pontos, a meméria de trabalho nos proporciona uma capacidade de conhecimentos do mundo, baseada em certas capacidades mentais que podemos representar com a metifora de que as informagGes recebidas pelo sujeito pode ser organizada como em uma estante € que se pode revezar a andlise de dados € manté-los seguros, nisto apresento o tiltimo ponto, que me parece bastante semelhante, que € a capacidade da fluéncia verbal, neste sentido, trata-se da capacidade de dispor as palavras na ordem de sentido necessérias A comunicacio € que niio se estabelece antes de falar, mas no exato momento em que se fala, podendo ser transformada no interior do discurso. Ao fim, pode-se dizer que o prejuizo nas Fungdes Executivas pode ser pensado como uma dificuldade em fazer um discurso mental, no qual as pessoas tipicas nio muito treinadas ¢ que sio importantissimos para organizar diferentes dados, falar fluentemente, tomar decis6es, planejar o futuro... Ideia 5 —Prejuizo nos neurénios espelho Quando uma pessoa nfo esté fazendo nada, seu cérebro produz ondas mu, que param de ser emitidas quando estamos exccutando uma acio como, por exemplo, acenar para alguém. Ocorre que as ondas mu niio sio suprimidas quando os individuos tipicos executam uma a¢io, mas também quando veem alguém executar uma ago, ou scja, se cu ndo aceno, mas vejo alguém accnando, também deixo de cmitir estas ondas cerebrais. Na verdade, a rigor, também aceno, em um nivel tio incrivelmente baixo de energia que meu brago nao levanta, mas os processos elétricos ocorrem. No entanto, no que diz respeito & pessoa com autismo, as coisas sto bem diferentes. Tal como um cérebro de uma pessoa tipica, a pessoa com autismo também emite ondas mu quando esta parado ¢ também deixa de emitir quando executa, uma a¢io, contudo, a0 ver alguém acenando, por exemplo, ele permanece emitindo ondas mu, ou seja, seu cérebto no produz as correntes elétricas minimas produzidas por uma pessoa tipica, 0 que faz com que a imitagio nfo ocorra em niveis minimos. Ramachandran especula sobre a possibilidade de que o déficit na fungio dos neurdnios espelho possam set a causa dos prejuizos na pessoa com autismo. Muito embora seja dificil uma condi¢io com tantos prejuizos ser causada por um sé fator, © autor argumenta com 0 exemplo do diabetes, cujos prejufzos se espalham por intimeros dominios ¢ que a funcio espelho & responsivel por elementos como empatia, deducio de intengo, mimica, faz de conta e aprendizado da linguagem, que sdo justamente os mais afetados no autismo (RAMACHANDRAN, 2014). Bénus: Ideia 6 — Autismo como cérebro hipermasculino Esta ideia vem sendo defendida, ainda em processo de constituigio e solidificagio teériea, pelo psicélogo inglés Simon Baron-Cohen, O autor se baseia em estudos de ge racking (eastseio do olhar realizados por aparelhos eletrénicos sofisticados) que demonstram que meninos e meninas possuem interesses naturalmente diferentes, 03 meninos se interessam mais por objetos mecanicos do que meninas, que preferem rostos humanos. Os experimentos que suportam a tese de Baron-Cohen foram feitos com bebés, quando ainda no ha tempo para condicionamento social baseado em nossos estereétipos de géncro, Nestes experimentos, depois realizados também em bebés um pouco maiores ¢ utilizando também figuras geométricas no lugar de objetos mecinicos, houve esta importéncia discrepancia entre meninos € meninas. Além disso, em 100% dos easos em que © olhar era dedicado a0 elemento nio humano por mais de 70%, foi verificado, em acompanhamento de longo prazo, que essas criangas se mostraram como dentso do Espectro do Autismo (BARON-COHEN eal. 2014a) As conclusdes do autor so: a) hi uma tendéncia do cérebro masculino em se interessar mais por padrdes ¢ no cérebro feminino em se interessar mais por relacdes rumanay; b) levada a extrema masculinizagio do cérebro, o individuo desenvolve um comportamento que chamamos de autistico; Lembrando que estes sio cérebros proporcionalmente majoritirios em cada sexo, mas nio exclusivos, de modo que meninas gue tém autismo sio, também, por exemplo, donas de um cérebro extremamente masculino, embora isso nada tenha a ver com sua sexualidade (BARON-COHEN ¢f al 20142). E considerando, portanto, que 0 autismo seria um desvio do padrio masculino, Jevando-o a0 extremo, por razdes ainda pouco, mas nao totalmente desconhecidas, como em fungio da exposi¢io do cérebro A testosterona fetal, é de se esperar que esta exposi¢io ocorra com mais frequéncia entre os fetos do cércbro masculino, por possuirem mais deste horménio ¢ aqueles fetos do sexo feminino, embora possam eventualmente serem também, expostas, 0 so com menos frequéncia, por possuirem menor quantidade, © que é uma explicagio plausivel para a prevaléncia de cerca de 80% de homens entre as pessoas com ‘TEA (BARON-COHEN ¢ al. 2014a) sgotadas as 5 grandes ideias sobre o autismo apresentadas pela Professora Uta Frith esta nova grande ideia de seu pupilo, apresentamos brevemente dois outros elementos importantes para pensarmos TEA, que é a atencio compartilhada ¢ o que sio as crises de birra Atengdo compartilhada Na definigio da Prof Ceres Alves de Araujo, “A atencio compartilhada é a capacidade para coordenar atengio a um parceiro social e @ um objeto ou a um evento de interesse mituo” (ARAUJO, 2011, p. 181), podemos dizer que € a capacidade de duas pessoas de manterem atencio sobre outta coisa, por exemplo, quando digo “Olha, 0 arco-iris!” e alguém ouve € 0 olha, junto comigo, mantemos @ atencio compartilhada neste objeto Este elemento se manifesta no momento em que um de dois parceiros em comunicacio aponta para algo e ambos se comunicam sobre ele, seja por meio de olhares, gestos ou falas. Esta habilidade dcidade, mas nos bebés com TRA, quando surge, s6 0 faz por volta dos 17, 30 meses (ARAUJO, 2011). Conforme Simon Baron- usualmente adquitida entre 9 ¢ 14 meses en e/a, (1996) falhar em trés itens associados & atengao compartilhada, quais sejam o jogo intencional, controle pelo olhar ¢ apontar, aos 18 meses de idade, indica uma probebilidade de 83% de chance de tratar-se de um sujeito com autismo, Isto dé uma pequena mosta da relevincia deste item, que possui formas de medida que podem colaborar imensamente nos processos de rastreio e diagnéstico para autismo. Em geral, apesar da imensa importincia do item, os pais nfo observam sozinhos a auséncia da atencio compartilhada, especialmente se eles so pais de primeira viagem. Por isso 2 importinela de que se usem instrumentos de rastreio, com perguntas dirccionadas, que fazem com que pais, médicos e profissionais da educacio tenham um olhar mais atento a esses pequenos sinais. Em 2017, o Estatuto da Crianga e do Adolescente foi alterado para obrigar meédicos a utilizarem algum protocolo de avaliagao de risco em todas as criangas entre (18 meses que se consultarem no pediatra. A escala mais adequada (até agora) para a praticidade exigida em consultas pedidtricas € 0 Teste de Triagem de Descavolvimento Denver IL Algumas prefeituras do pais esto instalando outros instrumentos de rastreio entre 18 2 36 meses, especialmente o M-CHAT, que é facilmente utilizado e jf est validado no Brasil, aumentando sua confiabilidade. O Nuicleo de Atencio a0 ‘Transtorno do Espectro do Autismo — NATEA, vem defendendo a utilizagio deste instrumento nas redes pitblicas de satide e educagio como uma forma efetiva de rastreamento na idade que nio é alcangada pela lei federal ¢ algumas cidades jé adotaram este sistema, Esses testes perguntam coisas simples sobre 0 comportamento da crianga, especialmente centradas na Aten¢io Compartilhada, mas também na interagio social da crianga ¢ ofetecem a informacio de eventual risco para autismo. Na presenga de isco, os pais devem levar a crianca a um especialista, que ir conduzir uma investigacdo mais minuciosa ¢, eventualmente, diagnosticar o autismo ¢ encaminhar para © tratamento. Como politica publica, estes instrumentos permitem uma intervencao mais rapida, com resultados muito mais assertivos ¢ um ganho social muito mais ample. Crise de birra E bastante comum que pessoas com autismo tenham crises tal como as descritas em cenitios de desorganizagio da n Estes momentos tém muitos nomes, como acesso disruptivo, crise de birra, de desorganizagio, entre outtos. Nio & somente por causa disto, mas certamente € um dos fatores mais importantes para o fato de que o estresse das macs de pessoas com autismo seja muito superior As das mées de pessoas com outras deficiéneias. Na verdade, os ni de estresse dessas mies sio semethantes Aqueles de soldados no front de guerra e de sobreviventes do holocausto (SELTZER ef al. 2009) Estas crises constituem provavelmente os desafios mais complicados na vida dos familiares e profissionais que convivem com pessoas com autismo, pois sio muito dificeis de controlar ou contornar e podem vir acompanhados de comportamentos heteroagressivos (isto é, de agtessio contra as pessoas que 0 cercam) ou autoagressivo (agressio a si proprio, como bater a cabega na parede, se morder, entre outros). Essas crises podem ter variados motivos, entre os mais frequentemente citados na bibliografia podemos notar a mudanga de uma rotina fixa, querer ter acesso a itens ou fugir de alguma atividade incémoda e a hiperestimulagio sensorial por excesso de barulho, por exemplo. ‘Talvez 0 motivo mais comum destas crises seja a ocupagio de um papel comunicante, Na auséneia de uma capacidade de se expressar adequadamente pela fala, a ctise passa a ser um comunicante, especialmente de duas mensagens “Eu quero alguma coisa” ou “Eu NAO quero alguma coisa”. Ou seja, a crise serve para demandar algo, comida, gua, um doce, salgadinho (sio comuns nos supermercados) ou fugir de alguma tarefa ou obrigagio. Isto é, a birra é sempre funcional, e também por isso se mantém acontecendo © maior problema neste proceso € certamente a capacidade da crise, especialmente quando se torna auto ou heteroagressiva, de desesperar 0 acompanhante ¢ garantir eficicia do desejo do sujeito com autismo. Assim, se ele quer ou nio quer algo, normalmente vai conseguir, vai ser bem-sucedido com uma, birra, © que faz com que esse comportamento seja reforcado ¢ tenda a se repetir. E no se trata de dizermos que hi a culpa de alguém, quando uma crianga faz algo tio perigoso como, por exemplo, bater a cabeca em uma quina porque quer algo, é natural que qualquer pessoa com senso de perigo a dé. Daf a importancia de um trabalho profissional e de eficdecia demonstrada, para melhorar a qualidade de vida desta crianga. Imagine o caso relatado em Outra sintonia: a bistbria do autismo, de uma crianga que, em um intervalo de 90 minutos bateu a cabega 2.756 vezes. Todos sabemos que a morte rondou ameagadoramente sua existéncia nesta uma hora € meia, 1a, mas nio s is Ha duas coisas a se chamar atencio aqui, a primeira é que, sim, trata-se de uma irra ¢ nao ha nada de mal em se usar esta expressio, cla é utilizada para designar um conjunto de comportamentos como gritar, bater, espernear, chorar, eventualmente se jogar no chao, entre outros, Esta birra, no entanto, é mais intensa e mais duradoura na pessoa com autismo. Por qué? Porque cla tem mais dificuldade de se comunicar adequadamente ¢ no porque “ela tem autismo”, Muitas familias de pessoas com autismo nfo gostam de usar a expressio “birra” porque pode indicar algo como uma acusagio, que os pais séo souberam criar seus filhos, mas na verdade, fa em uma pessoa com autismo acabar é tarefa ardua. Segundo ponto, as birras em pessoas com autismo so combatidas da mesma forma que em outras criangas, mas em uma crianca tipica o comportamento adequado para conseguir algo (¢, portanto, nfo precisar mais da bitra) é facilmente ensinado, enquanto na pessoa com autismo, cla é muito dificil, cxigindo muitas vezes profissionais para orientar o trabalho. Mais 4 frente falarci sobre ensino de pessoas com autism. REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS er uma birra ACAB, A. & MUOTRI, A.R. The Use of Induced Pluripotent Stem Cell ‘Technology to Advance Autism Research and Treatment. Neurotherapeutics (2015) 12: 534 ARAUJO, Ceres Alves de. Psicologia ¢ os transtornos do espectro do autismo. In: SCHWARTZMAN, ].5; CERES, A.A (Orgs). Transtornos do Espectro Autista. Porto Alegre: Artmed, 2011. p. 173-201. ARAUJO, Luiz Alberto David. A Protegdo Constitucional das Pessoas com Deficiéncia. 4. ed. Brasilia: Secretaria de Diteitos Humanos, 2011. 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