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de que nos ocupamos permanece ainda hoje essencialmente valida a sintese de Gama Barros: «Nao havia sobre a publi- cagdo uma regra invaridvel. Os procuradores dos cancelbos em cortes costumavam pedir cOpia, que pagavam, daquelas resoliigées em que tinham algum interesse, E esta priitica mostra ou que nao era regular a publicag&o quando se dei- xava entregue somente a iniciativa dos oficiais da coroa, 0 que € crivel sobretudo quando a conveniéncia da execugio estivesse principalmente do lado dos concelhos, ou que estes entendiam necessério precaver-se contra os abusos, munindo-se do transumpto fiel das disposigdes legais. Mas geralmente a publicagiio das leis ¢ de quaisquer ordens do soberano estava a cargo dos tabelides, que, depois de as registarem nos seus livros, as deviam ler no tribunal do concelho, ordinariamente uma vez em cada semana, durante um certo periodo que chegava nfo raro até um ano. Além disso publicavam-se também as leis na chancelaria da corte'; mas parece que esta pratica nem sempre se observara. Nas Ordenagées Afonsinas (Liv. 1, Tit. 2.°) nao se encontra ainda, entre os deveres do chanceler-mor, a obrigagao de publicar as leis, que nas Ordenagdes Manuelinas ¢ expressa no Liv, I, Tit. 2, § 9». Exemiplo de uma lei publicada pelo chanceler-mor é- -nos fornecido pelas OA., III. 64.19. Ai se diz relativa- mente a lei 22 de Maio de 1444, que Alvaro Goncalves, chanceler-mor do rei, «mandou pubricar estas Horde- nagoeens aqui escriptas, as quaes logo fordo pubricadas, e leudas perante elle, e perante Fernam Rodrigues Mestre de Cavallaria d'Aviz, e os Doutores Gomes Eannes Juiz de Feitos d’El Rey, e Langarote Esteves, isso mesmo 1, Vs infra, a 155, 8) 182 Doutor, € presente os Licenciados Fernam Gongalves, e Vasquo Gil de Pedroza do Desembarguo do dito Senhor, ¢ Rodriguo Annes Ouvidor da Raynha, e outros muitos bods, homeés, que hi presentes estavam». E 0 texto continua: «A qual publicagam o dito Chanceller mandou a mim Joham Fernandes Escripvam do dito Senhor que o escrepvesse. E en por seu mandada assi 0 escrepvi». Se a leitura piiblica das leis era, em geral, feita todas as semanas (v.g. 20s domingos), em certos casos,.todavia, a propria lei estabelecia periodicidade diversa para a realiza- gio de tal solenidade; nomeadamente, conhecem-se casos em que se estatui apenas a obrigagdo de leitura ameude ou muyto ameude (LLP., 442), ou ainda de leitura mensal (LLP, 201, 202, 204). Na Ley das cartas e dos stromentos como os devem de fazer e quantas testemunhas hi devem a péer em eles, D. Dinis ordena que a Jeitura mensai se efectue no primeiro conselho de cada més: «e que @ leam hua wez en cada hut mes no primeyro concelho que fezer en esse mes» (LLP, 204). Por vezes, a oralidade precedia mesmo o registo da lei. Em certos casos, de facto, o registo era feito na chancelaria régia pela simples transcri¢do do texto que servia de base & feitura piblica. Na Chancelaria de D. Pedro T, por exemplo, hé mais de uma prova disso: «Ouujde mandado de nosso senhor el rrey que nom seia nehium tam ousado que...». E inequivoco aqui o registo da formula de pregio. Em matéria de registo — anote-se também — ordenou- -se, em alguns casos, no apenas os tabelides que procedcs- sem a transcrigio nos seus livros, mas as autoridades locais. Numa lei de D. Afonso HII relativa a custas (datada errada- mente de 1340, mas certamente de 1310) dispoe-se do se- guinte modo: «Mando que cada huii de vos em vossas vjlas 183 que fagades escrever todas estas cousas compridamente E wos tabelides escrevede esta postura en vossos Registrosy. A nivel da corte foi a ordem de registo por vezes dirigida aos, sobrejuizes. Na «Ley per que ei Rey taussou aos escpriuaaes das suas audiencias e da ssua corte quanto leuassem das cartas ¢ das outras escripturas que fazessem. E como fossem delligentes ao sseu ofigeo», dispde 0 monatca: «Pera este sseer guardado mando que sse pobrique esta mjnha hordenagom nas audiengias. E que cada hui ssobreJuiz 0 faca escprever em huit livro» (ODD.). 55. Aplicagao e interpretagdo da lei — No capitulo aspectos da maior relevancia: o da sua aplicagao.na espaco e.no tempo ¢ o da sua interpretagio. Relativamente a aplicagao da lei no es; devemos considerar que nem todas so de ambito geral. Ao lado das normas aplicaveis 4 escala do pais e dimanadas do poder central — isto 6, do rei, s6 ou em cortes —, outras existiam igualmente dele oriundas, mas de aplicagao geogréfica restrita. Para além delas, contudo, existiam ainda preceitos cogentes estatuidos pelas comunidades inferiores — como os concelhos — e a tais comunidades restritas. Sobrelevam a8 posturas, regras juridicas dos municipios, com natureza policial. A palavra postura, aliés, no designou apenas semelhantes normas particulares, mas também se aplicou, consoante foi referido!, para designar a lei geral emanada do tei. E este o valor da formula “postura da Corte” (OA., vg. IIL 46. 1; LV. 11.1,). 1. Chr, supra, no 52, Hosygs yu A aplicacio.da lei no tempo desdobra-se em dois aspectos: a).o da sua entrada em, vigor; &) 0 da aplicabili- dade retroactiva. De facto, nao basta saber qual a data da entrada em vigor de uma lei. E imprescindsVel determinar se se aplica a factos em curso 4 data do inicio da vigéncia ‘ou a situagdes ou consequéncias juridicas fixadas com base em factos produzidos a sombra do direito anterior. Trata-se da quest&o essencial da retroactividade_ou nao retroactividade da norma legal. Em matéria de retroactividade, numa lei de 1349, 6 ela expressamente salvaguardada: «E esta nossa lei nom estendemos aos contrautos que ata aqui foram feitos mais tam solamente aaqueles que depois da pobricagam desta nossa ley foram feitos (sic)» (LLP., 448; ODD., 522). Sobre a interpretagdo da lei ensinavam as Partidas (Partida I, Titulo 1, Lei 11): «Entender sse deué as leys bé e dereytaméte parando senpre métes eno uerdadeiro entendiméto dellas tomando [0] mays sdao e 0 mais pro- feytoso e segundo as palauras ¢ as rrazées que thy foré postas E porende nd sse deué escreuer per aliuamento de scriptura n@ per rrazdes minguadas per que os homes caja en erro entendendoo e hita maneyra ssegundo a letera e seendo doutra segundo razé. Ca saber as leys nd he tan solaméte en aprender e decorar as leteras dellas mays saber 0 sseu uerdadeyro entédiméto». Este é, realmente, um principio interpretativo que vere- mos consagrado no perfodo de que nos estamos ocupando (cfr. ODD., 491 © 492) e ainda consagrado no periodo imediatamente subsequente Aquele de que nos ocupamos. D. Duarte, entdo infante, estabeleccr4 que a lei deve ser interpretada de. acardo,.com_a sua letra © recto espirito, 185 pois condena os que se afastam daquela alterando engano- samente o sentido: «As Leyx e Posturas dos Reyx e Princepes em vado som postas, ¢ feitas, se nom forem guardadas, e usadas, e aquelles, a que he comettido que as fagdo guardar e comprir segundo a tetera, mudando ho entendimento, e effeito dellas com engano, merecem d' aver pena.» (OA., UL, 22.16). afirmada no periodo em andlise mais como obrigagéo. do que como faculdade do legislador: «e porque os Papas, e os Emperadores, e os Reyx, que fazem as Leyx, devem declarar qual foi o entendimento, que ouverom as Leyx, que fezerom — so palavras de D. Dinis a propésito de certa lei — ; por este querendo eu tolher estas duvidas, que nacem sobre a Ley sobredita, outorgo, e declaro que tal foi o meu entendimento...» (OA., I. 15.5.). Nao faltam, alis, casos de declaracdo. D. Afonso IV, por exemplo, esclarece concretamente por tal meio o alcance da lei sobre os empréstimos entre os seguidores das diversas crengas reli- giosas (ODD., 521). 56 )Monumentos jurfdicos castelhanos vertidos em portugués. Problemas relativos a sua viggneia. Aplicago das Partidas como direito subsidiério. Sua observancia abusiva em prejuizo de outras fontes — Na Idade Média foram traduzidos para a_nossa lingua v4rios textos de direito castelhano. Referem-se, de habito, a Suma ou Flores de Derecho, Suma ou Flores de las Leyes, © 08 Nueve Tiempos del Juicio, da autoria de Jécome Ruiz. ou Jacobo das Leis, havido durante longo tempo, mas por erro, como aio do infante D. Afonso, que viria a reinar 186 com o nome de Afonso X, 0 Sdbio, bem como o Fuero Real ¢ as Partidas (Siete Partidas), obras tradicionalmente imputadas aquele monarea. ‘Desta circunstancia se tém retirado conclusGes quer rela- tivamente 2 difusdo dos textos em causa no nosso pais, quer quanto a sua aplicabilidade e vigéncia cfectiva. Seme- Thantes inferéncias, contudo, devem ser devidamente ponderadas. As Flores de Derecho sfio um pequeno tratado de direi- to processual, escrito circa 1235 ¢ de que se conhece traduc&o portuguesa feita, segundo Paulo Meréa, entre 1237 e 1282, constante de um cédigo do ANTT (Forais Antigos, mago 6, n. 4). Neste cédice, vulgarmente desi- gnado por Caderno dos Foros da Guarda, se transcreveram também em versio portuguesa os Nueve Tiempos del Juicio (Tempos dos Preitos) ¢ 0 Fuero Real. O respectivo con- tetido (sendo 0 concemente a primeira alinea em caracteres cursivos e muito mais modernos que o restante, que se apresenta redigido em letra caligrafica francesa) desdobra- se da seguinte forma: @) Certidao, datada de 1449, do foral latino da Guarda e de outros documentos respeitantes a0 concelho em causa; b) As Flores de las Leys, ema versio portuguesa; ) Tradugao em vulgar do foral da Guarda; @) Costumes municipais do mesmo concelho; 2) Algumas leis gerais; f) Tempos dos Preitos; 2) Uma lei de D. Dinis; h) Tradugo em portugués do Fuero Real; i) A lei da avoenga de D. Afonso Ill 187 Refira-se ainda que no alto do primeiro folio se 1é em cursivo do século XV: «¥sto sd leis nd necessarias pelas do Reyno»; © no final do folio em que terminam as Flores de las Leys: «Todo ysto destas leis nd aproveita Ateequy.» Coube ao Prof. Paulo Meréa editar em 1918 o texto por- tugués das Flores de las Leyes, subscrevendo entio a ideia (4 admitida por Herculano) da vigéncia desse texto em Portugal — mas reconhecendo a impossibilidade de fixar com seguranga 0 ambito geogrifico de tal vigéncia: «A cir- cunstancia de a versio se encontrar, como as leis gerais de Afonso IIL, junta ao Caderno de Costumes da Guardan, sto Palavras de Paulo Mer8a, «mostra que ela devia servit aos alcaides deste municfpio e nada nos profbe de acreditar, antes tudo leva a crer, que estivesse divulgada pelo pais, fornecendo precioso subsidio mama época em que era ainda escassa a legislago provessual», A compilago de Jacobo das Leis teria caido em desuso por virtude do incremento da legislagao geral, «Isto explica, em parte, 0 nfo se conhe- cer outro exemplar, e, porventura, o ter desaparecido o oti- ginal, se € que se trata dum apégrafo. Que no concelho da Guarda a compilagio de Mestre Jacobo foi suplantada pela legislagdo do reino, mostram-no A evidéncia as j& citadas indicagdes om cursivo, Sabemos, em todo o caso, por um apontamento manuscrito langado pelo erudite Joo Pedro Ribeiro na margem do seu exemplar dos Inéditos (da Academia das Ciéncias), que numa sentenga do século XV, do Cartério da Camara do Porto, se citam ainda as Leis Jacomeas — titulo pelo qual, sem diivida, se pretendem designar as Flores de Direito». O Prof. Paulo Meréa retirava ainda do carécter grosseiro ou defeituoso da tradugdo — cheia de eros ¢ deslizes — um argumento eventual a favor da difustio das Flores de las 188 Leys entre nos, pois isso indicaria que se tratava de ma c6pia de um original portugués. O problema suscitado por Paulo Meréa quanto ao Ambito de aplicabilidade das Flores de las Leys é real. As razées do mestre para o demonstrar nao so, porém, muito convincen- tes. Ele proprio admite, como se viu, que a tradugdo poderd ou ndo sor um apégrafo, isto , nao rejeita que seja original. Mais: desconhece-se em que termos as Leis Jacomeas vém mencionadas na sentenga do Cartério da Camara do Porto, pelo que no sabemos se de tal sentenga resulta a sua vigén- cia no territério portugués © em que condigées. Por dltimo, as notas quatrocentistas sobre a auséncia de interesse dos textos sub judice so pouco esclarecedoras. Limitam-se a afirmar que nfo importam face as leis do rein, mas sem especificarem se desde sempre ou a partir de quando. A questio da aplicabilidade coloca-se, pois, igualmente Para os Tempos dos Preitos, que corre editado, desde © século XVIII, pelo abade Correia da Serra no Tomo V da Colecgao de Livros Inéditos de Historia Portuguesa (pags. 448-453) e que Herculano reeditou nas Leges et Consuetudines dos Portugaliae Monumenta Historica G pags. 330-332). E, por maioria de razfo, para o Fuero Real, que conheceu duas edigées no nosso século (em 1946, devida a Alfredo Pimenta; © em 1982, gragas ao saber cri. tico do Prof, José de Azevedo Ferreira). E que o Fuero Real apresenta-se, por natureza, com cardcter localista, De feito, esse corpo legal, redigido entre 1252 € 1255, nfo foi promulgado com cardcter genérico, mas para integrar o direito local das comunidades que carecessem de foro e julgassem por faganhas!, arbitros e 1. Cir. infra, 0268, 189 costumes € por outras formas de justiga rudimentar. Nesta qualidade supletria foi ele outorgado como foro municipal a varios lugares (¢ num ou outro caso mesmo com interpo- lagdes, no sentido de acrescentos ¢ modificagdes, ou refun- dido com um foro antigo). Ora, 0 proémio do Livro I da versio portuguesa mantém precisamente o passo em que 0 cardcter local ¢ integratério vern expresso: «Porque os coracoes dos omees son departidos pore naturalmete natural cousa é que os entendime-Itos né as ‘obras non acordé en huu. E por esta raz6 aueen muytas descordias e — muytas contendas ant’ros omees. Vnde conuen a — todo rey que ha de teer os poobos en justiga e en dereyto que faa — le}es per que os poboos sabyd como an de uiuer e — as desa — /ueencas € os preytos que nasceré antr'elles seyd de — ipartidos de guisa que aquelles que mal faze receba pea e os boos uiuam seguramente en paz. E porende nos!/dé Affonso pella graga de Deus rey de Castella e de Tuledo e — de Leé e — de Gualiza e — de Seuitha e — de Cordoua e de Murca e de Beega e de Jahé e de Badalhouce e da Andaluzya, entédendo que muytas cydades e muytas uilhas e castellos de nossos reynos non ouneré foro ata o nosso tempo € juygass® per faga-inhas e por aluidros departidus dos ‘omees e — per usos des — /guysados e— sen—dereyto de — que uijd muytos danos e— muytos maees aos omees e— aos pobres e — a — todo o poboo, pedido — inos mercee que Thys enmendassemos os usus Seus que acha-/ssemos que er sen dereyto e — que — thes dessemos foros per que iulgassé dereytaméte des — aqui adeante, nos ounemos consello cli nossa corte e c6 os sabedores de dereyto ¢ demuslhys este — foro que é scripto eneste liuro per — que 190 s¢ juyge cdmunal-iment baroes e— molheres e mandamos que este foro seya aguardado per todo sempre. E nengux seya ousado d’ir contra el en nulla maneyra so pea do corpo e de quanto ouuer.» ‘A manutengiio do passo acabado de transcrever ¢ a ausén- cia de qualquer referencia a uma recepoao do Fuero Real como lei geral do pais parece indicar que: a) A versio portuguesa do Fuero constitui mera tradu- 20 particular, sem qualquer valor legal entre nés; ou b) Quando muito, a exemplo do sucedido em Castela, foi apenas integrar o regime jurfdico local — aqui o do concelho da Guarda. Esta segunda hipétese, porém, afigura-se pouco plau- sivel, visto que representaria um caso absolutamente iso- lado, Desconhece-se, na realidade, se 0 Fuero Real foi conferido como estatuto local no nosso pais a qualquer outro concelho. Importa salientar que nem da tradugao portuguesa das Flores, nem dos Tempos dos Preitos, nem do Fuero Real se conhece qualquer outro exemplar além do contido no manuscrito dos Fores da Guarda, 0 que parece tanto mais estranho quanto das Partidas subsistiram, como veremos, pnumerosos fragmentos. Apontaré, acaso, a circunstancia para uma tradugo meramente esporidica feita por algum jurista local? Para isso nos inclinamos. De qualquer forma, as dividas expostas militam no sentido de se proceder com as mais severas reservas quanto aos juizos sobre a influencia dos referidos textos no nosso pais, visto, por um lado, nfo termos provas da sua aplicabilidade e, por outro, da existéncia de um s6 191 exemplar parece dificil inferir algo sobre a respectiva difu- sao, considerada.em termos quantitativos. Se a respeito da difusdo e aplicabilidade em Portugal dos trés monumentos juridicos referidos parece legitimo © cremos aconselhavel proceder com bastante reserva, ja © mesmo nfo se diz quanto as Partidas, um dos padrées juridicos da Idade Média, «el intento de sistematizacién de derecho mas formidable en los tiempos medios», como escreveu Menéndez Pidal — isto a despeito de elas susci- tarem numerosas questdes que vao desde a da sua autoria ao inicio € processo da feitura e a sua vigéncia em Cas- tela. Admitido tradicionalmente que se tratava de obra de Afonso X e que a redaccfo das Partidas havia come- gado em 1256, pouco depois de terminada a do Fuero Real, accitavam-se também como datas provaveis do termo da elaboragiio da obra os anos de 1263 ou 1265 (nao faltando quem advogasse a existéncia de duas redacg6es, uma terminada naquela primeira data, outra, mais simplificada, na segunda). Em estudos de 1951 ¢ 1963, 0 Prof. Garcia-Gallo veio, ndo obstante, contestar quer a autoria — elas seriam produto de um grupo de ju- ristas do transito do século XIII ao século XIV, cujos nomes hoje se desconhecem —, quer o processo de elabo- racdo — ter-se-ia este prolongado no tempo, passando por sucessivas revisdes (chegou a admitir cinco) que se protrairam muito para c4 do reinado do Rei Sébio, Pole- mizando com 0 Prof. Arias Bonet, em 1976, Garcia-Gallo procedeu a uma revisao simplificadora da sua tese, mas mantendo essencialmente trés pontos: 1.° — Que a obra se deveria a um grupo de juristas da corte de Afonso X; 192. AWEE qEAIENG PALIH'30 osleaste que cuit sesay - Sina saqnel eee fWipeTeVED 11112 -PCAd-co due0 i mays pe ethic arbre hal Pagina do Fuero Real, ANTT. 193 2.° — Que dela houve varias redacedes; € 3.° — Que o processo elaborativo se estendeu para além do passamento do mesmo Afonso X, ocorrido em 1284, Mais recentemente (1981), 0 tema foi retomado ex pro- fesso pelo Prof. Jerry R. Craddock, que, debrugando-se Ptincipalmente sobre aspectos cronolégicos, intenta refutar as posigées de Garcia-Gallo, as quais, alids, haviam levan- tado adversativas de alguns historiadores, como Camacho Evangelista, Pérez-Prendes, Tomés y Valiente. Para além da cronologia proposta por Garcia-Gallo, Craddock recusa- -se a aceitar as teorias deste, porque supdem nos princi; do século XIV a actividade de uns eminentes génios juri cos totalmente desconhecidos, de cuja existéncia nao resta © mfnimo vestigio, sendo elas, por suposto, mera conse- quéncia légica do argumento: «se no mandou compor Afonso X as obras que levam o seu nome, deve té-las com- posto outro». De toda esta problematica interessa-nos destacar a exis- téncia de versdes diferentes das Partidas, o que os textos portugueses das mesmas evidenciam e reflectem também — € 0 facto de clas estarem permeadas de direito romano e de direito canénico. As Partidas circularam largamente em Portugal. O Prof. Avelino de Jesus da Costa encontrou onze fragmentos medievais das Siete Partidas em portugués e cinco em castelhano ao proceder ao levantamento dos fragmentos de cédices antigos nas bibliotecas ¢ arquivos do nosso pafs (sendo os primeiros relativos as Partidas I, II, I ¢ VIL © os segundos as Partidas II, Il, IV e VI). E com estes fragmentos nao se esgotam os conhecidos. Um fragmento 194 Beare = egos ee eee ean Sroutedany neon OE Ie Be Bley use “pole ote pes. a ‘cis po uemowts Rabat Sines sas opseme Melee fone commas Faprestrye ms neieoe ‘Versio Portuguesa das Siete Partidas (ANT). de tradugio portuguesa da Segunda Partida foi publicado por Pedro de Azevedo; um fragmento da Terceira (T. XVI, leis 37, 38, 39 ¢ 40, e T. XVI, leis 3, 4, 5 ¢ 6) foi dado a conhecer por Paulo Meréa; outro fragmento da Terceira Partida encontra-se em mios particulares; um outro ainda, contendo o T. XVIII, leis 59 (final), 60, 61 (inicio), 69 -(final) e 70, pertence ao arquivo paroquial de S. Joao de Souto (Braga); desta mesma Partida existe 0 texto com- pleto no ANTT. (n.° 3 do Fundo Antigo), que foi editado recentemente pelo Prof. José de Azevedo Ferreira, isto para nao falarmos j4 num fragmento galaico-portugués dado a lume em 1975 por José Luis Pensado. E também ponto geralmente aceite que as Siete Partidas foram glosadas e ja vertidas para a nossa lingua ainda em tempo de D. Dinis, visto o seguinte passo do testamento do cénego de Coimbra, Jofo Gongalves (1285): «tem quemdam librum de VIF" partibus glosatum per linguagem i.../ Item aliunt librum de VIP™ partibus glosatum per latinum.» Alguns quetem mesmo, mas sem razAo, que por este rei. A tudo acresce que, pelo menos da Terceira Partida, houve duas versées portuguesas diferentes. Sabe-se ainda que as Siete Partidas obtiveram aplicagio no nosso territ6rio com pre- juizo até da legislag&o canénica ¢ da legislacdo patria, ‘0 que suscitou os protestos do clero (Cortes de Elvas de 1361, OA., Il, 24) e dos estudantes da Universidade. Desses protestos resultaria, aliés, que tal aplicagdo era feita abusi- vamente ¢ A margem do poder. Nas ODD., porém, ao enumerarem-se «os casos da santa escriptura per que a egreia nom uall nem deue defender os que se colherem a ella», regista-se um — 0 sexto — do seguinte modo: «E com estas sentengas sobredicias acor- tos e outrosy a lley itij® da Primeira 195 Partida Titullo xb. E diz assy homens hia que nom deem ser emparados em na igreja. E os podem ende sacar sem coima nhita, assy como os ladrées manefestos pubricos que teem os caminhos...>. Uma Gltima observacio sobre a influéncia das Partidas: Nas OA. encontram-se leis copiadas do Cédigo castelhano de forma integral. BIBLIOGRAFIA — 1. 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BONILLA Y SAN MARTIM, Obras dei Maestro Jacobo de las Leyes, Jurisconsulto del Siglo XUi, pud. port, Madrid, 1924, SECGAO II DIREITO OUTORGADO E PACTUADO cartas de privilégio entendem-se, em sentido lato, docu- mentos que atribuem prerrogativas, liberdades, franquias ¢ isengdes de qualquer ordem, mas, em sentido estrito, com aquela nomenclatura, designam os historiadores documen- tos que, embora de indole muito diversa, tém como denomi- nador comum a circunstancia de tragarem um regime juri- dico especifico para certo territério ou certa comunidade, isto é, uma disciplina propria e diferenciada. Consubstan- ciando um regime particular, as cartas de privilégio pos- suem Ambito delimitado que possibilita diferencid-las da lei, a qual contém, ao menos em principio e no sentido modemo, uma regulamentagao geral e abstracta. E enorme a variedade das cartas de privilégio, nelas se contando, pot exemplo, a carta de liberdade de uma popu- lagdo (charta libertatis ou liberationis), a carta de doagao (charta donationis), isto 6, a carta de concessdo de uma terra, a carta de franquia (charta franquitatis). Nelas se 201 incorporam também e habitualmente as cartas de povoa- 40, 08 forais ¢ foros, nao obstante e quanto as primeiras Jesiis Lalinde Abadia contestar que se thes possa aplicar tal designagao em sentido proprio. 58. Cartas de povoagio — A carta de povoagdo (em latim, charta populationis; em castelhano, carta puebla ou caria de poblacién) visava atrair habitantes. para certas zonas — escassamente povoadas ou despovoadas (erma- das). monarca, um senhor ou a entidade que exercia a autoridade sobre territério nessas condigdes fixava na carta de povoagao conjunto de normas definindo o estatuto dos futuros colonos, especialmente quanto as condicdes de. exploragao da terra ¢ tendo, pois, em primeira linha, uma fisionomia essencialmente econdmica. A{ se estabeleciam quais as prestagdes_patrimonais (cdnones) ou_pessoais a que 05 povoadores ficavam obrigados, e os modos de detengdo ¢ ligardo a terra. Eduardo de Hinojos cartas de povoagao, colectivos, vindo a ideia contratual jd afirmada, Martinez Marina. O cardcter contratual das cartas de povoagdo tem, nao obstante, sido impugnado nos nossos dias. Peréz-Prendes contesta, implicitamente, o contratualismo das cartas de povoacéo, 20 escrever que «sio comparaveis a leges dictae romanas», Tomas y Valiente, por seu tumo, argui contra a qualificagao das cartas de povoacdo como contratos agrarios colectivos dois argumentos basicos: 1.° As cartas de povoagao em geral nao costumam adoptar a forma contratual, representando antes um acto unilateral do para expressar a natureza das_ ‘ou a férmula contratos agrdrios is, desde 202 senhor, 2.° De qualquer forma, ostentam sempre aquilo que Font Rius chamou «a sua dimensao normativa» — «o seu cardcter de estatuto ov conjunto de-condigdes. que regerao as relagdes de assentamento ¢ cultivo».e «que afectam © obrigam nfo s6 aos primeiros povoadores (que acaso tivessem intervindo na negociagao das condigdes), mas também aos que no futuro se incorporem no lugar». Conexamente com estas reservas, Toms y Valiente observa ainda que a carta de povoagiio, «enquanto nticleo da relago senhorial, colocava os povoadores debaixo da dependéncia pessoal do senhor, com o que o contetido de tais cartas excedia a esfera juridica privada e afectava a situagio juridico-pablica do homem, do senhorio, submetido desde © seu assentamento na terra a relagdes de sujeigdo e servigo a favor do senhor», ‘Tem de reconhecer-se que, em geral, a carta de povoa- gdo constitui acto unilateral ou outorgado unilateralmente, revestindo até, como diz Lalinde Abadia forma imperativa © apenas raramente assume, a partida, cardcter de pacto (foedus); tem de reconhecer-se, igualmente, que a carta de povoagdo contém regras para futuro; e € de reconhecer, por Ultimo, que eias entram no dominio da disciplina senhorial. Tudo isso nao obsta, porém, A sua natureza contratual e assim que, aqui, como aliés, noutros pontos versados neste capitulo, se possa falar em relagao pactuada. E hoje corrente a incluso na érea dos contratos daque- Jes actos em que se oferece genericamente a todos, presen- tes ou futuros, um modelo apresentando um conjunto determinado de cldusulas, que os interessados tém liberdade de aceitar ou ndo, mas apenas na totalidade, através de uma manifestago inequivoca de adesio. E nem interessa que nfo exista a liberdade de discussao ¢ fixagio do contetido, 203 pois a esséncia do contrato nao reside tanto na liberdade de estipulagdo, como na autonomia da vontade, a qual é dado regular os seus interesses como melhor entender e, por isso, ajustar-se ou no aos modelos que Ihe séo propostos. Por outro lado, no ha irredutibilidade necessdria entre © aspecto negocial ¢ 0 aspecto normativo. O negécio |juridico (que é 0 contrato) e a norma colocam-se em planos iferentes e, portanto, séo susceptiveis de articulagdes diversas. Assim, do contrato podem resultar efeitos nao meramente individuais, mas também genéricos. Tudo visto, as cartas de populagdo assumem 0 cardcter simulténeo dos chamados contratos de adesdo € dos cha- mados contratos normativos. 59, Forais — Com as cartas de populagdo se confundem, por vezes, as cartas de foral ou forais (forum em latim; em castelhano fuero breve), pois a linha diviséria entre estes dois tipos de documentos nao 6, frequentemente, muito nitida e a terminologia aparece também flutuante. Nao fal- tam casos em que os documentos vém autoqualificados como cartas de povoagdo ou como forais, quando os histo- riadores, em muitos desses casos, invertem a nomenclatura. Quer isto significar que a qualificago a si propria outor- gada pelos documentos ¢ a qualificagio historiogréfica nem sempre se encontram de acordo, Serve como exemplo de quanto se diz 0 documento emanado do Mosteiro de Lorvao para 0 povoamento das vilas de Santa Comba e de Treixede (era de 1140) que se intitula carta de povoagio (Carta ‘morum populatorum ou carta moris habitatorum sive popu- latorum) e que, modernamente, os editores do Livro Preto da Sé de Coimbra identificam como foral. 204 Em regra, os forais so mais extensos que as cartas de povoagio e abarcam também maior ndmero de matérias. ‘Aqui reside, certamente (embora com possivel grau de subjectivismo), 0 elemento diferenciador bisico, nfo pro- cedendo 2 definigtio de foral apresentada por Herculano, que via neste a carta constitutiva, de un municipio. Real- gente, certos municipios preexistiam as cartas de foral e, algumas vezes, foram outorgadas a localidades que nunca chegaram a lograr existéncia juridica como municipios. Enquante o cere das cartas de povoagao se restringe as condigdes de assentamento na terra — regime agricola local e relagSes entre o senhor ¢ 0 habitante —, os forais contém, para além disso, preceitos ou disposigdes de direito processual, militar, fiscal, penal ¢ administrative (abrangendo a organizagéo local e a competéncia ¢ atribui- des dos respectivos magistrados), Nao faltam, também, embora quantitativa e qualitativamente menos importan- tes, regras de direito privado, com prevaléncia para as instituigdes sucessérias e familiares. ‘As varias normas que integram os forais tém, ou podem ter, origens muito heterogéneas: nas cartas de povoagao ¢ outras cartas de privilégio — em certos casos reproduzidas mais ou menos integralmente —, nos costumes ¢ no direito judicial (incluindo as faganhas), nos foros de outras locali- dades, no direito comum, no direito prudencial... De algu- ‘mas destas realidades nos ocuparemos em outra sede, bastando, por agora, vincar a pluralidade de origens das disposigées foraleiras ¢ que, como moldura, impde-se, sempre, considerar o direito geral, o qual funciona, aqui € yelativamente a elas, como direito subsidiario. Ou seja: no territério a que respeita o foral rege este, como direito especial ou particular, com prejufzo do direito geral, sendo, 205 todavia, 0 direito geral chamado a integrar as disposigdes foraleiras, sempre insuficientes ¢ lacunares. Esta € a regra. O problema da articulagaio entre as normas foraleiras e o regime geral surge!, todavia, com carActer problemético nos casos em que, dimanando 0 foral de um senhor ou outra entidade particular, nele se inserem estatuigdes de Ambito no local. Gama Barros observou, na verdade, que de alguns forais, adoptando aliés outros como modelo, resultam direitos para os vizinhos além dos limites do territério municipal. Assim, no de Sarzedas (de 1212), dado por D. Egidio e pelo arquididcono Plagio, dispde-se que os moradores nao pagardo calinia em todo o reino sendo de acordo com esse foral e que 0 gado da terra no pagar montado em nenhuma terra mais. «E 6bvio», es- creve Gama Barros, «que tais concessOes e outras de igual natureza, se as entendermos realmente extensivas a todo 0 reino, nao cabiam no poder do senhor da terra». Para o grande historiador, os comandos acabados de refe- tir ¢ outros da mesma indole hdo-de entender-se restritiva- mente — quis-se apenas significar que valiam quanto as outras terras do senhor espalhadas pelo reino — ou represen- tam, 140-86, 0 decalque mecnico de um modelo, estando destinadas a ser mera letra morta, isto é, a ndo aleancarem aplicagio, A segunda parte da alternativa parece-nos mais cutial ¢ accitavel, desde que salvaguardemos os casos em que o foral obteve confirmagio régia. De facto, poderé entiio ser essa precisamente a razfio da interveng&o do monarca. Os forais cram outorgados quer pelo monarca — hip6tese mais usual —, quer por um senhor eclesidstico (por exem- plo, o foral do Porto de 1123, que foi concedido pelo bispo 1. Ch infra, n? 206 D. Hugo) ou um senhor secular (como o de Semancelhe de 1124, o de Num&o de 1130, o de Arganil de 1175), quer ainda por uma instituigfo religiosa (estiio nesta situagio, o de Ferrcira de 1156, 0 de Redinha de 1159, os de Tomar de 1162, 1174 e 1176, os de Pombal ¢ do Castelo da Foz do Zézere de 1174, todos oriundos de uma ordem militar)!, Além do senhor, intervinham, igualmente, outras pessoas para dar maior forga e validade ao acto. Assim no jé refe~ tido foral concedido ao Porto pelo bispo D. Hugo figura 9 clero local a dar o consentimento — «dono et concedo cum consensu clericorum nostrorum et consilio proborum» —, roborando-o e confirmando-o outros bispos; ¢ nos forais de Sernancelhe e Numio sio outorgantes, com o senhor, os filhos deste, o mesmo sucedendo em muitos forais régios, em que, com o monarea, actuam os descendentes, a outor- gar e confirmar. Também nos das ordens militares, além do mestre, intervém os respectivos freires?, Em certos casos, os forais senhoriais ou eclesiésticos, para maior fitmeza, vém confirmados pelo monarca, a mulher e mesmo seus filhos. No de Numio lé-se: «Ego Alfonsus IL dei gratia Port, Rex una cum uxore mea Regina domna Vrraca et filiis nostris Infantibus domno Sancio et domno Alfonso et domna Alionor concedo et confirmo firmiter vobis populatoribus de Nomam istud forum ed istam cartam quam Fernandus menendiz uobis fecit», Os forais de uma primeira fase encontram-se redigidos em latim vulgarizado, isto é, alheio a toda a sintaxe classica € com bastantes corruptelas, de alguns se tendo, porém, proce- dido, mais tarde, a tradugao em romance (nomeadamente, os forais de Soure 1111, Penela 1139, Tomar 1162, de Lisboa 1.Vsingha,n 191, 2. Cit infra, n. 185 # 190. 207 1170, Tomar 1174, Santarém 1179, Lisboa 1179), Numa se- gunda fase, passaram a ser redigidos na nossa lingua. Os forais podem arrumar-se segundo certas categorias. Assim: 1) por um lado, haveria que distinguir entre os forais régios € os particulares; 2) por outro lado, costu- mam éles classificar-se pelo respectivo molde ou matriz; 3) Herculano e Torquato de Sousa Soares separam-nos ainda olhando & maior ou menor complexidade da institui- go conceihia; 4) € possivel também alinhé-los tomando em conta o grau de originalidade. Foi Gama Barros quem, partindo da origem dos forais — régia ou ndo régia —, procurou tragar uma distingao quanto ao seu contetido relativamente a posse da terra. Esta era enitegue com natureza hereditéria, mas nos forais das terras da Coroa as relagdes entre 0 concedente € © concessio- nario aproximam-se do regime do censo reservativo, a0 Passo que nos demais casos assumiam 0 modelo da enfi- teuse. Quer dizer: ali a terra é cedida com a simples reserva de certa pensfio ou prestacao periddica safda dos seus frutos ou rendimentos; aqui dé-se o desmembramento do dominio directo e atil da terra. Quanto ao segundo critério, toma em linha de conta a circunstancia de existirem famtlias.de.forais, resultantes de alguns terem-servido de padrdo ou tipo. Os outorgantes, muitas vezes por simplicidade, pela forga de condiciona- 10s de varia ordem (politica, social, econémica, geo- grffica...), por deliberada intengéo unificativa, limitavam- se a dar a uma terra o foral de outra, Desta forma, so frequentes os forais tipo Santarém, Salamanca e Avila (ou Evora). Herculano, classificando os concelhos em rudimentares, impérfeitos e perfeitos e Torquato de Sousa Soares em 208 rurais, urbanos e distritais, conforme a simplicidade ou complexidade das estruturas locais, fornecem correla- tiva ¢ implicitamente uma tipologia e uma classificagio foraleira!. Quanto 20 Gltimo ponto, os forais agrupam-se em trés espécies: origindrios, ampliativos e confirmativos. 60. Foros, costumes ou estatutos municipais — Com as cartas de povoagdo € com os forais («fueros breves») devem ser aqui referidos os foros, costumes ou estatutos muni- cipais («fueros extensos»), Consoante resulta da propria opo- sigo de qualificagdes, os foros municipais desde logo se separam dos forais pela extenso ou dimensdo. Contém um acervo de normas muito superior em quantidade aos forais. Por vezes, alinham-se centenas de rubricas, no raro di buidas por capitulos, 0 que revela inquestiondvel intuito abrangente e de sistematizaciio. Esse aspecto de tendéncia abarcante 6, alids, também visivel na circunstincia de nos estatutos se inserir muito maior némero de disposigdes de direito privado © que cobrem uma gama mais vasta de areas. A presenga do direito privado aparece tio nitida nes- tes documentos que Alexandre Herculano chega a acautelar a tal respeito. Escreveu ele, nos Portugaliae Monumenta Historica, que «ndo consistiam, as vezes, exclusivamente num complexo de regras de direito privado» e julgou seu dever lombrar que «os limites enire este e 0 direito piiblico eram incertos, ou antes, no existiam cientificamente». De qualquer forma, importa vincar bem que, ainda aqui, se no encontra compendiada a totalidade da disciplina juridica 1. Oth. infra, n° 167, 209 relativa ao territério a que se aplica o estatuto municipal. Martinez Marina definiu os estatutos municipais como cadernos de leis civis, criminais, politicas, administrativas e processuais outorgadas aos municipios para sua constitui- go € governo. Sc, pelo que toca & pluralidade de zonas englobadas na ordenagao juridica da comunidade, a defi- nigdo de Martinez Marina 6 verdadeira e até reveladora, ja no procede, contudo, no concemente & origem dos esta- tutos. Paulo Meréa, recordando o conceito de Martinez ‘Marina, observou, com razio, que ele nao se adapta a todos 08 casos. «Hi estatutos», sio palavras suas, «que nfo foram Propriamente outorgados, resultando da reunido de diferen- tes fontes de direito local empreendida pelo proprio con- celho. A par de normas consuetudindrias, encontram-se nos costumes ou foros regras derivadas de origens menos incer- tas € mais recentes: tais so as que provieram de delibe- rages das assembleias populares do concelho, as posturas dos magistrados, as que tém por base faganhas dos juizes municipais, etc.» E em nota acrescenta que os cadernos municipais «inserem muitas vezes o foral propriamente dito e leis gerais», Em tudo isto, Meréa, alias, apenas subs- creve e reedita a visio herculaniana do assunto, expressa nas palavras que o grande historiador exarou a propésito na Divisao II das Leges et Consuetudines dos PMH.. Se os foros, costumes ou estatutos se perfilam relativa- mente aos forais, pela sua dimensio, deles se separam ainda epocalmente, visto, entre nés ao menos, surgirem mais tardiamente. As recolhas sub judice datam dos finais do século XIII ou mesmo do século XIV. Mas se a compi- lagdo dos estatutos apenas se verifica entio, neles se registaram normas muito anteriores. Afloram nos foros municipais reminiscéncias e prolongamentos dos antigos 210 ordenamentos que se sucederam ou sobrepuseram na Peninsula e, em particular, no territ6rio que hoje nos cor- responde: de direito romano, de direito germnico, de direito mugulmano... Em regra, os historiadores do direito ressaltam neles especialmente as repercussdes do direito germanico. Institutos como 0 co-juramento, ou a penhora extrajudicial, ou a vinganga privada, ou a perda de paz sto invocéveis a titulo exemplificativo!. ‘Também para os foros municipais, por causa do paren- tesco entre alguns deles, se fala de familias, resultantes, em grande parte, da comunicagdo dos costumes ou levando a tal comunicagio entre territérios diversos. Garcia-Gallo, que 4 matéria dos foros municipais dedi- cou larga atengio, disceme, a nivel peninsular, quatro reas dentro das quais se distribuem as varias familias de foros extensos: a atagonesa-navarra, a da Estremadura-leonesa, a da Estremadura-castelhana ¢ a catalé. Pelo que toca a Por- tugal, interessa-nos sobremaneira a da Estremadura-leo- nesa, a que pertencem os foros de Cima ou Ribacoa, Sio estes, quatro — o de Castelo Bom, o de Alfaiates, o de Castelo Rodrigo e o de Castelo Melhor, os dois primeiros redigidos em latim barbaro e os demais em vulgar. Estes foros, estudados entre nds especificamente por Luis Lin- dley Cintra, foram mais recentemente objecto de inves- tigagtio de Martinez Diez (1971) — o dltimo insere-os na «familia de Ciudad Rodrigo» por considerar 0 foro desta Jocalidade a base ou origem dos foros de Estremadura- -leonesa: Alfaiates, Coria, Castelo Bom, Castelo Rodrigo, Castelo Melhor, Caceres ¢ Usagre. Ciudad Rodrigo, que terA constituido 0 texto modelo ou 0 centro da famtlia dos 1. Cit. inf volume sujeltamte aos Grupos Sociais ¢ Contenido do Direlto, 21 foros tefetida, teve, de facto, um foro extenso, redigido posteriormente a 1190 e com mais de uma versio desapare- cida. Diversa 6, porém, a opiniéo de Garcia-Gallo. Em seu entender, os mencionados foros proviriam, talvez, de um, igualmente desaparecido, foro de Avila. Ainda em sede de foros municipais, tém os historiadores portugueses vincado e lamentado 0 escasso nimero de que ha noticia quanto ao nosso territério. Herculano que, no seguimento dos Inéditos da Academia das Ciéncias, os reu- niu nos PMH., realgando 0 seu valor — considera-os dos «monumentos histéricos que melhor nos fazem conhecer, além das relagées juridicas da vida civil, as usangas, habi- tos e ideias, o grau de civilizagao moral e material do primeiro periodo da nossa Idade Média» —, anota, porém, que diminutos pelo nimero os que nos restam, «nem por isso eles deixam de ter pertencido a uma vasta porgio do territério habitado nos primérdios da monarquia>. 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Assim, na versio castelhana das Partidas aparece como «derecho 6 fuero non escrito que han usado los homes largo tiempo», texto a que corresponde na versio portuguesa da Primeyra Partida (Tit. 2, Lei 4); «Custume ou foro he dereyto que nd he scripto o qual hd usado de longo t@po os hom@s...». 215 E na lei de Afonso IV proibindo aos filhos de algo a pratica da vindicta contrapde-se 0 costume a0 direito escrito, dizendo-se que nfo somente o acoimar era con- tra «custume antigo» como «ainda seeria contra dereito scripto» (LLP, 287). Neste conceito alargado de costume caem mesmo certas aportagdes cuja verdadeira natureza as fontes ndo deixam entrever claramente (doutrinal? judicial?): «he dereito per cantorem elborensem e custume», «he custume per ipsum cantorem alborensem e de dereito», «he custume ipsius cantoris», «he custume per magistrum Julianum, e per magistrum petrum» (LLP., 103 ¢ 104). Para os recuados tempos da nossa Idade Média, os moder- nos historiadores do dircito tém, com frequéncia, presente attiltima significacgo. E o caso do Prof. Guilherme Braga da Cruz. Costume designa, quer: 2) tudo quanto representa uma formagdo espontinea do direito; guer: b) toda ‘a norma juri- dica formada por qualquer modo que nfo pelo processo legislativo. Portanto, e de acordo com semelhante entendi- mento alargado, 0 costume abrange 0 diteito de criagdo nao intencional e ou o direito nao escrito. 62. Causas do prestigio do direito consuetudinario. Ambito de aplicagdo — Tomando o costume sobretudo no sentido restrito (¢ ainda mesmo em sentido amplo), afigura-se verdadeira, em termos gerais, a proposi¢do de habito enunciada pelos historiadores de que ele é, no periodo da fundacdo da nacionalidade ¢ nos tempos direc- tamente subsequentes, a fonte juridica por exceléncia. A sociedade da Reconquista nesses tempos distantes reveste, em nao poucos aspectos, caracter bastante rudimentar. 216 E. 0 costume surge, exactamente, no quadro das fontes como a mais antiga delas, portanto como a que corresponde aos estadios de civilizagao material mais lineares. S6 adquire mesmo pujanga onde no exista um aparellio de autoridade, administrativo ou burocratico, relativamente forte ¢ larga- mente desenvolvido. E que, além do mais, ele resulta de uma pritica confirmada e criada espontaneamente pelos membros da comunidade, obrigados.a auto-ordenarem-se. Dai, cor- responder, na esséncia, ao sentimento natural desta. S6 de tal forma se explica a observancia uniforme da conduta {elemento objectivo) ¢ a ideia generalizada do caracter obri- gatério da regra que tal adopgtio pressupde (opinio neces- sitatis ou elemento subjectivo). Porque traduz 0 sentimento comum do meio social, o costume tem, aliés ¢ frequen- temente, por base a zradigdo. Daqui, o duplo interesse aos olhos do historiador para 0 corhecimento e compreensiio do passado, O costume é na origem, pelo mesmo cardcter esponténeo que o catacteriza, um processo de formagdo juridica oral. Quer isto dizer, que surge com 0 cardcter infixo ou flu- tuante, com a fluidez de tudo quanto é meramente verbal. Por isso, era preciso prova-lo, Em tempo de Afonso UI legislou-se mesmo sobre o modo de o demonstrar: «como deve seer provado 0 Custume» é um dos capitulos do tem- po deste monarca que integram «os custumes E a hordena- om que [...} ffez nas Suas audiencias E no rregno» (ODD., 123). E para evitar as incertezas que decorrem do préprio proceso de revelaco do costume se procurou, muitas vezes, fixd-lo por escrito, ‘A redugio dos costumes a escrito feita com indole mera- mente privada, como simples colectanea particular, nao Ihes retira caracteristicas especificas. Na medida, porém, 217 em que se trata de consagrar 0 costume através de outra fonte perde ele a sua idiossincrasia para se diluir em norma diversa, pelo menos quanto a obrigatoriedade. Por isso, os costumes recolhidos nas cartas outorgadas ¢ pactuadas, nfo espontaneamente assumidos, ¢ pelo le- gislador — «Costume foi d’antigamente usado em estes Regnos em tempo dos Reyx que ante nds forom e ainda achamos que foi escripto no nosso Livro de Chancellaria em tempo d’EI Rey Dom Affonso o Terceiro» (OA., IV. 13. pty ¥. também: IV. 14. pr); «Em @ nossa Chancellaria foi ‘achado hum custume escripto em tempo d’EI Rey Dom ‘Affonso o Terceiro...» (OA., IV. 33. pt.) —, permanecendo direito consuetudinario quanto a proveniéncia titima, so j4 do prisma da ratio vinculat6ria algo distinto ou, pelo Tenos, em parte algo distinto, Numa lei de D. Afonso V lé-se: «El Rey Dom Affonso o Terceiro [...} fez Ley en esta forma que se segue. Custume he que [...] E visto per nds 0 ‘dito custume tornado em Ley, como dito he, declarando acerca delle, dizemos...» (OA., TV. 105. pr., 1. © 2.) A pri mazia do costume no quadro das fontes jurfdicas do primi- tivo direito portugués tem de ser olhada dentro dos para- metros apontados, cujos tons se devem acentuar com © transcurso do tempo. Se 0 costume, a medida em que vai sendo acolhido noutras fontes, perde o cardcter especifico para assumir, total ou parcialmente, a feigdo destas quanto a obrigato- tiedade, vai também, ndo obstante, adquirindo generali- zagdo crescente. Por um lado, resulta isso da comunidade de costumes decorrente das familias de forais e estatutos. Por outro lado, do ambito de aplicagaio mais ampla das fontes de absorgiio — como a lei. 218 Pigina das Ordenagbes de D. Duarte em que foram reduzidos a escrito varios costumes 219 Ao dizer-se que o costume vai adquirindo generalizagao crescente de forma alguma se pretende contestar — bom € acentud-lo — que ele mantém, ndo obstante e em larga medida, cardicter restrito ou particular. Para além da norma consuetudindria comunicada ou outorgada a nicleos ou territérios diversos dos originais e do costume a nfvel do pais — «Custume he geeral» (LLP., 92 ¢ 224), «he dereyto e huso e costume geeral dos meus Reynos» (LLP, 187), «em todallas parte de noso Regno» (ODD.., 44), «costume de meu reyno» (ODD., 102), «custume jeerall da cassa rel rrey E do rreino» —, temos costumes citcunscritos, quer geografica- mente — «Custume he de lixboa», «segundo o Custume de lixbda> (Cortes de Santarém, 1331), «custume he da corte del Rej» (ODD., 79), «Costume he de ssobre mar» (ODD., 85), «Custume he em Cassa del rrej mais nom alhur» (ODD., 119) — quer, facto no menos revelador, a certos grupos, sociais e étnicos. Numa lei de D. Dinis alude-se aos «bods custumes, que som antre os Filhos d'aigo» (OA., V. 101. 1.). E na confirmagio do mosteiro de S. Joao de Tarouca feita por D. Pedro I afastam-se, com a lei feudal, os «custumes dos fidalgos de espanha». 63, Requisitos do costume — Tema de que se ocupa- ram largamente os autores medievais foi o do némero de actos necessarios para se gerar 0 costume. Acirsio e Baldo diziam ‘indispensaveis dois actos, mas postulavam, com alguma contradigao, a frequéncia destes; Bartolo e sequa- zes, por seu tumo, deixavam a questo ao arbitrio do juiz. De qualquer modo, os glosadores eniendiam que, além.do nimero de actos, em matéria civel se devia levar em consi- deracdo 0 transcurso do tempo, isto €, a antiguidade. 220 Baseia-se a ideia de que o costume hé-de ser antigo ou prescrito numa falsa analogia entre ele ¢ a prescrigdo, que néo interessa aqui discutir. A tal respeito, basta lembrar a observagio de um grande iuris-historiador, Joaquin Costa, a respeito do costume: que ele se subtrafa a acgiio das leis diolégicas, tinha de nascer perfeito, maduro, velho, «como nem sequer nasceram na fébula Vénus e Minerva». De qualquer modo, todavia, era o ensinamento do direito romano, traduzido em mais de um passo do Digesto— cos~ tume antigo observado por muitos anos, costume diutur- no («longa consuetudine per annos plurimos observata», «diuturna consuetudo») — ¢ das Instituigdes («diuturni mores»). Como vimos, também as fontes can6nicas exi- giam, entre outros requisitos da norma consuetudindria, que fosse legitimamente prescrita («legitime prescripta»). Quanto aos grandes doutores ¢ juristas medievais, discutiam o sentido da férmula «annos plurimos». Azo! ¢ Actrsio? fixaram o nimero de anos em dez e vinte, conforme contra presentes ou ausentes, Jodo André e o Panormitano optaram por dez anos, visto o costume se originar no povo, o qual se considerava presente de forma constante. Dez anos e vinte anos eram também, sem especificagao, os prazos estatui- dos nas Partidas (P. 1, Tit. 2, Lei 5), Nas fontes juridicas portuguesas deparam-se-nos formas como: «custume antigo» (LLP., 287) «custume antijgo» (ODD., 44); -ecustume antigo en purtugal en tempo del Rey nosso padre e dos ourros Reis que dantel foram» (LLP., 286); «costume usado (...) per longos tempos...» (ANTT., Gav. Il, mago 5, no 1); «Custume que senpre no noso tempo E dos nosos antecesores foy guardado per quarenta anos» (LLP,, 428); 102. Chr infra, n? 75. 221 «Custume geeral he que a meméria dos homees nom he em contrario...» (OA., IV. 73. 1.); «Foy costume antigo em tempo de nosso padre E aynda ora Nosso...» (ODD., 421). Cumulativamente com a antiguidade, requeria-se_a racionalidade, ou seja, a conformidade do costume com a razdo, Deduzia-se isso de um rescrito de Constantino e de uma decretal de Gregério IX. Também as Partidas dispunham, no passo jé assinalado, que ele deve obedecer Adereyta razé. © consenso da comunidade (consensus communitatis) era, igualmente, othado como condigio essencial da norma costumeira; os partidarios deste requisito (S. Raimundo de Pefiafort, por exemplo) argumentavam que 0 povo quem introduz 0 costume, pelo que se requer o consentimento da maioria. A partir de Jofio André, 0 animus ou consensus populi € qualificado como causa eficiente do costume. Bar- tolo designa-o como «causa proxima». Ora 0 consensus populi obriga ao conhecimento do costume que, por vezes, & publicado, tal como a lei, De certo costume imemorial, escrito nos livros da Camara de Lisboa, dizem as Orde- nagées Afonsinas: «E esto he estabelicido e acustumado de longo tempo, por se averem de tirar brigas, e contendas antre as pessoas, e por bod pagamento. E foi poblicado no Paago do Concelho da Cidade de Lixboa em Juizo perante Affonso Martins Alvernaz Alguazil geeral em a dita Cidade, estando hi Lopo Affonso das Regras Procurador do Concelho da dita Cidade, que fez poblicar o dito custume per mandado de Fernam Rodrigues, e de Pero Esteves, ¢ de Affonso Rodrigues Vereadores, e Regedores por ElRey em essa meesma Cidade polo dito Senhor, e 0 poblicou em Juizo aos vinte dias do mes d’ Outubro Era de mil e quatro- centos e onze annos» (OA., IV. 73. 5.)- 222 Com os decretalistas requer-se também o consensus legis: Jatoris, que pressupde conhiecimento consciente do costume ¢ aprovagdo yoluntiria, excepto se o costume for legitima- mente prescrito (legitime praescripta). O consensus commu- nitatis € 0 consensus legislatoris podiam coincidir, quando comunidade pertencia a potestas legis condendae’. Por sobre tudo quanto se vem referindo, o costume tinha de ser ajustado a lei de Deus, ao direito natural e a utilida- de publica®, ‘Nio obedecendo aos requisitos apontados era o costume julgado nfo como bom, «mays danameto del ¢ de toda a Justiga», para empregar uma formula da versio portuguesa das Partidas, N&o era costume direito — derecto custume (LLP, 287). 64, Valor juridico do costume — A articulacio do consensus communitatis com 0 consensus legislatoris coloca-nos perante o problema das relag6es entre o direito costumeiro ¢ o direito legislado, tema que se insere na problemitica mais vasta do valor ¢ da posigao do costume dentro do quadro das fontes juridicas da época, De acordo com 0 Decreto de Graciano (D: 1. c. 5), que reproduz @ Tigdo de Santo Isidoro, o costume vale como lei na falta desta («pro lege suscipitur cum deficit lex») ¢ mais de uma decretal refere-o como o melhor intérprete da lei ou como confirmador dela, no faltando as que She atribuem igual forga. Algumas destas formulagdes obtiveram, alids, expresso acolhimento nas fontes portuguesas medicvais, onde 0 costume figura expressamente reconhecido como 1.Cir. supra,n2 52,2, Cf. supra, n,° 39 e infra, 223 direito: «Custume he e des hi he dereyto» (LLP., 28, ODD., 140 e 141, 216), «he custume E de direito (ODD., 112). «Qum (ou Quoniam et) consuetudine, que pro lege suscipitur» eis uma fSrmula que aparece em documentos de Sancho I, e mais tarde regista-se a férmula: «Consue- tudine approbata quae pro lege suscipitur». Esta segunda fOrmula faz depender o valor do costume da aprovacio, isto €, do consensus legislatoris, alterando essencialmente a sua forca intrinseca. Numa lei de D. Afonso IV faz-se declaraggo de uma outra anterior devida a D. Dinis, afir- mando-se «que per custume antigo esta Ley foi entendida e praticada de certa guisa» (OA., 23.) E na versio portuguesa da Primeira Partida, porém, que se depara o tratamento mais completo sobre a matéria. Ai se 1é que © costume vale apenas quando observe os requisi- tos exigidos. Entao, «pédesse tornar @ fforo, sol que seia co acordo dos da terra ou com mandamento do ssenhor» (P. 1, Tit, 2, Lei 6). Também pode integrar o foro nas suas lacunas, corrigi-lo ou mesmo revogé-lo, quando, sendo o mesmo ante- rior A norma consuetudinéria, «ouvesse en elle mjgua ou erro ou outra cousa ta ssem rrazé por que deuesse a seer des- feito» (idem). O foro, por seu tumo, se «he fejto como conue de bod uso e de bod custume ha 1d gra forga que sse torna ao f@po assy como ley per que sse manté os homes e uiué huiins c6 outros en paz e en justica» (P. 1, Tit. 2, Lei 8). Frisando a necessidade de os homens acatarem as leis, diz a Lei 11 do jé mencionado Titulo 2 da Primeira Partida: «Pero per o huso e o custume pod? mjguar dellas ou tlo]ihe-lhas de todo segundo de susso dissemos. Outrossy como quer que estes dereytos se torné d'huit en outros assy como en saindo do uso custume, e fforo do custume, e do foro ley, ¢ en descendendo da ley foro, e do 224 foro custume e do custume vso. Todavia a ley ha estas onrras assinaadas demays que estas outras ca depoys que @ ley he feyta ha de seer foro conselheyro e pubrica Outrossy rregebe en ssi custume pera seer custumada pera sempre. E outrossy deve seer custumada pera sempre. E outrossy deve seer husada por que en outra maneyra nd sse poderya aprofeytar della as gentes.» O tratamento conferido pelas Partidas & posigao do cos- tume relativamente & lei configura j4 sintomaticamente a Tinha tendencial de subalternizagéio daquele, que se ira sem- pre acentuando, no plano doutrinal como no plano dos factos, embora niio sem retrocessos momentaneos. A tal respeito é ilusteativo quanto se passou relativamente ao costume de acoimar e as providéncias legislativas de Afonso IV, 65. Direito. costumeiro e direito judicial — Problemética que suscita opiniGes dispares ¢ a das relagdes entre o costume € 0 direito judicial, ou seja, 0 sector juridico-normativo emergente da actividade judicial, da actividade dos tribunais, enguanto definem os casos concretos que Ihes sao subme- tidos ou em que se tém de pronunciar. Em suma: a acgao criativa do direito pelos tribunais. O que hoje se refere como jurisprudéncia (termo, como jé se viu e adiante de novo se ‘vera, historicamente susceptivel de confusdes). Reportando-se, exactamente, as sentengas judiciais do primeiro perfodo da monarquia, o Prof. Guilherme Braga da Cruz assevera que elas apenas dificilmente podem ser olhadas como fonte juridica de carécter auténomo. «Na verdade essas sentencas (da ctria ségia, dos tribunais muni- 1. Che infra, n# 113, 225 cipais e dos tribunais arbitrais), apesar do peso que pos- suiam no estabelecimento de correntes jurisprudenciais @ de se revestirem por vezes — pelo menos, de faclo — de forga vinculativa para a deciséo de casos similares, eram sempre tidas ¢ havidas, tdo-somente, como uma definico autorizada de costumes anteriormente vigentes ¢ no como um modo auténomo de criar diteito novo», escreve o Prof. Braga da Cruz. E o eminente historiador do direito asseve- #Walfida: , agora oyredes todos a mui gran fagannalque ali mostrou a virgen») ow na tradugdo galega da Crénica Geral («das facayas antigas»). No campo éa hist6ria do direito, porém, 0 exacto 231 aleance do termo faganha foi objecto de opinides diver- gentes, que José Anastasio de Figueiredo se deu ao trabalho de recolher e criticar numa das Memérias de Literatura Portuguesa, Para Duarte Nunes de Leo — seguido nomea- damente por Rafael Bluteau —, faganha «he hum juizo sobre algum feito notdvel, e duvidoso, que por authoridade de quem o fez e dos que 0 approvardo, e louvardo ficou dell hum direito introduzido para se imitar, e seguir como ley quando outra vez acontecesse». Jorge de Cabedo (c na esteira dele Bento Pereira), por seu tuo, atvibui-lhe, para além da ideia de comando (determinagéo) proveniente de um caso notdvel, a acepAo de opinido altercada, Finalmente, D. Ro- drigo da Cunha vé na faganha «hum fal, e tam generoso feito, que assi pela estranhesa e valor com que foy obrado, como pela authoridade da pessoa, que obrou, ¢ daquellas, que lowvaraé e celebrarad, mereceo ¢ alcangou hum prudencial Juyzo de ser tido, e avido por ley, onde concoressem iguaes, ‘ou semelhantes circunstancias. De maneira que ndo seja Faganha, 0 juizo, que ao feito illustre se segue, se nad 0 mesmo feito, ¢ accad, a quem segue o juizo, que pelas fontes dade nasceo, ficou como em ley, e determinagiio». Trés foram, pois, os significados conferidos, até José Anastdsio de Figueiredo, palavra faganha em contexto juridico: a) Juizo sobre acgdo notfvel que fica como padriio normativo para o futuro, por virtude da autoridade de quem o praticou ou aprov. 4) Opinio altercade ou controvertida; ©) A propria acco de que decorte o jufzo. Partindo do enquadramento conceptual das faganhas na Terceira Partida, Tit. 22, Lei 14 («Como non vale el juizio 232 que es dado so condicion, o por fazafas»), José Anastasio de Figueiredo sustentou, no obstante, que as faganhas efam sentengas que valiam ndo s6 para o respectivo pro- cesso onde eram pronunciadas, mas para todos os outros semelhantes, por: a) Serem decisdes régias; 4) Se tratar de casos duvidosos ou omissos na legis- lagdo patria, E do seguinte teor 0 passo das Partidas invocado por José. Anastésio: «Outrost dezimos que non deve valer ningit juyzio que fuesse dado por fazakas de outro, fueras ende si tomas- sem aquella fazafa de juyzio que el Rey ouvesse dado. Ca estonce bien puede julgar por ella: porque la del Rey ha fuerga e deve valer como ley en aquel pleyto sobre que es dado, en los outros que fueren semejantes». A este passo equivale, aliés, na versdo portuguesa da Terceira Partida (Tit. 22, Lei 14: «Como né val o juizo que he dado so cadigé ou por faganhas»), que pertencen ao Convento de Santo Antonio da Merceana e que se encontra no ANTT.: «Outrossy dizemos que nd deve valer n® huu juizo que fosse dado por exépro doutro saluo sse recétasse ‘aquel eyxemplo do juizo que lly ouvesse dado elRey enta se podya julgar per el porque o juizo delRey ha forca e deve valer como ley em aquel sobre que he dado ¢ nas outras que forem semelhantes del>. Ou seja: para Figueiredo, a facanha retira a obrigatoric- dade da sua natureza régia, enquanto para Duarte Nunes a respectiva forga vinculativa decorre da autoridade do agente do feito ¢ dos que o acreditam; a fuganha gera-se para aquele nos casos duvidosos, no exigindo necessaria- 233

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