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Desafio Tentador

SOUTHERN SEDUCTION

Alexandria Scott

Do desejo à sedução
Brooke Hammond atravessa o Atlântico, determinada a fazer progredir a
fazenda que herdou na Louisiana. Existe apenas um obstáculo em seu caminho, um
homem arrogante e diabolicamente encantador chamado Travis Montgomery,
proprietário de metade da herança. Se Travis se casar e tiver um herdeiro no prazo
de um ano, a fazenda será dele... a menos que ele se case com Brooke. Seduzir
Travis e depois dispensá-lo deveria ser algo simples, mas o desejo alucinante que
ele desperta em Brooke representa uma inesperada complicação...
Travis transformou as terras abandonadas de seu pai numa fazenda
produtiva, e mulher alguma irá apossar-se de sua propriedade. Tem início, então,
um desafio de vontades na qual a tentação e beijos apaixonados são as armas
escolhidas, e a entrega, o prêmio final. Mas para dois oponentes ferrenhos, vencer a
batalha poderá significar perder aquilo que mais importa para ambos...

Revisão: Aline: Disponibilização: Dani: Digitalização: Marina


Copyright ©2007 by Alexandria Scott
Originalmente publicado em 2007 por Kensíngton Publishing Corp.
PUBLICADO SOB ACORDO COM KENSINGTON PUBLISHING CORP.
NY,NY — USA
Todos os direitos reservados.
Todos os personagens desta obra são fictícios. Qualquer semelhança com
pessoas vivas ou mortas terá sido mera coincidência.

TÍTULO ORIGINAL: SOUTHERN SEDUCTION


EDITORA Leonice Pomponio
ASSISTENTES EDITORIAIS Patrícia Chaves Silvia Moreira
EDIÇÃO/TEXTO Tradução: Cecília Rizzo
ARTE Mônica Maldonado
MARKETING/COMERCIAL Andréa Riccelli
PAGINAÇÃO Ana Beatriz Pádua

Copyrigh © 2010 Editora Nova Cultural Ltda.


Rua Butantã, 500 — 9 andar — CEP 05424-000 — São Paulo - SP
www.novacultural.com.br
Impressão e acabamento: Prol Editora Gráfica
Prólogo

Cortesãs alçaram das mais diversas origens a posições de grande poder,


independência e riqueza.
Algumas tornaram-se a nata cobiçada de Londres. Controlavam a própria
vida e a de outras pessoas.
A maioria abraçava a vida que levava e não queria mais nada. Por outro lado,
havia mulheres como Brooke Hammond, que não ambicionavam nada disso.
Logo no início, sua intenção não era tornar-se meretriz, contudo a vida
resumia-se num jogo de sobrevivência e isso era exatamente o que Brooke estava
fazendo...
Sobrevivendo na esperança de que uma vida melhor aparecesse.
E então, finalmente, sua chance surgiu.

Capítulo I

Brooke Hammond, Shannon McKinley e Jocelyn Rutland, de uma forma ou


de outra, eram sobreviventes. Em pé no tombadilho ondulante do Flying Lady, as
moças viam a costa americana aumentar de tamanho e imaginavam que aventuras
as aguardavam naquela terra.
Uma suave brisa morna soprou os cabelos de Brooke em seu rosto. Ela tirou
o chapéu e os prendeu atrás das orelhas. Não que adiantasse muito, a menos que
ela se mantivesse na mesma posição junto à grade do navio.
Brooke relanceou o olhar para as amigas que a ladeavam. Estavam quietas
demais. Imaginou se elas não diziam nada por medo de despertar do sonho
maravilhoso de um novo início de vida.
Brooke não permitiria que nada as impedisse de seguir em frente. Ela e as
amigas não eram mais as moças ingênuas que haviam sido, aguardando,
esperançosas, homens que lhes mudassem a vida.
Bem, talvez Shannon ainda acreditasse que lá, em terra firme, havia alguém
especial para ela, porém, era escocesa o que explicava suas noções românticas. E
que homem não haveria de querer Shannon com sua alva pele macia e seus
lindíssimos cabelos castanho-avermelhados?
Mas Brooke não acreditava no amor. Pelo que tinha visto, homens e
mulheres usavam-se mutuamente a fim de obter o que desejavam. E se uma mulher
não tivesse dinheiro via-se forçada a depender dos outros. Lembrava-se muito bem
de como era vagar pelas ruas de Londres sem ter um lar e não contar com dinheiro.
Tal recordação ainda a fazia estremecer. Sabia o que era ser pobre e não queria
nunca mais passar por tal experiência. Também não desejava depender de alguém
para suprir suas necessidades. Ia construir algo na vida e jamais permitiria que
homem algum se interpusesse em seu caminho.
Na adolescência, alimentara visões de amor verdadeiro, mas não por muito
tempo. Logo as tinha descartado, forçada pela realidade. Muitas vezes a vida não
tinha sido como esperara, mas agora, seria. Esta era sua oportunidade de um novo
recomeço.
Brooke suspirou quando um bando de gaivotas passou voando e grasnando,
trazendo de volta sua atenção ao presente.
— Eu gostaria tanto que vocês duas fossem comigo para Nova Orleans —
murmurou com um olhar tristonho para as amigas.
As três tinham convivido nos últimos anos e se davam muito bem. Seria triste
não contar mais com elas a fim de conversarem como faziam todos os dias.
— Eu adoraria conhecer a fazenda, mas concordamos no início da viagem
que cada uma de nós encontraria seu caminho — Shannon comentou em seu
carregado sotaque escocês. — Mas foi muito simpático por parte do sr. Jeffries
arranjar trabalho para mim numa chácara.
— De fato. E nós concordamos — Jocelyn aparteou. — Pelo menos vocês
duas sabem para onde vão e o que farão. Eu, por outro lado, não faço a mínima
idéia do que possa me interessar. Espero que exista, em algum lugar daquela
cidade, empregos respeitáveis para moças — murmurou ao apontar para a silhueta
distante de Nova York. — O sr. Jeffries me deu o nome e o endereço de um
conhecido seu que talvez possa me ajudar. Mas não aceitarei favores. Pretendo me
sustentar e ser independente.
Brooke sorriu. Jocelyn era sua amiga mais antiga. Tinham se conhecido no
internato da escola e a simpatia mútua surgira no mesmo instante. Sem dúvida,
Jocelyn não acreditava mais no amor. Das três era a única que tinha experimentado
esse sentimento. E o que ganhara com isso? Um coração partido e a expulsão da
casa dos pais. Então, ela havia ido procurar o tio, Jackson Montgomery que a
recebera na própria casa onde ela e Brooke se reencontraram.
Depois que Jackson Montgomery, duque de Devonshire, entrara na vida de
Brooke tudo havia mudado. Jackson tinha percebido logo que ela não levava a vida
que tanto desejava. Ora, quem gostaria de iniciar a fase adulta como cortesã?
O duque a mantinha numa casa na cidade adquirida especialmente para ela.
Mas Jackson não era como os outros homens que ela havia conhecido. Tinha sido
seu amigo sem jamais mencionar relações sexuais. Era como se de alguma
maneira ele intuísse o que havia de bom em Brooke e queria protegê-la. Quando ele
acolhera as sobrinhas Jocelyn e Shannon que regulavam de idade com Brooke,
tinham se tornado uma verdadeira família, as moças unidas pela amizade.
Jackson prometera que deixaria Brooke e as outras duas moças bem
amparadas. Antes de morrer havia passado para o nome de Brooke sua fazenda
americana e dinheiro suficiente para as três deixarem a Inglaterra e iniciarem uma
nova vida nos Estados Unidos. O mais admirável era ter incumbido o sr. Jeffries,
seu procurador, de acompanhá-las na viagem e a se instalarem no novo país.
Brooke se surpreendera por Jackson ter cumprido a promessa. Segundo sua
experiência as pessoas não agiam assim e, portanto, ela não tinha alimentado
esperanças.
Shannon sacudiu seu braço, trazendo-a de volta ao presente.
— Onde estará o sr. Jeffries? — perguntou e, depois, comentou: —
Ultimamente você parece estar sempre sonhando acordada.
Brooke esboçou um sorriso.
— Eu estava me lembrando do duque. Ele era um homem tão especial e
maravilhoso.
— E também um excelente tio — Jocelyn acrescentou.
— Não posso dizer a mesma coisa sobre minha tia. Eu ainda era pequena
quando ela foi embora e, por isso, não me lembro muito dela.
Brooke franziu a testa e disse:
— Pensei que ela tivesse morrido. Jocelyn olhou para Shannon.
— Você se lembra dela?
— Não. Só sei que ninguém mais falou sobre tia Bárbara. Talvez tenha
morrido. Mas nosso tio se tornou um homem mais feliz sem ela.
Jocelyn concordou com um gesto de cabeça.
— Quanto a Jeffries eu não o vi mais desde o café da manhã. Ele disse que
tinha de terminar os preparativos para a viagem de nós duas até Nova Orleans —
Brooke informou.
— Não foi ótimo o sr. Jeffries nos acompanhar desde a Inglaterra? Não tenho
certeza se uma de nós três saberia o que fazer sem ele. Talvez tivéssemos ficado
no porto de Londres vendo o navio partir sem nós — Jocelyn comentou.
— Tolice! — Brooke exclamou. — Sem dúvida teríamos descoberto o navio
certo. Mas as instruções de Jackson era para Jeffries nos acompanhar. Ele me
contou que herdei uma fazenda e nós três tínhamos dinheiro suficiente para a
viagem. Isso sem mencionar que cada uma de vocês duas recebeu mil libras para
iniciar a vida nova. Creio que Jackson alimentava a esperança de que nós três
fôssemos para Moss Grove. Ele ignorava como as sobrinhas são independentes. —
Ela sorriu.
— Por algum motivo Jeffries recebeu instruções para não ler o testamento
inteiro até chegarmos à fazenda Moss Grove.
— Estranho — Shannon disse.
— Também achei — Brooke opinou. — Porém, será mais fácil para mim se
Jeffries me apresentar aos serviçais da casa. Estou bem aliviada por contar com a
companhia dele. A América é um país obscuro e só sei o que li a seu respeito.
Também li alguns livros sobre plantações de algodão para me inteirar um pouco
sobre a vida onde o cultivam.
— Fez bem — Shannon concluiu. — O homem esforçou-se bastante para
providenciar minha viagem. — Sorriu. — Imaginem, vou ser governanta de duas
crianças. Pelas descrições, são adoráveis.
Brooke lhe dirigiu um olhar divertido.
— Além de ser ainda um tanto criança, o que você sabe sobre elas?
— Muito pouco — Shannon admitiu. — Mas se sei tratar homens e suas
manias infantis, então, quanto a crianças, é apenas uma questão de tamanho.
As três riram, embora sentissem uma ponta de tristeza, pois a convivência se
esgotava enquanto o navio seguia em frente.
— Sabe, às vezes tenho a impressão de que você vai embora para a selva —
Jocelyn comentou.
— Bem, o Território do Texas deve ser muito diferente, mas isso é o que me
atrai. Quero ver aqueles cowboys de perto — Shannon admitiu.
Uma batida forte fez as três se firmarem na amurada enquanto o navio se
chocava contra uma plataforma de madeira. Elas olharam por sobre a amurada e
viram o porto criar vida com trabalhadores correndo de um lado para o outro,
agarrando cordas a fim de prender o navio e gritando instruções para os
companheiros.
As ruas que conduziam ao cais estavam cheias de carroções e bancas de
frutas, cujos vendedores ofereciam sua mercadoria. Os carroções enfileirados
aguardavam que a carga do navio fosse desembarcada. E muitas carruagens
esperavam pelos passageiros.
— Vocês terminaram de arrumar seus malões? — Brooke indagou e, ao ver o
sinal afirmativo das amigas, acrescentou:
— Nesse caso acho melhor ir buscar minha bolsa. Eu as encontrarei no cais.
Enquanto se dirigia à cabine que as três compartilhavam, ela reconheceu que
não estava tão confiante quanto parecia. Na verdade, sentia-se excitada e
amedrontada ao mesmo tempo. O que não fazia sentido.
Sentiria muita falta das amigas, pois eram as únicas pessoas que a
compreendiam. Estavam a par de suas experiências e também haviam vivenciado
períodos de solidão. Porém, tinham direito a gozar as próprias vidas, e ela lhes
desejava toda a felicidade.
Brooke ergueu o queixo, forçando-se a ter coragem. Não se permitiria ficar
triste nesse dia, pois afinal tinha um futuro promissor pela frente.
Depois de pegar a bolsa, Brooke voltou ao tombadilho e viu que alguns
passageiros já tinham desembarcado, inclusive as amigas e o sr. Jeffries. Apressou-
se a ir juntar-se a eles.
O homem já havia providenciado duas carruagens, uma para Brooke e outra
para as amigas. No momento, ele acompanhava a acomodação dos malões no topo
dos veículos. Jeffries não era um homem alto. Os cabelos dele, ou o pouco que lhe
restava, já estavam grisalhos. A calvície dominava o topo da cabeça, mas nos lados
os cabelos ainda eram fartos. Como sempre, ele exibia um colete cinzento e camisa
branca.
Jeffries virou-se quando Brooke os alcançou.
— Senhoritas Shannon e Jocelyn, reservei acomodações para ambas no
Block House, um bom hotel e também abri contas para as duas no First National
Bank em Nova York. Assim, já poderão sacar o que precisarem.
— Como o dinheiro chegou aqui? — Brooke indagou.
— Antes de falecer, o duque me fez vir à América para cuidar disso. Creio
que ele as ouviu conversando sobre a vontade de virem para cá. Bem, agora vou
deixá-las à vontade para se despedirem. Lembrem-se de que ficarei neste país por
uns seis meses. Se precisarem de mim, telegrafem para Moss Grove e Brooke
saberá como entrar em contato comigo.
Shannon e Jocelyn sorriram, agradecidas e, depois, o abraçaram.
— Ora, ora, nada disso — Jeffries protestou. — Afinal, é meu trabalho.
Brooke olhou para as amigas, tentando memorizar cada detalhe de suas
feições. Temia que acabassem se esquecendo uma das outras.
Shannon era a menor das três, mas seu temperamento exaltado de ruiva
compensava o tamanho diminuto. Seus cabelos brilhantes a destacavam em
qualquer grupo de pessoas. Uma vez Jackson tinha contado a Brooke que o pai de
Shannon, quando embriagado, costumava espancá-la. Talvez essa fosse uma das
razões para ela ser temperamental.
E havia Jocelyn. O que Brooke podia dizer a respeito dessa amiga que
brilhava ao irradiar energia íntima? Seus lindíssimos cabelos negros emolduravam
um rosto escultural e delicado. Sua postura elegante levava Brooke a desejar
também possuí-la.
— Bem, está na hora de dizermos adeus — murmurou. Ouviu a voz falhar e
ao mesmo tempo em que abria os braços.
As duas amigas estreitaram Brooke num abraço apertado, que ela, ansiosa,
retribuiu. As duas tinham ocupado o lugar da família que ela não tinha. Ia sentir
muita falta de ambas.
— É apenas adeus por algum tempo — Shannon murmurou numa voz
embargada, enquanto as lágrimas corriam por suas faces. — Não me faça chorar.
Vamos combinar que nos encontraremos em Moss Grove dentro de um ano.
— Ah, que idéia excelente! — Jocelyn exclamou ao mesmo tempo em que
enxugava as próprias lágrimas.
Brooke tentou sorrir, porém também chorava. Com esforço, indagou:
— Vocês prometem que irão? Nada de desculpas?
— Prometemos — as duas responderam em uníssono.
— Muito bem — Brooke murmurou. — Também quero que me escrevam com
freqüência para que eu saiba como estão vivendo. Prometo responder as cartas.
Tornou a abraçá-las e, então, afastou-se fingindo que endireitava e saia, mas
ainda lutando contra as lágrimas.
— Agora, tudo que me resta fazer é descobrir como cuidar de uma fazenda.
Assim, terei um bom lugar para hospedá-las.
Shannon, de repente, sorriu.
— Temos certeza de que você conseguirá, pois sempre mostrou ser a mais
esperta e corajosa de nós três.
— Concordo — Jocelyn afirmou. — Não permita que ninguém a convença do
contrário.
Brooke ergueu os ombros e o queixo.
— Bem, com essa declaração de confiança, eu me esforçarei ao máximo.
Mas quero que ambas se lembrem sempre de onde já viveram. Contudo, o que
importa agora é para onde irão e como chegarão lá.
— Ela está começando a falar como mãe — Shannon protestou e riu em
seguida.
— Tem razão. Então, está na hora de irmos embora — Jocelyn afirmou.
Como não houvesse mais nada para ser dito, as duas moças subiram na
carruagem, e Brooke viu o cocheiro fechar a portinhola.
— Vocês vão sentir falta de meus conselhos — ela as avisou numa voz meio
trêmula.
Mordendo o lábio para não chorar, Brooke acenou um último adeus.
Se ao menos elas soubessem o quanto eu gostaria que ficassem comigo. No
entanto estou por conta própria e, por Deus, de uma forma ou de outra,
sobreviverei.
Capítulo II
A viagem estava próxima do fim. A animação de Brooke Hammond
aumentava, enquanto ela e o sr. Jeffries chegavam a Nova Orleans. Embora ela
apenas vislumbrasse trechos da cidade ao atravessá-la a fim de seguir para a
fazenda, apreciou o que via e esperava voltar tão logo já tivesse se adaptado à vida
no campo.
Brooke relaxou. Tinha sido uma viagem longa e cansativa, porém logo
chegariam.
A paisagem era bonita com árvores frondosas e plantações que o sr. Jeffries
tinha descrito como de cana-de-açúcar e de algodão.
Ela passou o lenço na testa. Havia notado a grande diferença no ar entre o
de Nova York e o de Nova Orleans. Ali havia uma certa umidade no ar que,
combinado com o calor forte, a fazia se sentir pegajosa.
A carruagem diminuiu a velocidade e Brooke viu, pela janelinha, os primeiros
sinais de que estavam prestes a entrar na fazenda Moss Grove. As reflexões
chocavam-se em sua mente.
Finalmente ela teria seu próprio lar, um que seria seu para sempre e não por
pouco tempo. Mais importante, ela seria a senhora da propriedade. Nunca mais teria
de depender da decisão de alguém. Um lar tinha muito mais valor para Brooke do
que dinheiro. Os anos passados no internato da escola haviam sido os mais
semelhantes à idéia de um lar.
Todos os seus sonhos estavam prestes a se realizar.
Ainda não era possível ver a mansão, uma vez que a carruagem seguia por
um caminho ladeado por árvores que a ocultavam. Mas a estrada de terra vermelha,
plana e sem buracos mostrava que a fazenda era bem cuidada. Ela só podia
imaginar como a casa seria.
Brooke admitia que gostava do que tinha visto da América, ainda mais em
comparação com os dias úmidos e frios da Inglaterra.
Nesse dia o céu estava lindo e sem uma nuvem, mas o calor era bem forte.
Ela ia levar algum tempo para se aclimatar. Talvez com a chegada do outono os
dias fossem mais agradáveis.
— As árvores aqui são muito diferentes e frondosas, não acha? — perguntou
ao sr. Jeffries que se sentava a sua frente.
Ele afastou a cortina da janelinha e olhou para fora.
— São carvalhos americanos. Crescem muito e ficam frondosos. Entre eles
também vejo algumas árvores da noz-pecã — explicou.
Brooke já tinha contado vinte dos tais carvalhos ao longo da estrada. Os
galhos entrelaçavam-se acima e deles pendiam chumaços de um cinza esverdeado
que ela nunca tinha visto antes.
— O que é aquela substância cinza esverdeada? — indagou ao apontar pela
janelinha.
— É o musgo espanhol, muito comum nesta parte do país. Ele se espalha
pelas árvores e pode absorver água equivalente a dez vezes o próprio peso. Eu o
acho muito bonito — Jeffries afirmou.
— Concordo — Brooke murmurou, dominada por uma sensação estranha.
Esperava que não fosse sinal de que algo sinistro a aguardava. Com esforço,
afastou tal idéia. Sem dúvida os serviçais receberiam de bom grado a nova senhora
da mansão.
Quando pensou que não conseguiria aguardar nem mais um segundo, uma
casa magnífica, em estilo campestre, surgiu. Era branca, de dois andares, com
pavilhões de apenas um andar de ambos os lados, ela assentava-se no centro do
caminho circular e era todinha sua.
Dez colunas brancas, como soldados a postos, alinhavam-se na frente,
acrescentando imponência ao conjunto. Uma sacada de ferro batido, sustentada
pelas colunas, ocupava toda a frente do segundo andar. E duas escadas curvas a
levavam até ela.
Brooke apenas podia arregalar os olhos diante da opulência que admirava.
— Vejo que está impressionada — o sr. Jeffries disse.
— Isto não se parece com nada que eu já tenha visto — Brooke murmurou,
temendo despertar de um sonho fantástico.
Como podia ter tanta sorte?
A carruagem parou diante dos degraus de entrada da casa. O cocheiro
desceu, abriu a portinhola e pôs a escadinha para que eles descessem.
Brooke mal acabava de fazê-lo quando um homem surgiu galopando em um
garanhão branco. Ela lembrou-se de um sonho da infância quando era capturada
por um príncipe atraente, montado num cavalo branco. Naturalmente o sonho tolo
tinha se apagado enquanto ela crescia e nunca mais se lembrara dele.
Até agora.
O homem que cavalgava em sua direção exibia uma aparência austera,
sentado ereto na sela. Parou a montaria a poucos passos deles, mas não disse
nada, dando mais um instante para Brooke observá-lo. Estava vestido para
cavalgar, mas não usava uma jaqueta como a maioria dos cavalheiros, apenas uma
camisa branca e calças pretas. Os olhos azuis faiscavam, então ele semi cerrou-os,
inclinou-se na sela e observou os recém-chegados, como se Brooke e Jeffries não
passassem de insetos para serem esmagados.
O sol ressaltava as mechas castanhas nos cabelos dele, um tanto compridos
demais e despenteados pelo vento, Brooke notou enquanto ele os observava.
Apesar da atitude de superioridade, a pele bronzeada pelo sol lhe dava um aspecto
jovial que ela considerou bem atraente.
Não devia olhá-lo com interesse, mas não conseguia evitar isso. Ele era, de
fato, muito bonito.
Na Inglaterra, os cavalheiros que conhecia eram sempre elegantes e, na
maioria, com idade para ser seu pai. Mas não esse aí.
Era atraente, ousado e quase lhe tirava o fôlego. Ela imaginava quem seria.
O capataz talvez?
— Jeffries — o homem resmungou, lacônico. Desmontou e atirou as rédeas
para um cavalariço que surgira correndo. — Recebi a notícia de sua chegada, mas
não esperava sua esposa também.
Brooke notou que o estranho tinha uma voz profunda e autoritária. Quase riu
alto por ele tomá-la como esposa de Jeffries.
— Travis, faz um bom tempo desde que o vi pela última vez. Sua aparência
está ótima — Jeffries disse ao estender-lhe a mão.
— A sua também — Travis afirmou e, então, olhou para Brooke. — Não vai
me apresentar a sua atraente companheira?
— Sem dúvida. Mas ela não é minha esposa. Trata-se de Brooke Hammond
a quem tenho o prazer de lhe apresentar.
Travis levou sua mão aos lábios e a beijou de leve. Mesmo assim, Brooke
sentiu um arrepio ao longo do corpo e seu pulso disparou ao ouvi-lo murmurar:
— Muito prazer, srta. Hammond. — Virou-se para o procurador: — Então,
presumo que ela seja sua noiva.
— De forma alguma e sim amiga de seu pai — Jeffries explicou.
Travis tornou a dirigir o olhar para Brooke, observando-a da cabeça aos pés.
Em seguida voltou a olhar para Jeffries.
— Meu pai? Lamento, mas não estou entendendo. Brooke custou a desviar o
olhar de Travis e acabou dirigindo-o a Jeffries.
— O pai dele? Por favor, explique quem é — ela pediu. Enrubescendo, o
procurador a atendeu.
— Deixe-me apresentar-lhe Travis Montgomery, filho de Jackson.
Brooke não pôde disfarçar o olhar de surpresa ao dizer:
— Jackson nunca mencionou que tinha um filho.
O que não acrescentou foi: Se contava com um por que deixou a fazenda
para mim?
Travis Montgomery a fitou com olhar gélido. Sem dúvida, tão aborrecido
quanto ela com a situação.
— Isso não me surpreende nem um pouco — afirmou e então, indagou a
Jeffries: — O que ela está fazendo aqui?
Brooke detestava ter de lhe contar, pois ele não ia gostar nem um pouco da
resposta.
A hora seguinte passou devagar, enquanto Jeffries tentava acalmar Brooke e
Travis que gritavam um com o outro. Nenhum dos dois tinha recebido bem as
notícias.
Parecia que a fazenda de Brooke apresentava algumas condições e uma
delas lhe dirigia olhares rancorosos por sobre a mesa da biblioteca. Ela havia sido
levada ali tão depressa que nem tivera tempo de observar o interior da casa. O
aposento parecia servir de escritório para Travis e estava tão sombrio quanto o
dono.
Como ele tivesse se virado a fim de murmurar algo a Jeffries, Brooke
aproveitou o momento para percorrer o olhar em volta na tentativa de descobrir algo
sobre seu adversário. O lugar, além de amplo, era bem mobiliado. Numa das
paredes havia uma estante repleta de livros. Com certeza Travis gostava de ler, ou
queria dar essa impressão. Uma lareira de mármore ocupava outra parede e, acima
dela, havia um retrato, pintado a óleo, de um cavalheiro de expressão severa que
Brooke não reconhecia.
O único lugar claro do aposento era diante das portas duplas e envidraçadas,
atrás da escrivaninha.
Seu olhar voltou depressa para o problema que enfrentava no momento,
Travis Montgomery, enquanto o sr. Jeffries tentava explicar-lhe que ela havia
herdade metade de Moss Grove. Então, ambos deveriam encontrar uma maneira de
resolver a questão e, para tanto, bastaria que ele prestasse atenção.
— Só sobre meu cadáver! — Travis gritou para Jeffries. Ele a fitou com um
olhar gélido na expressão de pedra.
— Isso pode ser arranjado! — Brooke exclamou também aos gritos.
Quem o arrogante mal-educado pensava ser ao se atrever a gritar com ela?
Preferia nunca tê-lo conhecido. Por que Jackson jamais havia mencionado o fato de
ter um filho? Pensar que, ao achá-lo atraente, ela o tinha comparado à lembrança
de seu príncipe? Pois esse homem podia ser o próprio demônio! A expressão firme
e rígida dele lhe dava a impressão de que o infeliz jamais cederia numa discussão.
— Saia de minha casa! — Travis ordenou numa voz surda, sinal de que mal
conseguia se controlar.
Brooke ergueu o queixo. Não ia se acovardar.
— Sua casa?! — o desafiou.
Esse homem, ou melhor, esse adversário não imaginava o quanto a
desconhecia. Se pensava que seus gritos a forçariam a ir embora, ele precisava
repensar sua estratégia. Não ia se deixar intimidar por ele, aliás, por homem algum.
No seu perfeito sotaque britânico, disse:
— Talvez você não tenha ouvido bem. A fazenda pertence a nós dois,
portanto, é melhor aceitar a realidade.
Ficou satisfeita por ele não ter nada para lhe responder. Travis parecia ser
uma pessoa que não apreciava perder qualquer coisa.
Ora, nem ela.
Em vez de falar, ele a encarou por um bom momento antes de dirigir o olhar
para Jeffries que, exasperado, sentava-se à cabeceira da mesa.
— Eu sabia que meu pai me odiava. — Com uma expressão estranha, fez
uma pausa. — Mas eu não calculava o quanto — acrescentou.
O procurador limpou a garganta antes de falar:
— Se ambos terminaram a competição de gritos, passarei a ler o testamento
de Jackson.
Paciente, Jeffries esperou que eles respondessem com um gesto afirmativo.
Então, Travis levantou-se e avisou:
— Antes, porém, preciso de uma bebida. Você aceita uma? — perguntou,
olhando só para Jeffries.
— Aceito — o outro respondeu, voltando a examinar os papéis.
Enquanto Travis se dirigia a um pequeno bar, Brooke falou:
— É evidente que seu pai nunca lhe ensinou boas maneiras. Ele parou, virou-
se e a encarou com um olhar rancoroso.
— Meu pai nunca se deu o trabalho de me ensinar qualquer coisa. — Ergueu
as sobrancelhas como se a desafiasse a fazer um comentário. Em seguida,
indagou: — Aceita alguma coisa, srta. Hammond?
Brooke sorriu apenas porque sabia que isso o irritaria mais. Então,
respondeu:
— Sim, obrigada. Eu apreciaria um cálice de xerez, por favor.
Ela viu a raiva brilhar nos olhos azuis de Travis antes que ele se virasse e
imaginou como seria apagar esse fogo e, talvez, domesticar a fera.
Travis Montgomery não fazia parte de seus planos quando ela iniciara essa
aventura. Não apenas a própria existência dele, mas a maneira como a fazia se
sentir. Ele lhe incendiava o sangue de várias maneiras. Mas se tentava intimidá-la
seria melhor que refletisse antes.
O duque nunca havia mencionado ter filhos, e Brooke não culpava Travis por
sentir raiva não só do pai, mas dela também. Sabia o que era ser rejeitada pelos
progenitores, mas isso não queria dizer que ela abriria mão de sua única chance de
ser feliz.
Observou-o enquanto ele servia as bebidas. A camisa de linho branco
esticou-se quando ele estendeu o braço para pegar uma garrafa de cristal. Um
homem mais alto do que a maioria, ele era rude, arrogante e atrevido, mas tão
interessante que lhe prendia a atenção, algo que ela não podia dizer sobre muitos
homens.
As mechas dos cabelos dele, avermelhadas pelo sol, acentuavam o
bronzeado da pele e o tornavam atraente. E isso não era bom. Brooke não queria
nada com Travis Montgomery. Não tinha mais interesse por homens, ainda mais por
aqueles que tentavam controlá-la.
Travis entregou-lhe o cálice com xerez e, depois, sentou-se.
Isto é mais do que eu esperava. Alguém para me servir, Brooke refletiu ao
aceitar a bebida.
Jeffries sorveu um gole do uísque, suspirou e então começou a ler os papéis
diante dele.
— "Eu, Jackson Montgomery, em meu juízo perfeito, declaro deixar em
herança minha fazenda em Nova Orleans para Brooke Hammond e meu filho Travis
Montgomery em partes iguais na esperança de que, juntos, possam administrá-la
com sucesso. Se depois de um ano continuarem solteiros e um deles desejar ir
embora, o outro poderá comprar sua parte."
Jeffries olhou de um para outro antes de continuar:
— "Espero que o nome Montgomery continue com meus herdeiros. Portanto,
minhas outras propriedades ficarão sob custódia até o nascimento de meu primeiro
neto. Exatamente isso, Travis. Posso vê-lo franzir a testa. Embora tenha convivido
pouco com você, eu lhe dei meu sobrenome e, quando você cresceu, providenciei
um lugar para você e sua mãe morarem. Peço que faça duas coisas: a primeira é
dar uma festa após duas semanas da leitura deste testamento a fim de apresentar
Brooke Hammond para seus vizinhos. Eu gostaria de lhe passar meu título, mas
como sua mãe e eu não nos casamos, isso seria impossível. Mas, conhecendo-o sei
que você não se importaria a mínima com o título."
Fez uma pausa e tornou a olhar para Travis e Brooke.
— "A segunda é que você aja de maneira certa, casando-se e tendo filhos
para que o nome Montgomery continue. Brooke será uma esposa perfeita e fará
com que minhas outras propriedades passem mais depressa para seu nome, bem
como o dinheiro. Seja bom para ela." — Jeffries suspirou e, então, acrescentou: —
"Há uma exceção." Brooke virou a cabeça e o encarou.
— O que?! Não tenho a mínima intenção de me casar com este homem ou
com qualquer outro — declarou, indignada.
— Não me recordo de tê-la pedido em casamento — Travis afirmou numa
voz cortante. — Tenho a impressão que a senhorita ludibriou meu pai — acusou-a e
dirigiu-se ao procurador: — Qual é a exceção que você mencionou?
Antes de continuar a ler, Jeffries tomou mais um gole da bebida. Estava
pálido.
— "Se meu filho quiser se casar com outra moça e tiver um filho, ou se sua
esposa engravidar antes do término do ano estipulado, Travis não terá de comprar a
parte de Brooke. A fazenda ficará apenas para ele e uma soma de dinheiro será
dada a ela a fim de poder ir morar onde desejar. Se não houver um filho então o
plano original de um comprar a parte do outro continuará válido."
— Que detalhes mais desprezíveis e ardilosos — Travis protestou ao afastar-
se da mesa. — Ele sabia muito bem que Moss Grove não podia prosperar sem a
renda de suas outras propriedades. Mas determina minha vida ao ponto de que eu
tenha de providenciar um herdeiro. Eu me surpreendo que ele não tenha vivido o
suficiente para poder estar no quarto e testemunhar a consumação.
— Em minha opinião, Jackson esperava que vocês dois encarassem a
situação de outra maneira. Talvez, com um pouco de tempo... Ora, vocês mal
acabaram de se conhecer — Jeffries comentou.
— A situação não é nem um pouco como eu imaginava — Brooke admitiu
meio sem jeito. — Vim de muito longe para descobrir que não tenho um lar. Duvido
de que algo mude com a passagem do tempo.
— Exatamente o que imaginava, srta. Hammond? — Travis indagou, mas
não esperou sua resposta. — Lamento o transtorno que enfrenta. Mas como pensa
que me sinto? Foi com muito suor que impedi a ruína desta fazenda.
Travis reaproximou-se, firmou as mãos na mesa e encarou-a.
— Mas vou lhe dizer uma coisa, srta. Hammond. Não permitirei sua
interferência na administração desta fazenda. Já que meu pai restringiu o uso do
dinheiro dele, não há nada com que possamos contar. Se nós não conseguirmos
que este corte da cana-de-açúcar seja um sucesso, perderemos Moss Grove e a
senhorita será co-proprietária de nada. Fui claro?
Foi como se ele tivesse atirado água gelada em seu rosto. Brooke empurrou
a cadeira para trás tão depressa que esta quase caiu. Dirigiu-lhe uma olhar frio e
esbravejou:
— Muitíssimo! Agora, deixe eu lhe dizer algo. Talvez você não goste disto
tanto quanto eu, mas tenciono tirar o maior proveito desta situação insustentável,
tornando a colheita um sucesso.
— E o que sabe sobre cana-de-açúcar?
— Não muito, mas posso aprender — Brooke admitiu, embora quisesse dizer:
É muito mais doce do que você.
— Então precisa aprender depressa, srta. Hammond, pois já estamos quase
na época do corte.
— Sra. Hammond, por favor — Brooke mentiu com facilidade.
Travis arqueou as sobrancelhas.
— E onde está o sr. Hammond? Ou mais surpresas me aguardam?
— Faleceu — Brooke respondeu e olhou para Jeffries, temendo que ele a
desmentisse.
Tão logo o navio partira da Inglaterra, ela havia decidido passar por viúva.
Assim não teria de explicar não ser mais virgem caso a situação exigisse.
Brooke notou que Travis não se dera ao trabalho de expressar condolências.
O homem irritante não era como os ingleses que ela havia conhecido. Não tentava
ser gentil.
— Já que somos parceiros, Travis, por que você não me trata por Brooke,
meu primeiro nome?
— Isso significaria que somos amigos, sra. Hammond — ele respondeu e
passou a dirigir a atenção a Jeffries. — Meu pai ignorava, mas estou prestes a me
casar. Minha noiva e minha mãe viajaram para o norte a fim de comprar o enxoval
de Hesione.
— Então, foi nisso que todo o dinheiro da fazenda foi gasto — Brooke
concluiu em tom de acusação. Travis a encarou mal podendo acreditar que ela se
atrevesse a interrompê-lo.
— Não que seja de sua conta, mas Hesione pertence a uma abastada família
sulista e de ascendência francesa. E possui sua própria fortuna. Mas saiba que o
dinheiro de que disponho não é suficiente para a fazenda enfrentar mais um ano
danoso. — Virou-se para Jeffries. — Como eu ia dizendo, vamos nos casar tão logo
ela retorne e um herdeiro estará a caminho sem demora.
Só passando sobre meu cadáver, Brooke quis gritar, mas controlou-se. Mal
contivera a surpresa quando Travis tinha revelado o noivado. Estava esperando
algum tipo de relacionamento de trabalho com o homem mal-humorado. A cada
instante surgia um novo obstáculo a sua frente.
A tal noiva tornava tudo mais urgente. Tão logo ela chegasse, Brooke tinha
certeza de que Travis apressaria o casamento. Imaginava se ele amava a moça ou
apenas seu dinheiro. Não podia imaginá-lo gostando de alguém. Parecia tão frio e
insensível.
Brooke tinha jurado a si mesma que jamais se casaria, mas se o casamento
significava manter a propriedade que acabava de receber, ela teria de repensar a
situação, uma vez que não tinha para onde ir. E sem dúvida não queria reassumir a
profissão deixada para trás. Aquela fazenda era sua esperança, salvação e futuro.
Ela não sabia como ia conseguir seduzir Travis e fazê-lo se casar com ela
antes que a noiva voltasse. Naturalmente, sabia como seduzir homens, mas com
Travis sua tarefa seria bem difícil.
Talvez, como acontecia com muitos homens, ele se deixaria persuadir a ser
infiel, caso estivesse longe de casa. Mas com a aproximação do corte da cana-de-
açúcar, ele não se afastaria da fazenda. Mesmo assim, ela precisava pensar em
uma solução.
Tinha de ser um casamento por interesse. Seu, claro.
Muitas possibilidades lhe ocorreram, frustração entre elas. Havia pensado
que suas lutas tinham ficado para trás, mas parecia que nada mudara. Seu futuro
ainda dependia da vontade de um homem.
Ao desembarcar do navio, tinha prometido a si mesma que seu passado seria
esquecido nesse novo recomeço. Iria se esforçar para levar uma vida feliz e
satisfatória. Mas agora, algo se interpunha em seu caminho: Travis Montgomery.
Suspirou. Seduzi-lo poderia vir a ser um grande desafio. Seu alvo parecia que
jamais cooperaria. Travis mal tinha lhe dirigido um segundo olhar. E, ao fazê-lo, fora
com expressão rancorosa. Agora, tudo o que tinha a fazer era transformar as
chamas furiosas em brasas de desejo.
Distraída, Brooke sorriu. Quando não estivera disposta a encarar um desafio?
Sua vida inteira tinha sido um.
Ora, quando tivesse terminado com Travis Montgomery, ele não saberia o
que o tinha atingido.
Ao vê-lo se dirigir para a porta, perguntou:
— Não vai nos mostrar nossos aposentos? Será que poderei escolher o que
desejar? Talvez a suíte principal?
Ela sabia que estava sendo maldosa, mas algo em Travis instigava sua
vontade de provocá-lo. Quem sabe queria apenas ver uma emoção disfarçada dele
além da expressão gelada exposta até o momento.
Travis não respondeu. Foi até a porta, abriu-a e gritou:
— Mammy!
Era assim que chamava a mãe? Grosseirão! Mas, ele havia dito que a mãe
tinha viajado!
Após um momento, uma mulher negra e atarracada apareceu.
— Oui, sr. Travis. Por que já está gritando ainda tão cedo? Então Mammy era
a governanta. Seu nome fez Brooke imaginar se ela não teria ajudado a criar Travis.
Pobre mulher.
— Por favor, conduza nossos hóspedes a seus aposentos. A sra. Hammond
ficará de maneira permanente. Seu quarto deverá ser o do fim do corredor, bem
longe do meu.
Ah, o limite foi traçado, Brooke pensou, satisfeita.
Travis estava deixando bem claro que não queria ter nada com ela. Dignou-
se a lhe dirigir um último olhar, mas com a mesma frieza exibida até então.
Brooke manteve-se em silêncio. Afinal, suas palavras poderiam ser usadas
contra ela. Melhor deixá-lo imaginar o que quisesse. Sabia que Travis faria o
impossível para expulsá-la da fazenda. Ela, porém, não tinha a mínima intenção de
ir embora.
Numa exibição de teimosia, ergueu o queixo e observou-o sair.
Muito bem, Travis Montgomery, eu gostaria muito de vê-lo tentar.
Capítulo III
Mammy aproximou-se de Travis, franziu a testa e olhou para Brooke que,
mais uma vez se sentiu como se fosse um inseto. A expressão de surpresa da
criada não mostrava cordialidade. Contudo, ela manteve-se calada até Travis se
retirar. Então, disse aos dois:
— Os senhores me acompanhem, por favor.
Mammy tinha um sotaque meio afrancesado. Sua pele, da cor de chocolate,
parecia mais clara que a de alguns escravos que Brooke tinha visto durante a
viagem para Lousiana. Mammy era de estatura avantajada, usava um vestido
acinzentado e um avental branco amarrado na cintura. Seus cabelos pretos
estavam penteados para trás e cobertos por um turbante branco. Usava ainda um
cachecol, também branco, em volta do pescoço, que fazia as vezes de gola do
vestido.
Quando chegaram à escada, o sr. Jeffries disse:
— Por favor, me dêem licença. Preciso trocar mais algumas palavras com
Travis. Depois, encontrarei meu quarto.
Brooke assentiu com apenas um gesto de cabeça e acompanhou a criada,
cujos amplos quadris balançavam ao subir a escada. Depressa descobria que havia
muitas coisas em Moss Grove que tinha de se habituar. E Mammy, que pelo jeito
dirigia a casa, era uma delas.
— Quantos aposentos tem a mansão? — perguntou a criada.
— Uns sessenta e quatro.
Pelo tom de Mammy, Brooke achou que ela não estava satisfeita com a
chegada dos hóspedes. Talvez fosse impressão sua por causa da recepção de
Travis e também do cansaço provocado pela longa viagem.
Quando chegaram ao segundo andar, Brooke olhou por cima da grade e viu
que Travis a observava da porta de entrada. Gostaria de saber o que ele estava
pensando.
Durante o encontro de ambos, ela percebera que Travis era exímio em
disfarçar o que pensava. Mas duvidava de que ele fosse capaz de sentir qualquer
forma de piedade. Melhor não saber o que estava pensando, pois não devia ser
nada agradável. Não importava o quanto ele estivesse mal-humorado, ela não se
acovardaria.
Prendeu-lhe o olhar, percebendo a raiva mal contida dele. Controlá-lo ia ser
um problema ao qual devia se acostumar. Deu de ombros. Afinal, tratava-se de um
homem, portando não estava muito preocupada. Controlar homens tinha sido sua
profissão. Em sua opinião, eles eram todos iguais.
Mesmo assim, continuou a conjeturar o que ele estaria pensando.
Travis observou a moça encantadora, agora sua sócia indesejável e inútil.
Refletiu se não estaria tendo um pesadelo e logo alguém o acordaria.
Era em seus sonhos que mulheres fascinantes apareciam e não em sua sala
de visitas. E Brooke Hammond era, sem dúvida, cativante. A aparência da pele era
perfeita, e os olhos, expressivos e eloqüentes, seduziam. Notou que ela, ao oposto
da maioria das mulheres, não lançava olhares recatados. Quase como um desafio,
ela enfrentara seu olhar.
Interessante. Então a moça é inteligente.
Ele quase gostou disso e teve de admitir que, além de linda, era mais alta do
que a maioria das mulheres que ele conhecia. Quanto tempo fazia que não ouvia o
nítido sotaque britânico que sempre o lembrava do pai e dos curtos períodos em
que haviam convivido?
Travis ergueu a cabeça e, curioso, encarou seu olhar de desafio. A sra.
Hammond o lembrava de uma leoa com sua cabeleira loira e aqueles raros olhos
castanhos com reflexos dourados. Algo lhe dizia que ela lutaria com muita garra
caso fosse provocada. Logo no primeiro encontro, ela lhe causara uma impressão
fulminante. Riu sem se importar que a sra. Hammond notasse. Tinha a firme
intenção de provocá-la antes de mandá-la embora.
Não importava o quanto Brooke Hammond fosse atraente, ela era capaz de
arruinar tudo o que ele havia trabalhado tanto. O pai fora bem atrevido ao pensar
que podia lhe escolher uma esposa sem nunca ter perdido um momento para
aconselhá-lo sobre o assunto. Jackson tinha apenas lhe entregado a fazenda com a
recomendação de torná-la lucrativa.
Travis abriu a porta e saiu de casa. Não sabia como, mas tinha de forçar essa
moça a ir embora de Moss Grove antes que Hesione, a "noiva ideal" que sua mãe
lhe arranjara, voltasse. Ele havia cortejado Hesione, filha de um preeminente advo-
gado sulista, porque seria a perfeita anfitriã para Moss Grove. Ela firmaria sua
posição na comunidade e se esforçaria para restabelecer as relações dele e da mãe
com o avô.
Finalmente seria aceito ali, Travis jurou. Não que se importasse, mas a mãe,
sim. Por causa dela, ele suportaria os mimos e caprichos de Hesione. Além do mais,
existia a opção de arranjar uma amante para mantê-lo satisfeito. Hesione não se
importava muito com a fazenda, mas era exímia no trato da sociedade. Isso lhe era
conveniente desde que ela ficasse fora de seu caminho.
Travis desceu os degraus do terraço, respirou fundo e tentou se acalmar,
enquanto olhava para o jardim e os canaviais mais além. O próximo corte de cana-
de-açúcar finalmente livraria Moss Grove, e a ele claro, dos débitos sufocantes em
que tinha encontrado a fazenda ao assumir sua administração.
Quando o pai determinara sua mudança e da mãe para Moss Grove, Travis
tinha jurado conseguir o sucesso da fazenda. A intenção era provar ao pai sua
capacidade para tal empreitada, mas Jackson Montgomery tinha morrido antes de
ele atingir o alvo. Maldito! E para piorar tudo, o velho esquisitão continuava a
torturá-lo da cova ao dar metade da fazenda a uma estranha. Ela não tinha direito a
nada.
O que essa moça fora para seu pai? Amante? Sem dúvida a sra. Hammond
era jovem demais para o gosto de um homem idoso. Ele calculava que Brooke devia
ter por volta de vinte anos e imaginá-la com seu pai lhe revirava o estômago.
Sem ter uma resposta, mas jurando que descobriria, Travis seguiu para o
estábulo. Decidiu esquecer a perturbadora sra. Hammond e enfrentar o trabalho,
embora admitisse que ela o alarmava. Mais uma razão para vê-la pelas costas o
mais depressa possível.
— Espere aí!
Travis virou-se e viu um ofegante Jeffries tentando alcançá-lo. Impaciente,
parou, imaginando que mais novidades o procurador teria para lhe comunicar.
Quando Jeffries o alcançou, tirou o lenço do bolso e enxugou a transpiração
da testa. Foi quando Travis percebeu que tentava descontar a frustração no
mensageiro quando deveria estar irritado com o pai. O pobre homem não tinha
culpa das ordens dadas por Jackson.
— Quero que você saiba o quanto lamento o falecimento de seu pai. Logo em
seguida, eu lhe mandei uma carta, avisando-o, e espero que a tenha recebido.
— Não recebi. Fiquei sabendo da morte de meu pai por outra pessoa. — Ao
notar a surpresa de Jeffries, continuou: — Deixe eu explicar o que aconteceu.
Travis lembrou-se de como ficara sabendo do falecimento do pai. Tinha ido
falar com seu banqueiro...
— Preciso lembrá-lo de que a última parcela da hipoteca da fazenda está
atrasada? — Harvey Midway indagou. — Admito que você recebeu uma fazenda em
ruínas e a tornou lucrativa. Entretanto, aquela terra vale muito e poderia ser vendida
com um bom lucro. Tentei entrar em contato com...
— Não quero qualquer ajuda de meu pai — Travis o interrompeu, e Harvey
levantou a mão.
— Por favor, deixe eu terminar. Ontem recebi uma carta do procurador de
seu pai, o sr. Jeffries.
— Conheço o homem — Travis afirmou.
— Bem, na carta ele informa que seu pai faleceu. — Harvey a pegou e disse:
— A data é de dois meses atrás. Por sua expressão, vejo que você não sabia.
Lamento muito.
Travis lembrava-se bem do rosto rubro e do embaraço de Harvey. Recordava
ainda que não tinha respondido. Naquele momento não estava seguro de como se
sentia. Acabara de saber que o pai havia morrido e deveria sentir algo, porém, isso
não ocorria. O homem nunca tinha lhe demonstrado nenhum sinal de afeto. Então,
como poderia ter esperado qualquer retribuição sua? Claro que muitos pais não
reconheciam filhos bastardos, e Travis devia ser grato por não ser seu caso.
O pai tinha providenciado seus estudos, mas apenas porque não havia
ninguém mais para continuar o sobrenome Montgomery. Então, o tinha mandado
para a América a fim de viver com a mãe e ficar fora do caminho, longe da esposa
de Jackson.
Ao dar-se conta de que não tinha dito quase nada a Jeffries, Travis terminou
a explicação:
— Desculpe. Eu estava me lembrando da conversa com Harvey, meu
banqueiro, durante a qual recebi a notícia. — Numa voz de frustração, acrescentou:
— Posso lhe garantir que não foi um dia agradável.
— Lamento muito. Meu assistente, com certeza, confundiu os endereços.
Você deveria ter recebido a carta antes dos sócios de negócios de seu pai —
Jeffries explicou.
Travis compreendeu que não tinha sido uma desfeita proposital, mas ainda
assim se sentia ofendido. Não sabia bem por quê.
— Só sei que meu pai jamais fazia algo sem segundas intenções. Minha
educação escolar só aconteceu depois de ele se dar conta de que eu era o único a
conservar o nome de família. Só então ele reconheceu meu nascimento e me
registrou com seu sobrenome. E agora, esse insulto, mandar a moça para cá. A ela
pertence a metade da fazenda. Qual teria sido a intenção dele?
— Não posso falar sobre esse assunto e apenas afirmar que seu pai a tinha
em grande consideração — Jeffries comentou.
— Isso ficou evidente, pois ele lhe deixou metade da maldita fazenda —
Travis esbravejou e virou-se em direção ao estábulo. — Vou verificar o canavial —
avisou por sobre o ombro. — Se quiser ver como Moss Grove está, mandarei
encilhar um cavalo para você me acompanhar.
— Quero, sim, obrigado — Jeffries respondeu, meio ofegante, enquanto
tentava alcançar Travis. — Viajei com a sra. Hammond e suas amigas. Elas são
damas adoráveis. Talvez você mude de...
Travis parou e o interrompeu:
— Que damas?
— Suas amigas. Embora se considerem mais como irmãs, notei. São muito
chegadas. As duas são sobrinhas de seu pai e, portanto, suas primas. Moraram
com seu pai por algum tempo.
Irritado, Travis exclamou:
— Não me diga que mais duas moças virão me importunar! Como se eu já
não tivesse aborrecimentos suficientes. — Num gesto nervoso, passou a mão pelos
cabelos. — Graças a Deus minha mãe não se encontra aqui. Ela entraria em
depressão e não me daria um momento de sossego.
— Não, de jeito nenhum. As moças se separaram em Nova York e cada uma
seguiu um destino diferente.
— Ainda bem — Travis disse em tom áspero, enquanto fazia um sinal para o
cavalariço encilhar outra montaria. Manteve-se calado até os cavalos ficarem
prontos. Por fim, não resistiu.
— Uma pena que a sra. Hammond não foi com elas. Depois de montar,
Jeffries declarou:
— Espero que você pense de maneira diferente quando conhecer melhor a
sra. Hammond. Ela é uma criatura adorável.
Travis soltou uma risada sarcástica e aconselhou:
— Não aposte sua vida nisso.

***

Indo à frente, Mammy seguiu por um longo corredor. Apenas o ruído dos
passos de ambas no soalho de madeira quebrava o silêncio. Ela dava a impressão
de não achar necessário interrompê-lo com palavras. Ao chegarem a última porta do
corredor, Mammy a abriu.
— Este é seu quarto. Acho que vai gostar dele.
Tudo emanava cheiro de limpeza e de cera com aroma de limão. Era uma
mudança estimulante do ar úmido do navio e do cheiro rançoso das tavernas e
carruagens usadas na viagem até ali.
Brooke relanceou o olhar pelo aposento espaçoso. Todos os móveis eram de
mogno escuro. Uma cama espaçosa, com dossel de renda branca ocupava o centro
do quarto, enquanto um sofá e duas poltronas cor-de-rosa ficavam diante da lareira
numa das paredes.
O quarto tinha sido decorado para uma mulher. Com certeza a noiva. O
quanto Travis se sentia apegado a ela? Amava a fulana, cujo nome Brooke não se
lembrava mais? Ele não parecia apaixonado. O amor tornava um homem mais
compassivo. Pelo menos os que ela tinha conhecido. Aliás, poucos. Tal qualidade
Travis Montgomery não demonstrava. Insensível foi a primeira palavra que ocorreu
a ela. Haveria um outro incentivo para o casamento iminente?
— Acomode-se aí e eu mandarei trazer seus malões, sra. Hammond.
Brooke tocou o braço de Mammy.
— Prefiro que você me trate por Brooke — disse, esperando receber ao
menos um pequeno sorriso. Engano seu. A resposta não passou de um gesto seco
com a cabeça. Porém, não ia desistir. — E como devo tratá-la? — indagou.
— Ora, por Mammy como todos nesta casa. Sua criada vai chegar logo? — a
mulher perguntou sem disfarçar o tom de desaprovação.
Brooke refletiu por um momento antes de responder. Dava-se conta de que
era tida como intrusa e, portanto, não queria se indispor com ninguém ali. Facilitaria
sua vida se fizesse amizade com a única mulher que poderia ser sua aliada.
— Lamento não ter trazido minha criada comigo. Ela é muito jovem e não
queria se separar da família.
Mammy a fitou com os olhos arregalados.
— A senhora viajou sozinha, sem uma acompanhante?!
— Não exatamente. Contei com a companhia do sr. Jeffries e de duas
amigas minhas, mas nos separamos em Nova York.
— Bem, se a senhora não quer que falem mal a seu respeito em Nova
Orleans, não saia sozinha. Não é apropriado, entendeu?
— Não vou me esquecer disso. Obrigada pelo conselho. Você trabalha em
Moss Grove há muito tempo?
— Boa pergunta. O duque não vinha muito aqui, mas a casa sempre contou
com a criadagem sob minhas ordens. Então, a sra. Margaret e o sr. Travis vieram
morar aqui. Fizemos algumas mudanças, entre elas despedir os criados
preguiçosos. Agora temos outros muito bons.
— Nesse caso, acho que você seria de grande ajuda na escolha de uma
criada para mim. Confio plenamente em seu julgamento.
Dessa vez Mammy sorriu, exibindo os dentes alvos. Seus olhos castanhos
perscrutaram a expressão de Brooke.
— Deixe isso por minha conta. Vou escolher alguém para servi-la enquanto a
senhora estiver aqui — ela prometeu.
— Pretendo ficar muito tempo, Mammy. — Brooke sorriu. — Sabe, herdei
metade de Moss Grove do duque.
— Deus do Céu! — Mammy exclamou ao espalmar as mãos no rosto.
Brooke percebeu ter revelado os pensamentos e voltou a exibir uma
expressão indecifrável.
— Não se preocupe — disse ao tornar a tocá-la no braço. — Você poderá
sempre me falar o que pensa. Prometo fazer o mesmo. Sei que você ainda não
confia em mim, mas isso é natural. Espero que, com o tempo, consiga. Não
pretendo fazer a mínima mudança na criadagem. Posso ver como tudo é muito bem
cuidado.
Mammy franziu a testa e indagou:
— O que a sra. Margaret e a srta. Hesione vão dizer? — Aflita, balançou a
cabeça. — Isso não é de minha conta. Falei sem pensar.
— Espero não ser a patroa exigente que você imagina, Mammy — Brooke
disse, enquanto tirava o chapéu e o punha na penteadeira. — Nunca fui mimada.
Dou valor ao trabalho e a serviçais dedicados. — Fitou a governanta com firmeza.
— Tudo aqui é estranho para mim, muito diferente da minha casa na Inglaterra. Vou
precisar de toda assistência que você puder me dar. — Fez uma pausa e então
prosseguiu na esperança de descobrir o que precisava saber. — Quem são as duas
pessoas que você mencionou?
Mammy suspirou e queixou-se:
— Eu não devia estar falando tanto.
Brooke sentou-se numa das poltronas e fez um gesto para Mammy ocupar a
outra.
— Já que eu lhe fiz uma pergunta clara, penso que é seu dever responder.
Duvido que isso possa ser considerado bisbilhotice.
Mammy sorriu e assentiu com um gesto de cabeça.
— Bem, como deve saber, a sra. Margaret é mãe do sr. Montgomery.
— Eu ignorava o nome dela — Brooke explicou.
— Entendo. A srta. Hesione é a noiva dele. Foram ao norte fazer compras e
gastar um bom dinheiro, aposto.
Brooke queria perguntar como as duas eram, mas sabia que Mammy ainda
não confiava nela o bastante para lhe dar tal informação.
— Elas vão voltar logo?
— Em novembro. A srta. Hesione quer um casamento natalino — a
governanta respondeu ao se levantar e dirigir-se à porta.
— Tente se acomodar. Vou mandar a moça que será sua criada para ajudá-la
a esvaziar seus malões. O jantar vai ser servido às oito horas. Prosper, o cozinheiro,
não tolera que ninguém se atrase. — Parou e acrescentou com um último sorriso: —
Seja bem-vinda a Nova Orleans.
Brooke olhou para a porta que se fechava e afundou na poltrona, percebendo
o quanto estava cansada. Tinha sido um dia longo e exaustivo. O melhor era render-
se, pois encontrava-se em minoria e, em seu estado, não conseguiria refletir com
clareza. A viagem e mais o confronto com Travis a tinham desgastado.
Céus, o homem não se parecia com ninguém que ela conhecesse!
Talvez devesse descansar um pouco. Precisava estar preparada para o
próximo encontro com Travis Montgomery.
E que tipo de cozinheiro estipulava regras?, imaginou ao se ajeitar melhor na
poltrona.
Ora, logo descobriria.
O ambiente daquela casa era muito estranho. A governanta tinha sotaque
afrancesado e o cozinheiro determinava o horário das refeições. Só faltava um
fantasma surgir da parede. Com certeza, ele também não a quereria ali, pensou e
estremeceu.
Será que ela jamais se adaptaria à mansão?
Mammy tinha dado uma boa informação, Brooke refletiu. A mãe e a noiva de
Travis só voltariam em novembro. Isso lhe dava um pouco de tempo para impingir
sua sutileza a Travis e ocupar sua posição na casa antes de as duas mulheres
chegarem.
Ela e Travis só teriam de ficar casados por um ano antes de poderem seguir
seus próprios caminhos. Então, se ele ainda quisesse Hesione, ela o cederia de boa
vontade. Ou, quem sabe, se Hesione ainda o quisesse. Tal idéia a fez sorrir.
Pelo menos, por enquanto, era uma contra um. Teria de agir depressa.
Quando a mãe e a noiva de Travis chegassem seriam três contra uma.
Tal disparidade não agradava Brooke nem um pouco.
Capítulo IV
Brooke despertou devagar quando a primeira claridade da manhã refletiu na
janela. Parecia cedo demais e ela ainda não se sentia preparada para enfrentar o
dia. Abriu os olhos, espreguiçou-se e tentou ordenar as idéias antes de se levantar.
A primeira semana havia passado depressa. Ela se esforçara para se adaptar
à nova casa, mas tinha sido difícil. Ainda era considerada uma intrusa na
administração da fazenda. Várias vezes, havia recomendado a si mesma para ser
paciente. Ia levar tempo para conquistar não só a criadagem, mas Travis também.
Finalmente na véspera, Brooke começara a sentir que já contava com um
pouco da simpatia das serviçais. Algumas tinham parado para consultá-la sobre
qualquer coisa em vez de simplesmente ignorá-la.
Ela achava que tinha ajudado o fato de se oferecer para levar várias crianças
até as árvores de nozes-pecãs, atrás da mansão, a fim de catá-las. Era uma coisa
que nunca pensaria lazer, pois não sentia muita atração por crianças, mas havia
decidido mostrar-se útil. Então, reuniu quatro meninos e três meninas que, munidos
de cestas, lá se foram.
Para sua surpresa, Brooke percebeu que apreciava passar a tarde com as
crianças e admirou-se com o carinho que lhe demonstravam. George, um garoto de
uns nove anos de idade, anunciou que era o balançador. Brooke, claro, teve de
indagar o que um balançador fazia.
— Ele é a pessoa mais importante porque derruba as nozes das árvores — o
menino explicou em tom de orgulho.
— Então, como você vai alcançá-las? Essa árvore é muito alta — Brooke
observou.
George sorriu, os dentes alvos realçados pela pele escura.
— Olhe, segure isto, srta. Brooke — o menino pediu ao entregar-lhe uma
vara comprida. — Vou subir já nessa árvore.
— É muito alta — ela repetiu, advertindo-o.
— Não tem importância — George afirmou, confiante.
Foi até o tronco da árvore onde outros dois meninos, com as mãos trançadas,
formavam um degrau para ajudá-lo a alcançar a primeira bifurcação. Depois que ele
subiu ao segundo galho, pediu a Brooke para lhe dar a vara.
— Tome muito cuidado, George.
— Ora, srta. Brooke, já fiz isso milhares de vezes.
Ela duvidava de que o menino já tivesse subido tanto naquela árvore, mas
admirou-lhe a agilidade, como a de um esquilo, para passar de galho em galho.
Quando ele chegou aos mais altos, pôs-se a bater com a vara e as nozes
começaram a cair como gotas de chuva.
Brooke largou a cesta que carregava no chão e avisou as crianças:
— Vamos ver quem consegue pegar mais pecas. Haverá uma guloseima de
prêmio para o vencedor. Comecem já!
Ela não conteve o riso ao vê-las correrem para apanhar as nozes. Não se
lembrava de ter apreciado tanto uma coisa tão trivial.
Mais tarde, ela e seu grupo de crianças animadas voltaram para a cozinha
com cestas repletas de pecãs. Lá, ela pediu a uma das criadas que lhes servisse
biscoitos e leite como prêmio por seus esforços, declarando que todas eram
vencedoras.
As criadas sorriram para Brooke, levando-a a imaginar se bondade era algo
que elas não estavam habituadas a ver na senhora da mansão.
Supunha que as serviçais, devagar, chegavam à conclusão de que ela, afinal,
não era uma pessoa má. Tinha sido uma experiência maravilhosa fazer algo útil e
produtivo.
Felizmente Mammy dirigia a casa, e Prosper, a cozinha. Até então, Brooke
não havia conhecido o cozinheiro. Ele tinha viajado para visitar uns parentes, mas
voltaria logo.
Mammy parecia representar alguma coisa para cada serviçal e isso
estimulava Brooke que ainda tentava ganhar a simpatia da governanta. Já havia
obtido algum sucesso, mas não muito.
Ela podia avaliar o ressentimento da mulher. Porém, precisava de tempo para
conquistar a confiança e o respeito da criadagem. Seria diferente se houvesse
chegado ali como esposa de Travis, mas esse não era o caso.
Brooke sorriu ao lembrar-se do dia que ali chegara. Apesar de todos os
problemas enfrentados desde sua chegada, sentia-se contente por ter vindo para a
América. Em Londres, era bem recebida em festas, mas não aceita totalmente.
Havia sempre alguém que comentava a seu respeito. Agora, tinha a chance de levar
uma vida normal apesar de ainda precisar solver alguns problemas.
Mas Brooke Hammond era uma sobrevivente e encontraria meios de
solucioná-los.
Correu o olhar pelo quarto. Não tinha nada para reclamar do aposento. Como
ficasse no fim do corredor era bem sossegado. À noite, o único barulho que ouvia
era o piar de pássaros noturnos. As paredes eram de um rosa-claro e a cama de
mogno que, além de espaçosa, tinha um acolchoado de penas e uma colcha de
seda rosa. Sem dúvida, um belo quarto.
O som de um estalo chamou sua atenção e, firmada nos cotovelos, ela
ergueu-se para ver o que era. Uma das criadas tinha entrado no quarto e acendido
o fogo na lareira, enquanto ela ainda dormia. Ainda bem, pois as noites tinham
esfriado bastante. Pelo menos o chão não estaria gelado.
Bocejou e esticou um pé para fora das cobertas. Graças ao fogo na lareira, o
ar também tinha aquecido. Como não fosse resolver os problemas se continuasse
deitada, jogou as cobertas para o lado e deixou a cama.
Nesse dia o sr. Jeffries ia embora para tratar de outras questões antes de
retornar à Inglaterra. Na véspera à noite, ele havia explicado que tinha negócios
com outros clientes que o prenderiam por uns dois meses em St. Louis.
Ele comentara que sua partida daria a chance para Brooke e Travis
conviverem a sós e se conhecerem melhor. Na opinião dela, nem dez anos a sós
com Travis ajudariam.
Ele não demonstrava o mínimo interesse em conhecê-la bem. Desde sua
chegada, Travis permanecia ausente quase o tempo todo, exceto na hora do jantar.
Embora durante a refeição a conversa fosse tensa, Brooke continuava a se esforçar
a ser social.
Travis mostrava ser um homem muito teimoso, e ela tentava ser paciente.
Algo difícil para quem não era muito. Se não conseguisse logo fazê-lo falar com ela,
jamais o conquistaria.
Brooke lavou o rosto com água fria, enquanto se lembrava dos olhares
mordazes que Travis lhe dirigia durante o jantar. Imaginava o que o homem irritante
pensava ao mesmo tempo em que a observava. Fosse o que fosse, ele escondia
muito bem.
Maldito homem!
Ela suspirou. O tempo todo Travis exibia uma atitude antipática, e Brooke não
sabia como atingi-lo. Suspeitava de que ele, ao ser grosseiro, tentava forçá-la a ir
embora, mas isso não ia dar certo. Afinal, ela era persistente.
Brooke tinha de fazer alguma coisa que a tornasse indispensável e seria bom
começar logo, decidiu ao olhar para o guarda-roupa. Precisava da toalete perfeita.
Tinha esperança de ainda se lembrar de como flertar e seduzir um homem.
Talvez fosse igual a andar a cavalo o que ninguém esquecia. Sorriu, mas
logo ficou séria. Já fazia dois anos que levara a outra vida. Do momento em que
Jackson a tinha abrigado em sua casa, ela não precisara mais de artifícios para
obter o que precisava. No momento, sentia-se como uma virgem nova em folha.
Talvez um tanto experiente, pensou e riu.
Sua criada, Millie Anne, entrou no quarto, sorridente.
— Bom dia, senhorita. Vim ajudá-la a se vestir e vejo que já está escolhendo
o que usar. Tem tanta coisa bonita. Imagino que virava a cabeça dos homens lá em
sua terra.
— De uns poucos — Brooke respondeu ao pegar um conjunto. — Acho que
vou cavalgar hoje. Está na hora de eu ir inspecionar o restante da fazenda.
— Ficar ao ar livre lhe fará bem.
Brooke estava contente por contar com Millie Anne. A mocinha parecia ser a
única serviçal satisfeita na mansão. Devia ter uns dezesseis anos, estava sempre
alegre e sorridente, e seus olhos pretos revelavam inteligência. Era sobrinha de
Mammy e, como a tia, fora alforriada. Brooke havia descoberto que muitos
trabalhadores da fazenda também eram e recebiam salários por seus serviços.
— Está frio lá fora? — ela perguntou.
— Refrescou bastante. Até parece que o outono já chegou e ainda estamos
no fim de setembro. Às vezes faz calor em outubro, o que é bom para a cana-de-
açúcar. Se gear será muito ruim. Ouvi o capataz dizer que vão começar a cortar a
cana hoje — a criada contou.
Brooke já havia se acostumado com sua tagarelice e admitia ter adquirido
muita informação importante através dela.
— O que o tempo tem a ver com a cana-de-açúcar? — indagou.
— A cana não gosta de frio. Se gear, o patrão perderá a safra. Parece que a
cana não fica tão doce. Não sei o que eles querem dizer com isso, só sei que não é
bom. Três anos atrás, tivemos uma geada forte e o patrão ficou de mau humor por
um bom tempo.
— Você quer dizer que a conduta dele agora é melhor?
— Como assim? Não entendo.
— Você acha que ele anda de bom humor?
— Isso mesmo. Eu até já vi dois sorrisos dele. O patrão parece que quer
provar alguma coisa.
— Da próxima vez que você o vir sorrindo, me avise. Eu adoraria ver isso.
Millie Anne riu.
— Não me faça rir, srta. Brooke. O patrão também daria uma boa risada se a
ouvisse.
— Duvido muito, Millie Anne. — Brooke entregou-lhe o conjunto e disse: —
Vou usar este hoje.
A criada ajudou-a a vesti-lo e, então, comentou:
— Vê-se que isto foi feito para a senhora. O conjunto lhe serve como se fosse
sua própria pele.
Brooke olhou-se no espelho e ajeitou as mangas.
— Mandei fazê-lo assim. Não gosto de usar nada volumoso para cavalgar.
— Sente-se para eu poder arrumar seus cabelos — Millie Anne pediu ao
apontar para a banqueta diante da penteadeira. — Eu não gosto de chegar perto de
cavalos. São muito grandes para mim — ela afirmou e estremeceu.
Brooke a observou pelo espelho e admirou-se da habilidade da garota em
fazer caracóis com seus cabelos loiros e prendê-los atrás da cabeça com pentinhos.
Em seguida, ela ajeitou um chapeuzinho verde, deixando-o meio caído na testa.
— Trabalho perfeito — elogiou, e Millie Anne sorriu. —Ao ver como você tem
jeito para fazer penteados até parece que já foi criada de uma dama. Fico contente
por poder contar com seu trabalho.
— Obrigada, sra. Brooke.
O sorriso de Millie Anne alargou-se. Pela reação da garota, Brooke percebeu
que ela não devia recebia muitos elogios. Pelo menos algo bom tinha resultado de
sua vinda para Moss Grove, o fato de tirar a moça dos canaviais.
— Por acaso você ia ser criada de Hesione? — Brooke indagou.
— Não, ela tem a sua própria. E Mammy não iria de querer.
— Por quê?
— Bem, eu... — Millie Anne hesitou.
— Prometo não contar nada a ninguém.
— Mammy não gosta da srta. Hesione e bateria em mim se soubesse que dei
com a língua nos dentes. — Millie Anne sorriu. — Mammy diz que a srta. Hesione é
preguiçosa, mimada e não serve para o sr. Travis.
Brooke gostaria de saber mais, todavia não queria que a criada percebesse
ter lhe dado uma informação valiosa. Então, comentou:
— Calculo que Mammy saiba julgar bem as pessoas. Por que todos a
chamam por Mammy?
— Quando ela era mocinha, teve um filho, mas o menino morreu de febre
com um ano. Ela nunca mais teve outro e então passou a cuidar de todos, crianças
e adultos que passaram a tratá-la por Mammy. Ela parece compreender tudo, não
importa qual seja o problema.
— Eu a conheço há pouco tempo, mas reconheço que existe algo acolhedor
em Mammy. Qual é seu verdadeiro nome? — Brooke indagou.
— Esther — Millie Anne respondeu. — A senhora precisa de mais alguma
coisa?
— O sr. Jeffries está no quarto dele?
— Está sim, arrumando a bagagem. Posso acompanhá-la...
Seguiram pelo corredor e, quando chegaram, Brooke deparou-se com a porta
aberta, mas bateu assim mesmo. Jeffries estava em pé ao lado da cama repleta de
roupas. Junto havia um malão aberto. Millie Anne bateu com mais força e só então
ele olhou para a porta. Sorrindo, fez um sinal para que elas entrassem.
Brooke cruzou a soleira, mas ficou perto da porta. Não era apropriado uma
dama entrar no aposento de um homem. Jeffries supervisionava seu criado
temporário dobrar-lhe as roupas e colocá-las dentro do malão.
— Vou sentir falta sua — Brooke confessou, fazendo-o sorrir.
— Termino isso para você — Millie Anne disse ao tirar uma camisa das mãos
de Ulysses, o criado.
— Estarei de volta dentro de poucos meses para verificar como está se
dando aqui e, então, voltarei para a Inglaterra — Jeffries respondeu. — Ao passar
por Nova York, quero verificar se Jocelyn está bem instalada em sua casa.
— Isso dá impressão de que vou ficar nas mãos do inimigo — Brooke
queixou-se, fazendo-o rir.
— Não creio que Jackson Montgomery a poria nesta situação se não
confiasse em seu bom desempenho. E duvido da possibilidade de sua desistência
de lutar. — Como Brooke não respondesse, ele acrescentou: — Afinal, vai ser só
por um ano. Depois, cada um poderá seguir seu próprio caminho, desde que ambos
não se casem.
— Ora, não vou desistir de nada! A questão é que eu não esperava esse
homem assustador — Brooke confessou.
— De fato ele é um oponente digno de nota. Mas depois que se tornou
adulto, posso ver nele muita coisa do pai. Infelizmente Travis não pôde herdar o
título de Jackson, embora isso signifique pouco neste país.
— Admito que Travis é um homem atraente, mas o humor dele precisa
melhorar muito — ela queixou-se.
— Talvez ele nunca tivesse motivo para mudar. Quem sabe sua pessoa
possa estimulá-lo a fazer isso — Jeffries sugeriu. Como a última peça de roupa já
estivesse no malão, ele o fechou, dispensou Millie Anne e convidou Brooke: —
Vamos descer para tomar o café da manhã?
Ao entrarem na sala de jantar, ela surpreendeu-se ao ver Travis ali. Ele
costumava sair muito cedo, e Brooke nunca o tinha encontrado a essa hora. Ele
parecia já ter terminado a refeição e apenas apreciava uma última xícara de café.
Ao vê-los entrar, ele se levantou e os cumprimentou:
— Bom dia Jeffries e sra. Hammond. Sentem-se, por favor — acrescentou ao
puxar a cadeira para Brooke. — Espero que estejam com fome — disse e tocou um
sininho. Logo surgiu uma criada com um bule de café fresco. — Por favor, sirva
nossos hóspedes.
Perplexa, Brooke imaginou o que teria provocado tal onda de bom humor em
Travis. Geralmente ele a tratava com a maior frieza e, nesse momento, era como se
ela fosse uma hóspede bem-vinda. Difícil saber como reagir a uma mudança tão
repentina. Devia lembrá-lo de que não era hóspede. Querendo ou não, ele tinha
uma sócia.
Embora meio em dúvida, ela refletiu que nunca havia conhecido um homem
que não a quisesse. Antes de Travis, claro. Ela devia estar se descuidando. A
atitude dele lhe dava mais um desafio para enfrentar.
— Uma carruagem já está a sua disposição — Travis informou.
— Muito obrigado — Jeffries agradeceu. — Voltarei no fim de novembro, ou
mais cedo. Se aceitar as condições determinadas por seu pai, terá de cuidar das
propriedades não só daqui como também das na Inglaterra. Isso me faz lembrar de
outra coisa. Já providenciou os preparativos da festa para apresentar a sra.
Hammond à sociedade local?
— Não tenho tempo para recepções. Mas, para atender as ordens de meu
pai, falarei com Mammy para cuidar disso, inclusive o envio dos convites.
— Muito bem. Talvez a sra. Hammond possa ajudá-lo — Jeffries sugeriu.
Brooke largou o garfo e olhou para Travis.
— Seria muito bom se você me informasse de seus planos. Será um prazer
ajudá-lo.
— Não tenho o hábito de discutir com ninguém o que faço, sra. Hammond.
Brooke reconheceu o tom de superioridade de Travis e a vontade de atirar
qualquer coisa nele foi tão grande, que ela precisou apertar as mãos no colo para
não fazê-lo.
— Isso sem dúvida é bem óbvio. Mas, em consideração à vontade de seu
pai, talvez você devesse começar a me incluir em seus planos. Espero ser a anfitriã
dessa festa.
Travis lhe dirigiu um olhar de incredulidade. A expressão furiosa dele
revelava horrores. Sem dúvida ela havia atingido o alvo.
Após um momento de silêncio tenso, Jeffries murmurou:
— Creio que seu pai almejava a felicidade de ambos.
— Ora, posso cuidar da minha sem a interferência do falecido! — Travis
vociferou em tom áspero. — Espero que volte a tempo de assistir a meu casamento
com Hesione. Este, sim, satisfaria a vontade de meu pai.
— Eu me esforçarei ao máximo — Jeffries afirmou. Brooke notou que Travis
não parecia um homem apaixonado. Aliás, ele voltara a ficar carrancudo como de
hábito.
— Minha união com Hesione será um compromisso perfeito — ele
afirmou.
Travis dava a impressão de estar convencendo a si mesmo bem como às
pessoas ali, Brooke pensou. Talvez ainda houvesse esperança que o plano de
Jackson tivesse êxito.
Travis empurrou a cadeira e levantou-se.
— Bem, se me derem licença. O corte da cana inicia-se hoje.
— Então, é a hora ideal para você me mostrar nossa plantação — Brooke
disse com firmeza e ficou à espera da reação dele.
Tenso, Travis a encarou com os olhos faiscando. Mais uma vez, a bela
aparência dele a surpreendeu. Não importava o mau humor, algo nele a atraía. A
exemplo da mariposa à chama, ela estava condenada. Não gostava nem um pouco
da situação.
— Eu estava contando, ou melhor, esperando que a senhora fosse embora
com Jeffries — Travis lhe disse.
Brooke sorriu. Aí estava a explicação para o bom humor dele nessa manhã.
Esperava vê-la pelas costas. Com naturalidade, falou:
— Aposto como contava mesmo com isso. Lamento desapontá-lo, mas meu
negócio é aqui e não em St. Louis com o sr. Jeffries. Além do mais, existe a questão
da festa que você deve planejar. Eu não a perderia por nada neste mundo. Afinal,
sou o motivo dela. — Sem dar atenção ao olhar furioso dele, ela levantou-se e
rodeou a mesa até o lugar de Jeffries. — Quando voltarmos a nos encontrar, eu já
terei aprendido tudo sobre a fazenda Moss Grove.
Jeffries tentou disfarçar o sorriso, mas Brooke o notou.
— Espero que os dois cheguem a um acordo que satisfaça a ambos.
— Minha satisfação seria vê-la ir embora daqui — Travis resmungou. —
Moss Grove não é lugar para uma mulher — acrescentou e, num movimento
abrupto, saiu da sala. Brooke o acompanhou com o olhar, ciente das lutas que teria
pela frente. Entretanto, havia outras prioridades. Aproximou-se mais de Jeffries e
segurou-lhe as mãos.
— Desejo que faça uma viagem muito boa e segura.
— Obrigado. Lembre-se, minha cara, Montgomery ainda está se adaptando a
sua presença aqui. Ele é teimoso como pai, mas acabará cedendo.
— Milagres acontecem, imagino — Brooke ironizou. — Bem, onde fica o
estábulo?
— Creio que à direita quando se sai pela porta da frente — Jeffries
respondeu. — Bem, tenho ainda de pegar algumas coisas e, então, irei embora. Eu
a verei quando voltar. Espero que até lá, seu relacionamento com Travis tenha
melhorado.
Brooke tinha se apegado tanto ao homem que não resistiu ao impulso de
abraçá-lo, fazendo-o enrubescer. Ele despediu-se e saiu da sala.
Ela também o fez e foi até o vestíbulo onde viu Travis pondo a jaqueta
marrom. Passou pelo homem intratável, odiando como ele a fazia se sentir tão
idiota.
Detestava mais ainda o fato de precisar dele. Sabia que não gostar de Travis
não ia ajudá-la a alcançar seu objetivo. Tinha de seduzi-lo para que ele rompesse o
noivado com Hesione.
Saiu depressa com a intenção de encontrar o estábulo com ou sem a ajuda
dele. Ouviu a porta abrir e fechar a suas costas, mas não se virou e seguiu em
frente.
De uma coisa tinha certeza: não se curvaria a Travis apesar de precisar tanto
de um lar.
Capítulo V
Em pé na varanda, Travis agarrava a grade de ferro como se pudesse parti-la
ao meio. Precisava livrar-se da frustração que o oprimia. Torcer o pescoço da linda
moça era uma opção que lhe cruzava a mente.
Ele mal notava o ar estimulante e a gloriosa manhã, enquanto a observava
cruzar o gramado. O que prendia seu olhar era o reflexo do sol em seus cabelos
dourados como o trigo prestes a ser colhido. Travis maldisse a si mesmo pela
fraqueza. Por que a seguia com o olhar? A última coisa que queria ou precisava era
se envolver com essa moça. Tinha uma noiva. Brooke era uma ameaça para seus
planos cuidadosos. Talvez ela fosse mais um obstáculo a ser vencido e nada mais.
Desceu a escada sem se apressar. Seria um idiota se corresse para alcançar
a moça irritante. Que diabos ela planejava fazer nesse momento? Tinha esperado
que, ao ignorá-la, a sra. Hammond fosse embora, mas a tática não dera certo. Ela
continuava ali a torturá-lo como um espinho na carne.
Ele admitia que Brooke Hammond era diferente das outras mulheres que
tinha conhecido e isso o incomodava. Ela o perturbava de todas as maneiras
possíveis. Não só o atraía cada vez mais como ele não podia decifrá-la. Mas
aprendera logo que ela era uma criatura teimosa. Pior, parecia saber como provocá-
lo.
E ele não ligava a mínima para sua beleza. Pura e simplesmente, ela
significava problemas.
Pelo menos era disso que ele tentava se convencer. O que o aborrecia era a
maneira como a criatura não lhe saía do pensamento. Mesmo dormindo, podia ver
aqueles fascinantes olhos castanhos com reflexos dourados. E o perfume suave
que ela usava parecia estar em todos os cantos da casa. Estranho... Ele parou e
refletiu por um momento. Não podia se lembrar do perfume de Hesione.
Era como se Brooke houvesse infestado o próprio ar que ele respirava.
Sempre podia expulsar da mente lembranças de qualquer mulher. Contudo, com a
sra. Hammond nenhuma de suas táticas dava certo.
Ela era como uma praga.
Travis levantou o olhar e parou de repente. Pelo jeito, tinha chegado ao
estábulo sem se dar conta da caminhada.
Maldição! Precisava controlar a mente e o corpo.
Sua única esperança era que, depois de a sra. Hammond ver como era
complicado administrar uma fazenda, ela voltasse correndo para a Inglaterra a fim
de apreciar seus chás e festinhas, ou fosse lá o que fazia antes de aparecer por ali.
A gerência de uma fazenda não competia a mulheres. Ainda mais da sua.
Ao passar pela porta, ele logo viu Brooke e percebeu que sua folga acabava.
Exasperada, ela gesticulava e discutia com o chefe dos cavalariços. Sem dúvida
tentava convencer o velho Sam que precisava de uma montaria.
— Por que a senhora haveria de querer um dos bons cavalos do sr. Travis?
Não tenho nada contra a senhora, mas não sei quem é, entendeu? — Sam
argumentou.
— Por que isso não me surpreende? — ela ironizou. — Sou Brooke
Hammond, proprietária da metade de Moss Grove.
O velho Sam riu.
— Não diga! Está tentando me tapear. Todo mundo sabe que o sr.
Montgomery é o dono desta fazenda. Lá está ele. Por que não lhe pergunta?
Brooke virou-se e dirigiu um olhar furioso para Travis. Ele quase riu alto de
sua expressão, mas apenas esboçou um sorriso. Isso a irritou mais. Finalmente, ele
perguntou:
— Algum problema, Sam?
— Sem dúvida. Esta moça quer montar um de seus cavalos. Ao olhar para
Brooke, Travis arqueou as sobrancelhas.
— A senhora devia ter me pedido primeiro.
— Creio que o informei mais cedo que queria ver os canaviais.
Ele tornou a sorrir sem revelar o aborrecimento.
— Sabe cavalgar, sra. Hammond?
— Claro que sei, seu tolo! Pensa que eu montaria se não pudesse controlar o
animal?
Algo na maneira de Brooke vociferar tais palavras provocou um arrepio na
nuca de Travis. Não duvidava de que ela pudesse controlar qualquer coisa. Jamais
vira uma expressão confiante e determinada em outras mulheres. Quase a admirou
por isso.
— Nesse caso, Sam, encilhe a Cinzenta para a sra. Hammond.
— Prefiro que me trate simplesmente por Brooke — ela disse.
— Pode cavalgar a Cinzenta enquanto estiver aqui, sra. Hammond — ele
desconversou.
— Que homem teimoso você é — ela o acusou e aproximou-se um pouco. —
Não pense que vai se ver livre de mim. Estou aqui para ficar e não pretendo ir a
parte alguma.
Antes de falar, Travis esperou Sam afastar-se para não ouvi-lo. Em voz bem
baixa, advertiu-a:
— A fazenda não é seu lugar.
Em vez de ouvi-la protestar aos gritos como esperava, Brooke o fitou com
expressão estranha. E Travis podia jurar que havia lágrimas nos olhos dela. Até
esse momento, não tinha pensado nela como uma mulher com sentimentos e
emoções. Ela havia sido apenas um espinho em sua carne e um lindo corpo para
tirar-lhe o sono nas noites longas, o que a tornava uma inimiga.
— Esse é o problema, entenda. Não pertenço a lugar algum — ela disse
numa voz suave e num tom de derrota. Os reflexos dourados em seus olhos
pareciam penetrar nos dele quase com desespero. E ela estava perto demais. —
Você faz idéia do que é não pertencer a lugar algum? Travis sentiu um aperto no
coração.
— Sei exatamente o que isso significa — respondeu.
— Então, imagino que sejamos mais parecidos do que você pensa.
Alguém limpou a garganta e os dois afastaram-se um do outro. Sam voltava
com os animais e quebrou a atração de Brooke em Travis.
Calado, ele esperou Sam posicionar a égua e então a ajudou a montar na
sela de amazona. O conjunto que ela usava ressaltava-lhe as curvas e, sem querer,
ele a imaginou nua deitada na cama, os cabelos loiros espalhados no travesseiro.
A reação firme e rápida do corpo o fez se maldizer. Em vez de continuar ali
preso sob a magia daquela beldade loira, ele montou e saiu do estábulo. Precisava
pôr alguma distância entre si e Brooke.
Uma vez lá fora, respirou fundo e esporeou a montaria, fazendo-a galopar
mais depressa do que deveria. Só quando alcançou uma distância segura, diminuiu
a marcha. Subiu ao topo de um morro, de onde se podia ver o rio mais abaixo, e
parou a montaria.
O tropel de outro cavalo se aproximando indicou que ele não ia ficar sozinho
por muito tempo. Entretanto, não queria lhe dar o prazer de mostrar ter percebido
que ela o seguira. Forçou-se a ficar parado até que Brooke o alcançasse.
— Que animal magnífico! — ela elogiou ao se aproximar. — Por acaso tem
nome? — perguntou ao acariciá-la no pescoço.
A égua virou a cabeça para trás e tocou sua mão. A traidora! Por que todos
na fazenda se sentiam atraídos por Brooke?
Travis olhou para a égua. Sempre tinha gostado dela porque era excepcional,
calma e fogosa, muito diferente dos outros animais de seu estábulo. Parecida com a
moça que a cavalgava agora.
— Névoa Cinzenta.
— Gosto do nome. Nunca tive meu próprio cavalo. Na Inglaterra, sempre
tinha de montar um de outra pessoa.
Travis não podia desviar o olhar de Brooke. Algo em sua voz o tocava onde
não desejava.
— Gosta dela?
— Sim. Bastante.
— Então, é sua.
Brooke teve a sensação de que o coração ia explodir de alegria. Por que o
homem, finalmente, estava sendo atencioso com ela? Poderia alegar que metade
de tudo na fazenda já lhe pertencia, mas não queria arruinar a trégua frágil entre
ambos. Era algo tão bom que não merecia ser estragado.
— Obrigada — murmurou, sem jeito.
Ao olhar para os campos abaixo deles viu o que presumiu ser o canavial.
Apesar de parecer um capim muito alto, notava que tinha sido plantado em fileiras a
parte. Folhas verdes, que balançavam com a brisa, coroavam cada caule.
Avistou também vários homens cortando os caules com foices. Já havia
pilhas enormes deles.
— Então aquilo é a cana-de-açúcar? — Brooke indagou.
— É, sim. Quanto a senhora sabe sobre safras? Ou melhor, sobre lavouras?
Pelo que entendi, sempre viveu na cidade — ele disse em tom condescendente.
Brooke relanceou o olhar por ele, mas Travis observava o trabalho no
canavial, e ela preferiu ignorar-lhe a mudança de humor.
— Você está certo. Nunca estive numa fazenda antes. Isso não me torna
uma ignorante das atividades em uma. Consegui ler todos os livros que encontrei
sobre algodão ao pensar que era cultivado em Moss Grove.
— Esperava aprender com a leitura? — Travis gargalhou. — Percebe-se
como é novata nessa questão. Mas eu a congratulo. Poucas mulheres se dariam a
tal trabalho. Estariam mais interessadas no resultado financeiro.
— Não sou como a maioria das mulheres — ela declarou.
— É o que estou descobrindo.
O coração de Brooke disparou ao pensar que esse indivíduo autoritário
prestava atenção nela. Sabia não ser sensato sentir atração por ele, porém achava
Travis um tanto perturbador. Todas as vezes que o via se mexer, ela notava a flexão
dos músculos sob a camisa. Por enquanto, queria, ou melhor, precisava aprender
tudo sobre a fazenda. Então, indagou:
— Por que cana-de-açúcar? Impaciente, ele deu de ombros.
— Porque tem futuro.
O mau humor de Travis se acentuava, mesmo assim Brooke percebeu uma
leve suavidade em seu tom de voz. Tinha decidido ser persistente e arrancar cada
palavra dele.
— É tudo o que você cultiva?
— Temos um pouco de terra com algodão, mas a grande maioria é de cana-
de-açúcar.
— Por que tanto mais que o algodão?
— Tarifas. E o clima. O açúcar que vem de outros países é bem caro. Nós
podemos produzir mais em conta, e em Louisiana a cana cresce depressa. Quando
cortada junto à terra, ela brota de novo na primavera do ano seguinte. Assim, só
tenho de plantá-la de três em três anos.
— Isso me parece bem inteligente. Mas por que apenas de três em três
anos?
— Obrigado — Travis agradeceu. — Depois do terceiro corte, arrancamos as
raízes e deixamos o solo descansar a fim de recuperar os nutrientes.
Brooke sorriu. Era isso o que vinha fazendo nos últimos dois anos, permitindo
que seu corpo se recuperasse para quando encontrasse um amante ou marido,
caso convencesse Travis a cooperar.
Ela olhou para os campos e, então, pediu:
— Por favor, me conte tudo.
Ele franziu a testa, observou-a e perguntou:
— Tem certeza de que quer saber?
— Claro que sim — ela respondeu um pouco depressa demais, mas parecia
sincera, Travis pensou. — Quero saber tudo sobre os trabalhos na fazenda. Você
não faz idéia de como é viver confinada na cidade o tempo todo. Até agora, tenho
gostado muito deste país com seus amplos espaços abertos.
— Muito bem — Travis disse na esperança de que ela logo se cansasse. Ou
então, quando soubesse quanto trabalho uma fazenda exigia, ela desistisse da idéia
de poder fazê-lo. Por Deus, afinal era mulher. — Vamos cavalgar até os canaviais
para que a senhora possa observar de perto. Por favor, me acompanhe — pediu ao
instigar a montaria a partir.
— A terra parece estar abaixo de barragens contra inundações — Brooke
observou.
Travis ficou impressionado com o comentário. Talvez ela estivesse fingindo
interesse, mas não podia ser uma atriz tão boa. Então a cabeça da moça não era
vazia como ele imaginara!
— Certo, minha senhora. A terra aqui está de um metro e meio a três abaixo
do nível do mar. É por isso que vê tantas barragens. Uma das tarefas mais
importantes para quem vive ao longo dos braços de mar é manter o sistema de
barragens. Como pode imaginar, se uma delas rompesse perderíamos tudo.
— Que idéia assustadora — Brooke murmurou ao parar a montaria perto do
canavial. — Que plantas altas — admirou-se.
— Têm uns três metros.
Ela apontou para um grupo de trabalhadores.
— Naturalmente posso ver que eles estão cortando a cana, mas o que farão
a seguir? Gostaria de conhecer o processo todo — ela pediu.
Mais uma vez era evidente sua sinceridade. Algo em seu interesse o
intrigava. Estranho em uma mulher. Travis apontou para os trabalhadores e
começou a falar:
— Aqueles homens estão cortando a cana na base do caule com foices.
Podarão os gomos não maduros do topo e removerão as folhas mortas. A cana será
empilhada naquelas carroças puxadas por mulas que seguirão até a moenda. Isso a
senhora verá depois. Muitas viagens serão feitas até o dia terminar. É preciso moer
a cana logo ou o açúcar estragará. Esse é o segundo motivo que torna o cultivo da
cana-de-açúcar arriscado.
Brooke virou a montaria para poder fitar Travis e ouvi-lo bem. Queria mantê-
lo falando enquanto ele estivesse disposto a lhe explicar como funcionava o plantio
e cultivo da cana.
— Leva uns dois anos para a cana crescer? — perguntou. Travis sorriu, os
dentes alvos contrastando com a pele bronzeada pelo sol e deixando-a perplexa.
Ele voltava a sorrir. Que diferença isso fazia em sua expressão. Ela não resistiu à
vontade de retribuir o gesto.
— Nem tanto. Na Louisiana cortamos a cana antes de madurar para escapar
das geadas. Este ano começou a esfriar mais cedo, portanto estamos no limite do
tempo.
— Ouvi dizer que a geada estraga a cana. Por quê? — Brooke perguntou.
— Ela destrói o açúcar. E não podemos armazenar a cana porque isso
também o estraga. Se começamos o processo temos de trabalhar sem parar até
terminá-lo. Nesta época, a senhora poderá ver os trabalhadores no campo durante a
noite — Travis explicou.
— Algum problema, patrão?
Um homem alto, magro e de meia idade havia se aproximado a cavalo. Tinha
um chicote comprido amarrado à sela, e Brooke esperava que não fosse usado nos
trabalhadores.
— Nenhum problema, James — Travis respondeu ao inclinar-se no arção da
sela. — Como está indo o trabalho?
— Bem. Esta manhã já mandamos dez carroças para o moenda. Parece que
a safra vai ser muito boa este ano.
— Assim espero, mas ainda é cedo para saber. Voltarei aqui tão logo mostre
a moenda para a sra. Hammond — Travis avisou.
Aborrecida por ser ignorada, Brooke reclamou:
— Você poderia me apresentar.
Travis virou-se para ela e deixou escapar um suspiro exasperado. Porém, a
atendeu.
— Sra. Hammond, este é James meu capataz. — Travis virou-se para ele. —
James, esta é a sra. Hammond minha sócia nos negócios.
Brooke podia jurar que ele tinha espremido as últimas palavras por entre os
dentes, mas forçou-se a não sorrir. Já era um pequeno passo à frente.
Talvez o homem tivesse, afinal, um pouco de educação.
Ela não se surpreendeu ao ver a expressão do capataz, que tratou de
disfarçá-la depressa. Sentiu-se constrangida com a presença dele. Talvez fosse por
causa dos olhos que, além de pequenos, mexiam-se o tempo todo. Ele tocou o
chapéu e disse apenas:
— Madame... — E, então, voltou ao trabalho.
Travis a levou para os vários campos de algodão e de milho, e ela notou o
grande número de trabalhadores. Que imensa pressão Travis carregava nos
ombros. Razão suficiente para ser irritadiço. No entanto, era um trabalho que ele
desempenhava bem. Todos o procuravam em busca de soluções. Esperava que,
um dia, também a consultassem.
O sol do meio-dia já ia alto no céu, e Brooke, acostumada aos dias cinzentos
da Inglaterra, deliciou-se com seu calor. Era muito mais estimulante cavalgar ali no
campo do que no enfadonho Hyde Park, aonde as pessoas iam para ver como uns
e outros se vestiam. A paisagem linda da fazenda entorpecia a lembrança de
Londres. Ela não sentia a mínima falta da cidade.
Pararam ao lado de um algodoal que mais parecia um campo coberto de
neve. Como nunca tivesse visto um, ela disse:
— Incrível que pano possa ser tecido com algo produzido por uma planta.
Travis concordou com um gesto de cabeça.
— Quantos anos você tinha quando veio para Moss Grove? — ela perguntou.
— Dezesseis.
— Tão jovem para assumir essa grande responsabilidade.
— Às vezes não se tem escolha, Brooke.
— Isso é uma coisa que você não precisa me dizer. Já me vi nessa situação
mais de uma vez.
As poucas palavras dele tinham lhe tocado o coração. Brooke pressentiu que
Travis possuía mais qualidades que alguém já houvesse notado. Sem se dar conta,
estendeu a mão e tocou a dele.
— Sua família deve ter muito orgulho de você, Travis.
Ela não teve certeza do que viu em seu olhar, pois foi logo disfarçado. Deu-se
conta de que tinha ultrapassado a linha invisível que Travis havia traçado. Ele
voltava a se ocultar na própria concha.
— Vamos até a moenda. Tenho trabalho para fazer lá — ele disse ao instigar
o cavalo sem esperar por ela.
Aborrecida, Brooke suspirou. De nada adiantara ser amável. Sacudiu as
rédeas e Cinzenta partiu na direção seguida por Travis. Como poderia penetrar na
indiferença do olhar dele e por que se importaria?
Imaginou se Travis se dera conta de tê-la chamado pelo primeiro nome.
Poderia o gelo com que a tratava ter derretido um pouco?
— Diabos, quem é aquela? — Jeremy Dubois indagou, enquanto Travis
desmontava e atirava as rédeas para o cava-lariço.
Ele sabia a quem Jeremy se referia, mesmo assim, virou-se e viu Brooke
galopando em sua direção.
— Minha sócia — resmungou com sarcasmo.
— Sua o quê?! — Jeremy, dono da fazenda vizinha à de Travis, perguntou.
— É uma longa história — Travis respondeu num tom que encerrava a
conversa.
— Olá — Brooke cumprimentou ao desmontar.
O cavalheiro de cabelos pretos curvou-se a sua frente.
— Prazer em conhecê-la.
Ele tinha feições bonitas e benfeitas, mas foi o sorriso encantador que
prendeu a atenção de Brooke. Era um alívio ao lado das carrancas de Travis.
— Sra. Hammond, posso apresentar-lhe Jeremy Dubois?
— Sua sócia, creio que você disse. — O rapaz sorriu ao levar a mão dela aos
lábios. — Devo afirmar que você tem excelente bom gosto, Travis. Morrerei de
curiosidade se não me contar como encontrou criatura tão adorável.
Brooke achou a atitude de Jeremy estimulante ao lado da sempre mal-
humorada de Travis.
— Ele não me encontrou, sr. Dubois. Eu o encontrei — ela o informou e
apreciou sua expressão de surpresa. — O senhor também trabalha aqui?
— Por Deus, não! — Jeremy exclamou, fingindo alarme. — Tenho as mãos
cheias com minha própria fazenda.
— Parte do tempo, Jeremy é um amigo — Travis resmungou. — Ele é dono
da fazenda Slow River, pegada à minha.
— Quando você tiver um tempinho, leve a sra. Hammond lá em casa. E
também o sr. Hammond.
Pelo menos, Jeremy tinha boas maneiras, Brooke pensou.
— Não existe um sr. Hammond; sou viúva — ela mentiu. — Ser chamada por
sra. Hammond faz-me sentir muito velha. Por favor, me trate por Brooke.
— Será uma honra — Jeremy afirmou com os olhos verdes brilhando. — Isso
quer dizer que você é a sócia de Travis e não seu marido?
— Exatamente.
Jeremy atirou a cabeça para trás e riu tanto, que fez Brooke pensar no que os
dois tinham conversado antes de sua chegada.
Travis, que havia se mantido sério, esperou o amigo parar de rir para
perguntar:
— O que o trouxe a Moss Grove? Pensei que você tivesse começado o corte
da cana três dias atrás.
— De fato comecei, mas meu responsável pela refinação do açúcar está
doente e tenho de arranjar um substituto para ele. Pensei que talvez Morgan saiba
de um.
— Entendo seu dilema. Vamos procurá-lo — Travis sugeriu.
Os dois ignoraram Brooke e se afastaram, deixando-a por conta própria.
Péssimas maneiras. Sem dúvida Travis queria provar que ela era dispensável. E de
fato era.
Brooke não entendia o problema do sr. Dubois, mas os dois homens
pareciam muito preocupados com a situação. Porém, ela não ia ficar ali em pé à
espera de que voltassem.
Prendeu Cinzenta sob uma árvore, onde havia capim para ela pastar e
dirigiu-se à moenda, atrás dos dois.
O lugar não passava de um barracão e fervia de atividade. Brooke ficou
surpresa com o maquinário para moer a cana. Parou para observar como tudo
funcionava, ciente de que levaria um bom tempo antes de poder administrar Moss
Grove. Outro motivo para o casamento com Travis parecer conveniente.
Tão logo alcançou a outra ponta do barracão, uma área aberta, o forte odor
doce do ar foi como um sopro quente em seu rosto. Notou que muitos dos
trabalhadores estavam sem camisa. Entendia o motivo, pois já sentia as próprias
roupas úmidas de transpiração.
Num canto, viu pilhas de cana trazidas do campo. Mulheres enfiavam os
caules, um a um, entre rolos compressores para obter o caldo da cana que caía
num imenso recipiente embaixo. Os rolos eram virados por mulas que giravam num
círculo sem fim.
Ao continuar a exploração, ela viu três imensos tachos fervendo. O fogo sob
cada um provocava um calor terrível, e ela não entendia como os homens o
suportavam. Três deles, em volta de cada tacho, o mexiam sem parar. Por um
segundo a fitaram, mas logo voltaram a atenção para o trabalho. Ela não imaginava
o que faziam e teria de esperar até Travis ter tempo para lhe explicar o processo,
pois todos pareciam muito ocupados para falar com ela.
Um homem negro, grandalhão, puxou feixes de bagaços de cana moída para
perto dos tachos e atirou-os ao fogo. Uma fumaça negra subiu pelas chaminés,
provocando um calor tão intenso que o ar se tornou sufocante.
Brooke quase perdeu o fôlego. O ar queimava seu nariz e os olhos
lacrimejavam tanto, que ela não viu as fagulhas vindo em sua direção.
— Cuidado! — gritaram, mas ela não sabia a quem avisavam. Virou-se e
percebeu que gesticulavam para ela, porém não conseguia enxergar bem. Logo em
seguida, alguém passou o braço por sua cintura e a puxou para fora da moenda.
Tossindo, ela tirou o lenço enfiado na manga e enxugou os olhos. Foi preciso
respirar fundo várias vezes para acabar com a tosse e clarear a visão. O que teria
acontecido lá dentro?
Praguejando, Travis sacudiu sua saia.
— Sua tola! — Brooke o ouviu esbravejar.
— O que está fazendo? Não sou um capacho — ela protestou, embora se
sentisse como um que alguém quisesse se limpar.
— Tentando impedir que você pegue fogo, sua irresponsável! Não tenho
tempo para segurar sua mão! — Travis vociferou.
— Eu jamais lhe pediria isso! — ela afirmou, brava e, então, olhou para baixo.
Assustada, viu a bainha da saia queimada. — Ah, meu Deus! Não fazia idéia de que
tinha chegado tão perto do fogo.
— É preciso tomar cuidado junto aos tachos — Jeremy a advertiu. — Como
pode ver, é um lugar perigoso.
— Lamento muito. Mas a fumaça era tão densa que eu não podia enxergar
bem. Devo ter me aproximado demais.
— Isso não é desculpa para seu descuido — Travis a repreendeu. — Você
podia ter virado um torresmo.
— Isso sem dúvida o agradaria — Brooke replicou. Com um meio sorriso, ele
aproximou o rosto do seu.
— Talvez tivesse sido uma maneira de eu me livrar de você.
Embora ela quisesse estapeá-lo, o que queria mesmo era beijá-lo. Isso não
fazia o mínimo sentido. Mas talvez desse fim naquela expressão presunçosa dele.
— Você não tem tanta sorte, Travis Montgomery. Nunca se verá livre de mim
— ela afirmou, sorrindo.
Capítulo VI
É disso que tenho medo, Travis pensou ao ver Jeremy ajudar Brooke a
montar. Sabia que não deveria tocá-la, era perigoso demais. E não tinha certeza se
queria que o amigo o fizesse.
Brooke sequer olhou para ele ao partir a galope. Não que ele se importasse,
tentou se convencer. Estava acostumado a obter o que queria e a ignorar o que não
conseguia. Mas estava achando difícil tirar a sra. Hammond da cabeça. Tinha a
estranha sensação de que nunca se livraria dela, mesmo se tentasse muito. Aliás,
Brooke o tinha avisado disso.
Jeremy voltou para seu lado.
— Você tem uma sócia e tanto — ele elogiou ao olhar por sobre o ombro
para moça que se afastava. O que irritou Travis mais ainda. — O que vai fazer com
ela?
— Afugentá-la daqui — ele respondeu, provocando o riso de Jeremy.
— Desculpe lhe dizer, mas ela não parece ser do tipo que se assusta. E, ao
partir a galope, deu a impressão de estar bem determinada. — Cruzou os braços no
peito e olhou para o amigo. — E então, como essa dama fascinante veio a ser sua
sócia? Não posso imaginá-lo encontrando-a por conta própria e nem creio que você
queira uma sócia nos negócios.
Travis respirou fundo.
— Garanto que não tenho o mínimo problema para encontrar uma mulher
quando quero — afirmou com o orgulho ferido.
Jeremy não conteve um sorriso.
— O problema é que você não quer uma. E para um homem que não quer
mulher alguma, no momento você conta com duas.
— Meu pai escolheu Brooke — Travis se queixou. — Não posso imaginar por
que cometeu essa tolice. Ele podia ter sido muitas coisas, mas tolo não era. Quem
sabe não foi seu presente de despedida antes de morrer — acrescentou com
sarcasmo.
— Bem, sua mãe escolheu Hesione — Jeremy o lembrou. — Talvez seus
pais achassem estar na hora de você se casar, e cada um escolheu uma candidata.
Entendo disso — afirmou, rindo. — Meus pais fizeram a mesma coisa comigo.
Apenas tive sorte ao conseguir evitar o laço no pescoço. Mas creio que a escolha de
seu pai é muito superior à de sua mãe e bem melhor do que a da minha — ele
acrescentou com um riso seco.
Travis franziu a testa e protestou:
— É a minha noiva que você está insultando.
Jeremy ignorou a advertência. Não era segredo que Travis não amasse
Hesione.
— Se você fosse honesto, concordaria comigo. Você a ama?
— A quem?
— Hesione, claro — Jeremy respondeu, sorrindo.
Várias expressões passaram pelo semblante de Travis, enquanto ele tentava
formular uma resposta.
— O que sinto por Hesione não vem ao caso. Ela é uma pessoa agradável e,
como vem de uma das melhores famílias de Nova Orleans, será a anfitriã perfeita
para Moss Grove.
— E quando você se casar com ela seu avô reatará o relacionamento, não é?
Travis estremeceu, mas conseguiu disfarçar a reação. Seria possível
satisfazer o avô cruel? Ele próprio ouvira o avô queixar-se mais de uma vez que seu
nascimento havia arruinado a vida de sua mãe.
— Pouco me importa o que aquele velho rabugento pensa. Basta que meu
casamento com Hesione agrade minha mãe.
— E isso é motivo para se casar? E se sua noiva for frígida? Quem
esquentará sua cama? Pelo que observei, a moça parece ter gelo nas veias.
— Agradeço seu interesse, mas uma amante sempre suprirá o que uma
esposa não oferece. E eu gosto de Hesione. Ela foi a melhor escolha.
— Devo lembrá-lo de que sua última amante foi embora de Nova Orleans?
Quem sabe você pode convencer sua sócia a substituí-la.
Foi a vez de Travis rir, ciente de que isso jamais aconteceria.
— Considero isso uma possibilidade exígua. Como você já notou, ela é
diferente das outras mulheres que conheço. A única coisa que quero da sra.
Hammond é que passe sua metade da fazenda para mim e vá embora daqui.
— Você já lhe pediu isso?
— Sim, claro.
— E ela?
Travis deu de ombros.
— Respondeu que eu nunca me verei livre dela.
Jeremy não conteve um riso e deu um tapa no ombro do amigo.
— Desculpe, mas não posso lamentar sua sorte, amigo. Meu sangue agitou-
se no momento em que a ouvi falar. Essa é uma mulher por quem se pode morrer.
Talvez você devesse tentar conquistá-la.
— Controle-se — Travis o advertiu. — A mulher é perigosa. Jeremy percebeu
como ele estava tenso.
— Você quer dizer que não quer compartilhá-la?
— Não tenho nada para compartilhar — Travis retrucou. — Esta conversa já
me cansou. Você não tem trabalho em sua fazenda?
— Ora, ora. Você ficou bravo por causa de uma mulher de quem, segundo
alega, não gosta.
— Ando bravo desde que ela chegou.
Só então Jeremy percebeu que a sra. Hammond despertara o interesse de
Travis. Algo que mulher alguma tinha conseguido.
— Nesse caso você deveria se perguntar por quê — ele sugeriu ao montar.
— Calculo que Brooke o faz sentir algo que você nunca experimentou antes. —
Virou a montaria e pediu por sobre o ombro: — Por favor, se você puder me
emprestar um refinador de açúcar, mande-o lá para a fazenda.
— Suma daqui antes que eu resolva não ajudá-lo — Travis gritou ao dar um
tapa na anca do cavalo de Jeremy, mas acrescentou: — Amanhã mandarei Ben
para lá.
Precisava fazer alguma coisa para aliviar a irritação. Jeremy o tinha
provocado bastante e não feito nada para aplacar-lhe a raiva. Virou-se e olhou para
a moenda. Talvez o calor de lá o fizesse transpirar a mulher para fora de seu
sistema. A esperança era a última a morrer.
Quando Brooke voltou para a mansão, Mammy a recebeu com a notícia do
retorno de Prosper, o cozinheiro. Ele queria saber como Brooke desejava que fosse
a festa em que seria apresentada.
Ela esqueceu a irritação com Travis. Finalmente ia conhecer o cozinheiro,
cujos pratos ela ainda precisava provar. Mammy franziu o nariz.
— Que cheiro é esse? Parece de fumaça.
— Ah, quase esqueci! Chamusquei a bainha de minha saia — Brooke disse
ao mostrá-la para Mammy. — Acho melhor ir me trocar já. Voltarei dentro de meia
hora.
Tão logo retornou, ela e Mammy dirigiram-se à cozinha localizada nos fundos
da casa. Ao entrar, Brooke logo identificou o cozinheiro. Ele parecia um ditador
dando ordens aos subalternos.
Prosper era alto, magro, com a pele um pouco mais escura que a de Mammy
e cabelos grisalhos. Vestia-se de branco, inclusive o avental amarrado às costas.
Após um instante, ele virou-se e Brooke notou-lhe a expressão bondosa. Os olhos
castanhos a observavam tanto quanto ela o fazia. Prosper segurava uma colher de
pau com a mão direita, que, provavelmente, era para mexer uma panela ou bater
em algum dos ajudantes.
— Mademoiselle — ele a cumprimentou com um leve sotaque francês. —
Sou Prosper Ernest Fournier, a seu serviço — afirmou ao curvar-se. Com expressão
séria, acrescentou:
— Segundo entendi, a criadagem da mansão está agora sob suas ordens.
Surpresa, Brooke deu-se conta de que Prosper era o primeiro a reconhecer
seu lugar em Moss Grove.
— Sou proprietária da metade da fazenda, bem como o sr. Montgomery —
explicou. — É um prazer conhecê-lo finalmente.
— Sou um excelente cozinheiro. Fui treinado na França pelos melhores chefs
e faz dez anos que cozinho para os Montgomery.
Brooke sorriu. Ele parecia querer impressioná-la.
— Minhas exigências são simples. A cozinha é de meu domínio e a hora do
jantar, sete em ponto, tem de ser observada.
Brooke quase respondeu; "Sim, senhor". Mas imaginou se Prosper não
estava lhe indagando como desejava que ele agisse? Quem estava trabalhando
para quem ali?
— Obrigada, Prosper, por explicar as regras. Espero que você cozinhe tão
bem quanto estipula instruções. Caso sim, cada refeição será perfeita.
Ela viu o sorriso de Mammy antes que ela o disfarçasse. Prosper ficou tenso
e arregalou os olhos.
— Mademoiselle verá. Sou um excelente chef. Eu gostaria de sua aprovação
do cardápio para a festa de sexta-feira. — Tirou um pedaço de papel do bolso e
entregou a ela.
Brooke correu os olhos pelo papel. Os pratos escolhidos pareciam divinos.
— Você tem ótimo gosto, Prosper. — Olhou para Mammy e indagou: — Você
viu a lista?
— Oui.
Então, voltou a se dirigir ao cozinheiro:
— Se Mammy aprova, tudo bem comigo — disse ao devolver o papel.
— Como queira, mademoiselle — ele respondeu num tom seco.
Como Brooke soubesse quando era dispensada, saiu da cozinha.
Não era de se estranhar que Travis gostasse do sujeito. Ambos eram
ranzinzas.
Ao chegarem ao corredor, ela perguntou a Mammy:
— Ele é sempre tão atencioso?
A governanta a observou pelo canto dos olhos.
— Bem, essa é uma boa pergunta. Prosper não gosta que ninguém se
intrometa em sua cozinha.
— Ora, ele deixou isso bem claro — Brooke afirmou, sorrindo.
— Prosper sempre foi arrogante e jamais fez amizade com alguém. —
Mammy parou quando chegaram ao vestíbulo e continuou a falar: — Não foi por
culpa dele. Algumas pessoas não são como aparentam. Prosper trabalhou sob as
ordens de um grande chef em Paris. Foi lá que o duque provou sua comida e então
o convenceu a ser seu cozinheiro. Trabalhou na Inglaterra por um ano, até o duque
comprar Moss Grove e trazê-lo para cá.
— Por que será que Jackson não o levou de volta para a Inglaterra?
— Acho que foi porque a duquesa não se dava bem com Prosper. E ele
gostou muito de Nova Orleans. — Pensativa, Mammy acrescentou: — Sempre
pensei que o duque viria morar em Moss Grove. Ele adorava este lugar. — Com um
olhar vago suspirou e continuou como se falasse consigo mesma: — Alguma coisa
não deu certo. Ele não devia ter se envolvido com a sra. Margaret e...
Calou-se e balançou a cabeça. Compadecida, Brooke a tocou no braço.
— Eu a compreendo, Mammy. Você sentia afeto por Montgomery, como eu
também.
— Ele sempre foi bom para mim. E depois me mandou seu filho precioso.
— Você quer dizer que existe outro filho? Ambas se entreolharam e
desataram a rir.
Foi assim que Travis as encontrou ao entrar em casa.
— Será que perdi alguma coisa? — ele indagou.
— Não — Brooke respondeu. — Apenas uma bobagem entre duas mulheres.
Ao ver-lhe a expressão habitual, ela virou-se e saiu dali. Talvez ainda tivesse
muito trabalho com Travis, mas percebia que ela e Mammy já se entendiam, o que a
alegrava. Finalmente sentia que Moss Grove era seu lar.
Travis permaneceu no vestíbulo, imaginando sobre o que as duas
conversavam antes de sua chegada. Irritava-se com o fato de Brooke parecer muito
à vontade em sua casa.
Ele massageou a nuca e encostou-se no pilar da escada para observá-la
subir. Os cabelos tinham se soltado dos grampos e caíam pelas costas. Era lá que
seu olhar devia ter parado, mas isso não aconteceu.
Brooke tinha trocado o costume queimado por um vestido verde, mas sem as
habituais armações das anáguas. Ele prendeu o olhar nos quadris arredondados e
conscientizou-se da atração que sentia por ela. Ansiava tocá-la, mas isso era algo
que não podia fazer de maneira alguma.
No entanto, o corpo exuberante de Brooke fora feito para o amor e havia algo
insinuante nela que o instigava a possuí-la e sentir seu calor envolvendo-o.
Com a sensação de ter sido atingido no estômago, Travis endireitou a
postura. Para ser sincero, não se importaria se alguém o esmurrasse nesse
momento. Era evidente que precisava recuperar o bom-senso e apagar Brooke do
pensamento e o quanto a desejava. A moça estava lhe envenenando a mente.
— Algum problema? — Mammy indagou atrás dele.
Ele virou-se, depressa, sentindo-se como uma criança apanhada fazendo
algo errado.
— Ora, já fui até a sala de jantar, tornei a passar por aqui e o encontrei no
mesmo lugar olhando para a escada. Por acaso, esqueceu de dizer alguma coisa a
sra. Brooke?
— Não, claro — ele protestou, o embaraço mudando rapidamente para
aborrecimento. — Estou cansado e minha mente vagava.
— Ah, sei — Mammy disse ao arquear as sobrancelhas e sair dali.
Travis começou a subir a escada, certo de que Mammy se enganara ao
pensar que o conhecia muito bem. Ele estava precisando de uma bebida forte e de
um banho quente a fim de relaxar, pensou.
Na verdade, precisava de uma mulher, mas isso não seria possível tão cedo.
Estava ocupado demais com os afazeres da fazenda.
Talvez quando estivesse casado com Hesione conseguisse tirar Brooke da
cabeça. Depois de um ano, ela estaria mais do que disposta a lhe vender sua parte
de Moss Grove. Então, ele não teria de vê-la nunca mais.
Mas o que Brooke faria? Teria família ou um lugar para ir? Achava que não
pelo pouco que ela lhe contara. Uma suposição mais aterradora o dominou. E se ela
se casasse com alguém da região e passasse a freqüentar as mesmas festas que
ele? Não, isso jamais poderia acontecer.
Ele sentia-se meio perdido quando parou diante da porta do quarto e levou
alguns instantes para abri-la e entrar.
— Quer ajuda com seu banho, senhor? — Lucien, seu criado, ofereceu.
— Quero, mas antes me sirva um uísque duplo. Esperava, assim, poder
expulsar da cabeça a feiticeira de cabelos dourados.
Quando Brooke desceu à noite para jantar surpreendeu-se ao encontrar
Travis esperando por ela. Quase sempre ele não aparecia para fazer a refeição,
deixando-a a sós com o sr. Jeffries. Ela sentia-se contente por ter posto o vestido de
renda branca, apropriado para seduzi-lo.
Notou os cabelos úmidos de Travis e presumiu ser do banho. Teria ele
voltado mais cedo do campo para lhe fazer companhia no jantar? Não, a idéia era
absurda. Devia ser efeito de muito sol na cabeça. Desde sua chegada, Travis jamais
lhe fizera uma gentileza.
— Estou surpresa por vê-lo ao jantar.
Sorrindo, ele puxou sua cadeira perto do lugar que ocuparia.
— Prosper voltou. Só um tolo perderia uma de suas refeições.
Presunção sua pensar que Travis queria fazer-lhe companhia no jantar.
Deveria saber que ele não se daria a esse trabalho. Qualquer mulher de juízo sabia
que os homens pensavam no próprio estômago primeiro.
Uma certa comoção no vestíbulo prendeu a atenção de ambos e vozes
femininas aumentaram de volume ao se aproximarem da sala de jantar. Um
segundo depois, uma jovenzinha entrava anunciando:
— Estou em casa.
Capítulo VII
Brooke quase pulou da cadeira com o regresso inesperado. Havia pensado
que contaria com mais tempo antes que a noiva de Travis voltasse. Prendeu a
respiração quando a recém-chegada entrou na sala e correu para abraçar Travis.
— Sentiu falta de mim? — ela perguntou e o beijou no rosto.
— Nem um pouco — Travis respondeu ao estreitá-la entre os braços.
Devagar, Brooke soltou a respiração presa. Ao ver a jovem virar-se para ela,
percebeu que não se tratava de uma mulher adulta e sim de uma adolescente.
— Vejo que temos visita — a menina disse ao fitá-la.
— Não é bem uma visita. Se você se sentar, eu a apresentarei — Travis
respondeu com um sorriso forçado.
A criada já tinha surgido e arrumava um lugar à mesa, em frente ao de
Brooke. A garota não demorou a se acomodar.
— Brooke Hammond, esta é minha prima em segundo grau, Eliza Bordelon.
Ela tem doze anos, é teimosa e precisa de mão firme — Travis explicou.
— Por isso ela foi mandada para você? — Brooke perguntou com um sorriso
maroto.
— Talvez se possa concluir isso. Eliza está morando conosco neste último
ano, mas foi passar um mês com os pais. Como vê, a menina está de volta.
— Ora, primo! — Ela fez uma careta. —- Saiba que logo vou fazer treze anos.
— Continua uma criança e, como tal, você deve ser vista e não ouvida —
Travis ressaltou.
Eliza o ignorou e dirigiu a atenção para Brooke.
— A senhora é muito bonita. Já sei seu nome, mas não sei quem é e por que
está aqui.
A menina era tão simpática, que Brooke imaginou como poderia fazer parte
daquela família. Eliza também era bonita e ainda mantinha um certo ar infantil.
Sardas pontilhavam seu nariz petulante e os cabelos castanho-claros e brilhantes,
estavam presos dos dois lados da cabeça. Seus olhos curiosos também eram de
uma tonalidade linda de castanho. Do outro lado da mesa, ela observava Brooke
sem a menor inibição.
— A sra. Hammond é minha nova sócia nos negócios — Travis contou. —
Creio que o quarto dela fica perto do seu.
— Então ela está hospedada conosco? — Eliza perguntou. Travis respondeu
com um gesto afirmativo.
— Que divertido! — ela exclamou. — Eu não sabia que Travis tinha uma
sócia — acrescentou, olhando para Brooke, mas foi ele quem respondeu:
— Nem eu.
Eliza parecia mais interessada em Brooke do que em dar atenção a ele.
— Espero que você não se importe por eu ser sua vizinha de quarto —
Brooke disse com um sorriso.
— Não, claro. Estou adorando seu sotaque. A senhora é mesmo da
Inglaterra?
— Sou, sim. Foi uma longa viagem de lá até aqui.
Eliza apoiou os cotovelos na mesa, cruzou os dedos e encostou o queixo
neles.
— Aposto como sabe tudo sobre a última moda. Por acaso, teve uma festa
de despedida? Não posso esperar pelo dia em que eu puder ir a bailes e festas. Vou
dançar a noite inteira. Mas quero que me conte tudo sobre as famosas festas de
Londres em que esteve.
A menina era tão estimulante quanto a brisa fresca num dia de verão, e
Brooke se sentiu atraída por sua energia.
— Eu não tive uma festa de despedida, mas fui a muitos bailes e posso
entretê-la com tudo o que vi.
— Vou gostar muito! — Eliza exclamou.
Ao ouvi-la conversar com Brooke, Travis notou que não sabia nada sobre a
vida da sócia na Inglaterra. Depressa, convenceu-se de que isso não tinha a mínima
importância. Ela estava ali agora, atrapalhando sua vida.
— Por Deus, Eliza, você está muito tagarela esta noite. Não tinha permissão
para falar na casa de seus pais?
— Claro que sim! Mas meus irmãos e irmãs eram tão aborrecidos — ela
afirmou, revirando os olhos.
— Bem, não creio que alguém possa dizer isso a seu respeito. — Travis
tocou o sininho a seu lado. — Que tal jantarmos agora? Você deve estar faminta
depois da longa viagem.
No mesmo instante, uma criada entrava com uma terrina de sopa.
— Devem ser sete horas — Brooke lembrou-se, rindo.
— Exatamente — Travis confirmou.
Ao rir, as feições dele se tornaram mais suaves. Parecia quase um rapazinho,
ela pensou, e sentiu uma onda de excitação ao longo da espinha. Nada disso,
recomendou a si mesma. Não era ela quem devia ter tal reação e sim Travis.
Relanceou o olhar para ele e o viu mais interessado na sopa do que nela. Será que
havia perdido o jeito para seduzir homens?
— Não vai comer? — Travis indagou, fitando-a.
Brooke fez um gesto afirmativo ao pegar a colher para tomar a sopa. Era
consistente e continha batatas, legumes e um tipo de carne branca, além de um
odor apetitoso.
A primeira colherada de sopa a surpreendeu.
— Simplesmente deliciosa! — exclamou.
— Não existe quiabo na Inglaterra? — Eliza indagou.
— Não. O sabor é muito diferente dos legumes a que estou acostumada. O
que é?
Travis parou com a colher no ar e sorriu.
— O quiabo é um dos legumes que só temos aqui no sul. Fico contente que o
aprecie.
Brooke continuou a tomar a sopa e, ao mesmo tempo, observava Travis
conversar com Eliza. Ele parecia mais relaxado essa noite. Talvez fosse pela
presença da menina.
Cada colherada da sopa parecia mais saborosa do que a última.
— Posso sentir o sabor de várias especiarias, algumas que não reconheço —
disse.
— Admito que esta é minha sopa preferida — Travis confessou ao pegar a
cesta de pão recém-assado, oferecer às duas e então servir-se de uma fatia.
A cada novo prato servido, Brooke admitia que Prosper não tinha se
vangloriado sem razão. Era um cozinheiro excelente.
Finalmente a sobremesa foi trazida. Era um bolo de quatro camadas, coberto
com um glacê cremoso. Ao admirá-lo, Brooke sentiu água na boca e, quando o
provou, sua primeira impressão foi confirmada.
Depois de saborear o último pedacinho, declarou:
— Sem dúvida foi a melhor refeição que já fiz.
— De fato, Prosper é ótimo. Foi uma das boas coisas que meu pai me deixou
— Travis afirmou.
— E eu fui outra — Brooke acrescentou, mas ele não se deu ao trabalho de
comentar.
— Fiquei sabendo de seu pai, primo. Senti muito — Eliza disse.
— Obrigado, menina — Travis agradeceu e mudou logo de assunto. —
Agora, conte-me como encontrou sua família.
— Como sempre — Eliza respondeu, dando de ombros.
— Você tem irmãos e irmãs? — Brooke quis saber.
— Ora se tenho! — a menina exclamou, rindo. — São oito ao todo.
— Não diga! Aposto como você não sabe dizer o nome de todos — Brooke a
desafiou.
— É claro que sei! São Constance, Marguerite, Felicite, Maria, Nicholas,
Jean, Hortense e Gertrude. Está vendo? Não sobrou muito lugar para mim e foi por
isso que pedi para vir ficar com o primo Travis e a tia Margaret.
— Não posso imaginar haver tantos numa família — disse Brooke.
— A senhora não tem irmãos e irmãs?
— Nenhum. Apenas eu — ela respondeu e sentiu uma ponta de tristeza.
Sua vida teria sido diferente se contasse com uma família que a amasse?
Jamais descobriria.
— Isso me parece maravilhoso. — Eliza suspirou. — Acho que eu devia ser
filha única, mas acabei na família errada.
Travis deu-se conta de que a conversa da prima lhe fornecia alguma
informação sobre a hóspede intrusa. Por isso, não chamara sua atenção por fazer
perguntas impróprias.
— Podem me dar licença? — Eliza pediu ao pôr o guardanapo ao lado do
prato, interrompendo as reflexões de Travis.
Ele não percebeu que fitava Brooke até a prima estender a mão e tocá-lo no
braço.
— Primo Travis?...
Ele desviou o olhar para menina que parecia esperar uma resposta.
— O que foi? — indagou.
— Perguntei se podem me dar licença. Foi um dia longo demais e estou
cansada.
Travis respondeu com um aceno afirmativo. Só então Eliza levantou-se e o
beijou no rosto.
— Boa noite, sra. Hammond — despediu-se e saiu, deixando Brooke e Travis
a sós.
— Às vezes esqueço como essa garota é tagarela — ele disse.
— Achei-a encantadora e, sem dúvida, um sopro de ar fresco aqui.
Travis exibiu um sorriso de desdém.
— Creio que acabo de ser insultado. Foi a vez de Brooke sorrir.
— Só se você considerar a verdade ofensiva. Deve admitir que o ambiente
desta casa é sombrio demais.
— Lembre-se de que a opção de ficar aqui é sua — ele resmungou.
Brooke não queria discutir com Travis essa noite e por isso ignorou a
alfinetada.
— Você pode pedir a Prosper para vir até a sala?
Para sua surpresa, ele a atendeu. Quando o cozinheiro entrou, olhou para
Travis.
— Em que posso servi-lo, senhor?
— É ela quem quer falar com você — Travis respondeu ao apontar para
Brooke.
Prosper olhou para ela e curvou-se ao murmurar:
— Mademoiselle?
— Eu queria lhe dizer que esta refeição foi certamente a melhor que já tive o
prazer de apreciar. Deste dia em diante, Prosper, você contará com minha inteira
admiração. É o melhor chef da atualidade.
— Obrigado — ele respondeu com expressão confiante. — Creio que deve
haver um ou dois melhores do que eu.
— Eles teriam de provar isso a mim — Brooke afirmou, rindo.
Dessa vez Prosper riu. E então virou-se para Travis.
— Mais alguma coisa, senhor?
— Não, é só — Travis respondeu e, tão logo o viu se retirar, voltou-se para
Brooke. — Desconfio de que você o conquistou.
Brooke levantou-se e se aproximou da cadeira dele.
— Mas não o senhor da mansão? Travis ergueu a cabeça e a encarou.
— Você quer me conquistar? — perguntou.
Brooke pensou por um momento. Por duas vezes seguidas, ele a tinha
tratado por "você".
— Eu gostaria que fôssemos amigos — respondeu e o tocou no braço.
No mesmo instante sentiu um choque ao longo do seu e puxou a mão. Notou
o olhar perplexo de Travis e teve certeza de que ele tivera a mesma reação. Temeu
estar perdendo terreno. Percebia que ele se retraía e voltava a se esconder atrás do
escudo. E as palavras seguintes dele confirmaram isso.
— Lamento, mas é cedo demais, Brooke. Você terá de dar tempo ao tempo
— ele sugeriu.
Brooke não respondeu. Travis achava perda de tempo ou preferia conhecê-la
melhor? Quem sabe. Pelo menos começara a tratá-la por "você" e pelo primeiro
nome. Ou será que afinal ele não a queria fora de sua vida?
Com algo novo para considerar, Brooke virou-se e saiu da sala ao mesmo
tempo em que pensava: Mas não disponho de tempo. Você não entende?
Mais tarde naquela mesma noite, uma tempestade vinda do golfo, trazendo
ventania, chuva torrencial e relâmpagos seguidos por trovões atingiu a fazenda. Um
raio caiu perto da mansão.
O estrondo foi tão alto, que Brooke sentou-se na cama com o coração
disparado. O olhar aflito percorreu o quarto na penumbra, enquanto ela tentava
acalmar a respiração.
— Não seja tola. É apenas uma tempestade — disse si mesma.
Sempre repetia essas mesmas palavras que jamais surtiam efeito.
Que tolice ter medo de tempestades se elas não eram mais do que vento e
chuva. Porém, cada vez que ouvia os barulhos de uma, via-se de volta à infância e
a lembranças deprimentes.
Sua mãe a tinha deixado no internato de uma escola durante uma
tempestade sem ao menos lhe dar um abraço. Depois disso, ela havia ficado quase
só por conta própria. Podia se lembrar de muitas noites, agarrada a seu cobertor
preferido, rezando para que o temporal amainasse. Desde aquele tempo, as
tormentas pareciam causar problemas em sua vida.
As outras meninas, claro, não sentiam medo e a provocavam por ser tão tola.
Todas, exceto Jocelyn que se tornara sua amiga. Em vão, ela tentava se convencer
de que não havia nada a temer.
Mesmo nesse momento, ali na mansão, ela imaginava que coisa terrível
poderia lhe acontecer. A única idéia que lhe ocorreu foi a possibilidade de a noiva
de Travis voltar mais cedo. Ela já havia levado esse susto na hora do jantar. Ergueu
os olhos e rezou:
Deus, não permita que isso aconteça e me dê uma chance.
Afastou as cobertas, levantou-se e foi até a lareira. Na cesta ao lado, pegou
um graveto e encostou a ponta num carvão em brasa. Tão logo pegou fogo, ela
apressou-se em acender a vela na mesinha de cabeceira. A luz suave a fez se
sentir um pouco melhor. Porém a seguir, o estrondo de novo trovão repercutiu nas
proximidades.
Brooke sabia que precisava fazer algo a fim de não pensar na tempestade.
Talvez devesse ir pegar um livro na biblioteca. Em outras ocasiões, havia
conseguido se distrair lendo uma boa história.
Pôs o penhoar rosa e amarrou bem a faixa na cintura. Não se preocupava
com a aparência, a essa hora da noite ninguém devia estar fora da cama. Pegou o
castiçal com a vela e saiu para o corredor.
Com cuidado, desceu a escada, os pés descalços sem fazer ruído. Vendo
que não havia ninguém ali embaixo, dirigiu-se à biblioteca. No instante em que abria
a porta, um raio atingiu uma árvore na vizinhança da mansão. Ela estremeceu e a
cera quente da vela caiu em seu dedo.
— Maldição! — praguejou antes de levar o dedo à boca. Não havia dado
mais do que dois passos no aposento às escuras, quando alguém disse:
— Que linguagem imprópria para uma dama. Vejo que você também não
pôde dormir.
Assustada, Brooke abafou uma exclamação. Tendo de enfrentar Travis além
da tempestade, deixava seus nervos em frangalhos.
— Não imaginei que você ainda estivesse de pé e, muito menos, encontrá-lo
aqui no escuro.
— É muito difícil dormir quando se dá conta de que esta maldita tempestade
veio atrapalhar o corte da cana.
Travis virou-se da janela em cujo parapeito estivera encostado.
Com os olhos já acostumados às sombras, Brooke podia distinguir o físico
forte dele.
— Venha ver como o vento e a chuva estão arruinando nossa safra — ele a
convidou.
— Eu... eu...
— Você não está com medo, não é? — Travis perguntou. Claro que sim, ela
queria responder, mas jamais revelaria sua fraqueza.
Ao chegar mais perto, pôde sentir o aroma de cereja do cachimbo dele.
— Desci apenas para pegar um livro. Não quero perturbá-lo.
— Pela primeira vez, não é? — Travis disse com ironia. — Ora, a safra é sua
também.
Ao aproximar-se mais, ela sentiu o ar frio, que entrava pela janela
entreaberta, refrescar seu rosto afogueado.
Naturalmente, Travis tinha uma opinião diferente da sua sobre tempestades.
Olhou para fora e viu que a vidraça era protegida pela varanda, o que impedia a
entrada de água. Sentiu-se um pouco mais segura ao observar a chuvarada.
— Todas as tempestades aqui são assim?
— Às vezes — Travis respondeu ao largar o cachimbo no parapeito e pegar
um copo.
Brooke detectou o cheiro de conhaque. Imaginou há quanto tempo ele vinha
bebendo. Ao notar a direção de seu olhar, Travis ofereceu-lhe o copo.
— Vai esquentá-la — afirmou.
Para seu espanto, ela aceitou, tomou um pequeno gole e agradeceu ao
devolver o copo.
A luz de um relâmpago permitiu que Travis visse uma gota de conhaque em
seu lábio inferior. Antes que ele pudesse removê-la, Brooke passou a ponta da
língua, livrando-o da tentação.
Por fora, ele se mantinha impassível. Por dentro o sangue fervia.
Travis não tinha acreditado quando a vira na biblioteca, coberta apenas por
um penhoar cor-de-rosa, cuja abertura oferecia a visão de sua pele acetinada e tão
alva como o alabastro. Lembrava uma estátua e não o espinho na carne dele.
Em vez de soltar um gritinho e sair depressa como uma virgem, Brooke dera
a impressão de não estar nem um pouco constrangida com a roupa imprópria. Ora.
ela era viúva e, portanto, conhecia o toque de um homem. Mesmo assim deveria
exibir modéstia.
O que o intrigava era se ela apreciava o contato íntimo com um homem. Ou
será que ficava deitada como uma estátua e apenas suportava a intimidade? Teria
ela amado o marido?
A conjetura o fez cerrar os dentes. Irritava-se com seu interesse. Precisava
concentrar-se em algo que não fosse aquele corpo exuberante diante dele. Sentiu a
agulhada da carência em vez da indiferença que tanto desejava.
— O conhaque ajudou? — ele indagou num tom estranho de voz que,
esperava, Brooke não houvesse notado.
— Ah, sim — ela respondeu, olhando pela janela e não para Travis. — A
bebida me esquentou.
Sem dúvida não era o conhaque que o esquentava. O fogo do desejo o
consumia e precisava ser extinto.
— Você aceita mais? Tenho várias garrafas. Ela riu antes de fitá-lo.
— Essa seria uma maneira de suportar a tempestade — disse e tomou mais
um gole de conhaque. — Nunca pensei em bebida como solução.
Travis apreciou o tom suave de sua voz, embora percebesse que ela estava
um pouco nervosa.
Novo relâmpago seguido pelo estrondo do raio que caía perto da varanda a
fez dar um passo para trás e chocar-se contra ele.
— Oh, desculpe — disse com voz embargada.
Travis a amparou e a sentiu estremecer. Tornou a pôr o copo no parapeito da
janela e a puxou contra ele, envolvendo-a com os braços.
— Você está com medo?
Brooke fez um gesto afirmativo e apoiou o rosto no peito largo.
— Pode ser franco e dizer que sou covarde. E se uma tempestade me
assusta como posso pretender administrar uma fazenda?
— A tempestade não pode lhe fazer mal aqui — ele murmurou com o queixo
encostado nos cabelos dela, tentando acalmá-la. — Gosto de tempestades.
— Imagino. — Brooke tentou sorrir.
Travis não tinha notado, até então, como a altura dela era perfeita,
encaixando-se tão bem entre seus braços. Também não percebera o quanto ela era
delicada até o momento de pressionar o corpo esguio contra o seu.
Novo trovão a fez aconchegar-se mais. De certa forma, não eram mais
inimigos. Haviam se tornado duas pessoas em busca de conforto. E Travis admitia
que Brooke lhe despertava uma ponta de meiguice e protecionismo que ele
ignorava possuir.
— Acalme-se — murmurou.
Depois de um instante, ela disse baixinho:
— Sou tão covarde. Travis ergueu o rosto bonito.
— Não acho. Conte-me por que está com medo.
— Prefiro não aborrecê-lo — ela sussurrou.
— Eu não teria perguntado se isso me entediasse.
— Não tenho muita cer... — Brooke calou-se, interrompida por um trovão
ensurdecedor. Então, terminou: — Certeza. Mas acho que começou quando eu era
criança. Minha mãe me internou numa escola quando eu tinha cinco anos. Ela dizia
que era a melhor coisa para mim. Eu não queria ir, estava com medo e queria ficar
junto dela. Mas ela não me atendeu.
— E quanto a seu pai?
— Lembra-se de que eu já lhe disse que éramos bem parecidos? — ela
perguntou, referindo-se à conversa de ambos no estábulo. — A diferença é que
você conheceu seu pai. Eu nunca vi o meu. Ele pagava minha escola e roupas, pelo
que eu deveria ser grata — ela acrescentou com um sorriso triste.
Travis a estreitou mais entre os braços. Uma rajada de vento fez a chuva
entrar pela janela e respingar neles e, por um momento, ficaram em silêncio.
— Desculpe se a interrompi. Termine sua história.
— Você tem certeza que quer ouvi-la?
Com o rosto sobre sua cabeça, ele roçou os lábios em seus cabelos.
— Quero, sim.
— No dia em que minha mãe me deixou na escola, chovia muito. E
engraçado como nada importante parece acontecer quando o sol está brilhando.
Muito tempo depois, quando eu já tinha doze anos, minha mãe voltou para verificar
meus estudos. Nessa ocasião, ela me contou muitas coisas a seu respeito. Quando
perguntei se podia voltar com ela, a resposta foi negativa. Pelo menos, ela
demonstrou pesar por não poder me levar. Nunca esqueci seu olhar triste. Também
naquele dia estava chovendo. Ao sair, ela me pediu para acompanhá-la até a saída
e eu a atendi. Quando abrimos a pesada porta de carvalho uma rajada de vento
invadiu o vestíbulo e a chuva nos molhou. Minha mãe riu e eu ainda posso me
lembrar do som bonito.
Brooke suspirou com melancolia, antes de continuar:
— Fiquei parada junto ao batente da porta, vendo-a se afastar fustigada pelo
vento. O estrondo de um trovão soou e me fez dar um passo para trás e fechar os
olhos como sempre fazia durante uma tempestade. Quando os abri, ela havia
desaparecido.
— Você ainda era menina — Travis argumentou. — Posso entender como
estava assustada. Mas, com certeza, você ia para casa nas férias, visitar sua mãe.
— Não, jamais voltei para casa. Passava todas as férias na escola e vi minha
mãe apenas mais uma vez.
— Quando foi isso?
— Eu acabava de completar dezesseis anos quando ela foi me visitar. Disse
que queria me ver e saber como eu estava. Então, me falou sobre meu pai. Ele era
duque e tinha uma esposa. — Trêmula, Brooke respirou fundo. — Posso ver tudo
como se tivesse acontecido ontem — murmurou num fio de voz.
Embora sentisse sua angústia, Travis manteve-se calado.
— Minha mãe levantou-se para ir embora, mas antes de sair, ela me beijou
no rosto. Eu recuei. Depois de todo aquele tempo, ela tinha se tornado uma
estranha para mim e não me despertava afeto algum. Ela percebeu e afirmou que
compreendia minha indiferença. Em seguida, vestiu a capa, abotoou-a, e puxou o
capuz sobre a cabeça. Acredite ou não, aquele era mais um dia tempestuoso.
Fez uma nova pausa e olhou para Travis.
— Antes de sair, ela tirou um papel da bolsa e me deu, dizendo que, se
algum dia eu precisasse de ajuda, a mulher cujo nome estava escrito ali, poderia me
socorrer. Agradeci e a vi sair para a chuva. Então, pressenti que ela saía de minha
vida. De repente, um trovão retumbou e eu tremi como sempre, mas estava decidida
a não me mexer dessa vez. Foi então que um raio atingiu o carvalho na margem da
alameda. Ouviu-se um estrondo. A árvore caiu, esmagando minha mãe com seu
peso — Brooke murmurou numa voz tão baixa, que Travis quase não a ouviu. —
Corri até ela, mas era tarde demais. Tudo o que pude fazer foi acomodar sua
cabeça em meu colo e ficar lá sentada até que alguém viesse e me tirasse da
tempestade. Antes de ir, eu a beijei no rosto — ela concluiu.
Travis não sabia o que dizer. A maioria das mulheres estaria debulhada em
lágrimas, mas Brooke não vertera uma gota sequer. Que tipo de criatura era ela?
Sem dúvida, não a dama mimada que ele imaginara no início.
Tocou seu queixo de leve e ergueu-lhe o rosto. Os olhos brilhavam com as
lágrimas retidas.
Travis disse a si mesmo para ir embora, deixá-la. Mas não conseguiu seguir o
próprio conselho. O que Brooke possuía que o incendiava, que o tentava tocá-la,
querendo provar seu sabor? Ele sempre havia se livrado da atração de qualquer
mulher, mas com Brooke era diferente. Talvez se a beijasse a assustaria o bastante
para forçá-la a ir embora, e também para satisfazer a própria curiosidade.
Incapaz de resistir mais ao encanto meigo, Travis inclinou a cabeça e roçou
os lábios nos de Brooke. Ela fechou os olhos e o abraçou por sob a jaqueta.
Rendeu-se com um suspiro enquanto ele deliciava-se com a maciez do corpo
esguio. Por Deus, ela era perfeita!
De maneira vaga, ele ouvia os trovões e a chuva batendo no telhado da
varanda. Seu pensamento, porém, concentrava-se mais na tempestade que rugia
em seu âmago.
Brooke foi apanhada de surpresa. Quase sempre percebia quando um
homem ia beijá-la e, a partir daí, tudo era planejado. Mas por um momento, antes de
Travis beijá-la, o olhar dele foi tão doce e compreensivo, que o sentimento a
surpreendeu, afastando todo raciocínio de sua mente.
O beijo de Travis era mais delicado do que ela poderia supor para um homem
viril como ele. Brooke jamais havia se sentido tão sem controle quando um desejo
arrebatador percorreu seu corpo.
Numa parte escondida da mente, ela se sentiu como uma virgem que nunca
tinha feito amor antes. Travis entreabriu seus lábios, fazendo-a gemer de prazer.
Então, ele se afastou e praguejou:
— Maldição!
Voltou a estreitá-la contra ele, apossando-se de sua boca com urgência
devoradora. Deslizou as mãos por suas costas e as deteve nos quadris. Brooke
tinha Travis como havia desejado, e, sem dúvida, ele também a desejava. Céus,
não estava habituada a isso!
Ela parecia ter esquecido, nos últimos dois anos, tudo o que sabia sobre
como controlar um homem. Ou talvez houvesse perdido a vontade de seduzir um.
Quem sabe ansiava por algo mais.
No pouco tempo em que estava ali, Travis tinha conseguido encher sua
cabeça com tolices.
Seu corpo moldava-se ao dele, fazendo-a perceber o quanto ele a queria.
Tudo o que precisava fazer para encorajá-lo era um movimento, porém não podia.
Jamais!
Afastou-se um pouco e Travis baixou a boca, semeando beijos deliciosos ao
longo de seu pescoço, enlouquecendo-a. Uma parte de sua mente lhe dizia para
reagir, mas uma voz suave, que nunca ouvira antes, repetia: Quero mais.
Empurrou-o, surpreendendo-se tanto quanto ele.
A mudança na expressão de Travis foi imediata e, depressa, ele readquiriu o
controle do corpo.
Nunca havia abraçado uma mulher que se ajeitasse tão bem a ele quanto
Brooke. O bom-senso retornava devagar. Ainda bem que o dela se manifestara
antes.
— Isto foi um erro — ele murmurou. — Desculpe, mas logo vou me casar
com outra moça.
Brooke o encarou, ciente de sua insensatez. Ela o tivera em suas mãos como
havia planejado, no entanto tinha parado e não fazia idéia por quê.
Não havia nada para fazer ou dizer, por isso, deixou-o.
Maldita consciência por interferir.
Ela não notou os passos ao sair do aposento. A única coisa que podia ouvir
gritando em sua cabeça era: Por quê? Brooke só esperava que sua sanidade
retornasse logo.
Capítulo VIII
Afinal, o que estava acontecendo com ela? A pergunta se repetia sem parar
na cabeça de Brooke. Na noite anterior, ela havia esquecido tudo o que aprendera
sobre sedução. Sabia como livrar-se das emoções e, anos atrás, havia ensinado a
si mesma a não sentir nada. Essa tática nunca tinha falhado. E só assim ela
conseguira sobreviver.
Depois de dispensar Millie Anne, ela foi até a janela e olhou para fora. Na
verdade, precisava de uns momentos a sós. Viu alguns criados catando o entulho
espalhado pela tormenta da noite anterior. O vento podia ter parado, mas a
tempestade em seu âmago persistia, poderosa.
Fechou os olhos e respirou fundo, recordando os beijos mágicos que havia
trocado com Travis à noite. Ainda podia senti-los.
Brooke tinha beijado muitos homens, mas haviam sido beijos indiferentes.
Travis a fizera sentir algo jamais provado antes. Ela nunca imaginara ser possível
experimentar desejos tão profundos, não apenas por excitação, mas por uma
emoção nova que não reconhecia.
Esse era o problema.
Ela havia perdido o controle da situação e agora não sabia o que fazer.
Abriu os olhos e balançou a cabeça. Como podia ter sido tão ingênua? A
primeira lição que havia aprendido anos atrás era jamais deixar homem algum se
tornar íntimo demais e sempre mantê-los a certa distância. Regra que ela sempre
seguira.
Dessa forma, poderia dispensá-los e nunca se arrepender.
Alguns poucos admiradores tinham lhe suplicado para ficar com eles, porém,
ela os rejeitara. Sempre havia feito tudo de acordo com seus próprios termos e
acabara pensando que tinha gelo nas veias.
Lembrou-se de um príncipe russo que lhe tinha escrito:
Estou viajando em minha carruagem pelas montanhas Urais com seu retrato
no banco oposto ao meu. Anseio vê-la, Brooke. Por favor, volte para mim.
O príncipe lhe daria tudo o que quisesse, contudo ela não voltara para ele.
Talvez tivesse mesmo gelo nas veias.
Então o que tinha acontecido para o gelo derreter?
Ela nem gostava de Travis, aliás, era algo impossível. Seria mesmo? Claro,
disse a si mesma com firmeza. Deveria ser fácil ignorá-lo. No entanto, ela havia se
desviado de seu objetivo quanto a negócios. Talvez devesse ter uma conversa com
ele. De maneira calma, salientaria o fato de estarem ligados por uma questão de
negócios e, portanto, deveriam tomar uma decisão proveitosa a ambos.
Uma batida na porta do quarto interrompeu suas reflexões.
— Entre — disse e virou-se de costas para a janela.
— Bom dia — Eliza cumprimentou ao entrar. — Sentimos sua falta no café da
manhã.
— Eu estava sem fome — Brooke desculpou-se, ciente de que a menina
falava apenas por si mesma. — Seu primo ainda está lá embaixo?
— Não. Ele já saiu para ir verificar os estragos causados pela tempestade
dessa noite. Não posso acreditar que não acordei com o barulho da chuva.
— Incrível, pois era tão forte que eu quase não dormi — Brooke admitiu,
lembrando-se da intensidade da tormenta.
— A senhora deveria ter ido a meu quarto para eu lhe fazer companhia —
Eliza disse ao sentar-se na beirada da cama.
— Não pensei nisso naquela hora.
Na verdade, tinha perdido a capacidade de pensar. Mas teria sido bem mais
seguro ficar no quarto da menina do que na biblioteca.
— Adivinhe uma coisa.
— O quê? — Brooke perguntou ao notar a excitação da menina.
— O primo Travis disse que posso ir à festa desta noite, mas para ficar só um
pouco de tempo. Por isso, preciso de sua ajuda para escolher o vestido perfeito.
— Será um prazer — Brooke afirmou. Uma boa distração que afastaria Travis
de sua cabeça. — Vamos lá para ver o que temos.
No quarto de Eliza examinaram cada peça do guarda-roupa. Brooke
segurava um vestido e logo as duas o rejeitavam.
— São todos tão infantis — Eliza reclamou. — Daqui a três meses
completarei treze anos, serei praticamente uma adulta.
Brooke sorriu. Como todas as meninas de sua idade, Eliza tinha pressa de
crescer.
— Tenho uma idéia — disse ao pegar um vestido de gaze cor-de-rosa. —
Este é lindo. Tenho umas plumas de um rosa mais escuro que podemos usar para
enfeitá-lo. Vamos pedir a Mammy para arranjar alguém que possa costurar as
plumas ao redor da bainha. Um pouco de renda no decote também ficará lindo. O
que você acha?
Eliza bateu palmas.
— Maravilhoso! E graças à senhora. Estou tão contente que esteja aqui em
vez de Hesione.
— Você não gosta dela? — Brooke perguntou.
— Não muito — Eliza respondeu e fez uma careta.
Brooke estendeu o vestido na cama e pôs-se a examiná-lo. Tentava não
mostrar interesse no assunto, mas morria de curiosidade sobre a outra moça.
— Sem dúvida seu primo tem uma opinião diferente.
— Penso que Travis tem seus motivos.
— Não diga! — Brooke exclamou antes de fazer nova pergunta. — Você
acha que amor não é a razão para ele se casar com Hesione?
— Acho que Travis gosta dela o suficiente, mas vai se casar com ela porque
Hesione pertence a uma família sulista de prestígio.
— Ele não me deu a impressão de se importar com influência.
— Vejo que a senhora já o conhece bem — Eliza disse, sorrindo.
— Não tenho certeza de quanto o conheço, mas tenho a impressão de que
ele não pode ser forçado a fazer algo que não queira.
— É verdade e eu não devia estar batendo com a língua nos dentes. Mas
acho que Travis vai se casar com Hesione para agradar minha tia. O pai a rejeitou
quando ela teve meu primo, porque ela era solteira. Uma vez ouvi minha mãe contar
isso. Ela não sabia que eu estava prestando atenção na conversa. Disse que meu
avô tinha planos de casar tia Margaret com um moço respeitável, mas minha tia
conheceu o duque e se apaixonou por ele. Pensava que largaria a esposa e ficaria
com ela. Mas isso não aconteceu, e ele a deixou e voltou para a Inglaterra. O
escândalo que atingiu a família transformou meu avô num homem amargo.
Brooke não queria mostrar interesse pelo caso, porém precisava comentá-lo.
Quanto mais se inteirasse da história de Travis, mais fácil seria forçá-lo a satisfazer
sua vontade.
— Entendo que isso tenha causado um escândalo. Mas quando Jackson
reconheceu Travis como filho e lhe deu a fazenda a situação não melhorou?
— Não. Os sulistas são muito orgulhosos e não gostam de perdoar. Eu não
devia dizer isso, mas minha tia também é uma pessoa amarga. Sempre foi boa
comigo, mas o tempo todo culpa o filho por ter estragado sua vida.
— Mas Travis não teve nada a ver com isso. Não pediu para nascer —
Brooke tratou de defendê-lo. — Era apenas uma criança. Margaret foi quem se
comportou mal e merece a culpa.
Eliza lhe dirigiu um sorrisinho antes de dizer:
— Acho que você gosta de meu primo.
Brooke a fitou com olhar perplexo. Por que a menina pensaria uma coisa
dessas? Fazia perguntas somente porque estava interessada... E... talvez, um
pouco curiosa.
— Digamos que ele subiu um pouco em minha estima. E você mostrou um
lado diferente dele.
— Adoro meu primo, menos quando está ranzinza. Então, mantenho
distância dele — Eliza confessou.
— Conheço esse sentimento — Brooke afirmou, enquanto pegava o vestido
de Eliza. — Vamos procurar Mammy e ver se ela pode indicar uma pessoa capaz de
fazer a reforma que queremos.
Travis esforçou-se para ficar longe da mansão e de Brooke, em especial.
Tinha sido um tolo na noite anterior. Como permitira que a moça se aproximasse
tanto? E agora, tendo provado seu beijo, percebia que não estava saciado como
esperara. Pelo contrário, queria mais. Porém, a que preço?
Refletiu como Brooke se sentiria quanto a ser sua amante. Ele se atreveria a
lhe perguntar?
Puxou as rédeas e parou a montaria. Não havia tempo para pensar nisso,
pois chegava ao canavial. O que viu não o agradou nem um pouco. Aparentemente,
havia perdido metade da safra e se os trabalhadores não começassem logo a cortar
o resto da cana, tudo corria perigo.
Será que as condições do tempo conspiravam contra ele? Estremeceu ao
observar os homens tentar soltar as carroças presas na lama.
— Maldição! — resmungou ao desmontar e se aproximar de uma delas.
Com o ombro, tentou soltá-la da lama. Também podia se sujar.
Enrolada na toalha de banho, Brooke abriu o guarda-roupa. Queria causar
boa impressão durante a festa. Seria a primeira vez que encontraria os vizinhos.
Afobada, Millie Anne entrou no quarto.
— Desculpe eu chegar atrasada, mas tive de levar o vestido da srta. Eliza.
Está pronta para começar a se vestir? Os convidados logo começarão a chegar.
Depois de examinar os vestidos, Brooke escolheu um de seda e cetim azul
royal.
— Acho que vou usar este.
— Essa cor vai realçar sua beleza — a criada disse ao alisar as anáguas. —
Agora, deite-se na cama para eu massageá-la com óleo de amêndoas. Mammy
disse para eu não esquecer disso. O óleo deixará sua pela ainda mais bonita.
Brooke sorriu. Talvez Mammy começasse finalmente a gostar dela. Seria
uma vitória sua.
Quando Millie Anne terminou, ela estava tão relaxada que se sentiu tentada a
dormir e esquecer a festa. Mas resistiu. Levantou-se, pôs o espartilho e segurou-o
para que Millie Anne pudesse amarrar as fitas que o fechavam. Em seguida, a
criada passou as anáguas por sua cabeça e, finalmente, o vestido.
— Este vestido é o mais lindo que já vi — Millie Anne afirmou.
Em seguida, ela ajeitou a blusa para que exibisse os ombros. O decote baixo
revelava uma tentadora visão do colo sob uma névoa de renda bege, completando
uma aparência muito sedutora. Millie Anne não se conteve e declarou:
— A senhora vai ser a dama mais linda da festa!
— Obrigada. Este vestido é a última moda francesa. Mandei fazê-lo um
pouco antes de partir da Inglaterra e é a primeira chance que tenho para usá-lo. —
Brooke passou a mão pelos cabelos. — Você vai conseguir domar estes caracóis?
— O que acha de puxá-los para o lado? Posso entremeá-los com fitas
douradas e azuis. As douradas combinarão com seus olhos.
Brooke sorriu e disse:
— Faça sua mágica.
Ficou muito satisfeita quando a criada terminou o penteado. Abriu a caixa de
jóias e escolheu um colar que Jackson tinha lhe dado. Era uma corrente de ouro
com um pingente de safira azul-escuro.
Perfeito, Brooke pensou, satisfeita.
— O sr. Travis certamente não vai tirar os olhos da senhora — Millie Anne
declarou com um sorriso.
Essa é a idéia, Brooke pensou ao sair do quarto.
Logo ouviu a música que chegava ao segundo andar e, enquanto descia a
escada, as vozes dos convidados.
Travis, de costas ao pé da escada, sem dúvida a aguardava. Conversava
com Jeremy. E foi Jeremy quem a viu primeiro e não conteve um olhar de
admiração. Cutucou Travis que se virou de frente.
Ele estava impecavelmente vestido de preto com camisa e colete brancos.
Os cabelos castanho-claros contrastavam com o rosto bronzeado de sol. Ele exibia
um ar viril e de confiança.
Estava tão atraente que quase roubou o fôlego de Brooke. Quando a fitou
com os olhos azuis, ela se sentiu enrubescer. Quis desviar o olhar, mas não
conseguiu. E nem percebeu dar os últimos passos.
Jeremy estendeu-lhe a mão.
— Você está adorável, minha cara — disse sem tentar disfarçar a admiração.
— Obrigada — Brooke agradeceu, mal notando que Jeremy estava quase tão
atraente quanto Travis.
— Madame — o rapaz murmurou, chamando sua atenção.
Então, ofereceu-lhe o braço para ela apoiar a mão. Não elogiou seu vestido
e, muito menos a ela. No entanto, Brooke teve tempo de ver-lhe o olhar de desejo
antes que ele o disfarçasse.
Com a cabeça erguida, ela entrou no salão onde os convidados os
aguardavam. Travis parou quando encontraram Eliza e, em seguida conduziu
ambas à fila de convidados que esperavam para serem apresentadas.
— A senhora está tão linda! — Eliza murmurou. — E o que acha de meu
vestido?
— Se estivéssemos na Inglaterra, eu pensaria que você tinha uns quinze
anos — Brooke respondeu, e a menina não escondeu a alegria.
Não havia mais tempo para conversarem, as pessoas já começavam a ser
apresentadas. Brooke tentava ligar os nomes às feições, mas estava sendo difícil,
exceto em dois casos. O primeiro foi o avô de Travis, que a fitou como se ela fosse
um ser desprezível. Brooke fingiu não notar, mas esperava ter a chance de retribuir
o gesto.
O outro era um cavalheiro, acompanhado da esposa, que a fitou com olhar
penetrante. Por um segundo, Brooke teve a impressão de vislumbrar ódio na
expressão do homem.
Quando o casal se afastou, Eliza murmurou:
— Aqueles são os pais de Hesione.
Ora, não é de se estranhar que se mostrem tão frios, Brooke pensou. Mas
antes de comentar o fato, Travis perguntou:
— Você está pronta para iniciar o baile? Creio que cabe a nós dois fazê-lo.
— Você quer dizer que sabe dançar? — Brooke o provocou, a resposta de
Travis foi um olhar de zombaria.
Ele não sabia como ia resistir a uma mulher tão fascinante. O corpo todo
estava tenso desde o instante em que a vira flutuando como um ser etéreo pela
escada.
A última coisa de que precisava era ficar tão perto de Brooke, mas a primeira
dança pelos anfitriões era uma regra da etiqueta. Talvez se acabasse logo com
aquilo se veria livre dela, pensou ao conduzi-la à pista de dança. Estavam tão perto
um do outro que ele podia sentir-lhe o perfume inigualável. Lembrava-o de jardins
floridos, mas tinha certeza de que Brooke não era uma flor, e sim uma mulher atrás
de algo de que ele não queria abrir mão.
Travis abafou os pensamentos. Virou Brooke para ele e pôs a mão em sua
cintura delgada. Sentiu os olhares de todos os homens sobre eles, embora
soubesse que estavam admirando Brooke. A raiva quase o dominou, mas vendo o
decote do vestido dela, um tanto exagerado, como poderia culpá-los?
Ele fez um sinal para que os músicos iniciassem as notas de uma valsa.
Estreitou Brooke em seus braços e a conduziu pela pista de dança, notando o
olhar de surpresa dela. Viu as faces enrubescer e daria tudo para adivinhar o que
ela estava pensando.
— Então, como estou me saindo? — ele indagou.
— Muito bem. Vejo que já valsou antes.
— Várias vezes durante minha viagem pela Europa.
— E quebrou muitos corações, tenho certeza — Brooke disse.
Travis não se deu ao trabalho de comentar. Em vez disso, manteve o olhar
na safira no topo dos seios dela.
— Você não acha que seu decote é um tanto exagerado? — perguntou.
— É a última moda em Paris.
— Mas você não está em Paris — ele resmungou.
— Lamento se o constranjo, mas minhas roupas são todas européias.
— Isso é irrelevante — ele contrapôs em tom de censura. — Peço que você
disfarce seu decote na próxima vez que aparecer em público.
Brooke tentou refrear a raiva.
— Você fala como se fosse meu marido. Que direito tem de me dar ordens?
Somos apenas sócios nos negócios, nada mais.
Ele exibiu um leve sorriso.
— Entendido, madame.
Não falaram mais enquanto dançavam. A música arrefeceu a raiva de ambos,
e logo perdiam-se no ritmo da valsa enquanto se fitavam.
Brooke tinha consciência apenas dele, cujos braços a enlaçavam. O rosto
acima do seu era tão atraente e os lindos olhos azuis pareciam comandá-la à
vontade dele.
— Como você encontrou o canavial esta manhã? — ela perguntou, mudando
o rumo dos pensamentos.
Travis sentia-se como se contemplasse ouro puro. Gostava tanto de admirá-
la que, por um momento, esquecera-se do canavial. Brooke, porém, o trazia de volta
à realidade.
— Nada bem. Não sei se teremos uma safra. Quase toda a cana foi destruída
pela tempestade e a terra está barrenta demais para as carroças rodarem.
— Eu lhe disse que as tempestades não eram boas. Travis riu.
— Estou começando a concordar com você.
— Pela primeira vez — ela murmurou, achando impossível não rir também.
Para o desapontamento de Brooke, a valsa terminou e Travis a conduziu até
a mesa de bebidas. Acabava de lhe dar uma taça de ponche quando o avô se
aproximou.
— Eu gostaria de trocar uma palavra com você, meu rapaz — o velho homem
disse em tom autoritário. Olhou para Brooke e acrescentou: — A sós e já, pois estou
indo embora.
Travis tomou um gole do uísque antes de indagar:
— Tão cedo?
Brooke notou que ele não parecia nem um pouco desapontado.
— Leve-me até a porta — o avô ordenou. Travis olhou para Brooke e pediu:
— Por favor, me dê licença.
Furioso, acompanhou o chefe da família até o vestíbulo. Entraram numa
saleta onde poderiam conversar a sós. Antes de falar, o velho homem olhou para
Travis com expressão estranha.
— Não desrespeite esta família, rapaz!
— O que fiz desta vez? — Travis indagou, aborrecido. Tivera esse tipo de
conversa muitas vezes antes.
Sempre fazia tudo errado, inclusive o fato de ter nascido.
— Não gosto dessa mulher que trouxe para morar com você.
— O senhor não sabe nada a respeito dela. Fala como se eu a tivesse
pegado na rua — Travis rebateu.
— Eu a conheço o suficiente — Archie deLobel informou o neto. — Espero
que você faça a coisa certa.
Virou-se e foi embora como sempre fazia depois de repreender uma criança.
Várias horas se passaram numa confusão de músicas e conversas. Brooke
tinha dançado com todos os cavalheiros. Os vizinhos mostravam-se atenciosos,
porém, ela percebia que ainda não a aceitavam.
Algumas coisas jamais mudam, ela refletiu.
Estava tão cansada que nem se lembrava da última vez que tinha visto
Travis.
Ele, entretanto, não tirava os olhos dela, ainda mais quando ela valsava. Os
homens não deixavam de admirá-la. Cada vez que ela aceitava um novo parceiro,
ele tinha a sensação de que lhe tiravam o ar dos pulmões. Depois da primeira vez,
ele percebeu que estava com ciúme de quem tocava em Brooke.
— Quero trocar uma palavra com você — George D'Aquim exigiu.
Mais um?, Travis pensou. Primeiro fora o avô e, agora, o pai de Hesione. Que
diabos o homem queria? Naturalmente ele sabia, mas isso não o fazia se sentir
melhor.
— Vamos até a varanda — disse num tom seco. Uma vez lá, esperou que o
homem falasse.
— O que isto significa, Montgomery? — D'Aquim esbravejou. — Você está
noivo de minha filha e agora trouxe essa mulher para morar em sua casa.
Travis não deu a mínima importância ao tom acusatório do homem.
— Primeiro, eu não a trouxe para Moss Grove. Foi o procurador de meu pai
quem o fez. Segundo, Brooke agora é proprietária da metade de Moss Grove. A
fazenda é tanto dela quanto minha.
— Confesso que você ter permitido que isso acontecesse, me deixa um tanto
consternado. Não é apropriado uma mulher morar aqui.
— Não posso expulsá-la da própria casa, não acha? O rosto D'Aquim tornou-
se rubro.
— E quanto a minha filha?
— O que tem ela?
— Preciso lembrá-lo de que está noivo de Hesione? Travis começava a
perder o controle. Sentia-se farto com o fato de os dois homens o importunarem.
Tinha idade suficiente para tomar as próprias decisões, mesmo que essa situação
não fosse de sua autoria.
— Sugiro que o senhor saia de minha frente — Travis o avisou.
Então, deixou o homem gaguejando, desceu a escada e foi em direção ao
jardim.
O velho idiota pensava que ele ia curvar-se e lhe pedir perdão? Pois podia
desistir.
Brooke estava cansada de dançar. E também de sorrir enquanto trocava as
palavras de praxe. O único lugar que conhecia para escapar por uns minutos era o
jardim. Pelo menos lá, ela poderia respirar ar fresco e relaxar um pouco antes de
voltar ao salão.
Felizmente ela escapava sem um acompanhante, pensou enquanto descia a
escada da varanda que dava para o jardim. Uma brisa suave era um alivio depois
do ar quente lá de dentro. Tochas colocadas entre os canteiros forneciam luz para
que ela visse onde pisava.
Ao passar por um canteiro de rosas, parou e aspirou o perfume de um botão
vermelho. Não se desapontou por ser muito leve. Logo o tempo esfriaria e não
haveria mais rosas até a primavera. Com cuidado, ela quebrou o galho, mas um
espinho picou seu dedo, fazendo-a gemer.
— Às vezes deve-se desconfiar das coisas lindas. Brooke assustou-se com a
voz que não sabia de onde vinha, e virou-se depressa.
— Você precisava sair da escuridão para me amedrontar? Sem esperar que
Travis respondesse, foi sentar-se num banco de pedra. Lembrava-se de tê-lo visto
algumas vezes no salão, enquanto ela dançava. Achava estranho que ele não a
tivesse tirado outra vez para dançarem. Entretanto, Travis não tivera problemas
para fazê-lo com outra moça, que ria de tudo dito por ele. Estranho, ela nunca havia
achado graça no que ele dizia.
Pela primeira vez na vida, Brooke sentira ciúme. E não tinha gostado nem um
pouco disso.
Travis aproximou-se do banco e disse:
— Simplesmente não posso me ver livre de você.
— Parece que cheguei aqui primeiro. E o que você está fazendo no jardim,
ignorando seus convidados?
— Posso lhe fazer a mesma pergunta — Travis respondeu. Evidentemente,
ele estava com humor igual ao seu, Brooke deduziu pelo tom de voz.
— Eu precisava de um pouco de ar fresco — ela admitiu. Travis pôs o pé no
banco e apoiou o braço no joelho.
— Admito que o ar aqui esteja bem melhor, mas pensei que você adorasse
festas e apreciaria cada momento.
Ela o fitou nos olhos que pareciam tempestuosos.
— Mais uma vez, você tenta me decifrar e, como sempre, erra.
— Será? Notei como você apreciava dançar com cada homem presente.
Brooke mal podia acreditar que ele tivesse, de fato, notado qualquer coisa
nela.
— Então você estava contando com quantos eu dancei?
— Não, apenas observando.
— Você podia ter me tirado outra vez para dançar. Ou estava ocupado com
algo mais importante?
— E estragar sua diversão de capturar o coração de cada homem? — ele
perguntou ao endireitar-se e fitá-la bem dentro dos olhos.
Bem, a conversa não seguia como ela havia esperado, Brooke deduziu.
Travis não parecia disposto a ser seduzido. Estava bravo. Ou com ciúme?
De repente, a idéia a agradou muito.
— Então por que veio aqui para fora, Travis? Sem dúvida não foi para me
irritar.
Antes de responder, ele acendeu um charuto, aspirou e soltou a fumaça que
se espalhou pelo ar.
— Eu precisava me acalmar após uma conversa com o pai de Hesione.
Brooke mal conteve a curiosidade, mas disfarçou-a ao dizer apenas:
— Ele não me pareceu um homem muito simpático.
— Na verdade, é muito inconveniente.
— O que ele queria?
— Que eu me livrasse de você. Brooke levantou-se num pulo.
— Ora, que atrevimento! É claro que você afirmou não poder fazer isso,
embora quisesse.
Travis não conteve um sorriso. Os olhos de Brooke brilhavam como os de um
felino furioso. Como seria domar essa tigresa selvagem? Sem outra palavra, puxou-
a de encontro a ele.
— O que você está fazendo? — ela perguntou. Travis notou que ela não
lutava muito.
— O que venho tentando fazer desde que a vi descer a escada esta noite —
ele murmurou. — Não permito que você flerte com outros homens em minha casa.
— Ela é minha também. Não se esqueça — Brooke o informou.
— Estou começando a odiar você.
Ela o fitou com um sorriso meigo antes de sussurrar:
— Eu sei.
Então, ficou na ponta dos pés e roçou os lábios nos dele.
Isso pareceu causar mais efeito em Travis do que um tapa no rosto.
A respiração de ambos se mesclou. Porém, ela percebeu que Travis tentava
resistir à carícia. Sem hesitar, tirou o charuto da mão dele e o atirou longe. Em
seguida, enfiou as suas sob o paletó dele, sentiu-lhe a tensão no peito e a
respiração ofegante.
— Creio que você mencionou antes querer fazer algo. Não quer me mostrar o
que é?
Capítulo IX
Travis contraiu o rosto.
— Maldição! — esbravejou ao puxar Brooke para os braços.
Apossou-se de seus lábios e os abriu antes que ela pudesse dizer uma
palavra. Brooke inclinou a cabeça para trás e suspirou ao sentir a língua invadir-lhe
a boca num beijo afoito.
No mesmo instante, foi dominada por uma excitação louca. Num gesto
possessivo, Travis acariciava suas costas.
Finalmente, ela pensou. Não perdi o jeito. Estava apenas enferrujada.
Travis fazia exatamente o que ela queria. Seduzi-lo ia ser puro prazer. Ela o
levaria a suplicar antes que a noite terminasse.
Ao pressionar o corpo contra o dele, Brooke sentiu a virilidade masculina
pulsando. Ciente de que precisava quebrar a concha com que ele se protegia,
tocou-lhe a língua com a sua e entregou-se ao beijo estimulante.
Travis ficou rígido.
Brooke aproveitou-se de sua vantagem, iniciando uma dança de línguas e,
pela primeira vez na vida, numa entrega absoluta. Com outros homens, apenas
seguia a ação sem jamais se excitar.
Uma carência, que sempre se mantivera adormecida, despertou provocando-
lhe uma vontade imensa de fazer amor com Travis. Que oponente poderoso ela
havia escolhido. Só agora entendia o que desejo ardente significava, embora o
tivesse visto nos olhos de muitos homens. Ansiava pelo único que lhe provocava
essa excitação selvagem em suas partes mais íntimas.
Impossível negar a evidência clara. Desejava Travis Montgomery.
Ele afastou os lábios dos de Brooke e desceu-os ao longo do pescoço até
alcançar o topo dos seios, que tanto desejava tocar. Maldita mulher, pensou. Ela
conseguira despertar-lhe a paixão. Puxou-lhe o decote, expondo os seios à
intimidade das carícias. Sem perda de tempo, tocou os mamilos com os dedos,
preparando-os para a boca faminta de amor.
Encontrei o céu, ele pensou.
— O que isto significa? — uma voz gritou de algum lugar.
Travis ergueu a cabeça, atônito com a intromissão repentina. Virou-se,
escondeu Brooke com as costas e encarou o intruso, disposto a esganá-lo.
— No instante em que a vi, percebi que era uma rameira! — George D'Aquin
esbravejou.
Atrás de Travis, Brooke cobriu os seios nus com os braços. Terrível ser
apanhada dessa forma. Sua reputação poderia ser arruinada.
— Se quiser viver para ver um novo dia, trate de se desculpar com a sra.
Hammond — Travis o ameaçou por entre os dentes.
— Jamais farei isso! — D'Aquin afirmou. — Você se esqueceu que está noivo
de minha filha? Parece que sim, pois eu o encontro aqui fora abraçado a outra
mulher — dardejou com olhar furioso. — Com isso, você desgraça minha família e a
sua. Seu avô vai ser informado dessa pouca-vergonha sem demora!
Travis a estava defendendo. Brooke deu-se conta e sorriu. Sentia-se grata
por ele tê-la escondido do olhar do homem, enquanto ela se recompunha. Então,
tentou passar para seu lado.
— Fique onde está — ele ordenou e retornou a atenção para o pai de
Hesione.
Travis ressentia-se do homem por ter lhe chamado a atenção como se ele
fosse uma criança. Assim seria sua vida se ele se casasse com Hesione? Não só
teria o avô e a mãe importunando-o, como também D'Aquin e a esposa. Embora
não lhes desse a mínima atenção, preferia viver sem importunações constantes.
— O senhor pode informar o que quiser a meu avô -— afirmou num tom
indulgente. — Mas comece contando-lhe que não sou mais o noivo de sua filha.
— Você não pode fazer isso! Seu avô é meu devedor — D'Aquin gaguejou.
Com as mãos nas costas de Travis, Brooke sentiu os músculos dele tensos
ao falar. Ouvia-o com apreensão crescente.
— Não sei o que meu avô lhe deve e nem me importo com isso, mas posso
lhe assegurar que Hesione é uma mulher livre — Travis pronunciou cada palavra
com cuidado e, então, acrescentou: — Vou me casar com a sra. Hammond dentro
de duas semanas. Faço questão de enviar um convite a sua família.
O quê?!, Brooke quase deixou escapar, mas fechou a boca a tempo. Travis ia
se casar com ela? Parecia que havia pulado uma parte de seu plano. Não tivera
intenção de convencê-lo a se casar com ela. Não se lembrava de tê-lo feito.
Irado, D'Aquin pulou sobre Travis, que se esquivou depressa e o segurou
pelo braço. E Brooke afastou-se, temendo ser envolvida na luta.
— Exijo satisfação por este insulto a minha família! Apesar da pouca luz, ela
pôde ver que D'Aquin estava rubro.
Travis soltou-lhe o braço e resmungou por entre os dentes:
— Diga o lugar, a hora e as armas.
— Pistolas ao alvorecer perto dos carvalhos. Quem será seu padrinho?
— Jeremy Dubois.
— Tudo será providenciado — D'Aquin o informou e foi embora.
— Passe bem — Travis disse às costas dele. Virou-se e a encarou como se
ela fosse culpada de tudo.
— O que acaba de acontecer? — Brooke balbuciou quando ficou evidente
que ele não ia falar.
— Pelo acertado, vou enfrentar um duelo amanhã cedo.
— Mas você poderá se ferir.
— E também ser morto. Mas não pensei que você fosse se importar com
isso. Se eu morrer, a fazenda ficará somente para você.
— Não a quero dessa forma.
— Pensei que você quisesse me ver pelas costas — ele a acusou.
— É verdade, mas vivo e não morto.
Travis ergueu-lhe o rosto e a encarou com olhar caçoísta.
— Sua solicitude é comovente. Se eu sobreviver, o que lhe garanto que
ficarei bem vivo, serei forçado a me casar com você dentro de duas semanas como
contei a D'Aquin.
Então o ouvira corretamente, Brooke pensou. Agora tinha o que queria. Mas,
de certa forma, não a satisfazia tanto quanto imaginara.
— O que é isto? Silêncio da condenada? — Travis a provocou.
Ela não deu importância à atitude de superioridade dele.
— Você está me pedindo em casamento?
— Não. Nunca peço nada — ele esclareceu. — Estou avisando-a de que nos
casaremos dentro de duas semanas. Afinal, era o que meu pai queria. O sr. Jeffries
vai ficar contente. Podemos encarar nossa união como um arranjo de negócios. No
fim de um ano, quando terminar a exigência do testamento de meu pai, você estará
livre.
Era muito bom que ela não fosse do tipo sentimental e acreditasse no amor,
pois sem dúvida não era isso que obteria. Travis estava deixando tudo bem claro.
Então, comentou:
— Pensei que você quisesse ter sucesso por conta própria. Ele não disfarçou
a irritação.
— A tempestade destruiu boa parte de nossa colheita. Não podemos
sobreviver outro ano ignorando isso. Muitas pessoas dependem da fazenda para
viver. O dinheiro de meu pai salvará o lugar.
Ignorando a voz íntima que lhe indagava por que deveria se importar, ela
reclamou ao afastar-se:
— É sempre a fazenda para você. Não existe mais nada?
— Como o quê? Se não se tem a terra, então, não se tem nada.
— E se eu não quiser me ver livre no fim de um ano?
— Ora, você haverá de querer sua liberdade para encontrar alguém que a
ame — Travis afirmou com frieza. — Entenda, Brooke, sou incapaz de amar
alguém. Você não passa de um obstáculo em meu caminho para me impedir de
obter o que realmente quero.
Cada palavra pronunciada tivera o efeito de um tapa no rosto de Brooke.
Todos esses anos ela havia sido uma mulher calculista e não ia deixá-lo escapar
com as últimas palavras. Mesmo se estivesse lhe dando o que ela queria, ou seja,
um acordo de negócios.
Aproximou-se e, ficando na ponta dos pés, fitou-o bem dentro dos olhos azuis
e de expressão fria. Então, murmurou:
— Não acho que você saiba, de fato, o que quer, Travis Montgomery.
— É onde você se engana, minha cara. Sei exatamente o que quero — ele
resmungou antes de se afastar.
Brooke observou o arrogante dar alguns passos, mas era ela que teria as
últimas palavras.
— Um dia, Travis, você vai se arrepender do que disse.
Alguém acordou Brooke, puxando-a pelo braço. Ela abriu os olhos e viu que o
dia mal começava a clarear.
— Veja que horas são — Mammy disse ao tornar a puxá-la. Brooke
estranhou ser acordada pela governanta. Quando percebeu isso, soergueu-se e
indagou:
— Aconteceu alguma coisa?
— O sr. Travis já saiu para o duelo no terreno dos carvalhos.
No mesmo instante, Brooke lembrou-se de tudo o que havia acontecido na
noite anterior. Seu primeiro pensamento foi por que se importava com isso, apesar
da maneira rude de Travis lhe propor casamento. Havia imaginado que, depois de
uma boa noite de sono, tudo se acalmaria entre os dois homens.
Ela atirou longe as cobertas.
— Pensei que eles desistiriam do duelo. Afinal, ninguém foi ferido. —
Levantou-se e foi até o lavatório. — Não posso acreditar que eles vão tentar atirar
um no outro. Duelos são proibidos por lei na Inglaterra.
Eu deveria deixar que D'Aquin acertasse Travis, refletiu, enquanto punha
água da jarra na bacia. Porém, precisava dele. Depois de lavar o rosto, dirigiu-se a
Mammy:
— Onde está Millie Anne? Preciso me vestir e tentar impedir essa imensa
tolice.
— Eu a mandei ao estábulo dar ordens para prepararem uma carruagem.
Pensei que a senhora queria ir até lá. Eu a ajudarei a se vestir, mas não pense que
vai impedir o duelo. E pretendo ir também. Gastei muito tempo para criar aquele
rapaz e não quero vê-lo furado por balas — Mammy afirmou ao pegar uma saia e
uma blusa pretas para Brooke vestir.
— Espero que Eliza não vá.
— Claro. Ela ainda é criança. Millie Anne ficará aqui para lhe fazer companhia
— Mammy garantiu.
Brooke vestiu as peças e virou-se para a governanta fechá-las.
— Fale sobre os duelos na América. Acontecem poucos na Inglaterra, e eu
nunca presenciei nenhum. São considerados crimes lá. Em Nova Orleans há muitos
deles?
— Oui. Os jovens se enfrentam por causa da menor ofensa a sua honra.
Quase sempre são provocados em festas como a de ontem à noite. Em Nova
Orleans todos têm sangue quente.
Depois de Mammy fechar o último colchete, Brooke foi até a penteadeira para
pegar a escova de cabelos e uma fita.
— Posso arrumar os cabelos na carruagem. Vamos embora. Em poucos
instantes estavam no vestíbulo onde a governanta deu um xale para Brooke,
enquanto uma criada abria a porta.
— Você não espera que Travis acabe ferido, não é, Mammy? Ele atira bem
com pistola?
— Luta melhor com espada. Talvez por isso o oponente dele tenha escolhido
pistolas — a outra respondeu, enquanto saíam.
— Uma vida é um preço muito alto para se pagar pela honra — Brooke
comentou ao entrar na carruagem.
— Afinal pelo que vão lutar? — Mammy indagou. Brooke sentiu-se culpada e
não pôde fitá-la.
— Por minha causa — murmurou, baixinho.
Como Mammy não dissesse nada, forçou-se a encará-la. Esperava ver seu
olhar de reprovação, mas, para sua surpresa, não viu nenhum. Em vez disso, a
governanta indagou:
— Alguém deve tê-la insultado, não foi?
A carruagem partiu e Brooke, encostada no banco, começou a escovar os
cabelos.
— Parte do motivo.
— Foi o que calculei. O sr. Travis jamais tolera um insulto. Mas com quem ele
vai lutar?
— O pai de Hesione.
— Deus Santíssimo! — Mammy balbuciou, balançando a cabeça. — O que
deu naquele rapaz?
— Não foi Travis quem exigiu o desafio e sim o sr. D'Aquin.
Brooke terminou de escovar os cabelos e os prendeu com a fita a fim de
mantê-los fora do rosto. Não sabia qual seria a reação de Mammy, mas tinha de lhe
contar tudo. Achava que as duas já alimentavam confiança mútua e não queria
destruí-la.
— Com certeza teve a ver com o fato... — Brooke fez uma longa pausa,
então terminou: — de Travis ter contado ao sr. D'Aquin que não ia mais se casar
com Hesione e sim comigo.
Mammy olhou para o alto e, por um instante, não conseguiu falar. Depois,
murmurou:
— Vai haver uma grande confusão quando a sra. Margaret e a srta. Hesione
voltarem. Tenha certeza. Se o sr. Travis sobreviver ao duelo, a mãe é capaz de lhe
dar um tiro.
— Você está desapontada?
Mammy estalou a língua e, depois, respondeu honestamente:
— Depende. Por que a senhora vai se casar com ele?
— Porque satisfaz as necessidades de nós dois. Ambos somos donos da
fazenda, portanto, faz sentido. Que outra razão haveria?
— Uma boa pergunta. Talvez porque a senhora devesse amar o homem com
quem vai se casar.
— Faz muito tempo, Mammy, que desisti do amor. Nem sei se ainda acredito
nele.
Mammy nada disse.
Brooke olhou pela janelinha, preocupada com o que aconteceria quando
chegassem. Então, ocorreu-lhe que a pessoa desafiada escolheria as armas, mas
esse não fora o caso na noite anterior. Por que Travis havia deixado o velho homem
escolher? Será que queria morrer? Não, que idéia absurda! Ele exibia tanto vigor.
Talvez tivesse sido por respeito à idade do homem. Travis possuía um estranho
senso de decência.
Quinze minutos depois chegavam aos arredores de Nova Orleans. A
carruagem seguiu por várias ruas, mas como ainda era muito cedo e por causa da
neblina densa, não podiam ver muita coisa. A certa altura, o veículo passou a ir
mais devagar. Rodeou uma igreja e entrou numa área gramada, onde havia dois
carvalhos imensos.
Brooke virou-se para Mammy.
— Creio que chegamos.
Mammy fez um gesto afirmativo com a cabeça.
O cocheiro abriu a portinhola e ajudou-as a descer. Através da neblina,
Brooke podia ver dois grupos de homens separados por um pequeno espaço.
Localizou Travis quase no mesmo instante em que ele a viu. A passos rápidos, ele
veio na direção das duas.
— Não acho que Travis esteja satisfeito em nos ver — Brooke murmurou
para Mammy.
— Penso que a senhora tem razão.
Capítulo X
Num silêncio ameaçador, a neblina rodopiava à espera do desconhecido.
Para Brooke, a cena era lúgubre demais, as árvores imensas espalhando os galhos
pelo campo.
Como o demônio vindo das profundezas do inferno, Travis varava a bruma
em sua direção.
— Que diabos você está fazendo aqui? — ele inquiriu tão logo as alcançou.
— Este não é lugar para mulheres!
Brooke baixou o olhar, mas continuou firme.
— Estamos aqui para impedi-lo de cometer essa loucura.
— Você está perdendo seu tempo e o meu. Sua opinião não tem valor algum
neste caso. — Então lhe dirigiu um olhar estranho. — Vejo que você se vestiu de
preto. Muito apropriado.
O tom de Travis a enfureceu. Tinha vindo até ali para tentar impedir aquela
idiotice, mas agora sentia vontade de mandá-lo para o inferno. Por um instante
sentiu que pouco se importava se ele recebesse um tiro ou não. Isso resolveria seu
problema quanto a ser proprietária de Moss Grove. Mas, por alguma razão, ela se
importava. Respirou fundo e tentou outra vez.
— Você não pode simplesmente se desculpar?
— Não. Caso se lembre o duelo não foi idéia minha e sim de D'Aquin.
Portanto, não posso desistir. — Brooke teve a impressão de detectar um traço de
medo, mas Travis o disfarçou depressa. Ela afastou a idéia, pois não podia imaginá-
lo com medo de nada. — Já que as duas estão aqui poderiam ser testemunhas.
Brooke esperava novo argumento, mas ele não o ofereceu. Então, notou a
pistola na mão dele. Devia ter sido feita para alguém, pois tinha iniciais esculpidas
no cabo de carvalho. O cano longo era de aço azulado e parecia mortal. Ela desviou
o olhar da arma e o fixou em Travis.
— Quem são aquelas pessoas? — indagou.
— Os dois cavalheiros ao lado de D'Aquin são o padrinho dele e uma
testemunha. Os dois homens deste lado são médicos. E você conhece Jeremy que
é meu padrinho.
— Está na hora — a testemunha de D'Aquin anunciou.
— Senhoras — Travis disse ao curvar-se um pouco.
— Tome cuidado — Mammy murmurou, apertando as mãos. Travis a fitou
com olhar carinhoso e, depois, perguntou a Brooke:
— Como? Nada de bons votos?
Ela notou-lhe a expressão afetada e não ia dar a ele a satisfação de
recomendar atenção. Afinal, já havia tentado fazê-lo desistir de tamanha tolice e de
nada adiantara.
No meio do campo os dois homens ocuparam suas posições. Nenhum deles
sugeriu aperto de mãos. Estavam muito sérios.
Uma réstia de sol varava a neblina quando o juiz iniciou as instruções.
— Depois de eu contar até três, os dois darão vinte passos e, em seguida,
pararão. Quando eu gritar fogo, ambos se virarão e atirarão com sua melhor
pontaria. — Olhou de um para o outro. — Entenderam?
Ambos assentiram com gestos de cabeça.
— O sr. Dubois e eu vigiaremos para ter certeza de que as regras serão
seguidas — o juiz avisou e, então, afastou-se dos homens.
Os adversários viraram-se de costas um para o outro, as pistolas apontadas
para cima, prontas para o confronto mortal. Ao serem destravadas, o ruído quebrou
o silêncio.
Embora fraca, a luz do sol penetrava na neblina, permitindo que Brooke
enxergasse o que se passava. Os dois homens haviam tirado as jaquetas e exibiam
apenas camisas brancas e calças pretas. Como D'Aquin estivesse virado em sua
direção, ela podia ver-lhe as feições. Por um instante, ele lhe dirigiu um olhar de
puro ódio. Por certo a culpava pelo duelo. O juiz começou a contar:
— Um, dois, três...
Travis e D'Aquin seguiam a contagem com passos precisos como se fossem
de uma dança.
Brooke não podia desviar o olhar de Travis. Ele avançava de cabeça erguida
e dava a impressão de não sentir um pingo de medo. A cada passo dado, o peito de
Brooke ficava mais apertado. Estendeu a mão e segurou a de Mammy, que
murmurou:
— Deus Santíssimo!
Quando chegavam ao número dezoito, Brooke fez uma prece breve, pedindo
a proteção divina para Travis. Não podia pensar nele sendo atingido. Com quem ela
iria discutir?
— Dezenove...
— Cuidado! — Jeremy gritou, enquanto se ouvia um tiro. D'Aquin tinha
atirado antes da hora.
Aflita, Brooke dirigiu o olhar para Travis, mas não o viu. Não havia nada lá,
exceto a neblina
— Não! — ela gritou sem se dar conta de que revelava o medo em voz alta.
Travis não podia estar morto. Não seria justo.
— Meu Deus! — murmurou.
Deu um passo para a frente, mas Mammy a segurou.
— Você trapaceou, D'Aquin! — Jeremy gritou ao correr em direção ao
culpado.
Ouviu-se um "não" áspero e rouco. Todos se viraram enquanto alguém, bem
devagar, surgia entre a neblina no lugar em que Travis estivera. As pernas de
Brooke cederam e ela teria caído se Mammy não a amparasse.
Travis levantava-se. Uma enorme mancha vermelha na camisa branca, na
altura do ombro, mostrava que ele fora baleado. Apesar de ter caído, estava vivo.
O alívio de Brooke foi imenso.
— Sr. Montgomery, dê seu tiro à sua escolha — o juiz o instruiu.
— Como? O que está acontecendo? — Brooke indagou.
— Os dois homens têm direito a atirar uma vez — Jeremy explicou.
— O sr. D'Aquin não pode sair do lugar, ou será classificado de covarde —
Mammy acrescentou.
Travis apontou a arma para o peito de D'Aquin. Se puxasse o gatilho, seria a
morte certa do velho homem.
— Atire, seu maldito! — D'Aquin gritou.
Travis manteve a posição da pistola e a tensão geral cresceu. No último
instante, ele apontou a arma para o céu e atirou.
— Creio que o senhor teve sua satisfação — Travis resmungou. — Não vou
tirar sua vida, pois é um covarde. E assim o senhor poderá se lembrar para sempre
de sua vergonha.
Então, os joelhos de Travis dobraram e ele caiu no chão.
D'Aquin curvou os ombros e pendeu a cabeça. Vozes se fizeram ouvir,
enquanto os homens comentavam o que acabara de ocorrer. Brooke, antes de se
dar conta do que fazia, atravessava o campo rumo ao lugar onde um dos médicos já
examinava Travis.
— A bala está localizada em seu ombro, mas você viverá — o médico
afirmou. — Vou ter de removê-la, mas não posso fazer isso aqui. Vamos para minha
carruagem e eu o levarei ao meu consultório.
Travis olhou para Brooke com expressão perscrutadora. Ela sentiu o coração
disparar.
Depois de um momento, ele a puxou para bem perto e, então, murmurou ao
seu ouvido:
— Desapontada?
— Quieto! — ela o advertiu em voz baixa.
Como ele podia indagar uma coisa dessa? Brooke teve vontade de largá-lo
ali, mas em vez disso, ajudou-o a se erguer. Mesmo ferido, o homem era intolerável.
— Jeremy, meu amigo, já o mantive tempo demais longe de sua fazenda.
Obrigado pelo aviso. Teria sido muito pior se você não tivesse gritado. Eu não sabia
que D'Aquin fosse tão covarde.
— Você se dá conta que por não atirar nele o tornou seu inimigo? Se eu
fosse você, tomaria cuidado com ele — Jeremy aconselhou.
— Eu sei. Causei um grande escândalo ao romper o noivado com a filha dele.
— Vai ficar em pé aqui se esvaindo em sangue? —- o médico indagou. —
Que tal me deixar extrair a bala, enquanto resta algum?
— Então vamos embora — Travis disse, a voz traindo a fraqueza que
detestava admitir.
Mas permitiu que o médico o ajudasse a subir na carruagem. Com isso, todos
se dispersaram e Jeremy acompanhou Brooke até a carruagem dentro da qual
Mammy a aguardava.
— Por que Travis atirou para cima? — Brooke perguntou.
— Se ele matasse D'Aquin todos iriam comentar por muito tempo que um
jovem tirou vantagem de um homem idoso. E ao continuar vivo, D'Aquin será
chamado de covarde. Trapacear, mancha terrível no caráter dele. Os sulistas não
perdoam questões como essa.
— Entendi. Obrigada por acompanhá-lo numa situação dessa — Brooke
agradeceu.
— Não há muito que eu não faça por Montgomery. Somos amigos desde a
infância. — Jeremy sorriu para Brooke. — Ouvi dizer que felicitações estão na
ordem do dia. Travis me contou que vocês planejam se casar dentro de duas
semanas. Penso que ele finalmente fez uma boa escolha — afirmou.
Brooke sentiu que enrubescia, algo muito raro.
— Obrigada — agradeceu. Jeremy riu e foi embora.
O cocheiro não perdeu tempo para levar Brooke e Mammy ao consultório do
médico. Estacionou a carruagem atrás da dele que chegara pouco antes, e Brooke
pulou ao chão sem esperar que a ajudasse a descer.
Uma vez lá dentro, observou a sala limpa e em ordem. Havia várias cadeiras
encostadas nas paredes o que a fez concluir ser a sala de espera.
Como não houvesse ninguém ali para recebê-las, Brooke já ia abrir portas até
descobrir aonde Travis tinha sido levado. Mas antes de fazê-lo, o médico surgiu de
uma delas e avisou:
— Vou precisar de alguém para me ajudar. Minha enfermeira ainda não
chegou e não temos tempo para mandar chamá-la. Mammy, procure ataduras e
providencie água. E você, minha jovem...
— Meu nome é Brooke.
— Vou precisar de você, Brooke, para segurar Travis. Não posso extrair a
bala com ele se mexendo.
— Mas não sei nada sobre enfermagem.
— Não importa. Tudo o que terá de fazer é mantê-lo imóvel. Por favor, me
acompanhe — solicitou, impaciente.
Ao passarem para a sala ao lado, ele pegou logo os instrumentos de que
precisaria e os colocou numa bandeja de aço. Travis estava sentado na mesa com
as pernas para fora. Segurava uma garrafa de uísque que, com certeza, vinha
bebendo.
— Não se acanhe — o médico disse a Brooke. — Ajude o rapaz a tirar a
camisa. Não posso fazer nada com ele vestido.
— Acanhada é uma coisa que não sou, doutor — ela afirmou com um sorriso.
— Fico contente em saber isso — Travis disse ao fitá-la com olhar atrevido e
dando a impressão de que preferia trocar os papéis e tirar sua blusa.
Brooke posicionou-se entre as pernas de Travis e firmou-se na mesa para
impedi-lo de cair, caso ele enfraquecesse. Sem perda de tempo, desabotoou-lhe a
camisa. Roçou os dedos na clavícula e levou um instante para afastá-los. Ele
estremeceu ao sentir o toque o que a deixou satisfeita por despertar tal efeito em
Travis. Fitou-o, permitindo que trocassem um olhar sensual. Numa reação
repentina, Travis juntou as pernas, prendendo Brooke entre elas. O impacto das
coxas dele em seu quadril quase a fez protestar. Mas o fato de ele tentar embaraçá-
la, estimulou seu lado maldoso.
— Deixe eu afastar a camisa de seus ombros — ela murmurou ao ajoelhar-se
num banquinho, os seios prensados no peito dele.
Sem tocar na atadura posta no campo, ela afastou a camisa.
Travis ficou tenso da cabeça aos pés. Brooke sentiu-lhe a respiração
afogueada no pescoço e certa parte do corpo dele tocar o seu. Mesmo ferido, ele
exibia uma virilidade que a atraía.
Tirou os joelhos do banquinho e o fitou nos olhos. O brilho que viu neles a
agradou. Havia uma ponta de arrogância em Travis e também um magnetismo
inegável entre ambos. Porém, era ela quem deveria ficar no controle.
— Quero que você deite de bruços, Montgomery — o médico disse,
interrompendo o momento que os dois compartilhavam. — E você, minha jovem, tire
a garrafa de Travis e fique perto da cabeça dele. Preciso que lhe segure o ombro
com firmeza.
Brooke o atendeu, enquanto Mammy ia buscar água e ataduras limpas onde
o médico a informara que as encontraria.
Para facilitar o trabalho, ele colocou um travesseiro sob o ombro de Travis.
— Vai doer o diabo — avisou sem se desculpar pela linguagem.
Então, pegou a garrafa de uísque e pingou um tanto no ferimento.
— Esse uísque é da melhor qualidade — Travis protestou, mal se contendo
de dor.
Ao notar isso, Brooke estremeceu e teve de fazer força para mantê-lo imóvel.
A pele macia dele estava quente sob sua mão. Afligia-se ao vê-lo sofrer.
— Vou ter de extrair a bala — o médico avisou.
— Pois faça isso depressa — Travis murmurou em tom seco.
— Pegue aqui e tome mais uns goles — o médico recomendou ao lhe dar a
garrafa de uísque.
Firmado nos cotovelos, Travis soergueu-se, pegou-a e ingeriu uns bons
goles.
— Obrigado, doutor — agradeceu num fio de voz. Brooke pegou a garrafa e,
sem pensar, também tomou um gole. Pouco apropriado para uma dama,
repreendeu-se ao se dar conta do que havia feito. Porém, não tinha certeza se
agüentaria ver o médico cortar Travis sem se fortalecer antes.
— Não sabia que você tomava uísque, minha cara — Travis comentou.
— Há muitas coisas que você ignora a meu respeito.
— Segure-o com firmeza — o médico a instruiu. — Mammy, fique por perto e
me passe as ataduras. Mas antes me dê aquele bisturi — ele acrescentou ao
apontá-lo.
Brooke firmou o ombro bom de Travis com toda a força quando a ponta do
bisturi tocou o ferimento. Esperava que ele gritasse, mas não emitiu som algum.
Tenso, ele agarrou a borda da mesa. Enquanto o médico aprofundava o corte mais
sangue verteu e ela não conseguiu olhar mais. Virou a cabeça e observou Travis.
Ele tinha o olhar erguido e a fitava. Por causa da dor, os olhos azuis estavam
baços. Ele estendeu a mão, pegou a sua e a apertou. Brooke enterneceu-se.
Apesar de estar sofrendo uma dor atroz, Travis tentava confortá-la. Ele mostrava
que tinha um coração escondido naquele peito arrogante e teimoso.
— Aqui está ela — o médico informou.
Brooke continuou a segurar Travis com força, enquanto o médico extraía a
bala para, em seguida, mostrá-la. Só então ela soltou o ar que, sem perceber, tinha
prendido.
— Agora, apenas dois pontos e tudo terá terminado — o médico disse ao
enfiar a agulha com linha de crina de cavalo.
Essa parte foi rápida e, em seguida, ele limpou bem o lugar com mais uísque.
Colocou ataduras, isolando o ombro. Ao mesmo tempo, Travis recomeçou a beber.
Brooke sabia que ele continuava a sofrer dores terríveis, mas não havia nada
que pudesse fazer além de deixá-lo se embriagar. Talvez isso fosse para o bem de
todos.
Olhando para Brooke e Mammy, o médico deu as instruções finais.
— Prestem atenção para sinais de infecção. Serão manchas roxas e
vermelhas ao redor do ferimento. Se surgirem, mandem me chamar imediatamente.
Com a ajuda dele e do cocheiro, um trôpego Travis entrou na carruagem.
Brooke sentou-se a seu lado, e Mammy no banco em frente. Ele mantinha-se calado
enquanto saíam da cidade e só começou a falar depois de terem rodado várias
milhas.
Na voz de embriagado, perguntou:
— Então, Mammy, você já sabe que vou me casar?
— Oui. Foi por isso que sua mãe foi fazer compras com sua noiva.
— Ora, você não ficou a par da última novidade — ele afirmou, com
dificuldade para manter a cabeça erguida que doía horrores. Curvou-se e a colocou
no ombro de Brooke. Ergueu o olhar para encontrar o dela. — Você não lhe contou?
— Não tive tempo. Havia coisas mais importantes para tratar — ela mentiu.
Travis virou a cabeça para Mammy.
— Troquei de noiva — falou, trôpego. — Vou me casar com Brooke dentro de
duas semanas. Você vai ficar muito ocupada — acrescentou.
Mammy balançou a cabeça.
— Ora essa, você planeja se casar na ausência da sra. Margaret?
Travis tentou responder com um gesto afirmativo de cabeça, mas só
conseguiu baixá-la para os seios de Brooke.
— Na situação atual, acho melhor assim. Posso contar com seus melhores
votos?
Mammy pareceu indecisa, mas acabou exibindo um largo sorriso.
— Acho que você fez uma boa escolha, menino. Mas sua mãe vai ter um
ataque, fique certo.
— Vai mesmo — Travis concordou.
Percebeu que as palavras começavam a vacilar, e Mammy já se tornava uma
grande mancha. Escorregou a cabeça para baixo até acomodá-la no colo de
Brooke, que pôs a mão em seu braço.
Travis ia mesmo se casar com ela?
— Acho que ele finalmente dormiu — disse a Mammy.
— Melhor assim. Quando acordar, vai sentir muitas dores, tanto no ombro
como na cabeça. — Mammy riu. — E nós duas vamos ficar bem ocupadas com os
preparativos para o casamento.
A semana seguinte voou com as atividades para o casamento. Aturdida,
Brooke observava tudo. Aquilo seria real?, indagava-se.
Nunca pensara que se casaria e nem desejara fazê-lo. Detestava admitir que
se deixara levar pela excitação da oportunidade.
O ferimento de Travis cicatrizou-se depressa, mas não tanto para satisfazê-
lo. Ele já não estava tão irritado quanto no primeiro dia que passara de cama.
Depois disso, tentara provocar Brooke o que a fizera manter-se a distância. Mammy
que cuidasse dele, pois era difícil suportar-lhe o mau humor. Talvez Travis se
arrependesse da decisão rápida de se casar com ela.
Contudo lhe contara que tinha enviado um telegrama ao sr. Jeffries,
informando-o da data do casamento. Seria muito bom ter alguém que ela
conhecesse presente na cerimônia.
Brooke adoraria também contar com Shannon e Jocelyn, mas sabia ser
impossível. As duas ficariam surpresas por ela ser a primeira a se casar.
Naturalmente, elas não saberiam que aquela não seria uma união provocada pelo
amor, mas por conveniência.
Eliza entrou no quarto de Brooke como um redemoinho.
— Bom dia — cumprimentou ao sentar-se na beirada da cama. — Mammy
quer saber o que a senhora vai usar na cerimônia. Já decidiu?
— Ainda não pensei nisso — Brooke admitiu.
— Pois precisa. Travis disse que quer a cerimônia de acordo com a tradição
sulista.
— Não sei nada sobre isso. O que as noivas costumam usar aqui?
— Quase sempre musselina e pérolas. Brooke foi até o guarda-roupa.
— Talvez eu tenha o vestido perfeito.
Procurou-o entre os vários até encontrá-lo. Era de seda creme, com enfeites
delicados de renda. Ela não se lembrava para que o mandara fazer, sem dúvida não
para um casamento, mas serviria para o seu. Tirou-o e o mostrou a Eliza.
— Este vestido foi feito por um haute couturier, Charles Worth. A demanda
pelas roupas dele era imensa quando deixei Londres.
— É lindíssimo. A renda é tão delicada — Eliza elogiou. — Quem sabe um
dia a senhora poderá emprestá-lo para meu casamento.
Brooke sorriu para a menina.
— Você vai ter de crescer primeiro, mas vou ficar muito contente se você,
quando se casar, usar meu vestido de noiva. Poderemos iniciar uma tradição na
família.
— Sonho com esse dia — Eliza disse e suspirou. — Conte como é o amor.
Quero tanto saber.
Brooke foi apanhada de surpresa pela menina. Não estava preparada para
atendê-la. Não fazia a mínima idéia sobre os efeitos do amor.
— Penso que seja diferente para cada pessoa — disse na esperança de
satisfazê-la.
— Mas conte o que sente por Travis — Eliza insistiu. Brooke teve a sensação
de estar presa num canto.
— Às vezes, eu me sinto meio enjoada quando fico perto dele — disse por
fim.
— Então estar apaixonada é como se sentir mal do estômago? Isso não me
parece tão maravilhoso — Eliza estranhou.
Brooke relaxou, diminuindo a própria tensão.
— Não, é como uma onda de excitação quando ele entra num aposento onde
estou. — Brooke pensou por um momento. — Acho que não sei explicar o amor.
Você saberá quando se apaixonar — concluiu meio sem jeito.
— Quando a senhora percebeu que amava o primo Travis?
Quando descobri que precisava dele para obter esta fazenda, Brooke queria
dizer, mas não podia desapontar a menina que a fitava com tanta admiração.
— Logo que conheci seu primo e o achei muito atraente. Acho que me
encantei por ele desde o início e meu sentimento foi se tornando mais forte com o
passar dos dias.
— Ele beija bem?
— Ah, sim — Brooke respondeu, honestamente.
— Vou continuar sonhando — Eliza disse e, então, acrescentou: — Amanhã
a senhora vai conhecer minha família no café da manhã de noivado.
Brooke arregalou os olhos.
— Travis não mencionou esse café da manhã. Não é tarde demais para
participar o noivado se vamos nos casar na sexta-feira?
Foi a vez de Eliza arregalar os olhos.
— A senhora não pode se casar na sexta-feira, o Dia do Carrasco. Seu
casamento será na próxima terça-feira.
Brooke não conteve a surpresa.
— Você parece saber mais sobre meu casamento do que eu — reclamou,
furiosa com Travis.
O maldito bem que poderia ter lhe contado. Ele passaria por idiota se a noiva
não aparecesse para a cerimônia porque não fora informada da hora e do lugar.
Eliza riu e levantou-se da beirada da cama.
— Conheço nossos costumes — afirmou.
— Por acaso, Travis ofereceu um café da manhã de noivado para Hesione?
— Brooke perguntou.
— Não, ela queria esperar até o retorno da viagem de compras. Agora, vai ter
enxoval, mas não um marido. Terá uma bela surpresa quando voltar.
— Na verdade, lamento por ela — Brooke comentou. Não conhecia a moça,
mas imaginava sua decepção. — Ainda mais se ela ama Travis.
— Imagine! Hesione só ama a si mesma — Eliza afirmou ao dirigir-se à porta.
— Vou cavalgar. A senhora não quer ir comigo?
— Quero, sim. Talvez consiga ver Travis enquanto estivermos fora. Nestes
últimos dias, ele não tem aparecido na hora do jantar.
Brooke apreciou o ar estimulante enquanto cavalgavam. Desde que tinham
retornado do duelo, ela havia ficado confinada em casa. Primeiro para cuidar de
Travis e, depois, preparando-se para o casamento.
Sentia-se livre quando cavalgava. Por alguns instantes, apreciou o ar fresco e
o silêncio. Isso terminou quando galgaram um morro de onde se via o canavial.
Fogueiras crepitavam pelo lugar todo e uma fumaça adocicada as atingiu. Os
trabalhadores queimavam a cana estragada. Entre eles, Brooke avistou Travis, que
havia desmontado e parecia estar dando instruções.
Só agora ela via o que a tempestade tinha causado. A colheita promissora
havia sido destruída. Não era de se admirar que Travis tivesse decidido se casar
com ela tão depressa.
Por isso, precisava se lembrar sempre que essa união era um acordo de
negócios. Ela jamais poderia permitir que seu coração se envolvesse com Travis
Montgomery.
Capítulo XI
Travis não estava muito ansioso para encontrar alguns dos parentes no café
da manhã de noivado. Alguns, ele preferia nunca mais ver, mas nessa ocasião era
necessário. Haveria muitos comentários sobre a mudança súbita dos planos
matrimoniais. Portanto, ele se esforçaria ao máximo para observar a maneira
correta dos sulistas. Atrair os parentes para seu lado exigia uma certa estratégia, e
ele ainda não tinha o plano perfeito.
Quanto mais ele refletia sobre isso, mais o casamento estranho o atraía.
Devia haver muitas coisas piores do que se casar com uma mulher linda e muito
desejável.
Sabia que a atração era mútua, o que tornava esse acordo de negócios uma
boa idéia. Ele teria o dinheiro e uma mulher para apreciar por um ano.
Ao sentir a excitação, ajeitou a calça. Nesses últimos dias, apenas pensar em
Brooke provocava tal reação. Podia imaginá-la deitada em sua cama com os
cabelos loiros espalhados pelo travesseiro. Estava certo de que, dentro de um ano,
ele conseguiria tirá-la da cabeça. Compraria sua parte da fazenda e a mandaria
embora.
O que poderia ser mais simples?
Travis sabia que Brooke, tanto quanto ele, não queria esse casamento, o que
talvez indicasse pontos em comum. Assim ia pensando ao chegar à porta do quarto
dela e bater.
Ao abrir a porta, Brooke não conteve uma exclamação de surpresa.
— Desculpe — Travis pediu, sorrindo, divertido com seu susto.
Naquela manhã ela estava adorável com um vestido lilás, faces coradas e os
reflexos dourados nos olhos castanhos pareciam mais acentuados ao fitá-lo.
— Eu vim para acompanhá-la ao café da manhã.
— Obrigada, mas conheço bem o caminho — Brooke afirmou. Travis tornou a
sorrir e lhe ofereceu o braço.
— Sem dúvida, mas esse é o café da manhã de nosso noivado e nós
devemos nos portar como um casal apaixonado para meus parentes.
Brooke o observou pelo canto dos olhos, enquanto seguiam para a sala de
jantar. Travis brincava com ela, algo que nunca tinha feito antes.
A poucos passos da porta da sala, ele parou.
— Eu lhe garanto que posso representar minha parte, mas ignoro se você é
boa atriz.
Havia um traço de riso na voz dele, e Brooke achou esse Travis muito mais
perigoso do que o outro. Ficou na ponta dos pés e o beijou de leve nos lábios.
— Querido, eu lhe asseguro de que posso representar minha parte, mas
explique o que esse café da manhã de noivado é exatamente.
— Você verá — ele disse ao conduzi-la sala adentro. — Bom dia —
cumprimentou a todos de uma só vez.
Brooke surpreendeu-se com o grande número de pessoas. Travis tinha, de
fato, muitos parentes.
— Eles chegaram! — Eliza avisou em alto e bom som.
— Travis, meu querido, você simplesmente nos pegou de surpresa — uma
senhora disse ao se aproximar e o abraçar.
— Tia Anne, é muito bom revê-la. Entendo sua confusão, mas não posso
dizer nada além de que me apaixonei — ele explicou com um sorriso ensaiado e
passou o braço pela cintura de Brooke.
Para não rir da mentira de Travis, ela sorriu para mulher. Então, estendeu-lhe
a mão e disse:
— A senhora deve ser a mãe de Eliza. Posso ver de quem ela herdou o
sorriso adorável.
— Sou sim, minha querida — Anne confirmou e tornou a olhar para Travis. —
Bem, meu rapaz, você vai fazer as apresentações ou esta linda moça permanecerá
sem nome?
— Ah, sim, claro — ele respondeu. — Bem, quero que conheçam minha
noiva, Brooke Hammond. Espero que todos a recebam no seio da família. — Então
puxou-a pelo braço para se apoiar nele. — Brooke, esta é minha tia Anne — disse
e, em seguida, continuou ao longo da fila, fazendo as apresentações para todos os
parentes. A maioria se mostrou atenciosa, mas não receptiva.
Brooke notou a ausência do avô de Travis, mas achou que era melhor que
ele não estivesse. Porém, a avó estava. Após serem apresentadas, a sra. deLobel
apertou a mão de Brooke, mas dirigiu-se a Travis:
— Você vai mudar de idéia nas duas próximas semanas e nos apresentar
uma outra moça?
— Não, vovó. Brooke será a mulher com quem me casarei.
— Sua mãe não vai ficar nada contente — a mulher afirmou e, sem mais
outra palavra, foi ocupar seu lugar à mesa.
Enquanto Travis conduzia Brooke à cadeira ao lado da sua, ela ironizou:
— Posso notar o entusiasmo geral com nosso casamento. Talvez
devêssemos verificar se os alimentos não foram envenenados.
Travis não se conteve e riu alto, o que provocou olhares de reprovação dos
parentes.
Tão logo se sentaram, os criados começaram a servir fumegantes xícaras de
café. A seguir foi a vez de travessas com as iguarias típicas do café da manhã como
omeletes, presunto, salsichas e os deliciosos donuts, os doces preferidos de
Brooke. Feitos de massa folhada, eram cobertos por açúcar ou mel depois de
assados. Esses eram com mel.
— Mamãe, a senhora não imagina como o vestido de noiva de Brooke é lindo
— Eliza disse, e acrescentou depressa: — Ela prometeu que posso ficar com ele
depois de seu casamento. Não é fantástico, mamãe?
— Nem diga, minha querida, mas espero que ainda falte muito tempo para
você se casar. Afinal você ainda é meu bebê.
— Ah, mamãe, não sou mais uma criança — a filha protestou.
— Podemos guardá-lo para você, Eliza. Será o seu primeiro francês, certo?
— disse Brooke.
— Não... quer dizer, sim — a menina gaguejou e riu. Quando terminou de
comer, Anne virou-se para Travis, que se mantivera calado durante a refeição.
— Travis, você se comunicou com sua mãe? — perguntou, mas não esperou
resposta. — Você sabe que ela não vai ficar nem pouco satisfeita por não estar
presente em seu casamento.
— Vovó disse a mesma coisa — ele contou.
Observou as expressões de desdém dos parentes. Obviamente, não
aceitavam Brooke como ele esperara. Apenas tia Anne e Eliza conversavam com
ela. Caso todos se mantivessem esquivos, o ano a seguir seria muito longo. Então,
uma idéia lhe ocorreu. Havia uma maneira de Brooke conquistar a simpatia da
família bem depressa.
— Mamãe está viajando por várias cidades do Norte e eu não consegui entrar
em contato com ela. Tenho grandes esperanças que ela fique contente com minha
decisão — afirmou, embora duvidasse disso.
Tirou uma caixinha do bolso e dirigiu-se a todos:
— Como este é o café da manhã de nosso noivado, eu gostaria de respeitar
a tradição sulista ao presentear minha futura esposa com um anel. Sei que tudo isso
foi muito repentino, mas Brooke me deixou sem fôlego ao vê-la pela primeira vez. —
Pegou a pequena mão e quase riu diante do olhar de dúvida de sua noiva. —
Espero que você use este anel e sinta orgulho de minha família. Agora, gostaria de
contar-lhes nosso pequeno segredo.
— Segredo? — Brooke repetiu ao pegar a caixinha e imaginar o que ele tinha
em mente.
— Sim, querida — Travis disse. — Brooke está esperando um filho nosso,
razão pela qual apressamos o casamento.
Todos começaram a falar ao mesmo tempo. Ela o encarou como se o futuro
marido tivesse enlouquecido.
Travis acabava de destruir sua reputação com uma afirmação ultrajante. A
família dele pensaria que ela era uma mulher imoral e isso ela não era mais. Pelo
amor de Deus, não fazia sexo havia mais de dois anos! Teve vontade de esganá-lo.
Mas antes de decidir que atitude tomar, todas as mulheres presentes a
rodeavam e ofereciam conselhos sobre como cuidar de si mesma nesse estado.
Brooke mal podia acreditar que elas a tratassem como a uma rainha se, até então,
mal lhe dirigiam a palavra.
Observou Travis e viu que ele sorria como um tolo.
— Você não vai ver seu anel? — ele indagou.
Brooke olhou para caixinha que tinha deixado de lado e abriu-a. Sobre o
veludo preto havia um enorme rubi rodeado por diamantes. Ela jamais teria
esperado algo assim, pois não se tratava de um casamento verdadeiro. Talvez o
anel tivesse sido comprado para Hesione, pensou e olhou para Travis, que
continuava sorrindo como se estivesse apreciando muito essa encenação. Onde
estaria a expressão carrancuda que ela havia se habituado? Ele devia ser mesmo
um bom ator.
Travis estendeu a mão, tirou o anel da caixinha e o colocou em seu dedo.
Serviu com perfeição. Brilhando para ela, estava a maior pedra preciosa que ela
jamais havia ganhado.
Ele levantou-se e a ajudou a fazer o mesmo.
— Ao nosso futuro — disse e beijou-a na face, continuando a farsa.
Brooke sorriu para ele, determinada a representar sua parte. Sem dúvida,
ambos tinham obtido sucesso, pois todos os parentes de Travis aplaudiram.

***
Quando todos já tinham ido embora, Brooke avisou Travis:
— Gostaria de falar com você.
— Foi o que calculei — ele murmurou ao conduzi-la até a biblioteca.
Tão logo ele fechou a porta, Brooke o encarou. Estava tão brava que rangia
os dentes enquanto andava de um lado para o outro. Agora, todos pensariam que
Travis se via forçado a se casar com ela.
— Você não gostou do anel — ele disse numa voz arrastada e se divertindo
muito com a situação.
— Com certeza ele sobrou de Hesione para mim!
— Engano seu, minha querida. Comprei esse anel dois dias atrás e escolhi o
rubi porque combina com sua personalidade impetuosa, como se quisesse meu
sangue.
— Saiba que essa idéia me ocorreu depois da mentira que você pregou ainda
há pouco. O que vai fazer quando não houver um bebê a caminho? Mal posso
acreditar que você tenha inventado essa história. E o que isso me faz parecer? Uma
rameira! Se seu avô já pensa que sou uma, melhor deixar o resto da família também
me considerar assim, não é?
Travis interceptou seus passos e respondeu:
— Fiz isso por você.
Ela arregalou os olhos e esbravejou:
— Espera que eu acredite nisso?
— Sei como meus parentes pensam. Ao contar a todos que você estava
grávida, eles a aceitaram no mesmo instante. Fique tranqüila, eles não dirão uma
palavra sequer a outras pessoas. São muito ciosos do nome da família e do respeito
de que todos são alvo.
— Mas não estou grávida — ela argumentou.
Travis sorriu e percorreu o olhar por seu corpo inteiro.
— Trata-se apenas de um pequeno detalhe. Logo você estará.
Brooke podia sentir o magnetismo sensual que o deixava tão auto-confiante e
sugeriu:
— Isto poderia ser um casamento só no nome. Travis acariciou-a na face.
— Você quer mesmo renunciar a todos os prazeres que teremos?
Pergunta mais tentadora, Brooke pensou.
— E uma possibilidade — respondeu, e ele a tomou nos braços, o que lhe
disparou o coração.
— Talvez você venha a se arrepender — o advertiu.
— Assumirei o risco — ele murmurou.
O choque da boca de Travis na sua a incendiou. Com a língua, ele a forçou a
entreabrir os lábios, enquanto, com as mãos em suas costas, pressionava seu corpo
ao dele, provocando-lhe ondas de excitação.
Tal proximidade era como uma droga que a deixava trêmula e eufórica. Ao
perceber, Travis a estimulou, invadindo sua boca com beijos alucinantes. Com o
corpo prensado ao seu, causava-lhe um sem fim de desejos. Seu voto de não se
envolver com aquele homem estilhaçou-se.
Com grande esforço, Brooke deu um passo para trás, chocada com a rapidez
com que Travis podia controlar suas emoções. Não estava habituada a isso.
— Creio que devemos esperar até depois do casamento — sugeriu, pois não
queria se sentir vulgar.
Travis levou um momento para conseguir pensar e clarear a visão. Brooke
parecia dominá-lo. O que era, ao mesmo tempo, excitante e deprimente.
— Você fala como se fosse virgem — disse sem disfarçar o tom de cinismo.
— E acredito que seja viúva, a menos que tenha mentido para mim.
Ele teve a impressão de ver uma expressão de culpa no rosto de Brooke,
mas que sumiu de repente.
— Posso ter deixado de ser virgem há muito tempo. Mas vai demorar ainda
um pouco para você me tocar — ela afirmou e sorriu da expressão zangada dele. —
Quero fazer tudo corretamente.
— Acho que você escolheu o momento adequado para ser moralista, minha
linda.
Brooke ficou na ponta dos pés e o beijou no rosto.
— Antes tarde do que nunca — murmurou.
Então, ela teve a audácia de ir embora, deixando-o com uma carência que
ansiava por alívio.
Mais uma semana, disse a si mesmo. Sendo assim, ele teria de satisfazer o
desejo que o consumia, de uma forma ou de outra.
Tarde da noite e apesar de deitada, Brooke não conseguia dormir. Em vão
tentava entender as emoções fortes que Travis lhe provocava. Havia sido fria por
tanto tempo que sentir qualquer coisa a assustava. Não podia negar que desejava
Travis, e ele não ignorava isso.
Então teria sido melhor para ela na Inglaterra, seu outro mundo? indagou-se.
Por que Jackson não a tinha preparado para aquilo tudo?
Suspirou. Ainda podia se lembrar da última conversa com ele como se
tivesse sido no dia anterior. O duque já estava bem fraco, mas a voz continuava
firme...
— Pelo menos uma vez na vida, faça o que mandam — Jackson a
repreendeu.
— A esta altura, você já deveria saber que não obedeço ordens.
— Ah, minha menina, apenas tente distrair um velho homem prestes a
morrer.
— Por favor, não diga isso. Você teve apenas uma recaída e logo já terá se
recuperado.
— Não, estou velho e sinto que minha hora está chegando. É por isso que
você precisa me dar ouvidos. Pode não obedecer ordens, mas ainda é uma cortesã
e se continuar assim, nunca terá controle de seu futuro.
— Você acha que essa foi a vida que escolhi para mim? Não tive escolha. E
já havia perdido a esperança quando você me encontrou.
— Se eu fosse mais novo naquela época, tudo teria sido diferente entre nós.
Mesmo assim eu não poderia ter me casado com você. Esse é o motivo pelo qual
quero que você vá embora daqui. Você merece muito mais do que essa vida que
leva.
Ele a observou, revelando-lhe o quanto a queria bem. Brooke sabia, pois
Jackson era o pai que ela nunca tivera.
— Nosso relacionamento sempre foi platônico, mas quando eu me for, você
terá de escolher outro. Quero que tenha uma chance de amar.
— Não acredito no amor. Ele sempre envolve sofrimento. Minha mãe foi um
bom exemplo. Deu o coração a um homem que a tratava com desdém e, um belo
dia, ele foi embora, deixando-a sem nada — Brooke argumentou.
— Lamento, minha menina, que tenha visto o lado mau do amor, porém,
existe um outro que pode durar a vida inteira.
— Talvez você esteja certo, mas não posso acreditar em algo que nunca
experimentei.
Jackson teve uma das crises de tosse que a deixava apavorada. Quando
voltou a relaxar era notório que tinha enfraquecido mais.
Pouco depois, ele prosseguiu:
— Eu lhe darei a chance de encontrar o que afirmo. O que fazer com isso,
caberá a você decidir. Vou lhe deixar minha fazenda, Moss Grove, na América. Lá,
você poderá iniciar uma nova vida e ter tudo com que sonhou.
— Não sei o que dizer — Brooke murmurou e, por um instante, não
conseguiu falar. Quando alguém tinha lhe dado alguma coisa sem esperar
retribuição? — Você tem sido tão bom para mim. Eu não poderia ter encontrado um
amigo melhor.
— E você, minha querida, mostrou ser uma alegria para mim. Fiz certas
coisas na vida das quais não me orgulho e este é o primeiro passo para corrigir os
grandes erros de meu passado.
— Que erros? — Brooke perguntou, mas não obteve resposta.
O duque de Devonshire caiu num sono profundo e, após dois dias, faleceu.
Quando Brooke abriu os olhos ainda estava escuro. Pegou o lenço na
mesinha de cabeceira e enxugou as lágrimas. Sempre sentiria saudades de
Jackson. Imaginava qual teria sido a intenção dele ao planejar essa mudança em
sua vida. Ele tinha de saber que Travis não abriria mão de metade da fazenda.
Então por que a havia deixado para ela?
De alguma forma, Jackson quisera corrigir o próprio erro. Ela não fazia idéia
do que fosse, mas apostava como tinha a ver com Travis e, até agora, ela só o
deixara infeliz.
Brooke virou-se na cama e olhou para a escuridão.
— Jackson, o que você planejou não está dando certo — murmurou, na
esperança de que ele pudesse ouvi-la. — E também ainda não encontrei o amor
que você mencionou. O amor que dura uma vida inteira. Isso não existe — afirmou
com um suspiro e tornou a fechar os olhos.
Porém, as lágrimas continuaram a correr pelas faces.
Capítulo XII
O dia do casamento de Brooke amanheceu frio e com a primeira geada. Sinal
de que o outono havia chegado. Trouxe também o sr. Jeffries, que surgiu enquanto
ela tomava o café da manhã.
Travis havia lhe dito que não a veria até a cerimônia na Catedral de Saint
Louis. Dissera que era para não dar azar.
Eliza tinha voltado para casa a fim de ir ao casamento com a família,
portanto, Brooke estava sozinha. Enquanto se alimentava, ela imaginava que
surpresas sua nova vida lhe traria.
Uma movimentação no vestíbulo chamou sua atenção, e foi com prazer que
viu o sr. Jeffries entrar na sala de jantar.
Com uma exclamação de alegria, Brooke foi ao encontro do amigo a quem
abraçou.
— Mal posso acreditar que esteja aqui. É maravilhoso vê-lo — afirmou.
Algo no sr. Jeffries a confortava, alguém familiar num lugar onde tudo ainda
era estranho para ela. Talvez porque ele fosse o único elo com seu passado.
— Já tomou o café da manhã? — ela perguntou.
— Não. Tive de viajar a noite toda para chegar aqui a tempo. Garanto que
estes velhos ossos não estão mais habituados a cavalgar como louco por morros e
prados sem fim.
— Então venha se sentar. Como pode ver, temos mais do que suficiente —
Brooke disse ao fazer um gesto em direção a mesa farta.
Aliviado, ele acomodou-se. Ela, então, tocou um sininho e logo uma criada
surgiu.
— Por favor, traga prato, xícara, talheres e guardanapo para o sr. Jeffries.
A criada não demorou a trazer tudo, e Brooke pediu mais um bule de chá.
Depois que ela saiu, o sr. Jeffries comentou:
— Um casamento à noite é um pouco fora do comum, não acha?
— Eu sei. Havia pensado que seria por volta do meio-dia como na Inglaterra,
mas fui informada de que essa é mais uma tradição sulista.
— Calculo que deve haver muitas outras diferentes neste país. Fico contente
ao ver que você parece estar se adaptando bem aqui. O duque ficaria muito
satisfeito.
— Será? — ela disse em tom de dúvida. — Muitas vezes imagino por que ele
me mandou para cá. Pensava que seria para me propiciar o início de uma nova vida
sem problemas. No entanto, me deparei com um imenso tão logo cheguei aqui. Por
que me deu apenas parte de tudo isto? Ainda mais se poderia ter dado a fazenda
inteira para Travis e legalmente.
— Estou certo de que ele tinha seus motivos. Você descobrirá que a vida
sempre trará surpresas e, às vezes, com sua quota de problemas. — Ao vê-la
franzir a testa, ele acrescentou: — Eu gostaria de lhe dar as respostas que aspira,
mas o duque também não achou certo explicar seus motivos para mim. Creio que,
com o tempo, você descobrirá quais eram os propósitos dele. Mas, seja sincera,
você está infeliz?
Brooke olhou para o sr. Jeffries, imaginando como responder a pergunta.
— Nunca pensei nisso — admitiu.
— Talvez devesse.
— Para dizer a verdade, não sei como me sinto. Vim para cá esperando
administrar uma fazenda que pensava ser minha. Mas quando cheguei, descobri
que, além de ser uma hóspede indesejada, eu tinha apenas metade da propriedade.
— Você poderia administrar a fazenda sozinha? — o sr. Jeffries indagou.
— Talvez com o decorrer do tempo — Brooke confessou meio relutante. —
Travis faz um excelente trabalho aqui e os trabalhadores o admiram em vez de
temê-lo. Ouvi histórias do que ocorre em outras fazendas. Algumas são tenebrosas.
Eu gostaria de ajudar, mas tenho tanto para aprender.
— Também ouvi muitas histórias. Mas você não respondeu minha pergunta.
Sente-se infeliz?
— Não exatamente. Porém, sempre planejei meu futuro e, com franqueza,
casamento não estava incluído. Agora, me vejo prestes a realizar o que tinha
declarado jamais fazer. Então, me consolo ao pensar que será uma união
temporária. No fim de um ano, cada um poderá seguir seu próprio caminho.
— Sem dúvida. Vejo que estão encarando a situação como sócios de
negócios. Um bom começo, eu diria. Quem sabe como se sentirão no final de um
ano?
— Certamente será como nos sentimos agora — Brooke apressou-se em
afirmar.
Por que haveríamos de querer continuar casados se não nos amamos?, ela
pensou.
Mas não valeria a pena dizer isso ao sr. Jeffries. E afinal, o que era o amor?
Ela não fora capaz de explicá-lo a Eliza e isso a entristecera. Nunca havia provado o
que a maioria das pessoas parecia valorizar acima de tudo. Por alguma razão, ela
fora excluída dessa experiência maravilhosa.
— Lamento muito. Parece que a entristeci. Não foi minha intenção — o sr.
Jeffries desculpou-se.
— Não foi por sua causa e sim porque ignoro o que seja o amor. Outro dia
não consegui explicá-lo a uma menina — Brooke contou.
— Com sua permissão, discordo. Poucos de nós podem definir o amor. É
algo intangível. Impossível pegá-lo e nem mesmo vê-lo, mas quando o
encontramos, vale uma fortuna em ouro — ele afirmou.
— Fala como se o conhecesse — Brooke murmurou.
— Foi há muito tempo, quando eu era jovem — ele respondeu numa voz
tristonha.
— E então?
— Ela era linda e perfeita em tudo. Trouxe muita alegria para minha vida e
me ensinou como apreciar as coisas simples.
— Casou-se com ela?
— O mais depressa que pude. Passamos anos maravilhosos juntos — o sr.
Jeffries contou como se pensasse na mulher amada.
— O que aconteceu depois? — Brooke não conseguia refrear a curiosidade.
O sr. Jeffries tinha mudado completamente ao falar na esposa. —- Caso não se
importe de eu perguntar.
— Não, de forma alguma. Minha esposa faleceu de tuberculose — ele
respondeu, pesaroso.
— Oh, sinto muito — ela murmurou ao notar-lhe a mágoa.
— Não se compadeça de mim, minha cara, pois tenho muitas lembranças
boas — ele disse ao tocar sua mão. — Mas afirmo que você sabe o que é o amor.
Brooke franziu a testa, e o sr. Jeffries prosseguiu:
— Você se lembra de como se sentiu quando teve de dizer adeus a Jocelyn e
Shannon?
— Foi triste me separar de minhas amigas. Mas isso é amor?
— Bem, se você não as amasse não se importaria em vê-las partir, nem com
o que aconteceria a elas.
— Isso é verdade. Mas sem dúvida deve ser diferente entre um homem e
uma mulher.
— É semelhante, porém, mais poderoso. Não se preocupe com isso. Você
saberá quando estiver amando — ele garantiu antes de levantar-se. — Bem, se me
der licença, este velho homem precisa descansar os ossos. Presumo que tenho o
mesmo quarto?
Brooke fez um gesto afirmativo com a cabeça.
— Então, vou descansar. Se não a vir antes, será na hora de irmos para a
igreja. — Já ia sair, mas antes tirou um envelope do bolso. — Ia me esquecendo,
uma carta de Jocelyn para você.
Brooke sorriu e a melancolia evaporou-se no instante em que pegou o
envelope.
— Muito obrigada por trazê-la — agradeceu ao pegá-lo e deixar a sala logo
após o sr. Jeffries.
Agora que tinha o endereço da amiga, poderia lhe escrever contando tudo o
que tinha acontecido em sua vida.
Correu para o quarto e lá, sentada numa das poltronas cor-de-rosa, pôs-se a
ler a carta.

Querida Brooke,
Espero que esta carta a encontre bem. Eu a imagino como uma rainha em
sua nova casa e sem a mínima preocupação. Se alguém merece que algo bom lhe
aconteça, esse alguém é você. Shannon mandou-lhe lembranças. Ontem ela
embarcou num trem que a levará até parte do caminho de sua nova moradia. De lá,
ela terá de seguir em carruagem de aluguel que seu patrão providenciou.
Porém, você não vai acreditar o que ela me contou antes de partir. O sr.
Griffin, no anúncio de jornal, estipulava que a candidata para cuidar de seus filhos
deveria ser de meia-idade. Pois Shannon mentiu sobre a própria idade a fim de
conseguir o emprego. Você pode imaginar isso? Às vezes penso que ela não tem
um pingo de juízo. E me preocupo como o que acontecerá quando Shannon chegar
lá e o homem descobrir que ela não é a mulher idosa que alegou ser.
— Minha nossa! Em que essa menina se meteu? — Brooke exclamou no
quarto vazio.
Lembrou-se de que Shannon estaria fora do alcance de sua ajuda ou da de
Jocelyn. Depois refletiu sobre um outro ponto. Ora, que homem seria capaz de
mandar Shannon embora? Ela era uma mulher decidida e não se dobrava com
facilidade. Sem dúvida enfrentaria o homem apesar da mentira sobre a idade. Como
não pudesse fazer nada, Brooke continuou a ler a carta.
Quanto a mim, vou bem. Arranjei um quarto numa ótima pensão. A senhora
que a administra é um tanto autoritária, por isso a ignoro. Também é muito curiosa,
mas eu jamais respondo suas perguntas pessoais. A boa notícia é que amanhã vou
falar com um tal sr. Peter Parley quanto a trabalhar em sua pequena loja. Ele
precisa de ajuda, porque sofre de reumatismo. Por favor, me deseje boa sorte.
Escreverei mais quando puder. Enquanto isso, espero uma carta sua em meu
novo endereço. Estou ansiosa para saber tudo sobre sua vida. Tenho certeza de
que é maravilhosa, pois desde o início você sabia o que desejava.
Sinto muita saudade de você e, ansiosa, espero pelo dia em que nós três nos
encontraremos.
Beijos,
Jocelyn.

Brooke largou a carta no colo e suspirou. Ela podia ter sabido o que
desejava, mas acabara com algo pelo qual não se empenhara. Daria tudo para ter a
chance de conversar com Jocelyn e Shannon e lhes revelar suas dúvidas e
temores. As duas pensavam que ela sempre tinha respostas para tudo, mas as
ignorava para si mesma.
Como ainda faltassem muitas horas para se preparar para o casamento,
Brooke decidiu escrever para Jocelyn. Abriu o coração para a amiga, mencionando
seu ceticismo a respeito de Travis.
Quando terminou, notou que parte de seu nervosismo tinha passado. E
também que não havia escrito sobre nenhum defeito de Travis.
Poderia ele tê-la conquistado? Ora, ela não seria tão tola a ponto de se
apaixonar pelo sujeito.
Ou seria?

***
— Está na hora de começar a se aprontar, senhora — Millie Anne avisou
antes de bater na porta.
Brooke estava imersa na água quente da banheira, tentando relaxar. Tinha a
impressão de que cada músculo do corpo havia dado nó. Jamais imaginara que se
sentiria nervosa caso fosse se casar. Quanto mais a hora se aproximava, mais
agitada ficava.
— Entre, Millie Anne.
Um instante depois, a criada já estava ao lado da banheira com a toalha entre
as mãos. Brooke saiu da água e se enrolou nela.
— A senhora não está excitada? — Millie Anne indagou.
— Sentindo arrepios? — Brooke perguntou, rindo um pouco.
— Isso mesmo — Millie respondeu, enquanto afofava a saia do vestido de
noiva. — Nossa, que beleza! O sr. Montgomery vai perder a fala quando vir a
senhora.
Brooke vestiu a camisa de cetim e depois sentou-se à penteadeira.
— Não sou capaz de fazer Travis se calar. Quando está perto de mim, ele
fala sem parar.
— Mas está muito apaixonado pela senhora já percebi — a criada insistiu.
Brooke deixou o comentário passar. A moça podia ter suas ilusões.
— Agora, vou cuidar de seus cabelos — Millie disse ao começar a escová-
los, o que fez até deixá-los com um brilho dourado.
Uma outra batida na porta foi seguida pela entrada de Mammy.
— Vim trazer flor de laranjeira para seus cabelos e o buquê de noiva — ela
foi dizendo ao mostrá-los.
— As flores estão lindas, mas onde você as encontrou? — Brooke perguntou
ao aspirar o perfume das flores de laranjeira.
— Ora, temos uma estufa para plantas. A senhora ainda não a viu?
— Não. Assim que tudo isto passar, irei visitá-la. Você vai a meu casamento?
— Não, mas vou servir na recepção. Prosper está preparando uma variedade
de pratos o dia todo. E eu tenho de voltar depressa para ajudá-lo. A senhora está
linda e não se preocupe, tudo sairá bem.
— Vou tentar — Brooke prometeu e sorriu.
Por um momento, viu lágrimas nos olhos de Mammy que já saía.
Millie Anne começou a intercalar as flores de laranjeira em seus cabelos
enquanto os penteava.
— Vou prender o véu em sua cabeça, mas acho melhor a senhora pôr o
vestido primeiro — a criada sugeriu.
Brooke não discutiu. Sentia-se como uma atriz representando num teatro.
Nada do que estava acontecendo parecia real. Temia que, a qualquer momento,
alguém entrasse no quarto para avisar que Travis havia mudado de idéia e não
estaria na igreja. Idéia absurda, pensou. E se fosse à igreja e não o encontrasse lá?
Ela o mataria.
Acalme-se, disse a si mesma. Tolice estar nervosa. Afinal pouco se importava
com Travis. Olhou para a mão e viu o anel de rubi.
Tinha sido comprado para ela e não para Hesione. Sentiu-se bem e especial
ao olhar para a joia. Devia prender-se a essa sensação para enfrentar o que vinha
pela frente.
Calçou as sapatilhas de seda e endireitou o corpete do vestido que realçava
sua cintura fina da qual sempre se orgulhava. Pérolas pequeninas enfeitavam o
vestido todo, desde os ombros até a barra da saia.
Millie Anne prendeu o véu e, finalmente, Brooke estava pronta. A criada não
parava de falar em sua beleza e ela acabou acreditando que ficara uma bela noiva.
Mesmo assim, precisava fazer algo com o nervosismo.
Quem sabe deveria tomar uma bebida forte antes de sair para a igreja, mas
censurou-se por ser tão covarde. Então, desceu a escadaria como uma rainha, a
cabeça erguida.
Em frente da mansão, o sr. Jeffries e a carruagem a aguardavam. O veículo
refinado era preto e puxado por quatro garanhões brancos.
Oferecia uma bela visão e a fez pensar em algo que Jackson teria
providenciado. Talvez Travis fosse mais parecido com o pai do que admitiria.
Brooke teve de ocupar o banco todo para não amassar a ampla saia do
vestido. E o sr. Jeffries acomodou-se a sua frente. Sorriu-lhe como se tudo
estivesse ocorrendo conforme os planos iniciais.
Recostada no banco, Brooke refletia. Estava excitada apesar de seu modo de
pensar. E se Travis soubesse de sua vida anterior? Não. Não havia meios de ele
descobrir, disse a si mesma. E não seria ela quem haveria de lhe contar.
Imaginou o que aconteceria nessa noite. Estava tão nervosa como se fosse
virgem. Ia se permitir apreciar o marido, pois ele seria seu a partir desse dia.
— Chegamos — o sr. Jeffries avisou, invadindo suas cismas. — Você
gostaria que eu a conduzisse pela nave até o altar?
— Ah, seria maravilhoso. Tenho medo de que minhas pernas se dobrem —
Brooke confessou com um suspiro de alívio.
— Minha querida, você parece que está indo para sua execução e não a seu
casamento — ele comentou, divertido. — Deve sorrir ao ir ao encontro do futuro
marido.
Brooke respirou fundo e aceitou o braço que ele lhe oferecia a fim de subir a
escadaria do templo.
Tão logo as portas se abriram, ela exibiu um sorriso e apertou o braço do sr.
Jeffries como se isso a impedisse de fugir dali.
Todos se viraram para vê-la entrar, porém, Brooke não via ninguém, exceto o
homem atraente que a esperava diante do altar e lhe sorria.
O terno de Travis era preto, exceto o alvo colete branco. Sem dúvida, um
aspecto que lhe prendia o olhar. Mas eram os olhos azuis que a impediam de
desviar os seus. Havia uma ânsia ardente neles que a fascinava e assustava ao
mesmo tempo. Apesar disso, ela queria descobrir o que o homem escondia por trás
daquele olhar.
Não importava o quão atraente Travis fosse, Brooke não permitiria que ele a
dominasse. Num gesto de desafio, ergueu bem a cabeça e a sacudiu, soltando os
caracóis. Pesados demais para ficarem presos, seus cabelos caíram nos ombros.
Por Deus, ela é linda, Travis pensou ao admirá-la caminhar para o altar.
Parecia nervosa, o que o agradou. Nessa noite, Brooke lhe pertenceria. Ele iria
saborear aqueles lábios tentadores até se satisfazer. Já era tempo de ela saber que
ele seria o senhor desse casamento.
Ao observá-la se aproximar, Travis reconheceu a teimosia de seu queixo
manter-se erguido.
Instigante como sempre, pensou.
Ela faria idéia de como estava fascinante naquele momento?
Então, Brooke chegava ao lado dele. Seus cabelos tinham se soltado, ele
notou. Bem típico, desafiante até o fim. Isso o agradava. Mas queria ver seu rosto e,
então, levantou o véu.
Cílios escuros tocaram suas faces por um segundo antes de ela erguer as
pálpebras e fitá-lo com aqueles olhos de reflexos dourados que ele tanto admirava.
Brooke não revelava nada do que sentia ou pensava, bem como ele.
O corpo de Travis tentou reagir contra sua vontade. Não importava. Essa
noite ele iria finalmente saborear o que desejava desde que ela invadira sua vida
sem pedir permissão.
Ele conseguiu ouvir o padre e dar as respostas apropriadas.
A seguir, o sacerdote pediu as alianças. Como sempre, eram de ouro, com os
nomes dos noivos e a data do casamento, gravados na parte interna.
Travis mostrou a aliança para Brooke para que ela pudesse ver as gravações
e então a colocou em seu anular junto ao anel de rubi. Aliás, esse tinha lhe custado
um bom dinheiro, mas sabia que ela valia cada centavo.
Brooke murmurou baixinho seus votos ao colocar a aliança no dedo de
Travis.
Embora não demonstrasse, estava surpresa por ele gastar tempo em mandar
fazer as gravações. Travis a fazia sentir como se aquilo tudo fosse real e não mera
simulação. Será que havia afeição em seu olhar ao fitá-la? Gostaria de acreditar que
sim, mas sabia ser impossível.
Talvez fosse encenação por causa dos parentes. Mesmo pensando assim,
seu coração batia mais forte pela maneira com que ele a olhava.
Uma idéia mais aterradora a dominou. Temia estar começando a gostar de
Travis.
Pouco depois, o padre os declarou marido e mulher. Travis a tomou nos
braços e murmurou a seu ouvido:
— Desta vez será legal.
Então, beijou-a com tanta ternura, que Brooke começou a se sentir como
uma verdadeira noiva.
— Permitam-me apresentar-lhes o sr. e a sra. Travis Montgomery — o padre
anunciou antes de acrescentar: — O que Deus uniu o homem não separa.
Travis ofereceu o braço a Brooke e ambos seguiram pela nave e, como na
entrada, ela não via ninguém. Apenas sentia-se aliviada com o fim da farsa, embora
ainda houvesse mais para enfrentar.
Os parentes de Travis assinavam o livro de registro, enquanto os noivos
seguiam para a grande recepção.
Quando entraram no salão da paróquia, Brooke ficou abismada com as
delícias nas duas mesas longas. Havia enormes presuntos assados, pontilhados
com cravos e cobertos com calda de açúcar mascavo. E também faisão, carneiro e,
claro, sopeiras com a canja de frango e quiabo. O bolo de noiva estava numa mesa
à parte.
— Veja, um bolo — Brooke murmurou para o marido.
— Claro. Afinal é uma festa de casamento — Travis disse ao levá-la até o
bolo. — Depois do jantar, você deverá cortá-lo e cada moça solteira receberá uma
fatia.
— Calculo que seja outra tradição sulista.
— Acertou. Quando forem dormir, elas colocarão as fatias sob o travesseiro
com o nome de três rapazes solteiros. A tradição diz que aquele com quem cada
uma sonhar será seu marido.
Brooke ofereceu-lhe um sorriso malicioso e sussurrou:
— Exatamente como eu o encontrei.
Capítulo XIII
Risonhos, os olhos de Travis brilharam revelando surpresa. — Pois eu
imaginava como você tinha conseguido me laçar.
— Ora, não tentei laçá-lo. Você simplesmente caiu no meu colo — Brooke
afirmou com ar presunçoso.
Antes que ele pudesse reagir e dizer algo, os parentes começaram a entrar
no salão e a felicitá-los.
Sorrindo, Brooke passou a recebê-los. Esse evento estava muito diferente do
café da manhã de noivado quando só passaram a lhe dirigir a palavra ao saberem
de sua suposta gravidez.
Já começando a relaxar e a se sentir satisfeita por estar enfrentando tudo tão
bem, ela virou-se e se viu diante do avô de Travis. Ele estava tão carrancudo quanto
da outra vez em que o vira. Quem esse homem pensava ser para julgar o neto?
Nunca havia cometido erro algum?
Brooke quase sorriu. Apostava como ele guardava segredos tenebrosos e
lamentava não saber nenhum deles. Mas se esforçaria para descobrir pelo menos
um.
Ela não tinha visto Travis se afastar e procurou-o com o olhar, mas não o
encontrou. Portanto, via-se a sós com o chefe da família. Encararam-se, dois
temperamentos firmes num enfrentamento silencioso, que Archie deLobel tratou de
quebrar.
— Então você é a tal? — ele indagou.
— A noiva de seu neto? Sou, sim — Brooke respondeu com firmeza,
fazendo-o empertigar-se mais ainda
— Faz tempo que insisto com Travis para se casar — ele a informou em tom
ríspido.
— Pois então o senhor deve se sentir feliz por ele ter atendido seu conselho.
— Mas você não é sulista — o homem argumentou como se ela fosse
portadora de uma doença contagiosa. Então, declarou: — Este casamento foi muito
repentino. Afinal, Travis estava comprometido com outra moça.
— Pelo que eu saiba não era um noivado oficial. Travis ainda não tinha lhe
oferecido um anel — Brooke comentou.
— Mera formalidade. E isso repercutiu mal em nossa família — deLobel
reclamou com a mesma rispidez.
Brooke já ia afirmar que pouco se importava, quando ele prosseguiu:
— Porém agora, como sei o motivo pelo qual ele mudou de idéia tão
depressa, penso que agiu corretamente. A mãe dele jamais corrigiu o próprio erro.
O avô de Travis não perdoava a filha e dirigia a raiva ao neto. Brooke
guardaria a informação para usar no futuro. Não dava a mínima importância à
atitude do homem.
— Foi bem simpática a atitude de Travis, o senhor não acha?
— O que acabei de afirmar, certo? E você conseguiu o que queria?
— Será? — Brooke perguntou num tom enigmático.
Sem entender o que ela insinuava, deLobel franziu a testa. Nesse instante,
Travis reapareceu.
— Vovô, vejo que está conhecendo melhor minha esposa.
— Estou, sim. Você precisa ensiná-la a morder a língua afiada — ele
respondeu como se Brooke não estivesse presente.
— Haverá tempo para isso. Agora, se o senhor nos der licença, temos de ir
nos sentar à cabeceira da mesa.
Com a mão de Brooke em seu braço e sem esperar pela permissão, Travis a
afastou do avô.
— Parece que você e o velho se deram bem. O que achou dele?
— Seu avô não passa de um pretensioso — ela declarou.
— Pelo menos concordamos em alguma coisa — Travis afirmou, rindo.
O banquete começou tão logo todos se sentaram. Brooke estava faminta, mal
havia se alimentado o dia inteiro. Relanceou o olhar em volta e viu que Travis a
observava.
— A maioria das noivas mal come. Vejo que você não tem esse problema. —
Ele a fez sorrir.
— Pensei que você já tivesse notado que não sou como a maioria das
mulheres — ela observou com olhar de triunfo.
— É o que estou descobrindo.
— Você devia me explicar a diferença entre Cajun e sulista. Seu avô insinuou
que quem não é sulista tem sangue manchado.
— É como ele pensa — Travis disse com um sorriso irônico, mas passou a
atendê-la. — Os Cajuns descendem dos franceses expulsos da Nova Escócia. E os
sulistas da Louisiana traçam sua ascendência aos franceses e espanhóis que
vieram diretamente da Europa. Meus antepassados eram franceses e muito
orgulhosos.
— Foi o que descobri, além de um tanto rudes, devo acrescentar. Mas
detesto lhe dizer, querido, que você também tem sangue inglês pelo lado de seu
pai.
— Eu sei e meu avô não perde a oportunidade de observar isso, motivo pelo
qual sou considerado um pária. Contudo, tenho sangue sulista nas veias. Segundo
ele, não existe esperança para você, pois seu sangue é todo inglês — Travis
comentou, rindo.
— Condição totalmente inaceitável — Brooke concluiu.
— Exatamente.
A festa continuava, champanhe fluindo à vontade e cada vez que Brooke se
distraía, alguém enchia sua taça. Logo sentia-se leve e, tinha de admitir, feliz. Isso a
amedrontava. Se sabia que Travis não a amava como podia se sentir feliz? Ele
apenas a desejava como muitos homens já o tinham feito. Por isso mesmo
precisava ser cuidadosa e não se arriscar a acabar gostando do marido. Ele era um
homem complexo e exigiria grande esforço seu para compreendê-lo. Talvez quando
o conhecesse melhor, pudessem passar em paz o período de um ano.
Mas então o quê? Brooke ainda não queria pensar nisso. Contava com um
bom tempo para decidir. Por enquanto, desejava apenas apreciar o presente.
Travis sentia prazer em observar a esposa quando ela não percebia. Apesar
da intenção de tratá-la com indiferença, ele apreciava sua companhia. Brooke
possuía tudo o que um homem desejava numa mulher. Não só era linda como
inteligente também. Sentia prazer em conversar com ela.
Afinal, talvez não tivesse sido um mau arranjo. Ele sempre tivera a intenção
de se casar um dia, então por que não com Brooke? Sem dúvida, ela era muito mais
atraente e simpática do que Hesione. Contudo, ele não abriria mão da fazenda no
final de um ano e achava que ela não estaria disposta a vender sua parte. Desse
modo, voltariam a um impasse. Quem sabe, após um ano, eles decidissem
continuar juntos. Bastaria ele manter-se no controle e não se apaixonar pela moça
teimosa. Já tinha problemas suficientes sem arriscar o coração. Aliás, se tivesse
um. E se Brooke estivesse grávida na ocasião, ela não poderia ir embora.
A música começou e Travis conduziu Brooke à pista de dança.
— Creio que a primeira valsa é reservada para nós, minha querida — ele
murmurou ao tocá-la na cintura.
Por alguns minutos Travis concentrou-se em admirar a beleza da noiva. Era
tão radiante que atraía os olhares de todos os homens. Pouco depois, perguntou:
— Você está apreciando a festa?
Como o champanhe a tivesse relaxado, Brooke realmente se distraía,
enquanto rodopiava entre os braços do marido. Seu marido, refletiu. O que ia fazer
com um? Bem, tinha certeza de uma coisa. Quase sorriu antecipando a noite de
núpcias. Depois disso, como seria a vida de ambos?
Brooke ergueu o rosto e viu-se fitando os olhos azuis de Travis. Podia sentir o
magnetismo sensual que o deixava tão confiante e irresistível. Ele a atraía tanto que
a impedia de pensar, mas conseguiu sorrir um pouco.
— O que você perguntou?
Ele estreitou o abraço, puxando-a para mais perto. Muito indecente, ela
pensou, adorando cada segundo. Travis percorreu o olhar por seu rosto e o fixou
nos lábios.
— Perguntei se você estava apreciando a festa.
— Ah, muito! — ela respondeu com um olhar sedutor. — E você?
— Bem, não está tão terrível quanto eu antecipava — Travis confessou,
fazendo-a rir.
— Melhor assim. É um prazer ser conduzida por alguém que dança tão bem
como você — Brooke elogiou, mudando de assunto. — Muitas pessoas ainda
consideram a valsa uma dança escandalosa. Quando eu era criança minha mãe me
contou que o príncipe regente tinha oferecido um baile onde dançaram a valsa.
Alguns dias depois, o jornal The Times publicara: "Lamentamos informar que a
indecente dança estrangeira chamada valsa foi introduzida na corte inglesa na
última sexta-feira. Sentimos ser nosso dever avisar os pais quanto ao perigo de
expor suas filhas a um contágio tão fatal".
Travis não se conteve e riu.
— Calculo, Brooke, que você nunca seguiu esse conselho.
— Não mesmo, pois gosto de dançar a valsa bem como chocar as pessoas
— ela afirmou com um sorriso matreiro. — Além do mais, estamos todos vestidos,
portanto como seria indecente?
— Você não estará vestida por muito tempo mais, minha querida — Travis
avisou com um sorriso malicioso, provocando-lhe uma onda de excitação.
Em seguida, conduziu-a até a mesa de doces.
— Vamos nos retirar daqui a instantes.
As intenções dele são bem claras, Brooke pensou com um arrepio de
antecipação e não resistiu à tentação de provocá-lo:
— Não diga! E para onde iremos?
Antes de responder, Travis esvaziou a taça de champanhe.
— Uma das tradições sulistas estipula que os noivos não deixem seus
aposentos por cinco dias.
Acho que vou gostar disso, Brooke pensou, supondo se alguém ficaria
incumbido de vigiar os noivos a fim de verificar se mais essa tradição sulista seria
observada.
— Você não pode estar falando sério, Travis.
— Estou, sim. Para provar, saiba que reservei passagens para nós num
barco fluvial que fará uma excursão pelo Mississippi. Pensei que você apreciaria o
passeio. — Ao ver seu olhar receoso, explicou, depressa: — Esse barco é muito
diferente do navio em que você cruzou o Atlântico. Assim ficaremos longe de minha
família e poderemos relaxar.
— E quem cuidará da fazenda?
— Ah, uma verdadeira mulher de negócios! Gosto disso — ele disse,
sorrindo. — Pedi a Jeremy para inspecionar os trabalhos até o final do corte da
cana. O estrago causado pela tempestade foi tão grande que não há muito a fazer,
exceto terminar o corte e preparar a terra para a próxima estação. E o sr. Jeffries
prometeu cuidar da parte financeira nos bancos, enquanto estivermos fora.
— Pelo que vejo, você cuidou de todos os detalhes — Brooke observou,
satisfeita. Era um alívio contar com alguém para tomar as decisões.
— Sempre tento. Agora você é a última tarefa em minha lista.
— Você fala como se isso fosse um encargo.
— Mas será um encargo muitíssimo prazeroso.
Travis e Brooke chegaram ao ancoradouro e embarcaram no Natchez por
volta das dez da noite. O barco era uma criação magnífica de madeira e metal, mas
com aspecto misterioso na escuridão.
O capitão Leathers estava lá para recebê-los. Segundo Travis, os
comandantes dos barcos fluviais eram tratados quase como deuses pela sociedade
da Louisiana. A maioria tinha projetado e construído suas embarcações e
conheciam o rio como o próprio corpo. Ainda na opinião de Travis, Leathers era o
mais competente deles, o melhor do rio Mississippi.
— Bem-vinda a bordo do Natchez, madame — o capitão a cumprimentou
num forte sotaque sulista. — Os outros passageiros só embarcarão amanhã cedo.
Como este é um dia especial para ambos, abri uma exceção.
Brooke agradeceu com um sorriso antes de um marinheiro pegar a mala de
Travis e dizer a ela:
— Por favor, me acompanhe.
Levou-a ao camarote que, segundo lhe explicou, era o maior do barco. Sem
dúvida muito superior ao que ela havia compartilhado com Jocelyn e Shannon na
vinda da Inglaterra, ela percebeu tão logo entrou.
Depois de avisá-la que logo a seguiria, Travis tinha ficado ao lado do capitão
a fim de trocarem umas palavras. Brooke supôs que ele queria lhe proporcionar
privacidade, algo bem oportuno. Não era inexperiente, mas seria a primeira vez que
faria amor como mulher casada.
Ela surpreendeu-se com o bom gosto da decoração do camarote. Uma cama
de casal ocupava o centro e escotilhas emolduradas por cortinas de renda branca,
com certeza, ofereciam uma bela vista do rio durante o dia. Ao lado da penteadeira
havia uma luneta e carpete creme cobria o chão. Ao lado da porta, ela viu seu
malão. Sem dúvida Millie Anne estava a par da viagem e o tinha arrumado com
suas roupas.
Contente, foi até ele e o abriu. Bem em cima estava sua camisola branca
preferida. Pegou-a, decidida a usá-la. A parte de cima era de renda finíssima e
delineava seus seios com nitidez. Metros e metros de cetim ondulavam-se ao redor
dos quadris de maneira sedutora.
Brooke queria já a estar usando quando Travis entrasse, então começou a
soltar os colchetes que prendiam o vestido. Levou algum tempo. Tão logo
conseguiu, despiu-o e pôs a camisola. Adorava sentir a seda macia na pele.
Depois de tirar os grampos do penteado, sacudiu a cabeça para que os
cabelos caíssem nos ombros e nas costas. Admirou-se no espelho e gostou como o
tecido juntava-se a seu corpo nos lugares certos.
Só faltava escovar os cabelos e aguardar o noivo.
Travis caminhou pelo tombadilho por algum tempo a fim de dar a chance de
Brooke se preparar para a noite. Sabia que as mulheres não gostavam de se trocar
diante de um homem. Esperava que ela deixasse pelo menos uma vela acesa para
impedi-lo de cair ao entrar no camarote.
Quando finalmente se dirigiu ao aposento, parou do lado de fora da porta e
respirou fundo. Havia sonhado com essa noite. A maçaneta girou com facilidade.
Um bom sinal. Pelo menos ele não fora trancado pelo lado de fora.
Ao abrir a porta viu não apenas uma vela acesa, mas várias que iluminavam
bem o ambiente. E a cama já estava preparada para recebê-los. A aparência geral
era bem estimulante.
Abriu mais a porta e viu Brooke sentada à penteadeira escovando os cabelos.
Notou o amplo decote nas costas que expunha boa parte de sua pele. Nada de
camisolas fechadas até o pescoço para ela.
Ao vê-lo pelo espelho, Brooke sorriu e perguntou:
— O que você está pensando?
— Em como você está encantadora e o quanto planejo apreciar esta noite —
Travis respondeu ao tocá-la no ombro.
Deliciada com a carícia, Brooke ergueu-se e virou-se de frente. Travis pôde
admirar-lhe o corpo de pura perfeição delineado pelo tecido diáfano. O dele
estremeceu de desejo, fazendo-o se sentir perdido. Em vão tentou desabotoar a
própria roupa.
Ao olhar para a mulher fascinante com quem havia se casado temeu perder
os sentidos. A camisola deixava pouco para a imaginação e fez seu coração
disparar. Os mamilos eretos erguiam-se convidativos, forçando a renda da camisola.
Por Deus, ela vai me matar de excitação antes que eu consiga me livrar das
malditas roupas, ele pensou, aflito.
— Deixe que eu o ajude — Brooke ofereceu ao perceber tal dificuldade,
afastar-lhe as mãos e soltar os botões em questão de segundos.
Aliviado, Travis respirou fundo. Brooke exalava um delicioso perfume de
flores.
Depois de desabotoar o paletó e a camisa de Travis, ela o forçou a tirá-los e,
ao fazê-lo, roçava os dedos em sua pele. Como um rapazinho, ele mantinha-se
imóvel. Em seguida, acariciou-o no peito, o que o tirou do estupor. Mais do que
depressa, ele desabotoou a calça e a despiu.
Agora era a vez dele, queria admirar Brooke por inteira. Porém, ela o distraía,
beijando-o no peito e quase o enlouquecendo. Então, Travis a segurou pelos braços
e a afastou.
— Agora quero vê-la inteirinha — ele afirmou ao afastar as alças da camisola
que escorregou pelo corpo, deixando-a nua.
Ao admirá-la, Travis mal conseguia respirar. Por que se sentia como se fosse
a primeira vez que faria amor? Seria por ser com Brooke?
Havia algo nela diferente de todas as mulheres que conhecera. E, sem
dúvida, ela não era acanhada.
Sem a mínima inibição, Brooke aninhou-se entre os braços dele e ergueu a
cabeça, seus olhos brilhando como os de uma gata. Ao sentir a ereção, percebeu
nunca ter desejado tanto uma mulher como desejava Brooke. Queria beijar e
subjugar aqueles lábios tentadores. E fazer muitas coisas proibidas com ela. Sua
pele era macia e os seios o convidavam a tocá-los.
Brooke virou-se entre os braços dele, levando-o a comprimir seu corpo contra
a rigidez do membro.
Ela deliciou-se ao senti-lo. Onde quer que o tocasse havia músculos. De
propósito, prensou os seios contra o peito dele e o tremor que recebeu em troca
mostrou-lhe não ser indiferente a Travis. Ele podia não amá-la, mas a desejava. A
reação do corpo masculino mostrava-lhe ser essa a única maneira para controlá-lo.
Brooke ficou na ponta dos pés e beijou-o no queixo. Esticou o corpo até
encontrar-lhe os lábios. Recebeu um beijo carinhoso, mas ao enlaçá-lo pelo
pescoço percebeu ter despertado o predador dentro dele. E como essa fera a
estimulava.
Travis capturou-lhe os lábios com um beijo ardente. Entreabriu os próprios e
acariciou os seus com a língua. Com uma leve pressão, a fez abrir a boca para
recebê-lo e, então, beijou-a com paixão, enquanto ela roçava o corpo contra o dele.
Insistente, ele lhe roubava de seu bom-senso.
Brooke ardia com uma carência jamais provada. Aquilo estava sendo tão
diferente das outras vezes. Inclinou-se sobre Travis, enquanto ele a beijava ao
longo do pescoço. Gemeu, perdida na sensualidade em que ele a envolvia. Seus
joelhos fraquejaram e, temendo cair, prendeu-se mais a ele.
Mas Travis prosseguiu com a tortura delirante, pois ainda tinha algo mais
para surpreendê-la. Curvou-se para alcançar seus seios. Tomou um dos mamilos na
boca e rodeou-o com a língua. Então sugou-o, fazendo Brooke gemer com a
excitação provocada.
Ela enfiou as mãos nos cabelos dele e prensou-lhe a cabeça no seio. Travis
reagiu mordiscando o mamilo e, depois, repetindo o gesto no outro até fazê-la
gemer de prazer.
Ela arquejou e quase não conseguia respirar. Travis apossava-se de sua
boca, além de levá-la a sentir-lhe a ereção contra o corpo. E, agora, ela desejava
recebê-lo dentro de si. Ansiava cavalgar o animal magnífico até que ele também
murmurasse seu nome.
— Por favor, Travis...
Ao ouvi-la balbuciar seu nome, Travis incendiou-se. Como já estivessem
perto da cama, bastou firmar o joelho no colchão e puxar Brooke com ele. Deitou-a
e seus cabelos loiros espalharam-se pelo travesseiro como ele havia imaginado
tantas vezes.
Ao fitá-lo, Brooke admirou-se com a intensidade das emoções. Até então,
pensava saber o que era desejo, mas junto a Travis, percebia não entender nada do
que sentia por ele. Poderia ser algo além de volúpia?
O aconchego dos braços fortes enquanto a beijava era perfeito e inundava
seu coração de alegria.
Travis a desejava.
No auge da excitação, ele sabia que tinha de possuí-la logo. Tocou-a entre as
coxas e sentiu a umidade quente que o aguardava. Ela estava pronta para recebê-
lo.
Sentia-se como se estivesse prestes a explodir. A vontade de invadir seu
corpo o dominou como nunca antes. Foi preciso um grande controle para penetrá-la
devagar, pois queria senti-la e, só então, iniciar os movimentos.
— Eu a desejo, minha linda... — sussurrou meio rouco.
Em resposta, ela soergueu os quadris e Travis aprofundou a penetração.
Queria lhe propiciar tanto prazer quanto recebia. Sentiu os dedos delicados
cravarem nas costas e, pouco depois, ela estremecia. Travis acelerou os
movimentos e também atingiu o prazer almejado, enquanto murmurava o nome de
Brooke.
Algum tempo depois, ela começou a emergir do abismo. Um sentimento
inesperado de ternura enchia-lhe o peito e, ao mesmo tempo, temia a ameaça de
lágrimas. Tentou não se emocionar. Tal reação nunca se manifestara até então.
Nesse instante, Brooke deu-se conta da realidade. Travis significava algo
para ela. Como isso teria acontecido? Não desejava ter algum sentimento por ele.
Seria amor? Não sabia e também ignorava como enfrentá-lo.
O que Travis estaria sentindo nesse momento? Sem dúvida ele não parecia
disposto a proclamar amor eterno.
Brooke era sensata o bastante para saber que uma noite esplêndida de sexo
não significava amor.
De algo, porém, tinha certeza, Travis era seu marido e poderia contar com
todo ele.
Pelo menos por um ano.
Capítulo XIV
Na manhã seguinte Travis avisou Brooke que, enquanto ele jogasse baralho
no salão, o capitão Leathers iria lhe oferecer uma visita pelo barco inteiro. Ela
indagou-se por que o marido não faria isso, mas ocorreu-lhe que o casamento deles
não se baseava no amor e sim num acordo de negócios. Então sorriu para ele e
desejou-lhe boa sorte. Isso o fez franzir a testa e sair do camarote. Mas Brooke não
soube interpretar tal expressão.
Na verdade, Travis mal podia esperar para sair dali e não entendia o motivo.
Talvez fosse porque cada gesto da esposa o lembrava de sua atração sexual. A
noite tinha sido magnífica com sexo excelente e algo mais. E era esse mais que o
perturbava. Precisava de tempo para entender esses novos sentimentos. Enquanto
estivessem juntos, ele não conseguiria refletir com nitidez. Por isso tinha de se
afastar. Quem sabe após jogar algum tempo seria capaz de pensar.
Maldição! Precisava de uma bebida.
Entrou no salão, cuja decoração era convidativa e havia o que ele procurava,
distração, algo para afastar seu pensamento da esposa. Quatro homens sentavam-
se a uma das mesas, jogando cartas e uma quinta cadeira o convidava como se
estivesse a sua espera.
Brooke pôs um vestido de caxemira roxo e apanhou um xale bege para se
agasalhar do frio de outono. Então, deixou o camarote.
O tempo estava agradável apesar do frio e o céu era de um azul límpido.
Apoiada na amurada, ela deixou o olhar percorrer a vastidão do Mississippi. Parecia
que os passageiros já tinham embarcado pela manhã, mas Travis e ela não haviam
acordado com a movimentação. Sorriu ao pensar como estariam cansados após
fazerem amor pela noite adentro. Esperava que Travis tivesse uma sensação de
desempenho igual a sua.
A água estava calma e o sol brilhava pela superfície translúcida. A suas
costas, duas chaminés soltavam fumaça preta que o vento espalhava e a casa do
leme ficava além delas. Vidraças em suas quatro paredes propiciavam uma vista
panorâmica do rio. O capitão a viu, acenou-lhe e, em seguida, fez um gesto para
ficar onde estava. Então, foi a seu encontro.
— Bom dia, madame — ele a cumprimentou, enquanto se aproximava pelo
convés superior.
Era um homem alto, corpulento e, com o casaco cinzento, lembrava a
aproximação de uma tempestade. Os grandes olhos azuis exibiam vivacidade, os
lábios tinham aspecto inflexível e um denso cavanhaque ruivo forrava-lhe o queixo.
O homem demonstrava tanta segurança, que Brooke logo simpatizou com ele.
— Vejo que está admirando meu rio — ele disse.
— Seu rio?! — Brooke exclamou, mas logo concordou: — Estou, sim. Nunca
vi um rio tão grande.
— Sem dúvida é imenso e o mais comprido do mundo, duas mil e trezentas
milhas — Leathers afirmou em tom de orgulho. — Ele deságua trezentas e trinta e
oito vezes a quantidade do Tâmisa.
— Não diga! — Brooke admirou-se. — Sempre pensei que o Tâmisa fosse
bem grande, um dos maiores. Diga-me uma coisa, há quanto tempo o senhor está
neste rio?
— Muito. Comecei aos doze anos na limpeza do convés de um barco — o
capitão explicou ao acenar para um grupo de passageiros que passava por eles.
Brooke continuou a fazer perguntas enquanto o capitão a levava numa visita
pelo barco. Ela gostava muito de aprender coisas novas e o capitão e seu barco
eram fascinantes. Conversar com ele mantinha seu pensamento longe de Travis e
da maneira maravilhosa como ele a fizera se sentir durante a noite.
Caminharam devagar ao longo de um convés ladeado por salas. Depois,
subiram dois lances de escada que levavam aos camarotes dos passageiros e, a
seguir, ao convés superior onde o alojamento dos oficiais ficava perto da torre de
comunicações. Quando chegaram à casa do leme, Leathers explicou:
— E daqui que o piloto dirige meu barco. Parece ser fácil navegar neste rio,
mas ele é cheio de bancos de areia e, se batermos em um, ficaremos presos. Ou
pior, poderá abrir um rombo no lado submerso do barco. Há também recifes, ilhas e
troncos que mudam sempre de lugar, isso sem mencionar a sinuosidade do rio.
Leathers tocou no braço do piloto que observava o rio.
— Este é Edwards. O encargo de nos manter em segurança está nos ombros
dele.
— Vejo que tem um trabalho muito importante, sr. Edwards — Brooke
comentou.
Ele virou-se, sorriu para ela e, então, olhou para Leathers.
— Exatamente o que venho tentando lhe dizer, capitão. Sou muito importante
para o desempenho deste barco.
Leathers riu.
— Vamos descer. Meu piloto já é muito presunçoso e me obriga a lhe pagar
um alto salário.
— A casa das caldeiras é o coração do barco — o capitão explicou.
Muito barulhenta, Brooke refletiu. Havia cinco delas lado a lado. Pilhas de
lenha ocupavam o espaço oposto. As portas de ferro estavam abertas e foguistas,
banhados de suor, jogavam resina de pinheiro por elas. Enquanto os observava, ela
viu um deles atirar também um pedaço de toicinho embolorado. Brooke olhou para o
capitão Leathers com expressão interrogativa, o que o fez rir.
— Acredite ou não, a gordura aumenta o calor das chamas. Ela não tinha
certeza se precisava ser mais quente. Estava tão abafado e seco ali que ela mal
podia respirar. Seu interesse por esse lugar era mínimo.
— Caso não se importe, capitão, eu preferia voltar lá para cima.
— A casa das caldeiras não é lugar para uma dama, concordo — ele afirmou
ao chegarem ao tombadilho. — Mas pensei que a senhora gostaria de ver o que
impulsiona este barco.
— Achei bem interessante, mas o calor e a umidade davam a sensação das
profundezas do inferno. Apreciei muito nosso passeio, mas agora quero ir ver como
meu marido está gastando seu tempo. Travis me disse que ia jogar baralho. O
senhor sabe onde ele poderia estar?
— No salão. Eu lhe mostrarei como chegar lá.
O grande salão era um aposento enorme, iluminado por lustres de cristal.
Móveis finos e de bom gosto permitiam que pessoas passassem o tempo e
conversassem ali. Num canto havia uma mesa com cinco homens curvados sobre
suas cartas. Um deles era seu marido.
Brooke esperou alguns instantes na esperança de Travis erguer o olhar e
notar sua presença. Perda de tempo. Então, aproximou-se.
Estavam jogando pôquer e ela podia ver as cartas de Travis. Ele tinha full
house, uma trinca e um par, mas jogava com precaução, apesar de ver a pilha de
dinheiro crescer. Finalmente houve um call e Travis baixou a full house para o
desgosto de outro cavalheiro que tinha apenas uma trinca. Então, Travis começou a
contar o dinheiro.
— Foi uma estratégia excelente — Brooke elogiou, fazendo-o virar-se para
trás e perguntar:
— Você entende alguma coisa de pôquer?
— Joguei um pouco na Inglaterra. Era a onda nos salões de Londres.
Um dos homens se levantou.
— Já me distraí o suficiente por um dia. Por que não joga em meu lugar,
minha senhora?
— Não quero atrapalhar ninguém — Brooke hesitou.
— Cavalheiros, esta é Brooke minha esposa — Travis a apresentou. —
Importam-se se ela jogar um pouco? Tenho certeza que se cansará depressa.
Os homens riram, mas assentiram com gestos de cabeça.
Brooke pensou que o marido ainda não a conhecia bem. Porém, o
esclareceria. Rodeou a mesa e sentou-se na cadeira que acabava de ser
desocupada.
— Meus senhores, apesar de ver que a sra. Montgomery está em boas mãos,
peço-lhes para serem atenciosos — o capitão Leathers recomendou. — E talvez
queiram guardar um pouco de seu dinheiro para apostar na competição dos barcos
— acrescentou. — Já fui avisado que o Annie Johnston nos aguarda em Baton
Rouge para competir conosco até St. Louis.
— Boa notícia. Já faz um bom tempo que não acompanho uma competição
de barcos. Suponho que o senhor vai manter seus passageiros a bordo, certo? — o
homem à esquerda de Brooke perguntou.
— Naturalmente — Leathers respondeu, sorrindo.
— O que isso quer dizer? — ela indagou.
— A maioria dos barcos recebe poucos passageiros quando vão competir,
mas nosso capitão faz suas paradas regulares, embora um pouco mais rápidas.
Mesmo assim, sai vencedor — Travis explicou.
— Não concordo em dispensar passageiros só para diminuir o peso do barco
— Leathers afirmou e, em seguida, deixou o salão.
Jogar cartas era uma boa distração para Brooke, mais ainda ao ganhar várias
partidas. Também alegrava-se por Travis, de vez em quando, ter boas cartas,
embora as suas fossem melhores. Enquanto seus ganhos cresciam, ele franzia
mais a testa.
Após uma hora e meia, Travis conseguiu ótimas cartas, ganhou e, então,
anunciou:
— Cavalheiros, acho que já jogamos o suficiente por hoje. Está pronta para
se retirar, minha querida?
Brooke sorriu, certa de que o motivo para Travis parar de jogar tinha mais a
ver com seus ganhos do que com o tédio dele.
— Claro — ela respondeu ao pegar seu dinheiro. — Obrigada cavalheiros por
permitirem que eu jogasse com os senhores — ela agradeceu e aceitou o braço do
marido.
Uma vez lá fora, dirigiram-se ao convés. O dia já ia adiantado e o Natchez
acabava de atracar no porto de Baton Rouge onde havia uma multidão no cais.
Brooke e Travis postaram-se à amurada a fim de ver os estivadores
desembarcar a carga e novos passageiros subirem a bordo.
— Como você aprendeu a jogar pôquer tão bem? — Travis finalmente
perguntou, revelando a curiosidade.
— Já lhe contei, eu jogava na Inglaterra. E quando estava no internato eu e
algumas colegas nos escondíamos numa sala nos fundos do prédio para jogar
baralho. — Ela observou-lhe a expressão e indagou: — Você não se aborreceu
porque venci umas poucas vezes, não é?
— Não, claro — Travis assegurou. — Mas geralmente ganho.
Brooke observou sua expressão carrancuda e o acusou:
— Você está mal-humorado.
— Engana-se.
Estava sim, Brooke tinha certeza. Inclinou-se e o beijou na face.
— Lamento ter jogado melhor do que você. Travis percebeu que estava
sendo infantil.
— E esse é seu melhor pedido de desculpa? Ela o fitou, surpresa.
— Vamos lá, tenho certeza de que pode oferecer outro superior — ele a
instigou.
Notou o brilho nos olhos de Brooke ao aconchegá-la entre os braços.
Devagar, ela deslizou as mãos até tocá-lo na nuca.
— Então você quer um pedido de desculpa melhor? Que tal este? —
perguntou ao beijá-lo no queixo e, depois, nos lábios.
Travis estreitou o abraço, pouco se importando que estivessem num lugar
público. Quanto a esta mulher, a paixão explodia sempre que a tocava. Ansioso,
correspondeu ao beijo.
— Só pode ser amor — uma passageira disse ao passar por eles.
Ao ouvir três badaladas de um sino, Travis lembrou-se de que não podia ser
em público o que desejava fazer com a esposa. Então, afastou-se um pouco.
— Você não vai acreditar — Brooke murmurou ao apoiar a cabeça no ombro
dele. — Seus beijos são tão deliciosos que imaginei estar ouvindo um sino badalar.
Travis riu.
— O que você ouviu, meu amor, foi o aviso do capitão Leathers para os
novos passageiros encontrarem suas acomodações e os visitantes desembarcarem.
Está na hora de partir. Vire-se e veja. Depois, iremos para nosso camarote — ele
murmurou em seu ouvido.
Brooke virou-se entre os braços dele que a prendiam ao corpo. Sentia-se
derreter por dentro quando o marido a abraçava assim. Desde o casamento, Travis
havia mudado tanto, que ela imaginava se ele não a amava.
No cais, mãos e chapéus acenavam para os dois barcos. Quando o Natchez
e o Annie Johnston soaram seus apitos, alguém em terra disparou uma saraivada
de balas.
As colunas de fumaça negra engrossaram e um estivador nas docas soltou o
cabo de amarração. Com um ruído ensurdecedor das máquinas, o Natchez recuou
do cais e suas rodas de pá atingiram a água amarronzada. Mas o Annie Johnston já
seguia na frente.
— Ficamos para trás — Brooke protestou.
— Leathers o ultrapassará, minha querida.
Já estava escuro quando seguiam pelo rio, e havia dezenas de fogueiras nas
várias docas, onde pessoas se juntavam para acompanhar a competição.
— Passe na frente! — gritavam, balançando os braços.
— Mal posso acreditar que pessoas fiquem na escuridão para observar os
barcos — Brooke comentou.
— Essas competições são muito importantes ao longo do Mississippi e
algumas pessoas apostam um bom dinheiro nelas — Travis explicou. — Esperamos
alcançar o Annie Johnston pela manhã. Você está com fome?
Brooke virou-se nos braços dele e respondeu:
— Só de você.
O lampejo que viu nos olhos do marido a aqueceu. Travis a beijou no
pescoço e, depois, a ergueu nos braços.
— Ora, não queremos que você passe fome — murmurou ao capturar-lhe os
lábios num beijo rápido.
Depois de fazerem amor com paixão, continuaram abraçados até a
respiração voltar ao normal. Então, Travis virou-se de lado, mas sem largar Brooke,
que apoiava a cabeça no ombro dele.
— Você está apreciando a viagem? — ele quis saber.
— Muitíssimo. Obrigada por gastar tempo para fazê-la. Pensei que após o
casamento voltaríamos para a fazenda a fim de trabalhar — Brooke contou,
fazendo-o rir.
— Esse era meu plano original. Não sei quando mudei de idéia.
Ela sorriu para si mesma. Quem sabe Travis, contra seus planos, se deixara
afetar pelo casamento.
— Eu ainda acho difícil acreditar que estejamos casados. Se a um mês atrás
alguém me dissesse que eu me casaria com um homem a quem ainda não
conhecia... Bem, eu calcularia quanto essa pessoa havia bebido.
— Entendo o que quer dizer — Travis admitiu, rindo. — Parece que estou na
cama com a pessoa errada. Afinal você foi a segunda escolha — acrescentou.
— Obrigada — Brooke ironizou ao cutucá-lo no peito com o dedo. — Está
arrependido?
Travis fitou-a com meiguice e sensualidade ao responder.
— Não, de forma alguma. Pelo contrário, estou muito satisfeito. Para falar a
verdade, não me lembro da última vez em que afirmei isso.
Ela esticou-se e o beijou, então voltou para sua posição preferida. Travis era
bondoso, mas não queria que ninguém soubesse que isso a agradava. Também
apreciava a companhia dele. Quando não estava por perto, ela sentia falta.
Desejava ter mais do que sexo com ele e também saber tudo a seu respeito.
— Você sempre morou em Nova Orleans?
— Boa parte do tempo.
— Fale sobre sua infância — Brooke sugeriu.
— Ora, por que você quer ouvir algo tão enfadonho?
— Porque você é meu marido e não sei muito a seu respeito.
Ele a fitou com olhar desconfiado, mas começou a falar.
— Minha infância não foi prazerosa. Minha mãe era a perdição da família.
Como você notou, meus parentes não costumam perdoar. Sempre fomos mantidos
à parte. Como minha mãe não podia nos sustentar, meu avô se viu obrigado a nos
deixar morar com ele, embora de má vontade. Minha mãe foi rejeitada pela
sociedade sulista e sempre me dizia que ninguém queria uma mulher com um filho
bastardo.
— Que coisa horrível para se dizer a uma criança! — ela exclamou.
— Mas a pura verdade — Travis argumentou. — Vivíamos da mesada que
meu avô nos dava, e eu me vestia com as roupas usadas de meus primos. Então, o
inesperado aconteceu, o duque veio me ver.
— Foi a primeira vez que você viu Jackson? Pelo menos teve a chance de
conhecer seu pai. Eu nunca tive essa sorte — Brooke o consolou.
— Foi, sim. Jackson estipulou uma mesada para minha mãe para que ela
permitisse minha ida para a Inglaterra com ele. Eu não queria ir, pois não
simpatizava com o homem, mas ambos insistiram que seria o melhor para mim.
Desse modo, aos treze anos, fui estudar na Inglaterra. Quanto mais velho ficava,
mais rebelde me tornava. Aos dezessete anos eu tinha me tornado um problema.
Bebia e gastava minha mesada no jogo. Finalmente, Jackson lavou as mãos e me
mandou de volta para cá. Foi quando me deu Moss Grove, uma fazenda
abandonada, para administrar. Ele afirmou que não tinha certeza se eu poderia dar
conta disso, mas me oferecia a chance de provar minha capacidade e me tornar um
homem respeitável.
— E você conseguiu provocar o sucesso da fazenda, mostrando a ele sua
competência — Brooke completou, feliz.
— Jackson nunca chegou a ver o que eu fiz. Mas pude dar uma casa para
minha mãe. Achava que eu lhe devia isso, pois era a causa de seus problemas.
— Por quê? Você não pediu para nascer. Sua mãe devia ter assumido a
culpa. Ela já sabia que Jackson era casado quando o conheceu.
— Mesmo assim, eu achava necessário provar minha capacidade. Também
queria morar longe de meu avô. Tinha de mostrar a ele e a meu pai que podia obter
sucesso sozinho.
Brooke tocou-o nas faces.
— A mim você não tem de provar nada, Travis. Acredite ou não, gosto de
você como é.
Pela primeira vez na vida, Travis sentiu uma contração no peito.
— Venha cá, meu amor — ele murmurou ao puxá-la de encontro ao corpo e
começar a beijá-la.
Primeiro na testa, depois nas faces e finalmente nos lábios que se abriram
sob os dele. Quando tocou sua língua com a dele, estremeceu. Nunca havia
desejado tanto uma mulher. Mas Travis refletiu que era bom cobiçar a própria
esposa. Mal podia acreditar que havia se casado com ela. Aprofundou o beijo.
Brooke gemia de prazer e Travis adorava ouvi-la. A delícia de tê-la entre os
braços e o sabor de seus lábios nos dele eram de enlouquecer.
Devagar, ele deslizou os dedos por seu pescoço e os levou até um seio, o
mamilo elevando-se com o toque.
Tudo tão diferente de suas experiências passadas, Brooke deu-se conta. A
delicadeza e a atenção de Travis a excitavam ainda mais. Os lábios dele seguiram
os dedos até os seios, apossando-se dos mamilos túrgidos. O prazer absoluto e
explosivo provocava-lhe uma agonia deliciosa.
Travis mal podia acreditar na paixão que Brooke lhe mostrava, nem em
quanto a desejava. Já tinham feito amor, no entanto ele a queria outra vez. Tinha a
impressão de não poder se saciar. Brooke poderia lhe causar a morte. Que maneira
gloriosa de morrer.
Deslizou a mão até o triângulo macio entre suas pernas e tocou o lugar
especial que a fazia gemer de prazer. Com os dedos sondou o acesso, entrando e
saindo, até ela estar macia, úmida e pronta para recebê-lo.
— Eu o quero agora, Travis — ela murmurou.
O corpo dele incendiou-se ao ouvi-la. Penetrou em seu corpo com
morosidade proposital, e ela soergueu os quadris, levando-o à loucura. Não
importava o que lhe custasse, ele queria se conter a fim de lhe dar prazer. Iniciou os
movimentos, adorando como a sentia e a maneira com que ela sorria.
Diabo, praguejou mentalmente. Contra seu melhor julgamento, ele amava
Brooke. Querendo ou não, ele havia cedido a sua magia.
Tal verdade fora arrancada de um lugar além da lógica e da razão, porém, ele
não se importava. O amor o tinha atacado sem que ele percebesse.
— Você é deliciosa, minha querida. Eu poderia fazer amor com você a noite
inteira.
Ela respondeu ao erguer o corpo e apreciar a invasão. Travis sentia-se como
se estivesse no topo de uma onda no mar, subindo cada vez mais alto. Ao atingir o
êxtase foi como chegar à praia, estremecendo com o alívio da recompensa.
Ao fitar Brooke, viu amor e alegria em sua expressão. No jantar do dia
seguinte ele lhe diria não querer que o casamento fosse um apenas um acordo de
negócios, pois a desejava pelo resto da vida.
Mas essa noite, ele queria deliciar-se com a alegria e o prazer que
encontrava entre seus braços. Virou-se de lado, puxou-a para bem junto dele e
adormeceu feliz.
Capítulo XV
O Natchez conseguiu vencer uma boa distância durante a noite. Todos foram
avisados de que fariam uma parada rápida em Memphis para descarregar carga e
pegar uns poucos passageiros. Porém, o Annie Johnston não seguia sua velocidade
habitual. Mesmo assim, o Natchez estava prestes a alcançá-lo. Leathers achava
que um capitão devia manter as operações regulares durante as competições.
Brooke postou-se perto da amurada para observar as atividades no cais,
enquanto esperava pela volta de Travis. Ele havia descido para comprar charutos e
prometido voltar bem antes de o barco partir. Ela se sentira meio perdida ao vê-lo
descer. Ficava nervosa longe dele. Tolice sua. Contudo, havia descoberto aquele
algo misterioso chamado amor e queria proclamar, em alto e bom som, ser
finalmente uma pessoa normal.
Esperava que, ao ar livre, analisaria melhor os novos sentimentos, mas esse
era um novo território e não fazia idéia de como lidar com eles. Até então, tinha sido
tão segura de si. O amor poderia provocar uma incerteza cruel?
Travis não tinha dito que a amava, no entanto, ela percebia o amor que sentia
pela maneira com que a fitava e abraçava. Era maravilhosa. No passado, sempre
que encontrava a felicidade, algo a destruía. O que seria desta vez?
De onde estava, Brooke observou o capitão Leathers que dava ordens a
alguns membros da tripulação. George Devol, um dos homens com quem Travis
havia jogado pôquer, aproximou-se de Leathers. Carregava um chapéu cheio de
dinheiro.
— Capitão, uma pobre mulher viúva está lá no cais com seis crianças. Ela
me contou ter tentado embarcar no Annie Johnston. Ao ver que ela não tinha
dinheiro para as passagens, o capitão Blake a expulsou para o cais. Então, passei o
chapéu por seus passageiros e oficiais e penso ter dinheiro suficiente para pagar as
passagens da família.
Leathers afastou o chapéu e recomendou:
— Dê o dinheiro à mulher que precisa dele mais do que eu. Darei ordem a
um tripulante para ceder um camarote à família.
Tal atitude era típica de Blake e fez Brooke sorrir.
Havia julgado o capitão um homem bom e agora tinha a prova. Olhou para o
cais a fim de verificar se Travis estava voltando, mas não o viu. Só havia
passageiros esperando embarcar e também carga para ser trazida a bordo. Como
as pessoas já sabiam da competição subiam depressa, exceto uma senhora de
meia-idade e uma jovem que discutiam com o marinheiro por causa de sua imensa
bagagem. Afinal o homem concordou e chamou outros para o ajudarem a embarcar
tudo.
Pelo canto dos olhos, Brooke viu Travis que começava a subir pela prancha
de embarque. Foi quando a tal senhora gritou e o enlaçou nos braços. Em seguida,
a moça o beijou nos lábios. Duas atrevidas.
Enquanto ele tentava se livrar dos braços da moça em volta de seu pescoço,
Brooke imaginou que deviam ser a mãe de Travis e Hesione.
Que grande falta de sorte!
Havia esperado passar algum tempo com o marido antes que elas voltassem
e tivessem de deslindar a confusão armada por Travis ao se casar com outra.
Brooke suspirou. Não teria de esperar mais para conhecer as duas.
Os três continuaram a subir pela prancha de embarque, Hesione pendurada
no braço de Travis e a mãe, falando sem parar, do outro lado dele.
Quando já estavam a bordo, Brooke o ouviu apresentá-las ao capitão
Leathers que, como sempre, foi atencioso. Em seguida, ele pediu licença para
cumprimentar outros novos passageiros e sinalizar a partida do barco. Estavam
apenas uma hora atrás do Annie Johnston.
Com o olhar, Travis procurou Brooke e, ao vê-la, fez-lhe um sinal para se
aproximar. Então foi ao seu encontro depois de se livrar do braço de Hesione. Ao
chegar perto, disse:
— Imagino que você saiba quem elas sejam. Está pronta para conhecê-las?
Brooke respirou fundo antes de assentir com um gesto de cabeça. Travis a
segurou pelo braço e, depressa, cruzaram a distância que os separava.
— Mamãe — chamou-a, prendendo a atenção da senhora. Brooke notou que
ela era pequena, com aparência comum, cabelos castanhos e não tinha os olhos de
Travis. Os dela eram verdes e frios, embora no momento sorrisse.
— Muita coisa aconteceu em sua ausência. Quero que conheça Brooke
Montgomery, minha esposa. Esta é minha mãe, Margaret deLobel.
A mãe de Travis começou a fazer um gesto de cabeça, mas parou ao
entender as palavras do filho. Hesione, perplexa, aproximou-se.
— O que você acabou de dizer? — Margaret indagou como se não o tivesse
entendido.
— Nós nos casamos três dias atrás — ele respondeu com firmeza. Então,
olhou para a ex-noiva. — Lamento, Hesione.
— Como você se atreveu? — ela gritou com lágrimas de raiva correndo pelo
rosto. — E quanto a mim?
— Você perdeu a cabeça? Sabia que tínhamos ido comprar o enxoval de
Hesione. Esqueceu-se de que já tinha uma noiva? — Margaret perguntou.
— Não, mamãe, não esqueci, mas algumas coisas mudaram.
— Veja o quanto você perturbou Hesione. — Margaret abraçou a moça que
soluçava. — Deve ter havido algum equívoco. — Inclinou-se como se fosse
desmaiar. Travis a amparou e ela dirigiu um olhar de desdém para Brooke. — Afinal,
essa moça parece ser inglesa.
— Talvez eu deva levá-la para seu camarote. A senhora se sentirá melhor
depois de repousar — Travis sugeriu ao ver o olhar curioso de várias pessoas.
— Algo errado com o fato de eu ser inglesa? — Brooke indagou ao encontrar
a voz perdida diante da cena presenciada.
— Você não é sulista! — Margaret exclamou em tom de desprezo.
— Bem, nem todos nós podemos nos orgulhar de ser sulistas. Mas eu lhe
garanto que venho de uma família de sangue puro.
— Agora você está me provocando com sua língua afiada — Margaret
esbravejou não mais com a fraqueza de momentos atrás.
Devia ser um artifício usado durante anos para controlar Travis. Mas parecia
que ele tinha aprendido a ignorá-lo, Brooke notou.
Margaret virou-se para o filho e disse:
— Eu gostaria de vê-lo a sós. Travis olhou para Brooke e avisou-a:
— Vou acompanhar mamãe e Hesione a seus camarotes e a encontrarei no
nosso.
Ela assentiu com um gesto de cabeça. Que escolha tinha? A mãe dele não
estava aceitando bem a notícia. Não que esperasse que ela o fizesse, porém,
surpreendera-se com a cena horrível, ainda mais em público.
Talvez os sulistas não tivessem as boas maneiras dos ingleses, pensou,
sorrindo.
Não queria voltar para o camarote onde não tinha nada para fazer exceto se
preocupar com a situação. Então passou a observar os últimos passageiros que
procuravam suas acomodações.
— Oh, meu Deus! — murmurou baixinho ao pensar se seu dia poderia piorar
mais ainda.
Viu um homem que acabava de embarcar, mas não era qualquer um e sim o
conde de Whatsbury. Ele poderia identificá-la e revelar seu passado.
Depressa, virou-se e foi para seu camarote. O que poderia fazer? O barco
não era muito grande e seria impossível evitá-lo. Ainda bem que nunca tinha
dormido com ele, mas fora a muitas festas em que o conde estava presente.
Lembrava-se de uma em que Whatsbury tinha bebido muito e lhe feito
propostas, afirmando que a trataria como a uma rainha. A repulsa sentida por tal
comportamento a fizera declarar que ele não tinha dinheiro suficiente para comprá-
la.
Furioso, Whatsbury a agarrara pelo braço, machucando-a. Ainda bem que o
duque, a quem ela já fazia companhia na época, a socorrera e forçara Whatsbury a
se desculpar. Depois disso, ele nunca mais a tinha importunado.
Agora, seria forçada a enfrentá-lo outra vez. Só esperava que ele a tivesse
esquecido.
Tão logo Travis deixou uma chorosa Hesione em seu camarote e a mãe no
outro, tentou se afastar. Mas não seria fácil.
— Como você pôde se casar com uma estranha? — Margaret perguntou com
olhar furioso.
— Meu pai faleceu — Travis desconversou. Ela arregalou os olhos e pôs a
mão na boca.
— Como você ficou sabendo?
Travis cruzou os braços e encostou-se na porta.
— O procurador dele, o sr. Jeffries, foi me visitar.
— Seu pai lhe deixou alguma coisa?
— Ah, sim. A metade de Moss Grove.
— Metade?! — a mãe exclamou.
— Exatamente. A outra metade ele deixou para Brooke.
— Ora essa! — Margaret protestou e pôs-se a andar de um lado para o outro.
— Jackson me afirmou que você era seu único filho. O que essa moça significava
para ele? Por que você se casou com ela?
— Havia a condição que o dinheiro iria para fazenda se eu me casasse com
Brooke. A cana foi arruinada este ano por uma tempestade me deixando sem um
vintém. Não tive escolha.
— Entendo, agora. Você se casou por dinheiro — Margaret concluiu. — Mas
caso se casasse com Hesione, você também ficaria bem financeiramente — ela
argumentou, parou de andar e encarou o filho. — Essa moça não é uma de nós.
Você sabe que se casasse com Hesione nós teríamos, enfim, a aprovação de meu
pai. Posso imaginar o que ele pensa dessa vagabunda.
— Não fale assim de minha esposa — Travis a censurou.
— Ela não significa nada para você — Margaret afirmou como se tivesse
certeza. — E não vai ser sua esposa por muito tempo. Trate de anular o casamento
e casa-se com Hesione.
— Não quero uma anulação — Travis afirmou. — E, sem dúvida alguma, não
quero mais me casar com Hesione. Eu não a amo e não vejo razão alguma para
voltar atrás no que fiz. Ela pode encontrar outro pretendente. E também é bom a
senhora aceitar a idéia de que pouco me importa se vovô aprova minhas atitudes e
aceita Brooke. Este casamento começou como um arranjo de negócios, mas tornou-
se muito mais do que isso.
— Seu idiota! Você a ama, não é?
— Mamãe, não me pressione. De fato, amo Brooke. Não espero que a
senhora goste dela, mas a aceite. Se não conseguir, arranjarei para a senhora ir
morar em outro lugar.
— Não acredito que você esteja me dizendo isso. Você não gosta mais de
mim?
— Claro que sim, mamãe — Travis afirmou. — Assim que pude, tentei lhe dar
uma vida confortável. Mas pretendo dirigir a minha e ser feliz. Espero lhe dar muitos
netos com Brooke, porém não tolerarei desavenças em minha casa. Então, se a
senhora não puder ser atenciosa com a moça que escolhi, poderá procurar alguém
para acolhê-la.
Margaret cambaleou.
— Acho que vou desmaiar.
Travis a levou até a cama e a largou.
— Sugiro que a senhora pegue seus sais aromáticos — recomendou.
Em seguida, foi embora deixando-a sozinha. Já estava acostumado com
cenas iguais a aquela.
Tão logo Travis se foi, Margaret ergueu-se. O filho não sabia o que convinha
para ele, mas, ela sim. Hesione era a prometida de Travis, e ele, querendo ou não,
ficaria com ela.
Quando não ouvia mais os passos do filho, ela deixou o camarote e dirigiu-se
ao de Hesione. Bateu na porta, mas não esperou que fosse aberta. Entrou e
perguntou logo:
— Você está bem, querida?
A moça tinha os olhos vermelhos e inchados de tanto chorar.
— Não. Seu filho me expôs ao ridículo. Como posso ir para casa de cabeça
erguida?
— Não sei o que aconteceu com ele. É claro que Travis não se dá conta do
erro cometido. Só pode ter sido enfeitiçado pela moça. Naturalmente vou precisar
corrigir essa situação.
— Mas o que a senhora poderá fazer? Ele está casado e não comigo —
Hesione choramingou, e Margaret tentou animá-la.
— Eu sei, minha querida, mas faremos alguma coisa para reparar a situação.
Só preciso de algum tempo para refletir.
Margaret tinha certeza de que a tal moça havia seduzido Travis e, dentro de
pouco tempo, ele se arrependeria de ter se casado. Pelo menos, era o que ela
esperava. Hesione teria sido a única maneira de agradar seu pai finalmente, mas
Travis tinha arruinado isso. Precisava encontrar um jeito de anular o estrago feito
pelo filho e a tal moça. Tinha de pensar numa maneira de levá-lo a querer a mesma
coisa que ela.
Quando Travis voltou a seu camarote encontrou Brooke andando de um lado
para o outro.
— Nosso sossego terminou — ele disse em tom aborrecido. — Eu não fazia
idéia de que íamos encontrá-las em nossa lua de mel. Mas isso iria acontecer cedo
ou tarde.
— Eu gostaria que tivesse sido mais tarde. Aliás, bem mais tarde. Sua mãe
não ficou nem um pouco satisfeita ao me conhecer, mas posso entender seu
choque. Tenho certeza de que vai levar um bom tempo para ela começar a
simpatizar comigo — Brooke comentou.
— Se chegar a isso — Travis conjeturou com um sorriso torto.
— Você tem certa razão. Pude ver muito de seu avô nela — Brooke
confessou, rindo.
— Sem dúvida. Vamos jantar com o capitão esta noite, e assim minha mãe
não fará uma cena. Devemos aparentar como se nada estivesse fora do normal,
ainda mais depois da cena de pouco atrás. Bem, vou ao salão jogar baralho esta
tarde.
— Ótimo — Brooke disse com sarcasmo, imaginando se poderia convencê-lo
a ficar com ela no camarote.
Não só tinha de enfrentar uma sogra irritada, mas também de se preocupar
com o conde. Ele era alguém que poderia revelar seu passado.
Brooke vestiu-se com o maior capricho e penteou-se para o jantar, prendendo
os cabelos no alto da cabeça. O vestido, azul-marinho, além de decotado, expunha
seus ombros.
Já estava pronta quando Travis voltou. Ele tinha se vestido mais cedo e ido
dar uma volta pelo tombadilho a fim de deixá-la à vontade. Essa era uma das vezes
em que Brooke sentia falta da criada. Pelo menos teria outra mulher com quem
conversar. Agora, claro, havia a mãe de Travis, mas ela duvidava de que a sogra
lhe desse atenção.
Quando Travis abriu a porta, parou. Sempre que via a esposa, ela lhe parecia
mais linda. Sua simples visão agitava-lhe o sangue.
Em vão, Brooke esperou que ele dissesse algo, então, perguntou:
— Alguma coisa errada?
— Meu Deus, você está lindíssima! — ele exclamou, embevecido.
Ao ver o olhar de desejo do marido, Brooke sorriu.
— Obrigada, meu senhor. Está pronto para ir jantar?
— Depois de vê-la, eu ficaria feliz de passar fome — ele murmurou ao pegá-
la nos braços e a beijar com paixão.
— Apesar de haver tido o trabalho de me aprontar, estou mais do que
disposta a esquecer do jantar — Brooke afirmou.
Todavia, não podia revelar que isso, além da paixão que viveria, a livraria da
preocupação de encontrar o conde.
— Devemos jantar primeiro, depois então... — Travis piscou-lhe, revelando a
intenção. — Além do mais, minha mãe e o capitão já devem estar lá. Não podemos
deixá-los esperando.
— De fato, não — Brooke concordou, mas havia perdido o apetite.
Ao entrarem na sala de jantar, Brooke e Travis foram envolvidos pelo
burburinho de vozes e aguardaram que o maítre os conduzisse a seus lugares. O
aposento era o mais famoso do barco. Tapete preto e vermelho cobria o chão,
mesas redondas, com toalhas de linho branco, eram rodeadas por cadeiras de
veludo vermelho.
Finalmente o maitre os levou à mesa do capitão onde Margaret e Hesione
esperavam.
Brooke reprimiu um gemido.
— Mamãe, Hesione, boa noite — Travis as cumprimentou.
— Espero que sua tarde tenha sido agradável — Margaret disse, dirigindo-se
apenas ao filho.
— Ah, foi sim — Travis respondeu, enquanto puxava a cadeira para Brooke
se sentar. — Joguei pôquer com um colega de escola na Inglaterra. Como sempre,
ele jogou mal.
Brooke sentiu um arrepio. Só esperava que o tal colega não fosse Whatsbury.
— Alguém que eu conheça? — Margaret indagou.
— Não creio — Travis respondeu e, então, dirigiu-se ao capitão: — Como
está indo a competição?
— Se Blake me vencer até St. Louis, você tem permissão para me enforcar
num banco de areia.
— Isso é bem drástico, capitão — Brooke disse, sorridente. — Imagino que
estejamos na frente — acrescentou e Leathers riu.
— Não exatamente, mas ainda há esperança.
Travis e o capitão continuaram a conversar, enquanto o jantar era servido.
Consistia de filé de peixe, batata roxa assada e frango ensopado com molho de
amêndoas. Uma pena que a companhia do jantar não fosse tão boa quanto a
comida, Brooke pensou.
Para alívio seu, as duas mulheres mantiveram-se caladas durante a refeição.
Podia suportar os olhares de ódio de Hesione, mas duvidava que conseguisse ser
educada se elas fossem grosseiras.
— Estaremos em St. Louis amanhã se a neblina não for muito densa — o
capitão disse. — Creio que é onde pretendem desembarcar, sra. deLobel.
— Esse era nosso plano original, mas como encontramos meu filho,
decidimos voltar no Natchez para Nova Orleans — Margaret explicou.
— Isso pode ser arranjado — o capitão Leathers disse. — Sei que deve estar
ansiosa para conhecer bem sua nora. Agora, se me derem licença, devo ir visitar as
outras mesas para que ninguém se sinta negligenciado. Ah, não se esqueçam de
saborear o pudim de pão. É o melhor do Mississippi.
Brooke inclinou-se para Travis e afirmou:
— Aposto como não é tão bom quanto o de Prosper.
— Prosper é excelente — Margaret murmurou.
— Concordo plenamente — Brooke respondeu com um sorriso, mas não
recebeu um em retorno.
— Há quanto tempo você está em Moss Grove? — Margaret perguntou,
seca.
— Cheguei no fim de setembro.
— E ninguém de sua família a acompanhou?
Brooke sentiu-se como se estivesse num interrogatório policial.
— Não tenho família. Vim acompanhada pelo sr. Jeffries.
— Ele era o procurador de Jackson — Travis aparteou.
— Sei muito bem quem ele é. — Margaret empurrou a cadeira para trás, e
Travis apressou-se em ir ajudá-la. Contudo, ela virou-se para Brooke e disse numa
voz insolente: — Muito incomum. Você não contava nem com uma criada?
— Vim com duas amigas. Achei sem sentido atrapalhar a vida de uma mulher
se sabia que teria outras criadas em Moss Grove — Brooke respondeu.
— E quem é sua criada lá?
— Millie Anne. Ela é excelente.
— Ora, ela trabalha no campo.
— Não mais e tornou-se uma ótima companhia para mim — impaciente,
Brooke informou a velha víbora, forçando um sorriso.
— Vamos nos recolher, Hesione. Travis, venha nos acompanhar — Margaret
determinou.
— Pois não, mamãe — ele respondeu, e dirigiu-se a Brooke, sorrindo: —
Voltarei logo, querida.
Brooke concluiu que Hesione era tímida e parecia querer se esconder atrás
de Margaret. Talvez fosse bom que ela não pudesse mais se casar com Travis. Ele
a esmagaria na primeira semana.
Ela já terminava seu cafezinho quando ouviu o sotaque da Inglaterra a suas
costas.
— Diabos, não posso acreditar em meus olhos! — Whatsbury exclamou ao
se aproximar mais da mesa de Brooke. — É um mundo pequeno! Vejo que você
veio tentar a vida na América.
Ela não respondeu.
— Qual foi o problema? Os homens na Europa não tinham dinheiro suficiente
para você?
Brooke olhou para o conde que, como sempre tinha bebido demais.
— Eu o conheço, senhor? — perguntou, na esperança de que ele houvesse
cometido um engano.
— Não queira me tapear. Eu jamais esqueceria um rosto como o seu.
Brooke levantou-se. Só lhe restava fazer-se de tola.
— Com licença, senhor — pediu e dirigiu-se à porta pela qual Travis entrava.
— Vejo que você acaba de conhecer Whatsbury. Ele é um tanto estranho —
Travis comentou.
— Ah, é sim — Brooke concordou. — Estou com dor de cabeça e vou para
nosso camarote me deitar.
— Melhor mesmo e eu a acompanho. Depois, volto aqui apenas para cobrar
um dinheiro de Whatsbury.
— A distância é curta e eu não terei problemas.
— Nesse caso, falarei com ele e logo irei ter com você. Enquanto Brooke
seguia pelo tombadilho a neblina pairava no ar. Provocava uma sensação lúgubre
que lhe dava arrepios.
Não podia encarar o conde ao lado de Travis, pois correria o risco de ser
humilhada publicamente. Talvez ele não notasse a ligação entre ela e o marido se
não os visse juntos. Esperava que o conde mantivesse a boca fechada sobre seu
passado, porém sabia ser pouco provável.
Então, iria para o camarote, trocaria de roupa e aguardaria seu destino.
Travis dirigiu-se ao canto onde Whatsbury estava e, como sempre, numa
pose pretensiosa. Ao vê-lo se aproximar, exclamou:
— Maldição, meu velho, se sua sorte não mudou!
— Se está se referindo ao jogo desta tarde, lembre-se de que eu sempre
ganhava de você na escola — Travis o aconselhou.
— Não, estou falando sobre Brooke Hammond — Whatsbury o corrigiu,
piscando um dos olhos. — Fiquei surpreso ao vê-la aqui, embora ela fingisse não
me conhecer. Jamais duas moças poderiam ser tão parecidas. Lá na Inglaterra, ela
reinava nos altos círculos.
— Você conhece minha esposa? — Travis perguntou.
— Sua esposa?! Sem dúvida você está gracejando.
— Por que você diz isso? — Travis quis saber, tentando se controlar e não
esmurrar o rosto do antigo colega.
— Você não sabe?
— Minha paciência está no fim — Travis o avisou.
— Ela é uma cortesã, meu velho.
Com olhar de ódio, Travis o agarrou pela camisa.
— Exijo satisfação por tal calúnia.
— Espere um instante — o outro pediu, erguendo as mãos em defesa
própria. — Eu mesmo tentei usá-la e ela me recusou. Estou apenas lhe contando o
que obviamente ela não fez. Se não acredita em mim, pergunte a Brooke —
Whatsbury o aconselhou, e Travis o largou. — Então você verá que não há motivo
para brigarmos. Lamento, meu velho, pensei que você soubesse.
Ao sair da sala de jantar, a visão de Travis estava obscurecida. Teria
passado por idiota? Por acaso Brooke fora uma prostituta usada pelo pai e o
convencido a lhe dar parte da fazenda?
Ele sentiu-se despedaçado por dentro. Que Deus protegesse Brooke se isso
fosse verdade.
Capítulo XVI
A porta do camarote escancarou-se. Num movimento brusco, Brooke ergueu
a cabeça. Da entrada, Travis a encarava como se ela fosse inimiga. Um músculo
tremia em seu queixo e os olhos azuis a fitavam com tanta frieza, que ela
estremeceu. A expressão de Travis a acusava em silêncio.
Brooke prendeu a respiração e seu pulso disparou. Ele sabia.
Como a tensão de ambos aumentasse, Travis finalmente entrou no aposento
e fechou a porta. Porém, não se aproximou dela e postou-se atrás de uma cadeira,
firmando as mãos no encosto.
Uma onda de apreensão dominou Brooke. Depois de respirar fundo numa
tentativa para se controlar, Travis perguntou numa voz sarcástica:
— O que exatamente você era para meu pai? Uma prostituta à disposição
dele?
— Não, claro! Como você pode pensar uma coisa dessas? O olhar de
desprezo dele a percorreu dos pés à cabeça.
Apertou o encosto da cadeira com tanta força que as juntas dos dedos
embranqueceram. Brooke percebeu que ele lutava para se controlar.
— Como?! Whatsbury acabou de me congratular por ter conseguido que você
fosse minha cortesã. Parece que ele jamais conseguiu obtê-la para si mesmo.
Travis tornava tudo tão feio, Brooke pensou. Porém, ele ainda não tinha
terminado:
— Eu o desafiei a um duelo por causa do insulto. Whatsbury apenas riu e me
aconselhou a perguntar a você caso não acreditasse nele. Parece que você era a
atração em Londres. Pode imaginar como me senti o próprio idiota ao contar a ele
que você era minha esposa?
Brooke sentiu o coração se despedaçar e um frio estranho a envolveu.
— Sei como isso parece horrível e você merece respostas. Mas está
preparado realmente para ouvi-las? Ou vai me julgar antes de saber a história
inteira?
A expressão de Travis contraiu-se, revelando que já a julgava culpada e não
queria ouvir mais nada. Mas então, como sempre, ele a surpreendeu ao dizer:
— Sempre me considerei um homem justo. Brooke apontou para a cadeira e
perguntou:
— Você não quer se sentar?
— Não — ele respondeu, contraindo as feições.
Brooke respirou fundo. Sabia o que Travis devia estar pensando e lamentava
o fato de ele não ter lhe dado o benefício da dúvida. Pelo menos até ouvi-la.
Sentou-se na beirada da cama, as costas bem eretas. Jamais se acovardaria
diante dele ou de homem algum. Podia não se orgulhar de seu passado, mas não
havia nada que pudesse ter feito. Precisara sobreviver.
— Creio que você sabe que fui criada numa escola para meninas — Brooke
começou, sua calma aparente disfarçando a aflição íntima.
Travis sorriu com desdém e indagou:
— Isso não foi mentira?
— Nunca menti para você, Travis. Posso não ter lhe contado tudo sobre
minha vida, mas jamais menti — ela afirmou.
Ele assentiu com um gesto de cabeça, e ela prosseguiu:
— Caso você se lembre, na noite da tempestade em que perdemos a cana-
de-açúcar, eu lhe contei que minha mãe tinha morrido. Mas não mencionei que, três
dias após o funeral, meu pai, o duque de Winterland, suspendeu a mesada que me
sustentava. Fui jogada na rua com as roupas do corpo. Estava assustada, com
fome, sem dinheiro e não tinha a quem procurar.
Ela apertou as mãos para impedir que tremessem. A simples lembrança
daquele período a apavorava.
— Você pode imaginar o que passei? Afirma que sua vida tem sido dura, mas
sua experiência não é nada em comparação à minha. Você sempre teve família,
embora implicante, e contava com sua mãe a seu lado. Portanto, não queira me
dizer que sabe o que passei.
Travis permaneceu calado e, após um instante, Brooke continuou:
— Depois de três dias sem comida, dormindo em vielas e me esquivando de
vagabundos, eu me lembrei de que minha mãe tinha me dito para procurar sua
amiga, Fanny Sinclair, caso algo acontecesse a ela. Remexi minha bolsa e
encontrei o endereço da mulher. Fanny me recebeu de braços abertos, dizendo que
devia muito a minha mãe. No início não percebi que Fanny era uma cortesã, mas,
com o tempo, tive certeza. E, então, ela me contou que minha mãe também tinha
sido. Fanny nunca sugeriu que eu me tornasse uma. Mas eu não podia continuar
vivendo à custa dela. Como não tivesse meios de ganhar a vida, pedi a ela para me
ensinar como usar minha beleza a fim de me sustentar. Eu não queria ser pobre e
nem morar com uma família como criada a troco de cama e comida.
Parou para respirar e encher-se de coragem e continuar sua história.
— Também não queria ser cortesã, Travis, você tem de acreditar em mim.
Mas sabia o que era passar fome e não ter dinheiro. Como não quisesse ser uma
prostituta comum, escolhia apenas homens idosos e ricos que gostavam de me
exibir e me dar jóias. Apenas uns poucos ainda conseguiam ter relações. A maioria
queria apenas se exibir com uma bela moça a fim de causar inveja aos amigos.
— Como você podia fazer isso? — Travis exigiu.
— Quando se precisa de dinheiro para sobreviver, é possível fazer qualquer
coisa. Aprendi a me livrar de minhas emoções e apenas agir durante o ato. Então,
conheci Jackson que se ofereceu para me tirar daquela vida. Ele foi como um pai
para mim e sem exigir nada em troca. Eu o acompanhava à ópera e a festas, mas
nunca fui para a cama com seu pai. Sei que muitas pessoas, por causa de meu
passado, pensavam que eu era amante de Jackson, mas não havia nada que eu
pudesse fazer a esse respeito. — Encarou Travis. — Isso foi há três anos. Então,
Jocelyn e Shannon foram morar conosco e se tornaram como irmãs para mim.
— Por que elas se mudaram para lá? — Travis indagou.
— Ambas tinham seus motivos, mas não quero entrar neles, pois não fazem
parte de minha história. Jocelyn e eu éramos colegas de escola onde nos tornamos
amigas. Se você um dia chegar a conhecê-las, vai simpatizar com elas.
Brooke pensou nas amigas e desejou poder revê-las naquele momento.
Travis arqueou as sobrancelhas e perguntou:
— E meu pai simplesmente as recebeu?
— Sei que você não conheceu esse lado de Jackson, mas ele era uma
pessoa boa e gostava das duas.
— Suponho que apenas de mim ele não gostava — Travis comentou em tom
sarcástico.
— Isso não é verdade. Acredito que ele o amava, embora não demonstrasse
sempre. Quando ficou doente queria ter certeza de que nos deixaria o suficiente
para viver. Shannon e Jocelyn gostariam de vir para a América e Jackson achou ser
uma boa idéia. Seria uma maneira de eu deixar meu passado para trás e iniciar uma
nova vida. — Foi o que eu pensei, ela disse a si mesma. — Ele só mencionou a
fazenda quando estava quase morrendo e, sem dúvida, nunca disse nada a seu
respeito.
— Nisso eu acredito — Travis afirmou com ironia. Brooke ignorou-lhe o
comentário e prosseguiu:
— Eu não sabia de detalhe algum até chegar a Moss Grove. Porém, seu pai
disse algo antes de morrer que não fazia nenhum sentido para mim, mas agora faz.
— E você vai me contar o que foi? — Travis indagou.
— Jackson confessou que estava tentando corrigir um erro. — Ela o viu
erguer as sobrancelhas num gesto indagativo e, então, explicou: — Creio que ele
sabia não ter agido bem com você e queria corrigir isso. De alguma forma, Jackson
percebia que nós éramos muito parecidos. Não tenho a mínima dúvida de que ele
me mandou para você — Brooke terminou num murmúrio.
Ela estava mais abalada do que desejava admitir. Sentia-se exausta após ter
revelado tudo. Não havia mais nada que pudesse fazer ou dizer. Cabia a Travis
tomar uma decisão.
Tantas emoções rodopiavam na cabeça dele que lhe provocavam a sensação
de ter saído de uma luta corporal. Idéias estranhas e aflitivas cruzavam sua mente.
— Bem, não sei se deveria agradecer a Jackson ou dar-lhe um tiro se ele
ainda estivesse vivo.
— Quando eu conheci você também me passou pela cabeça atirar em
Jackson — Brooke admitiu, sorrindo.
Travis riu e afastou-se da cadeira. De alguma forma a raiva tinha passado e
tudo o que ele podia ver agora era a criatura linda e amedrontada sentada na
beirada da cama, seus cabelos dourados rodeando-lhe os ombros.
Brooke tinha razão. Ele não podia jamais imaginar o que era ser jogado na
rua sem a mínima esperança. O coração confrangeu-se por ela. E tinha considerado
a própria infância ruim. Só pensar no que poderia ter acontecido a Brooke lhe dava
calafrios.
Quando Travis se aproximou da cama e de Brooke, não estava certo de
como agir e nem do que pensava, então, confiou no instinto. Sentou-se na outra
beirada e tirou as botas. Em seguida, acomodou-se na cabeceira, encostado em
travesseiros. Como um animalzinho assustado, Brooke continuava no mesmo lugar.
Virou-se e o observou com cautela, mas não ousou se mexer.
Travis não sabia o que dizer. Não encontrava as palavras certas para
descrever o que sentia por Brooke, então teria de lhe mostrar. Abriu os braços para
ela, que se aproximou sem a mínima hesitação.
Ele a aconchegou junto ao peito. Em silêncio, ela escondeu o rosto e
começou a chorar, dando a impressão de que, havia muito, não o fazia. Com
certeza tinha sido forte por um longo tempo e seu instinto de defesa se fortalecera.
A maioria das mulheres teria chorado ao relatar suas experiências, mas Brooke,
nem por um instante, vacilara.
Ela não pedira perdão, pois não havia nada para ser perdoado. Agira como
precisava, jamais culpando alguém por seu destino. Travis orgulhava-se dela,
reconheceu ao acariciá-la e deixando-a chorar. Às vezes as lágrimas lavavam a
alma.
Ambos mantiveram-se calados. Palavras não eram necessárias naquele
momento. Essa era uma noite de cicatrização.
Um pouco mais tarde, quando ela, exausta, havia adormecido, Travis
murmurou:
— Eu te amo.
Na manhã seguinte, ao acordar nos braços de Travis, Brooke sentia-se
desgastada. Olhou para ele e admirou-lhe as feições viris e atraentes. Não via sinais
de imaturidade e sim os de um homem adulto. Ela o amava mais do que imaginara
ser possível. Mesmo depois da situação desagradável da noite anterior, ela se
sentia segura em seus braços.
À noite, Travis a tinha surpreendido ao não criticá-la. Apenas lhe oferecera
conforto, revelando compreensão, algo raro em um homem.
Travis abriu os olhos e, tão logo acordou bem, a fitou com meiguice. Brooke
também viu o desejo surgir nos olhos azuis, escurecendo-os um pouco. Estaria ele
deixando-a ver como se sentia? Ajudaria bem se confessasse que a amava, mas,
isso ele não tinha feito.
— Você dormiu bem? — ele indagou numa voz meio rouca.
— Muito, e você?
— Sempre durmo bem quando a tenho em meus braços — Travis respondeu.
Invadida pela ternura, Brooke o acariciou no rosto. Sentiu a barba por fazer e
também notou a roupa que Travis não havia trocado para dormir. Ele pegou sua
mão e a beijou.
— Eu te amo, Travis, mas posso entender se você não me quiser mais como
esposa.
Ele a tomou nos braços e a beijou com tal carinho, que Brooke jamais
esqueceria. Enlaçou-o pelo pescoço e entreabriu os lábios. Travis, então, a beijou
com paixão como se não pudesse se satisfazer.
Quando se separaram, ele murmurou:
— Eu a desejo, querida, agora e para sempre.
O coração de Brooke disparou. Sentia-se mais feliz do que poderia se
lembrar. Não fizeram amor, pois já era tarde. Ele se lavou, barbeou-se e vestiu
roupa limpa, enquanto Brooke cuidava da própria toalete. Pronto, ele a avisou de
que a esperaria à mesa do café da manhã e se foi.
Quando Brooke terminou sua toalete, deixou o camarote. A neblina estava
tão densa que tornava difícil andar pelo barco. Às vezes alguém chocava-se contra
ela. Sorriu e tentou não ficar nervosa, embora uma sensação estranha persistisse.
Ela ouviu o barulho de uma confusão e, como não pudesse ver de onde
vinha, decidiu encostar-se na amurada até que passasse.
Acima, o capitão vociferava com o timoneiro, recomendando para tomar
cuidado e não chocar contra um obstáculo.
Quando o barulho passou, Brooke virou-se e quase bateu na mãe de Travis
que estava a suas costas.
— Perdão. Não vi a senhora — desculpou-se.
— Ora, é impossível ver qualquer coisa esta manhã — Margaret resmungou.
— Onde está Travis?
— Ele saiu antes de mim e deve estar na sala de jantar. Com as mãos nos
quadris, Margaret disse de maneira abrupta:
— Espero que você não esteja com pretensões de fazer mudanças em Moss
Grove. Gostamos de lá como é e não queremos interferência de ninguém de fora.
— Ora, eu também gosto de Moss Grove — Brooke afirmou.
Deu-se conta de que Margaret tentava determinar quem seria a senhora da
casa. Se a criatura tivesse sido um pouco cordial, Brooke jamais interferiria, mas
não deixaria a mulher irritante dominá-la.
— Moss Grove não é sua casa, moça. Portanto, não se acostume a viver lá
— Margaret a advertiu. — Travis me contou por que se casou com você.
Lamentável que ele descesse tão baixo. Pelo menos, depois de um ano e tão logo
se divorcie de você, ele se verá livre para se casar com a antiga noiva.
Mulher maligna, Brooke admitiu.
— Ele lhe disse isso? — perguntou, fazendo Margaret rir.
— Claro que sim. Você não pensa que ele realmente a ama, não é? Meu filho
me contou que fez o necessário para salvar a fazenda. Aliás, ela sempre vem em
primeiro lugar para Travis.
— Lamento lhe dizer, sra. deLobel, mas sou proprietária da metade de Moss
Grove e posso fazer o que bem quiser com minha parte. Se a senhora insistir em
causar problemas, outras soluções poderão ser tomadas com sua pessoa.
Margaret aproximou-se e apontou-lhe o dedo.
— Preste bem atenção, moça. Você não pode falar comigo desse jeito. Vou
já procurar Travis que não vai gostar nem um pouco da maneira com que você
tratou a mãe dele.
Brooke viu a mulher desaparecer na neblina. Velha bruxa! Então, virou-se
para a amurada a fim de refletir antes de enfrentar a megera durante o café da
manhã. Travis poderia, de fato, fazê-la de tola? Ela não acreditava. Embora ele não
tivesse confessado, achava que o marido a amava. Se tudo isso não fosse tão novo
para ela, saberia como agir. Suspirou. E se Travis fosse apenas um bom ator?
Brooke achou melhor ir para a sala de jantar. Pelos menos lá, teria o consolo
de ver o marido e perceber o que ele realmente sentia.
De repente, algo duro bateu em suas costas, atirando-a por cima da
amurada. Chocada com o que acontecia, ela mal podia gritar enquanto tentava
encontrar alguma coisa a que se agarrar. O vestido prendeu-se numa saliência e,
por um instante, ela pensou estar salva.
O ruído do tecido sendo rasgado, mostrou-lhe que sua sorte falhara. No
minuto seguinte, Brooke despencou rumo à água escura abaixo.
Gritou, tentando agarrar-se a uma saliência que impedisse seu mergulho. Por
que não havia ninguém no tombadilho para ajudá-la?
Por Deus, ia cair na água! Seria seu fim. Alguém a salvaria?
Capítulo XVII
Travis imaginou o que estaria detendo a esposa. Ela nunca levava tanto
tempo para se aprontar.
Pela terceira vez, olhou para a porta e nada de Brooke. Para piorar a
situação, a mãe aparecia e se aproximava da mesa. Pelo menos estava sozinha.
— Que neblina terrível! — Margaret disse, enquanto Travis a ajudava a se
sentar.
— Sem dúvida e o capitão Leathers está aborrecido com isso, pois a neblina
aumenta seu trabalho. — Ele voltou a se sentar e indagou: — Por acaso a senhora
viu Brooke?
— Ver alguém está bem difícil esta manhã, mas eu a vi quando vinha para
cá. Ela estava conversando com um cavalheiro e eu lhe perguntei se não queria vir
comigo. Mas ela declinou meu convite. Se quer saber, essa moça precisa adquirir
boas maneiras. Estava perto demais do homem com quem conversava.
Margaret olhou em volta e acrescentou em tom de desaprovação:
— Ela já devia ter se juntado a nós a não ser que tenha o hábito de sempre
se atrasar.
— Brooke não está atrasada, mamãe. Eu é que vim mais cedo — Travis
disse sem disfarçar a irritação. Levantou-se. Não fazia idéia com quem Brooke
estivesse conversando. Ela não conhecia muitos americanos. — Vou ver o que a
está detendo.
— Como queira, filho. Talvez você devesse perguntar por Hesione. Não pude
convencê-la a vir tomar o café, apesar de já estar pronta.
Travis não se deu o trabalho de responder e foi procurar a esposa. Lá fora
notou que mal enxergava as margens do rio. Após uns poucos passos, viu Leathers.
Aproximou-se dele e indagou:
— Será que viu minha esposa esta manhã, capitão?
— Não. Difícil enxergar alguém com esta maldita neblina a não ser que se
esteja bem perto. O lado bom é que o Annie Johnston também tem de seguir com
ela.
Travis pegou o porta-charutos de ouro e ofereceu um ao capitão.
— Parece que está precisando fumar um pouco.
— Obrigado — o capitão agradeceu ao pegar um.
— Já viu neblina como esta muitas vezes? — Travis perguntou.
— Umas duas. Quase sempre o sol aparece e a dissipa depressa. Vamos
esperar que isso aconteça hoje. Já tomou seu café da manhã? — Leathers indagou.
— Ainda não. Estava esperando minha esposa, mas vou ter de ir ver por que
ela está demorando tanto.
— Ouça aqui meu rapaz. Graças a minha experiência com mulheres eu lhe
garanto que, quando se trata de elas se aprontarem, jamais se apressam. Você é
jovem e ainda tem muito para aprender — o capitão afirmou com a mão no ombro
de Travis. Em seguida, perscrutou a neblina e disse: — Vou dar ordens para um
escaler e alguns remadores com varas sondar o rio. Ele está muito baixo e seria
desastroso se batêssemos um banco de areia. Depois, o verei à mesa do café.
Apesar da neblina, Travis apressou-se até o camarote. Abriu a porta e viu o
aposento vazio. Estranho, pensou. Teria passado por Brooke sem vê-la?
Impossível, porém, ela poderia ter ido por outra passagem. Então, voltou por outro
caminho, mas não viu nem sinal da esposa.
A mãe tinha lhe dito ter visto Brooke conversando com um cavalheiro. Não
sabia se acreditava nela ou não, mas a mãe não tinha motivo para mentir.
Poderia Brooke ter colidido com Whatsbury? E se havia conversado com ele
por que não fora tomar o café? Ela dera a impressão de não ter simpatizado com o
sujeito ao vê-lo na noite anterior. Então por que perderia tempo conversando com
ele agora de manhã? Nada fazia sentido. Ele teria ficado cego em relação à
esposa? Tinha pensado que ela o amava, mas o que soubera sobre seu passado
agora lhe provocava dúvidas que preferia não ter. Brooke ainda tinha vocação para
cortesã e o usava para obter o que queria? Especialmente a fazenda.
O ciúme instigou Travis a agir com imprudência. Não demorou muito para
descobrir o camarote de Whatsbury. Já ia bater quando ouviu um riso feminino
vindo lá de dentro. O sangue ferveu. Brooke!
A esposa cortesã, sem dúvida, voltara à vida antiga. Já ia se afastar, mas,
sem se conter, esmurrou a porta. Um momento depois, Whatsbury, exibindo um
robe de seda, a abriu.
— Travis, meu velho. Um tanto cedo demais para vir me procurar.
Com um empurrão, Travis o afastou e entrou. Viu uma jovem de cabelos
castanhos protegendo-se com um lençol. Não era sua esposa.
Não sabia se sentia feliz ou triste pelo que havia encontrado. Ao menos não
fora o riso de Brooke que tinha ouvido. Por outro lado, ainda não sabia onde ela
estava.
O barco não era grande. Por Deus, onde ela se encontraria?
Depressa, virou-se de costas e murmurou:
— Peço-lhe mil desculpas.
Com os braços cruzados no peito, Whatsbury encostava-se na porta.
— Que diabos isso significa, Montgomery?
— Apenas um engano. Você deixou o camarote esta manhã?
— Com o que tenho naquela cama? Nem para salvar minha alma. Por quê?
— o conde indagou.
— Nada. Um engano — Travis resmungou e foi embora, sentindo-se um
idiota por deixar o ciúme dominá-lo.
Embora feliz por não ter encontrado a esposa com Whatsbury, ele ficou mais
preocupado ainda com o paradeiro de Brooke.
Com todos os diabos, onde ela teria ido?
A busca de Travis pelo barco inteiro provou ser inútil. Só lhe restava consultar
Leathers, mas não foi animador o capitão se mostrar preocupado com o
desaparecimento de Brooke.
Ele designou alguns poucos homens para ajudar Travis a procurar a esposa,
mas a maioria era necessária para impedir que o barco se chocasse contra um
obstáculo por causa da neblina.
Lá pelas onze horas, a neblina já havia se dissipado, mas Brooke ainda não
fora encontrada. O medo de Travis o deixava fora de si.
Ao meio-dia, um dos marinheiros o procurou e ao capitão.
— Creio que encontrei alguma coisa, senhores. É melhor irem ver.
A apreensão quase dominou Travis, mas enquanto seguia os dois, ele se
convenceu de que os temores eram prematuros.
Seguiram até a amurada a bombordo de onde o marinheiro apontou.
— Vejam lá — recomendou.
Os dois obedeceram. Um pavor terrível dominou Travis. Um pedaço de tecido
azul, preso num gancho do barco, balançava ao vento.
Com expressão sombria e numa voz tensa, o capitão Leathers perguntou o
que Travis já esperava:
— O que sua esposa estava usando esta manhã?
Ele abriu a boca para falar, mas não emitiu som algum. Com o coração
despedaçado, fechou os olhos. Após uns momentos, balbuciou:
— Um vestido azul.
— Santo Deus! — Leathers exclamou e balançou a cabeça. — Ela
despencou borda afora! — Então acenou para a casa do leme e gritou: — Parem as
máquinas! Pessoa no rio!
— O que podemos fazer? — Travis murmurou, totalmente perdido.
Atônito, cheio de medo e de dúvidas, queria fazer alguma coisa. Mas o quê?
— Vamos retroceder um trecho e procurá-la com a ajuda de algumas canoas
— Leathers respondeu e pôs a mão no ombro de Travis. — Nós a encontraremos,
filho.
Por volta das seis da tarde, um marinheiro de uma das canoas de busca
encontrou o resto de um vestido azul, mas nenhum sinal de Brooke.
Travis cravou o olhar na peça molhada a seus pés. Sentia como se a vida lhe
tivesse sido arrancada. Quando encontrara a mulher que amava, ela havia sido
tirada. Tudo o que restava era um vazio dolorido no coração.
— Não podemos continuar a busca na escuridão. Sua esposa deve ter se
afogado. Lamento muito — o capitão disse com a mão no ombro de Travis, cuja
tristeza não tinha limites.
Empurrou Leathers, que se afastou murmurando:
— Só não entendo como a moça passou por cima da amurada.
Margaret, acompanhada por Hesione, apareceu curiosa pelo que havia
acontecido.
— Talvez ela tenha pulado — sugeriu após se inteirar do acidente.
— Minha esposa não pulou! — Travis esbravejou, furioso.
— Como pode saber, filho? Afinal conheceu a moça pouco tempo atrás.
Quem sabe ela temia o encargo de administrar a fazenda.
Mal se contendo, Travis a advertiu:
— Mamãe, Brooke não tinha medo de nada, muito menos de administrar uma
fazenda e não pulou. Pode ter escorregado e perdido o equilíbrio ou alguém a
empurrou. Não quero ouvi-la repetir isso!
— Sei que está aborrecido, filho, mas com o tempo... — Margaret calou-se ao
ver o olhar furioso de Travis.
Ele a deixou e foi procurar o capitão a quem, com esforço, disse:
— Sei que isto deve ter lhe custado a competição.
— Não se preocupe. Nenhuma competição é tão importante quanto uma vida
humana. Haverá outras. Lamento não termos encontrado sua esposa. Era linda e
todos nós gostávamos dela.
— Vou arrumar nossa bagagem e desembarcar na primeira parada — Travis
o avisou, sentindo-se completamente atordoado. — Será possível fazer com que
nossas coisas cheguem a Moss Grove?
— Com toda certeza — Leathers garantiu e o deixou a sós. Travis virou-se e
quase se chocou com a mãe e Hesione que o tinham seguido.
— Você vai desembarcar? — a ex-noiva perguntou.
— Vou. Talvez consiga alguma informação antes de voltar a Moss Grove —
Travis respondeu e se afastou.
— Ora, ele nem nos deu a mínima atenção. Será que não percebe ser uma
sorte se livrar daquela moça? Ela estragou tudo — Hesione reclamou.
Margaret passou o braço por sua cintura.
— Ele logo se dará conta disso e esquecerá a moça. Você só precisa ser
paciente, querida, e tudo voltará a ser como planejamos no início.
Instigado por uma leve esperança, Travis passou os dois meses seguintes
procurando indícios de que Brooke houvesse alcançado a margem. Só encontrou
notícias falsas.
Finalmente, desesperado, descreveu as feições de Brooke para artistas
pintarem seus retratos, que ele exibiu em lojas e correios ao longo do rio.
Travis sabia ser quase impossível receber alguma notícia, porém, não
conseguia admitir que a mulher a quem amava estivesse morta e, portanto, não
voltaria a vê-la.
Pensava sempre na última vez em que a tivera entre os braços.
Ela nunca tinha pedido perdão, pois não havia nada para ser perdoado. Agira
como precisava, sem culpar ninguém por seu destino. Ele havia sentido orgulho de
Brooke e a tinha acariciado nos cabelos, enquanto a deixava chorar. Nenhum dos
dois tinha falado. Era uma noite de cicatrização.
Agora, ele a tinha perdido.
Depois de haver esgotado todos os recursos e com o coração pesado, Travis
retornou a Moss Grove.

Brooke esforçou-se para emergir da névoa em que se encontrava. Abriu os


olhos e imaginou onde estaria. Tudo era estranho. Em vão, tentou se sentar, mas
estava fraca e a cabeça latejava. Gemeu de exaustão pelo esforço feito.
— Do jeito que você estava, pensei que fosse dormir para sempre — disse
uma voz de mulher que, com expressão preocupada, debruçou-se sobre ela. — Que
olhos lindos você tem.
Brooke piscou várias vezes e tentou falar, mas não conseguiu. A garganta
estava seca demais.
— Pobrezinha. Espere um pouco até eu trazer água para você beber — a
mulher avisou.
Não demorou a voltar com uma xícara. Ajudou Brooke a sentar-se e a beber
alguns goles o que aliviou sua garganta ressecada.
— Obrigada — Brooke murmurou. — Por que me sinto tão mal?
— Porque esteve muito doente. Deixe eu pôr uns travesseiros na guarda da
cama para você ficar sentada. Vai se sentir melhor.
Tão logo Brooke acomodou-se, a mulher lhe trouxe uma torrada e mais uma
xícara de água. A cabeça doía menos se a mexesse devagar.
— O que aconteceu comigo?
— É a pergunta que nós queremos lhe fazer, moça.
— Nós?!
— Eu e meus dois rapazes. Foram eles que a tiraram do rio. Sorte sua que
eles estivessem pescando lá quando você caiu na água.
— Água? Por que eu estava na água?
— Pensamos que alguém a tinha atirado do barco grande. Brooke quase
entrou em pânico. A idéia de água a afligia.
— Mas por quê?
— Imagino que alguém quisesse matá-la. Brooke não conteve uma
exclamação de horror.
— Não se lembra de nada, moça?
— Não...
— Qual é seu nome?
— E... é... Não sei — Brooke respondeu e, frustrada, vasculhou a mente em
busca de qualquer coisa sobre si mesma.
Fitou a mulher bondosa, imaginando se a conhecia. Notando sua confusão, a
estranha a acariciou no rosto.
— Nem sei quem a senhora é.
— Isso porque nunca fomos apresentadas. Meu nome é Penny Locoul.
Agora, passe a mão atrás da cabeça.
Brooke obedeceu e queixou-se:
— Ai, aqui está dolorido.
— Aposto que esteja mesmo. Talvez seja por isso que não se lembre de
nada. Mas sua memória vai voltar tão logo você melhore. Até lá, você pode ficar
conosco.
— Tem certeza?
— Claro. Nós nunca recusamos abrigo a quem precisa. E para onde você
iria? Eu e meus filhos vivemos neste barco e somos de Nova Orleans. Estamos indo
para lá, vindos de St. Louis. Quem sabe quando chegarmos você já se lembre de
onde fica sua casa. Mas você não fala como as pessoas daqui — Penny comentou.
— Bem, deve estar faminta. Os rapazes vão chegar logo trazendo peixes e o jantar
ficará pronto num instante. Se tiver forças, você poderá se sentar à mesa conosco e
alimentar sua barriga vazia.
Brooke sabia ter ouvido o sotaque de Penny antes, mas não se lembrava
onde. Sem se dar conta, adormeceu, pois tinha se cansado com os poucos minutos
de prosa. Dormiu por cerca de uma hora e acordou com o ruído de vozes. Abriu os
olhos e viu que os rapazes já tinham voltado. Como a família parecia morar no
mesmo cômodo, ela viu os dois limparem os peixes para a mãe.
Étienne era o mais novo, de uns dezessete anos, ela calculou. Paul não só
era mais velho como também mais alto. Tinha olhos azuis como os do irmão.
Ambos falavam com o mesmo sotaque que ela ouvira antes.
Quando o jantar ficou pronto, Brooke estava faminta. Tentou se levantar, mas
as pernas não a sustentaram.
— Espere um instante. Você está muito fraca — Étienne avisou. — Paul,
venha ajudar.
— Não sei por que não consigo ficar em pé — ela queixou-se, enquanto os
dois rapazes a levavam até a mesa.
— Com certeza porque ficou tanto tempo de cama. Quando recuperar as
forças, estará andando por aí como nós três — Penny afirmou.
Brooke pôs o primeiro bocado de peixe na boca e o mastigou bem devagar.
Nunca tinha provado nada tão saboroso. O peixe, além de suculento, fora muito
bem temperado. Passou a comer em silêncio apenas ouvindo a conversa.
— Você não gosta de falar, não é? — Étienne puxou assunto.
Com esforço, ela pôs o talher no prato.
— Acho que me concentrei demais na comida deliciosa. Muito indelicado de
minha parte — desculpou-se.
— Depois de tomar apenas caldos, aposto como o peixe está mesmo bom —
Penny comentou.
— Uma verdadeira delícia. Vocês pescaram no Mississippi? ela perguntou
aos rapazes.
— Não. Encontramos um riacho de água doce e limpa ao contrário da
barrenta do Mississippi e cheio de peixes — Paul explicou.
Brooke continuou a comer, mas, de repente, parou e riu alio.
— Qual é graça? — Penny indagou.
— Não sei como, mas me lembrei de meu nome. É Brooke.
— Um bom começo. Quando você conseguir lembrar seu sobrenome, nós
poderemos procurar sua família — Penny conjeturou.
— Bem, uma coisa já sabemos. Você é casada — Paul alirraou.
Brooke franziu a testa.
— Como concluiu isso?
— Além desse anel lindo, você usa aliança. Já vi muitas mulheres com elas
em Nova Orleans. Então, calculei que você é de lá, embora fale de maneira
diferente de todos da região.
Brooke olhou para a mão e viu a aliança e o anel com o belíssimo rubi. Por
que não podia se lembrar de nada? O marido devia amá-la muito para lhe dar uma
joia tão valiosa. Como não se lembrava dele?
— Vocês podem me contar o que viram quando me encontraram? — ela
pediu aos rapazes.
— Não foi muita coisa — Paul afirmou. — A neblina estava muito densa e
tivemos sorte por não chocar contra o barco de passageiros. E você também por
cair bem perto de nossa canoa.
— Primeiro ouvimos seu grito e, depois, a pancada na água — Étienne
contou. — Percebemos logo que alguma coisa estava errada. Quando a tiramos do
rio, você já tinha se livrado do vestido e se debatia na água como um cachorrinho
encharcado.
— Parecia um mesmo — Paul concordou. — E também teve sorte por não
desmaiar no rio. Isso só aconteceu depois que a puxamos para dentro da canoa.
Pensamos em ir atrás do barco para entregá-la, mas tivemos medo de que alguém
tentava assassiná-la. Não queríamos que corresse esse perigo.
— Obrigada a vocês dois. Tenho certeza de que estaria morta se não fosse
pela ajuda de ambos.
— Só desejamos que fique boa logo. Aposto como sua família está muito
preocupada com você — disse Paul.
— Talvez esteja — Brooke murmurou, olhando para a mão. — Ou um dos
parentes tencionava me matar.
Quem seria? Precisava recobrar a memória logo. Brooke sentiu um arrepio.
Tinha de elucidar tudo antes que outra vez tentassem matá-la.
Capítulo XVIII
Travis enfrentava o trabalho como um autômato. À noite sentava-se na
biblioteca com os pés em cima da escrivaninha e um copo de uísque na mão,
pensando em Brooke e tentando, em vão, esquecer suas carícias.
Contudo, lembrava-se com nitidez como se deliciava em estreitá-la entre os
braços e o quanto adorava admirar seus olhos castanhos com reflexos dourados.
Eles o perseguiam dia e noite.
Ele a desejara desde o momento em que a tinha ajudado a montar em Gray
Mist e Brooke havia lhe dito que eram mais parecidos do que ele imaginava.
Estava certa e ambos tinham muito em comum. Os dois eram filhos
bastardos e haviam precisado aprender como sobreviver num mundo que os tratava
com desdém. Tomou mais um gole do uísque, grato pelo efeito entorpecente.
Como Brooke podia ter se tornado parte importante da vida dele num espaço
tão pequeno de tempo? Quando voltava para casa à noite ele ainda esperava ouvir
sua voz ou enfrentar seu olhar quando tinham de acertar alguma questão.
Certa manhã, ele descobriu por que não podia esquecê-la. Embora fizesse
pouco tempo que estivesse feliz ao lado de Brooke, era a primeira vez que isso lhe
acontecia. Ela havia preenchido um vazio em seu peito de que nunca se dera conta.
Travis tomou o resto do uísque de um só gole. Qualquer coisa para
amortecer a dor profunda.
Como Brooke podia ter pulado a amurada? Impossível! Ou tê-lo deixado?
Ainda mais após a noite anterior quando ele sentira que haviam eliminado as
diferenças entre ambos. No momento em que Brooke entrara em sua vida ele tinha
brigado com ela, ressentido sua presença e nem percebido que ela era a primeira
pessoa que procurava ao entrar num aposento. E ela se fora.
A amurada era um pouco mais baixa acima do lugar onde um pedaço do
vestido fora encontrado. Brooke devia ter tropeçado e caído no rio. Mas mesmo isso
era difícil de se acreditar. Ela era tão graciosa e controlada.
Por que não tinha ficado com ela?
Se eu estivesse a seu lado, essa tragédia não teria acontecido, Travis refletiu,
amargurado. Sua impaciência lhe custara algo sem o qual não poderia viver.
Desde o retorno de todos, a mãe tinha se mostrado afetuosa e compreensiva.
Havia até lhe dito que lamentava a perda da esposa. Mas, depois, ela cometera o
erro de mandar remover os pertences de Brooke de seu quarto.
Foi quando Travis percebeu que a atitude materna não passava de
encenação. Então, teve certeza de que jamais a faria entender como ele se sentia.
Nos últimos dias ela havia começado a mencionar Hesione. Casualmente,
incluía o nome da moça na conversa, o que Travis detestava ouvir. Ele não queria
esquecer a jovem e linda esposa, e a mãe tinha de entender que não podia forçá-lo
a nada. Não ia permitir que ela o fizesse se sentir culpado. Não havia motivo para
isso.
Brooke acertara ao afirmar que ele não era responsável por nenhum
problema da mãe.
Todos e tudo irritavam Travis. Especialmente a pessoa que vinha tentando
matá-lo. Queria descobrir quem era o maldito antes de acertar uma bala nele. Duas
vezes, enquanto cavalgava pela fazenda, alguém tinha atirado nele. O primeiro tiro
ele pensara ser uma bala perdida de caçadores, mas depois do segundo já não
tinha tanta certeza.
Além disso, alguém provocara um incêndio na moenda.
Os empregados trabalhavam na reconstrução para terminá-la antes do
seguinte corte de cana. Pelo menos isso o mantinha ocupado e o impedia de pensar
o tempo todo em Brooke.
O sr. Jeffries tornara-se um problema. Ele tinha interrompido o processo para
transferir as propriedades para Travis e Brooke.
A conversa com o procurador continuava a irritar Travis.
— Lamento muito — Jeffries afirmou.
— Isso não ajuda em nada. Não só perdi minha esposa como tenho de
continuar administrando a fazenda — Travis protestou.
O calmo sr. Jeffries o fitou e disse:
— Não há motivo para elevar a voz. Compreendo muito bem o que está
enfrentando, mas não temos provas da morte de Brooke. Posso lhe afirmar que ela
não deu fim à própria vida, pois já enfrentou muitas dificuldades e é uma
sobrevivente.
— Ora, com todos os diabos, eu não a empurrei — Travis protestou, irritado.
— Espero que não. Mas outras pessoas podem pensar de maneira diferente
por terem visto como ambos discordavam e discutiam muito — Jeffries argumentou.
— Seu desgraçado! Jamais repita isso — Travis vociferou.
— Pois não. Mas até a morte dela ser confirmada, teremos de agir com
cautela — o procurador declarou.
Ele não voltara a acusar Travis e pagava algumas contas da fazenda para
mantê-la produzindo. Como o corpo não fora encontrado, não havia atestado de
óbito e Jeffries não podia passar Moss Grove para o nome de Travis. Teriam de
esperar até que o corpo aparecesse numa das margens do rio ou um bom tempo
passasse. Mas Jeffries, às vezes, olhava para Travis como se ele houvesse
empurrado a esposa por sobre a amurada.
No início tinha implicado com o procurador por não acreditar nele sobre
Brooke. Por que inventaria algo assim? Depois lembrou-se das divergências que ele
e Brooke haviam tido. Então, passou a entender as dúvidas de Jeffries.
Em retrospecto, sua vida com Brooke parecia um sonho. Às vezes imaginava
se não estava tendo um pesadelo e logo acordaria. Travis pegou a garrafa e serviu-
se de mais bebida. Bebeu a nova dose de uma só vez.
Brooke tinha estado em sua vida por um minuto e desaparecido em seguida.
Precisava pôr tudo para trás a fim de continuar a viver. Por enquanto, apenas
vegetava.
Havia se esquecido de que o Natal se aproximava e não sentia a mínima
vontade de tomar parte na festa que a mãe preparava.
Em certos momentos achava que morrer seria preferível a continuar levando
essa vida árida e vazia. Não sentia a mínima alegria. Por que comemorar?
Trabalhar era do que precisava, ajudava a esquecer as lembranças quando
executava tarefas pesadas.
Graças a um repouso prolongado e boa alimentação, Brooke recuperou-se
finalmente. Ela havia perdido a noção do tempo, enquanto tentava readquirir a
memória.
Ocupava-se ajudando Penny, mas não importava o quanto fazia, não se
livrava da tristeza que a dominava. Era como se algo muito importante de sua vida
estivesse faltando.
Esperava que a memória já houvesse voltado, mas pouco retornara. Ela, às
vezes, via de relance pessoas que não reconhecia e de quem não se lembrava.
Certa manhã, Étienne anunciou que estavam chegando perto de Nova
Orleans, e Brooke decidiu sair para o pequeno convés. Enrolada num cobertor para
não passar frio, ficou contemplando as mansões ao longo do rio.
Eram tão bonitas e imponentes que a fez imaginar quem morava nelas.
Distraída, não percebeu quando Paul se aproximou.
A mansão seguinte pela qual o barco passava era bem maior do que as
outras, Brooke notou. Ficava mais afastada do rio e próxima de um bosque de
carvalhos.
— Que beleza — ela murmurou e, ao apontar para a propriedade, perguntou
a Paul: — Você sabe o nome daquela lá?
— Ah, é a maior fazenda de Nova Orleans. Chama-se Moss Grove.
— Que nome bonito! Moss... — Brooke calou-se. Havia algo familiar nesse
nome e ela o repetiu: — Moss Grove. — Como as palavras repercutiam em sua
mente, ela apertou a cabeça e fechou os olhos. — Moss Grove...
— Qual é o problema? — Paul perguntou, preocupado. Brooke passou a
repetir o nome da fazenda sem parar.
— É melhor se sentar um pouco — ele disse ao ajudá-la a se acomodar em
cima de um barril.
Ela continuava a segurar a cabeça que doía horrores e a repetir o nome da
fazenda. Apertava muito os olhos, enquanto imagens surgiam em sua memória:
uma fazenda, uma promessa, um sócio de negócios, uma carruagem com um
homem e uma moça parando em frente da mansão de Moss Grove. Um homem
num cavalo branco... seu marido.
— Travis! — gritou.
Penny correu para fora e passou o braço por seus ombros.
— O que aconteceu? Não está se sentindo bem, querida? Finalmente Brooke
abriu os olhos. Lágrimas corriam por seu rosto. Olhou para Penny e forçou um
sorriso.
— Estou meio atordoada. Mas me lembro de tudo. Sou dona da metade da
fazenda pela qual acabamos de passar, Moss Grove.
— Não diga! Então, você é rica! — Paul exclamou, batendo palmas. — E o
que estava fazendo no rio, garota?
Com esforço, Brooke riu um pouco.
— Não exatamente rica. Meu nome é Brooke Hammo... Não, esperem. Eu
tinha acabado de me casar e estava em viagem de núpcias no Natchez. Meu nome
é Brooke Montgomery — afirmou ao lhes dirigir um olhar de triunfo.
— Mas, meu bem, você estava em lua-de-mel e caiu no rio? O que estava
fazendo? — Penny quis saber.
Uma rajada de vento frio forçou-os a entrar e continuar a conversa lá dentro.
— Não caí, Penny. Alguém me empurrou — Brooke contou e, em seguida,
relatou partes de sua vida.
— O que vai fazer agora? — Penny indagou.
— Quando chegarmos a Nova Orleans, vou entrar em contato com meu
procurador e pedir para ir me ver. Preciso falar com ele primeiro e, depois, resolver
como agir.
Brooke ansiava voltar para casa e atirar-se nos braços de Travis, mas sabia
que precisava ser cautelosa. Lembrava-se de o marido lhe dizer que era um bom
ator.
Como seria recebida lá?, ela se perguntava em meio a dezenas de
indagações.
Todos deviam imaginá-la morta. Será que se importariam? O que ela e Travis
haviam compartilhado teria sido real, ou ele apenas representara? E já teria tocado
a vida em frente?
Porém, a maior pergunta era quem a tinha atirado no rio?
No fim da tarde já haviam atracado em Nova Orleans, e ela mandou Paul
com a mensagem. Teria de ser entregue apenas ao sr. Jeffries. Ninguém mais
poderia recebê-la, ela recomendou. Não tinha certeza em quem confiar além do
procurador.
O sr. Jeffries atendeu Paul no vestíbulo. Tão logo leu a mensagem, olhou
para o rapaz e pediu:
— Espere aqui, por favor.
Então foi procurar Travis, que encontrou na biblioteca.
— Com licença, meu senhor. Recebi um convite para jantar na cidade com
um amigo esta noite. Voltarei mais tarde.
Jeffries achava ser essa a melhor desculpa para se afastar da casa sem
levantar suspeitas.
Travis sorriu com expressão maliciosa e disse:
— Espero que se distraia bastante.
— Boa noite, senhor — Jeffries despediu-se sem comentar o olhar que
sugeria um convite feminino.
Se Travis soubesse com quem ele ia se encontrar, pularia da cadeira e
exigiria ir em seu lugar. No fundo, Jeffries acreditava que Travis amava Brooke.
Ele não fazia idéia do que pensar, enquanto seguia Paul até o barco. Onde
Brooke teria ficado esse tempo todo? E se ela houvesse caído no rio como
sobrevivera?
Quando já se aproximavam do barco, Jeffries viu Brooke no convés e não
conteve um largo sorriso. De fato ela estava viva e parecia muito bem.
Brooke desceu para o cais e correu para ele, que a abraçou.
— Estou tão contente ao vê-lo! — ela exclamou.
— Pois minha felicidade é imensa ao encontrá-la viva, minha querida — ele
afirmou ao afastar-se um pouco e observar seu vestido velho. — Nunca acreditei
que você estivesse morta, embora muitas pessoas insistissem nisso. Vamos lhe
arranjar um bom quarto na cidade e, então, você poderá me contar tudo o que
aconteceu.
— Travis sentiu falta minha? — Brooke indagou.
— Muitíssima — Jeffries respondeu, deixando-a eufórica. Como não tivesse
bagagem alguma, ela despediu-se dos amigos e lhes agradeceu pelo amparo
recebido. Embora feliz por reassumir sua antiga vida, ela sabia que ia sentir
saudades dos novos amigos tão carinhosos.
O sr. Jeffries deu um saco de moedas para Penny. Ela tentou recusá-lo, mas
Brooke sugeriu que usassem o dinheiro numa reforma do barco. Então, os fez
prometer que parariam em Moss Grove para visitá-la.
Tão logo Brooke conseguiu um quarto no Hotel Méridian, um dos melhores
de Nova Orleans, ela sentou-se e contou ao sr. Jeffries tudo o que havia acontecido.
Não omitiu nada.
— Você fala como se amasse Travis — ele comentou.
— Amo, sim. Ou amava. Não quero acreditar que tenha sido ele quem me
atirou no rio. Como está meu marido?
— O que a faz suspeitar que foi ele quem tentou matá-la?
— Não quero alimentar essa dúvida. Mas fui agarrada com tanta força, que
só uma pessoa muito forte seria capaz. Que outra pessoa haveria de querer minha
morte? Então, ele se tornaria o único dono de Moss Grove — Brooke acrescentou
baixinho.
— Travis mudou muito depois que você sumiu, minha querida. Desde que ele
voltou, não tem feito nada além de trabalhar. Observo sua tristeza que nunca vi
antes, mas ele não fala muito. Jamais sei o que está pensando.
— Aprendi que Travis é uma pessoa muito reservada, mas de bons
sentimentos. Porém, alguém não me quer por perto. O que acha que devo fazer? —
ela perguntou.
— Primeiro precisamos providenciar roupas melhores para você.
Brooke olhou para o vestido remendado de Penny.
— Eu não tinha o que escolher. Talvez Millie Anne possa trazer algumas de
minhas roupas — ela sugeriu.
— Ótima idéia. A sra. deLobel está preparando uma festa de Natal para
amanhã à noite, embora ainda seja dia vinte.
— Não diga! — Brooke exclamou. — Vejo que perdi a noção do tempo.
— Nunca saberemos quem tentou matá-la se você continuar escondida.
Minha sugestão é que reassuma logo seu lugar em Moss Grove. Tenho certeza de
que será um choque para todos, maior para quem a deseja morta. Talvez isso
revele o assassino.
Brooke foi dominada por um misto de esperança e medo.
— Gosto da idéia. Posso imaginar a expressão de todos quando me virem,
ainda mais a do culpado.
Por um momento, quase foi dominada pelo pânico ao pensar que o maldito
investisse mais uma vez contra sua vida. Levantou-se e foi até a cômoda e se serviu
de um copo de água.
— Aceita beber alguma coisa? — ofereceu ao sr. Jeffries.
— Não, obrigado.
— Não imaginei que conseguir meu próprio lar fosse mais difícil de que tinha
previsto — ela confessou.
O sr. Jeffries sorriu e perguntou:
— Mas valeu a pena não acha?
— Eu o deixarei saber tão logo encontre Travis — Brooke respondeu com um
sorriso enigmático.
Millie Anne não podia acreditar que Brooke estivesse viva. Bom demais para
ser verdade. Mas tão logo o sr. Jeffries abriu a porta, lá estava ela.
— Pensávamos que tivesse morrido, senhora — a criada confessou ao
abraçá-la.
— Eu também pensei. Mas ao acordar, eu me vi com uma família bondosa
que me salvou. Você teve algum problema para tirar minhas roupas às escondidas
lá de casa?
— Não senhora, mas precisei pedir ajuda a Mammy — a criada respondeu,
enquanto alisava o vestido de veludo vermelho que havia trazido. — Mas não se
aflija, Mammy não vai dizer nada. Depois que todos voltaram para casa, a sra.
Margaret disse que eu não servia mais na casa e me mandou de volta para o
campo.
— Por que isso não me surpreende? Pode ter sido Margaret quem me atirou
no rio. Talvez ela tenha mais força do que pensei — Brooke conjeturou.
— Por Deus! A senhora foi jogada?
— Fui, mas não sei por quem.
— Bem, a sra. Margaret é muito malvada — Millie Anne afirmou, mas, em
seguida, deu um tapa na boca. — Eu não devia dizer isso.
— Você está apenas afirmando a verdade.
Alguém bateu na porta e Brooke foi abri-la. Eram várias criadas com baldes
de água quente que levaram ao quartinho adjacente onde havia uma banheira.
Quando foram embora, Brooke despiu-se e entrou na água relaxante. Fazia
um bom tempo que não gozava desse luxo. No barco, lavava-se com água de uma
bacia que Penny chamava de banho de passarinho.
— Deixe eu lavar seus cabelos — Millie Anne sugeriu. Brooke inclinou a
cabeça para trás e disse:
— Termine de contar o que aconteceu enquanto fiquei perdida.
— A sra. Margaret mandou Mammy tirar tudo de seu quarto. Mas Mammy foi
primeiro procurar o sr. Travis e contou sobre a ordem recebida.
Millie Anne parou de falar, enquanto ensaboava os cabelos de Brooke que,
impaciente, indagou:
— E então, o que aconteceu?
— Ah, o sr. Travis avisou à mãe que nada naquele quarto podia ser tocado
antes da ordem dele. Os dois tiveram uma grande discussão, e Mammy contou que
podia ouvir os gritos dele lá da cozinha.
O coração de Brooke quase explodiu de felicidade ao saber que o marido
havia ficado do seu lado. Talvez ele, de fato, a amasse.
— É muito bom saber disso — ela afirmou no auge da alegria.
— O sr. Travis sempre impôs a vontade, menos quanto a srta. Hesione.
Ao ouvir o nome da moça, a alegria de Brooke murchou. Travis teria reatado
com a ex-noiva? Ela não podia pensar nisso e, muito menos, perguntar. Só ficaria
sabendo quando o encontrasse.
— O que vai fazer quando chegar em casa, senhora?
— Vou assistir à festa. Quero que você me faça um penteado lindo e usarei
esse vestido de veludo vermelho. Então, irei a uma celebração natalina para
cumprimentar as pessoas que não convidei.
— Deus do céu! A senhora vai provocar um tumulto. Eu gostaria de ver o
rosto delas quando a senhora entrar. Imagine, Brooke Hammond de volta do mundo
dos mortos! — Millie exclamou, rindo.
— Você quis dizer Brooke Montgomery — Brooke a corrigiu.
Quando a toalete ficou pronta, Brooke não via a hora de voltar para casa.
Millie Anne pôs as poucas coisas que tinha trazido no bauzinho, enquanto Brooke
se preparava para deixar o hotel.
O sr. Jeffries tinha contratado uma carruagem para levá-las e que já
aguardava em frente do Le Méridien. Ele havia ido na frente, mas não contaria a
ninguém que a tinha visto. Assim, poderia avaliar a reação de todos ao vê-la
retornar de entre os mortos.
— Está nervosa, senhora? — a criada indagou.
— Estou — ela admitiu. — Fiquei morta por quase dois meses e não sei
como agir.
Sentia-se aliviada por ter feito a criada ir dentro da carruagem, pois isso lhe
propiciava companhia. Millie Anne riu.
— Uma coisa é certa, a senhora não parece morta. Está bem bonita.
— Obrigada.
Ela havia mandado fazer esse vestido quando tentava atrair a atenção de um
príncipe russo. O vermelho realçava a cor de suas faces. A saia ampla contrastava
com sua cintura fina e a blusa decotada com sua pele alva. No decote em "V" havia
um conjunto de minúsculos brilhantes presos para formar um grande. O corte da
blusa alongava seu pescoço de forma graciosa.
Ela não fazia idéia do que aconteceria essa noite, mas queria exibir sua
melhor aparência.
Finalmente a carruagem parou em frente de sua casa. O momento para obter
respostas se aproximava.

***
Margaret ficou satisfeita com a decoração natalina, pois os rostos andavam
tristonhos na mansão. Em sua opinião, todos deviam aceitar o fato de que Brooke
não voltaria, especialmente Travis.
Com o olhar, Margaret procurou o filho no salão. Localizou-o num pequeno
grupo, mas notou que ele não prestava atenção a ninguém.
Pelo jeito, ignorava Hesione ao lado dele.
Aproximou-se do filho. Os músicos tinham iniciado uma valsa.
— A música é tão bonita, filho. Por que você não convida Hesione para
dançar? Assim nossos convidados poderão apreciar a festa.
Travis a fitou com olhar vago, mas Hesione o tocou no braço levando-o a
entender o que esperavam de sua parte. Curvou-se para a moça e a levou à pista
de dança.
— Eles não formam um casal lindo? — Margaret perguntou a Julia Ross que
estava a seu lado.
— Sem dúvida, minha cara — Julia concordou. — Você acha que vão reatar
o noivado agora... Bem você sabe.
— Espero que sim. Naturalmente Travis terá de esperar até que o período de
luto termine. Então, tenho certeza de que ele cederá.
Thomas, o mordomo de Moss Grove, atendeu à porta. Ao ver Brooke,
arregalou os olhos e pulou para trás.
— A senhora está morta — balbuciou em voz trêmula.
Depois de Brooke garantir a Thomas que não era um fantasma, entregou-lhe
a capa e dirigiu-se ao salão. Parou antes de entrar a fim de apreciar a decoração.
Margaret havia se superado. A casa estava linda.
Localizou a sogra do outro lado do salão. Ela parecia muito satisfeita o que
era péssimo sinal. Descobriu o motivo quando seguiu seu olhar.
Travis segurava Hesione entre os braços. O estômago de Brooke contorceu-
se. E a moça estava linda com os cabelos pretos e a pele morena.
Como ele se atrevia?, indagou-se, furiosa. Então, advertiu-se que eles
apenas dançavam.
Teve de admitir que Travis estava magnífico com o terno preto. Ele ficaria
feliz ao vê-la? Ou já teria retornado sua atenção a Hesione?
Brooke respirou fundo e entrou no salão. Foi recebida por uma exclamação
coletiva ao ser reconhecida pelos convidados e parentes. Quando uma senhora
idosa desmaiou, um murmúrio abafado se fez ouvir. A música parou quando
músicos perceberam que algo estava errado.
Com a cabeça erguida e o coração disparado, Brooke esperava que o marido
a visse.
Quando o último músico parou, Travis virou-se para verificar o motivo da
interrupção. Seguiu o olhar pasmo dos convidados até focalizar o seu no que eles
viam.
Impossível! Não pode ser! ele refletiu. Já me conformei com isso.
Só podia ser o fantasma de Brooke que vinha afastá-lo de Hesione. Sem
dúvida, sumiria tão depressa quanto surgira, Travis pensou, incrédulo, ao observá-
la.
Entretanto, a imagem ficou mais nítida. Poderia ser? Ela estaria realmente
ali?
Brooke reconheceu a saudade no olhar de Travis e, esperava, a expressão
de surpresa.
Ele afastou os braços de Hesione e deu alguns passos na direção de Brooke.
Teve de parar, porque ainda não tinha certeza de que ela estivesse ali. A tristeza
que ela viu no olhar do marido fez seu coração disparar e lhe deu vontade de
chorar.
Brooke queria correr ao encontro dele, mas precisava ter certeza de que ele
ainda a queria. Manteve-se firme, enquanto via as pessoas abrirem caminho para
Travis passar.
Ele manteve o olhar fixo em Brooke enquanto se aproximava. O orgulho
exigia que ela também não baixasse o seu, mas a emoção era tão forte que o
coração continuava disparado. E também ela não queria que ninguém notasse sua
insegurança.
E se Travis não ficasse satisfeito ao vê-la?
Brooke mal respirava e não conseguia se mexer. Tinha sentido falta desse
homem mais do que podia expressar por palavras. Havia encontrado algo especial e
perfeito sobre ele quase no início e mesmo quando discutiam.
Finalmente Travis estava ali a sua frente. Um arrepio delicioso percorreu seu
corpo e via em seu olhar que ele sentia a mesma emoção.
Apesar disso, as dúvidas ainda persistiam. O que faria se tivesse sido Travis
quem tentara matá-la?
Capítulo XIX
Ao se aproximar de Brooke, Travis tinha a sensação de que as pernas eram
de chumbo. Estaria tendo visões? Como todos afirmavam, Brooke estava morta,
portando, como poderia aparecer ali?
Ele tinha certeza de que, quando chegasse a sua frente, a imagem já teria
sumido. Por isso, seguiu em frente sem ver os parentes e convidados, pois não
tirava os olhos de Brooke.
Por Deus, ela estava estonteante com aquele vestido vermelho. Embora um
tanto pálida, parecia bem e, de forma alguma, morta.
E se estava viva e ali, onde tinha ficado esse tempo todo e o feito passar por
esse inferno?
Ao chegar a sua frente, cheio de indagações, Travis não refletia mais com
clareza. Brooke ergueu o olhar e ele viu seu amor. Que Deus o ajudasse, pois o
coração exultava. As perguntas não importavam mais.
Ele abraçou a esposa e a estreitou contra o peito. Tê-la junto a si era
maravilhoso. Nada podia ser comparado ao que sentia nesse momento. Brooke
estava viva!
Repetia a si mesmo que não sonhava, pois a sentia entre os braços. Ignorava
como tudo acontecera, bastar reencontrá-la.
Quando os convidados recomeçaram a murmurar, lembrou-se de que
estavam no salão e recuperou a voz.
— Vamos a algum lugar onde possamos ficar a sós e conversar — murmurou
ao ouvido de Brooke.
Ela fez um sinal afirmativo e tentou reter as lágrimas de emoção. Travis tinha
aberto os braços para ela, mas sua expectativa era maior. Um beijo, um simples:
"Senti falta sua, meu amor" teriam sido bem-vindos e "Eu te amo" ainda melhor.
Como ele se sentia quanto a seu retorno?
Com a mão em sua cintura, Travis dirigiu-se aos convidados:
— Por favor, apreciem a festa e nos dêem licença por um momento.
Então, fez um sinal para a orquestra recomeçar a tocar. Antes que eles
pudessem sair, alguém gritou:
— Brooke!
Ela virou-se e viu Eliza vindo em sua direção. A menina atirou-se em seus
braços e declarou:
— Estou tão contente que você esteja viva! Seja bem-vinda em casa! —
exclamou com um largo sorriso.
— Também é muito bom vê-la, Eliza. Você está muito bonita — Brooke
elogiou. — Conversaremos mais tarde, prometo. Agora, preciso trocar umas
palavras com meu marido.
Eliza beijou-a no rosto e se afastou.
Finalmente Brooke e Travis saíam do salão. De mãos dadas, dirigiram-se à
biblioteca. Ele abriu a porta e a deixou entrar, seguindo-a depois.
Tão logo a porta fechou, ela virou-se para Travis. Por um momento eles
apenas se fitaram em silêncio. Nenhum dos dois encontrava a palavra certa. O
marido não queria que ela voltasse? Brooke imaginou enquanto o tempo se
alongava.
Finalmente, Travis disse numa voz abafada:
— Pensei que você estivesse morta.
Brooke viu o olhar enternecedor e quis se aproximar e fingir que os quase
dois meses não tinham ocorrido.
O que tinha acontecido com a moça sensata que conseguia escapar de
qualquer situação? Agora, tudo o que queria era Travis. Brooke lutou contra as
lágrimas e afirmou:
— É um milagre que eu esteja viva.
Travis respirou fundo e passou a mão pelos cabelos. Era evidente que estava
emocionado, ela notou.
— Quero abraçá-la — ele disse, e Brooke sentiu o arrepio familiar que só o
marido podia provocar. Mas também percebeu algo estranho nele.
— Senti tanta falta sua e... — Calou-se, mostrando não confiar nela. — Vejo
que você está bem e imagino por que me fez passar por esse inferno — ele se
queixou.
Brooke mal se conteve ao ouvi-lo. Travis pensava que ela o tinha deixado?
Que atrevimento!
— Eu o fiz passar?! — indagou, irritada. — Espere um pouco. Você pensa
que sumi de propósito?
— No início pensei que você tivesse pulado no rio, mas vejo que estava
errado. Só quero saber como conseguiu sumir e por quê.
A única coisa boa dessa troca de palavras era Brooke ficar sabendo que
Travis não a tinha empurrado. Mas o olhar acusatório dele só aumentou sua raiva.
— Você poderia ter dito que estava preocupado comigo e não me acusar que
o fiz passar por um inferno. Que diabos você pensa que suportei?! — indagou,
elevando a voz.
— O que eu deveria imaginar? — Travis vociferou. — Nem uma palavra
sequer sua e, agora, você aparece vestida como uma rainha. Tenho de lembrá-la
que, na noite anterior ao seu sumiço, você havia confessado ter sido uma cortesã?
Eu só podia pensar que você retomara sua antiga profissão.
Furiosa, Brooke aproximou-se e o estapeou no rosto. Já ia agredi-lo outra
vez, porém, ele segurou seu braço.
Travis a puxou contra ele, fazendo-a sentir seu corpo rígido de raiva.
— Eu não faria isso se fosse você — avisou.
— Maldito! — ela exclamou. — E pensar... — começou, mas calou-se.
Podia sentir a respiração irregular de Travis no rosto.
— Por que você voltou? — ele perguntou.
Brooke o empurrou. Desejava feri-lo como ele tinha lhe feito, por isso, disse a
primeira coisa que veio à mente:
— Por causa de Moss Grove, claro.
Algo em Travis quebrou-se. Sem querer suspirou, disposto a encarar a
verdade. Até então, ele daria qualquer coisa para tê-la de volta, no entanto, agia
para afastá-la.
Apesar de linda, ela era tão teimosa que um homem precisava ser louco para
querer viver a seu lado. Desde o início, ele sabia que Brooke só lhe causaria
problemas. Ela precisava de um marido que a enfrentasse em pé de igualdade.
— E esse o único motivo?
Ele a viu lutar contra as emoções, e então murmurou:
— Não, existe outro. Travis aproximou-se.
— Qual seria?
— Você. Voltei por sua causa — ela admitiu.
Ele a tomou nos braços e com os lábios acariciou os seus. Fazia tempo
demais que não a tinha junto a si. Beijou-a até ela aconchegar-se bem numa
rendição total.
Qual seria o segredo dessa mulher? Ela havia virado sua vida pelo avesso e
o fazia explodir de paixão com apenas um olhar. Não importava o que ela tivesse
feito, não a deixaria ir embora.
— Senti tanto sua falta, mais do que achava possível.
O coração de Brooke disparou. Talvez, ela houvesse finalmente encontrado a
felicidade.
— Você está pronto para me ouvir?
Travis ergueu a cabeça e fez um gesto afirmativo.
Brooke não queria sair dos braços dele, mas precisava para poder pensar
com clareza enquanto relatava o que lhe havia acontecido.
— Vamos sentar e eu contarei tudo. A primeira parte é o fato de que fui
jogada no rio — ela contou, enquanto observava-lhe a expressão que, para alívio
seu, demonstrava surpresa.
— Você não tropeçou e caiu?
— Não. Eu tinha acabado de conversar com sua mãe, ou melhor, de discutir.
Ao vê-la se afastar, eu me virei e foi quando alguém me atirou por sobre a amurada.
— Difícil acreditar nisso.
— Travis, você imagina que eu inventaria algo semelhante? — Brooke
indagou num tom ríspido.
— Não, mas minha mãe contou que a tinha visto conversando com um
homem. Quem era? Talvez tenha sido ele quem a jogou. Caso sim, logo ele será
um homem morto.
Brooke respirou fundo. Como a mulher podia ser tão baixa?
— Para usar de franqueza, sua mãe é uma grande mentirosa.
— É o que parece. Mas por que ela mentiria?
— Porque ela não me quer como nora.
— Então você pensa que ela a jogou? Sei que minha mãe é implicante,
mas...
— Não faço idéia de quem foi, apenas sei que acabei na água — Brooke
disse, mas não revelou que chegara a desconfiar dele.
— Bem, e o que aconteceu depois?
— Consegui tirar meu vestido, pois temia que com seu peso molhado eu
afundasse e morresse. Do que me lembro a seguir era acordar no barco de uma
família do rio que havia me tirado da água, mas não tinha mais memória, nem de
meu nome.
— Você faz idéia de como isso parece pura invenção? Brooke irritou-se. Não
fugia da verdade ao relatar seu quase assassinato e Travis duvidava do que ouvia.
— Eu lhe garanto que é a pura verdade — esbravejou. Ele levantou do sofá
onde se sentara e disse:
— Preciso de uma bebida. Você aceita uma?
— Pelo menos você aprendeu um pouco de boas maneiras. Brooke sabia
que era difícil acreditar no que ela contava, mas como prova, poderia mostrar-lhe a
marca que ficara em sua cabeça. Se iam continuar casados, Travis tinha de confiar
nela e acreditar em seu relato sobre o que havia acontecido.
— Agora, conte o que você tem feito. Aproveitado o tempo já que não
contava mais com uma esposa?
Como a resposta fosse apenas um silêncio profundo, ela levantou-se e foi até
onde Travis estava em pé.
— Quando entrei no salão, notei com quem você dançava. Vejo que não
perdeu muito tempo.
Travis assustou-se, mas não disse nada em defesa própria. Entregou-lhe um
copo com uísque que ela tomou de uma só vez, a bebida aquecendo-lhe o corpo
frio.
— Seria melhor beber devagar — ele sugeriu.
— Certo, mas não quando se precisa de resultado imediato.
Travis tomou um gole e sorriu. A esposa estava com ciúme de Hesione,
portanto devia gostar dele, mas decidiu testá-la mais.
— Você devia estar morta, minha querida, e eu concluí que poderia dançar
com quem quisesse.
Brooke arregalou os olhos e tornou a estapeá-lo no rosto. Travis não deixaria
mulher alguma fazer isso, mas ele a estava provocando de propósito.
— Você está tornando isso um hábito.
— E você poderia ter esperado meu corpo esfriar para me substituir!
Travis a puxou para perto, prensou o corpo esguio contra o seu e a encarou
em desafio. Os olhos de Brooke ficavam quase dourados quando ela estava brava.
— Meu amor, seu corpo nunca esfriou e eu fico contente que você esteja com
ciúme. Isso quer dizer que me ama?
Brooke o enlaçou pelo pescoço, enquanto ele a abraçava e esperava sua
resposta.
— Mais do que você imagina — ela murmurou. Era isso que ele desejava
ouvir.
— Por Deus, espero que esteja sendo sincera — Travis disse numa voz
rouca antes de apossar-se de sua boca.
Beijaram-se com paixão e então ele se afastou por um instante.
— Como senti falta sua — ele sussurrou e voltou a beijá-la. Como Brooke
também o beijava, o desejo explodiu em Travis com uma ternura que ele ignorava
possuir. Beijou-a por muito tempo, apreciando a experiência que pensara não voltar
a ter.
— Você tem idéia do que faz comigo? — ele perguntou.
— Vagamente — Brooke respondeu, sentindo a evidência rígida contra seu
corpo. — Você não está sendo justo.
— Eu a avisei que não seria quando nos conhecemos.
Capítulo XX
Eles não voltaram para a festa. Tão logo saíram da biblioteca, Travis a
ergueu nos braços e correu escada acima. Como haviam passado muito tempo
longe um do outro, uma festa era o último lugar em que queriam ficar.
— Mostramos ser péssimos anfitriões ao não retornar ao salão — Brooke
comentou ao aconchegar-se ao peito do marido.
— Preferi procurar nossa privacidade em vez de tirar esse seu vestido lá no
salão — Travis disse, abrindo a porta com o pé.
Brooke riu baixinho ao entrarem no aposento.
— Faz tanto tempo — ela sussurrou ao ser posta no chão. Antes que desse
dois passos, ele a puxou de volta aos braços.
— Tempo demais, minha querida, tempo demais — ele concordou com olhar
de desejo. — É tão bom senti-la. Agora, beije-me — Travis pediu ao roçar sua face
com os lábios. Invadiu-a com a língua, saboreando-a por inteiro. Afastou os lábios e
fitou nos olhos. — Pensei que jamais a abraçaria outra vez.
— E eu temia que você não me quisesse mais.
— Não a querer?! — Travis tornou a apertá-la contra o corpo.
O prazer de se encontrar de novo entre os braços do marido a aquecia como
um fogo forte.
— Nesses dois meses, pensando que você havia morrido, vivi num
verdadeiro inferno. Nem sei quantas garrafas de uísque esvaziei.
— Lamento que você se afligisse, mas eu não podia voltar para casa até me
lembrar de onde ela ficava — Brooke disse com um sorriso meigo. — Fico contente
por você não ter me substituído por Hesione em minha ausência.
— Uma coisa engraçada aconteceu. Depois de possuí-la, não tenho o
mínimo desejo por outra mulher.
— Eu te amo — Brooke confessou.
Ele curvou a cabeça e apossou-se de sua boca, invadindo-a com a língua e
retraindo-a um sem fim de vezes. Sentiu o corpo estremecer. O desejo que ela lhe
provocava o enlouquecia.
Deslizou os lábios ao longo de seu pescoço. Passara tempo demais sem
apreciar esse prazer. Ergueu-a no colo e a levou para cama da qual não a deixaria
sair até bem tarde no dia seguinte.
Perdida numa avalanche de desejo, Brooke sabia ter encontrado o céu e
retribuiu os beijos com paixão. Quando começou a deslizar os lábios pelo corpo de
Travis, sentiu os músculos retesar ao perceber a direção inesperada de seus lábios.
Essa noite, nada a faria hesitar.
Ao acordar na manhã seguinte, Brooke sentiu alívio ao ter certeza de que a
noite anterior não fora um sonho. Estava em casa e entre os braços de Travis.
Porém, estava bem e atribuía o mal-estar à ansiedade anterior por ignorar o
que lhe aconteceria.
Não desceu para tomar o café da manhã. Em vez disso, ela e Millie Anne
mudaram algumas de suas coisas para o quarto de Travis.
Já tinham quase terminado quando ele apareceu e avisou:
— Vejo que você está ocupada e eu vou trabalhar agora de manhã.
— Estou mesmo. Seu quarto vai ficar meio diferente.
— É o que parece — ele comentou.
— Você se importa se eu substituir essas cortinas escuras por outras mais
claras?
— Meu amor, você pode fazer o que desejar — Travis afirmou ao se
aproximar e a beijar com ternura.
Incrível a maneira maravilhosa como o marido a fazia se sentir. Travis tinha
conseguido transformar a moça de coração frio como desejava que ela fosse.
Ergueu a cabeça e o fitou, dizendo:
— Eu o verei à noite.
Ele a beijou na ponta do nariz e confirmou:
— Pode contar com isso. Bem, pedi a Mammy para lhe trazer alguma coisa
para se alimentar. Não gosto que você não coma, está um tanto magra.
— Obrigada. Eu me senti meio enjoada esta manhã. Deve ter sido por causa
da excitação. E também queria mudar meus pertences para cá a fim de que os
criados não comentassem que meu quarto era o mais distante do seu. Sei que
foram ordens suas no dia em que cheguei aqui.
— Ah, eu me lembro desse dia — Travis afirmou, sorrindo. — Foi bem
sensato de minha parte mantê-la longe porque, mesmo então, você já era muito
tentadora.
— Ah, por isso era difícil conviver com você — Brooke o provocou. — Eu
achava que se antipatizava comigo.
— Bem, até certo ponto era isso — ele disse, rindo, mas ficou sério a seguir.
— Escute, vou conversar com minha mãe. Não penso que ela a tenha empurrado
para o rio. Mas, se não se dá bem com você, providenciarei para ela ir morar em
outro lugar.
Brooke sentiu um nó na garganta ao saber que o marido faria isso por ela.
Porém, Margaret continuava sendo a mãe dele.
— Não quero me interpor entre vocês dois. Ela nunca me deu a menor
chance. Talvez agora, sabendo que estou aqui para ficar, ela mude.
Travis lhe deu um beijo rápido e a soltou.
— Então, fica por sua conta. Mas saiba que você está aqui para ficar — ele
avisou.
— Eu te amo — Brooke declarou.
— Eu também te amo — Travis disse, sorrindo e saiu em seguida.
Millie Anne suspirou.
— Isso é tão bonito. Nunca vi o sr. Travis olhar para alguém como para a
senhora.
Brooke enrubesceu.
— Bem, levamos algum tempo para nos entender. — Foi até as janelas e
tocou as cortinas pesadas. — Este quarto ficará muito mais agradável sem elas.
Pode tirá-las, Millie.
— Trouxe alguma coisa para a senhora pôr nesse estômago vazio — Mammy
avisou ao entrar sem bater. — Espero que não tenha esquecido como a comida de
Prosper é saborosa.
Contente, Brooke aproximou-se de Mammy e a abraçou.
— Ora, o que é isso? — a criada murmurou numa voz embargada. — Eu
também senti falta sua. Vamos, coma ao menos um biscoito.
— Mammy, acho que foi de você que senti mais falta — Brooke murmurou ao
levantar o guardanapo e pegar uma das guloseimas. — Sinto um pouco de fome
agora. Quando acordei, estava meio enjoada. Acho que meu estômago vai melhorar
já que estou em casa.
Mammy a observou.
— A senhora está meio pálida. Não deve estar se cuidando.
Brooke se sentou e a convidou a fazer o mesmo. Então, contou-lhe tudo o
que tinha acontecido. Enquanto o fazia, comeu três biscoitos, sob o olhar atento de
Mammy.
— Em que está pensando? — indagou.
— Para alguém que está sem apetite, a senhora devorou os biscoitos.
Quando teve sua última menstruação?
A pergunta surpreendeu Brooke e a fez enrubescer.
— Não tenho certeza. Acho que nem uma vez depois que me casei.
— Santo Deus! Vamos ter um bebê! — Mammy exclamou. Brooke abriu a
boca e a fechou depressa.
— Eu me sinto tão tola. Nunca pensei nessa possibilidade, mas penso que
você esteja certa.
Afinal coincidia com a mentira de Travis no dia do noivado.
— A senhora fique sentada aí e deixe eu cuidar das cortinas. Não pode
abusar de nada — Mammy determinou ao levantar-se.
Em vão, Brooke protestou. Quando o quarto ficou pronto, ela exultou. Sem as
cortinas pesadas, a luz penetrava, melhorando muito o ambiente.
Como ainda se sentisse cheia de energia, decidiu ir procurar a esquiva
Margaret.
Encontrou-a no solário atrás da casa. Com um bastidor entre as mãos, ela
bordava. Ergueu o olhar quando Brooke entrou e sentou-se a seu lado, mas o
desviou depressa.
— Vejo que você retornou — Margaret disse. Brooke respirou fundo. Não ia
deixar a sogra irritá-la.
— Imagino que Travis tenha lhe contado o que me aconteceu.
— De fato, ele o fez esta manhã. Você teve muita sorte ao escapar da queda.
— De fato. Ainda bem que sei nadar e pude me salvar. E também foi sorte a
senhora não estar mais a meu lado, pois teria caído comigo — Brooke comentou,
fazendo-a virar-se para ela.
— Não pensei nisso. Eu teria morrido, pois não sei nadar.
— Bem, teve sorte mesmo. Mas continuo sem entender por que a senhora
disse a Travis que me viu conversando com um homem. Afinal, só a senhora estava
a meu lado.
— Porque eu queria que você ficasse fora de nossas vidas — Margaret
respondeu, surpreendendo Brooke por não mentir. — Tudo caminhava bem e Travis
ia se casar com outra moça igual a ele.
— Também sou. A senhora já esqueceu que ele é metade inglês? Que eu
saiba, a senhora se apaixonou por um inglês. Nesse caso, Travis não é diferente da
senhora.
— Isso não é de sua conta! — Margaret esbravejou. — E eu tinha esperança
de que Travis aprendesse com meus erros.
— É de minha conta sim, afinal entrei para a família. Conheci Jackson muito
bem e posso lhe garantir que era um homem adorável.
— Sem dúvida era — Margaret murmurou. — Ele ainda estava casado?
Com essa pergunta, Brooke percebeu que uma pedra da muralha entre elas
havia caído.
— Não conheci a esposa dele. Eu e duas sobrinhas de Jackson moramos
com ele. Segundo me contaram, a tia havia morrido.
— E ele nunca voltou para mim — Margaret murmurou com olhar distante.
Então, acrescentou: — Ela não batia bem.
— Louca? Eu não sabia disso.
— Era um dos motivos pelo qual Jackson não podia se divorciar e, muito
menos, viver com ela.
— Jackson não teve filhos desse casamento, mas tenho certeza que amava
Travis. Ignoro por que não passou mais tempo com o filho, mas penso que, no fim,
ele se arrependeu disso — Brooke afirmou.
Margaret virou-se para ela.
— Jackson só ficou sabendo de Travis muito mais tarde. Eu lhe escrevi
contando, mas a esposa interceptou a carta, o que ele descobriu tempos depois.
— Que tristeza!
— Nem diga. E por causa disso, sempre fomos desprezados.
— Mesmo assim, a senhora conseguiu criar um filho muito bom.
— De fato ele é, mas infelizmente meu pai nunca o aceitou.
— Conheci esse senhor e tive a impressão de que ele é incapaz de ceder.
— Ele é o chefe da família — Margaret o defendeu.
— Mas isso não quer dizer que esteja certo. Não gosto da maneira como ele
trata Travis. Começando do zero e sem experiência, Travis formou esta fazenda. O
avô devia sentir orgulho dele e não ser intransigente.
Margaret fitou Brooke com expressão diferente.
— Acho que você está certa, mas nunca pensei assim.
— Espero que faça daqui por diante — Brooke disse numa voz suave.
Sentia-se bem com essa conversa. Talvez Margaret tivesse um lado melhor
do que havia mostrado.
— Bem, já tomei parte de seu tempo, mas quero ainda declarar minha
vontade de sermos amigas. Ainda mais agora que a senhora vai ser avó.
Margaret não disfarçou a surpresa e levantou-se.
— Ouvi alguns parentes dizer que você estava grávida, mas não acreditei.
— Bem, foi uma mentira contada por Travis. Ele achava que eu seria aceita
mais depressa pela família se estivesse grávida. Porém, eu ainda não estava.
Num gesto súbito, Margaret a abraçou.
— Vou levar algum tempo para me acostumar com você, mas um neto
ajudará — disse sorrindo.
— Talvez isso compense o fato de eu não ser sulista. Margaret sorriu.
— Nem todos nós podemos ser perfeitos. Travis já sabe?
— Ainda não. Só me dei conta esta manhã. Contarei hoje à noite.
Naquele mesmo dia à tarde, Brooke escreveu uma carta para Jocelyn. Não
acreditava que ia ser mãe. Impossível imaginar-se sendo uma. Era uma idéia
assustadora. Esperava vir a ser uma boa mãe.
Tinha acabado de fechar o envelope quando a porta do quarto abriu com
força, batendo na parede.
— Senhora — Millie Anne gritou ao entrar. — Houve um acidente na refinaria.
A senhora precisa ir lá depressa. O sr. Travis ficou preso nos escombros.
Capítulo XXI
O coração de Brooke disparava, enquanto ela corria escada abaixo. No
vestíbulo, encontrou Margaret e Mammy.
— O que aconteceu?
— Foi alguma coisa na refinaria. Vamos logo — a criada disse ao fazer um
gesto para que ela as acompanhasse.
Margaret quase a repreendeu, mas não o fez e dirigiu-se a Brooke:
— Houve um acidente, é só o que sabemos. O sr. Jeffries já está lá. Tinha ido
para verificar as reformas.
Uma carruagem as aguardava lá fora. Em pouco tempo chegavam à refinaria.
Pelo que viam, um lado do segundo andar tinha desabado. Um grupo de homens
tentava tirar os escombros.
Mal a carruagem parou, Brooke desceu e correu para o sr. Jeffries.
— Onde está Travis?
— Lá embaixo — ele respondeu ao apontar para uma pilha de tábuas e
vigas.
— Não! — Margaret gritou. — Precisamos agir depressa.
Ao olhar para os escombros, Brooke sentiu-se atordoada, mas sabia que
precisava manter-se firme. Ainda mais que Margaret soluçava sem controle.
— E quanto a um médico? — perguntou.
— Já foram buscar — Jeffries informou. — Enquanto isso precisamos tirá-lo e
os outros de lá antes que seja tarde demais.
Impotentes, Brooke, Margaret e Mammy ficaram observando.
Finalmente, após uma hora da remoção cuidadosa de entulho, tiraram dois
homens, um deles morto. Havia mais dois para encontrarem, Travis sendo um
deles. Brooke entrou em pânico.
— Podem vê-lo? — ela gritou, mas ninguém respondeu. Com a intenção de
ajudar, ela foi em direção aos homens, mas Mammy a interceptou.
— Onde pensa que vai? Eles estão fazendo o que podem e a senhora não
pode atrapalhar. Ouviu bem?
— Mas Travis pode estar...
Ela não pôde dizer a palavra. O que faria se Travis estivesse morto? Não
havia planejado tê-lo em sua vida, mas agora, não queria viver sem ele.
— Lá está ele! — um trabalhador gritou.
Quando o tiraram, Brooke rodeou Mammy, aflita para chegar perto do marido.
Ele não se mexia e foi deitado no chão frio.
Margaret, finalmente controlada, correu pegar cobertores na carruagem.
Brooke ajoelhou-se ao lado de Travis e pegou suas mãos. Estavam geladas, mas
ela podia sentir-lhe o pulso. Sangue escorria de vários cortes e ela precisava
estancá-lo. Rasgou tiras da anágua e limpou-lhe o rosto. Tinha de descobrir o
sangramento maior para que ele não se esvaísse. E Travis estava de uma palidez
mortal.
— Meu Deus — Brooke murmurava sem parar. — Abra os olhos, meu
querido. — Como nada acontecesse, ela usou um tom mais enérgico, pois sabia
que delicadezas não davam certo com o marido. — Não se atreva a morrer e me
deixar viúva!
Uma pequena carruagem aproximou-se pela estrada. Mal tinha parado, o dr.
Smart pulou fora e correu para o agrupamento de pessoas.
— Abram espaço para que eu possa ver o paciente — ordenou.
— O senhor precisa fazer alguma coisa — Brooke implorou.
— Apenas me dê lugar e eu farei o que puder.
Brooke afastou-se e bateu em Ben, um dos homens que reconheceu de
visitas anteriores à refinaria.
— Como isso aconteceu? — ela indagou.
— O sr. Travis afirmou que alguém andava mexendo lá — Ben contou. —
Parecia que a viga mestra havia sido cortada. O patrão disse que sabia quem era o
responsável.
— Então alguém queria que isso acontecesse? — Brooke estava perplexa.
Afastou-se, retorcendo as mãos. Jeffries aproximou-se.
— Você faz alguma idéia de quem gostaria de fazer mal a Travis? — ele
perguntou.
— Ele pode ter alguns inimigos, suponho. Mas o único em que posso pensar
é o pai de Hesione. Depois que provou ser um covarde no duelo, Jeremy afirmou a
Travis que ele poderia ter problemas com o homem.
— É bem possível.
Quando o dr. Smart levantou-se e balançou a cabeça, o coração de Brooke
disparou de medo.
— Qual é o problema, doutor?
— Travis perdeu muito sangue. Consegui estancá-lo, mas não há mais nada
que eu possa fazer. O melhor é levá-lo para casa e esperar — o médico sugeriu.
Mammy passou o braço pelos ombros de Brooke e murmurou:
— Não se aflija. Não vou deixar que nada aconteça a esse menino, ouviu?
Atordoada, Brooke estremeceu. Queria acreditar em Mammy, mas Travis
estava pálido demais, parecia prestes a morrer. Sentindo-se uma inútil, viu os
homens o carregarem para a carruagem.
Pouco depois, com a cabeça de Travis no colo, ela afligia-se a cada tranco do
veículo. Margaret mantinha silêncio, o que Brooke apreciava. A sogra era a menor
de suas preocupações.
Levaram Travis para seu quarto onde o despiram e o deitaram na cama.
Brooke sentou-se numa cadeira ao lado, onde passou a noite inteira.
Mammy ia vê-la sempre para ter certeza de que ela se alimentava, mas
Brooke se negava a se afastar dali. Nem deixava que alguém tomasse seu lugar.
Temia que Travis morresse e ela não estivesse a seu lado.
Margaret tentou ajudar, mas chorava muito quando olhava para o filho. No
fim, de tanta preocupação, passou mal e foi se deitar.
Os três dias seguintes, Brooke passou falando com Travis o tempo todo
numa tentativa de obter alguma reação. Ela lhe implorava para ficar bom. Suplicava,
exigia e o forçava a tomar caldos, embora pouco fosse ingerido.
E rezava.
O tempo passava devagar, até que, finalmente, chegou o Dia de Natal. A
casa estava imersa num silêncio profundo e ninguém sentia a alegria natalina. O dr.
Smart tinha dito que se Travis acordasse, então sobreviveria. Porém, a espera era
angustiante.
Foi ao amanhecer que Brooke acordou assustada. Teria ouvido alguma
coisa? Ao olhar para Travis, viu que a cor dele estava melhor, mas os olhos
continuavam fechados.
— Por favor, não me abandone — ela suplicou. — Talvez eu não o tivesse
querido no início, mas, às vezes, não sabemos bem o que desejamos. — Sua voz
falhou quando as lágrimas começaram a rolar. — Não quero perdê-lo, Travis. Por
favor, não desista. Ainda não sei muito sobre Moss Grove e preciso que você me
ensine.
Calou-se por um instante e, depois, recomeçou:
— Posso ver seu sorriso, quer dizer, caso você abra os olhos. Portanto, faça
isso por favor. Você sempre disse que eu não seria capaz de administrar uma
fazenda. Muito bem, admito que talvez você estivesse certo. E se olhasse para mim,
eu lhe daria licença para me tripudiar. Sei o quanto Moss Grove significa para você.
Mais do que qualquer coisa.
— Não mais — Travis murmurou numa voz fraca ao mexer os dedos sobre
sua mão.
Brooke pensou ter imaginado isso, mas de repente os dedos fecharam sobre
os seus.
Ela o fitou, tentada a sacudi-lo. Finalmente Travis abriu os olhos. Estavam
meio nublados, mas ele continuava vivo e era o que importava.
Brooke pulou em pé.
— Você não imagina como é maravilhoso vê-lo olhando para mim. Como se
sente?
— Péssimo. Água — ele balbuciou.
Com mãos trêmulas, Brooke pegou um copo de água na mesinha de
cabeceira e o levou aos lábios dele. Depois que Travis bebeu vários goles, ela
queria se atirar em seus braços, mas temia machucá-lo.
— O que mais posso lhe dar? — ela indagou.
— Um revólver — ele respondeu numa voz fraca.
— Um o quê? — Brooke se surpreendeu. — Você deve estar delirando. Por
que haveria de querer uma arma?
Travis fez uma careta de dor ao tentar se mexer.
— Vou atirar naquele maldito como já devia ter feito.
— George D'Aquim? — O pai de Hesione era o único em quem Brooke podia
pensar. — Por quê?
— Ele é o maldito que vem tentando me matar. Desta vez, meus homens o
viram e pressionaram o capataz dele que confessou tudo. Foi ele também que a
jogou no rio — Travis contou. Tentou se sentar, mas o esforço foi grande demais,
forçando-o a ficar deitado. — Maldição, meu corpo inteiro dói.
Brooke percebeu que ia ser difícil conviver com o marido. Lembrou-se como
ele ficara impossível quando levara o tiro durante o duelo. Ela tivera de deixá-lo aos
cuidados de Mammy.
Mas agora, era sua esposa e teria de tratar dele por pior que fosse. Porém,
não toleraria reclamações.
— Calculo que deva se sentir péssimo. Um prédio caiu sobre você. Sorte sua
ter sobrevivido, infelizmente dois homens a seu lado não conseguiram.
— Quem eram?
Brooke pensou por um instante.
— John e Jeff ouvi alguém dizer.
— Venha me ajudar a sentar — Travis pediu.
— Por favor não custa dinheiro — Brooke reclamou.
— Está bem, por favor — ele disse de má vontade.
Ela sorriu ao ajudá-lo a se encostar em vários travesseiros. Era como domar
um animal selvagem, ela pensou e sorriu, lembrando-se de que, poucos instantes
atrás, rezava para ele se recuperar.
— Obrigado — Travis agradeceu e, então a observou por um bom tempo. —
Você está com um aspecto horrível, querida.
— Obrigada pelo elogio.
— Você está sempre linda para mim, mas parece cansada. Notei suas
olheiras — Travis disse ao pegar sua mão.
— Ora, passei três dias sentada nesta cadeira pensando se você ia viver ou
morrer. Infelizmente está vivo. E quais foram suas primeiras palavras? Um insulto.
Travis riu.
— Sei que você não está sendo sincera.
— Engana-se — Brooke rebateu, tentando puxar a mão. — Você não me
disse nada agradável desde que acordou. Estou na dúvida se não o prefiro como
estava antes.
— Você disse que fiquei desacordado por três dias?
— Exatamente.
— Nesse caso que tal Feliz Natal, minha querida?
A expressão de Travis era a de um menino levado que, tendo feito uma
reinação, tentava escapar do castigo. Isso tocou o coração de Brooke.
— Feliz Natal para você também.
— Eu queria estar de pé ao lado da Árvore de Natal para beijá-la — ele
murmurou, sorrindo.
— Não preciso de uma, apenas de você.
— Nesse caso, minha querida, você será feliz a vida inteira. Estarei sempre a
seu lado.
— E nós também — Brooke disse e o beijou. Travis a puxou para a cama.
— Nós?!
Ela o presenteou com um lindo sorriso.
— Seu plano parece ter dado mais certo do que você esperava.
— Do que está falando?
— Você vai ser pai, Travis Montgomery — Brooke lhe contou.
Várias expressões passaram pelo semblante dele, mas a última foi a melhor.
Finalmente Brooke via amor verdadeiro no olhar de Travis e teve certeza de haver
encontrado o que nunca sonhara conseguir.
Ela havia realmente achado a felicidade nos braços de um homem.

Fim

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