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cadernos do

instituto
superior de estudos da
religião
Igreja e Sociedade no Brasil: 8
Pesquisas
:::dlb
~

0~uCJlas Weixeira _!fl~nleir~


Com a morte de Duglas ficamos sem um amigo.

Foi um companheiro raro:


extremamente humilde,
identificado com o que existe de mais simples em nossa
cultura - identificação simbolizada pelo seu cigarro de
palha,

presença tranqüila que nunca ameaçava os seus interlo-


cutores,

sempre disposto a ouvir,

pronto a assumir as enfadonhas e cansativas responsabi-


lidades de organização do trabalho, comprometido com as
causas da justiça e da liberdade,

possuidor de qualidade rara de pressupor a honestidade


e integridade dos outros,

despido de qualquer tipo de dogmatismo,


fascinado, de forma pessoal e intensa, pelo fenômeno
religioso. O Duglas , em verdade. não era apenas
um observador da religião. Ele se permitia ser
questionado por ela.

Com a sua morte ficamos mais pobres e tristes.


ISER dá o seu adeus a este companheiro.
Editorial

Igreja e Sociedade no Brasil·


Um Projeto de Pesquisas

Este número de Cadernos de ISER Operariado, e as investigações de


contém uma série de breves esboços Gerd Uwe Kliewer sobre o Protes-
de pesquisas que estão sendo levadas tantismo de Imigrantes (o Luteranis-
a cabo e deverão estar concluídas até mo) e de Duglas Teixeira Monteiro,
o próximo mês de julho. O que se sobre o fenômeno urbano das reli-
está explorando são as formas pelas giões de cura.
quais a Igreja Católica e as Igrejas A terceira unidade contém um
Protestantes reagiram frente às elenco de estudos de casos em que
transformações político-sociais no se revelam posturas concretas de
Brasil, o que permitirá um estudo Igrejas ou grupos de Cristãos face à
comparativo entre elas. situação político- social do país. São
As pesquisas se dividem em três as seguintes as pesquisas em anda-
unidades. mento: A CNBB Evolução Política e
A primeira delas obedece a um en- Ideológica, Adriano Nogueira; O Pen-
foque histórico. O Pe. José Oscar samento Católico Conservador no
Beozzo está trabalhando numa análise Brasil, Francisco Benjamin de Souza
histórico-sociológica do Catolicismo e Netto; Tendências Atuais do Catoli-
Zwinglio Motta Dias faz o mesmo em cismo no B'rasil, Francisco Benjamin
relação ao Protestantismo. O profes- de Souza Netto; A Igreja Católica e
sor Riolando Azzi, juntamente com o Problema da Terra no Brasil, José
Zwinglio Motta Dias, trabalham em Ricardo Ramalho e Neide Esterci;
uma cronologia (nos moldes de uma "Brasil , Urgente" : Engajrmento Cris-
já publicada em Religião e Socieda- tão no Brasil 1963- 1964. Paulo César
de) em que os eventos marcantes da Botas ; A Ideologia do Protestantis-
Igreja Católica e da Igreja Protes- mo, Rubem Alves; A Ficção Batista,
tante serão indicados, nas suas rela- Elter Dias Maciel ; As Missões entre
ções com os acontecimentos político- os índios, Carlos Alberto Ricardo; As
sociais, o que permitirá ao leitor uma Comunidades Eclesiais de Base,
visão sinóptica do seu desenvolvi- Francisco Cartaxo Rolim; Protestan-
mento comparativo. E Waldo César tismo, Educação e Ideologia. J ether
tem sob sua responsabilidade uma Pereira Ramalho; A Igreja do Evan-
série de depoimentos de atores, das gelh:>, Carlos Rodrigues Brandão;
duas Igrejas, que participaram dos É nosso propósito publicar as pes-
seus momentos cruciais. quisas, uma vez terminadas, numa
A segunda unidade privilegia cer- linguagem acessível não só aos espe-
tas instâncias político- sociais especí- cialistas mas especialmente ao públi-
ficas . Teremos aí o estudo de Car- co mais amplo interessado e compro-
los Rodrigues Brandão sobre Religião metido com a~ Igrejas.
e Classes Sociais, o trabalho de Ál·
varo Dias Telhado sobre Religião e Rubem A. Alves

- 1
DEPOIMENTOS

Como parte da pesquisa que faz 1. De que forma se estabeleceu o


uma reconstrução histórico-socioló- compromisso pessoal com a Igreja'!
gica do Catolicismo e do Protestan- Que pnblemas e convicções levaram
tismo brasileiros, sob a coordenação a s·e ligar a ela? Como se estabele-
de José Oscar Beozzo, Zwinglio Motta ceu tal ligação? Qual o sentiuo pes-
Dias e Riolando Azzi, ISER também
está tentando um outro tipo de do- soal (existencial) e político dessa
cumentação dentro da mesma relação opção?
igreja-sociedade. Trata-se de uma sé-
rie de depoimentos de católicos e 2. Quais foram os momentos crí-
protestantes que estiveram mais di- ticos n:> desenvolvimento dessa3 re-
retamente envolvidos em diferentes lações com a Igreja? E'Xplorar, es-
formas de testemunho da Igreja na pecialmente, as relações da Igreja
sociedade brasileira nas últimas dé- com a sociedade brasileira e as ba-
cadas. Com esses depoimentos, aces- talhas que foram travadas, assim
síveis aos não-especialistas, pretende-
se dar uma visão global mais abran- como as modificações teológicas e
gente que possibilite ver o conjun- ideológicas que se processaram.
to de uma situação certamente de
fronteira. Waldo César foi encarre- 3. Como encarar o atual momento
gado de coordenar esta pesquisa, que da Igreja na sociedade brasileira e
deverá estar terminada em julho do que perspectivas julga se abrirem
corrente ano. para o futuro.
A idéia é justamente ilustrar as
c.nálises histórico-sociológicas (que se 4. Por que permaneceu na Igreja
complementam com uma cronologia e por que dela se afastou.
compreensiva da Igreja Católica e da
Protestante) com o testemunho d~ 5. Outros dados e opiniões que
pessoas que participaram desses gostaria de acrescentar.
~contecimentos. Alguns nomes já fo-
ram selecionados, reconhecendo-se
que o número total de depoent:!s Dentro em breve os nomes sele-
(cerca de 20) é muito pequeno para cionados pela equipe de coordenação
representar a verdadeira dimensão d·e pesquisas de ISE)R estarão rece-
dessa participação. Mas o que mais bendo uma carta solicitando a sua
interessa, no caso, é menos uma aná- participação deste tipo de documenta-
lise objetiva das situações do quz a ção. Esperamos que todos os convi-
perspectiva interna, pessoal, biográ- dados possam aceitar a incumbência
fica daqueles que as viveram. e contribuir -para o enriquecimento
de uma época decisiva na história da
Um roteiro mínimo foi sugerido Igreja no Brasil.
para dar certa unidade aos teste-
munhos: Waldo César

- 2-
História da Igreja Católica
no Brasil
Pe. José Oscar Beozzo

Muitos critérios poderiam, com le- (liberalismo, republicanismo), social


gitimidade, presidir a uma periodiza- (maçonaria) e ideológico (liberalismo
ção e a uma interpretação da His- e positivismo). Fim da união entre a
tória da Igreja no Brasil. Para a Igreja e o Estado, e sua exclusão do
elaboração duma síntese, não deven- aparelho do Estado e da sociedade
do ultrapassar cinqüenta páginas, oficial.
resolvemos postular um olhar bas- 3 - 1931-1964 - Reinserção pri-
tante abrangente. que divisasse ao vilegiada da Igreja a nível da socie-
longo destes quatro séculos a arti- dade e virtual aliança com o Estado.
culação entre a Igreja e a Socie- 4 - 1965-1978 - Vaticano IJ, Me-
dade. dellin. Fim da aliança entre a Igre-
Dizendo isto, queremos privilegiar ja e o Estado, reconciliação com os
a Igreja enquanto instituição que se vários segmentos da sociedade civil,
apresenta portadora de uma missão ecumenismo e compromisso com a
em relação à sociedade. Neste senti- justiça, os direitos humanos e reivin-
do daremos especial atenção a dois dicações populares.
pontos:
a) A relação da Igreja, enquanto Primeiro período - 1500-1871
missionária, com os diferentes gru-
pos, classes sociais, e com a socie- Neste arco bastante amplo que
dade global; abrange quase quatro séculos, o que
b) O grupo que dentro da Igreja, domina a sociedade do ponto de vista
em cada época, foi portador privile- econômico e social é o modo de pro-
giado do seu impulso missionário. dução ao mesmo tempo colonial, isto
Acrescentaremos dois outros pon- é, produzindo fundamentalmente para
tos cruciais para a definição do seu a metrópole e para seus interess~s.
lugar na sociedade brasileira, sua e escravista, isto é, baseando-se pri-
relação para com o poder político, o mordialmente na exploração do tra-
Estado, e para com o poder religioso, balho sob o regime jurídico e social
a Santa Sé. da escravidão. Em 1850, com o fim
Em função deste critério missiO- do tráfico negreiro o regime sofre
nário. explicitado em quatro pontos, um golpe decisivo, enquanto a Lei
propomos o seguinte recorte no do Ventre Livre de 21 de setembro
tempo: de 1871, decreta sua virtual extinção.
1 - 1500-1871 - Do descobrimen- Em 1871, a população escrava repre-
to à virtual extinção da escravidão srJnta apenas 15% do total e às vés-
pela Lei do Ventre Livre. A presen- peras da abolição em 1888, não vai
ça da Igreja na esfera religiosa e so- além de 5%.
cial (através do padroado e de sua Neste primeiro período, precisamos
posição de religião oficial do Estado distinguir alguns momentos chaves:
e da Nação) é hegemônica e incon- 1500-1530 - O contato entre o na-
testada: vegante português e a nova terra é
2 - 1871-1930 - Da questão re- episódico, em busca apenas de explo-
ligiosa à revolução de 1930 - Da rar a costa e de retirar o pau-brasil.
hegemonia à concorrência no campo O indígena é o colaborador indispen-
religioso (protestantismo), político sável do mercador. O contato é re·

3 -
lativamente pacífico e se desenvol- a) litorânea - "Acompanhou a
vem entre os índios e os portugue- conquista e ocupação do litoral bra-
ses, mas também franceses, formas sileiro, não somente da "costa do pau
de cooperação e aliança. Alguns fran- brasil", mas sobretudo da zona da
ciscanos acompanham as tripulações mata, dedicada ao cultivo do açúcar,
dos barcos e ensaiam o contato com do Rio Grande do Norte até a região
o indígena, mas ainqa não hã fixação de São VIcente do sul". Este ciclo
de religiosos e implantação de um é fundamental nos dois primeiros sé-
projeto missionãrio. culos e entra em decadência após a
1531-1707 - Início da empresa co- expulsão dos holandeses em 1654.
lonial com Martim Monso de Souza b) sertanejo - "É condicionado
e mais tarde com Tomé de Souza. pela ocupação do vasto interior bra-
Com o 1. 0 Governador Geral. chegam sileiro (sertão), que foi efetuada atra-
à Bahia em 1548, os primeiros mis· vés dos rios, sobretudo do famoso
sionãrios jesuítas e tem início a ca- São Francisco". O gado torna-se a
tequese no Brasil. O indígena é um atividade econômica bãsica.
obstãculo que se interpõe entre o c) maranhense - Tem início com
colonizador e a terra. Para apossar- a expulsão dos franceses de São Luís
se da terra é preciso "amansar" o do Maranhão e estende-se por toda
índio, fazê-lo retirar-se para o inte- a bacia amazônica até a expulsão dos
rior ou massacrã-lo. Alternam-se es- jesuítas e demais missionãrios do Ma-
tratégias. Onde falha a catequese que ranhão e Amazônia em 1758.
faz do índio bravo um índio manso, d) Ciclo mineiro, sem a presença
do gentio um cristão, do nômade um de ordens religiosas, ciclo tipicamen-
sedentãrio e mão de obra para os en · te leigo e popular. Catolicismo de
genhos e serviços dos colonos, entra irmandades e ermitãos.
em jogo a estratégia da violência e 1707-1808 - Este século inclui o
do massacre. Em toda a história a fim do grande impulso missionãrio
linha que separa uma estratégia da d Js séculos XVI e XVII e desloca o
outra é muito tênue e depende da eixo econômico e social do país do
resistência que o indígena oferece nordeste para o centro sul, do açú-
ao invasor e ao seu projeto colonial car do Recôncavo para as minas de
de avançar sobre suas terras. ouro de Minas, Goiãs e Mato Gros-
Ao longo do litoral do nordeste so. A autoridade episcopal, com a
instalam-se os primeiros engenhos de celebração do Sínodo da Bahia e das
açúcar baseados no latifúndio, na mo- Constituições Primeiras do Arcebis-
nocultura de exportação e no empre- pado da Bahia, passa a emergir ao
go de mão de obra escrava em larga lado da autoridade do missionãrio.
escala. A importação dos negros es- Nesse período, deparamo-nos com
cravos, representa a abertura de um uma nova experiência da Igreja _ em
novo mercado para o lucrativo co· que a missão é assumida por leigos,
mércio de escravos da África para organizados em irmandades e por
Lisboa. A resistência dos jesuítas à beatos e ermitãos. Nas minas é proi-
escravização do índio aldeado, ins- bida a presença das ordens religiosas.
truído nos rudimentos da fé e bati- 1808-1870 - Período em que a in-
zado também -colabora para que a dependência traz um surto de forte
solução do escravo negro seja ado- nacionalismo político e religioso, e
tada. pela primeira vez uma preponderân-
O missionãrio debate-se entre o cia do episcopado e do clero secular
lugar português e o lugar indígena, nas tarefas da Igreja.
entre o lugar colonial e o lugar na- A Igreja estã intimamente ligada
tivo, entre a evangelização e a es- ao Estado, através do Padroado e a
cravização do índio, entre o uso da missão é uma das faces do projeto
catequese e o uso da violência. colonial. A luta d:>s missionãrios
Podemos falar com Eduardo Hoor- m~is lúcidos para não identificar pro-
naert de ciclos missionãrios que obe- jetos de evangelização e projeto co·
decem a quatro momentos de coloni - lonizador fracassa o mais das vezes.
zação portuguesa: A catequese é instrumento privilegia-

- 4-
do da colonização. Salvo para a ex- 2. 0 Período ---: 1871-1930
periência do Maranhão e para algu·
mas figuras de exceção, os missio- Com a Lei do Ventre Livre, o Bra-
nários estão presos nas malhas do sil da escravidão chega ao fim. Nas-
sistema colonial no seu labor junto ce um novo país, com a imigração
a:Js índios. Em relação aos índios há estrangeira, a vinda de colonos, in-
um imenso esforço de que o índio clusive de religião protestante. To-
seja substituído pelo africano como dos os antigos monopólios começam
escravo dos engenhos e das minas. a ruir. O monopólio étnico que só
Não há "aldeamento'' de escravos permitia a vinda de portugueses ao
onde a evangelização se desenrole em Brasil é já rompido em 1819 cJm a
liberdade. O escravo é substância do vinda dos primeiros imigrantes suí-
sistema de produção colonial e para ços para Nova Friburgo e em 1824
ele não há salvação. A própria Igre- com os primeiros alemães para São
ja renuncia a esta luta, condição para Leopoldo do Rio Grande do Sul. O
sua presença na sociedade colonial e monopólio do regime escravocrata,
entrega a tarefa de evangelização e com a introdução de grandes contin-
catequese do escravo ao próprio Se- gentes de mão de obra "livre" vinda
nhor. A religião torna-se um instru- da Europa, o monopólio rehgioso,
mento a mais nas mãos do senhor com a admissão de cidadãos de outro
para o funcionamento do sistema. credo e com leis que lhes facilitam,
Não houve evangelização e catequese a partir de 1863, registras de nasci-
dos negros escravos, a não ser como mento, casamento, e óbito, fora da
exceção, salvo na região das Minas Igreja Catóhca.
onde as irmandades de N. S. do Rosá- Na grande campanha pelo fim da
rio dos Pretos, de Santa Efigênia e escravidão desencadeada ao final da
de São Benedito, com suas Igrejas e guerra do Paraguai, são os liberais
cemitério, abriram um pequeno es- e não mais a Igreja que assumem a
paço próprio do negro escravo den- liderança do movimento. Abre-se as-
tro do sistema religioso. No restan- Sim um período em que é quebrada
te o sistema é apenas excludente, in- a hegemonia da Igreja católica em
clusive fisicamente. O escravo fica todos os planos e sua autoridade con-
de fora da igreja e "espia" a Missa. testada no parlamento, no Conselho
Quanto ao grupo responsável pela de Estado, na imprensa e nas acade-
missão, podemos dizer que neste pri- mias. O Concílio Vaticano I, com o
meiro período. a espinha dorsal da dogma da infalibilidade pontifícia e
atividade da Igreja são as ordens re- da jurisdição ordinára do Papa sobre
ligiosas: franciscanos, jesuítas, bene- a Igreja universal, seguido logo de-
ditinos, carmelitas, mercedários, ora- pois no Brasil, da questão religiosa,
torianos, com ênfase especial para aproxima os Bispos do Brasil de Ro-
com os jesuítas no trabalho junto aos ma, colocando-os ao mesmo tempo
indígenas, até sua expulsão em 1758. em choque com as elites em ascen-
Sem trabalho missionário maior ins- são e com o Governo. :f: abalada, com
talam-se nas principais cidades os a prisão dos bispos, a secular alian-
beneditinos. ça e união entre a Igreja e o Estado.
O Rei, através do Padroado é o O período pode ser dividido em
responsável primeiro pela organiza- três momentos:
ção da atividade missionária e da ad- 1871-1889 -Conflitos entre a Igre-
ministração da Igreja colonial. Roma ja e a sociedade civil e o Estado. Ul-
não mantém quase nenhum contato tramontanismo na Igreja e liberalis-
com a igreja colonial, situação que mo e positivismo na sociedade. Con-
não muda com a independência. Só flito com a maçonaria. Choque com
mesmo na segunda metade do século o protestantismo de origem norte-
XIX, como os bispos reformadores, americana. Intensa imigração para o
o Concílio Vaticano I e finalmente sul do pais.
a separação entre _a Igreja e o Es- 1890-1915 - Separação entre a
tado, Roma terá um lugar chave na Igreja e o Estado. Reatamento em
história da Igreja no Brasil. profundidade em Roma, que passa a

5 - ·
reorganizar a Igreja no Brasil. Vin- resistência à penetração capitalista
da de dezenas de ordens religiosas no campo, à entrada do novo catoli-
masculinas da Europa e de uma cen- cismo romanizado e dirigido por fra-
tena de ordens femininas. Realização des estrangeiros, uma forma de afir-
em Roma do Concílio Plenário La- mação da cultura rústica do sertão e
tino-Americano que substitui as Cons- do interior à cultura europeizada do
tituições Primeiras do Arcebispado da litoral. Reação do catolicismo de
Bahia. O período de reordenamento base mais doméstica, leiga ao cato-
jurídico-institucional e pastoral é licismo mais clerical e sacramental.
completado com a publicação da Pas- O nascente operariado das cidades
toral Coletiva do Episcopado B'rasi- recrutado entre os imigrantes espa-
leiro, em 1915. nhóis e italianos está ligado ao anar-
1916-1930 - A guerra interrompe co-sindicalismo e mais tarde aos vá·
o fluxo imigratório, suspende a vin· rios matizes do socialismo. A classe
da de missionários e irmãs da Euro- média em ascensão através dos estu-
pa, obriga a Igreja a procurar seus dos, assim como os filhos dos proprie-
caminhos. Pastoral de Dom Leme de tários rurais enchem os colégios de
1916. Através de Jackson de Figuei- padres e freiras. A estratégia confir-
redo, do Centro Dom Vital e da Re- mada da Igreja é conquistar e for-
vista Ordem, o catolicismo reaparece mar a elite para que esta, por sua
militante (militância reacionária, con- vez, formasse o povo. A concorrên-
servadora) nos meios intelectuais e cia com os protestantes no campo
se restaura a pertinência da religião educacional e intelectual faz-se mui-
com a vida da sociedade no campo to viva. É um período extremamen-
social e político. A classe operária, te polêmico e de intolerânâcia mútua.
sob a direção do anarco-sindicalismo A grande estratégia da Igreja em
busca obter melhores salários, me- relação à sociedade e seu maior in-
lhores condições de trabalho, o direi- vestimento humano e material é em
to de associar-se e negociações cole- Escolas Secundárias.
tivas de contratos de trabalho. Seus O povo, em geral, permanece tradi-
folhetins são anticlericais. No RGS cionalmente católico. Os Bispos des-
são criados os Círculos Operários Ca- confiam, porém, deste catolicismo,
tólicos. A Igreja tenta, sem sucesso, que lhes parece supersticioso, cheio
durante a reforma constitucional de de ignorância religiosa, pouco doutri-
1926, negociar com o Estado laico. nal e muito mais devocional. Ten-
sua reinserção na área pública da tam trazer sob controle a religião
nação, reivindicando o direito de ca- tradicional suprimindo a autonomia
tequese e ensino religioso na rede dos leigos nas irmandades, confrarias
oficial de ensino, o serviço religioso e ordens terceiras e entregando os
às Forças Armadas, o valor civil do centros de devoção popular, os san-
casamento religioso. tuários dos Bom Jesus e das muitas
Em relação à Sociedade em geral, Virgens, à direção de congregações
a Igreja lança sólidas bases no mun- estrangeiras para que "erradicassem
do rural nascido das colônias de imi- os abusos" da devoção popular.
grantes italianos, alemães e polone- Noviciados e seminários recrutam
ses do sul, ao mesmo tempo em que suas vocações ou na Europa ou nas
perde suas bases tradicionais junto áreas de colonização européia no
à oligarquia rural e às elites ilustra- Brasil.
das das cidades, que se fazem libe- Dentro da Igreja, de 1871 até o
rais, positivistas e maçônicas. Há re- fim do século, a liderança está nas
sistência nas áreas populares do nor- mãos dos bispos e do clero secular, o
deste, de Minas e do sul ao novo único existente, quase inteiramente
estilo religioso, em ruptura com a brasileiro. Com a República a situa-
tradição lusa, e de raízes francesas ção muda rapidamente com o ingres-
e italianas. O Juazeiro do Pe. Cícero so de centenas de religiosos das or·
no Ceará, Canudos na Bahia, o Con- dens tradicionais (beneditinos, fran-
testado em Santa Catarina e no Pa- ciscanos, capuchinhos, jesuítas) que
raná, representam ao mesmo tempo vão sendo "restauradas" por provín-

-6-
cias da Alemanha, Holanda, Itália, ciplina e pastoral ajustadas às ten-
França ou Espanha e das muitas con- dências de Roma e da Igreja uni-
gregações sobretudo voltadas para a versaL
educação. Pela primeira vez as mu-
lheres agrupadas em um centenar de 3. 0 período - 1931-1964
congregações femininas vindas da
Europa passam a desempenhar um pa- A revolução de 1930 decreta o fim
pel ativo e importante na vida da da hegemonia política da oligarquia
Igreja. No campo dos leigos, as ir- rural ligada à exportação do café.
mandades são substituídas por asso- Outras frações de classe da própria
ciações piedosas, de cunho estrita- oligarquia rural de outros estados, da
mente devocional e sob controle dos nascente burguesia industrial, seg·
párocos. As mais importantes são as mentos da classe média urbana, da
Congregações Marianas, Filhas de burocracia do Estado e das Forças Ar·
Maria, Apostolado da Oração. Os ho- madas assumem o poder. A Igreja
mens desertam a Igreja, que se torna até então excluída da ordem repu-
sobretudo comunidade de mulheres, blicana reivindica um lugar no novo
crianças e velhos. Há um afastamen- ordenamento jurídico-institucional
to deliberado da Igreja da vida na- firmado na constituição de 1934.
cional, no campo político, social, O período pode ser sub-dividido em
criando uma ruptura entre a religião três momentos:
e a realidade do país. No após-guer- 1930-1937 - Revolução e período
ra e sobretudo após 1922, a Igreja constitucional.
busca reatar com a sociedade global. 1937-1945 - Ditadura do Estado
Quanto ao Estado, com a Repúbli- Novo.
ca, a Igreja é afastada de qualquer 1946-1964 -Período populista, de·
função pública e colocada no ostra· pois desenvolvimentista, sob a cons-
cismo. É proibido seu acesso ao sis- tituição liberal de 1946.
tema escolar oficial e às Forças Ar-
madas. O nome de Deus não aparece 1930-1937 - A Igreja torna-se um
mais na constituição e as imagens dos elementos chaves da nova ordem
religiosas foram afastadas dos tribu- instaurada com a revolução de 1930.
nais, escolas e repartições públicas. Com a Constituição de 1934, todas as
"reivindicações católicas", ensino re-
O relacionamento com Roma torna- ligioso nas escolas públicas, assistên-
se estreito, mas conduzido num sen- cia religiosa às Forças Armadas, le·
tido de total subordinação da Igreja gislação familiar pautada pelos prin-
do Brasil à Santa Sé. O concílio Ple- cípios da Igreja, nome de Deus no
nário Latino Americano consolida preâmbulo da Constituição, são aten-
esta presença marcante da Santa Sé. didas. A proposta da Igreja de pre-
Em 1905 é criado, na pessoa do Arce- servação do pluralismo sindical, para
bispo do Rio, Dom Arcoverde, o pri- que pudesse continuar atuando no
meiro cardeal da América Latina. seio da classe operária nascente, é
Isto é visto como triunfo da diplo- consagrada no texto constitucional.
macia brasileira. O país, apesar dos O instrumento de ação política da
protestos de positivistas, maçons, li· Igreja não é um partido. mas a LEC
berais e protestantes, mantém sua le- (Liga Eleitoral Católica), poderoso
gação junto à Santa Sé, elevando-a grupo de pressão, que recomendava
posteriormente a nível de Embaixada. aos eleitores os candidatos de qual·
No Rio, Dom Leme, que substitui quer partido. desde que comprometi-
o Cardeal já enfermo, torna-se o polo dos com a · defesa das "reivindica-
da unidade da Igreja. ções'' da Igreja. Com a Carta de 34,
As reuniões trienais dos bispados embora seja mantida a separação en-
da província meridional e da provín- tre a Igreja e o Estado, firma-se en-
cia setentrional do Brasil, que se su· tre ambos um novo pacto de ampla
cedem após o Concílio Plenário de cooperação.
Roma, criam uma certa unidade na No campo social e religioso a Igre-
Igreja do Brasil baseada na nova dis- ja inaugura uma nova estratégia, que

7 -
se apoia na mobilização dos leigos na bém em Roma, inaugura-se o Ponti·
Ação Católica e não apenas no es- fíc1o Colégio Pio Brasileiro, que se
treito grupo de padres e religiosos. destaca do Pio Latino-Americano, no
Sob o impulso de Dom Sebastião Le- ano de 1934.
me, arcebispo do Rio de Janeiro e 1946-1964 - O fato mais saliente
Cardeal desde 1930, figura chave de na missão da Igreja no seio da so·
todo o período, adota-se o modelo da ciedade é o reforço da presença dos
Ação Católica Italiana, precomzado leigos no apostolado. Deixa-se o mo-
por Pio XI. delo italiano da Ação Católica, com
No embate ideológico da década de raízes paroquiais pelo modelo belga-
30, as simpatias de amplos setores francês, voltado para a evangelização
da Igreja vão para o Integralismo, dos diferentes "meios" da sociedade:
formando a Igreja peça importante o operário, o estudantil, o universitá-
no jogo contra o socialismo. rio, o agrário, o profissional-liberal.
1937-1945 - Com o Estado Novo, Cada um dos movimentos da Ação
caem da nova carta outorgada a 10 Católica Especializada, JOC. JUC,
de novembro de 1937, boa parte dos JAC, JEC terá uma coorde11ação na-
"prmcípios católicos" inseridos na de cional.
1934. Getúlio Vargas apressa-se, en- Esta experiência dos leigos irá ins-
tretanto, a assegurar ao Cardeal Le- pirar a criação de um organismo se-
me, que, na prática, nada mudaria melhante para o episcopado que su-
nas relações entre a Igreja e o Es- perasse o isolamento das dioceses en-
tado. De fato, embora fosse supri- tre si. Começa a funcionar em 1952,
mida da nova Constituição a assis- com sede no Rio de Janeiro, a Con-
tência religiosa às Forças Armadas, é ferência Nacional dos Bispos do Bra-
neste período que esta será organi- sil. Em 1955, a experi ência brasilei-
zada para a Força Expedicionária ra influencia a criação do CELAM,
Brasileira. Retorna-se, no que tange Conselho Episcopal Latino-Ameri-
às relações entre o Estado e a Igreja cano.
à formulação da Constituição de A partir de 1946, com o novo cli-
1891: "é vedado ao Estado estabele- ma de liberdade, as mudanças ocor-
cer e subvencionar o exercício de ridas na economia, com a industria-
cultos religiosos", eliminando-se a lização dos anos anteriores e a cres-
cláusula de 1934: "sem prejuízo de cente urbanizaçã o do país, aumenta
colaboração recíproca", que abria o clima de concorrência religiosa ,
muitas portas. com a Igreja Católica em disputa
Apesar da supressão da cláusula, o com o espiritismo o protestantismo
Governo terá participação decisiva, pentecostal e os cultos afro-brasilei-
inclusive financeira, na implantação ros no seio das camadas populares.
da primeira Universidade Católica, Na década de 60. a Igreja comprome-
em 1941, no Rio de Janeiro. O mes- te-se com movim"nt"s de Educação
mo se diga em relação aos sindicatos. popular (Movimento de Educação de
Suprime-se o pluralismo sindical da Base) e com o sindicalismo rural, es-
carta de 34 em favor do corporati- timulada também pelo Governo para
vismo controlado de perto pelo Esta- concorrer com ns Lig1s Camn1nesas
do. O mesmo Estado favorece entre- de Francisco Julião no Nordeste.
tanto o desenvolvimento da organi- No campo ideológico, torna-se viva
zação dos meios operários ligados à novamente a controvérsia socialista,
Igreja através dos Círculos Operários. sobretudo após o sucesso da revolu-
Com relação a Roma intensifica-se ção cubana, em 1959. Pela primeira
sua presença e controle ao mesmo vez na história da Igreja Brasileira,
tempo em que se reforça a coorde- pequenos setores, de extração univer-
nação da Igreja do Brasil, ao realizar- sitária, definem-se em favor do so-
se o I Concílio Plenário Brasileiro cialismo. As encíclicas do Papa João
em 1939, com normas que substituem XXlli no campo social, a Mater et
as do Concílio Plenário Latino-Ame- Magistra e a Pacem in Terris, reper-
ricano e as da Pastoral de 1915. Tam- cutem intensamente no país, dentro

-8-
e fora da Igreja. Em 1963, define-se MEB, por causa da política salarial
a Igreja em favor das "reformas de e do "desenvolvimento sem justiça",
base" do Governo João Goulart. agravaram-se depois de 1968, com a
As relações entre o Governo e a prisão e expulsão de inúmeros pa-
Santa Sé são excelentes e a colabo- dres, processos contra bispos, insta-
ração entre a Igreja e o Estado atin- lação da tortura de modo generaliza-
ge níveis até então desconhecidos, do, levando a Igreja a uma virtual
seja na Amazônia, no quadro das ruptura com o regime.
missões, seja no Nordeste, com a fun- Internamente a Igreja passou por
dação da SUDENE, à raiz de encon- muitas crises, na aplicação dos de-
tros entre técnicos governamentais e cretos e conclusões do concílio, de
bispos da região, seja através do fi- Medellin e das encíclicas papais.
nanciamento dos programas de edu- Houve resistência popular às mudan-
cação de base e de ajuda às escolas ças bruscas na liturgia, na supressão
e universidades católicas. A Igreja de devoções tradicionais, ao mesmo
consegue, em 1961, a aprovação da tempo em que através das comunida-
Lei de Diretrizes e Bases da Educa- des de base, da luta pela justiça e o
ção Nacional, no substitutivo Carlos serviço aos mais pobres, a Igreja ga-
Lacerda, bastante fa vorável à sua fi- nhava novo enraizamento em segmen-
losofia e a seus interesses. tos marginalizados da sociedade tan-
to do campo como da periferia das
A pedido da Santa Sé. a CNBB lan- cidades. A Ação Católica, esteio da
ça o seu Plano de Emergência que ação da Igreja em todo o período an-
visa introduzir o planejamento na terior, foi praticamente extinta pela
Igreja e criar um esforço global em ação conjugada do Estado, de elemen-
torno de algumas metas. tos conservadores dentro da Igreja,
Em 1962, tem início o Concílio Va- pela desagregação e desarticulação
ticano II, que acarretaria mudanças interna dos próprios mov1mentos.
profundas tanto na doutrina, como Neste período de crise e de mudan-
na organização e atitudes da Igreja ça centenas de padres e religiosas dei-
Católica universal, com evidentes re- xaram o ministério. inconformados
percussões no Brasil. alguns com as mudanças introduzi-
das, desencantados outros com a len-
tidão em que a renovação se proces-
4. 0 Perfodo - 1964-1978 sava, incaoazes outros de se situar
tanto na dinâmica da Igreja como do
Os fatos mais salientes são, no pla- mundo em que passaram a viver.
no da Igreja, o final do Concílio Va- A CNBB passa por várias fases, de
ticano II com a aprovação da Consti- quase inérci ~ e burocratização ao ser
tuição "A Igreja no mundo de hoje'', substituído Dom Helder Câmara pelo
a Encíclica "Populorum Progressio" Arcebispo Dom Agnello Rossi, de
do Papa Paulo VI e a II Conferência novo impuls1 a nartir dos anos 70,
Geral do Episcopado Latino-America- quando na reunião de Brasília, esta
no, em 1968, em Medellin, na Colôm- assume pela primeira vez a respon-
bia. No plano político, a mudança sabilidade de denunciar ao país a
maior deu-se com a revolução de ocorrência sistemática de torturas nos
1964, com a política econômica de aparelhos de repressão do regime .
total abertura do país ao capital es- Os regionais da CNBB, treze ao t odo,
trangeiro, de acumulação rápida do ganham maior autonomia e elaboram
capital via compressão salarial e con- uma ação e estratégia adaptadas aos
centração da renda nas mãos de pou- problemas de cada região: no Nor-
cos. liquidação política e por vezes deste tornou-se muito viva a denún-
física da op :>sição, sobretudo após a cia das c:mdições de miséria da po-
instauração do Estado de arbítrio pulação, agravadas pela política go-
com o Ato Institucional n.0 5. Os vernamental de industrialização ace·
conflitos entre a Igreja e o Estado lerada e de descaso para com a agri-
por causa da prisão de militantes da cultura, a denúncia do modelo de
Ação Catóilca, de colaboradores do concentração da renda e do acentuar-

- 9
se dos desequilíbrios regionais; na cia a um dos períodos mais trágicos
Amazônia e no Centro-Oeste a crítica da história do país.
dirigiu-se mais à ocupação indiscri- Na esteira do Concilio, ganhou cor-
minada da Amazônia pelas multina- po o ecumenismo e a colaboração no
cionais e por latifundiários do sul do campo social e dos direitos humanos
país, com expulsão de posseiros, ex- entre a Igreja Católica e muitas das
ploração de peões, massacre de indí- Igrejas evangélicas. Houve pela pri-
genas e expoliação de suas terras. O meira vez abertura para um encon-
CIMI (Conselho Indigenista Missioná- tro ainda incipiente com os cultos
rio) veio dar grande alento a esta afro-brasileiros e a religiosidade po-
luta pelo índio, pela sua cultura e pular começa a ser encarada com se-
sobretudo pela sua terra, como pres- riedade e não apenas combatida.
suposto para sua sobrevivência. A atitude agressiva do Estado em
Em São Paulo a ação da Igrej a relação à situação da Igreja reduziu
destacou-se pelo dinamismo de sua ou deixou em segundo plano as di-
Comissão Justiça e Paz, sua posição vergências internas que não são de
firme contra as torturas e em fa vor pequena monta. Enquanto grupos da
dos direitos humanos, a mobilização Igreja tom am decidida oução por
das periferias e sua ação comum com uma pastoral popular, pela defesa dos
intelectuais, imprensa, universidade direitos humanos, pela atuação social
e sindicatos para uma mudança do c política da Igreja, crescem os mo·
regime atual e a conquista do Estado vimentos de grupos voltados par.a um
de Direito. espiritualismo radical e sem articula-
A Igreja passou a formar , no país, çã o com a realidade social e políti-
parte de um grande arco, unindo sin- ca, como grupos do Espírito Santo,
dicatos de trabalhadores, imprensa, r enovação carismática, e até certo
Ordem dos Advogados, movimentos ponto os T .L .C. (Treinamento de Li-
pela anistia, Associações de classe de derança Cristã para os jovens) e os
artistas, cientistas, professores uni- Cursilhos de Cristandade .
versitários que se posicionaram con- No conflito entre a Igreja e o Es·
tra o regime. tado, o Estado procurou apoio na
Alguns documentos da Igreja, como nuncia tura e na Santa Sé, no sentido
"Ouvi os clamores do meu povo", so- de conter internamente a Igreja, ten-
bre a situação das populações do do obtido certo sucesso, por exem-
Nordeste, "Uma Igreja na Amazônia plo, as recentes nomeações; ao epis-
em conflito com o latifúndio e a mar- copado de linha marcadamente con·
ginalização social", "Y-Juca Pirama, servadora ou moderada, na limitação
o fndio, aquele que deve morrer" , da ação internacional do Arcebispo
sobre a situação dos índios, "Não de Olinda e Recife, Dom Helder Câ-
oprimas teu irmão", a propósito da mara. A Santa Sé interveio também
morte de W1admir Herzog em São diretamente para forçar a CNBB a
Paulo, "Comunicação pastoral ao suspend er seu patrocínio às Jornadas
povo de Deus", por ocasião das mor- Internacionais por uma Sociedade su-
tes do Pe. Rudolfo Lukenbein e Pe. perando as dominações.
João Bosco ~nido Burnier e seqües- Na preparação da m Conferência
tro do bispo Dom Hipólito, "Exigên- · Geral do Episcopado Latino-Ameri-
cias cristãs de uma ordem política'', cano em Puebla no México, os gru-
sobre a participação do povo na po- pos mais conservadores do CELAM
lítica. a lei de Segurança Nacional e vêm obtendo ativo apoio do Cardeal
o Estado de Direito, "Violência con- Dom Sebastião Baggio, presidente da
tra os humildes". da Igreja de São Comissão da América Latina, no sen-
Paulo contra a violência polici al. fi- tido de se evitar um segundo Me-
carão como marcos de uma resistên- dellin.

-10-
História do Protestantismo
no Brasil
Cronologia dos principais even-
tos e ocorrências que marcaram
o desenvolvimento das Igrejas
Protestantes a partir de 1930.

Zwinglio M. Dias

Objetivos expressões religiosas desenvolvidas


no contexto norte-americano às con-
Mais do que uma narração dos dições brasileiras. Na medida em que
acontecimentos marcantes que confi- o Protestantismo. na maior parte de
guraram a história do Protestantismo suas expressões, permaneceu (e per-
no Brasil este trabalho tem por es- manece) como uma manifestação
copo a apresentação dos fatos mais brasileira do Protestantismo norte-
salientes que caracterizaram a pre- americano a explicitação de suas ca-
sença protestante em nossa socieda- racterísticas básicas em relação às
de dentro de um marco interpretati- ''mother-churches" torna-se necessá-
vo que conjugue o surgimento e de- ria para dilucidar suas formas de in-
s0nv:Jlvimento das Igrejas protestan- teração (e/ou de negação) dos ele-
tes c:Jm a problemática sócio-cultu- mentos sócio-culturais e político-ideo-
ral e político-econõmica da realidade lógicos da realidade brasileira. Ou,
brasileira. Trata-se, portanto, de um mais precisamente, dos setores da so-
esforço de interpretação do significa- ciedade brasileira aos quais o Pro-
do e do direcionamento da contribui- testantismo preferencialmente se di-
ção dada pelo Protestantismo à for- rigiu.
mação, ou melhor, à reformulação do Parece-nos que é a partir daí que
universo simbólico brasileiro. poderemos compreender as formas
Fundamentalmente este trabalho de relacionamento do Protestantismo
procurará tratar o fenômeno religioso com a realidade brasileira e verificar
representado pelo Protestantismo no que tipos de respostas o Protestan-
contexto da sociedade brasileira des- tismo tem apresentado às contradi-
de a perspectiva da própria socieda- ções existentes no bojo da sociedade
de. Ou seja, como a sociedade nas e aos problemas enfrentados pelo
suas diferentes conjunturas históri- homem brasileiro.
cas e a partir dos interesses e/ou ne- De modo geral o trabalho procura-
cessidades de seus diferentes setores rá responder à algumas interrogações
reagiu, acolhendo ou rejeitando, a que hoje se fazem todos aqueles
proposta religioso-ideológica repre- preocupados com o futuro do Pro-
sentada pelo Protestantismo. testantismo entre nós, face principal-
mente às formidáveis transformações
sofridas pela Igreja Católica nos úl-
Método timos anos e que parecem tê-la le-
vado a uma posição de superioridade
Um tal tratamento da história do em relação às Igrejas Protestantes
Protestantismo entre nós requer uma na medida em que se voltou decidi-
análise do processo de adaptação das damente para os reais problemas do

-11-
homem brasileiro. Tais questões que que o recebeu. Embora sujeitos a
detalhamos à continuação servirão modificação cremos que esta disposi-
como linha de orientação e recebe- ção do trabalho nos permitirá equa-
rão respostas globais no decorrer de cionar de forma razoável os diferen-
todo o trabalho. São as segui!,tes: tes aspectos do relacionamento do
Protestantismo com a realidade bra-
a - O Protestantismo tradicional sileira de modo a oferecer-nos uma
representou uma versão religiosa de visão crítica de sua história:
uma prática social desenvolvida nas
sociedades de onde se originou. Como I - História do Protestantismo bra-
tal não teria condições de responder sileiro
às características da realidade social
brasileira. Ora, se estas afirmações 1. Marco de Interpretação
são verdadeiras como explicar o fato
de setores importantes da sociedade 1.1 - A multiformidade do Pro-
brasileira terem abraçado o Protes- testantismo como fenômeno religioso
tantismo?
1 .2 - Sobre a análise do fenô-
b - Tem ainda o Protestantismo meno
a possibilidade histórica de exercer
um papel social significativo depois 2. O Protestantismo histórico
das profundas mudanças experimen-
tadas pela sociedade brasileira à par- 2.1 - Os períodos da penetração
tir de 1930? misfionária e do surgimento de no-
vas Igrejas
c - O desenvolvimento capitalista
brasileiro é devedor de uma contri- 2 . 2 - Elementos do ethos eclesio-
buição protestante significativa? lógico do Protestantismo tradicional
d - A estagnação numérica do 2. 3 - O modelo tradicional da
Protestantismo tradicional é eviden- prática pastoral protestante
te e tem alarmado algumas de suas
Igrejas. Por ouro lado verifica-se 2 .3 . 1 - Ponto de partida teóri-
uma enorme expansão do chamado co
"Protestantismo do Espírito" (Leo-
nard) representado tanto pelas Igre- 2. 3 . 2 - A estrutura geral da
jas pentecostais como pelos movimen- prática comunitária tra-
tos carismáticos que partem precisa- dicional
mente do interior das igrejas tradi-
cionais. Que fatores estão na base 3. O Pentecostalismo
destes fenômenos?
4 . Protestanti-smo e sociedade
e - ~ ainda possível e plausível brasileira: contribuição ideológica e
esperar-se uma renovação eclesiológi- rejeição cultural
ca significativa do Protestantismo
que o torne mais comprometido com 3 .1 - Evangelho e ideologia: uma
a problemática fundamental do ho- con-fusão não intencional
mem brasileiro?
3. 2 - A função renovadora do
f - Que problemas e possibilida- Protestantismo na sociedade
des tornam a renovação da Pastoral
protestante viável ou inviável? 3 . 3 - Polêmica anti-católica e re-
jeição cultural
Uma posslvel estruturação temática
5. Conclusões
Adiantamos aqui alguns temas que
forçosamente deverão ser abordados II - Cronologia dos principais even·
de modo a revelar a imagem do Pro- tos da his"tória do Protestantis-
testantismo desde a ótica da sociedade mo a partir de 1930.

-12-
Pesquisas sobre Igreja e
Mudanças Sociais no Brasil
CRONOLOGIA DA IGREJA CATó-
LICA - 1930·1978

Riolancfo Ani --------------J


INTRODUÇÃO A primeira etapa pode ser desie-
nada mais espec1ficamente como a
Desde meados do século passado, e época da Reforma Católica (1). O
mais efetivamente a partir do Segun- que caracteriza esse período é a luta
do Reinado, foi implantado no Brasil aa Igreja Católica para conquistar
o movimento de Reforma Católica, maior autonomia na área reugiosa.
que visava substituir o antigo mode- Essa luta em prol dos direitos ecle·
lo de Igreja-Cristandade, vigente no siásticos é designada pelo episcopado
período colonial, pelo modelo de como "luta pela liberdade da Igre-
Igreja-Hierárquica, inspirado no Con- ja". Não obstante, desvinculada das
cílio Tridentino. Esse movimento foi malhas do Padroado em 1890, a hie-
firmemente amparado pela Santa Sé. rarquia católica sentiu profundamen·
Pode-se assim caracterizar o período te a perda dos privilégios religiosos
que se inicia com o movimento dos adquiridos desde a época colonial,
bi~pos reformadores como a fase da diante da Constituição de 1891. Por
romanização da Igreja do Brasil. isso, nas três primeiras décadas da
Como possíveis limites cronológicos era republicana a Igreja Católica
desse período, poder-se-ia estabelecer manteve uma atitude de reticência
como marco inicial o ano de 1844, com relação ao poder político. rejei-
data da nomeação de D. Antônio Fer- tando quer as idéias liberais, favorá-
reira Viçoso para bispo de Mariana, veis ao estado leigo, quer as idéias
e como término o ano de 1962, data positivistas, por serem consideradas
do lançamento do Plano de Emergên- oriundas de uma seita religiosa.
cia da C.N .B.B. D. Viçoso é sem Convém assinalar também que a
dúvida o principal promotor do mo- partir da época imperial, embora o
vimento de reforma da Igreja do catolicismo continuasse a ser manti •
Brasil, e seu episcopado a partir de do como a religião oficial, foi tole-
1844 é altamente significativo nesse rada a presença de outras denomina-
período. Por sua vez, é em 1962 que ções religiosas cristãs. Era esta uma
pela primeira vez o episcopado bra- exigência do próprio movimento mi-
sileiro elabora um plano de pastoral gratório favorecido pelo governo. A
que se destinava a dar um rumo novo Igreja Católica, por sua vez, forta-
à Igreja do Brasil, já agora à luz do leceu nesse período o espírito apolo-
Concílio Vaticano n que então se ini- gético contra a presença de outros
ciava. credos religiosos no país.
Desse modo, pelo espaço de cerca A partir dos anos 20, temendo um
de 120 anos o catolicismo brasileiro possível avanço nas idéias socialistas,
viveu sob o modelo da Igreja Triden- a Igreja decidiu aliar-se de novo ao
tina, sob a inspiração e a orientação poder estabelecido. Essa nova etapa,
da Santa Sé. que abrange quatro décadas, pode ser
Esse período teve duas grandes designado mais adequadamente como
etapas: a primeira de 1844 a 1921; a Restauração Católica (2). Nessa face,
segunda de 1921 a 1962. embora continuando a preocupar-se

13-
com a sua reforma interna, a Igreja Um dos fatos mais significativos
Católica procurou afirmar-se dentro da atual fase é que, pela primeira
da sociedade brasileira. Em suma, a vez na história do Brasil, a hierar-
hierarquia católica quer de novo ser quia católica começa a renunciar a
elevada a sua posição de orientadora seu tradicional papel de sustentáculo
da vida religiosa do país. Para isso do poder político e da ordem social
o episco'lado espera poder contar com vigente para colocar-se numa atitu·
a colaboração do poder civil, ofere- de de crítica do poder político e tam-
cendo de sua parte o prestígio reli- bém como propugnadora de uma mu-
gioso para a manutenção da ordem dança de ordem social, pelo reconhe-
social. cimento das injustiças do atual sis-
Essa colaboração com o poder po- tema vigente no país.
lítico se mantem numa linha declara-
damente conservadora em matéria de CRONOLOGIA DA Dlf!CADA
mudança social até os anos 50. Nessa 1920-1930
última década começam a surgir den-
tro do Igreja Católica grupos de bis- Devendo a nova pesquisa ter como
pos, padres e leigos que passam a início o ano de 1930, convém apre-
propugnar uma atitude favorável a sentar alguns dados cronológicos da
reformas sociais, evitando assim que década 1920-1930, que permitem já
os solicialistas e comunistas pudes- vislumbrar a nova técnica dessa fase
sem reinvindicar para si essa bandei- de Restauração Católica.
ra. A atitude reformista do episcopa-
do, porém, é sempre entendida den- 1921
tro de uma linha de colaboração com
o poder constituído, como ficou ex- Fundação da revista Ordem, sob a
plicitamente evidenciado no governo direção de Jackson de Figueiredo.
de Juscelino Kubitschek. Fevereiro, 24. D. Sebastião Leme,
Finalmente, a celebração do Con- arcebispo de Olinda, recebe telegra-
cílio Vaticano II e da Segunda As- ma da Nunciatura Apostólica comu-
sembléia Geral do Episcopado Latino nicando sua nomeação para arcebis-
Americano em Medellin na década de po coadjutor do Rio de Janeiro.
60 abrem um novo período para a Julho. D. Sebastião Leme chega ao
Igreja Católica do Brasil. Essa nova Rio de Janeiro.
fase vem sendo conhecida como a Novembro, 21. Transferência de D.
época da Renovação Pastoral. En- Antônio dos Santos Cabral. bispo de
quanto na fase da Reforma a Igreja Natal, para a diocese de Belo Hori-
Católica estava mais preocupada zonte.
com a sua vida interna e com a de-
fesa da ortodoxia da fé, na nova fase 1922
recentemente iniciada a orientação
básica é o problema de sua atuação Fundação do Centro Dom Vital.
junto ao povo, em sua missão de Abril, 22. O arcebispo D. Leme
evangelização e promoção humana. desfila num carro ao lado do presi-
O que caracteriza o início dessa nova dente Epitácio Pessoa, no Rio de Ja-
fase é o esforço em substituir o mo- neiro.
delo de Igreja-hierárquica ou triden- Setembro, 26 a 30. Celebração do
tina pelo modelo de Igreja-Povo de Congresso Eucarístico do Rio de Ja-
Deus, propugnado pelo Vaticano II, neiro, em comemoração do Centená-
abrindo perspectivas para uma maior rio da Independência.
participação das classes populares. Outubro, 4. Lançamento da 1.a pe-
Enquanto no modelo tridentino pre- dra do monumento ao Cristo Reden-
dominava o elemento clerical, no tor, no alto do Corcovado.
novo modelo o elemento leigo passa Dezembro, 28. Fundação da Con-
a ter voz ativa e atuante. Daí a ten- federação Católica do Rio de Janei-
dência à formação das chamadas co- ro, por D. Leme. reunindo as Ass ,
munidades eclesiais de base. ciações Católicas da arquidiocese.

14-
1923 1927
Celebra-se no Rio de Janeiro um Abril. D. Leme viaja para a Eu-
Congresso do Apostolado da Oração, ropa por motivos de saúde, regres-
em comemoração do centenário das sand:> em julho.
Aparições de Paray-le-Monial. Abril, 24. O presidente de Minas,
Junho . 14. D. Leme publica o li- Antônio Carlos de Andrada, visita
vro Ação Católica. Mariana a convite do arcebispo D.
Helvécio Gomes de Oliveira.
1924
1928
Fevereir:>, 1. D. Antônio dos San-
tos Cabral é nomeado arcebispo da Agosto, 15. Alceu de Amoroso Li-
arquidiocese de Belo Horizonte, re- ma, recém convertido ao catolicismo,
centemente criada. recebe a comunhão das mãos do Pe.
Maio, 3. Celebração da Páscoa dos Leonel Franca.
militares no Rio de Janeiro, por oca- Setembro, 1 a 6. Celebra-se o 1. 0
sião das festas do Jubileu do Car- congresso catequístico em Belo Hori-
deal Arcoverde. zonte.
Maio, 4. O presidente da Repúbli- Setembro, 6. Em nome do gover-
ca, Artur Bernardes, visita o cardeal no do Estado de Minas Gerais, o se-
Arcoverde no palácio da diocese. cretário do interior Francisco Cam-
Maio, 5. Banquete oferecido pelo pos autoriza o ensino do catecismo
Itamarati ao episcopado brasileiro nas escolas.
pelo jubileu do cardeal Arcoverde. Outubro, 7 a 22. Celebra-se no Rio
com discurso do ministro das rela- de Janeiro a Semana Social da Ação
ções exteriores Félix Pacheco. Católica.
Novembro, 4. Morte de Jackson de
1925 Figueiredo.
Novembro, 5. Primeiro encontro
Celebra-se no Rio de Janeiro a se- de D. Leme com Alceu de Amoroso
mana do catecismo. Lima.
O Jornal do Comércio publica um
amplo volume ricamente ilustrado so- 1929
bre a atuação da Igreja Católica no
Brasil, comemorativa do ano santo, D. Leme funda a Ação Universitá-
Jubileu de 1925. A edição é do dia ria Católica (A. U. C.), movimento
1.0 de janeiro. que prepara a criação da Ação Ca-
Janeiro. 25. IDm banquete ofereci- tólica.
do em Juiz de Fora ao primeiro bis- Outubro, 12. O presidente de Mi-
po da diocese D. Justino J . de San- nas, Antônio Carlos de Andrada, as-
tana, o senador Antônio Caros de An- sina o decreto de sanção da lei que
drada destaca o papel da fé católica autoriza o ensino religioso nas es-
como sustentáculo da ordem política colas.
e social.
1930
1926 Abril. Morte do cardeal Arco-
Celebra-se no Rio de Janeiro a se- verde.
mana missionária. Junho, 5. D. Leme recebe a no-
Setembro, 7. Antônio Carlos de tícia de sua nomeação cardinalícia.
Andrada toma posse do governo de Julho, 2 e 3. D. Leme recebe o
Minas com a presença do episcopado chapéu cardinalício das mãos de Pio
mineiro em peso, reunido em Belo XI em Roma.
Horizonte por expresso convite do Outubro. O cardeal Leme regressa
novo Presidente do Estado. ao Brasil.

15-
Outubro, 24. O cardeal Leme jesuítas (Mensageiro do Coração de
acompanha o presidente da Repúbli- Jesus). A partir de 1941 destaca-se
ca Washington Luís, na saída do pa- em importância como fonte de infor·
lácio do governo, ao ser deposto pela mação da vida religiosa do país a
revolução. Revista Eclesiástica Brasileira (REB),
Novembro, 3. Tomada de posse de editada em Petrópolis.
Getúlio Vargas em nome do governo
revolucionário. CRONOLOGIA DE 1950 A 1975
ELABORAÇÃO DA CRONOLOGIA
A cronologia da Igreja Católica
DAS D~CADAS 1930-1950 nesse período já foi praticamente ela-
borada e publicada no segundo nú-
A partir dos anos 50 a Igreja Ca- mero da revista Religião e Sociedade
tólica do Brasil conta com dois gran- sob· o título: "A Igreja Católica no
des órgãos coordenadores de suas Brasil no período de 1950 a 1975.
atividades eclesiásticas: a Conferên- Relação cronológica de fatos, episó-
cia dos Bispos do Brasil (CNBB) fun- dios e declarações relevantes" (pp.
dada em 1952 e a Conferência dos 79-109).
Religiosos do Brasil (GRB) fundada
em 1954. Ambos os centros, com inú- Tal cronologia seria revista, com o
meras publicações e boletins, facili- acréscimo de alguns dados de maior
tam em grande parte a elaboração relevo que não tenham sido indicados
cronológica dos eventos eclesiásticos anteriormente.
dos anos posteriores. Para que as pesquisas viessem até
Para as décadas anteriores, as fon- os dias atuais, dever iam ainda ser
tes de informação religiosa não são incluídos dados cronológicos dos anos
tão abundantes. 1976, 1977 e 1978.
Por essa razão, a elaboração da
cronologia da Igreja Católica nas dé- CRONOLOGIA DA HISTóRIA DO
cadas compreendidas entre 1930 e BRASIL: 1930-1978
1950 será feita principalmente à base
de notícias publicadas em periódicos Os fatos, episódios e declarações
e revistas católicas desse tempo. mais relevantes serão organizados
As primeiras fontes para essa pes- cronologicamente a par tir de 1930
quisa serão portanto as publicações com dados a serem solicitados ao Se-
católicas, entre as quais se destacam tor de Documentação e Setor de Bi-
a revista Ordem, do Centro D. Vital, blioteca e Informação do Centro de
a revista Vo:zes, editada pelos fran- Pesquisa e Documentação de História
ciscanos de Petrópolis, a revista do Contemporânea do B'rasil - CPDOC,
Clero, editada pela arquidiocese do vinculado ao Instituto de Direito Pú-
Rio de Janeiro, a revis,t a do Aposto- blico e Ciência Política - INDIPO,
lado da Oração, editada pelos padres da Fundação Getúlio Vargas.

NOTAS 2. Azzl, Rio! ando O inicio da Restaura-


ção Católica · no Brasil (1920-1930)
1. Azzl R lolando O movimento de Re-
fornia Católica· durante o século XIX (l-II) , ln Sín t ese Politica Econômi·
ln Revista Ecleslãstlca Brasileira, vo!. ca Social 1977, n.o 10 e 11 , pp. 61-90
34, 1974, setembro, pp . 646-662 . e 73-102 .

- 16 -
Classe Social, Religião e
Ideologia Religiosa
Carlos Rodrigues Brandão

A pesquisa que eu estou realizan- e candomblé). Sobre hipóteses como


do no momento e sobre a qual falo as de Pierre Bourdieu (campo reli-
alguma coisa aqui foi sugerida por gioso) ou de Peter Berger (passagem
Duglas Teixeira Monteiro. Ele era do monopólio ao mercado religioso),
então meu orientador em um progra- e sobre discussões cada vez mais in-
ma de estudos de que um dos resul- sistentes a respeito dos usos políti-
tados poderia ser até mesmo uma cos da religião e dos usos religiosos
tese de doutoramento. Cheguei à da política, Duglas sugeriu com em-
casa dele um dia com a ameaça de penho uma pesquisa mais efetivamen-
uma pesquisa sobre catolidsmo po- te etnográfica e que procurasse in-
pular. Eu havia feito até então uma vestigar o seguinte:
pequena série de estudos sobre o qu e
chamava de rituais religiosos do ca- 1. 0 De que maneira se constitui
tolicismo popular. Eram estudos so- historicamente um campo religioso
bre "festas de santo" ou sobre al- - ou um setor especificamente reli-
guns modos coletivos de festejo e de gioso no interior da sociedade civil
devoção comuns no interior de Goiás, - em uma formação social?
como as Cavalhadas na Festa do Di- 2.° Como, em um momento atual
vino Espírito Santo; as Congadas em de relações inter e intra eclesiais, or-
Nossa Senhora do Rosário ou em São ganiza-se neste campo o sistema de
Benedito; as folias de Santos Reis ou trocas de alianças, de compromissos
do Divino. e assim por diante. Pen- mútuos, de concorrência e de oposi-
sava aproveitar os meus muitos me- ção: a) entre categorias de agentes
ses de trabalho de campo e de lei- religiosos e categorias de fiéis; b)
turas sobre o problema, para fazer entre tipos de agentes religiosos de
toda uma revisão crítica do assunto uma mesma área c:mfessional (cató-
e para tentar escrever alguma coisa lica, evangélica, mediúnica), de áreas
sobre a lógica do catolicismo popular, diferentes. de uma mesma religião,
sobretudo tal como ele existe em so- de religiões aparentemente aliadas
ciedades de economia ainda predomi- ou aparentemente antagônicas?
nantemente agrária. como as que eu
estivera estudand'l em Goiás até me 3. 0 Sob que condições e para que
mudar para São Paulo. tipos de usos cada um dos grupos re-
Duglas ouviu minhas idéias com ligiosos estudados produz e reproduz
ruidado. mas depois me ameaçou continuamente uma ideologia religio-
com coisa muito maior. Aceitei sem sa de que o núcleo é sempre uma es-
muita discussão . E•le me argumentou: pécie de estatuto ideológico de legiti-
1. 0 . que havia iá uma quantidade ra- midade? Como estas ideologias reli-
zoável de estudos feitos ou em anda- giosas operam na prática (por exem-
mento. sobre o catolicismo popular; plo como elas recortam simbolica-
2° qu~ já havia uma quantidade ini- mente o campo religioso separando-o
cial suficirnte de estudos sobre gru- de setores secularPs ou profanos da
pos ou sobre formas religiosas espe- sociedade; como dividem espaços d1
ríficas (catolicismo, protestantismo campo religioso e d~ aue man1>ira dis-
histórico, pentecostalismo, umbanda tribuem áreas confessionais, religiÕes ,

-17-
igrejas· e grupos intra-eclesiais den- vestigar de que maneira este jogo
tro dele; de que maneira defendem- efetivamente transporta para um se-
se de acusações de profanação reli- tor simbolicamente muito motivado
giosa - magia, feitiçaria, etc. - de da sociedade, o jogo mais profano
falso pnfetismo ou de burocratiza- dos interesses de classes e frações
ção do sagrado?). de classes sociais. Finalmente, outra
Ao formular estas primeiras idéias parte está dirigida a investgar o
eu começava a enfrentar alguns as- modo como os agentes de cada gru-
p_ectos ao · mesmo tempo delineadores po confessional participam do jogo
e desafiadores de minha pesquisa. político no interior do campo reli-
Em primeiro lugar ela abordaria to - gioso.
das e ao mesmo tempo nenhuma das Antes de haver começado a pes-
religiões ou igrejas presentes na so- quisa na cidade de Itapira, andei al-
ciedade escolhida para estudo. Em guns meses investigando o mundo
segundo lugar, ao estabelecer rela- religioso de Monte Mor, uma cidade
ções de determinação entre sujeitos, bastante menor e mais próxima a
grupos, interesses e trocas de outros Campinas, onde estou morando (ver
setores da sociedade sobre o da re- Religião e Sociedade n. 0 3: "O nú-
ligião, o que se propunha era, na ver- mero dos eleitos''). Um dos aspectos
dade, uma análise política de um se- que primeiro me chamaram a aten-
tor específico da própria sociedade. ção foi o fato de que as religiões e
Em terceiro lugar, ficava cada vez igrejas dali dividiam-se de acordo
mais Claro que esta análise política com um duplo recorte. O primeiro
(para a qual eu sempre me conside- era discursivamente ideológico, ou
rei um sujeito muito mal preparado) , seja, era a maneira como qualquer
envolvia uma discussão difícil sobre agente religioso (padre, pastor, pres-
as relações entre classe social e re- bítero ou médium) acreditava que o
ligião. Não se tratava mais de fa- mundo religioso local estava repar-
zer uma espécie de sociografia da tido:
classe na religião (que tipo de sujei-
to está em que grupo religioso), mas e catolicismo
de relacionar dialeticamente o jogo
politico das trocas de interesse, po- • protestantismo
der e determinação entre uma coisa • espiritismo
e a outra. ou, de modo mais esclarecido:
Bourdieu tem uma suposição que e católicos
poderia ser dita mais ou menos as-
sim: através do trabalho religioso de - Igreja Católica da Paróquia de
seu corpo especializado de agentes, Nossa Senhora do Patrocínio
a religião retira a sua força política e evangélicos
do tipo de leigos - tomados como - Igreja Luterana
sujeitos sociais, logo, como classe - - Igreja Presbiteriana
que consegue afiliar e manter pre-
ferencialmente no interior do seu es- - Igreja Batista
paço e sob o seu controle confessio- • evangélicos pentecostais
nal. Isto significa que em um domí- - Assembléia de Deus
nio de concorrência política passada - Assembléia de Deus do Macalão
dentro do setor religioso, cada grupo - Con g. Cristã do Brasil
confessional reproduz a força políti-
ca do seu laicato na mesma medida e espíritas
em que serve a ele reproduzindo for- - Centro Espírita
ça simbólica para a defesa de seus
projetas e interesses sociais. Parte A outra divisão, o outro recorte era
da minha pesquisa está dirigida a in- ocultamente sociológico, ou seja, ele
vestigar de que maneira ocorre o não estava presente no discurso dos
jogo do poder e da divisão do cam- agentes ou dos fiéis que, ou não
po religioso entre as agências religio- acreditavam ou não diziam que o seu
sas. Outra parte está dirigida a in- mundo religioso dividia-se entre es-

- 18
paços de crença e prática confessio- por sob aparências proclamadas de
nal eruditos e populares, acompa- diferenças radicais - tanto os sis-
nhando mais uma linha de classe do temas de crença como os de prática e
que de confissão. de usos de religião popular. Isto sig-
Fui para Itapira levando algum nifica que, se eu estou mais ou me-
aprendizado do que havia feito em nos certo, católicos populares (sujei-
Monte Mor. A própria mudança do tos, grupos e sistemas de crença e
"locus" da pesquisa foi determinado prática relativamente autônomos di·
pelo que comecei a suspeitar que ante do controle eclesiástico da Igre-
ocorria no mundo religioso. Enquan- ja católica); pentecostais populares
to Monte Mor era uma pacata cida- (agências não incluídas nas do pen-
dezinha de antiga colonização de ale· tecostalismo tradicional); mediúnicos
mães plantadores de batata, Itapira populares (agências corporadas ou
fica no meio de uma área paulista agentes autônomos de umbanda, de
em franca recapitalização agrária saravá, de quimbanda, de sortlégios
com os avanços da cana e de suas de cura e feitiçaria) fazem as mes-
usinas. Ali havia uma grande con- mas coisas. com base nos mesmos
centração de trabalhadores bóias- princípios de codificação de relações
frias, muitos deles migrantes de Mi- entre o homem e a divindade, sob as
nas Gerais. Eu esperava que o setor aparências de pr::>fessarem credos e
religioso do município acompanhasse praticarem rituais diferentes.
de perto a diferenciação social do lu- Todo o trabalho de campo da pes·
gar. E não deu outra coisa. Ao rei· quisa foi concluído e boa parte dele
niciar ali a minha pesquisa eu tinha já foi preparada para uso imediato.
então mais algumas idéias a inves- Estou agor11 em fase dP redação de
tigar. A primeira era a de que o um relatório que, em princípio está
campo religioso não incorpora ape- dividido em três partes: l.a) uma dis-
nas religiões eruditas ("dos afortu- cussão a respeito da formação social
nados", como queria Weber) e reli- escolhida como "locus'' de pesquisa
giões populares ("dos desgraçados", e, esuecificamente, a respeito da
segundo o mesmo Weber). Na wr· constituição de seu campo religioso;
dade o que o constituía eram os pró- 2.a) uma análise dos modos de orga-
prios processos de produção. repro- nização e de trocas políticas em cada
dução, alianças e oposições entre re- um e entre os grupos religiosos
ligiões populares (produzidas por atuais; 3.a) uma análise do que tenho
agentes recrutados entre as classes chamado aqui (e que tenho procura-
populares - subalternas - e consti- do definir melhor. como os próprios
tuídas através do recrutamento e da dados da pesquisa) de religião po·
força de fiéis das mesmas classes) e pular.
as religiões eruditas. Na verdade este A primeira parte está dividida em
campo religioso nunca está em equi· três capítulos. No primeiro procuro
líbrio e o que provoca o seu movi- apresentar Jtanira ao leitor. ressal-
mento é justamente a mobilidade das tando os modos como politicamente
religiões através dos seus espaços. constituíram-se os grupos econômi-
Mais tarde eu seria testemunha em cos e de poder quP fizE'ram a atual
Itapira de que sempre há religiões, configuração social do lugar. No se-
igrejas e movimentos confessionais gundo descrevo a constituição do
sendo criados; sempre há alguns de- campo religioso nos seus primeiros
les lutan do por passar de uma posi- tempos. No terceiro descrevo a for-
ção social (dentro do setor religioso) mação atual do mesmo campo, com
para a outra e sempre a variação de as modificações significativas dos
suas proclamações religiosas de um grupos religiosos anteriores (igrejas
estatuto de legitimidade acompanha católica e presbiterian a assim como
alguns passos atrás a trajetória polí- os centros E'spíritas) e com o ingres-
tica do grupo religioso, frente aos so de outros grupos (pentecostais,
outros. umbandistas e outros de influência
A segunda era a idéia de que ha· local ou regional). Talvez o mais im-
via uma certa lógica que regia - portante nesta primeira parte tenha

-19-
sido a constatação factual de que o com vários critérios que me parecem
mundo religioso brasileiro produz-se relevantes no caso: a classe de ori-
ao longo de relações de conflito . gem, o tipo de formação especiali-
aliança e novos conflitos entre reli- zante, o grau de autonomia ou de-
giões, suas igrejas, suas dissidências pendência diante de agências religio-
e seus grupos internos. Para ficar· sas locais, regionais ou nacionais,
mos apenas no caso católico, é evi- etc. No segundo procuro fazer a
dente em ltapira o fato de que o mesma coisa com os fiéis. Em pri-
ingresso politico da Igreja Católica meiro lugar procuro descrever como
representa um ato de invasão da re- diferentes modalidades de afiliação
ligião oficial sobre cerca de 120 anos qualificam tipos diferentes de sujei-
de prática do catolicismo popular dos tos religiosos segundo o grau de seus
camponeses caipiras que fundaram compromissos como os agentes e de
os bairros rurais da região e fizeram acordo com os atributos de seus usos
a sua primeira igreja, derrubada de- da religião (leigos, fiéis e clientes).
pois pelo primeiro coronel fazendei- Em segundo lugar procuro discutir
ro de café que faz uma grande igreja com:> cada categoria de leigos deter-
(e uma cadeia também) e traz o pri- mina a classe preferencial de afilia-
meiro padre para a cidade. Durante dos de um grupo religioso e, assim,
vários anos todo o confronto religio- o define dentro do campo. No ter-
so do município é entre o padre (re- ceiro capitulo procuro discutir as re·
ligiOso legítimo) e os agentes popula- lações políticas atuais entre grupos,
res do catolicismo (capelães, rezado- setores e áreas confessionais de !ta-
res, chefes de grupos rituais, ben- pira. Ai. mais do que em outros mo·
zedores, etc.) (religioso profanado). mentos, · estou atento à análise dos
Mais tarde o padre deixa os rezado- processos de aliança e concorrência
res caipiras mais em paz e se volta que operam em linha de confissão
contra invasores não-católicos (pres- (por exemplo, as relações entre os
biterianos e espíritas) e contra pro- vários grupos evangélicos) e em li·
fanadores católicos (um grupo que nha de classe (por exemplo, entre as
cria uma Igreja do Mãozinha. uma igrejas evangélicas eruditas e tradi-
Irmandade de Santo Antônio de Pá- cionais e as atuais e populares).
dua e mais tarde. a Igreja Católica A terceira parte também se divide
Apostólica Brasileira, fundada em em três capítulos e, ali, deixando de
Jtapira em 1913 por um padre dissi- lado as igrejas eruditas (paróquias
dente). Hoje em dia os enfrentamen· católicas, protestantismo presbiteria-
tQs da área católica são passados n') no e batista, centros espíritas, "povo
interior da própria igreja local e se- Nhambiquará, "umbanda de cima",
gundo os interesses e os pontos di- etc.), procuro refletir sobre como or-
vergentes dos padres e auxiliares lei- ganizam suas redes sociais e seus sis-
gos das quatro paróquias da cidade. temas de símbolos os grupos franca-
A segunda parte está dividida tam- mente populares (catolicismo dos
bém em três capítulos. No primeir:> camponeses. pentecostalismo de pe-
eu procuro analisar quem são os quenas seitas ou de cura divina, "um-
agentes religiosos cujo trabalho pro- banda de baixo" e saravá). Mas esta
duz ;:~s relações confessionais da so- é a parte ainda não trabalhada e fica
ciedade local. Separo-os de acordo para um próximo relatório.

-20-
Religião e Classe Operária:
um estudo de caso
Alvaro Dias Telhado

(I) PROBLEMA QUE SE PRETENDE


RESOLVER.

A problemática de nossa pesquisa


revolve em torno do papel desempe-
nhado pela :religião com respeito à
classe operária, num país em vias de
industrialização. O objetivo princi-
pal d:> nosso trabalho consiste na aná-
lise do significado do catolicismo
"em renovação" para as representa-
ções e atitudes de operários metalúr-
gicos, procedentes, em sua maioria,
de uma região social e religiosamen-
te tradicional. Propomo-nos exami-
nar as relações da ideologia religiosa
com a ideologia social, tais como se
expressam no meio operário. social do penamento religioso assen-
ta-se sobre os interesses, no sentido
A literatura sociológica sobre a re- de que existem certas situações de
ligião tem acentuado reiteradas vezes classe nas quais os indivíduos são
sua função de integração social. Es- mais receptivos a um determinado
tudos sobre religião e comportamen- pensamento religioso do que a outro.
to político e sindical de operários Em termos de pesquisa, vale muito
por ex., concluem pela relação entre iniciar a reflexão a partir dos estu-
conservadorismo e prática religiosa, d:>s de "imagens da sociedade", cuja
ou entre "voto de esquerda" e preocupação central é a natureza da
"ausência de prática" ou falta de percepção das desigualdades sociais
religião". Observou-se que, entre e da estratificação social. Na socie-
operários católicos, quanto mais re- dade industrial estratificada, os in-
gular é a sua prática religiosa, maior divíduos posicionados em diferentes
é a satisfação, e maior a aceitação classes sociais formarão diferentes re-
das estruturas sociais e econômicas presentações da estrutura social.
existentes. Para D. Lockwood, as origens das
Por outro lado, as contribuições imagens da sociedade elaboradas pela
teóricas clássicas, notadamente de classe operária encontram se no tra-
Marx e Weber. explicitaram a im- balho e na situação comunitária do
portância do contexto social para a operário. A análise de Lockwood não
compreensão do fenômeno religioso. considera a possibilidade das idéias
A religião varia conforme a repre- religiosas configurarem a interpreta-
sentação que cada classe faz de sua ção das relações sociais dos operá-
posição na estrutura social. Os pro- rios. O foco do nosso estudo passa,
blemas do significado do mundo não então, para a relação entre as repre-
são os mesmos para todos os gru- sentações religiosas e as represnta-
pos ou classes sociais. O significado ções da sociedade. Poderíamos apre-

21-
sentar, de modo esquemático, as vá- -
rias relações:
Catolicismo Tradicional Imagens - - Catolicismo em Renovação
Religiosas
I
REPRESENTAÇõES SOCIAIS
I
Condição Existencial e Estrutural do
Operário
Pretende-se, pois, delinear a v1sao de que, uma das primeiras atitudes
rellgiosa de um grupo de operários necessárias para a formação dessa
dentro de sua posição específica de nova perspectiva religiosa e social
classe, e detectar, assim, a sobrede- consiste numa certa ruptura com a
terminação do catolicismo tradicio- antiga posição conservadora. Sua
nal, carregado de símbolos que re- ideologia religiosa - Deus histórico,
forçam a submissão e a aceitação do presente no meio dos homens ; a
sofrimento, por ex., e acompanhar idéia de Cristo e da ressurreição; a
suas conseqüências sociais. Por ou- igreja como comunidade e fraterni-
tro lado, investigar a dinâmica do sis- dade; sua ideologia social - a busca
tema simbólico-religoso, relacionan- da liberdade, da realização humana ,
do as novas representações religiosas valor da pessoa, justiça igualdade.
com a condição existencial e estrutu-
ral do operário. Devemos tentar 2. Funções da religião.
captar, pois, o sentido profundo da
religião para o segmento do opera- Com relação ao "catolicismo tradi-
riado sob nosso estudo. A religião cional", a posição do homem é de
constitui -se numa parte essencial da impotência, de falta de controle da
construção de um mundo significati- situação, uma condição de grande
vo, um mundo até certo ponto coe- alienação. Na verdade, o quadro re-
rente, organizador de suas experiên- ligioso elaborado, a visão de Deus e
cias individuais, e legitimador das re- do mundo, são em boa medida con-
lações sociais. gruentes com tal situação. O homem
encontra-se à mercê da sorte e do
(II) CONCLUSõES QUE O TRABA- destino de Deus. A visão estática e
LHO PERMITE SUGERIR. hierárquica do mundo religioso cor-
responde vivamente a uma visão es-
1. Tipos de representação religiosa tática e hierárquica da própria so-
no meio operário: ciedade. Este tipo de religião, pois.
atua no sentido da aceitação da or-
O "catolicismo tradicional" encon- dem social, e, no que concerne às
tra-se, de uma maneira ou de outra, atitudes de reivindicação dos "novos
em quase todos os nossos entrevista- trabalhadores" industriais, ela torna-
dos. Ele compreende, por um lado, se um freio do proletariado.
uma ideologia religiosa - Deus A religiosidade cósmica oferece
transcendente, mediadores, dualismo; segurança aos que estão sob o "dos-
igreja hierárquica e dogmática; há sei sagrado". mas fá-los tremer de
um tipo de pensamento cósmico, es- medo ao vislumbrar o caos além des-
tático; por outro lado, uma ideologia se núcleo religioso. A ordem social
social derivada e congruente com a não pode ser perturbada - a ativi-
ideologia religiosa : a noção de leis, dade sindical intensa e politizada tor-
hierarquia, ordem. na-se agitação, leva ao caos.
O "catolicismo em renovação", po- A transmutação de valores, princi-
de-se definir por suas tendências palmente no que se refere às desi-
mais humanistas e sociais. Há um gualdades sociais em relações sobre-
elemento de originalidade, no sentido naturais, ofrece um conforto e uma

-22-
compensação dando-lhes uma reafir· satórias, mencionadas por quase to-
mação de não pertencerem às cama· aos os socwlogos, desde Marx. A re-
das mais baixas da sociedade. Ainda 11g1ao traz auvw para os traba!hauo-
mais, a transformação das privações tes, nos momentos de maior difiCul-
da vida de trabalho em virtudes de dade, nas suas angústias, na sua tns-
santificação pessoal, como a humil· teza. ~. na veraade, um gnto da
dade e a obediência, contribui para cnatura oprimida. As suas conaições
frear qualquer atitude reivindica- de existência, os seus limites sao tais,
tória. que esta religião torna-se o úmco re-
Em segundo lugar, o "catolicismo IUglO ao qual podem dedicar suas
tradicional" atua na formação do poucas horas vagas. Deus é o único
''bom" trabalhador. Não há a menor recurso para o homem abandonado
dúvida de que todo o quadro reli· na sociedade: a quem recorrer { "Tem
gioso tradicional funciona para o que pedir a santo e Deus". A reli-
controle dos operários - a idéia de gião também vai manter a dignida-
Deus, criador e legislador que impõe de do homem, no ponto -limne em
a religião como uma obrigação ou que ele poderia se degradar. vári :;s
dever, e inculca a idéia d·e "andar entrevistados explicitaram esse fato,
certo", estabelece as condições do afirmando que a religião não deixa o
controle moral dos operários em re- homem viver como bicho; ele reza à
lação ao trabalho. As virtudes do noite para não se tornar igual a um
trabalhador tradicional foram trans- animaL A religião funciona também
mitidas através de um longo proces- p:>r um processo de empatia, pelo
so cultural, no qual a repressã J à qual há uma correspondência de sen-
expressão pessoal forma sua parte timentos e de situação. Como se
integrante. As virtudes principais, afirmou: a procissão da Semana San-
como já mencionamos, são a humil- ta é uma espécie de "miniatura da
dade e a obediência. No desenrolar tristeza" do homem; "o Cristo foi um
da biografia do operário , com as suas operário humilde".
experiências pessoais nas relações de O "cat:Jlicismo em renovação", por
produção, notamos uma certa tensão sua vez, representa uma ruptura com
com respeito a essas virtudes. essa r eligião tradicional e a tentati-
Ainda neste sentido, podemos va de formulação de um novo quadro
acrescentar o que Durkheim já ha- religioso. A questão chave a ser res-
via observado: " a verdadeira pondida, para uma solução satisfató-
função da religião não é fazer-nos ria do problema religioso, consiste no
pensar . . . mas sim fazernos atuar, desvendamento das condições sociais
ajudar-nos a viver. O fiel. . . é um mcentivadoras dessa ruptura. A his ·
homem que pode mais. Sente em si tória de vida dos nossos entrevista-
mais força para suportar as dificul- dos, mostra-nos o peso de condições
dades da existência ou para vencê- sociais e religiosas passadas, anterio-
las .. . " Este tipo de religião visa res ao engajamento na indústna. A
tornar aceitáveis as tensões, contra- situação industrial, porém, aguçou a
dições e conflitos acarretados nas percepção da contradição existent~
relações sociais de trabalho e pelo entre a explicação religiosa tradicio-
próprio trabalho. O exemplo melhor nal e os interesses, conflitos e aspi-
vem daquele ajudante de operário, rações do próprio grupo. Inicia-sE:,
na coqueria. Após descrever as con- então, uma reformulação do pensa·
dições penosas do departamento - mento. Passa-se do pensamento mí·
poeira, fumaça, calor, gás - afirma: tico para um pensamento ideológico
''chego (no serviço). faço o meu si- capaz de refletir os interesses do
nal da cruz, como diz : benzi o corpo, subgrupo.
tudo se vier tá bom, tudo o que Deus A situação existencial dos nOSS'J3
quiser tá bom. E ali pego firme as operários "em renovação" leva-nos a
minhas 8 horas, talvez até 16 ho- entender essa nova reformulação da
ras ... " religião como Hgada a uma luta pela
Em terceiro lugar. a ''religião tra- conquista da dignidade humana. A~
dicional" possui as funções compen- características da sociedade em que

-23-
eles vivem são a massificação ~ a jeto claro e definido de ação social.
despersonalização. A usina é imensa Ela toma caminhos diferentes. Al-
- um "inferno" na opinião de mui- guns, por exemplo, acham que as re-
tos. Os trabalhadores movem-se em lações sociais na usina são degradan-
massa na hora de entrada e saída do tes - a maneira como os colegas
serviço. Os seus capae€tes de cores brincam, as suas conversas sobre mu-
diferentes, que muitos não gostam de lheres, as suas solicitações para a
usar e os penduram nas telas perto prostituição, etc. - exigem dele uma
do portão de acesso, simbolizam ape- atitude séria, ascética, de responsa-
nas mais uma hierarquia nas relações bilidade pelo trabalho, que parece
sociais, mais um sinal de opressão desembocar fatalmente numa realiza-
em suas vidas, a marca desse tipo de ção pessoal, num aperfeiçoamento
trabalho. Nada mais compreensivo profissional, e conseqüente ascensão
do que desejarem reafirmar o que é dentro da usina, ao seguir os novos
humano, o que é pessoal. Procura-se, padrões de eficiência na produção.
então, um relacionamento afetivo en- Outros, desenvolvem uma visão hu-
tre as pessoas, o restabelecimento da manista dentro da situação de traba-
intimidade, a compreensão da própria lho com a percepção da exploração
personalidade, o desejo de "ser gen- da pessoa humana para se obter o
te", a rejeição da alienação no traba- lucro material. O novo quadro reli-
lho e na sociedade, a busca dos mes- gioso ajuda-lhes a "resolver os pro-
mos direitos, da igualdade para to- blemas de acordo com a verdade,
dos, da fraternidade. E esses con- com a justiça". Por isso, não fazem
ceitos encontram suas raízes funda- o jogo do patrão porque "eles mal-
mentais, não no catolicismo tradicio- tratam e definham às vezes o operá-
nal, mas numa nova formulação re- rio. . . oprimem". Esta posição a fa-
ligiosa assentada num novo cristia- vor do operário. muito mais do que
nismo. uma simples solidariedade, bloqueia
Essa luta pela dignidade humana muitas vezes sua ascensão dentro da
não se desenvolveu ainda num pro- empresa.

-24-
Religião e Desenvolvimento
Social na Igreja Evangélica
de Confissão Luterana no Brasil
( IECLB)
Gerd Uwe Kliewer - - - - - - - - - - - - - '

I. Objetivos da pesquisa: 1. O evangélico interpreta a sua


realidade social principalmente sob
- Procurar definir a maneira es- o prisma da ética do esforço e da
pecífica com que a IECLB reage ao capacidade individual. Este critério
desafi:> que o processo sacio-político individualista lhe serve para explicar
no Brasil representa. a sua própra posição social e a dos
outros.
- Analisar os condicionamentos
histórico-culturais que influem nesta 2. Entre os evangélicos predomina
reação. uma aceitação acrítica das estruturas
socio-econômicas e políticas vigentes.
- Fazer um levantamento da ideo- Muitas vezes estas são vistas como
logia criada nos diversos níveis da ordem natural (quase divina) e, por-
IECLB - comunidades, clero, estru- tanto, sem alternativas.
tura institucional - para interpretar
o processo socio-politico brasileiro. 3. O evangélico defende, tanto na
igreja quanto no campo socio-politi-
- Localizar as diversas condicio- co, uma ideologia da harmonia social.
nantes dessa ideologia - teológicas, Tende a atribuir à igreja uma fun-
culturais, étnicas, de classe ... ção mantenedora desta harmonia.

- Definir o posicionamento atual 4. Os evangélicos, seguindo a sua


frente ao processo socio-po!ítico bra- tradição luterana, insistem numa se-
sileiro, as tendências de sua evolu- paração nítida entre vida espiritual
ção e as possibilidades de atuação e vida pública , entre Reino de Deus
sacio-política que dai advêm para a e Reino deste Mundo. Esta separa-
Igreja. ção significa. para eles, uma limita-
cão para a atuação sacio-politica da
IJ. Trabalhos realizados: Igreja. Os resultados principais da
pesquisa foram publicados na revista
a) Em 1976177 foi realizada uma "Estudos Teológicos" , ano 17. 1977,
enquete na Comunidade Evangélica pg. 5-23, sob o título "Uma comuni-
de São Leopoldo, pesquisando posi- dade evangélica frente aos problemas
cionamentos frente à sociedade, fren- sociais e à atuação sócio-política da
te a problemas sociais e políticos e Igreja".
à atuação da Igreja. A referida co-
munidade pode ser considerada re- b) Ainda em 1977 foi tentada uma
presentativa para as comunidades análise histórico-sociológica do rela-
urbanas da IECLB'. Os resultados da cionamento da IECLB, nas suas di-
pesquisa referentes à ideologia social versas subdivisões e comunidades ,
dos evangélicos podem ser resumi- com o Estado e a política brasileira.
dos nas seguintes teses: A análise incluiu as tentativas da

-25-
Igreja de definir, nos tempos atuais, orientação evangélica, bem como fo-
uma posição teológica clara e coeren- cos de radicalização sócio-política. Há
te frente à conjuntura nacional. Os tentativas de um trabalho em comu-
resultados podem ser resumidos nas nidades de base. Surgem, com o gra-
seguintes teses: dual afastamento dos líderes de após-
guerra, novas lideranças, e vislum-
1. A insistência na preservação da bra-se, para os próximos anos, uma
cultura germânica e a dependência disputa do poder na Igreja. Como
do país de origem levaram à margi- os diversos grupos definem a rela-
nalização da Igreja da vida cultural, ção igreja-sociedade? Como esses lí-
social e política nacional. deres de segunda linha vêem a fun-
ção sócio-política da Igreja? Atra~és
2. Os acontecimentos relacionados de entrevistas e enquetes com os
com a 2.a guerra mundial e a paula- líderes e representantes de grupos
tina nacionalização do pastorado pro- pretende-se colher dados a respeito
movem a procura por uma maior in- para completar o quadro dos elemen-
tegração da Igreja na vida nacional. tos ideológicos.
Acontece, porém, que os membros e
as comunidades já se desacostuma- 2. Relação entre teologia luterana
ram a esperar orientação na área só- e ideologia social: A IECLB é de
cio-política da sua Igreja. ''confissão luterana". Como se refle-
te esta definição confessional no po-
3. Os esforços atuais de definir a sicionamento sócio-político de pasto-
função sócio-política da Igreja têm res, lideranças e membros? Ela in-
sido motivados por pressões externas fluiu na ideologia social do cristão
(influências teológicas, Igreja Católi- evangélico, ou esta se alimentou de
ca) e por pressões de pastores, jovens outras fontes seculares? Se ela in-
e estudantes. Os documentos surgi- fluiu, de que maneira? Existe um
dos destes esforços não tiveram, até caminho da teologia luterana para
agora, muito impacto na Igreja. As uma posição de crítica social, e po-
discussões em torno do assunto evi- derá a IECLB andar esse caminho?
denciam posições radicais entre uma A tentativa de responder a essas per-
minoria do pastorado, uma posição guntas r equer uma análise da teolo-
moderadora entre as lideranças ofi- gia luterana. principalmente a dos
ciais e muita reserva contra qual- dois reinos (um trabalho neste sen-
quer manifestação entre os membros tido tem sido realizado pela Federa·
leigos. ção Luterana Mundial, cujos resulta-
Os resultados, mais amplos desta dos serão de muito proveito) e. em
análise foram publicados nos "Cader- seguida, a sua contraposição ao qua·
nos do ISER", N.0 7, 1977, pg, 3 a 14. dro ideológico levantado, para chegar
a uma avaliação da teologia política
III. Trabalhos a realizar: luterana que se configurou no con·
texto brasileiro atual.
Para completar a pesquisa, faltam
alguns aspectos:
IV. Execução da pesquisa:
1. As tendências ideológicas que
poderão manifestar-se no futuro pró- É intenção do autor concluir o tra·
ximo: Observa-se na Igreja uma cer- balho de pesquisa até meados de
ta pluralização; surgem, ao lado dos 1979, para então reunir todos os re-
tradicionalistas, fortes grupos de sultados num trabalho escrito.

- 26 -
A Cura por correspondência

Carlos Rodrigues Brandão

Duglas Teixeira Monteiro foi sem- glas Teixeira Monteiro e o protestan-


pre um dos interessados participan- tismo histórico não foram maiores do
tes nas atividades do ISEJR. Esteve que o tamanho de um único artigo.
sempre presente aos encontros se- Um motivo seria porque , como as
mestrais e algumas das idéias mais suas experiências pessoais com o
importantes na orientação do Insti- presbiterianismo não foram nem mui·
tuto foram dele ou foram ativamente to intensas nem muito dramáticas, a
discutidas p:lr ele. necessidade de dissecá-lo analitica-
Ele tinha para com o ISER o com- mente para reordenar, por este ca-
promisso de realizar um estudo so- minho, as r elações afetivas com a
bre formas atuais de "religiões de Igreja. terá sido menor do que no
clientela" nas grandes cidades. Ha- caso de outros impiedosos críticos do
via provisoriamente intitulado sua protestantismo brasileiro.
pesquisa de "A Cura por Correspon-
dência", nome que usou para um de Mas eu acredito que o motivo mais
seus últimos artigos (1977). Em uma determinante é de outra natureza.
das conversas q'\e tivemos menos de Quem ler com atenção o seu primei-
um mês antes de sua morte, havía- ro livro e os seus artigos posteriores
mos combinado os termos de sua con- vai descobrir que entre os sujeitos
tribuição para a área 2 de nosso pro- religiosos considerados por Duglas
grama de pesquisas. Teixeira Monteiro no Contestado e
em São Paulo existem diferenças
Depois de haver escrito o seu Er· acentuadas , tantas quantas as suas se-
rantes do Novo Século (1974) ele tor- melhanças. Entre estas últimas está
nou-se aos poucos um pesquisador de o fato de que os fiéis são a gente do
surtos e movimentos de "cura divi· povo - uns subalternos agrários, ou-
na". Antes de começar a seqüência tros, urbanos - que buscaram em
de e'studos feitos sobre o assunto, es- formas, cada uma a seu modo extre-
creveu um de seus artigos mais ricos mas de comoromisso religioso, solu-
e criativos e, possivelmente, um dos ções desesperadas e respostas para
menos conhecidos, "Sobre os Dois problemas definidos pelos próprio~
Caminhos" (1975), publicado justa- atores com muito mais deste mundo
mente em um de nossos Cadernos do terreno d'l que de um outro, celestial
ISER. Ele analisou a estrutura temá- ou sagrado.
tica de um conhecido quadro de po-
pularização da ética protestante. Ou- Entre 1974 e este ano de 1978 Du-
tros cientistas sociais de origem e glas vinha realizando uma longa pes-
biografia protestante dedicaram-se quisa sobr e modalidades religiosas
mais tarde a fazer a crítica de sua de cura divina cujos centros ou
prática religiosa e alguns deles tal- agências de irradiação estão sempre
vez tenham sido os analistas mais im- localizados em grand es cidades, es-
piedosos de suas igrejas. Rubem Al- tejam eles dentro ou f1ra do espaço
ves, Elter Dias Maciel e, de modo confessional do pentecostalismo. Ao
mais difuso. Jether Pereira Ramalho, longo deste tempo de trabalho parti-
podem ser lembrados aqui. Mas nun- cipou de reuniões de cura divina em
ca ficou totalmente explicado por- São Paulo e no Paraná; escutou ma·
que as relações de estudo entre Du- drugada a dentro inúmeras emissões

-27-
radiofônicas de agências de proseli- número 1 da revista Religião e Socie-
tismo religioso; e examinou centenas dade, de que foi membro da comis·
de cartas enviadas por fiéis de perto sãJ editorial.
ou de longe a um santuário da Igre- Duglas não deixou documento al-
ja Católica Apostólica também locali· gum redigido para o artigo que es-
zado em São Paulo. creveria como contribuição ao nosso
Como resultado da mesma seqüên- programa de estudos sobre religião
cia de pesquisas, Duglas Teixeira e mudança social no Brasil. Ele pros-
Monteiro publicou os seguintes arti- seguia a coleta de dados e somente
gos: "Igrejas, Seitas e Agências - começaria a redigir alguma coisa no
aspectos de um ecumenismo popu- meio do primeiro semestre do ano
lar", originalmente mimeografado e de 1979. Pensamos na possibilidade
apresentado pelo autor em um sim- de incluir um de seus últimos artigos
pósio sobre cultura popular na PUC no conjunto dos trabalhos da pesqui-
de São Paulo (1977) (o mesmo artigo sa do ISER. Outra alternativa seria
foi depois publicado no n. 0 100 de a de reunir momentos de todos os
Diogene. em outubro-dezembro 1977); seus estudos posteriores a Errantes
"A Cura por Correspondência", no do N ~ vo Século, e publicá-los juntos.

A C. N. 8. 8.;
Evolução Política e Ideologia
Adriano Nogueira

Para se tentar uma análise política nais esquemas católicos mais isola-
do discurso oficial da Igreja Católica dos (paróquias. dioceses, movimentos,
importa-nos considerar aqui seu ór- etc.). Tendo sido bem sucedida na
gão instituconal mais amplo: a Itália, onde funcionou como um bra-
C.N.B.B. (Conferência Nacional dos ço secular da hierarquia, a A (Ação
Bispos do Brasil). E, sendo a CNBB Católica) foi implantada no Brasil
relativamente recente na Igreja do desde meados de 1935, sob o Cardeal
Brasil (data de 1952), preocupamo-nos Leme. Posteriormente evoluiu para o
em situá-la historicamente para me- modelo francês, ou seja a chamada
lhor compreendê-la. A Conferência Ação Católica especializada (agrária,
foi organizada a partir de um enten- estudantil, operária, intelectual, uni·
dimento entre o Pe. Helder Câmara, versitária), notadamente após a ex-
então Secretário (assessor) Nacional periência belga de ACO, do padre
da Ação Católica no Brasil e Mons. Cardijn.
Montini, Secretário de Estado no Va· Paralelamente a essa atividade de
ticano sob o Papa Pio XII. A pro· cristianizar o meio pela formação de
posta formal, elaborada já a partir de líderes católicos a Igreja tivera no
1950 ao Núncio Mons. Chiari, dizia · Brasil, através do Card. Leme (1921-
1. 0 ) revitalizar as linhas de comuni- ·1942), o papel de colaboradora
cação entre os bispos; 2. 0 ) superar as do Estado na construção do Bem Co-
lacunas individuais dos membros do mum. Com a morte do Cardeal de·
episcopado e 3. 0 ) aumentar a unida- saparecera a liderança nacional que
de, provendo uma administração mí· servia de polo e se destacaram lide-
nima para serviços pastorais. ranças regionais.
A Ação Católica serviu como um Sendo secretário nacional de AC e,
ensaio de organização nacional da mais tarde, bispo auxiliar do Rio de
ação pastoral superando os tradicio- Janeiro, D. Helder Câmara reunia,

-28-
sem dúvida, características que se so- sição mais social, havia, por outro
maram ao seu dinamismo pessoal lado, um esfriamento progressivo na
para a concretização da idéia de uma solidez da unidade católica entre a
Conferência Nacional de Bispos. A grande maiora do episcopado e o
CNBB, sob certos aspectos um pro- grupo avançado da CNBB. De fato,
cedimento inédito do Vaticano, pois alterava-se, no início dos anos 60, a
não era comum essa prática descen· situação política nacional. Já não
tralizadora, assumiu da tradição da eram suficientes as estruturas popu-
Igreja a ação combativa frente aos listas, clientelísticas da política tra-
perigos para a fé. O maior destes, dicional para o exercício do p::>der.
certamente, era o comunismo prin- Começavam a tomar forma grupos de
cipalmente entre os operários e os mobilização que respondiam melhor
camponeses, os "menos esclarecidos" aos interesses classistas de certas
em questões religiosas. Na realidade facções. A Igreja, na tentativa de es-
eram os mais atingidos pela prática tar presente no desenvolvimento
popular de um catolicismo tradicio- através da participação no social,
nal menos romanizado e menos cen- corria o risco inevitável de "sujar as
tralizado na hierarquia como era o mãos" no jogo político. Para a maio-
catolicismo urbano reformado desde ria conservadora começou a ser ne·
o início do século. cessário maior controle hierárquico
Durante os anos 50 a CNBB, capi· sobre a ação pastoral. A fé, outrora
taneada por um pequeno gruJ;>o de entendida unicamente como questão
bispos, em sua maioria do Nordeste de dogma ou comportamento ético,
e com forte preocupação social, foi evoluiu, pelo compromisso social, a
marcando sua ação pastoral pela uma fé que se definia na participa-
preocupação de estar presente no de- ção política. Era perceptível a
senvolvimento do Brasil. Foi amadu- ameaça à unidade do corpo episcopal,
recendo nesse grupo a consciência de a possibilidade de conflitos com os
que era necessário comprometer-se, setores da sociedade desinteressados
em nome da fé, na tarefa de promo· de uma ação pastoral que realmente
ção humana. O método VER - JUL- visasse a transformação das estrutu-
GAR - REVER, da Ação Católica, ras, a "perda de controle" sobre cer-
permitiu a compreensão cada vez tas vanguardas que, mesmo não sendo
mais lúcida do papel específico da representativas da maioria católica,
Igreja. eram vistas pela opinião pública
O final dos anos 50 (a revolução como sendo Igreja.
cubana) significou um acirramento Em 1962, a pedido do papa João
das preocupações sobre o perigo co- XXlli, mas também como uma real
munista. A urgência de um desen- necessidade, a hierarquia católica se
volvimento que afastasse aquele peri- propôs uma revisão pastoral. Uma
go levou a Hierarquia a refletir, ain- volta às fontes de sua missão no
da mais seriamente, sobre a urgência mundo. Sob essa temática havia não
das reformas sociais. No entanto, à apenas o intento dos "progressistas"
medida em que mais e mais se apro- de estabelecer novas formas de ação
ximaram dos temas sociais. o grupo coletiva (pastoral de conjunto) que
CNBB e certos grupos mais avança- atualizasse a presença católica no
dos como a AC, MEB, Frentes Agrá- país em desenvolvimento como tam-
rias, tiveram que, necessariamente, bém havia um intento de uma boa
enfrentar os problemas inerentes a maioria em definir o que era especí-
essa posição mais politizada. De uma fico da missão religiosa da Igreja. O
certa forma, significou a perda de tipo de sociedade que havia, o tipo
certos privilégios da Igreja tradicio- de governo, os tipos vários de expe-
nal: por exemplo, o julgamento típi- riência eclesial e até mesmo a auto-
co de grupos da arena política. concepção que se tinha a Igreja "le·
Se, por um lado, esse progressismo varam-na" à tendência de referendar
de um grupo de bispos tinha o res- certas características do modelo de
paldo das encíclicas sociais de João influência que o grupo CNBB levava
xxm e até o estímulo de uma po- a termo.

-29-
Após o golpe de 64, após o Vati- nova presidência, principalmente, en-
cano II o quadro alterou-se. tendeu que sua experiência anterior
O primeiro, alteraram-se certas de 10 anos seria substituída por um
propostas que a Igreja tinha como discurso extraído dos documentos
suas. Por exemplo: o movimento mi- conciliares. Se o discurso oficial do
litar tomou a si o combate ao comu- Papa João XXIII legitimara, anterior-
nismo, e também a tarefa de "colocar mente, certos passos de uns grupos
a casa em ordem". Pretendeu, simul- progressistas, da mesma forma, nesse
taneamente, alijar da participação período 65-70, os documentos conci-
política vários setores (quase todos) liares deveriam referendar as expe-
da sociedade e pedir à hierarquia que riências católicas.
cumprisse seu papel específico reli-
gioso, tal como entendiam as forças Gradualmente o episcopado foi
armadas. Em parte, teve sucesso: percebendo que sua tese tradicional,
vários bispos pronunciaram-se a fa- a de complementaridade com o Esta-
vor do golpe. Posteriormente, a in- do para o Bem Comum, já não era
capacidade política de certos setores tão pacífica de concretização. Em
da hierarquia ou, ainda, a proposta parte porque o Estado pedia à hie-
de alguns bispos de formação de eli- rarquia um papel "apenas religioso",
tes (pastoral dos grupos de influên- segundo definia o ideário integralista
cia) permitiu ao Estado uma noção (para se ter uma idéia), em parte
de que a Igreja estava dividida e que porque a hierarquia começava a per-
a verdadeira Igreja continuava aliada ceber na repressão não apenas casos
ao poder constituído. A "outra Igre- isolados mas uma conseqüência orgâ-
ja", aquela que seguidamente foi ta- nica de um modelo sendo implantado.
xada de comunista, recebeu trata- Ainda que, em sua· maior parte, as
mento muitas vezes brutal. Essa par- denúncias do episcopado dissessem
te da Igreja mais voltada aos opri- respeito apenas ao caráter mais apa-
midos, à medida em que foi repri- rente da repressão · (torturas, censu-
mida em sua hierarquia, despertou ras, suspensão de direitos individuais,
em todo o episcopado uma moção de habeas corpus), permaneceu indisfar-
solidariedade. A represão despertou çável o distanciamento e a tensão
nos bispos a unidade colegial, se' não Igreja-Estado.
em torno aos mesmos princípios e Nos anos 70 tomou corpo entre os
compromissos, certamente em torno trabalhos de Igreja as CEB (comuni-
ao exercício da autoridade religiosa. dades eclesiais de base). Por ser um
Essa mesma Igreja oprimida signifi- trabalho, em sua maioria voltado aos
cou ao Estado um problema político marginalizados do sistema (operários,
insolúvel e alarmante. posseiros, bóias-frias, camponeses, e,
O Concílio Vaticano II forneceu um finalmente, os índios) passou a postu-
embasamento teórico (teológico) para lar à hierarquia uma posição polti-
uma volta às fontes da missão da camente mais definida. Tal não se
Igreja . E, não havendo um consen- dera, por exemplo, em relação a tra-
so necessário sobre o que seria (e balhos pastorais do tipo movimentos
qual seria) a missão da Igreja, pas- (em expansão entre as classes médias
sou a haver uma ''disputa'' entre urbanas durante esse período) ou,
grupos de Igreja para se atingir a ainda, certas "reformas'' ligadas aos
verdadeira exegese do Vaticano II. temas centralizadores dos anos 60 (re-
Ao nível oficial, o PPC (Plano Pasto- forma da liturgia, papel do sacerdo-
ral de Conjunto) em vigor na segun- te, a validade do celibato, da pílula).
da metade dos anos 60, era uma ten- A idéia de uma Igreja comprometida
tativa de adaptar a Igreja do Brasil com os pobres veio "ganhando força"
à realidade do Concílio. Na prática, e atenção. Alguns pronunciamentos
procurou-se seguir diretrizes de um de bispos regionais (o Nordeste, o
modelo não originado na realidade Centro Oeste) acentuaram claramen-
nacional. Era consenso que se devia te a necessidade da atenção ao nas-
modernizar; não era consenso para cimento dessa "Igreja que nasce do
onde ir, que fazer. A CNBB, em sua Povo".

-30-
t, todavia, mais complexa e até di- um universalismo mais definido por
fícil a inter-relação entre o nível bem seu peso institucional que pela sua
popular da experiência CEB e o ní- inserção histórica.
vel oficial da cúpula da hierarquia.
A CNBB ''herdou" dos momentos E é exatamente quando agredida
conflitivos do golpe e do Concilio um em. seu "ser-in~tituição" que a Igreja
distanciamento entre a cúpula ope- ma1s se faz politicamente fonte de de-
rativa e as bases. O PPC não con- núncias. t notório o caso do Comu-
tribuiu para suscitar das bases a pro- nicado Pastoral ao Povo de Deus
palada renovação da Igreja. A hie- (Outubro/76). A partir de uma con-
rarquia extinguira oficialmente as juntura especüica - a agressão a
assessorias especializadas leigas que um bispo, a morte dos dois sacerdo-
muito influíram nos trabalhos da t~s - a hierarquia tomou uma posi-
Igreja antes de 64 (e, a seu modo, çao clara. Em "tempos normais" não
influíram em Medellin). Houve, tam- haveria, certamente, consenso sufi-
bém. um certo "refugiar-se" da hie- ciente para uma declaração em ter-
rarquia em sua "missão de caráter mos tão claros e inequívocos. Esse
divino" ou "seguidora dos apóstolas" comunicado dirigido ao povo simples
durante as crises enfrentadas nos às comunidades, trouxe à ordem d~
anos 60; procurou-se enfrentar a dia os temas de natureza política so-
contestação da autoridade (viesse ela bre os quais seria necessário uma
do Estado ou da própria Igreja) com discussão mais demorada: tais temas
a afirmação do caráter hierárquico foram enfeixados no document::J de
do magistério. Além de tudo isso a ltaici, "Exigências Cristãs de uma
radicalização e fechamento do regi~e Ordem Política", após um longo tra-
exigia dos bispos que quisessem man- balho de reflexão e redação para se
ter uma posição de diálogo ou con- chegar a um consenso.
vivência pacífica um não comprome- Ainda que, estruturalmente, a hie-
timento ostensivo com as bases (aue rarquia siga projetando seu trabalho
eram f>xatamente os pontos confliti- (a missão de anúncio da salvação)
vos onde a repressão mais dura se pautando-se menos pelas condições
fazia sentir). Para a hierarquia ofi- de socialização religiosa num contex-
cial havi~ a medida a tomar: mantPr to político do que pelos critérios de
a unidade do colégio episcopal. E natureza religiosa (e teológica) que
essa unidade entre os bispos. antes determinam sua ação pastoral. mere-
mesmo d~ manifestar-se na prática, ce nossa observação o fato de que, ao
é um dado teológico-doutrinal (con- Estado autoritário e inábil politica-
fnrme um dorumento de 72 da cúpu- mente ao relacionar-se com qualquer
la operativa da CNBB). setor da sociedade, a Igreja (da qual
Enfim, entre os ganhos que a me· a hierarquia se faz porta-voz) "subi-
mória e a experiência pastoral da tamente" deixou de ser o que era.
Igreja vieram acumulando nesses Ou seja, certas posições da Igreja de-
anos 70 (referimo-nos, preferencial- fendendo direitos humanos (caso
Herzog) ou criticando posições isola-
mente, aos trabalhos de base, de das do Estado (caso da doutrina se-
CEB, que têm o seu sentido e valor gurança nacional) ou se comprome-
especial) e a sistematização teórica tendo em causas (questão do índio)
(teológica) que orienta os passos po- tornam a Igreja um agente político
líticos e doutrinais do discurso ofi- de difícil proximidade para o Esta-
cial existem os "filtros" inerentes ao do e, em circunstâncias mais críticas,
caráter institucional (e, em certo inassimilável ao frágil aparato insti-
sentido, a-histórico) do magistério tucional vigente. Esse papel político
episcopal. Além daqueles já citados é apreendido e refletido pelos gru-
acima, convém lembrar que a Igreja pos de Igreja-na-base de maneira
é, também, um organismo multina- mais concreta (às vezes porque o es-
cional, tem uma "sede'' que está em tejam vivendo) e nem sempre sob o
Roma. Ela se pretende portadora de controle da hierarquia.

- 31 -
Católico Conservador

no Brasil

O Pensamento

F. Benjamin de Souza Netto

O problema em si mesmo A conservação como fenômeno social

A distinção entre o que é conser- É, entretanto, no domínio do social


vador e o que não o é só pode for- que o fenômeno "conservação" se
mular-se com fundamento em um re- manifesta de modo mais problemáti-
ferente muito preciso e o mais sim- co e suscita maiores contradições.
ples possível. Caso contrário, a pa- Considera-se, então, conservador o
lavra pode contrair um significado
equívoco que contamina, daí em dian- homem ou grupo que pretende que
te, todo o discurso. Isto ocorre com determinadas formas a que chegou a
freqüência nas ciências humanas, a sociedade devem ter a sua identida-
ponto de se pensar que, amiúde, tem de preservada em razão do valor que
a palavra um valor meramente polê- lhes cabe. Assim concebido o con-
mico e ideológico. servadorismo admite uma escala in-
A conservação, como fenômeno , definida de graus. No extremo limi-
percorre toda a escala do ser e as- te desta, encontra-se o reacionarismo
sume uma forma especialmente ativa consistente em se pretender conser-
desde o nível biológico. Donde a ne- var tais e quais as formas de uma
cessidade de se precisar o que se época passada, ao menos no essencial,
quer com o termo, mesmo porque,
nas escalas animal e humana, tem-se e, se necessário, a elas retornar. Ou-
constatado que a conservação não só tras formas de conservadorismo ad-
não é exclusiva da transformação, mitem também a natureza inalterável
mas, muitas vezes, encontra nesta a de alguns entes ou valores, mas são,
sua forma mais eficaz. A partir des- em grau diverso, muito cautelosas
ta constatação, compreende- se que a em os determinar. Todo o conjunto
palavra "conservador" tenha adquiri- constituído pelo pensamento e pela
do na linguagem corrente um signi- prática conservadora opõe-se à con-
ficado mais restrito: o de designar a cepção segundo a qual nada se con-
permanência no ser sob a identidade
absoluta de um mesmo modo e de serva se não na medida em que se
uma única forma. transforma.

-32-
O Cat:> licismo Conservador tudo aquilo que se sobredenomina re-
Hgiosidade popular, serve como
O catolicismo romano caracterizou- transformação a um propósito nu-
se até dias muito recentes por seus clear o mais fortemente conservador.
propósitos rigidamente conservado- Não parece que os estudos hajam
res. Sob sua forma dogmática, a teo- chegado à necessária maturidade
logia escolástica conferiu a este ca- para se resolver esta questão. Por
ráter conservador a sua racionalida- isso, não se tratará aqui do catolicis-
de, subsumindo sob as imutáveis pre- mo colonial.
missas dos dogmas a totalidade da O período seguinte abre-se com a
existência e do discurso eclesiástico. romanização. Esta, após uma fase in-
Não se pode excluir a priori que este tensiva plena de conflitos, se proces-
conservadorismo haja sido meramen- sa extensivamente em meio às for-
te aparente, mas não se pode negar mas remanescentes do período ante-
igualmente haver sido ele intencional rior e se defronta com a sociedade
e confesso. É , pois, a propósito que civil que visualiza através da ideolo-
dele se fala, particularmente quando gia positivista que lhe parece cons-
se considera o especial cuidado de tituir a imagem e o exemplar. Como
sua teologia oficial em declarar ines- tal, o catolicismo tridentino que se
senciais todas as transformações pe- visa implantar é sistematicamente
las quais a Igreja era forçada a re- conservador: no caso brasleiro, este
conhecer haver passado. conservadorismo apresenta ainda a
A constatação deste conservadoris- agravante de ser inteiramente impor-
mo pode constituir um ponto de par- tado e de querer impor-se coma for-
ma a uma população à qual reconhe-
tida para toda a pesquisa, geral ou ce apenas a condição de matéria sem
particular, do catolicismo: é ela um especificidade própria. Isto está ple-
ponto de referência fenomênico para namente d·e acordo com o pensamen-
o acompanhamento e transcrição con- to no qual se expressa: uma escolás-
ceituai do seu movimento de conjun- tica anacrônica, distante de suas fon-
to, objetivo visado por tal pesquisa. tes e inúmeras mediações, cuja física
De início, vai ele aparecer como atri- ignora a evolução e cuja antropolo-
buto ou determinação de uma reali- gia ignora a história. É verdade que
dade, o cristianismo católico, visado a sua elite clerical teve, em Roma ou
como religião e como igreja, concei- em algum outro centro da escolástica
tos que é mister definir para além de européia, a oportunidade de algum
todo o idealismo teológico, mas que contacto com as fontes desta. Mas,
é necessário também distinguir. além de bloqueado por um rígido
preconceito contra o pensamento mo-
derno, o resultado deste contacto
O Catolicismo Brasileiro dissolveu-se em uma prática carac-
terizada por rígida recorrência. Se-
Durante todo o período colonial e nhores do saber eclesiástico, os pa-
até meados do século passado o ca- dres formam . como doutrinadores e
tolicismo brasileiro não realizou o orientadores, o pensamento leigo que
modelo tridentino; ao contrário, só muito lenta e parcialmente se li-
como o mostram os estudos de Hoor- berta de sua hegemonia intelectual.
naert e Azzi, desenvolveu ele formas Nesse sentido, todo o pensamento ca-
medievais cuja originalidade está em tólico brasileiro, até o Vaticano II, é
grande parte por determinar. A tendencialmente conservador, quais-
grande questão que se põe a seu quer que possam ser as aparências
respeito é a de seu lugar em um em contrário.
mundo já burguês e já capitalista:
trata-se de saber em que medida era
ele desejável e mesmo necessário ao Delimitação e obietivo
avesso colonial deste mundo. Pode-
se então perguntar em que medida o É sobre este catolicismo romaniza-
desenvolvimento que ele permitiu, do e tridentino que versa a presente

-33
pesquisa. Interessa-lhe saber que for-
mas deu ele a seu pensamento e em
que sentido e medida é ele conser-
vador. Em vista disto, deve ela in-
cidir sobre as fontes primárias em
que tomou forma este pensamento.
Sendo ele clerical, são estas em prin- Tendências
cípio igualmente clericais: cartas
pastorais, outros documentos dos bis-
pos, mas também a literatura pro-
duzida pelos "escritores eclesiásticos
Posição do Problema
brasileiros". Todavia, há também en-
tre os leigos importantes arautos do O Catolicismo Romano teve e tem
pensamento clerical: destes, Jackson uma História extremamente comple-
de Figueiredo e Gustavo Corção re- xa, mais ou menos dissimulada sJb
presentam o que há de mais signifi- a sua rígida unidade instituciOnal.
cativo no pensamento conservador No que concerne ao caso brasileiro,
católico de toda uma época e devem as suas particularidades, passadas e
ser estudados como autênticos repre- presentes, só desde data muito recen-
sentantes seus. Todavia, uma leitura te têm merecido a atenção de espe-
não pode apenas imergir no texto. cialistas. A revalorização da Igreja
particularmente se este se articula Particular pela Teologia do Vaticano
em nome de uma igreja a que serve; JT des~mpenhou a respeito, um papP\
importa verificar em que medida este liberalizador e estimulante que rea-
texto reflete as relações desta mes- ções posteriores não chegaram a ini-
ma igreja com a sociedade civil, bir seriamente. Nesse sentido. pode-
se mesmo dizer que a tendência mais
cujas contradições a afetam. E a característica do momento presente
grande questão que se põe então é é. na Igreja Católica Romana do Bra-
a seguinte: em que medida este pen- sil, a da procura de sua identidade
samento, ao professar sua fidelidade narticular. fflto que tem por correla-
ao absolutismo dogmático da Igreja e to necessárh o esforço de controlar
à sua "Philosophia Perennis", não es- e mediar todo o influxo exógeno.
tava, em verdade, servindo a outro Esta tendência. todavia, se diversifi-
senhor? ca e não se pode dizer ainda oue
Esta última questão é tanto mais exista uma soma suficiente de estu·
importante, quanto a pesquisa não dos monográficos que a abranjam em
poderá evitar pôr-se um problema, o toda a escala de sua diversidade. Isto
da relação deste pensamento, de um não obsta que se procure divisar,
lado, com a religiosidade do brasilei- através dos estudos mais ou menos
ro médio, de outro com as formas po- completos já existentes, como esta
pulares do catolicismo brasileiro,
que, ,no que têm de autóctone, a au tendência geral se particulariza nas
toridade eclesiástica apenas tolera. várias formas e experiências de igre-
Enfim, o surgimento e organização ja hoje em andamento. Naturalmen-
da Ação Católica, organizando melhor te, não se poderá perder de vista as
o pensamento leigo, há de ser o lu- reações que tais experiências e novi-
gar privilegiado em que se há de for- dades suscitam. Mas a abordagem
mar uma consciência católica a pro- destas fica, no presente estudo, em
pósito de um fenômeno que, no iní- plano secundário e ocorre apenas a
cio, parecerá apenas particular: o da título complementar, já que estas
emergência, formação e organização
de um operariado brasileiro. Sem po- reações, mais do que tendências
der ser obliterada, esta última ques- atuais, são o reflexo revigorado do
tão demarca os extremos limites da modelo que vigorou no passado mais
presente pesquisa. imediato.

-34-
atuais do Catolicismo no Brasil

Tipologia e Metodologia
F. Bnjamin de Souza Netto
Do ponto de vista de uma nova
O Problema da Tipologia abordagem do fenômeno igreja, os ti-
pos não aparecem apenas como resul-
O problema que aqui se pretende tado da pesquisa: eles se erguem
abordar passa necessariamente por também a priori como representação
um outro: o problema de uma tipo- e conceito do fenômeno em sua uni-
logia do Catolicismo no Brasil. A so- dade e multiplicidade e, a este títu-
lução deste recebeu, recentemente, lo, dirigem o próprio andamento da
contribuições de J. Comblin e C. P. procura desenvolvida. E esta dire-
Ferreira de Camargo; do ponto de ção deixa as suas marcas, mesmo
vista da História, deve-se contar tam- quando não se pretende conferir a
bém com os estudos de E. Hoornaert. tais tipos o valor de expressões ade-
Um precursor desta fase mais recen- quadas do real mas de simples "ideal-
te de investigações é Thales Rama- tipos" . Por outro lado, é impossível
lho. Como se pode pressentir, não tentar abstrair de toda uma tipologia
se chegou à unanimidade. Além dis- quando o fenômeno estudado resulta
so, a consideração dos fenômenos re- de uma complexa história que se co-
ligiosos no Brasil tem apresentado o nhece e que aparenta conferir a seus
grave risco de se diluir em generali- tipos um valor de realidade. Tal di-
zações apressadas: as experiências ficuldade ganha, além disso, em am-
estudadas tendem a assumir, no dis- plitude e profundidade se se preten-
curso sociológico e antropológico, de proceder segundo um rigoroso
uma universalidade que, depois, se apriorismo metódico: então. ou o pen-
reflete sobre o restante das pesqui- samento se precipita em um fenome-
sas. Assim, produz-se uma espécie de nismo para o qual a aparência não
novo idealismo que perde o contacto diz nada de certo a respeito daquilo
com o particular e o singular. Isto mesmo que nela aparece, ou diz tão
é especialmente grave no que concer- somente o provável, o que não satis-
ne ao propósito de estudar o catoli- faz as ambições as mais moderadas
cismo romano, já que este tem por da ciência e nem mesmo as exigên-
a priori teológico a sua própria uni-
dade e sob esta tudo tende a subsu- cias da praxis. Em verdade, nenhum
mir. Donde o risco de idealizar se pensamento sério se propõe com ri-
revelar extensivo a outras esferas e gor um método ao qual não atribua
não se circunscrever à hierarquia e uma certa adequação àquilo que se
à teologia oficial. Donde, igualmen- visa como objeto. E é esta certa ade-
te, refletir- se ele no trabalho de não quação que se precisa determinar
poucos sociólogos e historiadores qual seja no ponto de partida do pre-
que, mesmo sem professarem as vá- sente estudo.
rias concepções de igreja estudadas,
nem sempre lograram discernir em A questão pode pôr-se da seguinte
que medida os fenômenos estudados maneira: mesmo sem pretender ser
existem para além das mentés que os exaustivo, é indispensável detectar
proclamam e das teologias em que se que elementos emergem como um
articularam. ponto de partida seguro para a abor-

35-
dagem do problema que aqui se pro- cessam na igreja e suas tendências a
põe. De modo geral, tais elementos partir de uma visualização adequada
só podem ser aqueles que a História, destes dois polos ou conjuntos. A
tal ela se encontra exposta, isto é, vantagem desta modalidade de abor-
no mais alto nível de sua atual ela- dagem é a de partir do fenômeno tal
boração, revela serem as suas cons- como ele se oferece à observação
tantes empíricas. Trata- se de uma para, progressivamente, remontar à
limitação a ser assumida com serie- totalidade de suas inserções na socie-
dade se não se quiser resolver todo dade civil, inclusive no que concerne
o saber no puramente arbitrário. às relações de classe.
Ora, as estruturas da Igreja Católica í: no que diz respeito à sua orga-
e seus momentos principais aparecem nização institucional que o catolicis-
com nitidez tanto ao historiador que mo mais nitidamente se articula se-
a visa em diacronia como ao obser- gundo a relação entre o clerical e o
vador competente atento imediata- leigo, mas é claro também que istJ
mente ao seu presente. Do acúmulo se reflete em toda a vida da igreja :
de informações a respeito destas assim, se a fruição dos sacramentos
constantes, de suas relações, bem é igual para todos (como o pretende
como dos movimentos que, como a teologia oficial), não o é o seu mi-
ponto de referência elas permitem nistério. Através de atividades qu e
detectar, podem-se esperar resultados têm por correspondentes os concei-
de ordem qualitativa a níveis como tos de magistério, pastoral e gover-
o da sociologia e da antropologia: o no, mas também de diaconia, este
saber tem beneficiado certamente mesmo modo de articulação tem so-
mais da dialética da quantidade e da bre a totalidade da vida da igreja um
qualidade do que da fidelidade a or- influxo definitório e decisório. Ora,
todoxias ou a teorias erigidas a priori. o exercício destas atividades ou fun-
E, quando se capta, para além das ções, em suas múltiplas formas, des-
relações e das estruturas, o movimen- vela progressivamene haver uma
to do real, pode-se ter a esperança considerável variedade de posições
de um saber a seu respeito. í: nesta dentro do clero: pode ser ele, segun-
dirPcão que se orientam as conside- do linguagem corrente, progressista,
rações seguintes. moderado, conservador e, nos limites,
revolucionário e reacionário. O pri·
Estruturas, Movimentos, Tendincias mado do clero torna mesmo estas po-
sições mais fáceis de identificar em
Não se pode negar que a igreja ro- seu seio do que entre os leigos, par-
mana, desde longa data, se articula ticularmente se se deseja conhecer
em torno de dois pelos e entre es- movimentos e não simples posições
tes: o elemento clerical e o leigo. í: (o caráter rigorosamente intra-ecle-
verdade que, de um ponto de vista sial de um movimento leigo é sem-
estritamente teológico, a distinção pre menos claro). Pode- se mesmo ter
entre eles não é adequada; demais em conta de provável que os movi-
disso, é ela historicamente problemá- mentos leigos, quando se debatem
tica no que concerne aos primórdi:>s. contra a repressão da hierarquia.
Mas não se pode negar a sua vigên- tendem a resolver o conflito por sua
cia no caso brasileiro, bem como é saída em bloco da igreja, com ou sem
mister admitir resultar esta distin- uma consecutiva dissolução, enquan-
ção de um processus cumulativo que to os movimentos clericais se dissol-
é o de toda a História tanto ociden- vem pela atomização de seus mem -
tal como oriental. Esta bipolarização bros, mediante a saída da igreja ou
permite dividir a população católica do clero, a marginalização ou acomo-
em duas proporções cuja quantidade dação. Isto ocorre especialmente com
numérica está na razão inversa da movimentos progressistas ou radicais
concentração de funções e competên- de esquerda; os movimentos de direi ·
cia e, portanto, de "poder aparente". ta, conservadores e reacionários,
Pode-se, pois, começar a procurar e muito dificilmente perdem o seu es-
a detectar os movimentos que se pro- tatuto eclesiástico. Este último fato

-36-
merece toda a atenção pois bem pode sente. Os termos a expressá-las cir-
constituir uma tendência inerente à culam livremente: revolucionária,
própria estrutura. progressista, moderada, conservadora,
Uma outra forma de articulação reacionária. Mas, o que quer dizer
que constitui um ponto de partida tudo isto e como se manifesta, quais
respeitável para a descoberta das ten- as suas formas, componentes e deter·
dências que se notam no catolicismo minantes é o que importa esclarecer,
brasileiro, é de ordem mais propria- o quanto possível no movimento de
mente dinâmica. Tudo, na igreja, se conjunto da igreja e da sociedade ci·
move segundo duas direções contrá- vil. Para tanto, importa considerar
rias: o interior e o centro de consis- sempre as interações concretas en
tência desta ou o que se chama o tre clero e laicato, seja quanto à
mundo exterior. Além disso, esta du- contradição que esta divisão reflete,
pla ordem de movimentos tende a seja quanto à própria ''realidade" da
valorizar diferentemente o tempo ''ordem'' por ela representada. Igual-
passado e o futuro e formar-se con- mente, importa ver que tendências
cepções da história inversas ou con- se orientam para fora e que tendên-
trárias. Pode- se dizer que, de modo cias para dentro da igreja e por que
geral, até o Concílio Vaticano IJ to- a oposição se instaura, bem como em
dos os movimentos oficiais e oficio- que medida é ela a forma de um an-
sos de igreja eram centrípetos e se tagonismo. Enfim, é necessário dar
rP.solviam no interior desta (ao me- a tudo isto uma forma qualitativa e
nos em suas intenções). Não há me- chegar a uma definição que abranja
mória de que tendências contrárias as formas de catolicismo oficial, ofi-
tenham chegado a assumir a forma ciosos e popular.
de movimentos significativos d~ntro A pesquisa conta como fontes com
da igreja até o referido marco. Des- pesquisas já feitas anteriormente e
de então, porém, isto tem-se verifi- de caráter mais particular. No que
cado como "tendência'' cujo alcance concerne ao episcopado e ao clero,
importa determinar, mesmo em casos pode-se contar com suficiente do-
nos quais se exclui sistematicamente cumentação de caráter primário ou
que a igreja possa ser um simple8 originário. Já no que diz respeito às
meio. A tese central em torno da formas populares de catolicismo, tais
qual se pode teorizar a respeito des- fontes são muito mais raras e deve-
ta tendência é a que afirma não ser se contar com pesquisas de campo e
a igreja (ao menos como instituição documentos cuja condição de fonte
e historicamente) a essência do "Po- primária tem que ser verificada em
vo"; ao contrário, este é sempre fim cada caso. Os estudos desenvolvidos
no anúncio e no advento do "Reino". nos últimos anos pelo CERIS e pelo
O estudo desta tendência tem espe- INP, bem como por outras institui-
cial importância para os casos das ções e autores, demarcam em grande
"comunidades de base'' e dos movi- parte os passos a seguir. Todavia, é
mentos sociais e políticos de vário necessário delimitar o estudo fixan-
matiz. Importa também saber o que do a atenção tão somente naqueles
distingue movimentos centrífugos m- fenômenos dotados de suficiente am-
trinsecamente eclesiais de explora- plitude para poderem ser considera-
ções oportunistas do espaço-tempo dos expressivos da igreja como todo.
político gerado pela igreja: esta dis- Além disso. não é possível perder de
tinção é de máximo alcance para a vista que a complexidade da realida-
última década do caso brasileiro. de religiosa brasileira ainda está em
boa parte por investigar. Enfim, im-
Objeto e Meios porta esclarecer que os marcos aci-
ma fixados, particularmente o que
O objeto que se visa estudar nel>ta divide a igreja em clero e laicato,
pesquisa parece claro: trata-se de se têm um valor relativo, permitindo vi-
identificar que tendências, articula- sualizar os movimentos, que podem
das ou não em movimentos, caracte· perfeitamente englobá- los e extrava-
rizam o catolicismo brasileiro no pre- zar os seus limites.

- 37-
A Igreja Católica e o Problema
da Terra no Brasil
José Ricardo Ramalho
Neide Estercl

Introdução de discussão interna a respeito da


participação legítima da Igreja na
Nos últimos anos, a Igreja Católi- vida social e política das comunida-
ca tem desempenhado um papel po- des onde atuava.
lítico relevante na América Latina. No Brasil, sabe-se que a Igreja não
Este desempenho tem sido sobretudo é um bloco homogêneo, e sua voz
expressivo naqueles países nos quais, oficial, na verdade, expressa a posi-
ao longo desses anos, formaram-se ção do setor hegemônico na sua hie-
regimes autoritários cujas políticas rarquia. Entretanto, no enfrentamen·
anti-populares passaram a requerer to das dissensões, tendo em vista a
o bloqueio cada vez mais efetivo dos necessidade de manter uma certa ho ~
canais de manifestação dos setores mogeneidade ideológica dentro da
descontentes da população . instituição, o grupo hegemônico, atra-
No Brasil, pós-64, o arbítrio não vés de suas posições oficiais, tem as-
tem sido menor, e a restrição aos sumido também a defesa da "popula-
canais de expressão dos alijados do ção oprimida e explorada" (caracte-
poder atingem não só os partidos e rísticas dos setores mais progressis-
or,ganizações politicas, mas também tas da Igreja) ainda mais porque a
todas as formas de associação popu- política do Estado brasileiro tem se
lares: as Ligas Camponesas foram caracterizado por um cunho anti-
extintas, fizeram- se intervenções nospopular e de desrespeito aos direitos
sindicatos, tanto rurais como indus- humanos mais fundamentais.
triais, eliminaram-se lideranças de A Igreja Católica se tornou assim,
trabalhadores. Nesta stuação a Igre- um dos poucos organismos da socie-
ja adotou a bandeira dos ''oprimi- dade civil brasileira de envergadura
dos'' , servindo-lhes de porta-voz e significativa no confronto com o Es-
abrindo-lhes espaço para expressão tado.
de aspirações e reivindicações (além
de todo um repensar teológico sobre Objetivo da Pesquisa
seu papel). No trabalho que nos propomos rea-
Se este tipo de atuação por parte lizar interessa-nos a lgreja não en-
da Igreja já era adotado antes, cons- quanto unidade institucional e de
tituía, no entanto, opção de alguns ação, mas, aqueles de seus setores e
setores e, nessa medida, não implica- atividades mais diretamente ligados
va numa definição mais ampla da aos "pobres e oprimidos" que se de-
Igreja. Em 1968. no entanto, ao ar. finem por uma pastoral popular no
bítrio dos regimes autoritários veio sentido de opção por uma teologia e
somar-se, para definição do posicio- uma linha de ação que partem do
namento da Igreja latino-americana, "povo" e do atendimento de suas ne-
a realização do Congresso de Medel- cessidades .
lin com a proclamação de uma linha Pensamos poder entender o signi-
de ação em favor dos "mais necessi- ficado social desta opção, a maneira
tados". A conjunção desses dois fa- pela qual ela tem sido posta em prá-
tores, estimulou um amplo processo tica e como têm sido enfrentados os

-38-
obstáculos que a ela se opõem, refie· a partir de encontro realizado em
tindo sobre uma área específica de Goiânia no ano de 1975, com o ob·
atuação que ganhou vulto no Brasil jetivo de discutir a questão da terra
pós-64, Referimo-nos à atuação jun- na Amazônia 2. A primeira parte de
to aos "pobres do campo" que recen· ESiludos expõe as conclusões inter-
temente se institucionalizou pela for- pretativas e as metas pastorais traça-
mação da Comissão Pastoral da das para a região; a segunda parte,
Terra. sob o título "Antologia de documen·
A atuação da Igreja nesta área se tos e pronunciamentos pastorais''
faz tanto mais ampla e significante (pp . 39/136) procede a uma compila-
na medida em que, à inibição e de- ção de documentos e pronunciamen-
sarticulação das associações e orga- tos produzidos nos anos de 50, 60
nizações populares, veio somar-se o e 70.
irrestrito ap oio dos governos pós-64 Nosso objetivo principal é estudar
a expansão dos grandes capitais pri- os documentos produzidos depois de
vados, nacionais e estrangeiros, em 64; achamos útil, no entanto, fazer
direção à área rural. Os "pobres" do uma ligeira incursão nos anos ante-
campo passaram a disputar com os riores e o faremos aqui, ainda que
representantes do grande capital os provisoriamente, valendo-nos desse
recursos existentes, fundamentalmen· material produzido pela CNBB.
te a terra. Enquanto os órgãos ofi-
ciais (Incra, Sudam, Sudene, Delega- Breves considerações sobre os
cias do Trabalho) optavam pela omis- documen :os de 50 e 60
são ou se colocavam francamente ao
lado das grandes empresas, os agen- "Conosco, sem nós ou c:mtra nós
tes pastorais locais partiram para se fará a reforma rural'' é o título
uma definição cada vez mais organi- sugestivo do primeiro pronunciamen-
zada e generalizada de defesa de to com o qual nos defrontamos (pp.
"posseiros" , "peões" assalariados e 43/53). O nós do título inclui os 60
pequenos proprietários, ameaçados párocos, 250 fazendeiros , mais 270
em seus direitos de acesso à terra e professores rurais, religiosos e reli·
ao trabalho. giosas que se reuniram na "Primeira
Com a participação da Igreja nesta Semana Ruralista", em Campanha,
área de contradições da sociedade. a Minas Gerais, no ano de 1950 para
divulgação e discussão em torno das discutir o problema do campo.
questões geradas no campo cresceu
enormemente, produzindo, a partir de Chama-nos atenção, primeiramente,
determinado momento, uma série de o fato do encontro não contar com
documentos, declarações e relatos de a presença de trabalhadores rurais.
conflitos aos quais a nação não tinha Estes são referidos como objetos da
acesso nos momentos anteriores de ação de outros, mas não como atores
vigência do regime autoritário. Cons- e, no encaminhamento de soluções os
tituem esses docum entos, declarações párocos, as professoras, os fazendei-
e relatos, uma fonte riquíssima de in· ros é que são investidos de autorida-
formação sobre as questões que nos de para avaliar e traçar metas a
propomos investigar. seguir.
Pensando os trabalhadores rurais
Levantamento inicial como um contingente ao mesmo tem·
po desprotegido e perigoso, o do-
Nos últimos anos, a Igreja não ape- cumento pretende que a Igreja "se
nas produziu documentos novos ex- antecipe à revolução'' . Para tanto m·
pondo sua posição atual frente à voca nos patrões o espírito cristão
questão agrária. Teve necessidade de mais que o cumprimento às leis E
retomar seus próprios passos numa dispõe-se a formar líderes trabalha·
tentativa de registro e reavaliação, dores cristãos para que entre eles
talvez. não surtam efeitos as "perigosas se-
Temos em mãos, por exemplo, Es· duções daqueles que enxergam ne·
tudos da CNBB, n.0 11 1, elaborado le(s) um caldo de cultura fecundo

-39-
para o bacilo das agitações e das re· mencionados. Como falar em Refor-
voluções violentas ... " (p. 50). ma Agrária implica tocar no princí·
Paternalista, o documento exclui o pio de propriedade, em estabelecer
trabalhador da discussão e das de· regras de desapropriação, a atitude é
cisões a respeito da miséria que o de cautela; que a Igreja não perca
atinge; pacifista, o documento não só seu rebanho para os "agitadores''
pretende eximir de qualquer violên- com as ''tochas incendiárias'' de sua
cia o processo de resolução da situa- argumentação:
ção à qual se refere, como também " ... é u·tópico no nosso meio e nas
tende a negar que a violência e o nossas circunstâncias pensar-se em
conflito sejam componentes estrutu- desapropriações de larga escala (não
rais das relações entre patrões-pro· há recurso, nem clima psicológico
prietários e trabalhadores-despossuí- nem maturidade politica para tanto)"
dos. (p. 72) (grifos nossos).
Ingenuamente propõe como so- ''. . . em casos de terras mal ocupa·
lução: lias, ... , procure o Est·ado estimular
"Desproletarizar o operário dos os proprietários a ceder a parte não
campos deve ser a palavra de ordem explorada dos respectivos domínios
desta nova cruzada. E a ela se de- em troca de recursos . .. " (p. 72) (gri-
vem dedicar, de corpo e alma . o Go· fos nossos).
verno, a Igreja e os proprietários ru- Com tantos cuidados com relação
rais, pois ela é um imperativo de jus- às medidas de desapropriação, o do·
tiça social agrária e dela só poderão cumento acaba por minimizar a ne·
advir benefícios para a comunidade cessidade de dar aos trabalhadores
nacional" (p. 51). ncesso à terra, seu meio de vida por
E'Ssas noções de que os interesses excelência:
de patrões-proprietários e trabalha- "· · . não entregar um pedaço de
dores- despossuídos são conciliáveis, terra: esta de bem pouco ou de nada
de que a dissensão entre eles vem lhe valerá. faltando-lhe ajuda técnica
de fora como anemia, doença, "baci- e financeira, e, sobretudo, faltando-
lo'' e pode ser evitada; essa idéia de lhe um mínimo de formação; ... (p.
que é possível falar-se e agir-se com 72) (grifos nossos).
relação aos grup::>s sociais como "co- No sentido de valorizar a referida
munidade" , se confirmam nos do· ''formação'', segue-se uma série de
cumentos de 52. Em "A Igreja e a recomendações com relação a instru-
Amazônia" (p. 68) firmado por Arce- ção técnica, religiosa, sanitária e ou-
bispos, Bispos e Prelados da Amazô· tras. Ou seja, a questão fundamen-
nia, reunidos em Manaus, de 2 a 6 tal é coutornada e a proposta culmi·
de julho de 1952 se lê que: "Insu- na com a imagem do pároco rural
fl ar uns contra os outros (seringalis· coordenando "as forças vivas da CO·
tas e seringueiros) seria facílimo, po- munidade rural" (p. 73).
rém inglório e inumano, . . . Desco·
brir líderes nos dois campos e for- Esta idéia de "comunidade" rural,
má-los no espírito de caridade e jus- que já nos havia chamado a atenção
tiça . ... '' eis o que a Igreja tem por anteriormente permite pensar os pro·
tarefa na busca de solução "dos gra· blemas como circunstanciais e não
víssimos problemas com que se de· estruturais, e as relações entre pa·
fronta o trabalhador rural ... " (p. trões/proprietários e trabalhadores/
68). despossuídos do ponto de vista falso
Nesse mesmo ano de 1952, a Igreja de uma igualdade que na verdade
se confronta com um outro termo in· não existe :
cluído na problemática sobre o cam- "O vaqueiro, o rendeiro de arroz,
po: a Ref::>rma Agrária, tema propos· . . . vivem não raro, em regime de
to numa publicação do Ministério da verdadeira escravidão ...
Agricultura (pp. 69/75). De outra parte também há casos
A atitude expressa com relação à de rendeiros infiéis às obrigações
Reforma Agrária confirma as noções que têm para com a terra e os seus
percebidas nos textos anteriormente proprietários''. (p. 74) ·

-40-
Com esta noção de c()nflito e de- Agrária Católica, os Sindicatos Ru-
sarmonia circunstanciais que podem rais, as Frentes Agrárias, o Movi·
ser sanados pela restauração da "co- mento de Educação de Base estão
munidade", a Igreja nestes documen- entre as mencionadas no documento
tos se opõe aos "comunistas" e "agi~ a que estamos nos referindo (pp.
tadores'' que estariam "insuflando" a 125/126).
discórdia e a violência. Na prática, c:>mo é sabido, muito8
De qualquer modo a questão agrá- desses movimentos ou setores dele!
ria parece tão grave aos olhos da adiantaram-se à proposta oficial da
Igreja, e isto no duplo sentido de in- Igreja emitida nos pronunciamentos
justiça social e perigo de propaga. aqui brevemente examinados. Ao ní·
ção do "credo vermelho', que cons- vel dos próprios documentos, entre-
titui o foco de preocupações da pri- tanto, muit:> resta a explorar. Pare·
meira reunião da Comissão Central ce significativa, por exemplo, a la·
da CNBB realizada após a publicação cuna de pronunciamentos verificada
da "Mater et Magistra" (pp. 120/127). no registro de Estudos da CNBB, en-
Fundamentalmente, são os mesmos os tre os anos de 63 e 70. Nosso pró-
conceitos emitidos sobre a questão. ximo passo na pesquisa será refletir
Entretanto, neste início da década de sobre esta lacuna e sobre a mudança
60 já é grande o número de organi· operada na argumentação da Igreja
zações através das quais a Igreja se face a questão do campo e que se
dispõe a operar na área rural: a Ju- percebe ao confrontar os documentos
ventude Agrária Católica, a Liga de 50 e início de 60 com os atuais.

Notas 2. O encontro, patrocinado pela Linha


Missionária da CNBB e pela Pontifícia.
Comissão Justiça e Paz - Secção
1. Todos os documentos referidos neste Brasileira., con teu com a presença de
trabalho foram retirados de Pastoral 67 participantes entre os quais Bis-
da 'I'erra. da coleçl\o Estudos da CNBB, pos, Prela.dos, técnicos e observadores
n.o 11, Edlçõeõs Paullna.s, São Pau- Interessados na Região Alnazônica e
lo, 1976. na questão da posse e use da terra.

41-
"BRASIL, URGENTE ":
Enganjamento Cri stão no
Brasil 1963-1964
Pau lo Cezar Botas

A revolução cubana de 1959 desem para ajudar os bispos a compreende-


penhou um papel catalisador na po· rem melhor os problemas do conti-
lítica dos anos 60. Os países da nente. O estudo propunha um pro-
América Latina tiveram que se defi· jeto de ação social nos meios univer-
nir em relação ao processo revolucio· sitários, operários e camponeses vi-
nário cubano. A revolução cubana sando a formaçã o dos leigos. Segun-
tornava possível uma revolução efe· do este estudo a Igreja deveria as-
tiva no Continente latio-americano. sumir o projeto de reformas das es-
Até então, a Revolução estava perdi· truturas, agir através do seu laicato
da nas estepes orientais e seus ecos e desempenhar um papel suplemen-
eram transmitidos pelos arautos hie· tar face a falência de certas institui-
rárquicos e dogmáticos dos PCs. A ções sociais. Para isto deveria usar
situação de sub-desenvolvimento da os meios de comunicação de massa .
América Latina e a possibilidade real Esta ação deveria ser exercida prio-
de uma revolução social no continen. ritariamente nos meios rurais atra-
te determinava que se procurasse a vés da organização de sindicatos e
solução de uma revolução não-comu- cooperativas. No domínio cultural,
nista. através de campanhas de alfabetiza-
Em 1961, o Presidente Kennedy ção e escolas de formação de técni-
lançava as bases de uma Aliança para cos e instrutores.
o Progresso, um programa de assis· François HOUTARD, na sua intro-
tência para a América Latina cuja dução a este estudo o justificava:
finalidade era mobilizar os esforços
e as fontes dos países americanos "A experiência de Cuba pode-
contra as injustiças e as desigualda- ria não ser a única que viverá a
des do continente latino-americano. América Latina nos anos ou me-
A Carta da Aliança para o Progresso ses qu e seguem. Sem sermos
foi assinada em Punta del Este, Uru- alarmistas, não podemos, entre-
guai, em agosto de 1961, por todos tanto. esconder de nós mesmos
os membros da OEA. com exceção de as dimensões reais do proble-
Cuba. Os países signatários se enga- ma'' (1)
javam nos "princípios democráticos"
e no estabelecimento dos programas Em 1962, a revista chilena MEN-
nacionais de desenvolvimento funda- SAJE, editada pelos jesuítas coman-
dos na noção de "ajuda mútua" . dados pelo Pe. VEKEMANS lançava
A Igreja latino- americana partici- a idéia da "Revolução na Liberdade"
paria deste desafio apresentado pela que mais tarde se cognominou "Re-
Revolução Cubana. Em 1962, a volução Metafórica". Esta "revolu-
FERES (Federação Internacional dos ção na liberdade'' seria desencadea-
Institutos Católicos de Pesquisas So- da e dirigida pela "classe mais rica"
ciais e Sócio-Religiosas) terminava e melhor "dotada intelectualmente",
um estudo sobre a América Latina "do alto para baixo, econômica e tec-

-42-
nologicamente". Esta tese influen- puli" até as Encíclicas Sociais reco-
ciou muit:> a formação de uma ideo- nhecendo a necessidade prioritária
logia da Revolução Cristã". (2) da participação d:>s cristãos junto
No Brasil, no início dos anos 60, aos homens de boa-vontade.
esta idéia da participação dos cris- A Igreja Católica começava a sair
tãos na Revolução nascera no seio da do jugo aristocrático de Pio XII. Não
JUC (Juventude Universitária Católi- condenava mais os judeus pela morte
ca), do MEB (Movimento de Educa- do Cristo, nem mais rezava, a:> final
ção de Base) e encontrara no movi- da Missa, as três ave-marias pela
mento da AP (Ação Popular) sua ex- conversão da Rússia .. .
pressão política mais precisa. Neste A atuação dos cristãos "progressis-
momento a Ação Católica brasileira tas" considerava estas duas dimen-
era fortemente influenciada pelo sões: o engajamento social baseado
pensamento de Maritain, de Mounier, no programa da Doutrina Social da
de T. de Chardin, e pelo movimento Igreja e a ameaça constante de um 1
''Economia e Humanismo" do padre revolução como a cubana.
Lebret.
No quadro social, o tema dominan- No Brasil, a crise provocada pela
te era o das Reformas de Base. O renúncia do Presidente Jâ'nio Qua-
fantasma da possibilidade de uma re- dros, em 1961, e pela tentativa de
volução comunista conduzia os cató- um golpe de Estado militar contra
licos a apoiar a política das reformas Goulart. seu sucessor legtimo, mos-
propostas pelo governo. Estas refor- traria a existência de uma crise agu-
mas substituiriam a necessidade de da no sistema. O populismo, enten-
uma revolução produzindo os mes- dido como política de aliança entre
mos resultados com menores gastos . as classes (burguesia industrial e
Deve-se considerar o papel de- proletariado urbano) mostrava-se in-
sempenhado pelo ISEB (Instituto Su- sustentável. O proletariado industrial
perior de Estudos Brasileiros) na tinha uma participação política cada
criação de uma ideologia desenvolvi- vez maior no processo de desenvolvi-
mentista nacional. Um capitalismo mento nacional e se encaminhava
nacional era intransigentemente de- para uma autonomia de ação. A si-
fendido . (3) tuação se agrava mais através da
Outro fato importante, e pouco re- prática da política de massas que
marcado, é a participação dos evan- atingia a s:>ciedade agrária, tendo
gélicos neste processo. Se pelo lado como intermediária as Ligas Campo-
católico, as bases estavam mais en- nesas, os Sindicatos Rurais e o MEB.
gajadas na luta pelas reformas atra- Neste contexto, aparece em março
vés dos seus movimentos estudantis; de 1963 o jornal BRASIL URGEN-
do lado evangélico, assistia-se. atra- TE. Fundado em São Paulo por uma
vés dos seus pastores e intelectuais, equipe de leigos sob a direção de frei
uma conferência - do Nordeste - Carlos Josaphat, religioso dominica-
sob a égide da Confederação Evangé- no, este hebdomadário era um ins-
lica do Brasil, realizada no Recife em trumento útil para a divulgação do
julho de 1962, sob o lema "Cristo novo pensamento católico. Desde
e o Processo Revolucionário Brasi- se u nascimento até a sua morte o
leiro". jornal criticara os meios políticos
A elaboração de uma teoria cristã tradicionais e apoiava Goulart nas
revolucionária e a justificativa teoló- suas Reformas de Base. Desta manei-
gica da revolução encontrava nos ra o jornal atrairia a atenção dos mi-
evangélicos a sua expressão mais ela- litantes católicos e se tornaria o alvo
borada. preferido dos católicos conservado-
Por outro lado, o surgimento de res. A UNE (União Nacional dos Es
João XXIII no cenário da Igreja Uni- tudantes) neste período, sob a dire-
versal com o Concilio Ecumênico Va- ção dos militantes da JUC e da AP,
ticano II inaugurava uma fase de dava um apoio inconteste ao jornal.
aggiornamento para a Igreja que ia Para Ruy Mauro MARINI, BRASIL,
desde a missa celebrada "versus po- URGENTE• era o jornal da AP. (4)

-43-
A finalidade do nosso trabalho é cial". Começava suas atividades com
sistematizar a evolução polític:>-ideo- o apoio da hierarquia católica e da
lógica do jornal. Ela se traduz pela Província Dominicana. Muitos o cha-
sua participação na luta política do mavam "o j::Jrnal dos padres". Seu
período 63-64. BRASIL. URGENTE título traduz seu duplo objetivo po-
sofreu - como os outros grupos de lítico:
esquerda - do radicalismo verbal
expresso nas ameaças constantes ao 1. Era urgente inaugurar uma po-
"tigre ferido". Da subestimação da lítica de reformas a fim de evi-
ofensiva golpista e da confiança ili- tar uma revolução como a
mitada no dispositivo militar de João cubana.
Goulart. Neste eufórico envolvimen- 2. Era urgente levar os cristãos a
to não consideraram a mudança po uma participação do process:>
lítica externa americana após a mor- social. Estes deviam assumir a
te de Kennedy. Que os interesses liderança do processo e superar
norte-americanos "não puniriam com os comunistas no seu projeto
o não-reconhecimento" os golpes revolucionário.
contra os "regimes democráticos le-
galmente constituídos''. E que a Os meios de subsistência do jor-
HANNA CO - uma das principais nal eram os de uma sociedade de ca-
representantes do capital internacio- pital aberto. Provinha da venda de
nal - não descansaria até conquis- ações. Tinha 8.000 acionistas e sua
tar plenos poderes; no natal de edição era de 60.000 exemplares com
1964. . . recebia de presente do Ge- um encalhe de 20%, Coletas e con-
neral Castello Branco os direitos ferências eram realizadas para a ma-
para explorar os minérios do Brasil nutenção do jornal. A sua editora se
e aniquilar o pôr-do-sol das serras de intitulava Ed. VERITAS como a di-
Minas Gerais . . . visa dos dominicanos. A equipe do
A finalidade do nosso trabalho não jornal mantinha contatos freqüentes
é fazer uma crítica das idéias revo- com os membros da FRENTE PAR-
lucionárias em nome de uma teoria LAMENTAR NACIONALISTA.
revolucionária pré-estabelecida, nem Dividimos nosso trabalho em três
de reduzir a realidade sócio-política a partes que cobrem três períodos da
uma simples verificação dos dogmas vida do jornal. Retivemos igualmen-
desta teoria. Pretendemos evidenciar te a experiência pessoal de frei Car-
a importância deste jornal no con- los Josaphat. Uma está ligada à ou-
texto social da época. As mudanças tra. Na medida que o jornal seguia
que sofreu e sua evolução político- a radicalização do processo social -
ideológica são uma conseqüência da da crítica do imperialismo à crítica
prática social dos seus diretores e do capitalismo - e apresentavam
colaboradores, muito mais que da sua uma alternativa socialista, tanto o
orientação ideológica. jornal como frei Carlos sofriam a
Acreditamos que no atual contex- conseqüência de sua prática social.
to brasileiro é muito importante co- A primeira parte cobre os primei-
locar ao acesso do público mais jo- ros 24 números do jornal. Este pe-
vem todo material que permita uma ríodo vai de 17-3-63 a 25-8-63. O jor-
leitura fiel do passado recente e aju- nal denunciava a infiltração imperia-
de uma compreensão mais lúcida do lista na indústria farmacêutica bra-
presente e do futuro. sileira, defendia a reforma agrária
BRASIL, URGENTE, cujos exem- nos quadros do projeto apresentado
plares praticamente desapareceram, p:>r Plínio Arruda Sampaio, do PDC.
é uma preciosa documentação ainda Defendia a UNE, o movimento dos
que não exaustiva. Sargentos, a greve da Perus, em São
O primeiro número de BRASIL, Paulo. Denunciava a ação do IBAD
URGENTE aparecia no dia 17 de (Instituto Brasileiro de Ação Demo-
março de 1963. E o jornal se dizia crática) e do IPES (Instituto de Pes-
"a serviço do povo e da justiça so- quisas e Estudos Sociais). Frei Jo-

-44-
saphat era o diretor de BRASIL, volução Cristã inspirada de MENSA-
URGENTEJ durante estes 24 números. JE. Esta idéia evidenciava o proces
A segunda parte vai do número 25 so global de radicalização política, a
de 17-9-63 ao número 40 de 15-12-63. intensificação das lutas camponesas,
São 15 números. BRASL, URGENTE a tentativa da criação de uma FREN-
se engajava na critica do capitalismo TE úNICA das forças nacionalistas.
e começava a propor uma alternativa O jornal denunciava a mobilização da
socialista. O jornal inaugurava uma direita visando preparar um golpe de
política ecumênica que ultrapassava Estado.
os limites das relações oficiais de ce- O esforço da hierarquia católica e
lebrações litúrgicas (etc. entrevista da Província Dominicana para desmo-
do Pastor Shaul no n. 0 30 de bilizar o trabalho do jornal não sur-
6-10-63). Frei Josaphat aparecia como tira efeito. Os grupos que agiam
fundador do jornal a partir do seu através do jornal, sobretudo a AP, ha-
n. 0 25. Neste momento a crise entre viam organizado um outro esquema
BRASIL URGENTE e a hierarquia da de sustentação: as SABUS (Sociedade
Igreja Católica e da Ordem Do-mini- Amigos de BRASIL, URGENTE). Em
cana, começara. O jornal seguia o pouco tempo, pequenos comitês de
processo de radicalização das "forças ação política agiam em vários luga-
nacionalistas'' reunidas na FRENTE res do Brasil discutindo as teses do
DEJ MOBILIZAÇÃO POPULAR. O jornal e apresentando a alternativa
jornal assumia o projeto socialista da socialista. Na sua fase final, BRA-
Ação Popular. E provocava uma fis- SIL, URG'ENTE se somava às posi-
sura no interior da Igreja Católica. ções nacionalistas de Leonel Brizola
A CNBB publicava uma nota oficial que era sustentada pela ala mais ra-
afirmando que o jornal não era um dical da AP. A radicalização numa
jornal "católico". Em seguida, a linha brizolista era uma alternativa
Província Dominicana retirava seu para os cristãos progressistas pois:
apoio ao jornal e enviava frei Carlos 1 . Seriam mais radicais e eficien-
Josaphat para a Europa em dezem- tes que os comunistas que se
bro de 63. Numa carta aberta pu- identificavam com o reformis-
blicada nos jornais de São Paulo, os mo do PCB.
dominicanos afirmavam que
2. O nacionalismo radical de Bri-
"A responsabilidade das posi- zola era não-marxista.
ções assumidas pelo jornal com- 3 . Os brizolistas eram o grupo
pete à sua direção, composta de que se organizava para enfren-
um grupo de leigos e não com tar a contra-ofensiva da direita.
promete a pessoa de frei Carlos No entanto, o radicalismo verbal
Josaphat e, menos ainda, da Or· não teve forças para enfrentar a
dem Dominiiana". (5) ofensiva golpista que aconteceu de
uma maneira desordenada. Os auto-
A terceira parte, cobre os últimos res do golpe de Estado se surpreen-
quinze números do jornal do 41 de deram com a facilidade da sua vitó-
22-12-63 ao 55 de 28-3-64. No plano ria e desmantelaria em algumas ho-
ideológico BRASIL, URGENTE con- ras todo o esquema aparente de sus-
tinuava a aprofundar a noção de Re- tentação da luta revolucionária .. .

NOTAS 3. Ver a obra de CAIO NAVARRO DE


TOLEDO, ISEB: Fãbx!ca de Idecloglas,
Ed. Ãtlca. Slio Paulo , 1977.
1. HOUTARD François - L'Egllse latl- 4 . HARINI, Ruy Mauro - Sous-dévelop-
no-a.merlcáne à l'heure du Conclle, pement et revolution en Amerlque La-
FERES, Frlbrourg - Bogotã, 1963, 68pp tine, Ma.spero, Paris , 1972.
2. MENSAJE, Vlslon cristiana de la Revo- 5. Carta publicada no "0 ESTADO DE
luclon en Amerlca. Latina, n.o 115 Sll.O PAULO" no dia 6 de novembro
1962. de 63.

-45-
A I D E OLOGIA
DO P R O T E S T A N T I:: S ·M O
Rubem Alves

As afinidades entre a maneira pro- foram de silêncio, por vezes de apro-


testante de pensar e a ideologia libe- vação e, em alguns casos, mesmo de
ral são reconhecidas tanto por aque- cooperação com a ordem dominante.
les que estudam o Prot3stantismo Tanto assim que, em oposição à lgre-
quanto pelos próprios protestantes. ja Católica, os protestantes não fo-
Tal afinidade sempre foi encarada ram atingidos por pressões do Es-
por estes como um créditJ a seu fa- tado.
vor. Nas polêmicas que travaram Não podemos negar que há elemen-
com os católicos, por exemplo. os tos liberais no discurso protestante.
protestantes se apresentavam como O problema está em que não há for-
representantes de uma nova ordem mas de se harmonizar o seu com-
de coisas marcada pelo respeit:J ao in- portamento institucional com a ideo-
divíduo, pelo cultivo da liberdade de logia liberal. Parece existir um com-
consciência. pela valorização do es· ponente autoritário inconsciente na
forço pessoal, pelo amor à educação ideologia protestante, autoritarismo
e à democracia, em oposiçãa ao au- não reconhecido conscientemente,
toritarismo doutrinário e político dos mas efetivo e eficaz social e politi-
seus adversários. Até mesmo os ca- camente.
tólicos reconheciam os protestantes A solução mais fácil para o pro-
como liberais, muito embora intEr- blema é dizer que o Protestantismo,
pretassem o individualismo que os religião de minorias, passou a ser au-
caracteriza como um element.o con- toritário em decorrência do autori-
testatório da ordem político-social tarismo estatal. Se isto fosse verda-
estabeleCida e subversivo de sua es - de poderíamos fazer uma clara divi·
tabilidade. são na história do Protestantismo em
O comportamento do Protestantis· dois períodos: antes de 1964 e de-
mo, especialmente a partir de 1964, pois de 1964. O fato . entretanto, é
entretanto, trouxe à tona certos com- que antes de 1964 já se revelavam,
ponentes até então ocultos de sua em alguns grupos protestantes, com-
ideologia que nos obrigam a repen- portamentos claramente autoritários.
sar o problema. A partir desta dat'l Mas mesmo deixando de lado estas
passamos por um processo de liqui- explosões episódicas de autoritarismo
dação das instituições tradicional- evidente, podemos detetá- lo como
mente ligadas ao liberalismo: o esta- uma presesça sutil, despercebida mas
belecimento de um Estado autoritá- eficaz, nos mecanismos institucionais
rio e absoluto, a castração do poder comuns do Protestantismo.
judiciário, a intimidação do legisla Tomemos, como um exemplo, a
tivo, a censura da livre circulação de tendência protestaste para os cismas
informações e idéias, as violações dos e a proliferação de seitas e denomi-
direitos humanos. Se a tese de que nações. A interpretação deste fenô·
o Protestantismo é uma expressão da meno que o próprio Protestantismo
ideologia liberal estivesse correta se- ofereceu, é a seguinte: a Igreja Ca-
ria de se esperar que ele reagisse tólica, autoritária e hierárquica,
contra esta nova ordem de coisas. mantém a sua unidade graças à re-
Mas isto não ocorreu. Suas atitudes pressão do pensamento e das dissi-

46 -
dências. Este não é o caso do Pro- é a escola dominical. Ora, segundo a
testantismo. Educados no livre exa- ideologia liberal, o ensino é o ins-
me, os protestantes aprenderam a trumento privilegiado para o desen-
pensar por si mesmos. Por isto têm volvimento do indivíduo, de sua ca-
coragem e liberdade para se rebelar pacidade de pensar, de sua auto-
contra as instituições dominantes e nomia.
para criar outras que sejam expres- Se isto fosse correto seria lícito
sivas de suas convicções. esperar que da secular prática edu-
É bem possível que isto seja ver- cacional pr:>testante tivesse surgido
dade, quando o problema é encarado uma prolífica produção cultural.
do ponto de vista do indivíduo. Mas Mas tal não se deu. A contribuição
as coisas se complicam quando faze- da educação protestante para a cul-
mos a pergunta: Que mecanismos tura brasileira é praticamente zero.
institucionais são estes que obrigam É verdade que ela produziu gramá-
os indivíduos a deixar uma igreja, ticos e filólogos. Mas no campo da
no momento em que o seu pensamen- literatura, da música, das artes plás-
tJ e comportamento se tornam des- ticas e da própria teologia não existe
viantes? Não estaremos aqui frente coisa alguma di.gna de nota. O pro-
a organizações institucionais extrema- blema está em que a criatividade exi-
mente rígidas, que não fazem lugar ge uma ruptura com os padrões
para desvios dentro delas mesmas? dominantes de pensamento. Os pro-
A questão fica mais curiosa ainda cessos educacionais protestantes. en-
quando observamos o que ocorre na tretanto, cristalizam mecanismos de
Igreja Católica. Organização hierár- r epetição e reprodução dos esquemas
quica, sacramental, pretensamente sa- herdados d:) pensamento. Poder-se-ia
grada, monárquica, vertical: tudo alegar que o Protestantismo não
nos faz esp erar a existência de me- pode ser criativo por ser uma mino-
canismos de controle extremamen- ria. Mas tal explicação pressupõe que
te rígidos e eficazes para a elimina- a produção intelectual e artística vi-
ção dos desvios. Mas tal não ocorre. gorosa só pode florescer nos grupos
O que existe, ao contrário, é uma dominantes. Mas isto é contraditado
enorme flexibilidad·e institucional que pelos fatos.
permite a coexistência das mais va- O que me parece é que os proces·
riadas posições e tendências no seu sos educativos que socializam os in-
seio. No Protestantismo observa- se divíduos ao mundo protestante, lon·
o inverso: não existe espaço institu- ge de desenvolver potenciais criado-
cional para o desvio. Daí a inevita- res, são marcados por uma orientação
bilidade dos cismas. Se isto é ver- autoritária e dogmática que impede
dade os cismas não são a expres- o aparecimento do comportamento
são do liberalismo individual mas o individualmente diferenciado.
resultado do autoritarismo institu- Parece-me, assim, que estamos
cional. frente a mecanismos institucionais
Algo semelhante pode ser obser- que se desviam muito daquilo que se
vado quando analisamos os processos poderia esperar do liberalismo. Nos-
educacionais que caracterizam o Pro- so problema, portanto, será a recons-
testantismo. Em oposição ao Catoli- tituição do quadro ideológico incons-
cismo, que tradicionalmente foi mar- ciente, não articulado, autoritário .
cado por um comportamesto mágico- que se esconde sob um discurso li-
sacramental que relegava a um pla- beral.
no secundário as elaborações cons- O procedimento adotado na pes-
cientes. o Protestantismo é uma prá- quisa deste problema foi o seguinte:
tica educativa. Seus templos não são
lugares para a contemplação visual e 1. Tomamos como material para
imediata do sagrado, mas salas de a análise o discurso cotidiano dos
aula. O ~ eu centro é o púlpito, o lu- protestantes, tal como aparece nas
gar de onde se fala. Seus cultos são expressões comuns de sua fé, em ser-
momentos de aprendizagem e a sua mões, hinos. orações, folhetos e jor-
organização interna mais importante nais religiosos. Não nos preocupamos

-47-
com o discurso erudito dos teólogos cos dentro dos quais tal problema
e as afirmações oficiais da fé, pois pode ser pensado e resolvido. Se se
não existe evidênca alguma que nos retirar a questão da salvação da alma
autorize a tomar tal discurso como do centro do mundo protestante ele
expressivo da ideologia real dos fiéis. se desmantela.

2. Perguntamo- nos acerca da vi· 4. Aqui, entretanto, é necessário


são de mundo que tal discurso coti- indicar uma diferença fundamer.tal
diano ~vela, seus elementos funda- que separa o mundo católico do mun-
mentais e suas articulações. Em ou· do protestante. No mundo católico a
tras palavras, procuramos as "estru- salvação se processa magicamente,
turas categoriais" presentes no dis- através de uma comunhão sacramen -
curso protestante, estruturas estas tal entre o fiel e o corpo eclesial
que regem a forma como os protes- místico. A salvação não é mediada
tantes constroem o seu mundo. Fi- pelo "cogito" mas por uma solida-
zemos isto porque julgamos que o riedade participatória mística. O
comportamento é sempre mediatiza- pensamento ortodoxo não é decisivo.
do pela interpretação da realidade. Tanto assim que a Igreja, como já
Assim, para que um determinado indicamos. oferece um espaço insti·
comportamento seja adequadamente tucional para as mais variadas e
compreendido não basta indicar os opostas posições doutrinárias. No
seus pressupostos materiais. E isto Protestantismo, entretanto, todos os
porque tais pressupostos só se tornam elementos mágicos e sacramentais fo .
efetivos pela mediação dos sistemas ram excluídos. O que importa é um
simbólicos através dos quais são co- ato da consciência que confessa a
nhecidos. verdade. Isto exíge, obviamente, uma
definição clara do que é a doutrina
verdadeira. Ora, se este é o caso, a
3. As estruturas categoriais, en- liberdade de consciência que é dada
tretanto, não são auto-explicativas. ao fiel com uma mão lhe é retirada
E isto porque elas se estabelecem a com a outra. A verdade já está de-
partir de determinados impulsos prá- finida de antemão. O fiel é livre para
ticos. Max Scheler, a meu ver, de- a verdade, mas esta verdade não é
monstrou de maneira satisfatória qu e produzida pelo exercício de sua ra-
mesmo as categorias que regem a zão. Se assim fosse, o individualis-
ciência moderna só se tornam com- mo produziria uma série de verdades
preensíveis quando as entendemos em competição umas com as outras,
como expressões e ferramentas de e a salvação, que depende da confis·
uma atitude axiológica nova da bur- são da verdade (que só pode ser uma.
guesia, o desejo de costrolar e mani- e não muitas), estaria em perigo. O
pular a natureza e os homens. Per- Protestantismo se viu forçado a de·
guntamo-nos então: qual é o proble- finir a verdade salvadora por meio
ma fundamental que as estruturas de documentos denominados "con-
categoriais do protestantismo buscam fi ssões". Assim, muito embora o
resolver? Qual é a pergunta para a Protestantismo tenha visto na infali-
qual elas se constituem numa res- bilidade papal um assalto à liberdade
posta? Nossa conclusão foi que tal de consciência, ele criou mecanis-
problema fundamental é a ''salvação m:>s definitóros que. em virtude de
da alma" . Se isto for verdade tere- sua própra função, têm de ser abso-
mos de concordar com Troeltsch e·m lutos e infalíveis.
que o Protestantismo não significou
uma ruptura com a cosmovisão me- Assim, é essencial para o Protes-
dieval mas antes a sua recuperação. tantismo uma definição clara da ver-
Ao nível mais profundo existe uma dade. Uma vez atingido tal objetivo,
absoluta concordânci a entre o mun· quaisquer tipos de desvios têm de
do protestante e o mundo católico ser, necessariamente, reprimidos.
tradicional. As estruturas categoriais Qualquer desvio só pode ser inter-
do universo protestante são os mar- pretado como erro. E por que razão

-48 -
um grupo que detém o monopólio da jogar o jogo oficial. que negam o va-
verdade iria tolerar a propagação do lor de verdade de suas pretensões.
erro? Nossa conclusão é que o Protestan-
tismo analisado não é uma expressão
6. Estabelecido um mundo fixo e da ideologia liberal com convulsões
definitivo, definido como a verdade, totalitárias recorrentes, mas basica•
estabelecem-se mecanismos institu. mente um sistema autoritário com
cionais para o controle das heresias. períodos de mansidão liberal. Extra-
Heresias são, evidentemente, quais· polando nossas conclusões, e já no
quer formas de pensamento que se campo da especulação, poderíamos
desviem das normas cristalizadas. nos perguntar se a democracia libe·
Note-se que a heresia é mais peri- ral não representa um destes perío-
gosa que os "pecados da carne", pela dos de mansidão em que os meca·
mesma razão que o "pensamento nismos autoritários não se manifes-
subversivo" é mais perigoso que a tam, por haver um consenso ePtre os
corrupção. Aquele que comete os participantes da situação, unidos por
''pecados da carne", bem como o um interesse comum. Rompido este
corrupto, são pessoas que jogam o interesse comum, manifestado o con-
jogo oficial, aceitam as suas regras, flito de interesses, não será inevitá·
e trapaceiam. Os herejes, ao con- vel que a fúria totalitária se mani-
trário, são aqueles que se recusam a feste?

- 49 --
A FICÇÃO BATISTA
Elter Das Maciel

Introdução na perspectiva de reforço do que foi


retirado daqueles que se mostraram
Esta investigação completa um es- mais relevantes.
tudo feito sobre o protestantismo
Procedimentos
''histórico" brasileiro (O Pietismo no
Brasil - tese de doutoramento - Em relação aos procedimentos,
USP) onde procurei analisar o fenô-
meno religios0 através de três ên- uma das decisões tomadas desde o
fases principais: seu estrangeirismo, início foi a de não consid·e rar as pu-
blicações como literatura, mas enca-
seu rigor ético e sua inserção nos rá-las como docum entos ou depoi-
pressupostos da ideologia liberal. mentos significativos.
Uma vez que, no trabalho anterior, Esta atitude se deu em função de
a análise das três denominações mais duas constatações fundamentais: em
significativas (batistas, metodistas e primeiro lugar a discussão em torno
prebiterianos) exigiu maiores índices da qualidade dos textos em questão
de generalização, considerei oportuno se revelaria estéril e pouco elucidati-
trabalhar especificamente uma delas vo. Como o que realmente interes-
na busca da descricão mais detalha- sava era o esclarecimento do apare-
da de seus pressupostos e de sua lhamento conceituai de determinado
maneira de representar o mundo. grupo protestante, as publicações se
Isto pareceu mais acessível através mostraram bastante significativas,
dos trabalhos de ficção - romances consideradas simplesmente como do-
e novelas - que têm sido publicados cumentos.
pelos batistas.
Embora a pobreza da trama, a frá-
Estes mantêm uma junta (JUERP) gil construção dos personagens, as
encarregada de coordenar e publicar questões de estilo e o fato - funda-
os trabalhos produzidos pelos mem- mental - de não serem considerados
bros de sua congregação em todo o por críticos ou público fora do mun-
país. Além de incentivar e publicar, do batista, já autorizassem algum
a junta prom0ve concursos onde jul- avanço em relação a este problema,
ga e seleciona as obras produzidas. não foi necessário, num primeiro mo-
Em função disto a escolha das mento, efetuar esta discussão.
obras leva também em consideração Em segundo porque as tentativas
os critérios de um organismo oficial de produção na área da novela ou ro-
das Igrejas, embora não se prenden- mance, além de permitirem a desco-
do exclusivamente a estes. berta dos elementos constitutivos de
O índice de vendagem e a procura seu univers:> e de suas concepções,
de determinados textos, mesmo mais fornecem dados suficientes para a ex-
antigos, como a "Tríplice Vitória do plicação, mais complexa, da esterili-
Amor" de Munguba Sobrinho, foi dade batista neste campo (e creio que
também levado em consideração. Os em outros) da arte, isto é, as cate-
textos menos significativos (por se- gorias que o pietismo implantou no
rem repetitivos, de trama mais pobre Brasil trazem no seu bojo a rejeição
e de vendagem escassa), foram . em- de elementos indispensáveis à criação
bora examinados, utilizados apenas literária.

50-
Através da obra de ficção é possí- Uma vez que não se considera,
vel perceber com mais clareza a cons- através da postura utilizada, que um
trução do universo pietista e em- discurso ou um texto p::Jssam encer-
preender a busca de seu aparelha- rar por si a explicação de sua pro-
mento conceituai para a elucidação dução, era necessário procurar uma
de seu posicionamento em relação à estrutura mais abrangente. No caso
realidade circundante. Os trabalhos em questão os autores são batistas,
de criação - mesmo quando não se portanto representantes da visã::J
questiona a qualidade - fornecem pietista que eclodiu em determinado
rico material para a análise de uma momento do protestantismo mundial.
concepção de mundo. Trata-se da re- Embora considerando o mundo do
criação do mundo através de deter- pietista como a estrutura imediata-
minada ótica. mente abrangente a::>s autores esco-
Uma vez que vários trabalhos an- lhidos, ainda assim o procedimento
teriormente elaborados discutem o não se mostrou suficiente. Era ne-
problema através do discurso teoló- cessário lançar a questão numa pers-
gico, este enfoque permite avançar pectiva ainda mais ampla, ou seja a
um pouco mais no rumo de como, busca da gênese da religiosidade pie-
efetivamente, as categorias condicio- tista, o que nos levou à ideologia li-
naram sua maneira de ''reconstruir'' beral.
a sociedade brasileira. Para que não se inc:>rresse em ge-
Trata-se evidentemente de avançar neralidades deformadoras, o pietis--
com mais firmeza uma vez que os au- mo foi dissecando em seus elementos
tores recriam a sociedade através de mais substanciais e estes elementos
sua visão e não simplesmente medi- foram buscados na forma em que se
tam ou advertem a respeito dela. expressaram nos trabalhos produ-
Frisamos ainda que a pobreza da re- zidos.
construção traz também elementos Então, e só desta maneira, os tex-
esclarecedores, pois realçam aspectos t:>s "falam" ao revelar as categorias
marcantes da seletividade de sua que permitiram sua elaboração. As
percepção. categorias que se originam da ideo-
logia liberal e as mais específicas que
O posicionamento da investigação refletem a visão pietista (ética rigo-
rosa e estrangeirismo) vão tornando
Com o que foi dito anteriormente visíveis os pressupostos da criação
já se delineia parte da aproximação d::> s documentos e evidenciando a tes-
utilizada no trabalho: os aspectos situra ideológica que os informa.
empíricos parciais que vão s·endo aos Um capítulo sobre pietismo brasi-
poucos retirados dos textos, se in- leiro e arte se apresentou necessário
serem numa tessitura de comporta- na medida em que se torna cada vez
mentos e procedimentos significati- mais urgente explicar a esterilidade
vos que formam uma estrutura maior deste movimento que se utilizou da
que, por sua vez, une os dados en- ''armação" das igrejas protestantes.
contrados. Seu mundo "acabado'' e 'pronto" e
Isto implicou numa análise cuida- sua aversão ao corpo são elementos
dosa dos textos para que não se in- que explicam parte desta esterilida-
corresse em risco de fazê-los falar de. Embora não tenha sido possível
mais (ou menos) do que na verdade entrevistar artistas egressos do pro-
o fazem. A descrição exaustiva se testantismo, os texbs evidenciaram
torna necessária e as repetições - alguns aspectos importantes dos me-
dentro de um único texto, ou em di- canismos que impedem uma fertili-
versos trabalhos - foram cuidadosa- dade maior.
mente anotadas. Em relação às categorias oriundas
Isto feito, foi possível então uma da ideologia liberal, algumas consta-
oscilação que se processava em três tações foram mais elucidativas.
momentos: o texto, do texto ao pie-
tismo e do pietismo à ideologia li- 1) Há na maioria dos textos, certo
beral. destaque reservado aos personagens

51-
"ricos'' ou 'bem sucedidos" e grande nhuma explicação que transcenda o
parte da trama está em localizá-los individual é encontrada.
nas congregações ou trazê-los para a Levando-se em consideração que
comunidade religiosa. Ora são médi- estes elementos, se isolados, não po-
cos (Dilema de um Jovem) reconheci- dem oferecer segurança quanto a
dos no exterior, ora são industriais uma classificação mais rigorosa, pro-
(Outro Nome para Mara) abastad os curou-se observar o que representa-
que ocupam grande parte da atenção vam no conjunto de cada obra e no
dos autores. Em várias oportunida- conjunto de todos os textos esco-
des os personagens abastados mos- lhidos.
tram com sua adesão à fé, prestígio
para a congregação. E o exemplo de Conclusão
ricaços norte-americanos que perten-
ceram à denominação eventualmente Os resultados obtidos confirmam
aparece. de maneira bastante categórica o tra-
balho que foi feito no sentid J mais
2) Em alguns textos são feitas global e fornecem maior segurança
alusões diretas ao comunismo numa à análise da ideologia do pietismo.
perspectiva simplista e bastante Reforçam também os trabalhos em·
compatível com as mesmas alusões preendidos por Jether P. Ramalho e
características dos grupos mais con- Rubem Alves que, de forma especí-
servadores da sociedade. Não se fica ou mais abrangente, analisaram
discute a natureza de nenhum regi- o protestantismo brasileiro.
me, mas anatematiza- se de imediato, Mais particularmente implicam
qualquer alteração das estruturas numa constatação que . embora de
sociais. conteúdo bastante polêmico, nos sen-
timos inclinados a fazer : quando o
3) Há, de maneira bem nítida nos pietismo esteriliza a potencialidade
textos a afirmação convicta de que os de criação artística (convém lembrar
males da sociedade brasileira seriam que a musicalidade tão cultivada en-
solucionados se a maioria se tornas- tre as congregações protestantes não
se ''crente'', isto é, aderisse ao pro- implica necessariame nte em produti-
testantismo. A ênfase na salvação in- vidade ou criatividade) reflete algo
dividual - o indivíduo só, perante mais profundamente arraigado em
Deus - reforçou o primado da pes- seus pressupostos. Cremos que uma
soa isolada do liberalismo. A tessi- vivência mais ligada ao passado - a
tura dos romanos e mais nitidamente experiência bíblica e os "heróis da
a descrição dos problemas de uma fé" - e ao futuro - o céu a ser
congregação se reportam a indiví- alcançado impedem uma maior parti-
duos ora bons, ora maus, tendo a co- cipação no cotidiano. O "mundo''
munidade apenas como pano de fun- com seus atrativos, visto em perspec-
do, às vezes imperceptível. tiva negativa, faz da existência coti-
diana, um peso a ser suportado. Na
4) Os componentes da moralidade verdade o pietismo, não é somente
burguesa, descritos por Weber. são um campo pouco fértil para a cria-
uma constante nos textos. A exacer- ção da arte, mas terreno pouco pro-
bação pequeno- burguesa que caracte- pício à própria "plenitude da vida",
rizou o pietismo aparece, ora nos co- para utilizar uma expressão corrente
mentários do autor, ora nos trechos em seu mundo religioso.
de sermão reproduzidos em vários
momentos das diversas tramas. Os Textos
5) Finalmente, a descrição carac- Os textos foram surpreendente-
terística e predominante nos enredos mente uniformes na medida em que
não inclui a realidade sócio-econômi- faziam ressaltar as características
ca em que os personagens se encon- (categorias) que compõem o universo
tram. Há indivíduos bons e maus, ri- pietista. Na verdade, em sua ânsia
cos e pobres, pecadores e salvos. Ne- proselitista, os autores procuram

- 52 -
criar situações de conversão dentro a) À página 25 é mencionado o li-
e fora do texto, isto é: convertem vro doutrinário do Dr. W. A. Criswell,
personagens e tentam o mesmo com do Texas, acompanhado pelo traba-
os leitores. lho do Dr. William Carey Taylor,
Para mostrar parte do que se ana- pág. 117.
lisou vamos utilizar apenas um dos
textos escolhidos que é "Outro Nome b) São mencionadas as experien-
para Mara'• de Ernani Souza Freitas. cias de D. L. Moody e do Dr. Carrol,
que foi o 1.o classificado no concurso quando em momentos específicos de
de literatura da JUERP (então JERP), sua vida são "tocados" pelo Espírito
de 1970. A publicação é de 1971. Santo.
A perspectiva em que o trabalho
é colocado pode ser apreendida desde c) Quando internado em um hos-
o início, na dedicatória, que é a se- pital após um desastre automobilísti-
guinte: co, Jairo Serpa, um dos filhos do in-
dustrial tem muito tempo para leitu-
À Memória do Pastor Silas ras. Dentre os bons livros lidos (os
Falcão cuja tese sobre "O Batis- outros não são mencionados) estão:
mo no Espírito Santo'' é defen- O Caráter, de Samuel Smiles; Sê
dida nesta estória. Perfeito em Tudo que Fizeres, de O.
S. Marden e um trabalho que trata
Mas, vamos às constatações funda- especialmente da pureza, Palestras
mentais. Como foi mencionado ante- Confidenciais com os M~os, do Dr.
riormente . o pietismo (presbiteria- Lyman Sperry.
no, batista e metodista) foi examina-
do através de três características d) No decorrer do texto apare-
fundamentais que são: seu estran- cem ainda as citações de Oswald
geirismo, sua ética rigorosa e o fato Smith e Billy Graham, às págs. 241
de ser uma das expressões religiosas e 243.
da ideologia liberal.
Isto permite uma observação: o
Tomemos, neste exemplo limitado, pietismo chega ao Brasil, a partir de
e pela ordem citada, as característi- meados do século passado trazido por
cas do qu~ se convencionou chamar missionários norte-americanos. Hou-
de estrangeirism .,, Deixando de lado ve, em relação às três denominações
a significativa e maioritária porcen- (batistas, presbiterianos e metodis-
tagem de publicações estrangeiras, tas) movimentos de protesto e até de
notadamente norte-americanas nas separação entre nacionais e os mis-
livrarias evangélicas (o que já é im- sionários norte-americanos. Mas mes-
portante na análise global desta ca- mo onde houve separação efetiva (o
racterística do pietismo) o que nos caso da Igreja Presbiteriana Inde-
interessa é a maneira com que a in- pendente, por exemplo) a influência
fluência permanente do pietismo nor- continuou sendo muito forte. As pu-
te-americano marcou e marca , de blicações são aquelas indicadas pelos
forma indelével a vivência protestan- missionários; os hinários ainda são,
te brasileira. em maioria. os mesmos e o aperfei-
çoamento implica, quase sempre em
I - Estrangeirismo cursos nos Estados Unidos. A pe-
quena ala (nas denominações mencio-
Como a trama toda trata da de- nadas) que tenta buscar uma religio-
fesa da tese do batismo do Espírito sidade mais voltada para a vida na-
cional ainda encontra grandes difi-
Santo, os autores citados são aqueles
pastores norte-americanos, em sua culdades.
maioria, que refJrçam esta argumen-
tação. tanto nos diálogos como nos e) Finalmente, neste breve esbo-
sermões que são transcritos, às vezes ço, Noêmia decide preparar-se para
em sua totalidade. trabalhar no interior do país (evan-

-53-
gelização) e para isto pensa em fre- ga de pecados. Na verdade, repeti-
qüentar um curso nos Estados Unidos. mos, parte da técnica proselitista ca-
racterística é convencer gradativa-
II - ~tica Pietista mente os indivíduos da ''imensidão
dos pecados" existentes no homem .
Em relação à ênfase no comp::>rta-
mento exterior, convém mencionar d) Assim que algumas pessoas da
que o pietismo no Brasil, por ser mi- família ingressam na igreja como
noria, exacerbou aquelas caracterís- membros, estabelecem-se discussões
ticas que nos Estados Unidos foram sobre maquiagem, minissaia, etc ...
muito difundidas. Emb::>ra o pietismo (pág. 95) evidenciando a presença da
sendo a religião da iluminação inte- fiscalização rigorosa a que Weber faz
rior, há implícita e explicitamente alusão. Assim que Mara se aproxima
uma exigência de manifestação exte- da Igreja, seus hábitos sofrem altera-
rior da salvação através de uma mo- ções: as saias não são tão curtas e
ralidade extremamente rigorosa. seu rosto menos pintado. como coro-
O texto todo está repleto de pas- lário de sua gradativa conversão.
sageas relacionadas com o comporta-
menkl. Citamos apenas algumas: e) O pastor da igreja, formula um
manual, "Compromisso do Membro
a) A pág. 21, uma das condena- da Igreja'' onde enfatiza as caracte-
ções aos mórmons é a de que pro- rísticas principais do comportamen-
movem bailes, além de comemora- to dos fiéis, para os novos membros.
rem São João, São Pedro e "outras
festas caipiras''. Quanto ao primeiro item, vale a
reprodução:
b) Pouco depois de uma conver-
são pouco convincente, em função da ''Prometo não me conformar
rapidez com que se convence de seus com o mundo (não beber, fumar,
muito pecados. Jaime "entrou no ci- jogar, dançar, mentir, etc.) mas
nema com a sensação de que estava sim possibilitar ao Espírito San-
cometendo um pecado" (pág. 29). to de Deus encher-me o coração
Embora nem todos os batistas com- com o seu Poder (Rom. 12 .1; Ef.
batam o cinema, condenando apenas 5 .18; I Ped. 1.14-15)''. Conclui-
sua freqüência aos domingos, esta se que este deveria ser o ponto
passagem é significativa, pois, bom mais importante do compromis-
número das igrejas batistas do inte- so, porque o seu cumprimento
rior e aquelas que, nos grandes cen- facilitaria a observância dos ou-
tros, são avivalistas, repudiam clara- tros nove (pág. 260).
mente os "cinemistas".
f) Quando tenta a conversão do
c) No início do 3.° Capítulo, à motorista do rico industrial o pas-
pág. 31, observa-se com nitidez não tor encontra um grave problema: o
só a mecânica utilzada pelas igrejas fumo (pág. 189). O problema só se
no seu afã proselitista como a po- resolve no final do texto quando, fi-
breza da trama: o trecho mostra que nalmente, Edson "entrega seu pro-
Jaime, após sua conversão, "tirara blema a Jesus'' abandonando o vício
um grande peso de sua alma - o e se convertendo.
fardo de seus pecados''.
Curioso, pois o bom moço que dei- g) Finalmente, uma constatação
xou de passar as férias na Gávea, ao curiosa que revela o índice de exa-
lado de um primo, porque se ente- cerbação da fiscalização rigorosa a
diara de uma vida de cinema, bilhar, que são submetidos os membros da
passeios e boates; que não faltava congregação. Noêmia está namoran-
nunca ao serviço (embora trabalhan- do um jovem da Igreja "que ainda
do em uma das indústrias do país) ou não fizera sua decisão'' e é chamado
à escola, estava aliviado de sua car- de "crente carnal". Os elementos

- - 54-
mais - j overts são conclamados com o mumro exterior~ ·rl!sultante de com-
freqüência a adquirir o comporta- portamento tão rigoroso, o problema
mento rigoroso, através de vãrios aflora também no interior das igre-
processos que vão desde as conferên- jas onde se percebe com clareza o
cias periódicas até as admoestações, "policiamento" a que são submetidos
quando desvios são observados. todos os adeptos.
Embora existam outros exemplos Em relação às categorias que re-
claros a respeito das categorias que fletem os componentes das concep-
orientam o pietista em relação ao seu ções da ideologia liberal, o espaço
comportamento exterior, esta amos- não permite sua transcrição, mas é
tragem reduzida não permite maiores possível perceber pelo que se men-
dissecações. Torna-se importante o_b~ cionou anteriormente a maneira com
servar que, além da separação com que foram buscados.

--55 -
Comunidades Eclesiais de Base
Notas preliminares de uma
pesquisa
Francisco C. Rollm

I. INTRODUÇÃO problemas que parecem merecer nos-


sa atenção.
1. Nada mais que indicações
2. Pressupoitos metodológicos as-
Já se tem escrito bastante sobre as sumidos nos estudos sobre as
Comunidades Eclesiais de Base, no CEBs.
Brasil. A bibliografia é já conheci-
da. Não vamos repetir aqui o que Aqui, ainda simples indicações,
outros disseram. Estas notas visam, sem descermos a uma análise mais
inicialmente, indicar pressupostos aprofundada. Lembremos, de inicio,
teóricos assumidos em alguns traba- que muitas reflexões têm se centra-
lhos de cunho sociológico, tomados lizado sobre a dimensão interna à
ainda como mediação analítica para Igreja Católica. A expressão "ecle-
reflexões teológico-pastorais, em face sial" tem atraído maior interesse. A
dos quais tentaremos delimitar nosso formulação "as CEBs re-inventam a
posicionamento; depois, a partir daí, lgre ja" - exprime justa preocupa-
apresentar alguns dados de uma res- ção na pena de um teólogo brasilei-
trita pesquisa sobre as CEBs, realiza- ro. Todavia, o nível de análise so-
da na periferia da grande Vitória e cial, como mediação para pensar teo-
em Linhares. no Espírito Santo. Nes- logicamente as CEBs, caracteriza-se
sa área, Comunidades Eclesiais de por uma perspectiva funcionalista ,
Base brotaram, há vários anos, e onde não há lugar para uma visão
continua seu processo de expansão. transformadora e sim de ajustamen-
Nosso intuito é de trazer uma sim- to. Isto na medida em que se vêem
ples colaboração aos que se esfor- as CEBs como espaço social agluti-
çam por pensar a problemática das nador e difusor de relacionamentos
CEBs. Dentro deste objetivo, cha- interpessoais, aproximando indivíduos
mar a atenção para alguns proble- proporcionando afinidade pessoal e
mas. Tendo em vista o limitado es- contatos diretos. As CEBs aparecem,
paço de que dispomos, nesta comuni- então, como resposta à "sociedade
cação, vários aspectos não receberão moderna" (o que lembra a dicotomia
uma análise adequada e desenvolvi- moderno/tradicional), na qual as
da. Isto ficará para outra oportuni- "mocro-organizações" diferenciam, se-
dade. Quanto aos dados de nossa param e atomizam as pessoas. (1) No
pesquisa, que é limitada e por isso caso brasileiro, diríamos q!le este
não podemos estender seus resulta- tipo de análise se limita a vincular
dos a todo o Brasil, a não ser em as CEBs aos efeitos comportamentais
suas linhas mais gerais, vamos nos dos processos de imigração interre-
restringir aos indispensáveis, tendo gional, urbanização, industrialização,
em vista a perspectiva adotada. O processos que por si não bastam para
suficiente, todavia, para levantar caracterizar uma sociedade historica-

-56 -
mente determinada. São então lem- tas se fala constantemente não só
bradas as características de moderni- neste último mas em outros traba-
dade e de burocracia em oposição à lhos SJbre as CEBs, deixaremos para
flexibilidade e espontaneidade apon- mais adiante, não uma resposta am-
tadas nas CEBs. A partir deste pon- pla, mas um começo de resposta.
to, falar em libertação fica sendo um No momento veJamos um proble-
discurso cheio de ambigüidades, pois ma vinculado ao das classes. ''Uma
ele não atinge as raízes sociais con- igreja que nasce do povo" é o título
cretas da opressão. do editorial de SEDOC 9, nov. 1976.
E~ ta mesma tentativa de ver as Nele se lê o seguinte: "o que cons-
CEBs, à luz de termos descritivos de titui novidade foi a significativa pre-
comunidade em oposição a tipos de sença dos próprios coordenadores
associação, e/ou à sociedade em ge- das Comunidades de Base. Eles fo-
ral, tem guiado algumas análises so- ram os que mais contribuíram. Era
ciológicas. (2) comovente ver analfabetos falarem da
Uns e outros, entretanto, se refe- fé a Arcebispos, Bispos, sacerdotes,
rem a povo, como uma realidade religiosos e a teólogos. Parecia a uto-
onde assentam as CEBs. Expressão pia do Reino de Deus se concretizan-
vaga e imprecisa. Procura-se torná- do, ninguém sendo aluno da Palavra
la concreta, opondo povo a elite, sen- da V1da". E mais adiante: "a Igreja
do esta constituída pelos letrados, pe- está se re-descobrindo nas bases, no
los formados, pelos doutores. Assim, coração do povo pobre e humilde".
é que quando se diz que uma Igreja A primeira parte da citação, ao de-
está nascendo do povo, fica-se sem clarar que, no II encontro de Vitória,
saber de que se compõe este povo. analfabetos falam da fé a Arcebispos,
Ajunta-se então: povo simples, humil- Bispos, etc., vale por uma confissão
de e pobre. Houve quem fosse mais pública. Mas o discurso dos analfa-
longe, ao escrever: "Em geral essas betos provoca uma estranha sensação.
comunidades são integradas por assa- A elite comoveu-se, o que indica que
lariados que vivem na periferia das não estava ela habituada àquele tipo
grandes cidades. lavradores, arrenda- de encontro. E esta particularidade
tários e pequenos proprietários, tra- denota uma separação, existente, mas
balhadores braçais, donas de casa que começa a ser conscientizada, en-
pertencentes às camadas sociais mais tre os que proferem o discurso da fé
oprimidas, aposentados e jovens". e os oficialmente docentes da fé. O
(3) Embora não tenha chegado a uma encontro parece ter quebrado, pelo
análise de classes, mesmo em sua po- menos no seu curso, esta separação,
sição no processo de produção, esta reduzindo todos à situação de apren-
referência assinala já que hã um pro- dizes da mesma fé.
blema a ser estudado, a saber, as re- S::>U levado a crer que o termo anal-
lações de classes com interferência fabeto, usado no texto acima, expri-
no ideológico-religioso e no político. me não apenas a carência de instru-
Claro que este último autor não pre- ção comumente adquirida na socieda-
tendeu fazer uma análise de classes, de, mas carência de instrução reli-
mas esta que deveria ser feita, está giosa. Pois o discurso estava centra-
subjacente no seu texto, quando ele do na fé. O que estaria por detrás
se refere à ideologia dominante e à daquela comoção?
classe dominada. Todas aquelas ca- Desejamos suscitar aqui um duplo
tegorias citadas estariam exprimindo problema. O primeiro diz respeito ao
a inclusão das CEBs dentro do con- plano religioso. O segundo, a carac-
flito fundamental, raiz da classe do- terização social dos componentes das
minante e da dominada, ou não? A CEBs. Um e outro acharnrse interli-
dominância atingiria todas aquelas gados. E a vinculação deve ser per-
camadas a titulo de classe essencial cebida a partir do segundo proble-
dominada? ma, ou seja, o que socialmente ca-
Embora estas interrogações susci- racteriza o povo simples. humilde e
tem um estudo das CEBs, a partir pobre do qual saem estes analfabetos
de uma análise de classes, pois des- qu e falam da fé a Arcebispos, Bispos,

-57-
sacerdotes. Não se trata de proble- próprio movimento. Isso iria fazer
mas acadêmicos. Mas concretos. com que os manuais que os catequis-
Como o segundo problema - a ca- tas populares deveriam se servir para
racterização s:Jcial dos membros das ensinar o povo, acabassem uniformi-
CFBs - é o que mais nos interessa zando o ensino religioso segundo
- para ele é que vamos orientar de uma linha vertical. Deixava-se de
preferência nossas reflexões. Entre- lado a experiência religiosa do povo,
tanto, o primeiro problema, por tocar tolerada, aceita, em último recurso,
diretamente o plano religioso, não na esperança de que um dia o saber
pode ficar à margem de nossas re- dos letrados instaurasse um novo tipo
flexões. de experiência, criada pelo saber
transmitido em substituição à ante-
Entendida a expressão analfabetos, rior, nascida em contato com a vida.
ma1s como carência de instrução re- Se este movimento é apontado como
ligiOsa do que de instrução comum, um início das CEBs, o problema que
esta carência religiosa é julgada tal então se coloca é o de saber se as
i:egurrd:J os parâmetros dos letrados CEBs prolongam a perEpectiva posi-
e doutores, no plano religioso. Igno- tivista dos catequistas populares ou
rância religiosa julgada tal segundo se elas conseguiram superá-lo. E
um certo modelo de saber dos que neste caso, onde e como se operou
se dizem portadores da doutrina a a ruptura. Depois de Marins, os au-
ser transmitida. Mas a Igreja acei- tores que tratam das origens das
tava mais do que tolerava esta situa- CEBs limitam-se a repeti-lo, indican-
ção, em face da qual se articulava o do o movimento de Barra do Piraí
processo de evangelização. Algum como um de seus começos, sem se
dia, pensava-se, o saber dos letrados, darem conta de que é preciso uma
a ciência religiosa dos docentes, to- análise concreta dos fatos apontados
maria o lugar da ignorância e o va- como inícios das CEBs.
zio do não saber seria preenchido. Ao contrário de ignorância - sa-
E&te problema é por demais impor- ber, o problema se colocará na vin-
tante. A perspectiva do saber reli- culação entre um tipo de experiên·
gioso por oposição ao não saber, que cia religiosa e social e o saber racirJ-
infelizmente ainda comanda a estra- nal dos letrados. Isto exige que o
tégia da evangelização, entre nós, saber destes últimos se torne com-
peJO menos em sua maior parte, im- preensão através do sentir. Sentir a
plica uma posição metodológica posi- experiência religiosa do povo e não
tivista. Pode não se ter consciência vê-la através do modelo do saber
desta posição. Mas, embora não per- racional. Usando estas categorias
cebida. ela traveja de modo latente gramscianas, diríamos que é preciso
o processo de evangelização que é re- que os letrados se tornem assaz ap-
clamado como uma das funções pre- tos para traduzirem, em linguagem
cípuas das CEBs. apropriada, a experiência religiosa
Os que têm falado das origens das do que se vem chamando povo hu-
CEBs, apontam como uma de suas milde e pobre, mas apalpando-a e
nascentes o movimento dos catequis- penetrando no interior desta mesma
tas populares implantados em Barra experiência. Isto implica que entre o
du P1raí, anos atrás. Mas fazem-no de saber e a compreensão o sentir seja o
modo simplista, sem criticar a pers- traço orgânico de união. Implica que
pectiva norteadora desse movimento. pelo sentir os letrados cheguem a
Ora, no centro daquele movimento, perceber concretamente a experiên-
estava a convicção de que o mal re- cia do povo, sem prejulgã-la pelos
ligioso, nas camadas pobres da po- parâmetros de sua racionalidade.
pulação, era a ignorância religiosa. Deixamos para em outra oportuni-
Era urgente substituir o que os letra- dade desenvolver estas reflexões que
dos da Igreja julgavam ignorância outro intuito não tiveram ·senão o de
pelo tipo de saber apropriado, adap- chamar a atenção para certas formu-
tado, mas saber de que eram deten- laçõ~s. O que vai agora prender nos-
tores os orientadores eclesiásticos do sa .:~tenção é o segundo problema, re-

-58· -
lacionado com o anterior. Uma vez do vistos numa análise concreta dos
que a experiência religiosa do povo fatos. Mas, em nome dos próprios
está imersa numa situação de classes. elementos eEtruturais e estruturantes
Trata-se agora de saber como carac- que interligam os diversos níveis so-
terizar o que se vem chamando de ciais na estrutura da formação social
povo. Nossa tentativa vai no sentido capitalista. Daí, falar em CEB's e
de caracterizar, tanto quanto possível, classes sociais equivale a falar em
o que se vem chamando povo como CEBs em estreita vinculação com os
substrato fundamental das CEB's. elementos que são inerentes à estru-
Nossa reflexão se situa na linha de tura de uma sociedade dividida em
busca dos laços concretos que vin- classes. Importa ver as classes so-
culam as CEBs à nossa formação so- ciais enquanto fundamentadas nas
cial capitalista, laços que estão tam- relações sociais de produção, elemen-
bém na base da experiência religiosa. tos estes basicamente determinantes
da organização social, nos níveis eco-
II. IMPORTÂNCIA DE UMA ANÁ- nômico, ideológico e político. Não se
LISE DE CLASSES reduzem ao nível da estrutura econô-
mica. Afirmam-se no nível ideológi-
Caracterizar as CEBs enquanto co através dos dispositivos institucio-
constituídas de povo humilde e po- nais. Entre estes, os dispositivos re-
bre, ou ainda configurá-las como co- ligiosos são chamados a desempenhar
munidades de pobres, situadas em função de primordial imp:>rtância,
áreas suburbanas carentes ou em nas transformações sociais, na medi-
áreas rurais, não basta para se ter da em que possibilitam a passagem
uma idéia exata do seu embasamen- de uma situação de objeto, inscrita
to econômico que vai ter repercussão na estrutura econômica para uma po-
na problemática levantada nos estu- sição de sujeito. no nível da consciên-
dos que delas têm tratado. Tampou- cia. Fundamentadas nas relações so-
co basta uma terminologia de classe ciais de produção, afirmadas e iden-
alta, média e baixa, dentro de uma tificadas nos planos ideológico e po-
estratificação social, e colocou descri- lítico, as classes sociais são os ele-
tivamente os membros das CEBs na mentos estruturantes da formação
chamada classe baixa. Torna-se ne- rocial capitalista. Os conflitos de
cessário ultrapassar este nível des- classes atravessam todos os níveis so-
critivo que não nos permite de modo ciais inclusive o nível religio ~ o . No
algum perceber a inserção das CEBs conflito de classes passa pelo interior
na estrutura de nossa sociedade ca- das religiões e das Igrejas. (4) Quei-
pitalista. ramos ou não, as CEBs acham-se ar-
Só. poderemos chegar a compreen- ticuladas com o sistema de classes,
der a situação social concreta das com os conflitos de classes, portanto,
CEBs e sua problemática religiosa, se com uma dimensão fundamental que
a perspectiva de classes sociais for as insere na sociedade.
analisada dentro de critérios objeti- Como há diversos níveis de análise
vos que nos abram o caminho para na abordagem das classes, vamos nos
vermos não só como elas se vinculam ater no momento à tentativa de apre-
a uma situação histórica de nossa so- sentação de elementos que nos per-
ciedade capitalista, mas também mitam pensar as CEBs, em termos
como, a partir daí, elas desembocam de classes, mas apenas quanto aos
no plano ideológico e no político. A aspectos que as definem nas posi-
vinculação das classes, fundamental- ções no interior do processo de pro-
mente inscritas nas relações sociais dução.
de produção, com o plano cultural,
da consciência, e com o político, não III. ALGUNS DADOS PRELIMINA-
deve ser arbitrária. Nem em nome RES
de uma pobreza mal caracterizada.
Nem ainda em nome de principios Estes dados foram colhidos na pe-
religiosos abstratos. Tais conceitos só riferia da grande Vitória e nas CEBs
adquirem sua dimensão exata, quan- de Linhares. São pois restritos. Em

-59-
suas linhas gerais, podem nortear re- do no setor serviços, o que de certo
flexões sobre as CEBs de outras modo corresponde a uma caracterís-
áreas, excluindo, é claro, aquelas que tica da área, por outro lado, o ~ etor
são quase totalmente marcadas por industrial não está ausente. Importa,
atividades agrícolas. todavia, notar que nem todo o pes-
As 150 comunidades da periferia soal ocupado na indústria é por isso
de Vitória e as de Linhares foram mesmo operário. A esta expressão
visitadas. Além de várias entrevis- reservamos a designação de produtor
tas. foram aplicados 345 questioná- direto, ou seja, aquele que concorre
rios-entrevistas, dos quais nos servi- com sua força de trabalho para a pro-
remos no momento, com exclusão de dução direta da mercadoria. Mais
2, cujos informantes se recusaram a propriamente, aquele que, no modo
completá-los. Não se trata de uma de produção capitalista, produz dire-
amostragem sistemática e sim de uma tamente a mais-valia. Excluídos, pois,
sondagem que permite colher dados o industrial (proprietário dos meios
significa ti vos. de produção), os que preparam de
Uma primeira característica se alguma forma o trabalho da fábrica
destaca: 60,6% vivem do trabalho re- e os que o supervisionam. Fica as·
munerado. Sob este aspecto, as CEBs sim restrita a classe operária aos
da área do estudo emergem do mun- produtores diretos que efetivam, no
do do trabalho. Dos que trabalham, processo de produção, a produção da
a grande maioria é constituída de ho- mais-valia e como tal se situa em
mens: 70,7%. Sobre o total dos en- oposição ao industrial, dono dos
trevistados, agora, os homens com meios de produção. Estas as duas
ocupação remunerada chegam a 42%, classes essenciais no modo de pro-
enquanto as mulheres perfazem 18%. dução capitalista e também na for-
Para os pastoralistas, dois pontos a mação social capitalista. Na agricul-
ressaltar: ao contrário das missas do- tura, o fazendeiro se inscreve na
minicais em que mais da metade dos classe proprietária dos meios de pro-
assistentes se compõe de inativos, se- dução e o trabalhador, como empre-
gundo trabalhos nossos em 12 dioce- gado, na operária. Em nossa p esqui-
ses brasileiras, as CEBs se constituem sa encontramos fazendeiro e alguns
mais dos economicamente ativos; em trabalhadores de enxada (emprega-
segundo lugar, os homens são a gran- dos). O pequeno sitiante, proprietá-
de maioria dos que trabalham. Entre rio e trabalhador ao mesmo tempo,
estes, 80,7% são empregados; 15,9% situa-se fora destas duas classes fun-
trabalham por conta própria; 2,4% damentais. Estas duas classes essen-
são empregadores e 1% trabalha ciais pela posição que ocupam no pro-
como membro de família. cesso de produção estabelecem o sis-
Temos assim, por estes dados, uma tema de classes fundamentais e as
primeira característica do que se cha- relações entre ambas configuram, no
ma povo, como substrato social das processo produtivo, os conflitos bási-
CElBs. Trata-se na maioria de gente cos que repercutem nos outros níveis
que trabalha. Predomina a relação da sociedade. Isto não significa que
de dependência empregado-patrão. o antagonismo de classes radicado na
Quanto aos ramos de trabalho: agri- estrutura econômica, repercuta ne-
cultura acusou 3,8% (explicável por cessariamente no nível de consciên-
termos nos concentrado mais na pe- cia. A sociedade pode operar com o
riferia de Vitória); indústria, incluin- mecanismo de classes sem que a
do construção civil, 26,9% ;. comércio classe dominada (a operária), por
e bancos, 27,4%; transportes, servi- exemplo, tenha consciência da domi-
ços públicos e particulares, 41.9%. nâ:ncia que sofre por parte da classe
Se reduzirmos estes ramos de traba· proprietária dos meios de produção.
lho a apenas 3, encontramos: servi- Caberá à ideologia, enquanto forma
ços, incluindo comércio, 69,3%; in- de conhecer, e através dos dispositi-
dústria, 26,9%; agricultura, 3,8%. Se, vos ideológicos, entre os quais os de
por um lado, os dados acusam a pre- caráter religioso, reproduzir em seu
dominância maciça do pessoal ocupa- nível próprio uma situação objetiva-

-60-
mente inscrita na base econOmica. menos na área de nosso estudo, indi-
Este ponto abre uma rica perspecti- car uma caracterização concreta do
va para o trabalho de conscientiza- que se vem chamando de povo como
ção através das CEBs. elemento substancialmente componen-
Mas, além destas duas classes es- te das CEBs. O que se diz ser povo
senciais, resta uma grande parte de pobre e humilde, nas CEBs, está aqui
trabalhadores que não são atingidos representado pela grande maioria dos
pelo raio daquelas relações antagôni- assalariados. São, sem dúvida, sujei-
cas; nem são proprietários dos meios tos à dominação do capital. A classe
de produção nem produtores diretos. operária propriamente dita está re-
São todavia trabalhadores assalaria- presentada em apenas 23 %. Diante
dos. Formam uma classe caracteri- destes dados, não podemos subscre-
zada por sua posição, não no interior ver certas formulações como esta: na
do antagonismo de classe, mas em periferia de Vitória, as comunidades
face da polarização das classes essen- "são todas elas constituídas em sua
ciais. Nela incluímos: na indústria, grande maioria de operários". (5) O
os que preparam a produção e os que que podemos dizer é que a grande
trabalham lateralmente na execução maioria dos componentes das CEBs,
de serviços indispensáveis; além dis- em Vitória e Linhares re compõe de
so, os trabalhadores do setor comer- trabalhadores assalariados que, em
cial e de serviços. Feitos estes es- termos d·e classe, se situam fora do
clarecimentos um tanto sumários, ve- antagonismo de classe e não se ins-
jamos o que os dados de que dispo- crevem na classe dominada , enquanto
mos, nos dizem com referência às classe essencial radicada no processo
CEBs, quanto à posição de classes no produtivo.
processo de produção. Chegamos agora a uma dimensão
mais precisa do mundo de trabalho,
No antagonismJ de classes nas CEBs de Vitória e Linhares. Há
uma dependência empregado/patrão,
nos assalariados do grupo 3, que é
1. proprietários dos meios de pro- numericamente expressivo, mas su-
dução (industrial, fazendeiro) bordinado à dominação propriamente
74% . dita, configurada pelas relações en-
tre os grupos 1 e 2. Complemente-
2. produtores diretos, ou operá- mos os dados, afirmando que tanto
rios propriamente ditos e trabalha- na classe operária como na classe re-
dores rurais - 23,6 % . presentada pelo grupo 3, predominam
Fora do antagonismo de clafse, salários baixos, o que caracteriza ca-
mas face à polarizaçãJ de classes . rências econômicas dos componentes
das CEBs: 15% ganham menos de 1
3. pequenos sitiantes, pequenos salário mínimo; 35% percebem 1 sa-
comerciantes, assalariados em comér- lário mínimo o que dá 50% até 1
cio e serviços; analistas de dados, salário mínimo; até 2 salários mín.
auxiliares de laboratórios, datilógra- 74%; até 3 salários mín. 84%. Há os
fos, serventes em indústria - 74 % . que percebem mais de 5 salários mín.
4% e entre estes quem percebe 8 sa-
Total 208 = 100,0 lários e mais.
Importa não esquecer que estamos IV. REFLEXõES FINAIS
trabalhando no nível da posição das
classes no processo produtivo. Não é Os dados que, embora de modo su-
senão um aspecto do sistema de clas- mário, acabamos de apresentar, re-
s·es, mas arpecto indispensável , pois vestem-se de significação, pensamos,
que indica a fundamentação das rela- para o trabalho nas CEBs. As rela-
ções de classes, embora as classes não ções de classes devem ser tomadas
configurem plenamente neste nível. em consideração, pois elas perpas-
Entretanto, este aspecto preliminar. sam os mecanismos das CEBs. E isto
mas básico, é suficiente para pelo no nível da transmissão da mensa-

- 61
gem, das práticas do culto e das prá- revisto, criticado, sob pena de se cair
ticas sociais. Por estas relações, as numa manipulação por parte do cle-
CEBs acham-se vinculadads à forma- ro, aspecto este muito bem alertado
ção social capitalista. por Jether Ramalho.
No plano da mensagem religiosa, a Uma outra ambigüidade pode estar
dimensão de classes a condiciona. O se ocultando no próprio fenômeno da
discurso religioso, no interior das comunicação, seja entre os simples
CEBs, é chamado a se defrontar com membros seja estes e os dirigentes .
uma situação de dominação exercida Ela prende-se de certa forma à al-
pela ideologia dominante, na socie- ternância de consciência, a que se re-
dade, a qual se serve da mediação de fere Libânio - consciência do antes
dispositivos culturais, religiosos e lei- e a do momento atual (como mem-
gos, para inculcar a sua concepção da bro das CEBs). A liberdade de ex-
sociedade. A prática pedagógica pas- pressão propiciando ao leigo comuni-
toral não será de forma alguma neu- car-se e comunicar sua experiência
tra, em sua estrutura e em sua fun- religiosa, não basta por si para su-
ção, uma vez que as classes sociais primir a influência da ideologia do-
dominadas constituem o grosso dos minante. De um lado este clima de
componentes das CEB's. Embora a abertura leva os leigos a dizerem "so-
classe dominada, como classe essen- mos a Igreja" e, do outro, os res-
cial, esteja representada por um ponsáveis eclesiásticos a declararem
contingente bem inferior à classe si- que se trata de uma Igreja diferente.
tuada fora do conflito básico, esta úl- Não se nega que isto constitui sem
tima tem uma configuração social dúvida um passo à frente. Mas não
dominada pelo capital. Dado o peso é tudo. :t preciso ver ainda o con-
que esta última classe tem nas CEtBs teúdo das comunicações, a seleção
em estudo, desta situação pode advir dos significados, pois detrás destes
uma série de ambigüidades de que elementos a ideologia dominante
importa tomar consciência. Uma de- pode estar presente nas CEBs. No do-
las pode estar oculta numa certa mínio da comunicação, é preciso
submissão às diretrizes oriundas da atentar, mais do que para o simples
Hierarquia. Ater-se aos planos, aos fato de as pessoas falarem (o que
roteiros traçados, aos escritos prove- antes não se fazia) , para os elementos
nientes do grupo dirigente; aspectos concretos da experiência, de forma
psico-sociais de carreirismo, de certa que se chegue pouco a pouco a cap-
tendência de ascensão social dentro tar o real suporte cultural religioso
do grupo, de reformismo, de ênfase e social. do vivido. levando-se em con-
dada à emoção, podem estar repre- sideração as relações de classes e
sentando sintomas de acomodação ainda que a classe majoritariamente
alimentados pelo grupo majoritaria- presente nas CEBs é portadora de
mente presente. Notou-se a este res- uma carga ideológica tendente à
peito um certo elitismo separando acomodação. ao ajustamento, ao in-
os que não são das CEBs e os que dividualismo . Seria ainda onortuno
a elas pertencem. "O povo, diziam repensar esta advertência: "Quando
vários, não quer nada. Deve entrar a reunião in!!ressa no terreno da vi-
pra nós". O povo designa o outro, da, dos problemas sociais, os narti-
quem não é das CEBs. Os das CEBs cipantes se retraem. ficam reticen-
trabalham . dirigem cultos, círculos tes .. . (o povo) "não exprime o auP
bíblicos. celebração sem padre, falam sente pelos mesmos conecitos usados
na igreja, repensam questões formu- pelos agentes. Este capta as coisas
ladas. O mundo de uns e o dos ou- Pm freqüência mais abstrata que a
tros podem abrir uma brecha peri- do povo . . . é costume alguns mem-
gosa para a penetração da ideologia bros da comunidade comecarem a re-
dominante através de práticas. Certa petir certos termos que ele adota -
abertura ao diálogo, os postos de como "libertacão" - sem. contudo.
coordenadores, de dirigentes do cul- anreenderem o conteúdo ane e~sa
to, a própria liberdade de se falar terminologia tt>m na cabeça do agen-
nos templos, necessita ser tudo isto te. (6)

-62-
Pensamos que ao invés de os agen- gico-religioso do devocional, da per-
tes mais capacitados se esforçarem cepção progressiva das alianças com
por incutir certas expressões cujo a concepção dominante e leiga na so-
sentido os membros da comunidade ciedade. Parece-nos de fundamental
não alcançam, são chamados antes a importância esta junção orgânica do
trabalhar na vinculação do contin- grupo 3 com o grupo 2, pelo diãlogo,
gente majoritãrio (grupo 3) com a pela visão crítica da visão religiosa
classe essencial dominada. Isso, em e da visão da sociedade em estreita
termos de experiência, de visão da união com os acontecimentos que as
sociedade e visão religiosa. Esse tra- comunidades vão vivendo. Finalmen-
balho visa a homogeneizar a visão te diríamos que, nas comunidades, a
social e religiosa das CEBs, ainda experiência social e religiosa é o seu
constituída de uma amãlgama em que suporte cultural, cujo dinamismo
elementos da ideologia dominante se deve ser descoberto e incorporado às
misturam com elementos religiosos novas prãticas, mas enquanto esta ex-
em via de conscientização. Trabalho periência é perpassada pelas relações
esse na direção da situação da clas- de classes. Neste nível, a prãtica pas-
Ee operãria. Esta homogeneização toral das CEBs tem o papel de pos-
tenderã, com o tempo, a suscitar de sibilitar a eclosão de uma consciên-
modo gradativo uma consciência crí- cia cristã capaz de discernimento no
tica da visão religiosa , do sentido mã- plano concreto da vida social.

NOTAS 3. Betto - Da Prática da. Pastoral Po-


pular, em Encontros com a Civ1liza.-
ção Brasileira., N .o 2 p . 95 .
1. Boo!, Leonardo - Eclesiogênese : As 4. G . de Souza, Luiz Alberto - Igreja e
Comunidades Eclesiais de Base re-in- Sociedade : elementos para um marco
ventam a Igreja - em SEDOC vol. 9, teórico - em Sintese Politica Econó-
outubro 1976, 95 - col. 393. · mica Social (SPES) n.o 12, 1978. p .
24).
2. Gregory, A!onso - CEB: seus desafios
e chances de resposta - algumas 5. Barreira., Alvaro - Comunidades Ecle·
pontualizações sociológica.s. 1976. INP . slais de Base e Evangelização dos Po-
(m!miografado) Comunidades Eclesiais bres - Loyola. - 1977 p . 26 .
de Base - Utopia ou realidade . Vo-
zes 1973. 6. Betto - op . cit. p. 97/8.

- 63 -
"Não creio que uma ciência sem emoção seja possível. ~
a relação afetiva para com um objeto, que me atrai ou amea-
ça, que cria as condições para a concentração de minha aten-
ção. O objeto que provocou meu interesse se torna o ponto
focal de meus olhos e inteligência, enquanto que o resto do
mundo passa a ter importância secundária. Foi a emoção que
fez com que o obje•o se const ituísse, em meio à multiplicidade
indefinida de objetos possíveis, como o objeto do meu conhe-
ci menta. { ... )

Parto de uma decisão, que pode ser enunc iada de forma


muito simples : é necessário que o falar sobre o fato social se
transforme, ele mesmo. em fato social. Será esta uma inten-
ção por demais pretensiosa? Não penso assim . Aceito, como
meu programa, aquele que se encontra implícito em nosso fa-
lar cotidiano. Falamos movidos por uma esperança : a espe-
rança de que o falar, de alguma forma , incida de forma eficaz
sobre a situação , de sorte que ela se modifique. Nada garante
que minha intenção seja bem sucedida. O seu possível fra-
casso. entretanto, não a anula como intenção. Não desejo ape-
nas falar sobre um certo fato saciar. Quero que o meu falar
seja inteligível àqueles que partici pam da situação que investi-
go, ou seja, àqueles sobre quem falo . Berger e Luckmann ob-
servam que o mundo humano é su stentado pelo tênua fio da
conversação que o articula . Desejo tornar-me um interlocutor
nesta conversação, para que este mundo seja alterad o.

Rejeito um falar desinteressado. Na verdade não creio que


ele seja possível. " . . . nem a ciência e nem nenhum dos seus
ramos particulares pode ter a pretensão de ser 'amoral ' ou
'apolítico'. { . .. ) A pesquisa é sempre, e por uma necessidade
lógica, baseada em valorações mon.ds e políticas." Toda teo-
ria, toda pesquisa, esconde uma intenção prática. Elas dese-
jam fazer algo com o real. "

(RUBEM ALVES , Protestantismo e Repressão ,


Ed . Atica, SP , 1979)

-64-
CADERNOS DE IS E H

Pág.
1. EDITORIAL
Rubem A. Alves . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1
2. DEPOIMENTO
Waldo Cesar . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 2
3. HISTóRIA DA IGREJA CATóLICA NO BRASIL
Pe. José Oscar Beozzo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3
4. HISTóRIA DO PROTESTANTISMO NO BRASIL
Zwinglio M. Dias . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11
5. PESQUISAS SOBRE• IGREJA E MUDANÇAS SOCIAIS
NO BRASIL
Riolando Azzi . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13
6. CLASSE SOCIAL, RELIG [Ã0 E IDEOLOGIA RELIGIOSA
Carlos Rodrigues Brandão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17
7. RELIGIÃO E CLASSE OPERARIA: UM ESTUDO
DB CASO
Alvaro Dias Telhado . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 21
8. RELIGIÃO E DESENVOLVIMENTO SOCIAL NA IGREJA
EVANGÉLICA DE CONFISSÃO LUTERANA NO BRASIL
Gerd Uwe Kliewer . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 25
9. A CURA POR CORRESPOND:ll:NCIA
Carlos Rodrigues Brandão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 27
10 . A C . N.B.B . : EVOLUÇÃO POLíTICA 1D IDEOLóGICA
Adriano Nogueira . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 28
11 . CATóLICO CONSERVADOR NO BRASIL.
O PENSAMENTO
F. Benjamim de Souza Netto . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 32
12. TEND:ll:NCIAS ATUAIS DO CATOLICISMO NO BRASIL
F. Benjamim de Souza Netto . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 34
13 . A IGREJA CATóLICA E O PROBLEMA DA TERRA NO
BRASIL .
José Ricardo Ramalho e Neide Esterci . . . . . . . . . . . . . . . . . . 38
14 . " BRASIL URGENTE": ENGAJAMENTO CRISTÃO NO
BRASIL 1963-1964
Paulo Cesar Botas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 42
15 . A IDEOLOGIA DO PROTESTANTISMO
Rubem Alves . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 46
16. A FICÇÃO BATISTA
Elter Dias Maciel . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 50
17. COMUNIDADES ECLESIAIS DE BASE
NOTAS PRELIMINARES DE) UMA PESQUISA
Francisco C. Rolim . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 56
Números publicados:

CONVERSÃO
RELIGIÃO E ARTE
"PSICOLOGIA DA RELIGIÃO
COMUNIDADES DE BASE
RELIGIOSIDADE POPULAR
O PENTECOSTALISMO
PROTESTANTISMO E POLITICA NO BRASIL

TEMPO E PRESENÇA

CADERNOS DO ISER: N.0 8


abril de 1979

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