You are on page 1of 16
i \ | | | | | | | georges duby EMPO DAS CATEDRAIS a arte e a sociedade 980-1420 imprensa universitaria editorial estampa Titulo do original: Le Temps des Cathédrales TeArt et la Société, 980-1420 Copyright A verso inicial desta obra foi publicada em 3 Albuns pelas Editions 4’Art Albert Skirs, Geneve: —A Adolescéncia da Cristandade Ocidental, 980-1140 A Europa das Catedrais, 1140-1280 —Fundamentos de um Novo Humanismo, 1280-1420 Todos os direitos de tradugdo, reprodugio © adaptacto reservados para todos 0s pafses por st Albert Skira, Genéve, 1966-1967 © texto revisto desta edigao, ial Estampa, Lda., 1978 iNDICE © MOSTEIRO. 920-1130 A aste imperial feudais 3. Os monges - 4,0 limiar | ‘A CATEDRAL, 1130-1280... 5. Deus & tuz, 7. A felicidade, 1250-1280 .. © PALACIO. 1280-1420 8. Homens novos 9. Imitagdo de Cristo 10. Possessdo do mundo IMAGENS, 219 247 a a0 mesmo rempo que do museu, € colocé-la na vide. NGo a nossa, mas a dos homens que sonharam estes objectos e foram o7 primeiros a admiréslos. Ester livros falam portant da Idade Média, em geral. Duma certa Idade Média, Pera os livros que editava, Albert Stira escothia a mais bela: a das obras-primas. O esjorgo de explicagdo incide ito da alta ci sas que duraram axé nés. Além que a criagdo artistica é sempre governade pelas jorcas sociais daminantes, @ invencto situasse quase por inteiro entre 0 que Joi entéo modelado para « glia de Deus, para 0 servigo dos principes para o prazer dos ricos 1as é um percurso obrigatério; ¢ ndo & max per- paraletamente d sequéncia de imagens ra melhor os conjuntar e, aqui e além, rejuvenescer. Beaurecueil, Novembro de 1975. © que nfo precisavam de padres, todas as seitas indecisas que formigavam ‘nos subtirbios das cidades meridionais, toda a florasto da caltura cortés que a clas se ligava, levantavam 0 mais sslido obsticulo a0 que irvadiava das escolas € dos monumentos de Paris. A heresia fazia mais: punha em ‘causa @ propria unidade da cristandade, Era neste momento portadora da angistia do mundo, Esta era a principal preccupacio dos dirigeates a Igreja, Poderiam eles preocupar-se tanto com Jerusalém, com 0 timulo de Cristo? Agora tratava-se do préprio Ocitente envenenado, Os melhores ‘monges, os Cistercienses, acabavam de falhar na sua missio, O seu abude Fegressava perplexo no meio da escolta demasiado ostensiva dos seus cavaleiros. A Iereja romana tinha de usar urgentemente de today as suas armas As da arte? Na Illia, ela servia ié a propaganda ortodoxa. Em 1138, mestre Guglielmo de Luca erguera a imagem de Cristo erucificade diante daqueles que duvidavam das virtudes do seu sacrificio; no coro de Sante Maria Trastevere, os mosiistas colocavamn a efigie triunfal de Mae de Deus: estas obras proclamavam a verdade da encamagio, Em para decorar em 1178 0 ambSo da catedral eo estrado onde se Povo o texto do Evangelho, os clérigos tinham convidedo Benedetto Antelami a retomar a imagem bizantina da Deposigto da cruz. Perante o Cristo morto no Calvério, no mei de Maria que os soldados, das santas mulheres ie beija a mio direita, como nao acreditar que Deus nao é ito de luz, que se fez carne para sofrer e para suportar a ic levar a humanidade consigo para a redengio? Alguns anos antes, em 1160-1170, no préprio foco da dissidéncia, o portal de Saint-Gilles erguera sobre um vasto teatro a cxortagfo anticherética. Entre as colunas dum temple antigo, pisando aos pés as Forgas do mal e oy fermentos das frengas més, os apéstotos, testemunhas do Verbo encarnado, erguem se hha forga da verdadcira f€; sio os seus atletas, O friso que supe desenrola a narrativa evangética. Concentra-a, no mainel da porlt. prin. cipal ¢ sobre a representagio da Ceia, Proclama a verdade da Eucar‘e No final do séeulo XII, a arte romfnica do Sul propunhe as formas com. Vincentes duma propaganda visual, Foi no entanto arte das catedeais sotieas que, em tode a cristandade, se tornou entdo o instrumento, talvez (© mais eficaz, da repressto catélica, 136 nosis 6 A IDADE DA RAZAO 1190-1250 ' mma fortalea Nas proximidades do ano 1200, a Tgreja romana ¢ uma fort sreada, De todas a frgas hosts que a rods, que astra 08 ous basties e que minam as suas dltimas defesas, as mais ardentes e as snais visfveis vém da herssin. No entanto, nfo é esta @ dnica a conduzir "'taque, Outras ameujas, mais insdiosas, nascem dos proprios proeresos ci saber, Estas estimulam as audécias no seio da escols, em Paris. Susctam ‘af desvios inquistantes. A forga de raciocinar sobre a obra ée Dini, sobre iistérios da Trindade © ¢2 Criagio, Amaury de Béne acabov por sar ¢ ensinar que «tudo é uno, pois gue o gue € & Devss, que por seannein cada homem € de Deus, ¢ portanto escapa a0 ado: no basta ao honiem reconhecer que Deus esté em si para viver tear ina ia ao encontro do opt dave forga uma sociedade cstagnada de camponeses ¢ de guerreiros, a3 estruturas da Tereja, com toda 2 evidéncia, ndo se adaptavam id a0 mundo presente rastavam, Era urgente rejuvenescé-las © recon- eceu, tomou decididamente forma monde a, em redor da cadeira de $, Pedro e dum papa, Ino- i cerca de dois séculos que © pontifice romano alargava pacientemente o sew poder. Enfrentara com éxito os imperadazes, Os jus fas da Caria tinkam forjado pars seu uso uma doutrina teocedtica que The reservava neste mundo ums auctoritas superior a qualquer poder temporal. Pretendia ter jurisdiefo moral sobre a terra inteira. Enviava legados a toda a parte. Sonhava submeter A sua lei os bispos. Eleito papa em 1198, aos trinta e oito anos, Inocéncio TIE levou a seu termo esse longo esforco. Este nobre romano era um Bolonha— ao italiano — depois tzologia em Paris —ao estilo de Franca. Foi o primeiro papa a dizer-se claramente, nio sb sucessor de S. Pedro, mas lugar-tenente de Cristo. Rei dos reis, portanto. Rex regum, sobrepondo-se aos principes e julgando-os. No dia da coroacio, proclamou. «Foi a mim que Jesus disse: d haves do reino dos eéus, e tudo wes na terra serd ligado no céu. Vede pois o que € este servidor que manda sobre toda a famflia: é 0 vighrio de Tesus Cristo, © sucessor de Pedro. Esté no meio, entre Deus e 0 homem, menor que Deus, maior que o homem.» papa esforga-se entko por inttoduzir todos os soberanos da Europa numa teia de submissdes feudais que leva a sua essot, Quase 0 consegue. Fortalecido pelos seus triunfos, rene no fim do seu reinado um concflio em Latrio, que detempenhou, na cristandade medieval e perante problemas compardveis, 0 papel do concilio de Trento za cristandade moderna. No programa: «Eliminar a heresia e fortalecee a {6 —mas também reformar os costumes, extirpar 0: vicios, implantar as virtudes, conjurar os excestos. E ainda apaziguar as disc6rdias, estabelecer paz, repudiar a tirania ¢ fazer prevalecer por toda a parte a verdade.» Reaceo. A Tgreja congrega-se, fortalece-se, expulsa os corpos estra- nhos. Um coneilio anterior, em 1179, ordenara que se encerrassem nas gsfarias, afastades do povo de Deus, que viciavam, todos os seres impuros, rofdos de doencas purulentss, e os insensatos, possuldos do deménio. Na mesma via, 0 conctlio de Inoténcio TIT impSe aos judeus o uso da estrela, ‘uma marca distintiva, um sinal de excluséo, Depois, a Tareia ataca, Em bencficio da unidade catblica, a cruzada & desviada do seu primeiro fim, Jangada contra os cisméticos—em 1204, 0 exército cruzado toma Cons, tantinopla —, mas sobretudo contra os heréticos, que so 0 perigo maior fem 1209, o papa promete sos cavaleiros da Mha-de-Franca as indulgéncias da Terra Santa, convida-os a © Languedoc, @ exterminar 0s Al genses. Acrescentemos que, nesta Tuta © no seu esforco feroz para se instalar em toda a parte, a Igreja romana deixara hé muito de contar com os monges. 138 " XIII, esti cheios de cas aos Beneditinos © aos Cartuxos, censuram-nos por viverem reti sados ¢ viverem rieamente: eso verdadeiros mercadores na feiray. De Templo e do Hospital tinham mais no seio do mundo, exaltavam 0 ideal ‘atentia ¢ de conquista da moral cortts © projectavam a ccristianismo de acgio. Todavia, os movimentos de espiritualidade susci- 'ados nese tempo pelo nascimento de congregagdes novas obrigavam a wna vida religiosa que jé no se baseava no entrechocar das espadas nas justas cevaleiras, mes no amor de Deus e dos homens. Imitagko de Fesus na sua preocupasio pelos pobres, tal foi @ estilo novo da ondem do Espirito Santo, votada aos cuidados dos Uoentes, e da ordem dos Trinitarios, votada a0 resgate dos cativos, Davam resposta 20 evangelismo difuse entte 0 povo laico, S6 elas podiam enfrentar, com esperanca de algum éxito, as seltas heréticas. Inocéncio IIE sentiz~o tho hem que ele proprio sonseguiu reintegrar na Igreja uma parte do Vaidismo e das seitas de terodoxas: acolhew os Pobres catélicos, os Humilhados; encora. jou a peniténcia laica. Mas a conduco da marcha dos tempos novos saberia a dois apéstolos, aos dois «principes» que a Providéncia, para reaproximar a Tgreje de Cristo, seu esposo, tinka Ordenado em sew favor A firm de que além e aged tem de guias (Paraiso XT, 35-36.) Francisco de Assis e Domingos, 5, os cavaliros parisienses no galopayam ainda em Languedoc para chacinar em nome de Cristo os heréticos ‘os outzos que 0 nfo etam. O papa Inocéncio III recebeu a visita do bispo de Osma, de Espanha, acompanhado pelo subprior do seu capitulo, Domingos. Titham atravessado os dominios do catarismo triunfante e tinham encontrado em jer 06 legados cistercienses, desanimados. As razdes da derrota tham-thes parecido claras: um clero sem moral e de Disseram a0 papa que «para fechar a boca dos maus impor ensinar segundo 0 exemplo do Bom Mestre, apresentar-se com het © & pé, sem Ouro € sem dinheiro, em sums, ida apostolican, Este bispo e este cénego propusham que se renunciasse 9 Fausto senhorisl em que desde Carlos Magno viviam todos os prelados do Ocidente, as cavalgadas, aos adornos, as insignias do poder temporal Quiseram partir para os pafses de dissidéncia como testemunhas de Cristo, 139 Verdadeiramente evangtlicas, logo compl: goou-0s, encora) em Lavaur, desta ver todos pod ome os seus adver, letamente pobres, O papa, aben= regito Narbonense. Em Pamiers, Publicamente os Perfeites, mas fensores di Igreja de Roma estavarm, eas, sem mulher, sem armas, sem nada, T ingos € 0s seus compankeitos ram clerigos ‘uais} a heresia vencera a gente do claustro, a gente da entrava na liga; preparavam de antemso 0s seus argumentos em 8 escritas; vinham combater o catarismo no terreno dogmatico, demonstrar que estava errado por raztes de teologia; expunham-nas nd jua de oc, que falavam; um auditério de senhores 2 de burgueses Sesignava os vencedores deste torneio. Domingos ficou 36, Foi entdo que fundou em Prouille um mosteiro, mas para mulheres, rival dos conventi- culos para onde as damas da terra se retiravam para viver no ascetismo € na perfeisto cétaros. Dew-lhe a regra de Santo Agostino, toda de pobreza, E preferfvel ndo saber o que fez nos turbilhdes sangrentos da ‘cruzada; pelo menos retomou depois a obza de pregagio. O novo bispo de Toulouse chamou-o para seu lado com o grupo de discipulos, nessa regio gue os bandos de Simo de Montfort tisham devastado, onde o catol smo se instalava pela forga, como um tirano, sobre escombros e contra 4 resistencia muda dum povo dizimado, oprimido ¢ hostil. A pequena comunidade de pregadores esforcouse por combater, por conquistar desta vex 08 espiritos ¢ votowse & reconstrusiio es Viu'se Domingos no concilio de Latréo. Os padres, que lutavam mesmo aqui contra a pululagao das sseitas, desconfiavam das congregagées novas. Domingos venceu as deles, Mas obrigaram-no a no inventar a sua ptépria regra, «8 escolher ume fegra antiga. Ele tomou 2 que dera as itmis de Prouille ‘2 regra dos cénegos agostinianos. Mas sobre ela, com pequenos retogues decisivos, inovou, fundando a ordem dos Pregadores e as suas consituigaes No cere da vocagio dominicana estabelece-se a pobreza total. N30 a de Cister, facticia, mas a de Cristo. A riqueza corrompia 0 mundo ‘moderno: era preciso instalar neste terreno a vanguarda do combate. No capitulo XXVI— «Da recusa de propriedade—este preceito fundamen. tal: «Nio receberemos de nenhuma maneira propriedade nem re: Numa sociedade em que a terra jd ent0.» do constituia a tinica riqueza, esta- belecia-se uma congregaco religiosa que, pela primeira vez, ndo se’enraic zava numa possessio funditria, que decidia no mais tirar dos seus préprios campos a subsistéacia, mas mendigar 0 po de porta em porta, O domi nicano nada tem de seu, a nao ser livros. Mas esses slo as suas ferra- mentas. Tem por missio espalhar a verdadeira doutrine, lutar a pé firme contra os deménios de descrenga, adversirios subtis que s6 as juzes do Espirito podem derrubar. Precisa, por consequéncia, de se preparar, de formar a sua inteligéncia, de ar de ler e estudar, Ora, 86 se estuda bem em grupo, coma tinham demonstrado os mestres das escolas. O dominican vive pois em comunidade, como 0s cénegos cate- 140 ais, como os monges beneditinos. Nao, contudo, como estes, para cantar fem coro, 2 todas as horas do dia, of louvores’ do Senhor. Para ele, 0 tenquadramento litirgico toma-se flexivel, simplifica-se: os frades libertan:- ste rapidamente das oragSes rituais, no momento mais oportuno, sem excessive preocupagio com as horas prescritas, Nao so jé escravos dos ritmos césmicos que durante séculos haviam regido, na estabilidade dos ‘tempos revolutos, as sslmodias, A vocacto do Frade pregador leva-o as jas da acco: 0 combate no pode esperar. O inimigo nfo se tra na soliddo, no deserto, nem sequer nos campos: esta entre os homens. No seio deste mundo novo, onde jé no conta s6 0 campo, én cidade que € preciso enfrenté-lo, O convento dominieano, por conse- ‘quéncia, instala-se no coragio das massas urbenas que tem por missdo esclarecer. ‘Mas 0 convento difere ainda do claustro em milo se f os religiosos. Nao € mais do que um abrigo aonde os tarefa, regressam para dormir e partihar a comida esmolaéa nos subirbios, Entretanto, como o claustro das catedrais, © convento domi ma-se igualmente—e essa é a sua furlgio principal —com har nele a vide rades, cumprida a aa relieo Senteng de rac a Historia de ds preaasdo. Nio ox pesados ¢ ormamentados, como of que fam buscar 3 sigaspara-a celerayio do oico ou para 4 mediasSes pacientes Sto verdaeitos mania, spre pronto, que o Frade preeadar Tove consigo na sacola pod, se preciso fora less ceferie, pls quanto ‘natiria I lea tem no eso, «Nao vem tomar por bate dos estudos ce pagios don sofas —a to ser consikandows Sis tala quando oi vo mesire da ordem® Ob © geral queiram spor de cutro modo em relagto 4 alg. O superior Po Eonceoer dispenaa aos estudanes, de modo que #80 se poss fasmente rompers os extdos nem prejediiios som qussGes de ofa nea outa cosa. O-que conta nes passage dat cnsitleses a. Order, o gue marca inovacio decsiv, «intengdo central ¢ 0 gue cOmpromete 6 futur, sho as intertiges, formals © fs dapenss, todas ess poras aberias @ certo, mas tambéa vigorow e ousada hamudos a mlitar no combate doutia, bem arinado, portant sere babel seculiey te el mesmo tempo leno centro das etrutars excl Yotadas 20 estud, em None que tenhs, escritos por sua mio, uma Pedro Lombardo, onde a citncia teol Pedro, o Comedor, onde se colhem os temas c se trata de x, em Bolonha, em Oxford, e prime dat mente em Paris, na Rua Sais Tacques, os conventos dominicanos vieram agregar-se acs grupos de investigagio tcologica. Depressa se tormaram vanguarda destes "A ordem dos Pregadores vinda dum capitulo catedral desligara-se dele catedral, para as por ao servigo da monarquia romana © zagio. A ordem dos Franciscanos emanav. laicada das cidades e das suas frustragbes espi tho dum homem de negécios rico, nascido numa comuna que a si mesma dera um podestade Francisco de Assis, durante a juventude, entregara-se a alegrias, ympunha cangSes de amor; meteuse em aventuras cava- 5 inguictagSes que trabalkavam entio as burguesias icado falava-the. 2, directamenie do adornos ¢ os seus dinheiros, foi 0 bispo da cidade quem 0 cobriu com 0 fel, Também ele mendicante. Nao le Deus, Continuou, & moda dos mesmo tempo que a beleza do mundo, irmfo Sol e todas Rapazes sus amigos o seuiram, Langou os diefpuls pelos grandes hos, como Jesus fizera aos seus, ves roporciona. E se acontecesse no enco © seu plic: Deus no os deixaria morrer ‘Em 1209, © papa Inocéncio Ill, empenhado em chamar a si as scites a pobreza, autorizou a pregagio de Francisco, aprovou a sua regra multo simples, feita de alguns feagmentos do Evangelho, Logo os Frades menores se espalharam por todas as cidades: os primeiros chegaram a Paris em 1219. Foram mal vistos, a0 principio: tomavam-se estes mendicantes apaixonados ‘ram de mostrar cartas pontificias. Mas, em 1233, estavem, iodas as cidades ¢a Franga do Norte. Nessa época, nos meios aristocriticos, a condigo das esposas ¢ das filhas comegava @ melhorar. ‘As mulheres, pelo menos as mulheres ricas, formavam agora um grupo ‘cujas aspiragées espirituais mereciam a aten¢io dos clérigos, Uma dama nobre de Assis, Clara, fundou uma comunidads de irmis & imitago dos fradinhos do seu amigo Francisco. Nio tardou a organizar-se uma ordem terceira que propunha, 20s que no queriam romper com 9 século, for. ‘miulas de vida apostélica apropriadas ao seu estado, Quanto a Francisco, ‘encaminhava-se cada vez mais para a fraternidade com Jesus. Acabou por 2 identificar com ele to perfeitamente que, ena chama do seu amore, recebeu no corpo os estigmas da Paixio. As multidSes veneravam-no como ‘a um santo, Nas cidades da Tosclnia, via-se nele o modelo duma perfelcéo nova, de acordo com 0 desejo de humildade da jovem sociedade urbana, 1a i = com os seus esforgos de despojamento, de acglo caridosa, de lrisme alegre, de efusbes sentimentais. Francisco no combatia a heresia pela espada ‘nem pela sazdo, mas por um impulso do coragio ¢ pela vida que fazia. Melhor do que qualquer outro, tornava o Evangelho presente no mundo, i, com Cristo, o grande heréi da historia ¢ dizer sem exagero que o que Fesia hoje de cristianismo vivo vem directamente dele Nilo era padre e no se preocupou em o ser, tal como os seus primeiros iscipulos. Mas no atacava os padres, Queria apenas ajudar, falando ao ovo, os homens que todos os dias consagravam a héstia, Contra os Cataros, contra os Valdenses, contra todos aqueles que recusavam 0 sacerdécio, a Tereja romana exaltava enti, com efeito, a Bucaristia © coneflio de Latrdo fixava o dogma dz Transubstanciacdo. Esculpiam-se repreventages da Coia nos portais das igrejas, em Beaucaire, em Gilles, em Médena, nas cidades contaminadas pela heresia: ai Jesus sstendia 0 seu bocado de plo 20 proprio Judas. Francisco, servidor do clero, lutou em defesa dos padres, «Se 2 Bem-Aventurada Virgem Maria € to venerada—e com justiga — por tet trazido Cristo no seu bento seio, © © Bem-Aventurado Baptista tremeu violentamente © nfo ousou tocar a cabera sagrada do seu Deus, se 0 sepulcro em que 0 corpo de Cristo esteve deitado por algum tempo € rodeado de veneracio, quio santo, justo e digno deve ser aquele que trata com as suas mics, toma de coragdo € de boca, dé aos outros em alimento Cristo Jesus» E no seu testamento espiritual, Francisco prossegue: «Mesmo que eu tivesse tanta sabedoria como Salomio, se encontrasse pobres padres vivendo segundo o mundo, néo pregaria nas suas paréquias contra a vontade de! ‘A estes mesmos padres ¢ a todos os outros, quero respeittlos, amé! hhonri-los como meus mestres. Elo quero dar alenglo aos seus pecai porque distingo neies o Filho de Deus, ¢ porque sic meus mestres. Bis por que assim procedo: € que neste mundo nfo vejo mais nada de sensivel do mesmo Altissimo Filho de Deus que 0 stu santissimo corpo e 0 seu spunha um exemplo ¢ no argumentos logicos. mente eficiente, Os cardeais quiseram porém disc ‘9 que nessa época urgia era menos cantar desvios doutrinais, re do povo, em suma, c: © dogma, Os chantre rados ¢ 98 loucos de feram menos titeis ao papa do que os 05 doutores. Apesar de Francisco © de toda uma parte dos seus pulos, @ Santa Sé obrigou ordem dos Frades menores # transform numa mi segundo 0 modelo da Ordem dos Pregadores, Fixaram-se os Franciscanos nos conventos, foram desviados da 13 couisera que esta passasse a assentar na rede das , ajudados pelas brigadas moveis dos Frades jssem meio de i heresia, estabelece-se uma quadriculagem estrita sobre toda a cristandade, Nos campos de Franga, fol no século XIII que as comunidades de hhabi- tantes tomaram corpo no quadro paroquial; comegou-se a designar cade camponés como «paroguianon de tal ou tal lugar; foilhe proibido ir receber 0s seeramentot a uma outra igreja; tentow-se obrigi-lo a préticas regulares: o concilio de Latrdo recomendava a todos os Iaicos que comun- jgassem e se confessassem wma vez por ano; o cura devia estar em condivdes, de assinalar aqueles que pracurassem esquivarse, descobrir assim os heréticos clandestinos e expulsar mais elicazmente as feiticeiras. Prospero, fortalecido por um poder que the submetia as suas ovelhas, 0 cura da aldeia tornou-se no tirano de que Zombam os contos de escénio, 0 Romen de Renart ¢ as colectineas de romances em verso. Organizaram-se células semelhantes nos bairros novos das cidades. Sobre e conjunto da diocese, 0 bispo presidia a este enquadramer (© bispo passou a ter duas miss6es precisas. De pol em primeiro lugar. O seu tribunal ordinério, a ofiialidads de queixa, 25 faitas correntes & disciplina eclesiastica. Instituiu-se parale- lamente um processo de excepedo, a Inquisicao, Devassa, desta vez: 0 bispo tomava a inicfativa das investigagSes sem esperar as acusacoes. Fixadas pelo concilio de Latrio, as regras desta jurisdigo de urgéncia foram rapidamente aplicadas no Sul da Franca. Os suspcitos, que 8 vor publica denunciava,~acusados, presos, eram interrogados diante de tester Proturava-se apressar a confissio, Se se obstinavam no erro, eram entre- gues ao braco secular para serem quelmados pelo fogo purificador. Quando néo, o inquisider impunha-Ihes uma penitéacia, por ve72s a pere- ‘rinagdo, mais frequentemente a epareden, a prisio perpétua. Esta era luma das fungSes episcopais, repressiva. O pastor devia abater as ov ronhosas, purgar 9 pOvO cristo, jé isolado dos leprosos e dos judeus, todos os germes nocivos que o envenenavam. O bispo acendia as fost ‘Mas ainda tinha de iluminar as almas com a boa luz, Esta segunda missio sitaavasse na tradigio: fazer conhecer o dogma, espathar a verdade; que © prelado ensinasse, que ao menos favorecesse a actividade escolar na cidade, “Monarquia centralizada, a Igreja romana submeteu directamente a0 ‘papa os maiores centros de estudos, as oficinas de teologia, onde 0 dogma reecbia a sua armadura, Constitufram uma engrenagem essencial no scio pardquias onde os pa mendicantes, 4 para se defender, procurava Intelectualizarse. Os ‘estigagio organizaram-se em corpos mais coerentes, m subiraidas a0 poder do bispo, mas que se esforgow por (er ma milo, Desde ht muito tempo, mestres € janies agrupavam-se em corporagses, constituidas como as dos mes. wey urbanos. Visevam dessa maneira emanciparse. Lutavam em conjunto vertarem das intrigas do senhor e da tutels do capitulo, Em Paris, eato ganhara, contra o rei ¢ contra Notre-Dame, liberdades ais. Inootncio III reconheceu oficialmente a associagdo c 0 seu ‘et scolarium parisien- ere para melhor a dominar e para a associar mais estreitamente & ra pontifical. Tmediatamente se exerceu sobre cla uma fiscalizagdo a. A doutrina de Amaury de Bene foi condenada, Queimaram-se 2, universitérios que teimavasn em propagécla, Expulsaram-se do ensino s letras perniciosas: foi proibido aos mesires parisienses dar & conhecer 105 seus alunos a filosafia nova de Aristoteles, a sua metafisica e 0 comen- io de Avicena, Julgourse enfim que as Ordens mendicantes podiam ‘ornecer professores mais Seguros: foram intr 2 universidade. elo m 10 movimento, a acrlo intelectual concentrou-se na rel ica. Nenhumas vis preocupagdes estétices, nenhumas curios! ris, Paris toraa-se no século XIII uma imensa maquina de raci a direito. Na faculdade preparatdria das artes, onde os futuros tedlogos reeebiam a sua formagto, a dialéctica invade tudo. A acto directo com os autores, recuou perante a «disputar, 0 exercicio formal de discussie, proprio para consolidar os espiritos com vista ao combate doutrinal. O comentario dos textos cedeu pouco 2 pouco o lugar aos puros jogos do silogismo, A gramética deixou de ser uma introdugio as belas Jetras, tomou o ar duma Linguistica estrutural, Especulou sobre a légica verbal © dedicowse @ analisar of modos de expressio em fungi dos mecanismos que 0 raciocinic impde a linguagem, Para que podia servir Ovidio ou Virgilio? Para que procurar nas letras uma fonte de deleitacdo, tuma vez que as palaveas nfo eram mais do que as ferramentas necessarias duma argumentagto demonstrativa? Esta evolucto fez com que se estio assem rapidamente os impulsos de humanismo e comprimiu: os movimentos de fervor que, durante todo o século XII, levavara a gente das escolas € ‘0s proprios monges cistercienses a reverenciar os poctas clssicos © tomé-los por modelos. O pensamento escolistico despojou-se de todo 0 ornamenta, deslizou pouco a pouco para as securas do formalismo. Pelo ‘menos adiantou, em Paris e nas outras Universidades, em Oxford, em Toulouse, toda ela eriada contra a heresia, uma constructo teal6gica que ganhava rigor rapidamente, [Nela se apofava a pregaglo de verdade. Nas cidades, exercia-se antes, de mais pela pelavra, ¢ em primeico lugar pela dos Dominicanos © dos Franciscanos, ambos especialistas, Sabiam pregar melhor do que © bispo Ms iger, Estavam presentes em ‘aps remoinhos da conscitneia es meies de se fazer ouvir por vastos auditorios, de cl. Empregavam a linguagem de todos exemplos concretos, por usar imagens Introduziam nos sermbes histérias adaptedas & condigéo social de cada publico. Associavam ja a sua propaganda os srtficios da representa |: mostravam-se entBo 20 povo os primeiros Milagre de Nossa Senhora, Quanto & arte, fora até ai, acima de tudo, oragio, louvor da gléria divina. A preocupasdo de persuadir passou fe desta vez de maneira sistemética, um instrumento de * ira metade do. sécul XIIT, as ordens mendicantes nto Os seus conventos slo uma espécie de albergues © 0s seus oratbrios telheiros, Frades pregadores e Frades menores deixam 0 clero 0 cuidado de adornar 08 santuérios. Ineitam-no a fazé-lo, fornecem-he novos temas iconogrificos derivados de sua pregar8o, Séo Bernardo, que tania toda a imagem das abadias cistercienses, admitira j& que 2 arte figurativa de- corasse as igrejas urbanas, para «permitir aos bispos que tém o dever de estimular por imagens sensfveis a devoco carnal de todos, sfbios e igno- antes, quando © nfo podem fazer por imagens espirituaiss, E S. Francisco queria que fossem epreciosamente adornadasy as igrejas que abrigavam o corpo de Cristo: No tempo das primeiras misses dominicanas e francis- canas, uma nova geracho de catedrais se ergue pois acima das cidades, como um sermio permanente. Crescimente agora mais ripido. Notre- Dame de Paris concluiuse em 1250, mas trabalhava.se nela hé cerca de um século, A prosperidade crescente das burguesias, a canslizagio mais cficex das esmolas, a vontade de convencer depresse aceleraram entlo as construgses, Trabatha-se nas obras como numa das frentes decisivas do combate pela verdade. As obras duma nova catedral sio comegadas em Chartres em 1191; vinte e seis anos mais tarde, o edificio esteva terminado, A obra € conduzida mais rapidamente ainda em Amiens; em Reims, onde se inaugura em 1212, o essencial estava feito em 1233. Obras imensas que foram 0 lugar dos maiores investimentos, das mais vastas empresas arte- sanais de toda a época medieval. Os capitulos confiavam agora a sua direcgio a t€cnicos, que passavam dum trabslho para outro, 20 acaso das encomendas. Lim deles, Villard de Honnecourt, deixau cadernos, Vemo-1o preacupado com aperfeigoamentos mecAnicos, curioso com aparethos de levantamento, que pudessem economizar ¢ mio-de-obra ¢ apressar 0 acaba- mento da obra, Mostra-se igualmente capaz de aplicar formulas te6ricas de conceber em abstract © conjunto dum edificio, Os edoutores em 16 4 lado a citnsla dos niimeros que se ensi iam-se cles proprios «mestress. Queriam com isto ersidade. De facto, as construgdes que tinham 0 encargo de eviam na matéria inerte 0 pensamento dos professores € os stus iahos dialécticos. Demonstravam a teologie catélica. Esta, mais do que nunca, foi nesse tempo afirmactio de luz, Para or combater as sedugdes do catarismo, os melhores pensadores csprados referiam-se as hierarquias cuja ordenaa0 Dinis, 0 Areopagita, lescrevera, Esforcavam-se por escorar este monumento com razbes mais irmes, entiquecé-lo com © progresso dos conhecimentos fisicos. Roberto conhecia ss. Para ele, Deus ma esfera luminosa que irradia dum foco central 1s trés dimens6es do espago. Todo o saber humano procede duma irra- iaglo espiritual da luz incriada, Se 0 pecado no tornasse © corpo opaco, perceberia directamente os umes do amor divino. No corpo de Deus ©. homem, o universo corporal eo universo espiritual egressam a sua unidade inicial, Tesus—e a catedral que dele € sim- lo —sio assim designados como o centro donde tudo procede, onde se sina tudo, @ Trindade, 0 Verbo encarnado, a Igreja, a humanidade, a ura. Estas concepetes determinaram uma estérica, «Entre todos 08 corpes, a luz fisica 6 o que hé de melhor, de mais deleitivel, de mais belo; ico era mais claro de tanto que resplandecia de alegria. Verda- deiramente 0 gracieso © liberal Senhor enchia com os seus raios a sua pobre pequena esposa, de tal maneira que ela espalhava em torno de sia luz diving» B 0 dominicano Alberto Magno define a beleza como um ccesplandecimento da forma». Mais ainda que as igreias de que procedem, as catedrais da segunda s. Em Paris, as partes so uma armadilha aérea estendida para que todos la fiquem aprisionados. As paredes desaparecem. Por todos os sz penetra um espago interior tornado perfeitarente homogéneo que teria encantado Suger. Em Reims, Joo @Orbais concebe janelas Inteiramente em abertos, cujo desenko mnecourt se apressa 1 Fixar e culo tipo se espalha por toda a parte; depois dele, mestre Gaucher suprime todos os timpanos no portal da fachada ¢ substitui-os por viteais, Por toda a parte florescem rosiceas. Abrem-se até se juntarem & armadura dos contrafortes, Circulos de periei¢io, simbolos de rotagdo césmica, figuram o fluxo crlador, a procissio da luz € © seu retorno, esse universo de emanagbes radiosas ¢ de reflexos que a teologia dionisina descreve, ug A Optica de Roberto Grosseteste resultava num Tratado das Linhas, & numa geo- arquitectura do século XII 3 ‘ministrado na as.'As suas formas tiveram origem no expirito do: durante todo 0 ano, for (© mestre-de-obras procede por dissociago isolando partes homélogas, ‘depois as partes dessas partes, antes de as agrupar logicamente, A catedrat desenvolve na verticalidade, num jogo de in séncia persuasiva, uma geometria tecida sobre a luz Propde ornamentos, mas eles n&o sfo escolhides para seduzir, Apre- sentam a vista do povo uma teologia da Igreja. Conquistadoras, projectadas come uma afirmasio de poder no meio das vielas da cidade, todas estas, imagens sfo oferecidas. Fm Reims, em Amiens, as estituas daixaram 03 vlos. Avangam 20 encontro d para uma pregaeo muda dos valores do sacerdécio, Estas & missio de todos os clér mestres que ens que consagram o plo € 0 vi bispo, do inquisidor. Melquiseceque apresenta a héstia a um Saul cav Pois que a catedral combate os erros v escultores nto tram Cristo despojado, 56 e traldo: apresentam 0 fundador presidindo no meio do seu clero, como um bispo. E pois que a catedry Tuta contra os Cétaros, negadores da criaglo, da encarnagio e da redencdo, decoracto proclama acima é * [No principio do século, o pantefsmo de Amaury de Béne foi violen- tamente extirpado: importava no confundir Deus com as criaturas ¢ distinguir os valores particulares do: corpo, dx alma e do espitito, sem no sem a colocar 4 margem de Deus, nem a levantar contra cle, como um princfpio diferente @ hostil: dualismo maniquey continuava s ser o maior perigo. Prudentemente interpretada, fa teologia de Dinis, 9 Arvopagita, oferecia um ponto de equilfbria Mostrava a natureza vinda de Deus ¢ retornando a ele, para © completar, dupfo movimento de amor, as criaturas apareciam como substincias tas da divindade que existe separadamente delas, mas o ser delas é forme com um modelo exemplar que esté em Deus, Tuminadas, Inteiramente chelas por ele, ndo apresentam, contudo, mais do que um reflexo dele. Segundo o pensamento dionisino ¢ segundo a teologia ortodoxa 48 que nele se inspira, & mattria participa no esplendor de Deus, gl leva 20 conhecimento de! © optimis tras o sinal, 0 poder ¢ a bondade do Criador? Tal como noutro tempo meninos na fornalha convidavam as elementos todos a louvar ¢ a ear 0 Crigdor do universo, assim Francisco, cheio do esplcito de encontrava em todos os elementos e em todas as criaturas tema para ditigir ao Criador e a0 Sentior do mundo glsria, louvores & bengos Se via um campo esmaltado de flores, logo Thes pregava, como se elas fossem dotadas de razdo, e a5 convidava a [ouvar o Senhor. As searas e as vinhas, as aguas correntes, a5 hortas verdejantes, 2 terra e 0 fog0, 0 ar © 08 ventos, tudo isto ele exortava, com a simplicidade mais sincera, a amar a Deus, a obedecer-Ihe de boa vontade, Dava o nome de iemao a todas as criaturas, e, por uma prerrogativa recusada aos outros, © seu coraglo penetrava os segredas delas, como se, libertado do corpo, vivesse J na gloriosa liberdade dos filhos de Deus.» Trmao de Jesus, Francisco sente-se também irmlo das aves do céu; do sol, do venta ¢ da morte. Vai pelos campos da Umbrie, © todas as belezas o acompanham em cortejo de alegria. Uma tal comunhiio com a alegria do mundo estava de seordo com 0s desejos de conquista da juventude cortés, Era capaz de trazer a Deus os bendos de rapazes ¢ reperigas que iam florir a Srvore de Maio. Era acolhendo 2 natureza, os animais selvagens, a frescura do amanhecer © as vinhas maduras, que a Tpreja das catedrais podia esperar rovadores, as velhas crengas pags (© asceta Sto Bernardo o dissep2 ja com jos que se pode tirar mel das pedras € conhecimento.» B abrindo os olhos que se véem essas formas de © pensamento novo fazia recuar a fébula, o Fantistico dos bestirios, 149 todas as maravilhas inventadas missionérios partiam a © brumas ¢ os fant ainda no ha mult jando os cruzados, os mereadores © 08 ides desconhecidas, ele dissipava as marca o despertar da atengdo: os romances de Jean Renart descrever © real da vida, a cupidez dos burgueses, as gabarolices dos matamouros, © Livro da Nawreza do mestre Tomas de Quantimpré quer ainda servit de guia nos rodeios duma Interpretagao alegérica das coisas visiveis, mas io descreve apenas as relacSes entre as virtudes © cada um dos seres criados, dedica-se igualmente a definir a sua utiidade priica. Quanto as construsdes tevldgicas, todas associam, a exemplo de Aristételes, uma fisica & sua metafisica, ¢ esta jd nfo’ se baseia em analogias, mas na cexperigncia dos sentidos. Estas sumas do conkecimento querem'se cienti- ficas ¢ esforgamvse por assimilar os dados calhidos nos sébios drabes aregos. Com a geometria que impli jas exactas do universo estelar. E também o tempo dos nat to Magno, que chega a Paris em 1260, apvesenta ime: 0s, apesar das proibigdes, a Filosofia Natural, de Aris de £8 € de costumes, devemos seguir Santo Agi do que os filésofos, se esto em desacordo, Mas se falarmos de medicina, entrego-me # Galeno ¢ a Hipécrates, ¢ se se tratar da natureza das coisas, € a Arist6teles que me dirijo ou a qualquer outro entendido na matéria.n Bic proprio revige uma Suma das Crigtures em que descreve metodica- ‘mente 05 caracteres particulares da fauna das terras da Alemanha, onde primeiro vivera, Porque os Dot como os outros homens, gostavam de recrear-se nos bosques. As cidades no eram tio vasias nem tio fechadas: sentia-se nelas 0 cheico da Primavera, As suas muralhas novas cercavam hortas, vinhedos, campos de trigo até A civilizagio material no isolara do cosmos o homem do séeulo XII. Fra ainda um animal de ar livre ¢, para ele, © tempo mudava de ritmo ¢ de sabor ao correr das estagtes, Os intelectuais no viviam em cimaras, mas mais frequente- mente nos pomares, entre os prados, ¢ todos os claustros se ardenavar em redor dum jardim de passaros e de flores. Esta familiaridade com as coisas naturais, 0 sentimento de que elas nZo so culpadas, antes tim 0 al de Deus € revelam o seu rosto, fazem com que, pouco a pouco, & seiva, a0 longo dos fust es: 70, & ainda gcometria conceptual. Dez anos mais tarde, ros primeiros tramos da nave, a flora toma jé formas vivas: nenhuma simetria; o concreto mostrase na sua diversidade; pode-se identificar esta ou aquela folha, distinguir esta 150 ss eonenanennsenoNat fou aguela espécie. No entanto, estas plantas sfo ainds sit comega a penetré-las verdadeiramente nas partes do e¢ dlecoradas depois de 1220. Este avan Seo homem € el para descobrir a ordem segundo a qual Deus 0s repari escola ensina que cada ser individual, na sua singul toma espéeie cuja forma exemplar existe no pensam: decora a catedral, 0 artista tem por missio figurar essa forma espe: € no os acidentes individuals que podem aqui ou além alteré-la. Deve pois Secantar as suas experiéncias visuais ¢ traté-las pela razto, Porque 0 pensamento de Deus procede logieemente como o do homem e as formas ‘que engendra projectam-se como 0 faz a luz, isto é, segundo ordenacdes geométricas, Quando Villard de Honnecot seve nos seus cartdes esquemas de figuras enimadas, de animais, de homens que Iutam ou gue Jogam aos dados, essas figuras constroem-se em angulos, rectas ¢ curvas, tal como a arquitectura de toda a catedral. Através deste esquema racional se descobrem, sob o acidental, as estruturas estondidas, aquilo que € para fos teblogos a realidade verdadeira, A geometria governa pois a imagem 2 vez do que 0 fora a imagem roménica, ‘A novidade esté em que cla nko se aplica ao imagindrio, mas A percepgio, f¢ respeita as proporgies verdadeiras figura da armadura exemplar que, segundo 0 plano 9 modelo de Por outro lado, estas imagens nio teriam nenhum sentido se ficassem isotadas. Compete a0 mestre-de-obras associé-las para que cooperem, na ordem, em representer o conjunto do universo eriado. A natureza € una, com efeito, como o Deus de que cmana, ¢ € na sua totalidade que a catedral entende figuré-la. A sua decoracio nfosse resume @ uma escolha de amostras, Quer ser iaventério exaustivo, imagem duma coerénc! propria, uma dsuma das crieturssn. Para de Lille, a natureza, ‘lugartenente de Deus todo poderoso», difunde um reflexo miitiplo da simplicidade divina, Esta concepsio parentesco entre todas as partes da criaglo; estabelece harmonias que 2 arte e Franga procura é um realismo das ess gular, mas do slobal. Este arte, que conquista a lucidez, respeita as hierarquias de Dinis, Coloca cada elemento do cosmos, cada astro, cada reino, cada ordem, ‘cada espécie, no seu lugar. B ordenaglo dum conjunto, Porque «a natureza ‘vina conserva todas as coisas segundo uma conveniéncia sem cor de maneira que todas sejam coordenadas numa coeréncia concreta, cada coisa conservando a sua pureza especifica, mesmo quando entra em coordenasses reciprocasy. Ci lavra desta definisao de S, Tomés aponta € concorre para fornecer a chave da estética gética, Dante ir retomé-las e prolongé-las is. A vida x6 ficio que foram para o re: ISI As coitas, odes els Tém enire si uma ordem, e essa ordem & a forme Que dé co universe similiiude com Deus. tte As mais alas eriaturas véem rise ose a poier eterno, 0 qual ¢'0 tin Peto qual Se fer @ norma sobre Na ordem de que flo esto ujeitar Todas os criatures, fegundo at suas diversas condigoes, Mais ow menos prdximas de seus Principios, a Assim se movem para diferentes roves Sobreve grande mar do tr (Paratso 1, 103 Que o artista, enfim, apresente de cad a enfim, apresente de cade ser uma imagem de plenitute: Sagulle ue se ret & perfeigdo das criaturas € a propria pesieiote te Deus que & retirado» (S, Tomas de Aquino), Para ssa perfeisto tendem as leis da natureza.”Mas elas fatigar-se Gaim, Pat™ # atingir se o homem nto intervieste pare forcar v proseso ara reduzir o que embaraca o livre jogo dos ritmos natures Buse € 0 seu papel: Deus dotou de raado para isso. © homem soins niinico, vive no centro do cosmos. Adere a acoordenagdes reciprocasn” Recebe dele constentemente i tals alto graa das hierarquias do mundo visivel, o artista supreme chee deirimento os maninhes, ops os emors oy enka et fesmo Cister, no fim de contas, profestavam ainda. Enquanio on ber, Hiumithados da Lombardia, os irmie todos traba- 2 Fore paras elt connes eo oneness Sings vadores obscures que, por essa me: ‘ sguas e substituiem as moitas de espinhos pela ordenagdo dos campos wanuais dos confessores, toda a profitsio ¢ justi- lesde que assente no trabalho, e os moralistes péem-se & procura le razdes que legitimem 0 lucro. As portas das igrejas urbanas, as imagens iais que figuram cada uma das estacdes ganham todo "seu sentido no erescimento econdmico de século XIII. E quando os mestres das corporagdes oferecem um vitral, querem ver nele representadas im pormenor as téenicas do seu mester. Elogio, na propria catedral, do rabalha conquistadi No meio da meio da iconografia das catedrais coloca-se 2 figura do homem. O homem gotico ¢ também, por sua vez, um ipo. Nao se Ihe véem as feigdes emaciadas dos ascetas, as feigSes inchadas los prelados que sofrem da bexiga e morrem de apoplexia, Escapa as leformagges que a idade, 0 trabalho ou o prazer imprimem. Nasce 10 ponto de realizacao erescimento levard, donde 0 envelhecimento o far4 decair, Parece-se como um lmao com o Deus oleiro que, nas arquivoltas de Chartres, 9 model no barre, Deformiar 0 seu corpo por um excesso de re como iam 0$ imagindrios romanicos, para osubmeter a lei do quadro, seria inuir a perfeigio de Deus, seria um sacrilégio. As harmonias racionais igam & criaylo devem transparecer-the na efigie, pois governam duma geometria perfeita. Sio seres_redimidos, Uestinados a ressuscitar na gl iados de todo 0 pecado, J4 0s raios de Deus os jluminar e os aspiram para a alegria. Sobre os seus rostos e claridade esboga-se © sorriso dos anos. ‘© homem gotico, contudo, € também uma pessoa. Em Reims — entre us santos, os apésiolos, junto da Virgem € niio longe de Jesus que com cla se parece —, surge na sua humildade 2 Servidors da Apresentacdo, & pessoa livre, responsével pelos seus actos; uma conscigncia. A cris- wdade do século XIII, que aprende a confessar-se todas os anos, intertogerse, a descobrir a5 intengies das suas Fallas, pratica essa intros- pecglo que Jd Abelardo propunha, Por isso, nia sie jd simbolos de homens ou de mulheres que os doutores das escolas colocam nas fachadas das igrejas, mas. seres maiores, libertas das forsas cegas, senhores de permite, com a razio, aceder as ie 08 seus libios fremem ¢ o sew olhar, lugar de todas ieapses universais, se abre aos esplendores do a ituminagie divina penetra até a0 coragio do ser, pera af atsar o fogo da caridede. Esta vivo, O olhar, que ganha val inosas da teologia, do homem gotico esting, Esta criatura naseeu, morrera; pecou; vive no tempo que so das estrelas ritma, Contudo, 0 pensamento dos dowtores vem dos acontecimentos, mundo sublunar, subtrafla as forgas da corrupgio, ¢ vee de acordo 153 ‘no movimento imével do. tem Tal como Jesus que tomou ca Abraio tivesse sido, PO celeste, com o seu exemplar eiemo. ne na histéria, que porém é, antes que © que vive reina em todos os sézulos dos séculos * © tempo abolese com efeito no seio da ccc feoloie de Dini, o Artooagia, ordna o movimento da capo sna is cnosinversamene orintados, «eondssendeace de Deis 0 tor que the t8m em troca as eraturas «A abedaria ta Sondade ke Dose eznanam nas criaurase, comenta §. Tomas de Aquino, umes ca re, cissbo ode ser encarada também como rai de fetomo’ ao fim sures i860 cumprese nos dons que nox unem a Deus, fim supremo: aio raga santificanie © a gloria. Na emanagio das ofaturas aie pete do seu primeiro principio, hé como ue citclaglo, ou amma recone Pelo facto de todos os seres regressarem como a0 seu fi través daquilo de que procedem d ‘i tote ase edem como do seu principio, ‘Por iso se deve observar as leis em jogo no retorne ¢ na bi raaSes © apoiase em Aristseles, may 30. pecsament> de Divs aoe dein a suas refiexdes. No seu etforgo de lace, os meses dominicanos f franciscanos que, em meados do séulo II enn feito, os pastor racionals deseo ukos de coragdo de. Bernardo. Queriam, pelos mio ds logien,dicernir as leis Gea respiragao cradora ey obtertande. oe sspectos do mundo, descobrir © Deus da natures, iiémico so Devs de sebrenatura, Mas deixavamse. lever pel amor progressfo.» 8, Tomés procura Come o fon s mide, 2 eer or sua forma mena, ue fete pars subir onde eta mais dura em sua marian Assim a alma epatsonade entra em deseo Que é movimento expire, ¢ lamas pera Anies de tor gocado 0 objeco amado (Purgatério XVIII, 28.33.) Ora, no ponto de junsio entre o 2 i amor ¢ a razio, no encontro da Procissio das fuzes ¢ do seu retorno, do erido e do int © do sobrenaturs ; tomo, do indo, da natwreza ‘ ja eternidade e da hist6ria, coloca-se Cristo, Deus feito homem, eluz nascida da luze, ¢ no entanto carnal, Desde Saint-Denis, 4 arte g6tica esmerava-se em exprimir a encarnagio, esbocando pouco pouco as imagens precisas que a catedral do séeulo XIIT apresenta 154 sua perfeigio, Estes enrafzam-se no Evangelho. Procedem de 1s movimentos obseuros que j& agitavam no sfculo XI a cristandade do ce. Encontravam-se em germe nos primelros esforyos do povo ficl tuara foriar uma figura de Deus que se the assemethasse © onde pudesse wontrar remédio que o libertasse das suns angistias, na esperanga dos inos de Milo que, cerca de 1050, haviam voltado os olhares para cruz, para eles simbolo de vitorias sobre a morte © sobre as forcas tenebrosas. Os grupos de peregrinos que se puseram em marcha depois, “an mil para Jerusalém, primeiro com as mios nuas, e cuja marcha ia © caminho as empresas de cruzada, preparavam também a eclostio ices do Verbo encarnado. J& os reformadores de 1100 nio -guiam os patriarcas da Antiga Lei, mas os apéstolos, Encontravam mento nos Actos, em S, Mateus que Ihes falava da pobreza, «Os ritios que os frades descreveram © a que se chama regra , de Santo Agostinho, de S. Bento, nfo so o fundamento vasa: so apenas os seus rebentos. Nao sio a raiz, mas as folhas. So hé uma regra de f€ e salvago, uma regre primeira ¢ essenci de que todas as outras decorrem como -regatinhos da mesma fonte: 0 Santo Evangelho que os apéstolos receberam do Salvador. Agarrai-vos isto, a verdadeira vinha de que sois os sarmentos. Esforgai-vos, na medida em que ele proprio vo-lo conceder, por observar os preceitos do seu Evangelho. Assim, se alguém inguirir do vosso estad da vossa ordem, responderels que estais sob a regra da vida cristi, ‘9 Evangelho, fonte e principio de todas as regras.» O homem de f€ que sedigia cerca de 1150 este pr6logo da regra de Grend- mont, exprimia o que de maneirs ainda confusa sentiam os cavaleiros € bburgueses mais evoluidos. Pedro Veldo descobriu a sua voragio no Evan- gelho, O préprio Cristo convidou Francisco a recusar as riguezas ¢ a falar aos pobres. E o papa Inocéneio TIL, persuadindo-se de que recebera (© seu poder das proprias mios de Jesus, encontrava na vontade do Mesize a justificagSo dos seus actos. Toda esta vaga que surde no mais fundo do povo, que nasce do apuramento da sensibilidade e do progresso a cultura, coloca no coracfo da arte das catedrais a figura do Deus vivo. Pode-se pensar que o catarismo deve a maior parte do éxito as ambiguidedes do seu vocabulério: mostrava-se vestido dum manto de jsmo que escondia a sua recusa radical da encarnagao. A Tar romana despiuslho para afastar dele as multidoes, Estas comegaram seguir Francisco de Assis, que construfa os primeiros presépios. A cato- licidade triunfa na devocdo em redor dum nascimento, © do Natal Na verdade, os teSlogas que criaram a arte gétice no viam Cristo como wma crlanga, mas como um rei, soberano do mundo. Os monu- ‘mentos que os reis de Franca ajudaram a coastruir apresentaram-no como uum Dovtor coroado e nfo tardaram a mostré-lo num trono, coroando & ‘Virgem —sua mie, mas também sua esposa—, a muther, mas também a Igreja. Porque o$ consteutores do dogma tinham finelmente justificado, 155

You might also like