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Diretrizes Oncológicas 2 Parte48
Diretrizes Oncológicas 2 Parte48
Capítulo
CUIDADOS PALIATIVOS
Leticia Meda Vendrusculo-Fangel
Marcos Santos
Suelen Medeiros e Silva
Alexandre da Fonseca Colão
Ricardo de Alencar Vilela
Juciléia Rezende Souza
Isabella Barros Rabelo Gontijo
Carolina de Souza Custódio
Clarissa Hoffman Irala
Cristina Lemos Barbosa Furia
Keyla de Paula Barbosa
Liana Barbaresco Gomide Matheus
Liana Zaynette Torres Junqueira
Rafaela Paes Marques
Yara Helena De Carvalho Paiva Ribeiro
Augusto José Honório de Almeida
Cláudia Arminda Corrêa
Dayane Franco Valadão
755
Capítulo
48.1
CUIDADOS PALIATIVOS: CONCEITOS,
FUNDAMENTOS E PRINCÍPIOS
Leticia Meda Vendrusculo-Fangel
Na década de 1990, a OMS apresentou pela primeira vez uma definição de Cuida-
dos Paliativos e os princípios para uniformizar as ações de cuidados aos pacientes com
doenças “incuráveis”. Essa definição foi revista em 2002 e atualizada em 2017. Cuidado
Paliativo é uma abordagem que melhora a qualidade de vida dos pacientes, adultos ou
crianças e das famílias que enfrentam problemas associados a doenças que ameaçam a
continuidade da vida.6 Desse modo, o Cuidado Paliativo previne e alivia o sofrimento, por
meio da identificação precoce, avaliação correta e tratamento da dor e outros problemas,
sejam eles físicos, psicossociais ou espirituais.6
O Cuidado Paliativo usa a abordagem que apoia os pacientes e seus cuidadores,
excluindo a ideia de que não há nada a ser feito por um paciente que tem uma doença
crônica ou que se encaminha à terminalidade da vida. Isso inclui uma equipe multipro-
fissional que atende às necessidades práticas e fornece aconselhamento ao paciente e seus
familiares em todo o processo, incluindo o luto. O objetivo é oferecer um sistema de apoio
para ajudar pacientes a viver o mais ativamente possível e com qualidade até a morte.6
Por se tratar de uma abordagem de cuidado, não há etapas a serem cumpridas. O
Cuidado Paliativo se baseia em princípios, definidos pela OMS,6 listados a seguir:
Promover o alívio da dor e de outros sintomas desagradáveis
Com a finalidade de desmitificar que os CP são oferecidos “quando não se tem mais
o que fazer” ao paciente, este princípio tem bases no conceito de Dor Total de Cicely
Saunders, que considera sinais e sintomas físicos, emocionais, sociais e espirituais que o
paciente e a sua família apresentam. Quando possível, o alívio destes sinais e sintomas
devem ser promovidos. Para tanto, a equipe multiprofissional precisa conhecer todos os
tratamentos farmacológicos e não farmacológicos que favoreçam esse alívio.
Tratamento modificador do
curso natural da doença
Cuidados
Terminalidade de final de
vida
Tratamento Luto
Tempo
Doença 6m Morte
Cuidados paliativos
Figura 48.1. Referência da atuação dos CP ao longo do tempo de evolução natural da doença. Modificado de Ferris et al.7
blema”, que precisa ser tratado e escondido. Atualmente, vemos poucos casos de pessoas
que morrem próximas a pessoas queridas e em locais de sua escolha. A morte acontece,
muitas vezes, em hospitais e sem acolhimento da equipe e da família. Desta forma, a com-
preensão da morte como um processo natural pela família, equipe e sujeito é um aspecto
a ser acompanhado nos Cuidados Paliativos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ainda existe um estigma social impregnado de que encaminhar o paciente aos cui-
dados paliativos é prepará-lo para morrer, e essa ideia deve ser desconstruída pela equipe
multiprofissional. A atuação em Cuidados Paliativos não se restringe aos últimos momen-
tos de vida, mas intervém sob todo o processo de enfrentamento de uma doença poten-
cialmente fatal, oferecendo ao paciente a possibilidade de tomar suas próprias decisões
relacionadas ao que deseja no final da vida.12 Partindo-se desse fundamento, é possível
encarar o paciente como indivíduo que tem autonomia para decidir o que deseja. Uma
boa comunicação, realizada de forma clara, gradativa e verdadeira, é capaz de diminuir
a ansiedade e as incertezas do paciente e de seu núcleo familiar.
Os princípios nos quais se baseiam os cuidados paliativos demonstram o quanto essa
modalidade de cuidado pode oferecer qualidade de vida durante o enfrentamento de
pacientes e de seus familiares. O desafio atual é expandir a filosofia do Cuidado Paliativo
e demonstrar o quanto é benéfico para o paciente que os profissionais sejam capazes de
respeitar a autonomia do indivíduo e considerar as necessidades individuais.
REFERÊNCIAS
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Medicine. 1980; 7(7): 475-81.
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profissionais de saúde. Ciência e Saúde Coletiva. 2013; 18(9): 2577-88.
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guidelines. 2 ed. Génova: OMS; 2002.
762 DIRETRIZES ONCOLÓGICAS
11. Wilcock A, Twycross R. Medical and psychological aspects of palliative care. Surgery Oxford.
2009; 27(4):158-60.
12. Borges MM, Junior RS. A Comunicação na Transição para os Cuidados Paliativos: Artigo de
Revisão. Revista Brasileira de Educação Médica. 2014; 38(2): 275-82.
13. Kübler-Ross E. Sobre a morte e o morrer: o que os doentes terminais têm para ensinar
a médicos, enfermeiras, religiosos e aos seus próprios parentes. 7 ed. São Paulo: Martins
Fontes; 1996.
Capítulo
48.2
RADIOTERAPIA NO TRATAMENTO
DA DOR ONCOLÓGICA:
METÁSTASES ÓSSEAS
Marcos Santos
Metástases ósseas são uma complicação contumaz em pacientes com câncer. Fre-
quentemente na primeira evidência de doença disseminada, essas lesões causam muita
dor, expõem os pacientes ao risco de fraturas e/ou compressões nervosas e comprome-
tem, significativamente, a qualidade de vida deles,1 além de, na presença de algum desses
eventos supracitados, poder aumentar significativamente o custo final do tratamento.2 O
osso é um dos sítios em que mais frequentemente se encontram metástases de tumores
sólidos (assim como o pulmão e o fígado), indicando que esse microambiente é fértil para
o crescimento de muitas das neoplasias humanas. Os tumores que mais frequentemente
originam metástases ósseas são os originários da mama e da próstata,3 respectivamente os
mais frequentes entre mulheres e homens, no Brasil4 e no mundo.5 Pacientes com diag-
nóstico confirmado dessas neoplasias podem ter a maior parte de suas células tumorais
implantadas nos ossos, no momento em que ocorre o êxito letal.3
Estudos randomizados avaliando a eficácia da radioterapia no combate à dor, em
pacientes com diagnóstico de metástases ósseas, comprovaram a elevada utilidade dessa
estratégia de tratamento.6 Diferentes esquemas de fracionamento, que variam desde a
aplicação de uma dose única de radiação, de 6 a 8 Gy, que são aplicados em aproxima-
damente 30 minutos, até esquemas com 20 frações diárias, aplicadas durante 20 dias
úteis, durando aproximadamente um mês, foram extensivamente testados ao longo das
últimas décadas.7 O primeiro desses estudos foi publicado ainda no início dos anos 1980,
por Tong et al. Iniciado no ano de 1974, esse protocolo envolvia dois grupos de pacientes:
o primeiro era composto por aqueles com lesão metastática única, e o outro era formado
por pacientes com múltiplas metástases. Nesse primeiro momento, a aplicação de dose
única de radiação não foi estudada, mas, entre todos os fracionamentos descritos (desde
15 Gy em uma semana até 40,5 Gy em três semanas), não se observou nenhuma dife-
rença de resultados, seja no tocante ao alívio da dor, seja no que concerne aos efeitos se-
cundários advindos do tratamento8 (evidência 1ii Div). Aparecia ali a primeira evidência
763
764 DIRETRIZES ONCOLÓGICAS
Como se viu, há muita pouca variabilidade entre os estudos. Até 2012, um total de
22 desses protocolos incluíram mais de 5.000 pacientes. Todos, uniformemente, tiveram
resultados similares no que concerne ao alívio da dor, duração do alívio da dor, qualidade
de vida e sobrevida global: o resultado independe do esquema de fracionamento utiliza-
do (dose única ou tratamentos fracionados), conforme síntese verificada em metanálise
publicada no ano de 200713 e, posteriormente, atualizada.7 Esses estudos mostraram que
há poucos motivos, se houver, para a aplicação de tratamentos prolongados ocupando ex-
tensão relevante do restante da vida desses indivíduos.14 Uma das situações que justificaria
um tratamento fracionado é quando há presença de dor neuropática. Dor geralmente é o
resultado da ativação de vias aferentes nociceptivas por algum estímulo danoso.15 Define-
se como dor neuropática aquela que se desenvolve como consequência de uma lesão ou
patologia que afeta as vias somatossensoriais do sistema nervoso central ou periférico.16 É
uma entidade heterogênea, com grande gama de sintomas possíveis.17 Atinge de 15% a
25% dos pacientes com lesões metastáticas ósseas e demanda uma prescrição analgésica
diferenciada (gabapentina, por exemplo), exigindo do médico assistente uma elevada acu-
rácia diagnóstica, que resultará em tratamento específico mais efetivo.18,19 O mecanismo
por meio do qual a radioterapia leva a um alívio sintomático da dor proveniente de lesões
metastáticas ósseas é pouco conhecido. Mas é razoável supor que, quando há um com-
ponente neuropático, é possível que maiores doses de radiação (que pode significar maior
quantidade de dias de tratamento) sejam necessárias, uma vez que há compressão neural,
provavelmente advinda de extensão da lesão para além do tecido ósseo propriamente
dito, atingindo tecidos moles ao redor. Algum efeito antitumoral, mais do que o efeito
anti-inflamatório, faz-se, teoricamente, necessário.20
Dado esse questionamento clinicamente relevante, Roos et al. propuseram um estudo
prospectivo e randomizado em que se comparava a irradiação em dose única (8 Gy) com
a estratégia que envolve cinco dias de tratamento (20 Gy em cinco frações) em pacientes
com diagnóstico de lesão metastática óssea e dor neuropática. Era um estudo de não infe-
rioridade e objetivava-se comprovar (ou não) a segurança do tratamento, também desses
pacientes, com dose única de radiação. Em um período de seis anos, iniciado em 1996,
foram incluídos 272 enfermos. Ao final, observou-se uma ligeira melhor resposta, ainda
que sem significância estatística, nos pacientes tratados com cinco dias de radiação (61%
vs. 53%, p = 0,18). Os autores concluíram, então, que não se pode garantir que não haja
inferioridade, no cenário clínico descrito, com a aplicação de dose única. Embora tam-
pouco se tenha demonstrado, provavelmente pelo número insuficiente de pacientes, que
esse seja um tratamento comprovadamente inferior20 (evidência 1ii Div).
Estaria, então, determinado o único subgrupo de pacientes em que havia alguma
evidência de que o tratamento fracionado (no máximo, cinco dias de tratamento) poderia
ter alguma utilidade. É interessante observar que, em investigação efetuada pelo mesmo
autor, era justamente a presença de componente neuropático que aumentava a frequência
da prescrição de dose única entre médicos rádio-oncologistas australianos e neozelande-
ses.21 Nota-se, em defesa dos entrevistados, que essa investigação foi feita anteriormente à
publicação dos resultados do estudo randomizado supracitado.
De acordo com apuração recente efetuada nos Estados Unidos, apenas 3,3% dos
pacientes com diagnóstico de neoplasia de próstata e beneficiários do Medcare foram
tratados com dose única de radioterapia,22 com reembolso, em 2003, de 630 dólares
americanos. Por outro lado, mais de 50% dos pacientes foram tratados com 10 ou mais
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aplicações, ao custo, no mesmo ano, de pelo menos 2.221 dólares por paciente.23 Em
estudo anterior, também com médicos americanos, e dessa feita referindo-se a qual-
quer paciente com diagnóstico de metástase óssea (e não somente àqueles com tumores
de próstata), Ben-Josef et al. chegam a números semelhantes: somente 4% dos médicos
prescreviam tratamentos em dose única. Os tratamentos mais alargados eram mais fre-
quentemente prescritos pelos médicos cuja prática era predominantemente privada ou
que atuavam na especialidade desde antes do ano de 1982,24 quando foi publicado o
primeiro estudo mostrando equivalência dos diversos esquemas de fracionamento.8 Por
outro lado, em países onde o pagamento do tratamento se dá de maneira independente
do número de sessões (mas de acordo com o diagnóstico, como Canadá ou Noruega),
aproximadamente 40% dos pacientes são tratados com dose única de radiação,6 embora
alguma diminuição desse número tenha sido notada posteriormente entre os médicos
canadenses, que, apesar de não privilegiarem o esquema mais frequente entre os norte-a-
mericanos (10 frações), majoritariamente preferem um esquema de tratamento dividido
em cinco dias (72%).25
Curiosamente, na Bélgica, o sistema de pagamento dos tratamentos de radiação foi
mudado daquele baseado no número de frações para um valor único por diagnóstico, no
ano de 2001. Em seguida, observou-se aumento relevante das prescrições de dose única
de radiação. Antes do ano de 2001, nenhum paciente recebeu 8 Gy em uma única fração
e mais de 80% dos pacientes recebiam 30 Gy em 10 frações (duração de duas semanas),
enquanto, após a relatada mudança, 25% dos pacientes passaram a ser tratados com dose
única e apenas 47% dos pacientes receberam 10 frações de radiação, uma vez diagnosti-
cados com metástases ósseas dolorosas. Os autores desse estudo acreditam que a mudança
de padrão indica claramente que o reembolso vinha ditando a conduta dos médicos, em
vez do julgamento clínico e em detrimento do conforto dos pacientes.26
No Brasil, em estudo semelhante, esse autor também observou o mesmo padrão de
mudança da prescrição da radiação, após mudança da forma de remuneração em uma
operadora de saúde, localizada em uma cidade de porte mediana, no sudoeste do país.
Ali, enquanto a remuneração baseava-se no número de frações aplicadas, apenas 3% dos
pacientes foram tratados com dose única de radiação, porém, após a implementação do
pagamento baseado no diagnóstico (que era independente do número de frações de ra-
dioterapia aplicada), 49% passaram a receber essa modalidade de tratamento.27
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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J Clin Oncol. 1991;9(3):509-24.
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Economic Impacts of Skeletal-Related Events Among Medicare Enrollees With Prostate Cancer
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Capítulo 48.2 • RADIOTERAPIA NO TRATAMENTO DA DOR ONCOLÓGICA: METÁSTASES ÓSSEAS 767
24. Ben-Josef E, Shamsa F, Williams AO, Porter AT. Radiotherapeutic management of osseous
metastases: a survey of current patterns of care. Int J Radiat Oncol Biol Phys. 1998;40(4):915-21.
25. Chow E, Danjoux C, Wong R, Szumacher E, Franssen E, Fung K, et al. Palliation of bone metastases:
a survey of patterns of practice among Canadian radiation oncologists. Radiotherapy &
Oncology. 2000: p. 305-14.
26. van der Linden Y, Roos D, Lutz S, Farichild A. International Variations in Radiotherapy
Fractionation for Bone Metastases: Geographic Borders Define Practice Patterns? Clin Oncol.
2009: p. 655-8.
27. Santos M, Solbakk J, Garrafa V. The rise of reimbursement-based medicine: the case of bone
metastasis radiation treatment. J Med Ethics. 2017: p. in press.
Capítulo
48.3
MANEJO DA DOR NO
PACIENTE ONCOLÓGICO
Suelen Medeiros e Silva
FATOR EPIDEMIOLÓGICO
Dos pacientes com câncer em estágio avançado, 70% a 80% apresentam dor mo-
derada ou intensa decorrente de múltiplas causas.1,4 Além da contribuição do manejo de
dor para a melhoria da qualidade de vida, há cada vez mais evidências de aumento da
sobrevida em consequência do controle de sintomas.3
A abordagem para alívio da dor é essencial, tanto associada ao tratamento anti-
tumoral quanto em condições de lesões incuráveis e fora de proposta modificadora de
doença. Este capítulo tem como enfoque a discussão sobre o tratamento farmacológico
e não farmacológico, que pode ser utilizado com ou sem o tratamento modificador de
doença (quimioterapia, imunoterapia, anticorpos monoclonais, radioterapia, cirurgia), a
depender da avaliação clínica.
AVALIAÇÃO DA DOR
Todos os pacientes devem ser questionados sobre a presença de dor. Quando encon-
trada, é essencial a caracterização minuciosa da queixa. A seguir, destacamos os pontos
mais importantes a serem esmiuçados na anamnese:
Temporalidade: Há quanto tempo começou? Vem piorando ou melhorando?
Apresenta-se em algum período preferencialmente? É contínua ou aparece às
vezes? É constante ou com períodos de piora?
Localização: Onde a dor se situa preferencialmente? Você consegue mostrar
exatamente onde ela está, ou é de difícil localização? É superficial ou profunda?
Apresenta alguma irradiação?
Descrição: Como você a caracterizaria? Em queimação, pontada, cólica, aperto,
facada, sensação de difícil definição? Apresenta-se com períodos de paroxismo?
Intensidade: Em uma escala de zero a dez, na qual zero é ausência de dor e
dez é a pior dor (Escala Analógica Visual – EVA), qual pontuação você daria?
Quantos pontos tem a sua menor dor? E a maior dor?
Limitação e incapacitação: A dor o limita ou incapacita para alguma atividade?
Fatores de piora ou melhora: Há algum fator desencadeante? Algum fator de
melhora? Algum fator de piora? Apresenta relação com a movimentação?
Reflexo na qualidade de vida: A dor reflete nas suas relações pessoais? Reflete na
sua produtividade no trabalho? Reflexe na sua qualidade do sono?
Tratamentos prévios? Quais medicamentos já usou ou está usando? Qual foi o
efeito analgésico? Quais foram os efeitos colaterais?
Demais fatores associados: presença de alterações tróficas, edema local, hipere-
mia, alterações motoras, febre.
Com anamnese e exame clínico adequados, é possível estabelecer o diagnóstico etio-
lógico e sindrômico, fato essencial para o adequado manejo terapêutico.
TRATAMENTO DA DOR
O tratamento da dor deve possibilitar, além do alívio da dor e do sofrimento ineren-
te, o retorno do paciente às suas atividades de vida. Para isso, deve englobar uma aborda-
gem multidisciplinar que envolva educação, tratamento farmacológico, medicina física,
ocupacional e comportamental. É importante a participação da rede familiar e social de
apoio no tratamento, no sentido de compreender a patologia e a base fisiológica da dor
crônica, assimilar as expectativas referentes ao tratamento e evitar restrições excessivas ou
demandas inadequadas ao paciente com dor crônica.2
Para a escolha adequada dos medicamentos, além da caracterização minuciosa
da dor, é necessário o conhecimento sobre o paciente como função renal e hepática,
suscetibilidades individuais, experiências prévias com certos medicamentos, comorbi-
dades concomitantes.
Capítulo 48.3 • MANEJO DA DOR NO PACIENTE ONCOLÓGICO 771
Tratamento farmacológico
O uso adequado de analgésicos é crucial para o tratamento da dor oncológica. Como
auxílio, a Organização Mundial da Saúde (OMS) desenvolveu em 1998 uma escada de
três degraus, em que a escolha do analgésico seria determinada pela intensidade da dor
(Figura 48.1).5 Vale reforçar que tal escada é somente uma sugestão, pois o julgamento
clínico deve ser o guia primordial na escolha terapêutica.
Os medicamentos cuja ação clínica primária é o alívio da dor são convencional-
mente classificados de acordo com sua atividade nos receptores opioides em analgésicos
opioides e não opioides. Uma terceira classe, chamada de adjuvantes, é formada por
medicamentos com outras indicações primárias, mas que podem ser analgésicos efetivos
em circunstâncias específicas.7
Opioide forte
Figura 48.1. Escada da OMS (adaptada). EVA: Escala Analógica Visual. * alternativa = opioide forte em dose baixa.
No tratamento da dor leve (Figura 48.1), analgésicos não opioides como AINEs
(anti-inflamatórios não esteroides), paracetamol e dipirona são amplamente utilizados.
Os anti-inflamatórios apresentam efeitos anti-inflamatório, analgésico e antipiréti-
co. O efeito analgésico está relacionado à redução da produção de prostaglandinas, re-
sultante da inibição da isoenzima COX, classificadas em COX-1, COX-2, COX-3, de
acordo com local de expressão principal, funções fisiológicas e fisiopatológicas, produção
de prostaglandinas constitucionais e de prostaglandinas responsáveis pela atividade infla-
matória.7 É da diferenciação entre qual isoforma da COX é inibida que se correlacionam
tanto os efeitos terapêuticos quanto os efeitos adversos.
Geralmente são indicados no contexto do controle da dor aguda e de dor crônica
por curto tempo. Seu uso deve ser monitorado e revisado periodicamente pelos efeitos co-
laterais, como sangramento gastrointestinal, disfunção plaquetária e insuficiência renal.9
A seguir, alguns representantes e suas posologias sugeridas.
Opioides
Os opioides são os medicamentos mais importantes para o controle da dor onco-
lógica,2 tanto no contexto de dor aguda quanto no de dor crônica. Podem ser naturais,
semissintéticos e sintéticos, e apresentam ação em receptores presentes no sistema nervoso
central e no sistema nervoso periférico: µ (um), δ (delta) e κ (kappa). É importante ressaltar
alguns pontos no uso dos opioides:
A tolerância é previsível: Dessensibilização dos receptores, com perda progressiva de sua
função sob a exposição contínua de um agonista. Ocorre inicialmente para efeitos colate-
rais (exceto constipação) e, depois, para efeitos analgésicos, o que pode ser abordado com
o aumento da dose ou rotação;
Avaliar a rotação de opioides: Pode ser aventada em caso de analgesia insuficiente quando
o aumento da dose gerar efeitos colaterais intoleráveis. Usar para isso tabelas de doses
equianalgésicas;
Orientações quanto aos efeitos colaterais: Náuseas, vômitos, sonolência e prurido são es-
perados e normais no início ou com o aumento da dose. Se pouco intensos, devem ser
orientados e aguardar melhora, que acontece em cerca de 7 a 10 dias. Se em grande mon-
ta, a dose deve ser reduzida ou deve ser discutida a rotação para outra classe de opioide.
Depressão respiratória é um efeito colateral potencialmente letal; nesse caso, deve ser
aventada a necessidade de antagonistas (naloxona);
Capítulo 48.3 • MANEJO DA DOR NO PACIENTE ONCOLÓGICO 773
Sempre prescrever laxantes associados a mudanças dietéticas: Diferente dos outros efeitos
colaterais, a constipação não melhora com o tempo, por isso sempre deve ser tratada
com laxantes;
Estabelecer dose de resgate: Sempre prescrever dose extra (equivalente de 1/6 a 1/10 da
dose diária) com opioides de liberação rápida.
No segundo degrau da escada da OMS, os medicamentos do primeiro degrau são
associados aos opioides fracos (codeína e tramadol). Há várias controvérsias em relação à
eficácia da combinação de opioides fracos em comparação ao uso isolado de analgésicos
não opioides.12 Assim, muitos autores sugerem a abolição do segundo degrau da escada
analgésica da OMS, a favor do uso precoce de opioides fortes em doses baixas.13,14
A codeína (agonista fraco dos receptores µ, δ e κ) possui afinidade por recepto-
res opioides 200 vezes menor que a morfina, com consequente menor efeito analgé-
sico.16 Cerca de 10% da população não têm analgesia ou têm analgesia fraca com a
codeína, por não possuírem a isoforma da enzima hepática citocromo P-450, neces-
sária para o seu metabolismo.15 Tem bom efeito antitussígeno. A constipação é um
efeito colateral prevalente.
Dose recomendada para adultos (VO): 30 a 60 mg de 4 em 4 horas até de 6 em 6 horas. Dose
máxima de 360 mg por dia. Deve ser evitada na insuficiência renal e hepática.
O tramadol (agonista misto fraco µ, δ e κ) exerce sua atividade opioidérgica de-
corrente da ação de seus metabólitos. Apresenta ação antidepressiva por agir em outros
receptores, com aumento da liberação de serotonina e inibição da recaptação de noradre-
nalina. Náuseas e vômitos são os principais efeitos colaterais.
Dose recomendada para adultos (VO): 50 a 100 mg de 4 em 4 horas ou de 6 em 6 horas. Dose
máxima de 400 mg por dia. Deve ser evitado na insuficiência renal e hepática. Apresentação VO, EV,
subcutânea e peridural.
A morfina (agonista forte µ, δ e κ) é o medicamento mais utilizado dessa classe.17 A
biodisponibilidade da via oral é baixa. Por não apresentar dose-teto, o limite da dose é
aquele que proporciona melhor controle álgico e menor efeito colateral.
Dose recomendada para adultos (VO): iniciar com 5 mg de 4 em 4 horas e ajustar conforme analge-
sia e efeitos colaterais. Deve ser usada com cautela na insuficiência renal e hepática – avaliar espaçamento
das doses. Apresentação VO, EV, subcutânea, peridural e retal.
A oxicodona apresenta afinidade superior por receptor δ do que pelos receptores µ
e κ. Induz analgesia sem necessidade de metabólito prévio. No Brasil, é disponibilizada
a oxicodona de liberação controlada, cuja absorção é bifásica (38% em 0,6 hora e 62%
em 6,9 horas).15
Dose recomendada para adultos (VO): 10 a 30 mg de 8 em 8 horas até de 12 em 12 horas. Pode
ser administrada na insuficiência renal e hepática com cautela. Apresentação VO.
A metadona apresenta farmacodinâmica complexa, por meio da ação agonista sobre
os receptores µ e antagonista de receptores N-metil-D-aspartato (NMDA).15 Observa-se
o sinergismo dessas várias propriedades da metadona, o que confere a ela eficácia maior
que a da morfina. Geralmente é o opioide de escolha quando há componente de dor
neuropática. Apresenta meia-vida longa e imprevisível, que varia de 8 a 80 horas.7 Pode
ser usada na insuficiência renal, pois não produz metabólitos ativos.
774 DIRETRIZES ONCOLÓGICAS
Dose recomendada para adultos (VO): iniciar com 2,5 mg em duas tomadas e ajustar conforme
analgesia e efeitos colaterais. O ajuste deve ser realizado devagar pela meia-vida imprevisível. Uso seguro
na insuficiência renal. Na insuficiência hepática, deve ser usada com cautela.
A fentanila (intravenosa e transdérmica) é 75 a 125 vezes mais potente que a morfi-
na. Pode ser empregada pela via venosa, peridural, subaracnóidea e transdérmica. Com
relação à fentanila transdérmica pode ser considerada quando o paciente está em tera-
pia com opioide com dor constante, porém com pouca dor episódica. Geralmente leva
24 horas para analgesia, com início 12 horas após a colocação. Cada adesivo tem ação
de 72 horas. Pode ser usado em pacientes com insuficiência renal e em diálise. É o opioi-
de que menos provoca constipação intestinal.
Dose recomendada no adulto (transdérmico): iniciar somente quando houver dor contínua controlada,
com dose equivalente à do opioide de uso contínuo, ou iniciar com outro opioide de ação rápida, e manter
os dois em associação pelo menos nas primeiras 24 horas. De apresentação em 12,5, 25, 50 e 100 mcg.
Pode ser usado na insuficiência renal e hepática.
A buprenorfina (transdérmico no Brasil) é um agonista parcial dos receptores µ e
antagonista dos receptores κ. Em dose baixa, possui potência analgésica 25 a 30 vezes
superior à da morfina, mas o efeito analgésico se limita pelo agonismo parcial. Em doses
elevadas, funciona como antagonista µ, que limita a analgesia. Pela dupla ação – agonis-
ta-antagonista –, apresenta menor grau de tolerância e menor incidência de depressão
respiratória e de dependência física.7
Analgésicos adjuvantes
Conforme indicado na Figura 48.1, os medicamentos adjuvantes podem ser utili-
zados em todos os degraus da escada, com o objetivo de aumentar o controle da dor e
reduzir a dose de analgésicos necessária (com consequente redução dos efeitos colaterais).6
São eles: antidepressivos, relaxantes musculares, benzodiazepínicos, corticosteroides,
capsaicina, lidocaína tópica, clonidina, calcitonina e cetamina. A descrição minuciosa de
cada classe de coadjuvantes foge do objetivo principal deste capítulo. Porém, apresentamos
as doses recomendadas e algumas considerações dos principais fármacos adjuvantes a seguir.
Adjuvantes principais
Principais antidepressivos (todos via oral)5,16
Tricíclicos Amitriptilina: 25 a 75 mg/d, até 150 mg/d
Nortriptilina: 25 a 150 mg/d
Imprimida: 10 a 75 mg/d
Inibidores da recaptação de Duloxetina: 30 a 120 mg/d
serotonina e noradrenalina Venlafaxina: 75 a 225 mg/d (no idoso, iniciar com 37,5 mg/d)
Desvenlafaxina: 50 a 100 mg/d
Menos efeitos anticolinérgicos e risco cardiovascular que os tricíclicos.
Inibidores da recaptação de Sertralina: 50 a 200 mg/d
serotonina Paroxetina: 10 a 20 mg/d
Citalopram: 10 a 20 mg/d
Escitalopram: 10 a 20 mg/d
Fluoxetina: 10 a 80 mg/d
Capítulo 48.3 • MANEJO DA DOR NO PACIENTE ONCOLÓGICO 775
Principais anticonvulsivantes19
Gabapentina 300 a 900 mg/d inicialmente divididos em três tomadas, até 3,6 g/d
Quando bem tolerada, não requer monitorização sérica.
Pregabalina 75 a 300 mg/d inicialmente, em uma tomada ou divididos em duas tomadas, até 600
mg/d
Características semelhantes à da gabapentina, porém mais potente e com melhor
biodisponibilidade.
Topiramato 25 mg/d até 600 mg/d, divididos em duas tomadas
Inibe canais de sódio, aumenta a atividade do GABA (ácido gama-aminobutírico) e
inibe receptores NMDA.
Lamotrigina 25 a 50 mg/d em duas tomadas, até 400 mg/d
Carbamazepina 100 a 200 mg/d em duas a quatro tomadas, até 1,6 g/d
Pode causar síndrome de secreção inapropriada do hormônio antidiurético
(SIADH) e hepatite.
Fenitoína 300 mg/d em duas tomadas, até 500 mg/d
Outros coadjuvantes15
Corticoides Dexametasona 4 a 20 mg/d VO, EV, SC ou retal
Metilprednisolona 30 a 50 mg/d VO ou EV
Pode-se iniciar em dose alta e suspender de forma abrupta caso não ocorra melhora em 2
dias. Se houver benefício, reduzir a dose para mínima eficaz e usar por curto tempo.
Efeitos adversos (uso de > 20 mg/d de prednisona por > 3 semanas):
hiperglicemia, psicose, miopatia, osteoporose, úlcera péptica, catarata e
síndrome de Cushing.
Neurolépticos Haloperidol 2 a 5 mg VO, EV ou SC duas a três vezes ao dia
Clorpromazina 2 a 100 mg/d VO ou EV – maior efeito sedativo
Alteram a percepção de dor. Ação ansiolítica, antiemética e sedativa.
Alfa-2-adrenérgicos agonistas Clonidina Dexmedetomidina
Efeito tanto na dor nociceptiva quanto na dor neuropática.
Miorrelaxantes Baclofeno 5 a 90 mg/d, divididos em três tomadas
Ciclobenzaprina 5 a 30 mg/d, divididos em três tomadas
Benefício para síndromes miofasciais e para espasticidade (baclofeno).
Anestésicos locais Lidocaína local e infusão
Bloqueador de NMDA Cetamina EV ou SC
Bisfosfonatos Alendronato
Pamidronato
Ácido zolendrônico
Redução das fraturas patológicas, do aparecimento de novas metástases ósseas e
da hipercalcemia.
Modalidades físicas
Órteses e próteses Instruções quanto ao Programa de atividade física Estimulação elétrica
posicionamento transcutânea (TENS)
Termoterapia Cinesioterapia Infiltração de pontos-gatilho Agulhamento seco
Hidroterapia Magnetoterapia Relaxamento Massoterapia
Modalidades cognitivas
Meditação Hipnose Musicoterapia Psicoterapia Técnicas de relaxamento
Procedimentos neuroablativos
Neurotomias Simpatectomia Cordotomia Neurólise do plexo celíaco
Simpatectomia do gânglio Cirurgia do comportamento Lesão do trato de Lissauer e Neurectomia pré-sacral
estrelado (hipotalamotomia do corno posterior da medula
posteromedial, congulotomia, espinal
capsulotomia anterior)
Mielotomia Tálamo-mesencefalotomia Rizotomia Hipofisectomia
Procedimentos neuromodulatórios
Estimulação elétrica do sistema nervoso
Estimulação do sistema nervoso periférico
Estimulação do sistema nervoso central
Dispositivos para administração de fármacos analgésicos no sistema nervoso central (cateter com compartimento peridural ou
subaracnóideo espinal ou ventricular encefálico)
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Capítulo 48.3 • MANEJO DA DOR NO PACIENTE ONCOLÓGICO 777
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Capítulo
48.4
RADIOTERAPIA PALIATIVA
ANTI-HEMORRÁGICA
Alexandre da Fonseca Colão
Ricardo de Alencar Vilela
Estima-se que ocorra sangramento em 6% a 10% dos pacientes com câncer em es-
tágio avançado.1 Esse sangramento pode se manifestar de forma oculta ou intensa. Na
literatura, embora menos explorada, encontra-se o uso da radiação ionizante para controle
hemorrágico em vários sítios, como pulmão (hemoptise), endométrio e colo uterino (san-
gramento transvaginal), bexiga, próstata e estômago.2-9 A radioterapia anti-hemorrágica é
uma boa opção de controle não invasivo de sangramentos, com baixo perfil de toxicidade.1
A resposta ao tratamento é alcançada, comumente, após 48h de sua aplicação, con-
trolando os sintomas por um período de 1 a 3 meses.2,3 O esquema mais defendido, em
geral, é de 30 Gy em 10 frações. A probabilidade de controle sintomático varia de 55% a
85%. O tratamento tem impacto importante na qualidade de vida dos pacientes e contro-
le do número de transfusões de concentrados de hemácias.1-3,8,10
Alguns estudos investigam a utilização do hipofracionamento de dose, mas sugerem
tal abordagem apenas em pacientes com menos sobrevida, menor de 3 meses.3 No câncer
de bexiga, porém, observou-se melhores resultados, sem elevação de toxicidade, com uti-
lização de doses hipofracionadas. Encontrou-se resposta de cerca de 70% para controle
de hematúria.11
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780 DIRETRIZES ONCOLÓGICAS
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Capítulo
48.5
ATENÇÃO MULTIDISCIPLINAR EM
CUIDADOS PALIATIVOS ONCOLÓGICOS
NO HOSPITAL GERAL
Juciléia Rezende Souza
Isabella Barros Rabelo Gontijo
Carolina de Souza Custódio
Clarissa Hoffman Irala
Cristina Lemos Barbosa Furia
Keyla de Paula Barbosa
Leticia Meda Vendrusculo-Fangel
Liana Barbaresco Gomide Matheus
Liana Zaynette Torres Junqueira
Rafaela Paes Marques
Yara Helena De Carvalho Paiva Ribeiro
Augusto José Honório de Almeida
Cláudia Arminda Corrêa
SERVIÇO SOCIAL
Várias são as funções que o assistente social assume dentro da equipe multidisci-
plinar de cuidados paliativos. Para efetivação de seu trabalho e a construção do plano
de intervenção, o profissional deve efetuar captação exaustiva de informações sobre a
situação do paciente e de familiares/cuidadores lançando mão do diagnóstico social.5 No
hospital geral, tais informações também irão subsidiar ações como a preparação da alta e
continuidade dos cuidados domiciliares.
São profissionais que utilizam metodologias assistenciais com o objetivo de capacitar
os usuários para a gestão do próprio cuidado e satisfação de suas necessidades.6 Buscam
e orientam pacientes e cuidadores para que auxiliem na construção da articulação e/ou
cooperação entre recursos de diferentes esferas (pública; privada lucrativa ou não lucrati-
va; formal ou informal), priorizando recursos próximos ao local de residência e a manu-
tenção do bem-estar, de comportamentos proativos e da autonomia.
Os assistentes sociais devem informar os pacientes e seus familiares sobre todos os
direitos, deveres e benefícios presentes nas políticas sociais em vigor, como também tra-
balhar na perspectiva da efetivação e acesso aos recursos que podem contribuir para
melhorar a qualidade de vida dos pacientes e seus familiares.
Capítulo 48.5 • ATENÇÃO MULTIDISCIPLINAR EM CUIDADOS PALIATIVOS ONCOLÓGICOS NO HOSPITAL GERAL 783
ENFERMAGEM
Enfermagem em cuidados paliativos pode ser compreendida como uma assistência
direcionada e qualificada técnico e cientificamente, ofertada a todos os pacientes grave-
mente enfermos, mesmo quando não estão próximos da terminalidade.9,10 Neste contex-
to, o principal foco de interesse são as necessidades manifestadas pelo paciente, sendo
primordial o alívio do sofrimento e a garantia do cuidado, principalmente na presença de
condições limitantes de vida.10
Neste contexto, faz-se importante ampliar a assistência de enfermagem para a rede
de cuidado do paciente, incluindo a coletividade familiar, em especial àqueles por quem
o paciente expressa maior afinidade e relação.10,11 Pela presença constante na rotina de
cuidado e construção de uma relação de proximidade com o binômio paciente-família,
em especial no fim de vida, a equipe de enfermagem consegue atuar como um elo de
comunicação entre paciente-família e equipe interdisciplinar, ajudando na identificação
de sofrimentos e angústias nem sempre manifestadas ou percebidas. Um enfermeiro bem
treinado em cuidados paliativos tem uma visão holística sobre o cuidado, desenvolvendo
habilidades para reconhecer necessidades psíquicas, físicas, socioculturais e espirituais,
podendo então mobilizar recursos e organizar a assistência de modo a minimizar o im-
pacto de um prognóstico delicado.9,10,11
Para o estabelecimento de uma relação de cuidado, baseada em confiança e parce-
ria, há que se lançar mão de estratégias para escuta ativa, pessoal, direcionada e atenta às
nuances reveladas durante todo o processo de assistência. A construção de cada plano de
cuidado deverá levar em conta a individualidade do paciente, o respeito à sua autonomia
e a garantia de que a assistência será, além de efetiva, exclusiva. Para tal, orienta-se a ma-
nutenção de avaliações e registros diários, com utilização de instrumento para anamnese
as quais conterão escalas como PPS, Edmond e EVA para priorização dos sintomas e
consequente plano de manejo clínico, que favoreçam a descrição do quadro e o acompa-
nhamento de sua evolução para ajuste do plano terapêutico.10,12
Entre as atividades específicas na assistência direta em enfermagem, estão as realiza-
ções de procedimentos os quais serão estabelecidos após a avaliação clínica e levantamento
784 DIRETRIZES ONCOLÓGICAS
FISIOTERAPIA
Dentro da equipe multiprofissional de atenção ao paciente em cuidado paliativo, o
fisioterapeuta deve atuar de forma interdisciplinar, mantendo a comunicação frequente
com a equipe, para junção das habilidades profissionais e construção das diretrizes do
tratamento, a fim de assegurar atenção integral ao paciente. O paciente oncológico em
cuidados paliativos pode apresentar diversas morbidades que afetam a funcionalidade, as
tarefas habituais diárias e a qualidade de vida. A dor pode estar relacionada ao tratamen-
to clínico, ao tumor ou ser decorrente do imobilismo, de alterações neuromusculoesquelé-
ticas, posturas antálgicas e lesão por pressão. A fadiga associada ao câncer pode ser decor-
rente de diversos fatores, entre eles os fisiológicos, que incluem a ocorrência de redução
do desempenho físico e perda muscular. Além disso, o paciente pode apresentar alteração
de sensibilidade, lesões por pressão, linfedema, compressão neural, restrição articular,
constipação, dispneia, distúrbios do sono, entre outras complicações que prejudicam o
bem-estar. Nesse sentido, a atuação fisioterapêutica nos cuidados paliativos objetiva ame-
nizar esses sintomas, favorecer a funcionalidade e proporcionar melhor qualidade de vida.
Um programa de fisioterapia composto por exercícios de membros superiores e in-
feriores, técnicas de liberação miofascial e técnicas de facilitação neuromuscular proprio-
ceptiva pode reduzir significativamente a fadiga e minimizar a dor, promovendo bem-es-
tar geral em pacientes com câncer que recebem cuidados paliativos.13 O fisioterapeuta
Capítulo 48.5 • ATENÇÃO MULTIDISCIPLINAR EM CUIDADOS PALIATIVOS ONCOLÓGICOS NO HOSPITAL GERAL 785
FONOAUDIOLOGIA
A maioria dos pacientes oncológicos em cuidados paliativos tem como doença de
base câncer com topografias de cabeça e pescoço, trato gastrointestinal e respiratório, e
é comum que apresentem alterações de respiração, alimentação/deglutição, fala/voz e
audição, não somente pelo agravamento da doença, mas também como sequela do trata-
mento de quimioterapia, radioterapia e/ou cirurgia.22
Por esse motivo, a inserção do fonoaudiólogo na equipe multidisciplinar de cuidados
paliativos é extremamente importante. Encontra-se entre as competências desse profissio-
nal, com respaldo da Lei no 6965, de 1981 e da Resolução no 348, de 2007 do Conselho
Federal de Fonoaudiologia (CFFa), intervir nas alterações de comunicação, em todos os
seus aspectos, e nas demais funções do sistema miofuncional orofacial, como a deglutição,
por meio de prevenção, avaliação, diagnóstico e terapia fonoaudiológica.23,24
Visando a qualidade de vida, a intervenção fonoaudiológica em cuidados paliativos
pode maximizar a deglutição e preservar o prazer da alimentação por via oral com segu-
rança. Para tal, utiliza-se de manobras posturais, manobras de proteção de vias aéreas,
modificação da forma de oferta do alimento ou a restrição de consistências na dieta do
paciente. Quando a via oral não é viável, por causar sofrimento e desgaste ao paciente,
ou por proporcionar risco de penetração ou aspiração laringo-traqueal, o fonoaudiólogo
pode sugerir, após avaliação clínica, o uso de vias alternativas de alimentação, levando em
consideração uma série de aspectos, a discussão em equipe, a vontade do próprio paciente
e de sua família.25
Por fim, para alguns pacientes a capacidade de se comunicar é uma das funções mais
essenciais, tendo em vista que é por meio dela que o ser humano troca conhecimento,
sentimentos e informa suas necessidades. Quando há risco de perda da capacidade de se
comunicar, a equipe de fonoaudiologia realiza avaliação minuciosa e utiliza seus conhe-
cimentos no sentido de otimizar as capacidades do indivíduo de cognição e linguagem,
audição e de fala, com orientações e adaptações para que a linguagem oral seja mantida.
Quando não há possibilidade de manutenção, o fonoaudiólogo é responsável por desen-
volver e implementar estratégias de comunicação alternativa, adequadas às condições
do indivíduo, para que ele continue se expressando e sendo compreendido, promovendo
assim maior autonomia e independência.25
NUTRIÇÃO
A nutrição desempenha um papel de destaque durante todos os ciclos da nossa vida,
e incluindo no adoecimento e durante os cuidados paliativos. Em cerca de 80% dos pa-
cientes oncológicos encontramos algum grau de comprometimento nutricional e diversos
786 DIRETRIZES ONCOLÓGICAS
tipos de problemas nutricionais26 que vão desde os causados por sintomas da doença e do
tratamento até os comportamentais, como escolhas alimentares em desequilíbrio, adoção
de dietas milagrosas e a ortorequexia.27
Para o plano terapêutico do paciente, a equipe de nutrição leva em conside-
ração muito mais que suas necessidades nutricionais: os limites estabelecidos pelo
paciente como a tolerância, sintomas e conflitos relacionados à sua alimentação.
Estamos diante de uma pessoa e de cuidadores que merecem a garantia de promover
o máximo de conforto, prazer, qualidade de vida e de poupá-los de intervenções
nutricionais desnecessárias.28
Ao escutar o paciente e seus cuidadores percebemos que, muitas vezes, a alimenta-
ção permanece como um dos poucos meios de expressão; é o meio de verbalizar a sua
vontade.27 Entretanto, nesse momento, evitamos avaliações frequentes para não julgar ou
chamar a atenção para alterações corporais inerentes à progressão da doença.29
É comum a nutrição ser surpreendida com uma solicitação de terapia nutricional via
enteral por sonda (TNSNE) ou de suplementação oral, sem evidências que reconheçam
seu benefício. Pacientes e cuidadores consideram a alimentação um cuidado básico e é
um direito do paciente. Porém, considera-se a TNSNE e a terapia nutricional parenteral
exemplos de intervenção nutricional a ser evitada quando o paciente encontra-se exclusi-
vamente em cuidados paliativos.27 É a hora de colocar em prática a escuta ativa e verificar
se é importante para o paciente ou cuidador tal terapêutica, que poderá ser indicada ou
manejada para atendê-los, quando há intenso sofrimento com a suspensão da última via
de alimentação.
O Conselho Europeu de Especialistas em Nutrição Enteral e Parenteral (ESPEN),
corrobora que o maior objetivo dos cuidados paliativos é melhorar a qualidade de vida
e, para isso, evita-se restrições alimentares e considera-se cada fase do acompanhamento.
Nas fases iniciais mantêm-se o que já estava sendo realizado quando do início da paliação.
À medida que a doença avança, enfatiza-se os desejos do paciente, cuidadores e familiares
e a redução do estresse causado pela alimentação; seja por ser exclusivamente por vias
alternativas, seja por ser insuficiente ou diferente da expectativa do paciente e de seus
familiares, contando sempre com o auxílio de toda a equipe assistencial.29
PSICOLOGIA
Encontram-se evidências que mostram que os sintomas psicológicos estão relacio-
nados aos sintomas físicos e que podem ser aspectos que intensificam o sofrimento dos
pacientes em cuidados paliativos.30 A prevalência de sintomas emocionais é alta, tanto nos
pacientes acompanhados ambulatorialmente, quanto nos hospitalizados. Contudo, a an-
siedade, por exemplo, também pode ocorrer em virtude de alterações fisiológicas (anemia,
insuficiência cardíaca, insuficiência respiratória) e não ao estado psicológico. Apenas uma
avaliação criteriosa dos sintomas ativos poderá proporcionar diagnósticos diferenciais e
identificar as demandas psíquicas que podem interferir no bem-estar emocional e na qua-
lidade de vida do paciente.31,32
A literatura aponta que no contexto de cuidados paliativos a presença de status de
performance baixo, de níveis elevados de dor e fadiga, de histórico de depressão anterior
e de suporte social precário são preditores de depressão e transtornos de adaptação.33
Capítulo 48.5 • ATENÇÃO MULTIDISCIPLINAR EM CUIDADOS PALIATIVOS ONCOLÓGICOS NO HOSPITAL GERAL 787
Portanto, não é possível manejar sintomas físicos sem cuidar dos aspectos emocionais ou
vice-versa. Vale salientar que o sofrimento do paciente relaciona-se não apenas ao adoeci-
mento e progressão da doença, pois ele chega a essa fase de sua vida trazendo consigo sua
história de vida e é uma variável que influencia ativamente a intensidade do sofrimento
desencadeado pela progressão da doença. Isso foi descrito pela pesquisa de Probst, Gre-
gorio e Marks,34 na qual identificaram que pacientes oncológicos em cuidados paliativos
com histórico de abuso emocional, físico ou sexual apresentavam mais sintomas físicos,
maior nível de distress (angústia) e relatavam mais preocupações emocionais e espirituais
do que pacientes sem histórico de abuso.
O psico-oncologista que atua nos cuidados hospitalares utiliza técnicas com base no
treinamento de habilidades de enfrentamento, psicoeducação, hipnose, distração cogni-
tiva e relaxamento com visualização. Tais estratégias são eficazes tanto para manutenção
do bem-estar emocional quanto para o manejo de sintomas desconfortáveis. Pode-se citar
as evidências sobre a utilização de técnicas de relaxamento para o manejo de dor e distúr-
bios do sono, e da prática de meditação para controle da fadiga e também dos distúrbios
do sono.30,35,36
Quando iniciado o momento de cuidados paliativos exclusivos, geralmente em fase
final de vida, o suporte emocional poderá ficar mais centrado nos familiares, pois muitos
pacientes apresentam rebaixamento no nível de consciência. Além de intervir para favo-
recer um processo adaptativo de luto antecipatório, cabe ao psicólogo avaliar se existem
características que indicam risco de luto complicado ou patológico para iniciar interven-
ção preventiva e articular a continuidade do cuidado após o óbito.
Para o cuidado paliativo ambulatorial, existem evidências que indicam a psicoterapia
cognitiva comportamental para manejo do distress e da dor37 além do controle da fadiga
e alterações do sono.36 Recentemente, foi desenvolvido um modelo de terapia psicológica
individual específica para pacientes com câncer avançado intitulada CALM (Managing
Cancer And Living Signally). Tal modelo demonstrou melhora de sintomas depressivos/an-
siosos e melhora no bem-estar.38
Por último, salienta-se que, em todos os modelos e níveis de cuidados paliativos,
a atuação do psicólogo deve ser voltada ao auxílio no monitoramento sistemático do
bem-estar emocional e de fatores que interferem na qualidade de vida do paciente, man-
tendo-se avaliação rotineira (intensidade, padrão e tipos) e oferecendo-se feedback sobre
os sintomas tanto para os pacientes e seus familiares quanto para auxiliar na elaboração
do plano terapêutico pela equipe multiprofissional de saúde.35,39
TERAPIA OCUPACIONAL
A terapia ocupacional (TO) é responsável por acompanhar o sujeito e sua família
ao longo de todo processo de adoecimento com foco no processo de manutenção das
habilidades remanescentes e recuperação das habilidades modificadas.40,41 No tocante aos
cuidados paliativos, o paciente e sua família apresentam alterações em todos os aspectos
de sua vida ocupacional, principalmente no que se refere a sua autonomia, desempenho
de seus papéis e manutenção do seu cotidiano.42
O processo terapêutico ocupacional inicia-se com uma avaliação na qual são conside-
rados os aspectos clínicos do sujeito e de sua família. A avaliação deve ser individualizada
788 DIRETRIZES ONCOLÓGICAS
e, às vezes, precisa ser dividida em mais de um encontro, para respeitar os limites físicos
e emocionais que possam existir e não causar mais sofrimento. Neste momento, o profis-
sional de TO deve identificar os papéis modificados e perdidos, alterações no cotidiano e,
principalmente, potencialidades e habilidades remanescentes, para que possa ser traçado
os objetivos terapêuticos, sendo pactuados com a equipe, família e sujeito.
O foco do trabalho do profissional de TO em cuidados paliativos tem duas verten-
tes: sujeito e família.43 Em relação aos cuidados oferecidos ao paciente, a intervenção
deverá mantê-lo o mais autônomo possível até o momento de sua morte. Para isso, após
identificar as perdas e potencialidades, o TO deve elencar estratégias para a retomada ou
manutenção do cotidiano e da autonomia, sempre considerando as condições clínicas e
o prognóstico. O TO tem papel essencial na organização, realização e reconstrução dos
projetos de vida, como também dos projetos voltados ao final de vida. Cabe ao TO criar
estratégias para a realização quando possível ou para a construção de novos projetos de
vida que sejam passíveis de realização, auxiliando a manutenção da qualidade de vida no
processo de terminalidade.
Já em relação à família, a abordagem visa estratégias para melhorar o cuidado com
o sujeito por meio de ações e orientações que propiciem: manejo das limitações apresen-
tadas pelo doente; alívio do sofrimento; manutenção do cotidiano do familiar/cuidador;
condições para lidar com o processo de luto; a reconstrução e o enriquecimento do coti-
diano dos sujeitos antes e após a perda do ente querido.
Considerando a complexidade do processo de adoecimento do sujeito e família, a
presença do terapeuta ocupacional na equipe multidisciplinar de cuidados paliativos é
mais uma ferramenta imprescindível para auxiliar na manutenção da autonomia, no en-
frentamento do sofrimento e no processo de final de vida.
CAPELANIA HOSPITALAR
A doença que limita a vida pode levantar questões sobre problemas existenciais mais
profundos, tais como o sentido da vida. Os cuidados espirituais devem ser parte integrante
dos cuidados paliativos. O capelão é um profissional com treinamento específico em ca-
pelania hospitalar e trabalha na assistência na área da saúde, nos cuidados da dimensão
espiritual. A capelania presta assistência espiritual nos cuidados das “dores da alma”,
abordando o contexto de espiritualidade e saúde. Um contraponto entre dor e sofrimento
é quando admitimos e tratamos a dor espiritual. Em paralelo ao cuidado dos seus aspectos
físicos e emocionais, projetamos a possibilidade de haver um propósito maior em todas as
coisas, entendendo que, mesmo se a dor for inevitável, o sofrimento é opcional.
Sobre a espiritualidade e a religiosidade, a espiritualidade pode ser entendida
como a disposição humana na busca de significado para a vida, por meio de ideias
que transcendem o mundo material e perceptível aos sentidos naturais, podendo ser
experimentada como algo mais caloroso e espontâneo. A religiosidade, por sua vez,
é embasada em doutrinas, crenças, ritos e celebrações próprias de um determinado
segmento espiritual.
Como parte integrante da equipe multiprofissional a capelania busca promover o
cuidado integral do paciente e de sua família, dispondo-se a ouvir, respeitar e consolar.
O atendimento espiritual individual trará ao enfermo e a seus familiares ou cuidadores
Capítulo 48.5 • ATENÇÃO MULTIDISCIPLINAR EM CUIDADOS PALIATIVOS ONCOLÓGICOS NO HOSPITAL GERAL 789
ouvidos atentos, condições para reflexões sobre questões existenciais; confrontos e desafios
quanto a propósito, à vida eterna, à qualidade e utilidade de vida.
Três aspectos são importantes na atividade de capelania: 1) respeito às pessoas,
2) respeito às instituições e 3) respeito às diferenças.
Este serviço de assistência espiritual não tem por finalidade atender pessoas de uma
determinada denominação religiosa, mas visa atender todo e qualquer ser humano dispos-
to a receber auxílio espiritual, ouvir uma palavra de consolo, conforto ou encorajamento.
MÉDICO PALIATIVISTA
A interação entre as áreas da saúde é essencial para o cuidado integral do paciente;
constitui-se, portanto, tarefa primordial do médico paliativista o desenvolvimento de com-
petências para trabalho da equipe multiprofissional. Uma competência por definição é
um agregado de conhecimentos relacionados, habilidades e atitudes, que afeta uma parte
importante de um posto de trabalho (papel ou responsabilidade), que se correlaciona com
o desempenho do trabalho, que pode ser medido perante padrões bem-aceites, e que
pode ser melhorado por formação e desenvolvimento.44 Tais habilidades devem ser conti-
nuamente desenvolvidas e conquistadas em benefício do paciente em cuidados paliativos
e da qualificação da assistência prestada.
O médico com a competência de Medicina Paliativa enfrenta os desafios presentes
em sua área de atuação, mas tem sempre em mente os constituintes centrais dos cuida-
dos paliativos: autonomia, dignidade, relação entre doente e profissionais de cuidados de
saúde, qualidade de vida, posição em relação à vida e à morte, comunicação, educação
pública, abordagem multiprofissional, perda e luto. Constitui-se, ainda, uma das pedras
angulares na prática da medicina paliativa a necessidade de realizar, dentro de suas com-
petências, diagnósticos clínicos, conhecer a doença, sua história natural, os tratamentos
previamente realizados, a evolução esperada daquela determinada fase da doença e im-
plicações clínicas para o paciente especificamente naquele momento. O momento de to-
mada de decisões deve levar em conta uma avaliação ampla que contemple os aspectos da
patologia, como também o significado da doença para o doente e a influência do contexto
de vida atual e passado, conhecendo seus valores, desejos e necessidades.44
Habilidades de comunicação e de colaboração necessitam ser desenvolvidas para
possibilitar a criação de uma rede de apoio para o doente e seus familiares, construindo
estratégias que permitam a articulação com outros profissionais para a promoção de quali-
dade de vida e solução de problemas. O médico pode funcionar como elemento facilitador
para um trabalho harmonioso em equipe, facilitando o processo de escolhas e a tomada
de decisões compartilhadas entre o paciente, a família e equipe de cuidados paliativos.
A seguir, são apresentadas as dez competências em cuidados paliativos, segundo consen-
so emitido pela Associação Europeia de Cuidados Paliativos (European Association for
Palliative Care, EAPC) em 2013,45 ilustrando a necessidade de contínuo aperfeiçoamento,
treino de habilidade, assistência integral centrada no paciente e trabalho em equipe:
1. Aplicar os constituintes centrais dos cuidados paliativos, no ambiente próprio e
mais seguro para os doentes e família;
2. Aumentar o conforto físico durante a trajetória da doença;
3. Atender às necessidades psicológicas dos doentes;
790 DIRETRIZES ONCOLÓGICAS
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Cada paciente manifestará seu sofrimento de forma individual, contudo, é possível
organizar a assistência com base no que as evidências indicam ser a melhor prática de
acordo com as particularidades da doença e dos seus tratamentos, incluindo as diferen-
ças entre o momento do acompanhamento ambulatorial e das internações. O cuidado
paliativo no hospital geral pode ser adequadamente realizado, desde que exista equipe
multidisciplinar disponível e adequadamente capacitada para avaliar as necessidades dos
pacientes e de seus familiares e responder a elas com a agilidade necessária para diminuir
o nível de sofrimento.
Proporcionar bem-estar emocional e qualidade de vida em cuidados paliativos é um
desafio diário, um trabalho conjunto e causa o amadurecimento sistêmico de uma equipe
que precisa estar em sintonia e aberta para compartilhar práticas, saberes e experiências
pessoais vivenciadas, sejam elas positivas ou relacionadas às dificuldades presentes na ro-
tina diária. Nesse contexto desafiador e complexo, vale ressaltar que toda a equipe envol-
vida precisa estar atenta ao próprio autocuidado e desenvolvimento de forma a fortalecer
a resiliência e prevenir o burnout, seja durante a atuação conjunta ou, fora do ambiente
hospitalar, no seu ambiente particular.
Capítulo 48.5 • ATENÇÃO MULTIDISCIPLINAR EM CUIDADOS PALIATIVOS ONCOLÓGICOS NO HOSPITAL GERAL 791
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Capítulo
48.6
COMUNICAÇÃO EM CUIDADOS
PALIATIVOS ONCOLÓGICOS
Cláudia Arminda Corrêa
Juciléia Rezende Souza
Dayane Franco Valadão
Por seu caráter “aversivo”, a má notícia precisa ser transmitida de maneira empática,
honesta, em um ambiente acolhedor e seguro. É fundamental que a notícia seja dada de
maneira compreensiva, objetiva, precisa e cuidadosa, requerendo do comunicador certa
perícia, tato, bom senso e habilidades, como a empatia. Muitos estudos comprovaram
que a conduta adotada pelo profissional no momento de se comunicar assume, por vezes,
maior importância que o próprio conteúdo da mensagem. Por isso, guidelines em cuidados
paliativos enfatizam que a comunicação de más notícias não pode ser considerada habili-
dade opcional à prática profissional.3
A má notícia pode ser entendida como qualquer informação que cause quebra
de expectativa, afetando desfavoravelmente a trajetória e o plano de vida da pessoa.
Aquela informação drástica e negativa que altera sua perspectiva em relação ao seu
futuro.1,4-6 Também é definida como informação que traz ameaça ao estado mental ou
físico do paciente e que representa um risco de ver superado o estilo de vida já estabele-
cido.7,8 Ambas definições implicam que não se trata apenas de comunicação de situação
de terminalidade, mas sim de qualquer informação percebida como aversiva pelo pa-
ciente de acordo com sua perspectiva de futuro, a qual é individual e influenciada pelo
contexto psicossocial.
Outros fatores que influenciam a maneira e a qualidade do ato de se comunicar
eficientemente com pacientes e familiares são condutas e abordagens adotadas pelo pró-
prio serviço, a idade do profissional, o nível de cansaço, o contexto cultural, as crenças
religiosas e a existência ou não de treinamento em comunicação. Tal treinamento pode
ser adquirido com ensino formal ou seguindo o modelo adotado por outros profissionais
treinados, com posterior aprimoramento.
Para auxiliar profissionais que atuam em cuidados paliativos, com o avanço nos
conhecimentos sobre estratégias para se comunicar más notícias, foi possível desenvol-
ver diferentes protocolos, a partir dos quais podem ser treinados. Os protocolos cons-
tituem uma série de atitudes e comportamentos que guiam o profissional para realizar
uma intervenção humana, séria, compassiva e técnica. Cabe ressaltar que, apesar
de existirem protocolos, não se pode esquecer que cada doente é único e detentor de
múltiplas necessidades, razão pela qual um protocolo deve ser maleável e adaptado a
quem se dirige.
Um dos mais utilizados em cuidados paliativos, o modelo de comunicação propos-
to por Buckman,1 denominado protocolo de Spikes, constitui um paradigma orientador
para a transmissão de más notícias em seis etapas, descritas a seguir.
e superficiais, mas contradito pela linguagem não verbal, que expressa claramente o agra-
vamento da situação. Nessas situações tenta-se evitar falar sobre terminalidade e morte
com o intuito de poupar e proteger o paciente da má notícia, pois há receio de que ela
aumente o sofrimento, cause depressão e até mesmo gere desistência da vida. Algumas
vezes, o próprio paciente adota tal conduta no intuito de proteger seus entes queridos.
O profissional precisa estar atento para não reforçar e ter habilidade para evitar que se
estabeleça uma “conspiração do silêncio”.17-21
Contextos nos quais impera a “conspiração do silêncio” proporcionam uma espécie
de isolamento emocional – de um lado o paciente e de outro a família, todos com senti-
mentos, dúvidas e anseios semelhantes e não compartilhados. Quando se opta por não
revelar a verdade priva-se o paciente de tomar decisões práticas, de providenciar preparos
religiosos, de realizar algo que desejava, de pedir desculpas, de perdoar outros e a si mes-
mo, de revelar segredos e desejos, de despedir-se, de tomar suas próprias decisões e fazer
escolhas diante o processo de finitude. Nem é mesmo possível que aceite e assine de forma
legítima um termo de consentimento para tratamento, se ele não tem informação sufi-
ciente. Contudo, o conhecimento da verdade não implica entrar em detalhes minuciosos
sobre a evolução da doença para evitar causar angústia desnecessária, sendo necessário
verificar até onde o paciente deseja saber.17-21
Outro momento desafiador é a conversa sobre as diretrizes de vontade, quando é
preciso unir forças para priorizar a qualidade de vida em detrimento de intervenções
fúteis e do prolongamento da vida a qualquer custo. Nesse momento, deve-se transmitir
esperança dentro de uma perspectiva realista, sem negar ou desprezar as expressões de
emoções e o impacto da notícia. Orienta-se uso de estratégias que promovam acolhimen-
to, validem emoções, e que se evitem frases que não consolam.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O que se espera de uma boa comunicação é que ao final o paciente e seus familiares
compreendam a informação e se sintam acolhidos, mas também que o profissional con-
siga conhecer as reações cognitivas e emocionais – como anseios, medos e expectativas –,
e identificar problemas e vulnerabilidades presentes nos diferentes domínios de vida – fí-
sicos, psíquicos, sociais e espirituais. Um plano de cuidados individualizados precisará ser
construído com base nessas informações e nas demandas detectadas tantos nos pacientes
quanto nos familiares.
Mesmo sendo uma das tarefas mais difíceis na prática clínica, não existe preparação
consistente na formação acadêmica para a comunicação de más notícias. A fim de dimi-
nuir o hiato existente entre a formação e a prática clínica, muitos autores têm publicado
recomendações sobre as habilidades necessárias para uma boa comunicação. Entretanto,
atingir o grau de excelência na prestação de cuidados só é possível se o profissional de
saúde desenvolver, para além das competências profissionais, as competências particulares
do coração. Estas permitem equilibrar a dor e o sofrimento de receber a má noticia, com
a sensação de acolhimento transmitida por um olhar, por um tocar, ou simplesmente por
um sorriso empático vindo do profissional, que com sua presença compassiva reassegura
a continuidade dos cuidados.
Capítulo 48.6 • COMUNICAÇÃO EM CUIDADOS PALIATIVOS ONCOLÓGICOS 801
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