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Aula Assíncrona de Português, 12º ano – 05/03//2021

- Ficha de Leitura e Gramática

Alguma feições persistentes da personalidade cultural portuguesa

(1) Partimos da hipó tese de que uma cultura nacional tem uma certa identidade e uma certa
permanência no tempo, qualquer que seja a razã o disso.
(2) Só sã o possíveis esta hipó tese ou a contrá ria, isto é: que nã o há particularidades
nacionais, ou que todas as naçõ es oferecem as mesmas características. Esta segunda hipó tese
aparece imediatamente como falsa a qualquer pessoa que tenha viajado fora do seu país, ou
que tenha aprendido línguas, ou que conheça minimamento o comportamento de vá rios
países ao longo da histó ria.
(3) Nã o nos deteremos, porque aqui nã o é lugar para isso, em procurar uma teoria que
explique as particularidades nacionais. As razõ es podem ser intrínsecas ou extrínsecas,
histó ricas, geográ ficas, econó micas, culturais ou espirituais; da combinaçã o destes fatores e de
outros resulta um nú mero praticamente infinito de efeitos. Deve ser possível classificá -los
num certo nú mero de tipos dentro de critérios variados, mas nã o conhecemos uma tipologia
universalmente aceitá vel.
(4) Reconhecemos que ao tentar caracterizar individualmente uma naçã o entramos num
género de problemas para o qual nã o há método científico estabelecido, e que por isso é aqui
grande o risco de impressionismo arbitrá rio, dos estereó tipos e das generalizaçõ es sem
fundamento, de que aliá s há vá rios exemplos. [...]
(5) Um perigo inevitá vel é o subjetivismo, porque para definir os cará teres específicos de
uma naçã o é indispensá vel compará -la com outras; ora esta comparaçã o só é possível quando
conhecemos outras naçõ es tã o bem e tã o interiormente como a nossa, o que raramente
acontece. Normalmente uma pessoa nasce e cria-se dentro de uma cultura nacional, e é a
partir dela que aprende, já numa outra fase do seu pró prio desenvolvimento, as culturas
alheias. Por isso a cutura pró pria e as alheias nã o sã o compará veis; a relaçã o de uma e das
outras com a nossa subjetividade pessoal é diferente.
(6) Todavia, o estudo de uma cultura nacional em que se omita as características específicas
do povo que a produziu parece um trabalho sem sentido, visto que é o pró prio sujeito dela
que fica em claro. Teremos de procurar conhecê-las, embora de uma maneira imperfeita e
provisó ria. Para diminuir os perigos do subjetivismo – já que nã o é possível evitá -los
completamente – procuraremos fundamentar-nos em certos em certos índices relativamente
consistentes. Sã o eles: os factos averiguados na nossa histó ria que nos permitam traçar uma
figura que ao longo deles se manifeste com certa persistência; a língua, em que se manifesta
sempre um espírito pró prio sob variadas formas, nem sempre apreensíveis; certas
instituiçõ es e tendências sociais também averiguadas; as observaçõ es de estrangeiros a nosso
respeito, e as de Portugueses relativamente a países estrangeiros onde estiveram;
documentos de contrastes de costumes e mentalidades; a literatura e as artes, onde se
exprimem sonhos e tendências subjetivas, que nem sempre chegam a ter expressã o material e
social. É sobre tais índices que procuraremos fundamentar o que dissermos sobre as feiçõ es
da figura da naçã o portuguesa, que na medida do possível gostaríamos de retratar. [...]
(7) Poderíamos dizer que Portugal, culturalmente, é um país monolítico no sentido de que
nã o se podem separar nele blocos de composiçã o diferente, embora os grã os sejam muito
variados. A coexistência da naçã o nunca perigou por oposiçõ es das regiõ es entre si. Já no
tempo de Fernã o Lopes se dizia que para onde vai Lisboa vai todo o reino. [...]
(8) A consciência nacional formou-se por oposiçã o a dois inimigos fronteiriços: os Mouros e
Castela. A primeira termina pouco mais de um século a seguir à fundaçã o do reino, mas deixou
uma raiz funda que vem outra vez à superfície em 1415, com a conquista de Ceuta, originando
uma guerra de quase dois séculos em Marrocos. (...).
(9) Quanto à oposiçã o em relaçã o a Castela, é já visível nos primeiros anos de nacionalidade
e intensifica-se no século XIV com as invasõ es castelhanas e permanece desde entã o. (...).
Alguns autores, para quem a independência do País nas condiçõ es geográ ficas e culturais da
Ibéria se afigura enigmá tica, procuraram explicar a independência portuguesa pela existência
de um império com sede em Lisboa, desde o século XV; mas é mais ló gica a suposiçã o inversa:
o império é que é a consequência da independência. [...]
(10) Como já notou Oliveira Martins [a independência] trata-se de um ato de vontade, que as
circunstâ ncias dificilmente justificam. Da perduraçã o da independência resulta uma situaçã o,
nã o só política, mas também cultural e psicoló gica que se tem mantido e aprofundado ao
longo dos séculos. [...]
(11) Uma delas é um certo sentimento de isolamento, porque, entre a Europa e Portugal,
Castela tem funcionado como um deserto isolador, mais do que como espaço de ressonâ ncia e
comunicaçã o. Portugal é um oá sis ou uma ilha, conforme o ponto de vista, porque de um lado
o rodeia o deserto, do outro o mar. E a gente aqui prisioneira adquiriu um complexo de ilhéu,
oscilando entre a aventura fora e a passividade dentro, ou ainda vivendo a aventura pela
imaginaçã o, sem sair do mesmo lugar. [...]
(12) Exemplo recente disso é a oscilaçã o pendular entre o «orgulhosamente só s» e o «a
Europa connosco» (este ú ltimo revela claramente que a Europa é sentida como exterior).
Daqui também a atitude quanto ao «estrangeirado», atitude misturada de admiraçã o e de
repulsa, acompanhada sempre de inveja mais ou menos secreta.
(13) Claro que nesta situaçã o o português avalia de maneira pouco realista as suas
verdadeiras possibilidades no conjunto das naçõ es: ora se inferioriza, considerando-se ínfimo,
sem poder e sem cultura pró pria, refugiando-se numa auto-ironia perfurante, como a de Eça
de Queiró s, ou numa autocrítica flageradora da sua pró pria histó ria, como em Oliveira
Martins; ora incha o peito para desafiar o mundo ou para o conduzir, uma vezes como
verdadeiro apó stolo da cristandade, outras como um autêntico representante do Ocidente,
outras ainda como portador do «socialismo português», esperança do mundo.
(14) O messianismo, filosofia de exilados e de infelizes, mas também afirmaçã o de forte
personalidade espiritual, tem-se revelado uma das persistentes expressõ es do espírito
português, desde Os Lusíadas até ao «25 de Abril» inclusive, assumindo vá rias formas, uma
das quais foi o sebastianismo propriamente dito. Deu lugar à crença de que Portugal é uma
naçã o escolhida por Deus, crença que se exprime no mito do milagre de Ourique, sentimento
messiâ nico que é comum a Portugueses e Israelitas, e também à teologia do reino consumado
de Cristo na Terra, elaborada pelo Padre Antó nio Vieira. O sebastianismo ocultista de
Fernando Pessoa é uma nova versã o do destino providencial de Portugal.

- Antó nio José Saraiva, A Cultura em Portugal, Teoria e Históra, Livro I, «Introduçã o
Geral à Cultura Portuguesa», Lisboa, Livraria Bertrand, 1982.

GRAMÁTICA

Classificação de orações

1. Partimos da hipó tese (de) que uma cultura nacional tem uma certa identidade e uma certa
permanência no tempo (...).

2. Só sã o possíveis esta hipó tese ou a contrá ria (...).

3. Esta segunda hipó tese aparece imediatamente como falsa a qualquer pessoa que tenha
viajado fora do seu país (...).

4. Nã o nos deteremos, porque aqui nã o é lugar para isso (...).

5. Deve ser possível classificá -los num certo nú mero de tipos dentro de critérios variados,
mas nã o conhecemos uma tipologia universalmente aceitá vel (...).

6. Reconhecemos que ao tentar caracterizar individualmente uma naçã o entramos num


género de problemas para o qual nã o há método científico estabelecido, e que por isso é aqui
grande o risco de impressionismo arbitrá rio (...).

7. Um perigo inevitá vel é o subjetivismo, porque para definir os cará teres específicos de uma
naçã o é indispensá vel compará -la com outras (...).

8. (...) ora esta comparaçã o só é possível quando conhecemos outras naçõ es tã o bem e tã o
interiormente como a nossa, o que raramente acontece.

9. Todavia, o estudo de uma cultura nacional em que se omita as características específicas do


povo que a produziu parece um trabalho sem sentido, visto que é o pró prio sujeito dela que
fica em claro.

10. Para diminuir os perigos do subjetivismo – já que nã o é possível evitá -los completamente
(...).
11. É sobre tais índices que procuraremos fundamentar o que dissermos sobre as feiçõ es da
figura da naçã o portuguesa, que na medida do possível gostaríamos de retratar.

12. Poderíamos dizer que Portugal, culturalmente, é um país monolítico no sentido (de) que
nã o se podem separar nele blocos de composiçã o diferente (...).

13. Já no tempo de Fernã o Lopes se dizia que para onde vai Lisboa vai todo o reino (...).

14. Quanto à oposiçã o em relaçã o a Castela, é já visível nos primeiros anos de nacionalidade e
intensifica-se no século XIV (...).

15. Alguns autores, para quem a independência do País nas condiçõ es geográ ficas e culturais
da Ibéria se afigura enigmá tica, procuraram explicar a independência portuguesa (...).

16. Como já notou Oliveira Martins [,] [a independência] trata-se de um ato de vontade, que as
circunstâ ncias dificilmente justificam.

17. Da perduraçã o da independência resulta uma situaçã o, nã o só política, mas também


cultural e psicoló gica (...).

18. (...) entre a Europa e Portugal, Castela tem funcionado como um deserto isolador, mais do
que como espaço de ressonâ ncia e comunicaçã o.

19. Portugal é um oá sis ou uma ilha, conforme o ponto de vista, porque de um lado o rodeia o
deserto, do outro o mar.

20. E a gente aqui prisioneira adquiriu um complexo de ilhéu, oscilando entre a aventura fora
e a passividade dentro, ou ainda vivendo a aventura pela imaginaçã o, sem sair do mesmo
lugar.

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