You are on page 1of 23

1

A História do Direito Comercial dos primórdios ao século XXI

Leonardo Gomes de Aquino. Advogado, Professor de Direito na UNIEURO, na ESPAM (DF) e Faculdade
IESCO (GO), MESTRE em Ciências Jurídico-Empresariais, Pós Graduado em Ciências Jurídico-Processuais e
em Ciências Jurídico-Empresariais todos os títulos pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra
(Portugal), e Pós Graduado em Direito Empresarial pela FADOM, Membro Fundador do IBMESC (Instituto
Brasileiro de Meios Extrajudiciais de Soluções de Controvérsias).

Sumário: 1. Introdução: 2. Evolução histórica; 2.1. Direito comercial na antiguidade: 1ª fase;


2.2. Direito comercial na Idade Média: 2ª fase; 2.3. Direito comercial no liberalismo
econômico: 3ª fase; 2.4. Direito comercial da empresa: 4ª fase: 3. História do direito
comercial Brasileiro; 3.1. Primeira fase do direito comercial no Brasil (1500-1808); 3.2.
Segunda fase do direito comercial no Brasil (1808-1850); 3.3. Terceira fase do direito
comercial no Brasil (1850-2002); 3.4. Quarta fase do direito comercial no Brasil (2002 até os
dias atuais).

Resumo: O comércio existe desde os primórdios, mas a sua regulamentação so passou a


existir a partir da idade média, nesta época o direito comercial ou direito empresarial, pouco
importa a denominação o certo é que se iniciou como um direito comercial subjetivo e
corporativista. O segundo marco para o direito comercial foi a criação do de Commerce de
1807, com entrada em vigor deste diploma houve o abandono do subjetivismo e do
corporativismo da segunda fase, que foi substituído pela objetividade dos atos legais de
comércio. O então direito empresarial como hoje é designado o direito comercial se iniciou
em meados da década de 40, com a Teoria da Empresa, com a promulgação do Códice Civile
em 1942 e se estende até os dias atuais. O direito comercial de hoje esta voltado para
atividade empresarial.

Palavras-chave: história – evolução – direito comercial – direito empresarial

1. Introdução
O conteúdo do Direito Comercial envolve a Direito Societário, Cambiário, Seguritário,
Bancário, Contratual, Falimentar, Marítimo e Direito Comercial Internacional contudo, estas


AQUINO, Leonardo Gomes de. “A história do direito comercial dos primórdios até o século XXI”. Trinolex.
http://www.trinolex.com.br/artigos_view.asp?icaso=artigos&id=3507. E também publicado em Ciência Jurídica
(Belo Horizonte). , v.21, p.68 - 90, 2007.
2

lições abarcarão somente o Direito Societário e será escrito em várias lições de forma a trazer
para o leitor o conhecimento gradativo e proporcional desta matéria. O Direito Comercial será
abordado neste presente trabalho, seguindo uma ordem lógica, com o intuito de expor o tema
de forma objetiva e sistemática e descortinar a evolução histórica do direito comercial no
mundo e em especial no Brasil.

2. Evolução histórica1
O estudo da evolução do Direito Comercial é, portanto, um dos elementos do método
de investigação científica do direito no seu sentido geral. Só por esse meio é poderemos
investigar e apreciar as diversas fases de sua evolução secular, ininterrupta, tendo-o como
organismo que apareceu no tempo, nele se desenvolveu, nele se criou, gerando todos esses
institutos que conformam e justificam a existência do direito moderno. A história do direito
comercial, como as demais histórias do direito, não seria bem entendida se não se relacionasse
com a história universal da civilização humana, e, especialmente com a história da economia.2
O elemento histórico é, assim, considerado como indispensável até a interpretação das leis.
Célere na sua marcha evolutiva, cm tendência acentuada a universalização, o direito
comercial com seus institutos não se formou a jato, nem é produto de uma época, nem de um
meio, nem de um povo único. Todas as raças, por mais distantes que sejam os seus centros
populosos trabalharam na cooperação de sua normas, em países diversos e épocas distintas.
Firmamos os seus princípios e fundamentos econômicos, desde logo o interesse representando
o lucro, constituindo a sua mola propulsora, dando-lhe a energia necessária, que terminou por
imprimir um caráter autônomo à sua normatização.
Se faz necessária a compreensão da evolução do direito comercial, desde a sua origem
até os dias atuais, para que a questão se coloque de modo oportuno. Afinal “a relação entre

1
A história do comércio é bem a história da civilização e da humanidade. Para um estudo abrangente entre
outros autores podemos observar FERNANDES, Adaucto. Direito comercial brasileiro. Rio de Janeiro: Editora
A. Coelho Branco Fº. 1956, p. 39-162; ASCARELLI, Tullio. “Desenvolvimento histórico do direito comercial e
o significado da unificação do direito privado”. Trad. e notas de Fabio Konder Comparato. Revista de Direito
Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro, v.37, nº 114, p. 237-252, abr./jun. de 1999.
2
ASCARELLI, Tullio. “Origem do direito comercial”. Trad. e notas de Fabio Konder Comparato. Revista de
direito mercantil, industrial, econômico e financeiro, nova série, v.35, nº 103, p. 87-100, jul./set. de 1996;
COSTA, Filomeno, J da. Autonomia do direito comercial. São Paulo: Saraiva, 1956, p. 7-84. GARCIA, Ayrton
Sanches. “Noções históricas de direito comercial”. Revista Âmbito Jurídico, mar/01 (Internet)
http://www.ambitojuridico.com.br/aj/dcom0015.htm. Acessado em 23/04/07.
3

conhecimento passado, análise do presente e proposta para o futuro é mais profunda na


tradição jus comercialista do que nos outros ramo do conhecimento jurídico”.3
De acordo com a classificação histórica do direito comercial, alguns autores afirmam
que o direito comercial esta dividido em três fases: a) Idade Antiga; b) Idade Média ou
Mercanzia; c) Idade Moderna ou Idade Contemporânea. Outros no entanto preferem em
quatro fases a) Idade Antiga; b) Idade Média; c) Idade Moderna; d) Idade Contemporânea.
Ainda, há autores que preferem usar o caráter metodológico para dividir a evolução do direito
comercial, a partir do exercício do comércio dividindo-lhe em: a) concepção subjetiva
embrionária; b) concepção objetiva; c) concepção subjetiva moderna.4

2.1. Direito comercial na antiguidade: 1ª fase


O exercício do comércio remonta em larga escala desde os primórdios das civilizações
primitivas5, como um sistema de trocas dos bens desnecessários, excedentes e supérfluos para
certos grupos, mas necessários para outros, pelo que esses possuíam e de que não precisavam
mas que seria úteis aos primeiros. A dificuldade de mensurar os valores de cada bem, fez com
que surgisse a moeda. O direito comercial esta envolvido notoriamente com a economia de
mercado.
Esclarece Hernani Estrella que o comércio é um fenômeno econômico, cujos
antecedentes históricos remontam às mais recuadas eras da humanidade. No testemunho de
autores que se têm dedicado a essas investigações, já na idade da pedra polida, eram
conhecidas e praticadas trocas de bens in natura.6

3
GALGANO, Francesco. História do direito comercial terrestre. Lisboa: Coimbra Ed. 1995, p. 19.
4
Interessante é a divisão do estudo elaborada por FERNANDES, Adaucto. Direito comercial brasileiro. Rio de
Janeiro: Editora A. Coelho Branco Fº. 1956, p. 39-162, que divide em: a) noção econômica do direito comercial;
b) noção estatutária do direito comercial; c) noção científica do direito comercial; d) noção política do direito
comercial.
5
Se faz necessário demonstrar que os autores na evolução do direito comercial indicam apenas a existência de
relações de trocas entre os povos da época: Assírios, hebreus, egípcios, fenícios e gregos, segundo relata
FERREIRA, Waldemar. Tratado de direito mercantil brasileiro. São Paulo: S. Paulo Editora, 1934. p. 117/118.
No entanto, MAMEDE, Gladston. Direito empresarial: empresa e atuação empresarial. v. 1º. São Paulo: Atlas,
2006, p.25-26, demonstra que o mais antigo documento legislativo conhecido que trata das relações comerciais é
datada de 2.100 a. C. denominado de Leis de Ur-Nammu.
6
ESTRELLA, Hernani. Curso de direito comercial. Rio de Janeiro: José Konfino, 1969, p. 8.
4

A partir de 1.300. a. C., os fenícios, fundaram várias colónias como Cartago,


intermediavam as trocas de produtos entre assírios7 e babilónios8, bem como entre os
egípcios9 e os hebreus10, não possuindo nesta época os fenícios “regras especiais aplicáveis às
relações comerciais”11, mas o comércio se desenvolvia com um surpreendente grau de
sofisticação, guardas as imitações tecnológicas da época.12
Tanto Waldirio Bulgarelli como Rubens Requião destacam a importância dos povos
primitivos na atuação mercantil, lembrando, inclusive, que não tiveram um conjunto de
normas especialmente destinadas ao comércio, embora façam menção à Lex Rhodia de Iactu,
lei romana de inspiração fenícia, que cuidava do lançamento de carga ou parte desta ao mar

7
VILAS-BÔAS, Renata Malta. “Direito na antiguidade: assírios”. Revista Pratica Jurídica. Ano V, v. 53,
Brasília: Editora Consulex, Agosto de 2006, p. 16-17, p. 17, afirma que “o comércio era uma atividade que era
proibida, sendo assim, somente os estrangeiros poderiam exercê-la”.
8
VILAS-BÔAS, Renata Malta. “Direito na antiguidade: babilónia”. Revista Pratica Jurídica. Ano V, v. 52,
Brasília: Editora Consulex, Agosto de 2006, p. 34-35, p. 34, demonstra que “a base da economia era a
agricultura, sendo que a maior parte das terras pertencia ao Palácio”. O comércio interno era abrangido pelo setor
varejista realizado pelas mulheres e o externo pelos banqueiros (tankuran). Nesta época o pagamento no setor
varejista era feito através da cevada ou prata, visto que o Código de Hammurabi previa no art. 108 que “se uma
taberneira não aceitou cevada como preço da cerveja, mas aceitou prata em peso grande e diminuiu o equivalente
da cerveja em relação ao custo da cevada, comprovarão isso contra a taberneira e a lançarão na água”.
9
Comércio interno egípcio, ao que parece, não foi muito florescente. Houve certamente uma troca entre produtos
encontrados ao longo o vale do Nilo e os do Delta. Compreende-se, assim, que o comércio interno não pudesse
alcançar grande atividade, GIORDANI, Mário Curtis. História da antiguidade oriental. 12ª ed. Petrópolis: Ed.
Vozes, 2003, p. 86-87.
10
GIORDANI, Mário Curtis. História da antiguidade oriental. 12ª ed. Petrópolis: Ed. Vozes, 2003, p. 237,
demonstra que “no que concerne às relações jurídicas de caráter comercial notemos que geral, a legislação
hebraica marca sobre esse ponto uma tendência nítida de defender o pobre e se colocar sobre o terreno de uma
justiça religiosa e moral. A usura é explicitamente interdita e torna-se o mais claramente possível emprestar com
a garantia do penhor”.
11
MARTINS, Fran. Curso de direito Comercial. atualizado por Carlos Henrique Abrão. 30ª ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2006, p. 5. De acordo com REQUIÃO, Rubens. Curso de direito comercial. v. 1º, 26ª ed. São Paulo:
Saraiva, 2005, p. 8, o Código de Hammurabi é tida como a primeira codificação do direito comercial, sem traz
erregras especiais para o direito comercial.
12
MAMEDE, Gladston. Direito empresarial: empresa e atuação empresarial. v. 1º. São Paulo: Atlas, 2006, p.
26 demonstra que existia um grau de organização, apesar de não havia propriamente moeda cunhada, mas se
utilizava de um sistema de peso dos metais preciosos, denominado silas, ao qual era atribuído um valor certo,
que por sua vez era amplamente aceito nas trocas.
5

para evitar o naufrágio, ou dos institutos como o foenus nauticum (câmbio marítimo ou
empréstimo a risco).13
Na Roma antiga não teve, efetivamente, um Direito do Comércio apesar de serem
abundantes as transações comerciais efetuadas entre o Império Romano e outros povos, ou
seja não existiu um direito especial regulador das relações comerciais.14 A decorrência da
falta de um direito específico é porque no direito Romano exigia um tratamento igualitário a
todos os cidadãos o que impedia a criação de um direito de classe com prerrogativas e
disposições aplicáveis apenas um segmento profissional15, mas afirma J. X. Carvalho
Mendonça16 que não faltavam regras e institutos que hoje se compreendem no direito
comercial, pois não se pode deixar de admitir que o Ius Gentium melhor se adaptava às
atividades de comércio, chegando inclusive alguns autores a sustentar ser esse direito uma
conseqüência do tráfico mercantil.

2.2. Direito comercial na Idade Média: 2ª fase


É na Idade Média, sem dúvida, o período em que o direito comercial começa
efetivamente a tomar a forma definida17, uma vez que as cidades se desenvolveram ao redor
dos feudos, intensificando-se o comércio.

13
REQUIÃO, Rubens. Curso de direito comercial. v. 1º, 26ª ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 8. BULGARELLI,
Waldirio. Direito comercial. 16ª ed. São Paulo: Atlas, 2001, p. 27 entende que estes institutos foram criados pelo
Gregos.
14
BULGARELLI, Waldirio. Direito comercial. 16ª ed. São Paulo: Atlas, 27-28. MENDONÇA, J. X. Carvalho.
Tratado de Direito comercial. atualizado por Ricardo Negrão. v. 1º, 1ªed. Campinas: Bookseller, 2000, p. 63.
“Só se pode falar-se, em sentido próprio, de Direito Comercial relativamente às sociedades onde tenha vigorado
um corpo específico de normas cuja função exclusiva tenha sido a de regular a atividade comercial. Se está de
acordo sobre este ponto, como parece óbvio, deve-se admitir que a civilização romana, apesar de ter conhecido
um tráfego comercial florescente, não teve um direito comercial”. GALGANO, Francesco. História do direito
comercial terrestre. Lisboa: Coimbra Ed. 1995, p. 26.
15
J. GARO, Francisco. Derecho comercial: parte general. Buenos Aires: Depalma, 1955, p. 6-18.
MENDONÇA, J. X. Carvalho. Tratado de direito comercial. atualizado por Ricardo Negrão. v. 1º, 1ªed.
Campinas: Bookseller, 2000, p. 63.
16
MENDONÇA, J. X. Carvalho. Tratado de direito comercial. atualizado por Ricardo Negrão. v. 1º, 1ªed.
Campinas: Bookseller, 2000, p. 65-66.
17
Tanto para MENDONÇA, J. X. Carvalho. Tratado de direito comercial. atualizado por Ricardo Negrão. v. 1º,
1ªed. Campinas: Bookseller, 2000, p. 72 como para MARTINS, Fran. Curso de direito comercial. atualizado por
Carlos Henrique Abrão. 30ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 8 vários institutos comerciais se originaram na
Idade Média a partir do tráfico marítimo passando para o terrestre, podemos enumerar os seguintes institutos: a
6

Com crescimento e desenvolvimento dos Estados, despontaram as grandes expedições


marítimas, com acentuada mercancia de produtos entre os povos. Ganharam destaque na
sociedade os comerciantes e os artesões. Como conseqüência, surgiu a necessidade de regular
sua atividades. De acordo com a doutrina, foi nesse período que apareceu o direito comercial,
mas não como um corpo de obra legislativa, mas derivado do trabalho dos próprios
comerciantes, que o construíram com os seus usos e com as leis, que reunidos em classe,
criaram.18 Até então, havia apenas o desenvolvimento da atividade comercial, mas não
sistematização das normas de cunho mercantil.
O segundo período do direito comercial eclodiu justamente, nesse estágio de ascensão
das grandes cidades e do comércio. Artesões e comerciantes uniram-se em corporações, as
famosas “corporações de ofícios”, procurando uma tutela jurídica para as suas atividades. Os
mercadores (burguesia), por serem discriminados pela sociedade e legislação da época,
associaram-se nessas corporações e estabeleceram regras para a regência do comércio.
Despontou, assim, o ius mercatorium, ou seja direito do comércio.19
J. X. Carvalho Mendonça20 descreve a estrutura das corporações de ofícios e sua
importância para o direito comercial. “Tais corporações tinham patrimônio próprio,
constituído pela contribuição dos associados e por taxas extraordinárias e pedágios. A sua
magistratura formava-se por meios de cônsules dos comerciantes (cônsules mercatorum),
eleitos pela assembléia dos comerciantes, tendo funções politicas (defender a honra e
dignidade das corporações a que pertenciam, ajudar os chefes manter a paz etc.), funções
executivas (observar e fazer observar os estatutos, leis e usos mercantis, administrar o
patrimônio etc.) e funções judiciais, julgando as causas comerciais. Decidiam com a máxima

escrituração das primeiras sociedades mercantis; a letra de câmbio (título de crédito); a estruturação do
processo de falência; os contratos mercantis de transporte, de deposito, de seguros, de empréstimos e de
comissão; os negócios realizados entre bancos.
18
REQUIÃO, Rubens. Curso de direito comercial. v. 1º, 26ª ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 10. MENDONÇA,
J. X. Carvalho. Tratado de direito comercial. atualizado por Ricardo Negrão. v. 1º, 1ªed. Campinas: Bookseller,
2000, p. 69.
19
“O direito comercial, desde o seu surgimento na baixa Idade Média, teve como característica marcante a
internacionalização da atividade econômica”. ARMOLDI, Paulo Roberto Colombo; SOUZA, Israel Alves Jorge
de. “A nova lex mercatória e o futuro do direito empresarial brasileiro”. Revista de direito Privado. v. 28.
out/dez 2006, p. 212-220. MAMEDE, Gladston. Direito empresarial: empresa e atuação empresarial. v. 1º. São
Paulo: Atlas, 2006, p. 31.
20
MENDONÇA, J. X. Carvalho. Tratado de direito comercial. atualizado por Ricardo Negrão. v. 1º, 1ªed.
Campinas: Bookseller, 2000, p. 68.
7

brevidade sem formalidade (sine strepitu et figura judicii). Das suas sentenças nos casos mais
graves dava-se apelação para outros comerciantes matriculados na corporação e sorteados, aos
quais se atribuía o título de sobre-cônsules.21
Temos, nesse período, a fase estritamente subjetivista do direito comercial a serviço do
comerciante, ou seja, um direito corporativo, profissional, especial e autônomo, que amparava
apenas a classe dos comerciantes e artesões vinculados às corporações e submetidos a regras
comerciais por eles próprios estabelecidas.22 As relações jurídicas mercantis eram definidas,
portanto pela qualidade do sujeito, visto que, neste período o comerciante era itinerante, pois
levava a mercadoria de uma cidade para outra, através de estradas, em caravanas, sempre em
direção as feiras e mercados que tornaram famosa as regiões da Catalunha e da França, além
das cidades italianas.
Não, demorou muito, apareceram algumas causas objetivitas: primeiro, os membros
das corporações foram sujeitos à jurisdição consular por qualquer ato relativo ao comércio
que efetuassem, mesmo tratando-se de atos isolados, estranhos ao ramo do comércio a que
eles se dedicavam; depois, admitiu-se que os não comerciantes demandassem os comerciantes
nos tribunais consulares caua et occassione mercaturae e mais, ainda, permitiu-se que os não

21
O grande impulso do direito comercial se deve a uma verdadeira jurisdição consular. OLIVEIRA, Celso
Marcelo de. Manual de direito empresarial. v. 1º. São Paulo: IOB Thompson, 2005, p. 55, afirma que “as
decisões dos cônsoles, de fato, não só serviram para dar forma concreta e certa aos costumes mas, mediante o
trabalho de interpretação e de adaptação das várias normas, consuetudinárias e legislativas, vigentes, concorriam
eficazmente para a formação e evolução dos institutos jurídicos comerciais”.
22
CASSAGNES-BROUQUET, Sophie. “Novas cidades, novos ricos”. Revista História Viva. Ano III, nº 34.
São Paulo: Editora Duetto, s/d, p. 40- 45, p. 44. Afirma que: “A partir do século XII, na França, as cidades
francesas assistiram ao nascimento das profissões organizadas. Qualificados como ofícios, jurisdições ou guildas
(o termo corporação ainda não era utilizado), eles se estabeleceram nas cidades do norte do reino, na região
parisiense e do Languedoc. A origem dessas associações permanece obscura. Algumas vezes, elas nasciam de
confrarias que agrupavam artesões da mesma profissão, numa intenção de ajuda mútua e de crença comum. Eles
se comprometiam a respeitar os estatutos de ofício e a prestar assistência mútua. Obtiveram privilégios das
autoridades municipais, que lhes outorgaram um estatuto jurídico, o direito de regulamentar sua profissão e de
exercer a administração da profissão. Os mestres participavam da elaboração dos estatutos da profissão e
elegiam os responsáveis pelos ofícios. A partir do século XIII, algumas profissões exigiam o pagamento de um
direito de ingresso, e a realização de uma obra prima que testemunhasse a habilidade do artesão no final de seu
aprendizado. É no contexto da organização desses ofícios que a maçonaria se originou”.
8

comerciantes fossem demandados naqueles tribunais se de fato exercessem o comércio ou


praticassem tão-só singulares operações mercantis23.

2.3. Direito comercial no liberalismo econômico: 3ª fase


A terceira fase surge, então, com o Code de Commerce de 1807 que marca o início da
etapa contemporânea na evolução do direito comercial. Os princípios da liberdade e igualdade
perante a lei, inspiradores da Revolução Francesa eram incompatíveis com a manutenção de
um direito dos comerciantes, enquanto classe corporativa. Daí que o Código qualifique como
comerciantes os que fazem da prática de atos de comércio profissão, e como comerciais uma
série de atos (incluindo alguns ligados a indústria transformadora e aos serviços) que sejam
praticados por comerciantes, acentua-se, pois, um caráter objetivo do direito comercial.
Houve o abandono do subjetivismo e do corporativismo da segunda fase, que foi
substituído pela objetividade dos atos legais de comércio.24 As relações jurídicas mercantis
não seriam mais definidas pela natureza do sujeito que as integravam, mas sim pelos atos por
eles praticados.
Esta nova fase do direito comercial se baseou na Teoria dos Atos de Comércio e o
direito comercial passou a definir quais os atos que deveriam ser considerados como
comerciais e, portanto, regidos pelas normas mercantis.
A questão primordial é descortinar o significado e abrangência do termo atos de
comércio, cujas características deveriam ser fixadas em relação aos aspectos objetivos criados
pela legislação.25 Assim, a compra e venda de imóveis é um ato de comércio mesmo que não
praticado de um comerciante.
Seria os atos de comércio absolutos, também denominados mercantis por natureza. É
uma classificação que assenta no conceito econômico de comércio, a qual recorre em regra, a
idéia de mediação associada ao fim de lucro, para definir a essência mercantil.

23
MENDONÇA, J. X. Carvalho. Tratado de direito comercial. atualizado por Ricardo Negrão. v. 1º, 1ªed.
Campinas: Bookseller, 2000, p. 70.
24
Mas não se trata de um sistema puramente objetivo, alias não se conhecem sistemas objetivos puros, mas
mistos. O Code, manifestamente influenciado pelas ordonnances de 1673 e 1681, é mesmo um Código mais das
profissões mercantis que dos atos objetivos de comércio. BULGARELLI, Waldirio. Direito comercial. 16ª ed.
São Paulo: Atlas, 2001, p. 37.
25
Inúmeras teorias foram desenvolvidas na tentativa de qualificar o que seria atos de comércio, vide REQUIÃO,
Rubens. Curso de direito comercial. v. 1º, 26ª ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 35-45.
9

Para além dos atos de comércio absoluto outros reclamam, porém, regulamentação
comercial. São os praticados por comerciantes para o exercício do seu comércio, os quais se
consideram comerciais apenas por serem acessórios de uma atividade mercantil. Denominam-
se de atos de comércio relativos. O critério económico de definição da essência mercantil da
relação de fato não é, pois, auto-suficiente: há de se complementar à causa da teoria do
acessório.26 Acontece que na prática se torna difícil e mesmo impossível delimitar com rigor o
quadro dos atos de comércio pela sua natureza ou pelo critério do acessório. Uma terceira
corrente afirma que atos de comércio são os descritos como tal, ou seja, adquirem a qualidade
de atos de comércio por força de lei, aqueles que se tornam, objetivamente, mercantis, por
exemplo, as operações sobre títulos de crédito ou sobre títulos da Dívida Pública. Podemos
nos referir, ainda, ao chamado ato misto, assim chamado porque tem natureza mercantil para
uma das partes intervenientes, e civil para a outra, por exemplo, se um industrial vende um
televisor a pessoa não-comerciante, o ato será mercantil para aquele e civil para este.27
No entanto, o sistema do Código Comercial Francês de 1807 se revelou frustrante,
apesar que o Code Commerce tenha se tornado modelo para codificações oitocentistas, entre
elas podemos citar, o código espanhol, o português, o boliviano, o paraguaio, o uruguaio, o
chileno, o argentino, o alemão de 1861 e o antigo código comercial brasileiro28, jamais foi
possível identificar um critério unificador e geral para a qualificação de atos de comércio,
enquanto que, de outro lado, tornava-se impossível delimitar a fronteira divisória do direito
privado, na medida em que veio a se generalizar a utilização de institutos originalmente
mercantis.29

2.4. Direito comercial da empresa: 4ª fase


Esta última fase se iniciou em meados da década de 40, com a Teoria da Empresa,
com a promulgação do Códice Civile em 1942 e se estende até os dias atuais. O direito
comercial de hoje esta voltado para atividade empresarial.

26
Pela teoria do acessório considera-se mercantil o acessório de um ato de comércio REQUIÃO, Rubens. Curso
de direito comercial. v. 1º, 26ª ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 45.
27
REQUIÃO, Rubens. Curso de direito comercial. v. 1º, 26ª ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 35-45.
28
MENDONÇA, J. X. Carvalho. Tratado de direito comercial. atualizado por Ricardo Negrão. v. 1º, 1ªed.
Campinas: Bookseller, 2000, p. 80.
29
VERÇOSA, Haroldo Malheiros Dulclerc. Curso de direito comercial. v. 1. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 48.
10

Segundo o Código Civil Italiano no art. 2.082 é considerado empresário “quem exerce
profissionalmente uma atividade económica organizada para o fim da produção ou da troca de
bens ou serviços”.
De acordo com esta teoria, o amparo do direito comercial recai sobre atividade
empresarial. Considera-se atividade empresarial aquela desenvolvida profissionalmente e com
habitualidade, seja por um empresário individual, seja por uma sociedade empresária, de
forma economicamente organizada, voltada à produção e circulação de mercadorias e
serviços. Portanto, o foco do direito comercial atual é a empresa, entendida como atividade
profissional econômica e organizada voltada à obtenção de lucros.
Desta forma, a natureza da atividade juntamente com o exercício profissional e
habitual são os elementos qualificadores do empresário, não mais a qualidade dos sujeitos ou
o tipo de ato praticado.
A qualificação destes elementos se dará quando da análise do instituto no atual direito
brasileiro pois, o tratamento desta questão aqui poderá trazer redundância no estudo do tema.

3. História do direito comercial Brasileiro


A especulação mercantil da produção nativa local antecedeu à atividade comercial
brasileira. Mesmo antes de iniciada a atividade comercial no Brasil, o seu patrimônio nativo já
era vendido em Portugal e, através dos portugueses, noutros países da Europa.
Diversos autores costumam dividir a História do direito comercial brasileiro em três
grandes fases ou períodos: a) do Brasil colonial; b) do Brasil imperial; c) do Brasil
republicano. Outros no entanto preferem usar o critério legislativo para dividir a história do
direito comercial brasileiro em: a) primeira fase (1822-1850); b) segunda fase (1850-1890); c)
terceira fase (1890 em diante).30

3.1. Primeira fase do direito comercial no Brasil (1500-1808)


Na primeira fase do direito comercial no Brasil gravita na exploração permanente de
Portugal, este período se inicia com Descobrimento e vai findar com a chegada de Dom João

30
MENDONÇA, J. X. Carvalho. Tratado de direito comercial. atualizado por Ricardo Negrão. v. 1º, 1ªed.
Campinas: Bookseller, 2000, p. 85-138; BULGARELLI, Waldirio. Direito comercial. 16ª ed. São Paulo: Atlas,
2001, p. 38-53 prefere dividir a história do direito brasileiro em três períodos da seguinte forma: a) de 1808, com
a vinda da família real para o Brasil, até 1850, data da promulgação do Código Comercial: de 1850 à 1930, que
assinala o fim da Primeira República, e de 1930 até hoje, corresponde ao período de intervenção estatal na
atividade privada.
11

VI, em 1808. As relações jurídicas, até então, eram reguladas exclusivamente com base na
legislação portuguesa, bem como a Lei da Boa Razão, “que modificou a predominância do
direito romano então existente no Direito Português, mandando que fossem aplicadas,
subsidiariamente, as leis dos povos cultos em casos em que houvesse omissão nos princípios
legais portugueses”.31 O acervo legislativo aplicado na Colônia descia de embarcações
portuguesas que aqui aportavam, fazendo-a exigida contra os nativos e contra aqueles que
com esses contratassem.
Sob enorme influência do direito canônico e do direito romano, vigoraram por aqui as
Ordenações Afonsinas (também chamadas de Código Afonsino) promulgadas por Dom
Afonso V, em 1446, desde o Descobrimento, em 1500, se tornaram obrigatórias contra os
nativos e quem mais ocupasse o território brasileiro. Depois, as Ordenações Manuelinas
(Código Manuelino), do Rei Dom Manuel, a partir de 1514, quando já descoberto o Brasil.
Por último, a Ordenações Filipinas (Código Filipino), de 1569, mandadas editar pelo rei Dom
Filipe II, mas promulgadas quando a Coroa portuguesa era regida pelo seu filho, Dom Filipe
III. Os títulos dados às Ordenações são homenagens aos dignitários da Coroa em suas
respectivas épocas: Dom Afonso V, Dom Manuel e Dom Filipe II (tributo a este que mandou
proceder aos seus estudos, embora tivesse sido promulgada por Dom Filipe III).32
Durante esta fase que se findou em 1808, ou seja mais de três séculos (de 1500 a
1808), os fatos jurídicos e políticos do Brasil se encontram obscuros, visto que não registro
sobre as relações existentes entre nativos, de maneira a despertar o interesse do estudo
jurídico comercial. Isto não significa que o Brasil estava fora do crescente mercantilismo
impulsionada pela navegação, visto o comércio externo brasileiro era intermediado pela
Coroa, ou seja era feito exclusivamente em Portugal e, através de Portugal.
Podemos afirmar que neste período não tínhamos um direito comercial autônomo e
nem mesmo um direito comercial.

3.2. Segunda fase do direito comercial no Brasil (1808-1850)

31
Cândido Mendes de Almeida, Código filipino ou ordenações e leis do Reino de Portugal, Rio de Janeiro,
1870, “Ao Leitor” apud MARTINS, Fran. Curso de direito Comercial. atualizado por Carlos Henrique Abrão.
30ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 51.
32
MENDONÇA, J. X. Carvalho. Tratado de direito comercial. atualizado por Ricardo Negrão. v. 1º, 1ªed.
Campinas: Bookseller, 2000, p. 85-138; BULGARELLI, Waldirio. Direito comercial. 16ª ed. São Paulo: Atlas,
2001, p. 88, em especial a nota 106. MARTINS, Fran. Curso de direito comercial. atualizado por Carlos
Henrique Abrão. 30ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 50-51.
12

Como Dom João VI a vinda da família real para o Brasil em 180833 é que efetivamente
inicia a vida política no território pátrio. Pode-se afirmar que o direito comercial brasileiro
tem início com a lei de abertura dos portos.
Assim, que os portugueses aqui chegaram, não bem tinham-se instalado e organizado,
já faziam mover a estrutura jurídica aplicada em Portugal. Foi assim que, em 28 de Janeiro de
1808, após Dom João VI aportar na Bahia, através da Carta Régia e ouvidos os louvores de
José da Silva Lisboa, adiante Visconde de Cairu34, declarou abertos os portos brasileiros para
o comércio com as nações amigas. Esse fato registra a primeira importante manifestação
político-econômico-jurídica ditada pela Corte portuguesa em território brasileiro. Resultou
disso enorme expansão comercial e industrial dentro dos limites do nosso território.35
Paralelamente ao crescimento e aprimoramento do comércio interno e exterior, surge a
necessidade de uma legislação de cunho econômico para melhor regular e garantir os novos
negócios. É criada em 23 de Agosto de 1808, a Real Junta do Comércio, Agricultura,
Fábricas e Navegação, com a finalidade de incentivar o desenvolvimento da economia na
Colônia. A criação desta Real Junta do Comércio tinha “finalidade muito ampla, não apenas
de reunir os comerciantes de uma Praça de Comércio, a fim de tratarem de suas transações e
empresas mercantis, como igualmente, de possibilitar o estudo do direito comercial, estimular
o desenvolvimento da indústria mediante a concessão de prêmios aos que mais se
avantajarem em algum gênero de indústria, introduzindo ou apresentando alguma nova

33
A história nos relata que a vinda da família real decorreu da ameaça do exército napolepônica que perseguia a
família real na Europa. Assim, em 1808, a Corte procurou refúgio para proteger os seus membros e o seu
patrimônio em solo brasileiro. Perseguida pelo iminente avanço da força inimiga, aportou na Bahia, onde
inicialmente se alojou com ânimo de permanência demorada. Aqui, em razão da distância que os separava dos
adversários, os portugueses sentiram-se protegidos contra a efetiva e mais imediata agressão.
34
Para ASCARELLI, Tullio, “Experiência de viagens jurídicas – direito civil e direito comercial”. Ensaios e
pareceres. São Paulo: Saraiva, 1952, p. 408, demonstra que a obra José da Silva Lisboa, adiante Visconde de
Cairu (alguns autores grafam Cayru) se iniciou o direito comercial brasileiro e que na sua modernidade, fruto,
por sua vez, da larga experiência internacional do seu autor, pode vantajosamente equiparar-se às obras
europeias do mesmo período.
35
Segundo Fran Martins (MARTINS, Fran. Curso de direito comercial. atualizado por Carlos Henrique Abrão.
30ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 38) e J.X. Carvalho de Mendonça (MENDONÇA, J. X. Carvalho.
Tratado de direito comercial. atualizado por Ricardo Negrão. v. 1º, 1ªed. Campinas: Bookseller, 2000, p. 68, a
concessão da carta régia de 28 de Janeiro marca o início da independência do Brasil, e José da Silva Lisboa, o
Visconde de Cairu, é, conforme Waldirio Bulgarelli (BULGARELLI, Waldirio. Direito comercial. 16ª ed. São
Paulo: Atlas, 2001, p. 38), considerado o fundador do direito comercial do Brasil, ao inspirar a Dom João a
abertura dos portos.
13

máquina que poupe os braços, ou qualquer invenção útil nas artes, na agricultura e
navegação, por maneira que os adiantem, e promovam e ainda com o propósito de distribuir
sementes para a melhoria da agricultura e abrir estradas para maior facilidade do comércio
interno”.36
Eram, pois, imensas e diversificadas as finalidades atribuídas à Real Junta, criada com
o propósito de fortalecer as relações mercantis entre os comerciantes de uma mesma praça de
comércio e, também, de incrementar e estimular o desenvolvimento industrial nas suas
diversas formas, criando prêmios a quem se destacasse nas diferentes áreas de sua
abrangência, que incluía, além do comércio e da indústria, as artes e o estudo do direito
comercial.
Por Alvará de 12 de Outubro de 1808 é fundado o Banco do Brasil, com finalidade de
operar com descontos, depósitos, saques de fundos, emissões de bilhetes ao portador,
comissões, etc. Em Julho de 1809, por ordem do Príncipe Regente são dados recursos ao
Tribunal da Real Junta do Comércio, para o pagamento das suas despesas, dentre essas, em
especial, as relativas aos deputados e oficiais. Com o mesmo alvará é liberado numerário para
a construção da Praça de Comércio.37
Com a independência do Brasil, em 1823 é convocada a Assembleia Constituinte. A
Constituição outorgada de 25 de Março de 1824 previu um Código Civil e um Código Penal,
não se referindo a um Código Comercial. Isso parece indicar que, pelo menos até então, a
necessidade de um código especial não era premente.
Em 20 de Outubro de 1823 a Assembléia Constituinte e Legislativa promulga a
legislação que mandau aplicar no Império as leis portuguesas vigentes até 25 de Abril de
1821, e os diplomas adiante promulgados pelo príncipe regente Dom Pedro de Alcântara, sem
exclusão da denominada Lei da Boa Razão, data de 18 de Agosto de 1769. A Lei da Boa
Razão, que foi aqui referida sob o título “O Direito Comercial em Portugal”, mandava
aplicar à legislação portuguesa, em matéria comercial, as leis adotadas nas “nações cristãs,
iluminadas e polidas, que com elas estavam resplandecendo na boa, depurada e sã
jurisprudência”.38 Foi dessa forma que os Códigos Comerciais Francês (1807), Espanhol

36
MARTINS, Fran. Curso de direito comercial. atualizado por Carlos Henrique Abrão. 30ª ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2006, p. 51-52.
37
REQUIÃO, Rubens. Curso de direito comercial. v. 1º, 26ª ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 16;
BULGARELLI, Waldirio. Direito comercial. 16ª ed. São Paulo: Atlas, 2001, p. 39.
38
MENDONÇA, J. X. Carvalho. Tratado de direito comercial. atualizado por Ricardo Negrão. v. 1º, 1ªed.
Campinas: Bookseller, 2000, p. 90.
14

(1829) e Português (1833) foram apropriados pelo nosso Estado como a lei mercantil aqui
aplicável, havendo o primeiro deles, especialmente, influenciado o Direito pátrio.
Passa, assim, a Lei da Boa Razão a ser aplicada no Estado Brasileiro. Era imperioso, a
tal altura, especialmente em razão de que o Brasil já havia conquistado a independência
política, que fosse elaborada uma legislação nova, estruturada nas aspirações e necessidades
do povo brasileiro, em detrimento das leis portuguesas que continuavam a ser aqui aplicadas,
indiscriminadamente.
Embora a Constituição de 25 de Março de 1824, ventilada por outras inspirações, teve
a pretensão de elaborar a codificação das leis civil e criminais, silenciando a respeito do
direito comercial, visto que desde 1809 cogitava-se da elaboração de um projeto nesse
sentido.
Somente em 14 de Março de 1832 a Regência nomeou Comissão39 que tinha por fim
proceder aos estudos para a criação de um código comercial. Vencidas as suas metas, a
comissão remeteu o projeto à Câmara em 1834. Após demorada tramitação, o documento
consegue ser transformado em lei. Assim, em 6 de Março de 1850 a Câmara aprovou
integralmente o projeto. Sancionado, transformou-se na Lei nº 556, de 25 de Junho de 1850 –
Código Comercial Brasileiro.

3.3. Terceira fase do direito comercial no Brasil (1850-2002)


A terceira fase tem início com a promulgação do Código Comercial Brasileiro que
continha 913 artigos, além de um Título Único, com 30 artigos. O novo Código estava
dividido em três partes: a) a primeira sobre o Comércio em Geral (arts. 1º a 456 – Revogado
pelo Código Civil em vigor no art. 2.045 – disposições transitórias); b) a segunda sobre o
Comércio Marítimo (arts 457 a 796) e; c) a terceira sobre as quebras (arts. 797 a 913 –
revogado pela Lei 7.661/45 e, hoje vigora a Lei 11.101, de 9 de Fevereiro de 2005,
disciplinando a Recuperação e a falência.
O Código Comercial Brasileiro de 1850 calcado na legislação francesa, espanhola e
português, mas não sendo uma cópia servil de qualquer das três fontes acima mencionadas,
abarcando inclusive adiantamento significativo em relação aos seus modelos. O Código traz a
marca da objetividade onde temos, conforme o art. 4º daquele: “ninguém é reputado

39
Formada por Antônio Paulino Limpo de Abreu (adiante Visconde de Abaeté), José Antônio Lisboa, Guilherme
Midosi, Lourenço Westin e Honório José Teixeira. Este último declinou do convite e foi substituído pelo cônsul
da Suécia, Inácio Ratton. Presidida inicialmente por Antônio Paulino Limpo de Abreu.
15

comerciante para o efeito de gozar de proteção que este código liberaliza em favor do
comércio sem que se tenha matriculado em um dos tribunais do comércio do Império, e faça
da mercancia profissão habitual”. O art. 4º do Código Comercial descreveu o que é
comerciante regular.
Quem pratica atos de comércio de forma isolada (não faz com habitualidade) não é
comerciante, pois não faz da mercancia a sua profissão habitual. O Código de 1850 não
enunciou os atos considerados de comércio, apenas aludindo a mercancia, sem lhe precisar o
sentido.
O Regulamento 737 de 1850, em seu art. 19, relaciona as atividades classificadas
como mercancia (foi a 1ª lei processual brasileira): “art. 19. Considera-se mercancia: § 1º A
compra e venda ou troca de efeitos móveis ou semoventes, para vender a grosso ou retalho, na
mesma espécie ou manufaturados, ou para alugar o seu uso; § 2º As operações de câmbio,
banco e corretagem; § 3º As empresas de fabricas, de comissões de deposito, de expedição,
consignação e transporte de mercadorias, de espetáculos públicos; § 4º Os seguros,
fretamento, riscos e quaisquer contratos relativos ao comércio marítimo; § 5º A armação e
expedição de navios.”40
A essas atividades, deve-se acrescentar outras duas, constantes de leis mais recentes e
em plena vigência: a de incorporação imobiliária (Lei nº 4.591/64) e as exploradas por
sociedade ou por ações (Lei nº 6.404/76).
No entanto, o ato de comércio em si, praticado por qualquer pessoa, comerciante ou
não, será sempre regido pela doutrina comercial. Exceto as atividades excluídas da mercancia
tais como agricultura e pecuária (produtor rural); prestação de serviços; profissões
intelectuais.
Na visão de Rubens Requião o Código Comercial de 1850, é descritivo, admitindo
extensão por analogia, desde que mantenham certas características comuns, como resulta
desta exposição, é subjetivo, pois assenta na figura do comerciante, não evitando, porém, o
tempero objetivo, enumeração legal dos atos de comércio, para esclarecer o que seja
mercancia, elemento radical na conceituação do comerciante.41

40
Foi extinto em 1875, através do Decreto Imperial nº 2662, mantendo a teoria dos atos de comércio, servindo
de referência doutrinária para a definição do campo de incidência do direito comercial brasileiro, mesmo após
sua revogação.
41
“O sistema do código de 1850, como resulta desta exposição, é subjetivo, pois assenta na figura do
comerciante, não evitando, porém, o tempero objetivo, enumeração legal dos atos de comércio, para esclarecer o
16

Após a enumeração descritiva da legislação passemos a analisar classificação dos atos


de comércio na legislação brasileira. Vários são os critérios utilizados pelos doutrinadores ao
tentar, cientificamente, classificar os atos de comércio no direito brasileiro.
J. X. Carvalho de Mendonça enumera os atos de comércio em três classes, atos de
comércio por natureza ou profissionais, atos de comércio por dependência ou conexão e atos
de comércio por força ou autoridade da lei, cada um por ele assim descrito: “A primeira
compreende os atos que constituem o exercício da indústria mercantil, bem entendido, no
sentido que o Código atribuiu a esta expressão. A prática habitual determina-lhes a
comercialidade, e investe o agente da qualidade de comerciante. São atos por natureza
comerciais, atos profissionais. A segunda abrange os atos que visam facilitar, promover ou
realizar o exercício daquela indústria. São atos praticados para ou em razão do exercício do
comércio, mantendo com ele estreita relação, conexão ou dependência. A terceira compõe-se
dos atos declarados de comércio em atenção à forma ou a certas conveniências de que o
legislador é árbitro. São atos artificialmente comerciais. Por mais reiterada que seja sua
prática, não podem atribuir ao agente a qualidade de comerciante”.42
À classificação de J. X. Carvalho de Mendonça aderiram os juristas, Waldirio
Bulgarelli43, Vera Helena de Mello Franco44 e Rubens Requião, porém com a ressalva de que,
os atos de comércio por conexão decorrem da teoria do acessório, uma vez que o acessório
segue o principal.45
Fran Martins classifica os atos de comércio como subjetivos, ou atos de comércio por
natureza, os quais são praticados pelos comerciantes no exercício de sua profissão, e objetivos
que derivam da vontade da lei. Cita, ainda, os atos de comércio por conexão ou acessórios,
atos que em sua essência são civis, mas tornam-se comerciais ao facilitar ou intermediar o
exercício da profissão comercial.46

que seja mercancia, elemento radical na conceituação de comerciante.” REQUIÃO, Rubens. Curso de direito
comercial. v. 1º, 26ª ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 42.
42
MENDONÇA, J. X. Carvalho. Tratado de direito comercial. atualizado por Ricardo Negrão. v. 1º, 1ªed.
Campinas: Bookseller, 2000, p. 520-521.
43
BULGARELLI, Waldirio. Direito comercial. 16ª ed. São Paulo: Atlas, 2001, p. 69-71.
44
FRANCO, Vera Helena de Mello. Manual de direito comercial. v. 1º. São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 2001, p. 33-37.
45
REQUIÃO, Rubens. Curso de direito comercial. v. 1º, 26ª ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 45.
46
MARTINS, Fran. Curso de direito comercial. atualizado por Carlos Henrique Abrão. 30ª ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2006, p. 76-77.
17

Surge, ainda, a possível existência dos atos de comércio mistos, entendidos por
Waldirio Bulgarelli como o ato que seria: “se entre comerciantes, comercial; se entre um
comerciante e um não-comerciante, comercial para um e civil para outro”.47
A grande maioria de doutrinadores que combatem essa teoria encontramos,
principalmente, J. X. Carvalho de Mendonça, afirmando que não existem atos de comércio
que seja simultaneamente ato civil e ato comercial, e que para resolver esse problema o
Código de 1850 estabeleceu a vis attractiva da lei comercial, submetendo-os ao seu
domínio.48
O direito brasileiro na sua maioria dos autores seguiu a classificação proposta J. X.
Carvalho de Mendonça para os atos de comércio dividindo em: a) por sua natureza; b) por
dependência e conexão e; c) atos por força ou autoridade da lei.
Contudo esta classificação corresponde a um sistema invulnerável, pois não se trata de
critérios completos, tanto que os Tribunais Brasileiros sempre tiveram enorme dificuldades
para caracterizar precisamente o que seria atividade comercial reduzida na terminologia
mercancia.
Com o crescimento do comércio no Brasil, e devido às grandes dificuldades e
imprecisões das teoria caracterizadoras dos atos de comércio, não mais sendo esta suficiente
para abranger e garantir a estabilidade do comércio nacional, passa, assim o direito comercial
a se aproximar do sistema italiano, até resultar, em 2002, na incorporação total da teoria da
empresa pelo direito nacional, com a criação do Direito da Empresa e com a unificação do
direito privado, no novo Código Civil, retornando, finalmente, ao critério subjetivo de
caracterização da matéria comercial.49
Para a teoria dos atos de comércio, a identificação do sujeito das normas do direito
comercial se dá em função da atividade por ele exercida. Assim, todo aquele que explore uma

47
BULGARELLI, Waldirio. Direito comercial. 16ª ed. São Paulo: Atlas, 2001, p. 71. Segundo Rubens Requião
(REQUIÃO, Rubens. Curso de direito comercial. v. 1º, 26ª ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 43.) Tal teoria é
pouco adotada pelos autores, sendo entre si defendida principalmente por Silva Costa, nos idos de 1912, em sua
obra Direito Comercial Marítimo, publicada pela Société Générale d´Impression, em Paris.
48
MENDONÇA, J. X. Carvalho. Tratado de direito comercial. atualizado por Ricardo Negrão. v. 1º, 1ªed.
Campinas: Bookseller, 2000, p. 528-534.
49
VERÇOSA, Haroldo Malheiros Dulclerc. Curso de direito comercial. v. 1º. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 52,
afirma o Código Comercial Brasileiro teria antecipado, no fundo em muitos anos, uma solução legislativa que
viria a ser adotada bem mais tarde no direito italiano. Esta solução é a teoria dos atos de empresa, uma vez que
mercancia caracteriza-se pela atividade profissional, exercida de forma habitualmente no tempo pelo sujeito,
com o intuito de lucro.
18

atividade considerada como um ato de comércio é um comerciante, submetendo-se às normas


próprias do direito comercial.

3.4. Quarta fase do direito comercial no Brasil (2002 até os dias atuais) 50
Esta última fase se iniciou entrada em vigor da Lei 10.406, de 10 de Janeiro de 2002 –
Código Civil Brasileiro. O art. 996 deste diploma prescreve que: “Considera-se empresário
quem exerce profissionalmente atividade económica organizada para a produção ou a
circulação de bens ou de serviços”.
A nova concepção de comerciante, agora entendido como empresário terminologia
mais abrangente, Esta nova concepção foi adotada em medos da década de 40, com a Teoria
da Empresa, com a promulgação do Codice Civile em 1942 e se estende até os dias atuais. O
direito comercial de hoje esta voltado para atividade empresarial.51
De acordo com esta teoria, o amparo do direito comercial recai sobre atividade
empresarial. Considera-se atividade empresarial aquela desenvolvida profissionalmente e com
habitualidade, seja por um empresário individual, seja por uma sociedade empresária, de
forma economicamente organizada, voltada à produção e circulação de produtos e serviços.
Portanto, o foco do direito comercial atual é a empresa, entendida como atividade profissional
económica e organizada voltada à obtenção de lucros.
Com a vigência do novo Código Civil há uma desvinculação do comerciante e dos
atos de comércio para o direito comercial, atrelando-se à empresa e ao empresário. A adoção
desta teoria foi tornar a empresa como o núcleo do Direito Comercial, preterindo os atos de
comércio.
Miguel Reale explica-nos que foi “empregada a palavra empresa no sentido de
atividade desenvolvida pelos indivíduos ou pelas sociedades a fim de promover a produção e
circulação das riquezas. É esse o objetivo fundamental que rege os diversos tipos de
sociedades empresariais, não sendo demais realçar que, consoante terminologia adotada pelo
projeto, as sociedades são sempre de natureza empresarial, enquanto as associações são
sempre de natureza civil. Parece uma distinção de somenos, mas de grande conseqüência

50
Lei Publicada no Diário Oficial em da União, de 11 de Janeiro de 2002, após o prazo de 01 ano de vocatio
legis entrou em vigor em 10 de Janeiro de 2003.
51
De certo, a escolha da denominação do Livro II – Direito de Empresa – teve cunho emblemático, cuja
finalidade do legislador fora demonstrar inequivocamente que o Direito Comercial brasileiro se vincula à Teoria
da Empresa, do direito italiano, divorciando-se definitivamente da Teoria do Ato de Comércio, do direito
francês.
19

práticas, porquanto cada uma delas e governada por princípios distintos. Uma exigência
básica de operabilidade norteia, portanto, toda a matéria de Direito da Empresa, adequando-o
aos imperativos da técnica contemporânea no campo econômico-financeiro, sendo
estabelecidos preceitos que atendem à livre iniciativa como aos interesses do consumidor”.52
Desta forma, surge no direito positivo brasileiro a teoria da empresa que reconhece a
importância fundamental de abarcar novas situações para a qual convergem aqueles que
exercem tanto atividade civil como comercial.
Para Alberto Asquini definiu quatro perfis para considerar a sociedade como
empresária aqui listados por Fábio Ulhoa Coelho: “subjetivo, funcional, patrimonial (ou
objetivo) e corporativo. Pelo primeiro, a empresa é vista como empresário, isto é, o exercente
de prestação de serviço autônoma, de caráter organizativo e com assunção de risco. Pelo perfil
funcional, identifica-se a empresa à própria atividade. Pelo terceiro perfil, corresponde ao
patrimônio aziendal ou estabelecimento. E, por fim, pelo perfil corporativo, ela é considerada
uma instituição, na medida que reúne pessoas – empresário e seus empregados – com
propósitos comuns”.53
Com a entrada em vigor do Código Civil podemos verificar que os perfis subjetivo e o
objetivo se enquadram nas qualificações de empresário e estabelecimento. Assim, “considera-
se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a
produção ou a circulação de bens e serviços.” (art. 966, caput, do Código Civil). Da mesma
forma, “considera-se estabelecimento todo o complexo de bens organizado, para o exercício
da empresa, por empresário ou sociedade empresaria.” (art. 1.142, do Código Civil).
O perfil corporativo não é considerado como empresa por Fábio Ulhoa Coelho.54 O
corporativo não é elemento caracterizador da atividade, mas, é suma importância, visto que
não é possível que o empresário seja considerado legalmente constituído sem a presença do
contador, para auxilia-lo na sua constituição. O perfil funcional é mais importante por ser o
elemento caracterizador da empresa, ou seja, empresa é atividade econômica organizada para
a produção e circulação de bens ou serviços.

52
REALE, Miguel. “Visão geral do Projeto de Código Civil”. Jus Navigandi, Teresina, ano 4, n. 40, mar. 2000.
Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=509>. Acesso em: 26 abr. 2007.
53
COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial. v. 1º. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 18.
54
COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial. v. 1º. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 18.
20

Neste sentido J. X. Carvalho de Mendonça55 “empresa é a organização técnico-


econômica que se propõe a produzir mediante a combinação dos diversos elementos,
natureza, trabalho e capital, bens ou serviços destinados à troca (venda), com a esperança de
realizar lucros, correndo os riscos por conta do empresário, isto é, daquele que reúne,
coordena e dirige esses elementos sob sua responsabilidade.”
Rubens Requião conclui que a empresa apenas é o exercício de uma atividade que
surge da ação intencional do empresário em exercitar a atividade económica. Nasce quando se
inicia atividade sob a orientação do empresário, daí firmar-se o conceito de empresa “na idéia
de que é ela o exercício de atividade produtiva”, da qual “não se tem senão uma idéia
abstrata”.56
A Exposição de Motivos do Código Civil dispõe que “em linhas gerais, pode dizer-se
que a empresa é, consoante acepção dominante na doutrina, a unidade econômica de
produção ou a atividade econômica unitariamente estruturada para a produção ou
circulação de bens ou serviços”.57
A empresa seria a força de movimento rotacional que implica a atividade empresarial
dirigida para determinada finalidade produtiva, ou seja, é a própria atividade empresarial.
O conteúdo normativo da empresa é de suma importância, visto que a verificação da
ocorrência do fenômeno empresarial é sensato para impingir àqueles quer exerçam o
respectivo controle de submissão a um regime próprio.
Assim, os requisitos impostos pelo Código Civil para caracterizar a atividade
empresarial são: a) a atividade econômica de produção de bens e serviços; b) organização; c)
o profissionalismo no desempenho da atividade produtiva.
A atividade econômica é conjunto de atos destinados a uma finalidade comum 58, que
organiza os fatores de produção, para produzir ou fazer circular bens ou serviços. A
economicidade da atividade exige que a mesma seja capaz de criar novas utilidades, novas
riquezas, englobando aqui o aumento do valor do bem. Não sendo, caracterizado como
atividade econômica aquela desenvolvida unicamente com o intuito da satisfação das

55
MENDONÇA, J. X. Carvalho. Tratado de direito comercial. atualizado por Ricardo Negrão. v. 1º, 1ªed.
Campinas: Bookseller, 2000, p. 561.
56
REQUIÃO, Rubens. Curso de direito comercial. v. 1º, 26ª ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p.60.
57
FREITAS, Aelton. Novo código civil brasileiro. 2ª ed. Brasília: Gráfica do Senado, 2005, p. 46.
58
A idéia de finalidade econômica se contrapõe a finalidade lucrativa, uma vez que esta pode não ocorrer, mas
mesmo assim, estaríamos perante uma empresa, basta que no primeiro ano de atividade a sociedade empresária
não apresente lucro.
21

necessidades pessoais do responsável, bem como aquela voltada exclusivamente para


produção do mercado, pois a segurança jurídica poderia ser atingida.
Imaginemos as seguintes situações: Uma certa sociedade, capitalizada, desenvolve
uma atividade produtiva em grande proporção, sem que tal produção seja destinada ao
mercado e onde o único intuito é a doação dos gêneros produzidos para obras de caridade. A
sociedade estaria afastada da aplicação das normas relativas a sociedade empresarial e se
enquadraria no regime aplicável as sociedades simples.
Diferentemente, seria a questão de uma sociedade que possui vários imóveis
implementa uma organização empresarial para o controle e gestão do seu próprio patrimônio
imobiliário. Inicialmente, estaríamos não perante uma atividade empresarial visto que mesma
não haveria economicidade, mas há possibilidade desta mesma sociedade, usar esta
organização que está ao seu dispor para administrar imóveis alheios, para oferecer os seus
serviços a terceiros, desta feita, estaria esta atividade incluída no âmbito da empresariedade.
Um bar de beira de estrada pode ser definido como empresa, pois é um
empreendimento duradouro, no qual se praticam, constantemente, atos voltados para
apreciação de vantagens econômicas.
A economicidade da atividade deve ser considerada objetiviamente, no sentido de que
seja susceptível de ser comercializada, independentemente da vontade individual, que passa a
ser de importância nula para a obtenção da economicidade. Assim, havendo a criação de
riqueza, a qual é susceptível de comercialização. Tem-se o entendimento ao requisito da
economicidade, dispensando a idéia de produção para o mercado.59
Para elucidar temos o Enunciado nº 54 da 1ª Jornada de Direito Civil, promovida pelo
Conselho Federal de Justiça disciplinou que o “art. 966: é caracterizador do elemento de
empresa a declaração da atividade-fim, assim como a prática de atos empresariais.”
A organização tem como fim produtivo da empresa, podem assumir formas variadas
de acordo com as necessidades da atividade, abrangendo seja atividade que se exercita por
trabalho alheio, seja aquela que se exercita organizando um complexo de bens, ou, aquela que
atua coordenando uns e outros, ou seja, sob o aspecto da organização o empresário organiza
diligentemente os fatores de produção, tais como o capital, o trabalho, a natureza e, o
tecnológico, na busca do lucro pela realização de determinada atividade.

59
Enunciado nº 53 da 1ª Jornada de Direito Civil, promovida pelo Conselho Federal de Justiça disciplinou que
art. 966: deve-se levar em consideração o princípio da função social na interpretação das normas relativas à
empresa, a despeito da falta de referência expressa.
22

Quando afirma ser necessário uma organização não estamos nos referindo a
organização societária, mas sim uma estrutura mínima para que possa a atividade ser
desenvolvida, pois há sempre na empresa uma reunião de esforços, sem que seja necessária a
forma da sociedade, porque o empresário pode ser um indivíduo, contanto que empregue,
utilize e explore o trabalho de várias pessoas na execução de uma atividade econômica.
Esta organização deve se utilizar necessariamente de um ou mais estabelecimentos, ou
seja, um complexo de bens organizados para o exercício da empresa (art. 1.142, do Código
Civil).
Diante dessa organização, deve ser ressaltado, ainda, que as atividades relativas a
profissões intelectuais, científicas, artísticas e literárias não são exercidas por empresários,
salvo se constituam elemento de empresa60 (art. 966, paragrafo único do Código Civil). Tal
fator se deve que em tais atividades prevalece a natureza individual e intelectual sobre a
organização, a qual é reduzida a um nível inferior61, ou seja, os profissionais liberais serão
considerados empresários se a organização dos fatores da produção for mais importante que a
atividade pessoal desenvolvida.62
E por último temos a questão do profissionalismo no exercício da empresa que deve
ser exercido de forma habitual, contínua e estável na produção ou circulação de bens e
serviços. Assim, prevê o artigo 966 do Código Civil “considera-se empresário que exerce
profissionalmente atividade económica organizada para a produção ou a circulação de bens ou
de serviços”. Fica claro que o exercício deve ser voluntário, consciente e efetivamente voltada
para um fim. A habitualidade, a continuidade e a estabilidade não deve ser observada de
maneira absoluta, uma vez que existe empresas que funcionam durante determinado período e
nem por este motivo deixam de ser caracterizadas como empresariais.

60
Enunciado nº 195 da 3ª Jornada de Direito Civil, promovida pelo Conselho Federal de Justiça disciplinou que
o “art. 966: A expressão “elemento de empresa” demanda interpretação econômica, devendo ser analisada sob a
égide da absorção da atividade intelectual, de natureza científica, literária ou artística, como um dos fatores da
organização empresarial.”
61
COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial. v. 1º. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 19. Enunciado nº 195
da 3ª Jornada de Direito Civil, promovida pelo Conselho Federal de Justiça disciplinou que o
“art. 966: O exercício das atividades de natureza exclusivamente intelectual está excluído do conceito de
empresa.”
62
Enunciado nº 194 da 3ª Jornada de Direito Civil, promovida pelo Conselho Federal de Justiça disciplinou que
o “art. 966: Os profissionais liberais não são considerados empresários, salvo se a organização dos fatores da
produção for mais importante que a atividade pessoal desenvolvida.”
23

Qual o significado jurídico e legal de empresário, estabelecimento e a empresa?


Podemos responder a esta indagação com a seguinte colocação:
O Empresário e a sociedade empresária são quem exerce atividade, então são os
sujeitos de direito. O Estabelecimento é o complexo de bens organizados para desenvolver a
atividade, assim o sujeito necessita do modo operante para desenvolver a ativadade. A
empresa é o objetivo a ser desenvolvido, assim a empresa é a própria conseqüência.

You might also like