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MaDu Gaspar A Arte Rupestre no Brasil segunda edicéo Jorge ZAHAR Editor Rio de Janeiro Edligfo anterior: 2003 CIP-Brsil. Catalogacio-nafonte Sindicato Nacional dos Eicores de Livros, RJ Gays, Ma 2524 Anns rape m0 Bra MaDe Gipet — 2. i ene Joe 2 Ed, 206 ee ; zi i, - (Descobrindo o Brasil) Inch ibaa Tian 8371107075 iscrica ~ Brasil. 2. Pintutas rupestres ntiguidades, 1, Tilo, 1 Série ‘EDD 709.01130981 06-1741 DU 7.031.1681) 1, Arte pré = Basil. 3. Brasil Sumario Introdugio 7 ‘Arte nas sociedades simples. 9 Diferentes maneiras de perceber a arte rupestre 21 Breve histérico do estudo da arte rupestre no Brasil 32 Os primeiros artistas 38 Catacterizagao e distribuicio espacial dos grafismos brasileiros 44 Estudo dos grafismos através do tempo 60 Contextualizagio dos grafismos Por associago com vestigios de solo 72 Conclusio 77 Referéncias e fontes 78 Sugesties de leitura 80 Agradecimentos 81 Sobre a autora 82 Ilustragées (entre p.48-49) Conta 0 arquedlogo André Prous que a pesquisadora francesa Anette Laming-Emperaire costumava dizer que a arte rupestre parecia o campo mais facil de ser estudado na arqueologia: 0 “aficionado” nao tem dificuldade em discursar sobre vestigios — tio visiveis sem precisar de escavacéo, ¢ tio mudos que aceitam qualquer interpretagéo —, mas acrescentava que, na realidade, trata-se de seu capitulo mais complexo, ¢ no qual se cometem os m: res erros. Introdugio © que é atualmente o territério brasileiro esta repleto de testemunhos arqueolégicos que guardam importan- tes evidéncias da histéria da colonizagéo humana em nosso continente. S40 0s sitios arqueolégicos com vestigios dos cagadores que iniciaram a ocupacéo da América do Sul, os monumentais sambaquis do litoral, as intimeras aldeias de grupos ceramistas dispersas por todo o pais que contém informagées sobre o pasado do que é hoje o territério brasileiro ¢ a diversidade ota MADU GASPAR: cultural que foi, passo a passo, aqui se instalando. Um. tipo especial de manifestagio, em decorréncia de seu apelo estético, destaca-se entre as demais, Sao as pin- turas e gravuras que foram feitas nas paredes de grutas, abrigos, blocos, lajes e costes por diferentes grupos sociais, em varios perfodos. Cacadores, pescadores € horticultores deixaram belas marcas de sua presenga; ja no Brasil Colénia tanto os europeus expressaram suas crengas religiosas nesses suportes como os afticanos € seus descendentes mantiveram a forte tradicio existen- te em seu continente, deixando suas préprias sinala- ges. Mais recentemente, 0 comércio e a politica tam- bém divulgaram mensagens nos mortos, garantindo alta visibilidade para seus reclames. Atualmente, no espago urbano, grupos de jovens grafitam suas marcas € quadrilhas de traficantes assinalam sua presenga em muros € prédios. Sao sinalagdes que transmitem men- sagens pertinentes 20 grupo que as realizou ¢ a seus contemporaneos. Muitas vezes, esses grafismos fazem referéncia ao territério, as préticas eas condutas de seus autores, bem como indicam locais importantes e de forte apelo emocional. © habito de perpetuar mensa- gens em pedras e paredées tem longa duragao ¢ dife- rentes significados. Este livro enfoca os grafismos pré-histéricos que, na medida do possivel, serio correlacionados a outros aspectos da vida cotidiana dos grupos que os confec- cionaram. Apresentarci, inicialmente, uma breve dis- ‘A ARTE RUPESTRE NO BRASIL cussio sobre a arte em sociedades ditas “simples”. Depois, um histérico das pesquisas realizadas no Brasil. Caracterizarei as principais tradigdes arqueolégicas de grafismos, tanto no espago como no tempo, ¢ apresen- tarei as principais descobertas ¢ os estudos mais ressantes sobre o tema. Arte rupestre nao tinha sido, até entao, um tema de meu interesse cientifico, mas sempre me fascinaram a beleza, todo trabalho envolvido na confecsio de sinalagées, a diversidade e a perenidade dessas marcas. Escrevo com a viva lembranga da primeira vez que vi um painel com pinturas. Integrava uma equipe de estagidrios do Museu Nacional que realizava prospec- es no interior da Bahia, e nenhum de nés havia visto pinturas rupestres. Ao me deparar pela primeita vez com o lindo painel repleto de figuras em vermelho que configura a “Pedra Escrita’, a realidade superou minha imaginacao. Nao podia imaginar que no Brasil existis- sem pinturas mais bonitas que as de Lascauxe Altamira ¢ é com prazer que apresento a diversidade e a heleza dos grafismos rupestres brasileiros. inte- A arte nas sociedades simples Os cientistas sociais, 20 pensarem sobre as diferentes sociedades, propéem que elas podem ser agrupadas em dois grandes conjuntos: sociedades simples e comple- 9° MADU GASPAR xas, Nas primeiras todos participam do proceso de produgio, distribuicéo ¢ consumo de bens, com a divisio social do trabalho apoiando-se em classes de idade e sexo, }é as sociedades complexas so marcadas por forte hierarquia social que assegura privilégios ¢ deveres para diferentes segmentos, No que se refere & produgio de arte, caracterizam-se pela dissociagio en- tre 0 produtor e 0 consumidor de bens artisticos. Tal dissociagio néo ocorre nas sociedades simples; nelas é possivel até mesmo contar com a presenga de certos especialistas, mas nao com um corpo de profissionais que produzem para o mercado ¢ obtém o seu sustento através dessa pritica. Assim, 0 dominio da arte nas sociedades considera- das simples estd particularmente integrado & rotina da comunidade, reforca tradig6es e tende a estar vincula- do a0 dominio ritual. Alguns arquedlogos chegam a sugerir que “arte” é um termo inadequado, sendo mais, pertinente denominar as sinalagées pelo termo “grafis- mo”. Considero “arte rupestre” uma expresso jd con- sagrada e que pode ser mantida, especialmente se tra- tada no sentido sugerido por André Prous — a0 enfa- tizar que as palavras “arte” e “artista” tém a mesma raiz, latina que “artesio”, sendo arte o conhecimento de regras que permitem realizar uma obra perfeitamente adequada a sua finalidade. f esse 0 sentido que atribuo 8 expresso “arte rupestre”. As hei para este livro apéia-se na prépria tradigio de 0 recorte que dese- 10+ [A ARTE AUPESTRE No BRASIL pesquisa arqueolégica brasileira. Ao mesmo tempo que constitui um campo de saber com problemas ¢ estraté- gias de pesquisas préprias, que serio aqui abordadas, a arte rupestre € um dominio integrado aos demais aspectos da vida social do grupo que a produziu. O estudo de Nancy D. Munn sobre a iconografia dos Walbiri, da Austrilia, é um bom exemplo de como os grafismos rupestres podem estar articulados com outros conjuntos de manifestagées graficas e integrar a Vida social dos grupos que os elaboraram. Os Walbiri representam as suas habilidades pictogréficas em dife- rentes situag6es: sio desenhos totémicos feitos durante oritual no préprio corpo, em tébuas ou pedras sagradas e desenhos na areia que complementam graficamente histérias sobre varios acontecimentos. Munn diz. que a arte grifica Walbiri tem sido equivocadamente rotula- da de “geométrica” ou “abstrata’, chamando a atengio para suas conexdes com noges relacionadas a ances- trais, nagio e sonhos em uma tinica mattiz de idéias. Os ancestrais totémicos so representados por dese- hos gréficos, cada um se associando a uma ou mais formas com explicita referencia semantica. Dessa for- ‘ma, as pinturas nao sio meramente formas decorativas. Ji os desenhos feitos na areia so parte do discurso no qual experiéncias sao trocadas e eventos comunica- dos. Como a conversa entre os Walbiri geralmente ‘corre com as pessoas sentadas no chéo, o desenho é um complemento da expressfio verbal e gestual. Sio We IMADU GASPAR. cercade 12 elementos regularmente usados, sendo que cada um representa um conjunto de significados. Um simples trago de forma geométrica muito simples pode representar langa, bastio de lua, bastao de cavar, ho- mem, animal (cio ou canguru) ou fogo. Jé elementos combinados formam cenas que podem se passar no acampamento, no espago ritual, fora do acampamento e referem-se & caga, coleta ou procura por dgua, entre outros temas. Com este exemplo quero enfatizar que as diferentes manifestagées de arte rupestre brasileira também inte- gravam a vida cotidiana dos diferentes grupos pré-his- t6ticos que a produziram. Em certos casos, poderiam set complementares & fascinante pintura corporal ain- da praticada por algumas tribos brasileiras. Porém, fundamentalmente, é preciso ressaltar que o grafismo era parte integrante do sistema de comunicagio do qual se preservaram apenas as expresses gréficas que resistiram ao tempo, Trata-se de um dominio em que estio representados sistemas de idéias e de que se pode apenas aventar a complexidade e diversidade a0 con- templar o caso Walbi Gabriela Martin, estudiosa da arte rupestre do nor- deste do Brasil, assinala que grafismos tio comuns nos registros rupestres como espirais, citculos radiados linhas paralelas onduladas podem significar, ao mesmo tempo, dependendo do grupo cultural, simbolos femi- ninos ou masculinos, incesto, o movimento das 4guas 12+ [ARTE RUPESTRE NO BRASIL ou a piroga anaconda que transporta a humanidade. Quem poderia imaginar que uma simples linha, con- jerada em nossa cultura uma das mais simples formas geométricas, pode conter tantos significados? Se por um lado tragos simples podem conter varios significa- dos, André Prous ressalta que sinais vistos como sim- bélicos em algumas interpretagdes de arte rupestre podem ser simples esquematizagées, Um bom exemplo éa figura do tridngulo, que pode ser tanto um desenho geométrico ou uma simples representacao realista. Este & 0 caso do desenho composto de dois triangulos opostos, feito pelos Bororo, que representa uma realista vértebra de peixe. Para complicar ainda mais, estudos realizados por André Prous ¢ Alenice Baeta, em lamina extraida de um paredao do sitio arqueolégico Santana do Riacho, em Minas Gerais, e analisada em microscépio, indicou a existéncia de muitas pinturas que nao podem ser visualizadas nem a olho nu nem com o auxilio de fotografia com filme infravermelho. Além disso, nio se deve esquecer a fragilidade relativa de cada tinta utili- zada pelo pintor pré-histérico. Os pigmentos verme- thos fixam-se melhor nas paredes que os mais pastosos, como os amarelos e brancos, ¢, desta forma, os amare~ los aparecem geralmente na forma de manchas € po- dem estar sub-representados. E possivel, ainda, que tenham sido feitas pinturas com pigmentos vegerais e que desapareceram totalmente com o pasar do tempo. 13. MAOU GASPAR, Além do mais, uma série de alteragbes ticas, que incluem desde efeitos naturais relacionados com a incidéncia da luz ou mesmo decorrentes da sobreposi- fo de grafismos, moldam a percepgio atual da arte rupestre. E preciso, ainda, levar em conta que a organizacio dos painéis e até mesmo das figuras que os compoem. pode ser o resultado final da intervengio de intimeros pintores que se sucederam através de geragées. Prous e Baeta mostraram que cada pintor, ao actescentar uma figura num painel, interpretavaas obras anteriores, sua contribuigio nao sendo inserida como elemento isola- do, mas como uma nova parte de um conjunto prees- tabelecido. Ao pintar um veado, acima ou ao lado de outro jé existente, o artesio podia querer reafirmar ou atualizar 0 significado do primeiro desenho ou entio negi-lo, substituindo o animal. Ainda podia enrique- cer o significado original da primeira pintura ao acres- centar, por exemplo, uma corga ao animal preexistente, com tal atitude evocar a dualidade procriadora, dan- do um novo significado ao desenho anterior. ‘Ao contemplarmos um painel pré-histérico, senti- mos a tentagio de atribuir um sentido global ou final as figuras que o integram, pois ¢ assim que apreciamos as obras de arte produzidas por nossa sociedade, onde hé um distanciamento entre a produgio e 0 consumo de arte. A inauguracéo de uma exposicéo de arte é a ritualizagio do momento de apresentagao do produto 14. |N ARTE RUPESTRE NO BRASIL final, Através desse rito, somos treinados a perceber as obras de arte como a fixagio de um Gnico momento, © momento em que © artista resolve mostrar o seu. trabalho. No caso dos grafismos pré-histéricos, muitas vezes as figuras s4o acrescentadas progressivamente aos painéis, afirmando, modificando ou negando o signi- ficado das figuras preexistentes. Para os pesquisadores de Minas Ge sentado atualmente nos abrigos é, na melhor das is, acima referidas, 0 que esté repre- ips teses, 0 estado final da decoragio dos paredées rocho- sos. A arte rupestre esté impregnada de todas as marcas decorrentes do tempo, que climinow algamas cores, figuras ¢, eventualmente, actescentou tonalidades re- sultantes da ago de fungos e outros agentes naturais. Arte rupestre consiste em manifestagées graficas realizadas em abrigos, grutas, paredées, blocos ¢ lajes feitas através da técnica de pintura e gravura. As gravu- ras podem ser elaboradas através de picoteamento ou incisio; ja as pinturas foram realizadas por meio de diversas téenicas: algumas, com a frieso de um bloco de pigmento seco e duro na pedras outras, com o uso de um pincel feito de galhos de drvore; em outros casos, a pintura foi feita com o préprio dedo ou 0 pigmento foi transformado em pé e soprado na rocha. Ao analisar os grafismos rupestres os pesquisadores costumam fazer unfa classificagio inicial apoiada na técnica de confecgéo dos grafismos, opondo principal- mente pintura & gravura. Esse contraponto parece ser +18. MADU GASPAR. pertinente para certas regides onde sé ocorre uma ou outra técnica, ou no caso de motivos que s6 foram representados de uma maneira ou de outra. Numa primeira abordagem do tema, levantamentos sistemd- ticos desenvolvidos pela equipe de Minas Gerais mos- tram que em alguns motives representados foram uti lizadas ambas as técnicas ¢ que gravuras, muitas vezes, foram preenchidas por pintura, 0 que corna a classifi- cagio bastante complicada. Como muitas gravuras estéo em areas abertas, bem iluminadas, geralmente perto de aguas, picotear ou fazer incisées na pedra talvez fosse o tinico recurso para demarcar, de mancira duradoura, locais na paisagem. ‘Também é bastante variado o tipo de suporte esco- Ihido para os grafismos. Paredées expostos & agio do mar como os existentes na costa de Santa Catarina, paredes de grutas e de abrigos e até mesmo rochas isoladas as margens de rio. Alguns artestios escolheram locais de dificil acesso para executar os grafismos; em virtude da altura em que se encontram foi necesséria a construséo de andaimes ou de algum tipo de escada para se tet acesso aos paredées. Alguns grafismos tém alta visibilidade e parecem ter funcionado como uma espécie de marco na paisagem, em outros casos foram feicos em locais de dificil visualizacio e acesso. Pode-se dizer que foram feitos para permanecerem escondidos «, talver, fossem locais restritos aos iniciados. 16+ [A ARTE RUPESTRE NO BRASIL As vezes, a implantagio das pinturas na paisagem pode fornecer um caminho para a interpretagao do grafismo. Este parece ser 0 caso do que Leila Maria Pacheco ¢ Paulo Tadeu de Albuquerque denominam “sitio cerimonial” do Lajedo da Soledade, em Apodi,, Rio Grande do Norte. No afloramento calcireo com cestreitas grutas, galeria longas e baixas, pequenos abri gos sob rochas ¢ ravinas, alguns grafismos esto escon- didos e s6 foram descobertos porque Paulo Tadeu de Albuquerque realizou uma minuciosa busca de inscri Ges procurando desenhos em locais de dificil acesso. Parte da prospecsao arqueolégica foi realizada com auxilio de espelho para que reentrancias da pedra pudessem ser inspecionadas. Para Gabriela Martin no interes- Lajedo da Soledade encontra-se uma das mai santes representagées rupestres relacionadas com a ob- servacio celeste. Para penetrat no pequeno abrigo, com cerca de 50cm de altura, ¢ observar as pinturas € preciso rastejar de costas. Completa o cendrioo fatodeas imagens ficarem iluminadas apenas pela luz que atravessa um otificio na rocha situado ao fundo do abrigo. No centro do teto, uma figura radiada aparece atravessada por uma linha sinuosa de grafismos na forma de setas, que percotrem uma trajetéria desde o orificio por onde a lua penetra até se perder no fundo do pequeno abrigo. Para a pesquisadora, toda essa ambientagio sugere 0 registro da trajetéria de um astro, provavelmente o Sol. Os motivos que decoram a Toca do Cosmo, na Bahia, +7. (MADU GASPAR, também levaram Maria Beltrio a considerar que ali estdo representados fendmenos astrondmicos. No que se refere aos corantes, é possivel obter uma série de informacées através de andlises fisico-quimicas de pigmentos. Maria da Conceic¢ao Soares Meneses estudou as pinturas rupestres da Serra da Capivara, no Piaut, e estabeleceu a composigao quimica das tintas. ‘A cor vermelha é constituida de éxido de ferro mistu- rado com uma substéncia rica em célcio; a amarela é goetita, um dxido de ferro hidratado. A cor branca eta feita com duas espécies de tinta, kaolinita e gipsita; 0 cinza, por sua vez, é uma mistura natural dos pigmen- tos vermelho e branco. A coloragio azul, obscrvada na ‘Toca do Veadinho, nao existia no momento da realiza- fo da pintura: trata-se de um pigmento preto que, com o passar do tempo, foi recoberto por mineral silificado que alterou sua coloracio. O preto foi conse- guido de duas manciras: através de carvéo vegetal obtido com a queima de madciras ou de carvao animal resultado da queima de ossos. O estudo dos pigmentos negros traz em si a possibilidade de datagio da prépria tinta e, portanto, a possibilidade de estabelecer 0 pe- rfodo em que a pintura foi feira. Seu estudo permite, também, a identificagéo das espécies animais que fo- ram queimadas. No futuro, poderemos ser surpreendidos pela noti- cia de que ossos humanos foram queimados e utiliza- dos em pinturas rupestres, costume que nao estaria em +18. [ARTE RUPESTRE NO BRASIL contradigéio com os habitos de grupos nativos que habitaram o nosso tertitério, Manipular ossos huma- nos — cremando, marcando, pintando — é um cos- tume antigo e muito bem documentado na pré-histé- tia brasileira. Andlises de pigmentos encontrados na Aus ina existente no sangue humano foi usada na confeccéo de maos que decoram ace Existe uma série de procedimentos para a realizagio dos estudos de arte rupestre. O primeiro de todos é a prospec sistemética para a localizagéo dos sitios arqueolégicos; depois 0 estudo detalhado dos grafis- mos, que sio fotografados com diferentes tipos de filme ¢ geralmente decaleados com a utilizacio de plisticos transparentes que recobrem os desenhos. Com canetas pilot de diferentes cores sao feitas enormes cépias em tamanho natural dos painéis. Levadas para o laboraté- rio, sio minuciosamente estudadas, tentando-se iden- tificar e ordenar as figuras, bem como estabelecer estilos, motivos, maneiras de representar e de distribuir espacialmente os grafismos. A fotografia com diferen- testipos de filmes eas filmagens também sio oportunas para contextualizar os achados. rdlia indicam que a prot werna Judds, na Tasmania. Uma série de eseudos detalhados realizada, tudo dependendo do momento da pesquisa ¢ das questoes colocadas pelos pesquisadores. Datar os grafismos pres- supde encontrar evidéncias que indiquem 0 momento de sua confecgio — sejam vestigios orginicos nos +196 ‘Mapu @aspaR. pigmentos (datagéo por meio de métodos fisicos), sejam blocos caidos ou pigmentos de corante (datacéo por meio dos materiais orginicos associados). Jé 0 estudo da evolugao cronolégica busca discernir, nos painéis, sobreposigées de figuras para estabelecer a seqiiéncia de elaboragio de estilos. Avaliar a dispersfo espacial de determinada maneira de decorar rochas exige prospecgSes sistematicas em amplas regises e a comparagio de grafismos estudados por diferentes arquedlogos, pois, dificilmente, uma Sinica equipe de pesquisa consegue realizar trabalhos detalhados em toda a érea coberta por um tipo de pintura ou gravura. Pata que os arquedlogos possam compartilhar suas informagées, a comunidade cienti- fica investe na elaboragao de uma nomenclatura cien- tifica ¢ na divulgacio de técnicas e estratégias de regis tro da arte rupestre. Sio etapas distintas do trabalho de pesquisa que vao sendo realizadas e que, passo a passo, petmitem construir um quadro de referéncia para a arte rupestre do Brasil No que se refere 4 andlise dos grafismos, é preciso considerar que mesmo as primeiras prospeccies sio procedimentos marcados pela orientacao teérica ado- tada pelos pesquisadores. A seqtiéncia de tarefas desen- volvidas no campo que visa estudar da melhor maneira possivel os grafismos ¢ fruto de escolhas teérico-meto- dol6gicas que delineiam a produgao de conhecimento 20+ ‘A ARTE RUPESTRE NO BRASIL m certo sentido, a prépria escolha dos sitios estu- dlados jé & permeada pelos pressupostos teéricos abra- gados pelo pesquisador. Vejamos um exemplo de ficil entendimento, Se o estudioso considera os grafismos como um sistema de comunicagao, uma espécie de linguagem, a0 estudar gravuras que tém como tema exclusivamente linhas, pontos ¢ cfrculos, corre o risco dle se perder num cmaranhado de combinagées de figuras ¢, dificilmente, conseguiré construir uma inter- pretagao que dé conta da realidade observada. Certa- mente, seu trabalho serd mais interessante se estiver estudando uma regio onde as pinturas se caracterizem por cenas complexas com a participagao de virios seres humanos e das quais se possa depreender 0 tipo de atividade ali representado. Quero dizer que alguns conjuntos de manifestagées artisticas sio objeto de estudo muito mais instigante para quem esté procu- rando entender o significado simbélico dos grafismos do que outros conjuntos. Diferentes maneiras de perceber a arte rupestre Distintos pressupostos orientaram os estudos sobre arte rupestre a0 longo do tempo. No século XIX, a idéia predominante era que esse tipo de arte era resultado do prazer puramente estético do homem pré-histérico: a +21 ‘MADU GASPAR arte pela arte. Com a descoberta de grafismos em locais de dificil acesso e de uma certa coeréncia interna aos paingis, ficou evidente 0 aspecto restrito desse ponto de vista. i segundo as reflexées encabecadas pelo abade Henti Breuil (1877-1961) — uma autoridade em arte do paleolitico que descobriu intimeras cavernas e regis- trou enorme quantidade de grafismos na Europa —, a arte era tratada em cermos de magia simpatica. Os desenhos de animais teriam sido feitos com 0 objetivo de controlé-los na vida real. Por exemplo, 0 que se chamou de magia da caga pressupunha que 0 homem do paleolitico decorava as paredes das cavernas com imagens de animais para, através da magia, set favore- cido nas cagadas. A magia da fertilidade também expli- cava alguns grafismos: os artistas teriam feito os dese hos para assegurar a reprodugéo dos animaise garantir alimentos no futuro, Explicages apoiadas no totemis- mo também orientavam as interpretages da época, sendo recorrente a elaboragio de analogias simplistas com grupo tribais que estavam sendo estudados pelos etnélogos. De acordo com esse ponto de vista, os paredées teriam sido decorados pela simples acumula- fo de figuras isoladas, sem planejamento algum. Em 1940, quatro adolescentes franceses descobri- ram na Dordogne, regio sudoeste da Franga, a caverna de Lascaux, que apresenta um dos mais famosos € espetaculares conjunto de grafismos do paleolitico. +225 A ARTE RUPESTRE NO BRASIL Apesar de sua importincia para a ciéncia, nao foram feitas escavagées nas areas principais da caverna em decorréncia de sua adaptacéo para o turismo, que atrai Jum grande niimero de visitantes. Segundo Paul Bahn, ¢ tio intensa a visitagéo que em 1963 constatou-se um forte impacto ambiental com bactérias atacando as imagens. Para atender ao ptiblico, as autoridades deci diram pela construgie de uma réplica denominada Lascauws 1, inaugurada em 1983 e que recebe cerca de 400 mil pessoas por ano. ‘A anilise de carvio recuperado em escavagio ar- quicoldgica indicou que Lascaux foi ocupada por volta de 15.000 anos AP’, ¢ os estudos sugerem que acaverna foi um local de breves visitas periédicas para atividades autésticas ow rituais, néo havendo indfcios de ter sido lum local de moradia. A caverna é bastante conhecida pelas pinturas mas, na realidade, a maioria das figuras {0 salo esto pintados quatro enormes cimpressionan- {es touros e, em menores dimensGes, cavalos e veados. executada através da técnica de gravura, No prim + AD significa “antes do presente” que, por convengao, € 1950, Trata-se de uma mengio 2 descoberta da téenica de datagao através lo Carbono 14, que se deu em 1952. Assim, um evento ocorrido 500 anos AP ovorreu 500 anos antes de 1950 — ou seja, 1450. As foferéncias eronolégicas obtidas através de métados fisicos slo sempre acompanhadas de suas respectivas margens de erro, que ‘Mio expressas com o sinal positiva e © negativo (4). Para muitos, © nascimento de Cristo & a principal referéncia eronolégica e 0 lempo € dividido entre antes e depois de Cristo. +235 MADU GasPaR Em uma das galerias ocorre a transigao da pintura para a gravura, No interior da caverna esta representada a famosa cena do homem com cabeca de ave e falo ereto acompanhado por bisées e outros animais. Artefatos relacionados com a decoragao das paredes foram encontrados no interior da gruta, além de muitas Iamparinas, fragmentos de mineral, alguns com marcas. de retirada, ¢ trituradores com pigmentos. Anilises quimicas revelaram que os varios minerais eram mis- turados ou aquecidos para que fossem obtidas diferen- tes tonalidades. Com a descoberta de Lascaux e as profundas trans- formagies ocorridas nas ciéncias sociais — relaciona- das as inovagdes tedricas do estruturalismo —, consti- tuiu-se uma nova maneira de perceber os grafismos rupestres. Essa nova abordagem tem suas origens nos trabalhos do lingiiista suico Ferdinand de Saussure (1857-1913), cuja teoria revolucionou o entendimen- to da linguagem ao consider4-la como um sistema de comunicagio. A tarefa do lingitista passan a ser desco- brir regras inerentes 20 ato de falar. Claude Lévi Strauss, um dos mais importantes teéricos do estrutu- ralismo, enfatizou principios que estruturam a mente humana numa série de oposig6es binérias, tais como direita/esquerda, dia/noite e cru/cozido, mediante as quais a cultura é criada e pode ser entendida. Jé para Roland Barthes (1915-80), um tedrico da literatura ¢ da semidtica, a cultura humana constitui um enorme 24. [A ARTE RUPESTRE NO BRASIL eddigo simbélico ¢ os métodos da semidtica seriam 0 camninho para decifré-lo, Essa nova perspectiva teérica eve importante repercussio na maneira de se fazer arqueologia. De uma perspectiva estrutural, artefatos integram sistemas de signos que comunicam significado nao- verbal de uma maneira andloga & linguagem, Sem eamiugar o tema, pode-se vislumbrar todo o campo de toflexo sobre arte rupestre que seabriu em decorréncia dlessas inovagées nas ciéncias sociais. Os painéis passa- fain a ser vistos como tendo uma organizagio interna © foram abandonadas as interpretagdes que se apoia- yam em explicagées externas aos grupos culturais que executaram os grafismos. O foco deixou de ser a des- crigio pormenorizada de figuras isoladas, procurando- se lidar com 0 conjunto e sua disposigio no espaco. A forma no é 0 Unico aspecto a ser estudado, pensa-se em ritmo, combinagées de técnicas, luminosidade, hiierarquia entre grafismos, jogo entre forma e fundo e até a actistica das cavernas é considerada. André Leroi-Gouthan e Anette Laming-Emperaire, arquedlogos que se tornaram os principais pesquisado- tes de arte rupestre apés a morte de Henri Breuil ¢ foram fortemente influenciados pelo estruturalismo, buscaram estabelecer uma ordenagio das figuras sem tecorrer a analogias simplistas com grupos tribais e {entaram relacioné-las com o préprio modelo de socie- dade que as produziu. As contribuigées de Anette 25+ [MADU GASPAR Laming-Emperaire so especialmente importantes para nés, jd que ela teve forte influéncia na formagao de arqueélogos brasileiros. Na década de 1950, os dois pesquisadores conclu(- ram que as cavernas tinham sido decoradas de maneira sistematica, ¢ no a0 acaso. Os grafismos foram trata- dos como composigées individuais realizadas em ca- vernas individuais, e as representagées de animais dei- xaram de ser consideradas teprodusées fitis, sendo interpretadas como s{mbolos. Estudaram-seas relagbes centre as figuras e foram enfocadas as associagBes entre elementos que se repetiam. Verificou-se que os animais que apareciam em maior ntimero ¢ com destaque no painel representavam a dualidade basica que ordenava a sociedade que os produziu e que esta dualidade era sexual. Para Laming-Emperaite, os cavalos correspon- diam & mulher ¢ os bovideos, aos homens. Esta idéia foi estendida aos sinais (geométricos) identificados como representagées de homem (falo) e de mulher (vulva). Muitas criticas foram feitas a esta corrente interpretativa em virtude do cardter subjetivo das and- lises estatfsticas realizadas. Nao pretendo aqui esgotar o assunto, apenas ressal- tar, como ja foi feito por André Prous, a existéncia de varias correntes tedricas e modismos que se sucedem no tempo. Nao cabe aqui listar todas as perspectivas, apenas mencionar algumas que norteiam a mancira como 0s grafismos séo estudados. Para alguns pesqui- +26. | ARTE RUPESTRE NO BRASIL sadores, os grafismos podem ser explicados através do ‘que se chama de arqueozstronomia, que pressupse que jyrafismos representam fenémenos celestes como parte lo céu: estrelas, cometas ¢ eventos astrondmicos. Para ‘outros, as figuras sao expresso de viagens xamanisticas decorrentes da ingestio de drogas — supostamente fesponsaveis por imagens causadas pelos fosfenos cor- felacionadas as figuras geométricas. Isso nao significa que os fendmenos celestes nao tenham sido observados ¢ representados — o Lajedo da Soledade, em Apodi, no Rio Grande do Norte, parece ser um bom exemplo de tal prética. Tampouco quero negar o uso de aluci ndgenos por populagdes nativas, pois esta foi e ainda € luma prética recorrente entre muitos grupos. Porém, wrilhar esse caminho interpretativo ao se deparar apenas com circulos ou borrées pode ser uma armadilha que restringe outras possibilidades analiticas. Somo vimos, a0 longo do desenvolvimento das ciéncias sociais prevaleceram diferentes perspectivas de anilise da arte rupestre. Cabe ao pesquisador pingar 0 que é interessante ¢ compor um corpo tedrico que ba dado. Simples modismos passam rapidamente, mas conttibuigdes de correntes tedricas bem fundamenta- das sfo incorporadas definitivamente na produgio do saber. Muitas das inovagées trazidas pelo estruturalis- mo podem estar aquém do patamar explicativo alcan- gado pela arqueologia moderna; porém, nogées deri- lize a interpretagéo do conjunto de grafismos estu- 27s IMADU GASPAR vadas de seus ensinamentos demonstraram que os gra- fismos devem ser entendidos a partir das prdprias figuras representadas e dos arranjos dos painéis, e nao recorrendo-se a explicagdes exdgenas. Ou seja, ¢ equi- vocado interpretar grafismos antigos produzidos ha milénios a partir da experiéncia gréfica de grupos atuais. Mesmo havendo uma clara filiagio cultural, é indispensével levar em conta a dinamica da cultura ¢ as profundas ¢ inevitéveis transformagées acarretadas pelo passar do tempo. No caso brasileiro, convém apontar a desestruturagio advinda do contato com 0 europeu e as muitas mudangas daf resultantes. Da mesma forma, dentre as contribuigées definiti- vas trazidas pela Nova Arqueologia — movimento que ocorreu na década de 1960 em paises de lingua inglesa — destaca-se 0 estudo dos aspectos espaciais das ma- nifestagdes arqueolégicas. A Nova Arqucologia ou Ar- queologia Processual teve como principal destaque o arquedlogo norte-americano Lewis R. Binford. Um. dos postulados que orientou essa linha de pensamento sustenta que o comportamento humano € altamente padronizado e que, portanto, artefatos produzidos pe- los homens seguem um padrio no que se refete aos aspectos formais e as suas propriedades espaciais. Por conseguinte, o registro arqueolégico (produto do com- portamento humano) também apresenta forte padro- nizacio, revelando-se como uma possibilidade de estu- do da organizacao social. Na agenda proposta, forte +28. A ARTE RUPESTRE NO BRASIL enfoque foi dado & adogao de novos métodos e técni de investigagao, especialmente as abordagens estatisti- cas como estratégia para identificar os padrées. Essa perspectiva fornece um viés para a andlise dos igrafismos classificados como geométricos, muito po- dendo ser dito acerca da distribuigao espacial, implan- \acio ambiental, filiagao cultural e demais caracterist cas desses testemunhos. Este ¢ 0 caso dos grafismos dos Lajedos de Corumbé, no Mato Grosso do Sul, cuja uniformidade da compos pete que as gravagbes tenham sido realizadas por um, mesmo grupo cultural. Considerando a energia gasta na produgao dos imensos painéis, 510m? de area o maior déles, fica evidente o trabalho envolvido em sua produgao. Avaliando sua distribuigao espacial ¢ de outros tipos de testemunhos arqueolégicos na regio, Jo temitica e estrutura su- sugetiu-se que foram confeccionados pelos construto- res dos aterros que ocuparam as Areas alagadicas. Os ongos sulcos sinuosos ligindo grafismos circulares sugerem tratar-se de repiesentagdes do ambiente onde se encontram, isto é, um emaranhado de ios, canais € Jagoas. Segundo Maribel Girelli, em decorréncia das dimens6es e de sua implantagio ambiental, so extre- mamente visiveis em dreas abertas. Para pesquisadora, as formas representadas insinuam trilhas, passos e rit- mos a serem seguidos. Quando vi as enormes transpa- rencias feitas em tamanho natural, no laboratério do +295 MADU oASPAR Instituto Anchietano de Pesquisas, tive a clara sensagao de que estava observando um mapa, Mas quem garante que nao estamos diante da parte grifica de um mito que envolve animais, homens e deslocamentos de es- pititos ou seres fantésticos através das éguas do Pan- tanal? Nesse caso, um dos caminhos a seguir ¢ aproveitar os ensinamentos da Nova Arqueologia ¢ correlacionar 08 grafismos aos sitios arqueolégicos da regio ¢ inves- tigar a sua implantagao na paisagem, como bem fez a equipe do Instituto Anchietano de Pesquisas, A arte rupestre foi considerada um aspecto importante de um, grupo cultural que ocupou a regido e deixou intimeros tragos de sua passagem. A Nova Arqueologia foi um importante movimen- to, ecriticas e desdobramentos apontaram novos passos pata a arqucologia. Outra vertente a Arqueologia Comportamental, de Jefferson Reid, Michael Schiffer ¢ William L. Rathje, da Universidade do Arizona, que entre outras contribuigées aborda os processos de for- magio dos sitios arqueolégicos pondo em foco fend- menos culturais ¢ naturais que agiram na formagio do testemunho arqueolégico, Essa linha de pesquisa sa- licnta que o registro arqueolégico, seja qual for (um paredio com pintura rupestte ou um sambaqui), chega aos dias de hoje marcado por transformagées naturais © por agbes de outros grupos culturais. Ressalta que & trabalho do arquedlogo desvendar todos esses proces- 30+ [ARTE RUPESTRE NO BRASIL sos que causam modificagées profundas nos testemu- nhos pré-histéricos. No caso dos grafismos, € preciso investigar o componente dos diferentes pigmentos que compéem o painel para que nao prevaleca uma visio fortemente marcada pela impressio das cores mais, resistentes & ago do tempo. E preciso identifica, tam- bém, os grafismos que foram adicionados por outros, grupos para que se possa tragar a “histéria de vida” de determinado painel. Porém, a maior reagfo veio da chamada Arqueologia Pés-Processual, cuja denominagao jé ¢ uma referencia critica & corrente que a antecedeu. O termo pés-pro- cessual foi utilizado pela primeira vez em 1985, por lan Hodder, da Universidade de Cambridge. Ao contritio dacorrente anterior, nao hé uma agendaa seguir, como também nao se buscam leis de comportamento. © foco reside na interpretacio: podem ser percebidos como textos interpretados por aqueles que 0s fizeram ¢ os utilizam, Como um texto admire diversas leituras, isso inclui nao sé os “leitores” da sociedade que 0 produziu, como também 05 “leitores” da sociedade que pretende estudar tais textos — os préprios arquedlogos. No momento, desenvolve-se um saber estruturado ages € matei sobre 0 potencial explicativo da cultura material, ¢ diferentes perspectivas tedricas so adotadas. Atlanti- das, fenicios e alfabetos so cartas fora do baralho das pesquisas arqueolégicas, Por outro lado, muitas vezes 2 Bh MADU GASPAR © excessivo rigor metodolégico que caracteriza esse dominio da arqueologia acaba por engessar interpreta ‘ges posstveis. Nesse momento, uma tendéncia preva- lece nos estudos de arte rupestre e, independentemente da orientagao teérica, as pesquisas vém sendo marcadas por grande rigor técnico no que se refere & descrigio de formas, de painéis, & anélise de pigmentos etc. Esse movimento soa como uma reagéo & série de interpre- tagées fantasiosas ou pouco fundamentadas que mar- cou o estudo desse campo. Breve histérico do estudo da arte rupestre no Brasil No perfodo inicial da arqueologia brasileira (1870- 1930), o tema que mais chamou a atengio dos pesqui- sadores foi a antigiidade da ocupagio da regiéo de Lagoa Santa, especialmente as descobertas que tenta- tam telacionar os primeiros cacadores com os ossos de megafauna encontrados em grutas ¢ abrigos de Minas Gerais. As culturas do baixo Amazonas, os sambaquis © aarte rupestre também foram temas importantes no comego da formagio da arqucologia brasileira. Os grafismos rupestres sio mencionados desde 0 século XVI. Alfredo Mendonga de Souza oferece um interessante histérico das pesquisas, ¢ assinala que as Lamentagées brastlicas, obta do padre Francisco Teles eserita entre 1799 ¢ 1817, registram 274 sitios arqueo- 32. [A ARTE RUPESTRE NO BRASIL ligicos com gravagoes e pinturas no Cearf, Paraiba, Rio Grande do Norte, Piaué e Pernambuco. Acreditan- do que tais sinais teriam sido feitos por indigenas e por fs [aptlases' ei queidechiny coteinin devtehsuscendeibigh decifré-los, cotejando-os com os alfabetos grego he- braico, signos zodiacais e tébuas astrondémicas. O padre Francisco Teles no sé realizou um levantamento deta lhado de sitios rupestres, como, em certo sentido, inaugurou duas importantes correntes interpretativas deste tipo de testemunho arqueolégico: a vertente que vé os grafismos como uma linguagem ea que os toma como referéncias astronémicas. Cientistas de varias procedéncias registraram manifestagdes rupestres du- rante suas expedig6es: Karl Friedrich Philipp von Mar- tius (1818-21), Auguste de Saint Hilaire (1816) e Charles Frederich Hartt (1870). Jean-Baptiste Debret (1834) copiou as pinturas que esto 4s margens do rio Japuré e Rugendas (1835) desenhou algumas manifes- tagdes pelos caminhos por que passou. Boe Z. ef Inscrigbes indigenas copladas por Debret 23a MADU GASPAR © excessivo rigor metodolégico que caracteriza esse dominio da arqueologia acaba por engessar interpreta ‘ges posstveis. Nesse momento, uma tendéncia preva- lece nos estudos de arte rupestre e, independentemente da orientagao teérica, as pesquisas vém sendo marcadas por grande rigor técnico no que se refere & descrigio de formas, de painéis, & anélise de pigmentos etc. Esse movimento soa como uma reagéo & série de interpre- tagées fantasiosas ou pouco fundamentadas que mar- cou o estudo desse campo. Breve histérico do estudo da arte rupestre no Brasil No perfodo inicial da arqueologia brasileira (1870- 1930), o tema que mais chamou a atengio dos pesqui- sadores foi a antigiidade da ocupagio da regiéo de Lagoa Santa, especialmente as descobertas que tenta- tam telacionar os primeiros cacadores com os ossos de megafauna encontrados em grutas ¢ abrigos de Minas Gerais. As culturas do baixo Amazonas, os sambaquis © aarte rupestre também foram temas importantes no comego da formagio da arqucologia brasileira. Os grafismos rupestres sio mencionados desde 0 século XVI. Alfredo Mendonga de Souza oferece um interessante histérico das pesquisas, ¢ assinala que as Lamentagées brastlicas, obta do padre Francisco Teles eserita entre 1799 ¢ 1817, registram 274 sitios arqueo- 32. [A ARTE RUPESTRE NO BRASIL ligicos com gravagoes e pinturas no Cearf, Paraiba, Rio Grande do Norte, Piaué e Pernambuco. Acreditan- do que tais sinais teriam sido feitos por indigenas e por fs [aptlases' ei queidechiny coteinin devtehsuscendeibigh decifré-los, cotejando-os com os alfabetos grego he- braico, signos zodiacais e tébuas astrondémicas. O padre Francisco Teles no sé realizou um levantamento deta lhado de sitios rupestres, como, em certo sentido, inaugurou duas importantes correntes interpretativas deste tipo de testemunho arqueolégico: a vertente que vé os grafismos como uma linguagem ea que os toma como referéncias astronémicas. Cientistas de varias procedéncias registraram manifestagdes rupestres du- rante suas expedig6es: Karl Friedrich Philipp von Mar- tius (1818-21), Auguste de Saint Hilaire (1816) e Charles Frederich Hartt (1870). Jean-Baptiste Debret (1834) copiou as pinturas que esto 4s margens do rio Japuré e Rugendas (1835) desenhou algumas manifes- tagdes pelos caminhos por que passou. Boe Z. ef Inscrigbes indigenas copladas por Debret 23a ADU GASPAR E claro que nessa época discutia-se se tais manifes- tages eram decorrentes de processos naturais ou se tinham origem humana. Alguns estudiosos achavam que eram resultado da ago de particulas ferruginosas na pedra ow indicios da presensa de Atlintidas no tertitério brasileiro, As especulagdes sobre as marcas, existentes na Pedra da Giivea, no Rio de Janeiro, s0 um bom exemplo sobre as preocupagSes da época. Para muitos, essas marcas, resultado de processos naturais que ocorrem na rocha, eram o mais vivo testemunho da passagem de fenicios pelo que viria a sero tertitério brasileiro. O primeiro trabalho mais extenso sobre arte rupes- tre, publicado em 1887 por Tiistao de Alencar Araripe, afirmava se tratar de obra humana e de grande antigiii- dade, ressaltando, assim, a importancia de seu estudo O inicio do século XX é marcado por uma grande polémica com intensa participagio da intelectualidade brasileira. De um lado, aqueles que no consideram a arte rupestre um tema digno de estudo e, do outro, os que apercebiam como uma manifestacio carregada de significados, podendo ser uma forma degradada de escrita ou a origem de todas as formas de escrita do mundo, Por exemplo, Theodor Koch-Griinberg, dire- tor do muscu etnogrdfico de Stuttgart, sustentava que a arte rupestre no passava de produto do écio, néo representanclo nenhum tipo de comunicagao. J4 Erma- no Stradelli procurou explicagées indigenas para incer- 34. /AARTE RUPESTRE NO BRASIL preté-la, vendo nos desenhos ordens de marcha, exis- téncia de viveres, posse, representagbes de deuses, ins- trumentos musicais, armas, animais eadornos. Seguin- do essa linha, Alfredo Brando (1914) interpretou os grafismos de Alagoas como uma forma pré-histérica de escrita, por ele decifrada e associada a uma civilizagao megalitica descendente da Atlantida. Jé para Theodoro Sampaio (1922), os sinais seriam uma espécie de l4pide mortuéria e que ali estaria grafado 0 nome do indio morto ¢ de sua descendéncia. Apoiando-se no vocabu- livio tupi, investiu em sua tradusio. Paralelamente, vitios cientistas continuavam a registrar as manifesta bes de arte rupestre em lugares do Brasil que iam sendo desbravados, As diferentes linhas de interpretagio da arte rupestre explicitam as nogSes que permeavam 0 imaginétio da intelectualidade da época sobre o indigena que ocupa- va o territério brasileiro, Por um lado, os testemunhos arqueolégicos seriam resultado do écio do indigena ¢ nfo passavam de simples rabiscos inconseqiientes, nao tendo portanto valor algum. Por outro, eram repletos de significados, 0 que eliminaria a hipétese de terem sido feitos pelos nativos ou seus antecedentes, Uma escrita” to sofisticada sé podia ser obra de outras civilizagdes muito mais avangadas. Como resultado disso, em diferentes momentosaarte rupestre brasileira foi atribuida a gregos, fen{cios ou atlantidas: afinal, as, tribos existentes no Brasil, & época do descobrimento, +35 MAU GASPAR jamais poderiam ter elaborado desenhos com tamanha preciso e simettia.., © mesmo tipo de perspectiva também marcou as interpretagdes referentes a outros tipos de vestigios Arqueoldgicos bem diferentes dos grafismos. Os enor- ‘mes morros construfdos com conchas ¢ recheados de sepulturas, sitios arqueoldgicos denominados samba- quis, eram vistos como resultado da preguica do indi- sgena, que abandorava seus restos alimentares er qual- quiet lugar, As elaboradas estatuetas em peda ali en- contradas eram apontadas como obras de outros povos mais evolufdlos! Jd em 1937, Herbert Baldus elaborou a primeira Visio antropoldgica da arte rupestre ao estudar as pin- turas de Sant’Ana da Chapada, Em 1941, José Anthero Pereira Jr: refutou as interpretagbes fantasiosas sobre a autoria dos grafismos — fenfcios, holandeses, ciganos, atlintidas, entre outros — classificando-os segundo a tdenica ¢ estilo de elaboragito, etapa fundamental de todo estudo moderno de grafismos, Um dos pesquisadores que marcou mais profunda- mente a arqueologia brasileita foi Annette Laming- Emperaite, pesquisadora francesa que, apés tevolucio- nar os estudos de arte rupestre na Europa, demonstran- do a existéncia de regras de elaboragio dos grafismos, voltou-se para a pré-hist6ria brasileira, Esteve no Brasil diversas vezes, onde realizou escavagées, ministrou cur- sos ¢ formou toda uma geragio de profissionais. A +36. ‘A ARTE RUPESTRE NO BRASIL partir de 1973, coordenou um grupo do Centre Na- tional de la Recherche Scientifique (CNRS), da Franga,, iniciando pesquisas em Minas Gerais. Os pesquisado- res pretendiam obter as primeiras datagées para a arte rupestre sua insergdo no contexto cultural pré-histé- tio, Essa Missio Franco-Brasileira formou uma im- portante corrente de pesquisa que — junto com a estabelecida pelo casal americano Clifford Evans ¢ Betty J. Meggers, que coordenou um projeto de pes- quisa para parte significativa do tertitério nacional (1965-71) — estruturow a pesquisa arqueolégica mo- dera no pais. Enquanto Evans e Meggers dedicaram- se principalmente ao estudo de sitios cerimicos, a Missio Franco-Brasileira teve sempre a arte rupestre como tema central de estudo. E preciso ressaltar que jf na segunda metade da década de 1960 pesquisadores brasileiros haviam co- megado a realizar levantamentos sistematicos de grafis- ‘mos nos estados do Sul. Em 1970, Desidério Aitay faz uma interpretagio fortemente marcada pelo estrutura- lismo dos grafismos de Itapeva (SP). Ele procurou identificar a estrutura que ordenava as figuras que compunham um painel ¢ comparou com mitos Jé, Porém, ¢ partir da década de 1970, com os resultados, das pesquisas realizadas pelas Missdes Franco-Brasileira em Minas Gerais e no Piaus, que se ampliam definiti- vyamente os estudos. Apoiados na crescente produgao de informagao pela comunidade de arquedlogos, Nié- 137+ (MADU GASPAR: de Guidon e André Prous sintetizam os dados relacio- nados com suas regi6es dle pesquisas¢, separadamente, esbogam os primeiros quadros de referéncia que apre- sentam a caracterizagfio das diferentes manifestagées e sua distribuigao no territério brasileiro. Os primeiros artistas Para Paul G. Bahn, hé 40 mil anos os aborigines da Austrilia ja estavam pintando paredées ¢ hé 27 mil anos cavernas jf estavam sendo decoradas na Europa, muito emboraas evidéneias do hibito de pintar sejam muito mais antigas. Pigmentos naturais foram encon- trados em sitios arqueoldgicos de datas remotas; frag- mentos de corante, com mareas de terem sido usados para pintar, foram encontraclos em diferentes partes do mundo (India, Republica Tcheca, Franga) com data- io estimada entre 200 ¢ 300 mil anos atris, indicando que ancestrais do Homo erectus jd tinham como costu- me manusear estes materiais, quer seja para efetuar pinturas, quer para explorar as qualidades terapéuticas de alguns pigmentos. A equipe que estuda os grafismos da Serra da Capi- vara, no Piauf, data algumas pinturas ali realizadas em cerca de 26 mil anos. Como todas as referencias cro- nolégicas relacionadas aos primérdios da ocupagio de qualquer territério, esta data para os grafismos mais 38+ ‘A ARTE RUPESTRE NO BRASIL antigos brasileiros também ¢ polémica, pois coloca em questo o perfodo da chegada do homem as Américas. Quando se quer discutir o inicio da ocupagao de uma regio ou os primeiros grafismos, o ponto central no € aceitar uma ou outra referéncia cronoldgica, ¢ sim ter a clareza de que, quanto mais antiga uma manifestagao pré-histérica, mais dificil é a obtengio de dados que consolidem uma hipétese de trabalho. Af- nal, a pesquisa arqueoldgica organizada em moldes cientificos modernos é extremamente recente no Bra- sil, com os primeiros projetos remontando apenas & segunda metade da década de 1960. Nesse periodo prevalecia a idéia, defendida fortemente por arquedlo- g0s norte-americanos, de que a chegada do homem & ‘América seria um fato recente. © modelo clissico propde que os primeiros grupos alcangaram © continente americano atravessando o estreito de Behring, aproveitando a “ponte” formada entre a Sibéria € 0 Alasca por volta de 18 e 13 mil anos atrds, em decorréncia de mudangas climéticas que resultaram no recuo da linha da costa e, por conseguin- te, na exposicdo de amplas planicies litoraneas, Os primeiros cagadores teriam seguido a migragéo dos grandes animais (bisonte, cavalo, mamute, caribu) através desse caminho, denominado Behringia. Ao chegarem & Grande Planicie no centro da América do Norte, a ago humana e um acentuado crescimento demogtifico teriam levado 4 extingdo dos grandes +39. MADU Gasean animais, como mastodontes, mamutes e camelideos. Para sobreviver, teriam migrado cada vez mais para 0 sul, acabando por atingir a Terra do Fogo. Supunha-se, também, que os primeiros grupos que chegaram & América do Sul compartilhariam certas semelhangas com os primeiros colonizadores da Amé- rica do Norte, Esperava-se encontrar por aqui indicios caracteristicos dos cagadores especializados em animais de grande porte, como 0 mamute e 0 bisonte. Os cagadores do planalto norte-americano contavam com pontas Iiticas muito sofisticadas tecnologicamente que foram recuperadas em sitios de matanga de animais. Designadas como pontas Clévis e Folsom, provenien- tes de sitios datados em 11.200 ¢ 10.900 anos AP, respectivamente, foram feitas com apurada tecnologia de lascamento que implicava retiradas de lascas de pedra dos dois lados da ponta até que a pega ficasse bem delgada. Para concluir, um golpe certeiro punha em risco todo o trabalho do artesio e, se bem-sucedido, retirava uma longa lasca no sentido longitudinal da ponta. Levando em conta que nio ha indicios seguros de que os homens tenham primeiro chegado & América do Sul para depois ocupar a do Norte, supunha-se que eles teriam colonizado o nosso continente por volta de 10 mil anos atrds, Cacadores teriam cruzado o istmo do Panama ¢ seguido pela Colombia até atingir a extremidade sul das Américas. Segundo esse modelo, 40+ [NARTE RUPESTRE NO BRASIL © continente teria sido povoado em apenas 500 anos, numa espécie de corrida migratoria. Os resultados das pesquisas realizadas no sitio Monte Verde, no sul do Chile, trouxeram nova luz aeste debate, Tom Dillehay obteve datagées de 12.500 13.000 anos AP, sugerindo com isso uma ocupagio no final do Pleistoceno’ total- mente distinta da empreendida na América do Norte. Pesquisas que estéo sendo realizadas em sitios antigos no Brasil indicam, ainda, que o estilo de vida era bastante diferente dos cagadores de animais que ocu- param as planicies da América do Norte, Os estudos de sitios dos primeiros colonizadores ¢ uma série de datagées antigas que tinham sido obtidas em diferentes estados do pais — Bahia (9.610 + 90), Goids (10.750 + 3000), Mato Grosso (10.405 + 100), Mato Grosso do Sul (10.340 + 110), Minas Gerais (12.330 + 230) — comecam a confirmar a existéncia de grupos humanos em época recuiada. Alguins pesqui- sadores acham que a ocupagio do Brasil é ainda mais antiga e certamente novas escavagées vio liberar infor- magées que podem ser surpreendentes. Pois, se de fato as primeitas populagdes que ocuparam as Américas atravessando o estreito de Behring e depois cruzaram a América do Norte, a Central para sé depois chegar & * Pleistoceno é um dos perfodos geol6gicos cujo final esté situado centre 15 ¢ 11 mil anos atras, quando se inicia 0 Holoceno, que & © perfodo atual. 41+ MADU casPaR do Sule se Monte Verde, no extremo sul do continente americano, foi ocupado por volta de 12.500 anos AP, € possivel que sejam encontrados testemunhos mais antigos no territério brasileiro. Niéde Guidon obteve uma série de datas bem recuadas para s{tios no Parque Nacional da Serra da Capivara, e rem discutido o tema com pertinéncia mas sem total accitagao pela comuni- dade de arqueélogos. O s{tio Boqueirao da Pedra Fu- rada apresenta datas que se aproximam de 50 mil anos. Como sugere Paulo De Blasis, apesar da escassez ¢ fragilidade das evidéncias existentes, um crescente ni- mero de pesquisadores comega a aceitar a idéia de que © homem teria penetrado na América em datas mais recuadas, aproveitando diferentes momentos da for- magio da passagem pelo estteito de Behring, criando condigées para que diferentes levas de grupos humanos migrassem para o continence americano. E natural que 0 debate ocorra ¢ seja acalorado, pois a arqueologia é uma cigncia social que caminha lenta- mente, acumulando conhecimento produzido pela co- munidade de arquedlogos e, como os demais campos de saber, é integrada por estudiosos que abragam hips- teses distintas. Como toda ciéncta, cabe aos pesquisa dores que inovam 0 énus da prova. Segundo Anna Roosevelt, para que seja aceita a antigitidade de ocupa- gio de um sitio & necessétio haver numerosas datas concordantes relacionadas a uma série de materiais, ais como artefatos, esqueletos humanos e restos alimenta- +42. [AARTE RUPESTRE NO BRASIL res, além de uma seqiiéncia cronolégica otiunda de depésitos estratificados intactos — e sio poucos os sitios antigos que retinem todas estas caracterfsticas, Renato Kpnis sugere que, diferente do que havia sido proposto, os primeiros ocupantes do Brasil Cen- tral eram principalmente coletorese que a suaindiistria Iivica caracterizava-se pela presenga de raspadores uti- lizados no trabalho da madeira e de algumas poucas pontas de projétil. Os restos botanicos indicam a ex- ploragao de coquinhos, guariroba, licuri, chiché (amendoim-de-bugre), pequi, jatobs e outros frutos do cerrado. A caga tinha como presa animais de pequeno € médio porte (roedores, tatus, primatas, preguigas, lebtes), répteis, aves € peixes. Animais maiores, tais como (veado, porco-do-mato, anta) sfo raros nos mo- mentos iniciais, sendo mais representados no final. Para o autor, nfo ha nenhuma evidéncia clara de caga sistemdtica 4 megafauna e, como bem demonstra, tra- ta-se de um modo de vida bem diferente daquele dos cagadores de grandes animais que ocuparam a América do Norte. Estes grupos aprendeiam a explorara grande diversidade de recursos disponiveis nos novos ambien- tes tropicais. Acumula-se, no Brasil ¢ na América do Sul, uma série de informagées sobre sitios antigos; agora, saber exatamente quando este proceso comegou e demons- trar toda a sua complexidade vai exigir dos cientistas muito mais pesquisa. Neste momento, é importante saber que as informagées dispontveis asseguram que a 43. (MADU GASPAR partir de 12.000 AP o territério brasileiro ja estava ocupado e que muito cedo os cagadores comecaram a decoraras parecles rochosas com grafismos. Mais ainda, que este hébito perdurou até o perfodo de contato com 0s europeus. Foi entre os grupos de cacadores que surgi o hdbito de pintar e gravar as paredes de pedra. No que se refere 4 antigiiidade dos grafismos, tam- bém é preciso levar em conta que a primeira datagao de pigmentos feita através do método Carbono-14 foi realizada hé muito pouco tempo. Em 1987, na Africa, datou-se pigmento feito com carvio retirado de pincu- ras da Caverna da Sonia, em Boontjieskloof, ¢ depois disso datagées foram obtidas em varios lugares. Nas regides onde existe atte rupestre € recorrente a longa duragio do hébito de decorar paredées de pedra com pinturas e gravuras. Na Austrdlia, cujas primeiras ma- nifestagdes estéo datadas de 40 mil anos, os aborigines ainda mancém essa tradigao, Nos continentes onde ha arte rupestre, foram estudadas maneiras de repre- sentagio que variam tanto no espago como no tempo. ‘Vejamos 0 caso do tertitério brasileiro. Caracterizagao € distribuigdo espacial dos grafismos brasileiros Para apresentar um quadro de referencia apdio-me na proposta de ordenagio dos grafismos brasileiros elabo- +44- | ARTE RUPESTRE NO BRASIL rada por André Prous (1992). Ble ressalta que a0 tentar dclimitar grandes conjuntos, denominados na arqueo- logia brasileira de sradigées arqueoldgicas, teve que incluit uma certa variabilidade intra-regional — que pode estar relacionada a evolugées culturais no tempo € ho espago, ou mesmo a fingSes distintas de determi nados espagos. Destaca, ainda, que, ao estabelecerem tradig6es regionais, as diferentes manifestagdes podem se misturar ou se sobrepor, particularmente em dreas de fronteira. A tradigio arqueolégica implica uma certa perma- néncia de tragos distintivos que so geralmente temé- ticos. Jé os estilos, uma das unidades recorrentemente utilizadas pelos estudiosos, sio subdivisdes estabeleci- das a partir de critérios técnicos. André Prous estabe- lece oito tradigdes para o tertitétio brasileiro que sio conhecidas pelas seguinte denominagées: Meridional, Litoranea Catarinense, Geométrica, Planalto, Nordes- te, Agreste, Sio Francisco, Amaz6nica. Gabriela Mar- tin, por sua vez, apresenta uma leicura mais detalhada sobre as tradigdes rupestres do Nordeste ¢ uma ininu- ciosa conceituagio dos instrumentos analiticos — tra- digoes, fases, estilos, facies — utilizados pelos pesqui sadores para delimitar conjuntos, Com pertinéncia, ressalta ainda a complexidade do mundo pictérico do Brasil pré-histérico © como é dificil apreendé-lo subdividi-lo, tanto para fins didéticos quanto opera- cionais.Vejamos, entretanto, as principais caracterist cas das tradigdes apresentadas por André Prous. 456 MADU GasraR Atradigao Meridionalé uma manifestagio que ocor- re no sul do Brasil e em outros paises da fronteira. Os sitios do Rio Grande Sul apresentam-se alinhados nas escarpas do planalto, sendo também encontrados em blocos isolados eem abrigos egrutas. As gravuras foram feitas no arenito, principalmente através da técnica de incisio ou de polimento, tendo sido, muitas vezes, a superficie da pedra previamente preparada através de picoteamento. Os suleos no so muito profundos, tendo menos de lcm de profundidade, e em alguns sitios foram encontrados vestigios de pigmentos de diferentes cores (preto, branco, marrom ¢ roxo) que formam gravuras geométricas lineares. A temética é considerada pobre e pode ser dividida em dois grupos. Um dos estilos caracteriza-se pela presenga de tragos retos paralelos ou ctuzados, sendo alguns curvos. A combinagio de tragos retos as vezes forma 0 que se costumou chamar de “tridactilos”. O outro estilo caracteriza-se pela presenga de séries de cfrculos maiores, cada um rodeado na parte Gravura da tradigdo Meridional, Sitio D. Josefa (Rs) +466 ‘A ARTE AUPESTRE NO BRASIL superior por cfrculos menores, pare. @ cendo formar pegadas de felideos Os paingis gravados da tradigéo Litortinea Ca- oVA@ ‘arinense estio situados gy @ emilhas, em locais de di- ard ficil acesso e até mesmo ae Grafismo da tradicao Litorénea ERUgOROE GRRE a. le ome he dos Corais (sc) distar 15 quilémetros da costae estando orientados para o alto-mar. Asilhas que foram escolhidas para gravacio dos sinais estao distri- bufdas em intervalos de 20-25km de distancia, sendo consideradas importantes pontos maritimos para 0 grupo que fez os grafismos. As gravagdes foram feitas no granito, através da técnica do polimento e os sulcos tém até em de largura. André Prous estabeleceu 14 temas. A maioria deles € integrada por desenhos geomeétricos através da combinagio de tracos ¢ estio presentes duas formas humanas também geométricas, Auravessando 0 planalto de Sul até o Nordeste, cortando os estados de Santa Catarina, Parand, Sao. Paulo, Goids e Mato Grosso, séo encontradas as mani- festagdes que compéem a tradi¢ao Geomdéerica, que, como 0 nome diz, caracteriza-se quase exclusivamente Por gravuras geométricas. Em decorréncia da grande area de distribuigao e de uma certa variedade, André Prous a subdivide em meridional e setentrional ——— AOU GASPAR ‘A Pedra Lavrada, ce Ina (es: tradigdo Geométrica (setentrional) ‘As manifestag6es mais setentrionais referem-se a aftios gravados nas imediagbes dos rios, particularmen- te nas proximidades de cachoeiras. Muitos blocos gra- vados costumam ser cobertos pelas Aguas durante as enchentes, 0 que parece ter sido uma escolha dos gravadores. As gravutas geralmente sto polidas, ocor rendo muitas depress6es esféricas, chamadas de cupu- liformes pelos arquedlogos. Aparecem algumas repre~ sentagées biomorfas que lembram sdurios ou! homens. ‘APedra Lavrada, de Ingé, na Parafba, é um dos exemplos bem conhecidos. Os sitios mais meridionais apresentam gravag6es, algumas vezes, retocadas com pigmentos, nfo sio ba- nhados pelas enchentes ¢ estio localizados até mesmo distante das aguas. Ocortem tridéctilos, triingulos ¢ alguns deles tém tuma inciso ou ponto em seu inte- rior e, por isso, alguns arquedlogos os denominaram “vulvas”. 48 1. Essas gravuras parecem representar pisadas de aves € mamiferos Exemplo da tradigao Meridional. Canhembora, Nova Palma (RS) 2. Tradigao Litordinea Catarinense, com os desenhos € a forma humana geométtica caracteristicos. ha do Campeche (SC), 3. Peixes € outros animais, assim como a cor vermelha, io tipicos da tradiga0 Planalto. Essa pintura encontra-se no abrigo de Santana do Riacho (MG). 5, Antropomortos e animais estaticos da tradipdo Agreste. Parque Nacional Serra da Capivara (Pl). 4. A tradigio Nordeste & marcada por representacées de figuras 6. Os répteis sGo formas freqlientes na tradigdo Sdo Francisco Figuras humanas e de animais como emas e cervideos. Toca do Boqueirao com decoragdo interna simétrica demonstram forte sentido de efeita da Pedra Furada (Pt) dos pintores. Lapa do Boquete, Janusia (MG). 7. Itaquatiaras de Cachoeira do Letreiro, em Carnaiiba dos Dantas (RN): cexemplo da tradigl0 Geométrica. 8. Antropomorfo da tradiggo Amazénica. A riqueza de detalhes chama 2 atengdo: tragos do rosto, cabelos € até outra figura humana na regio da barriga, sugerindo gravidez. Serra da Careta, Prainha (PA). ‘A ARTE RUPESTRE NO BRASIL Tradigao Geométrica (meridional). Morro du Avencal (st) A tradigio Planalto esta presente em muitos sitios do Planalto Central brasileiro, do Parand até a Bahia, sendo 0 seu foco principal o centro de Minas Gerais A inaioria dos s{tios apresenta grafismos pintados em vermelho, embora ocorra também alguns nas cores preta, amarela e mais raramente branca. Muitos ani- mais estio representados, entre eles cervideos, peixes, passarose mais raramente tatus, antas, porcos-do-mato ¢ tamandus. Aparecem algumas formas geométricas ¢ figuras humanas também foram pintadas; quando s20 ote es Grafismos de animais, comuns na tradig&o Planalto, ap6 € Tibagi (Pa) a9. [NADU GASPAR muito esquematizadas, formam conjuntos de peque- nas figuras filiformes que parecem cetcar os animais. Em Lagoa Santa ena Serra : do Cip6, os desenhos as vezes f se ta”, em que aparece um qua- Ny a dripede flechado cercado ‘es "4 Por pequenos homenzinhos, Fy 4* sendo que um deles geral- es tye swat epee hie dla El HSK ainda uma referéncia de cena Grupo de figuras huma- de pesca, no Parand, e repre- ceicae names da sentagSes de cdpulas na Serra * do Cipé. André Prous sugere a existéncia de cenas “impli- citas", ou seja, associagoes repetitivas e, portanto, sig- nificativas: grupo de trés animais com caracterfsticas de macho, fémea e cria, associagio de veado e de cervideo, e ainda figura com corpo e cabega de veado, as pernas sendo substituidas por peixes. A tradigéo Nordeste ocorre nos estados do Piaul, Pernambuco, Rio Grande do Norte, parte de Bahia, ear e norte de Minas Gerais. Sio pinturas monocro- miticas © gravuras que representam homens, animais (emas, cervideos € pequenos quadriipedes) e algumas figuras gcométricas. Porém, o que a distingue da tradi so Planalto ¢ a abundancia de antropomorfos agrupa- dos formando cenas de caca, danga, guerra, sexo, rito, +50. [A ARTE RUPESTRE NO BRASIL entre outras. Os huma- hos seguram armas (bas- ¢ tes, propulsores), cestas F Cy, e outros objetos. ¥ As pesquisas sistem4- ticas desenvolvidas por Nidda Guidotic Aine: 4 1p Matie Pessis ¢ Gabriela ‘4 (Ys is Martin estabeleceram tuma série de variag6es re- gionais decorrentes do Grafismos da tradigdo Agreste. tratamento ¢ da dimen- Sitio Pedra Redonda, Pedra (¢) sio das figuras, bem como das cenas representadas. Em algumas regides € recorrente uma cena em que aparece uma grande ave dominando um conjunto de pequenas imagens, dan- gas dirigidas por uma figura que ostenta um cocar, cenas de luta, de caga 4 onga, de violéncia e sexo, entre outras, As cenas sio tao bem organizadas que se reve- lam uma verdadeira tentagao para o observador, que tem a nitida impressio de poder decodificar as mensa- gens veiculadas pelos pintores, A tradigio Agreste manifesta-se nos estados do Cea- rd, Rio Grande do Norte, Parafba, Pernambuco e Piaui, caracterizando-se pela presenga de grandes figuras, geométricas ou biomorfas, sendo que as figuras huma- nas lembram espantalhos. As emas ¢ os queldnios si0 representados de maneira estética e hé também péssa~ aie ‘MADU GASPAR Parte do Paine! Ill da Lapa do Cabacla (nc), Tradigéo Sao Francisco ros de asas abertas e longas pernas, alguns lembrando figuras humanas. As cenas sfo raras e delas participam poucas figuras, como por exemplo homens cacando ou pescando. Para André Prous os desenhos agrupados esse conjunto podem ser uma mistura de duas tradi- ges, a Nordeste e a Sio Francisco, provavelmente pintados em épocas diferentes. A tradigio Sao Francisco € tipica do vale do tio Séo Francisco, em Minas Gerais, Bahia e Sergipe ¢ nos estados de Goiés e Mato Grosso. Nos grafismos predo- minam os motivos geométricos, mas verificam-se tam- bém desenhos que representam formas humanas ¢ w Sie /A ARTE RUPESTRE NO BRASIL animais (peixes, pissaros, cobras, séurios e algo pareci- do com tartaruga). Nao existe nenhuma cena e, na maioria dos casos, as figuras sio feitas em duas cores. Como outras tradig6es, também apresenta variedades, regionais que contam com representagies de pés hu- ‘manos, armas, instrumentos. Em algumas localidades, em lugar de pintar, o grupo pré-histérico representou. 0s mesmos motivos através de gravuras picoteadas. Em outros locais, inclu(ram pigmentos pretos brancos no interior dos sulcos, Osartesios demonstraram um forte sentido de “efeito” na combinagao de cores vivas € na organizagao interna das figuras geométricas, 0 que torna os painéis extraordinariamente espetaculares. Antropomorfos simétricos e geometrizados caracte- rizam a tradigio Amazénica — ainda pouco estudada, principalmente se comparada as tradig6es Planalto, Nordeste ou Sio Francisco, que jé contam com levan- tamentos sistemiticos detalhados. Nas margens dos ios Cumind, Puri e Negro, as cabegas de figuras hu- manas gravadas geralmente sio radiadas, enquanto nas proximidades de Monte Alegre sio pintadas. Ha, tam- bém, em outras localidades painéis compostos por bastdes e gravagGes curvilineares. No estado de Rorai- ma ocorrem retas pintadas paralelas ou formando re- ‘tngulos preenchidos com tragos. O mapa preparado por André Prous fornece uma boa idéia da distribuigao espacial das varias tradig&es de arte rupestre no territério brasileiro. Porém, é preciso +5 MADU casPan ressaltar que muitas regides ainda nao foram alvo de pesquisas sistemsticas, o que permite supor que as ma- nifestagdes rupestres sejam muito mais diversificadas ¢ fascinantes do que se imagina. Apenas para demonstrat como ainda hd muito a ser descoberto, cito 0 ponto de vista de Mentz Ribeiro, que néo vé semelhangas entre 0s grafismos do cerrado de Roraima c os outros encontrados no Brasil, aproximando-os de algumas pinturas desco- bertas na Venezuela e gravuras existentes na Guiana, A Amazénia é ainda uma imensa regio a ser estu- dada pela arqueologia. Ocupada desde 11.200 anos AP, conta com a cerimica mais antiga das Américas e com uma diversidade de formas, acabamentos ¢ motivos aplicados aos vasilhames de barro que dio uma leve idéia do que deve ter sido esse caldeitao de efervescén- cia cultural, Edithe Pereira menciona o registro de 300 sitios com arte rupestre, destacando que apenas algu- ‘mas dteas foram objeto de estudos detalhados. Em sua pesquisa no noroeste do Pars identificow trés conjuntos Tupestres distintos — dois relacionados com pinturas um com gravuras. © conjunto de pintura de Monte ‘Alegre foi feito em paredes de grutas e abrigos e pare- does a céu aberto. Muitas vezes, a propria pedra foi aproveitada para dar volume ou compor a figura. Os antropomorfos foram pintados com a aplicagéo de duas cores e tém grandes dimens6es, alguns com mais de Im, Apresentam cabeca, tronco ¢ membros e é recotrente a presenga de tragos do rosto. Muitas vezes aes ‘A ARTE RUPESTRE NO BRASIL © tronco esté preenchido eee . sugetindo a representagio TY! de algum tipo de adorno as cabecas apresentam co- car. A maioria das figuras esti de pé, sendo que alguns esto de cabeca para baixo ou deitados. Geralmente nao hi indicagao do sexo mas alguns tém Srgios sexuais masculinos. Grafismos da regio de Monte Alegre (Pt Também sio recorrentes os desenhos de maos, que podem aparecer isoladas, em par, em série inregular ¢ superpostas a outras figuras, algumas contando com cfrculos concéntricos desenhados nas palmas. Aves, peixes-boi, peixes, circulos, volutas também foram pin- tados nas rochas. Ja no conjunto da regio de Alenquer as figuras humanas estao representadas em seus tragos essenciais, sem qualquer detalhe anatémico, Segundo a pesquisa- dora, sua principal caracteristica ¢ a composigfo de uma cena na qual as figuras aparecem uma ao lado da outra de mios entrela- gadas. A tradigio Amaz6- nica de gravuras tem como principal temé- tice figunes buinenas que podem ser com- Pinturas rupestres de Alenquer (ea) pletas ou apresentar «i55* IMADU GASPAR, Antropomorfos, principal temética da Tradigdo Amazénica apenas a cabeca. As completas exibem os tragos do tosto, inclusive boca com dentes. A maioria é assexua- da, e somente algumas sugerem a imagem de mulher através do que parece ser a representacao de gravidez. Edithe Pereira ressalta que existem outros conjuntos na Amar6nia que precisam ainda ser estudados ¢ que ontimero de escavages ¢ tao restrito, apenas duas, que limita 0 conhecimento sobre o contexto arqucolégico em que a atividade grfica se desenvolveu. A escavasio realizada em Monte Alegre, por Ana Roosevelt, forne- ceu teferéncias cronolégicas para as pinturas através da recuperagio de pigmentos cuja composigao é similar & das figuras encontradas nas paredes da gruta da Pedra Pintada. Considera-se que a partir de 11.200 anos AP as paredes jd estavam sendo decoradas com pinturas. Outras manifestagses pictéricas ainda merecem des- taque. Gabriela Martin chama atengo para as itaqua- tiaras, gravuras realizadas nas rochas localizadas As mar- gens dos rios do Norte ¢ Nordeste, Destaca especial- mente a Itaquatiara do Ingé ou Pedra Lavrada do Ingé, 156+ |X ARTE RUPESTRE NO BRASIL ee BY Tradigdo S80 Francisco lf asset Se Tradigo Litortnea “yd Traigdo Geometric A) Teaigio Mercional | Wags acreste j Tad Nove Mapa com a distribuigdo das tradigdes de arte rupestre 57+ MADU GasPaR na Parafba, que antes da destruigio provocada pelos fabricantes de lages tinha inscrigdes formadas por uma linha continua € uniforme por aproximadamente 1.200 m?, Pertencentes a tradigao Planalto, as pinturas de ani- mais encontradas em Santana do Riacho, em Minas Gerais, ¢ estudadas por André Prous e Alenice Baeta, so tao naturalistas que petmitem identificar conjuntos familiares. O animal maior e com galhadas € 0 macho, © de tamanho médio & a fémea eo de menor porte é0 filho, Algumas figuras sio passiveis de identificagio, especialmente os veados machos: os que apresentam galhadas bem ramificadas caracterizam 0 cervo-do- pantanal (Blastocerus dichotomus), que j4 néo € mais encontrado na regio; as galhadas com duas ow trés pontas podem se referir ao veado-campeiro (Dorcela- phus ou Hippocamelus bezoarticus) ow ade um cervo jovem. E provavel ainda que a maioria dos cervos sem galha ¢ os que apresentam até duas pontas sejam pin- turas de animais do género Mazama, hipstese reforga- da em decorréncia da maneira como os pintores repre- sentavam os corpos dos animais. Em outras regides também ocortem pinturas muito naturalistas que permitem a identificagéo de espécies, como é0 caso dos vitios tipos de lagartos existentes na regiao central da Bahia. Na Serra do Cabral, em Minas Gerais, em pesquisa bem criativa junto com cagadores da regido, Paulo Seda e Gilda Andrade identificaram “58+ [A ARTE RUPESTRE NO BRASIL MORFOLOGIA DOS CERVIDEOS =P Se tenn Pe AAA ds % a x & z g Kank hiK ays Soe "a REA a > Pld | eo he = oss | swe 7 pera, =f Ay Se | lanes ey ps ee lee, | rea =e) — aa | Sra — [a = ny J} = df ul og de cervideos. Santana do Riacho (uc) +59. ‘MADU GaSPAR, tuma série de animais, A serra é uma excelente localida- de para caga e as figuras pintadas nos painéis sf0 tao bem claboradas que em alguns casos foi posstvel esta- belecer 0 sexo ¢ a idace do animal. Entre os peixes foram identificados piaba, pacu, piranha e bagre; entre os répteis, tartaruga, cégado ¢ titi a tinica ave identifi- cada foi a ema. Virios mamfferos — como macaco, veado-galheito, veado-campeiro, anta, cachorro-do- mato, lontra, onga, mocé, cutia, capivara, coelho, tatu, tatu-bola, tatupeba, tamandué-bandeira — foram tados nos paredées. Como ¢ possivel perceber, é uma profusio de grafis- mos, de vatiadas formas, temas, técnicas de fabricagio, estilos de representagio, diferentes suportes e distintas implantagées dos desenhos na paisagem, ora chaman- do a atengio para os grafismos, ora os escondendo. Toda essa diversidade denota a profundidade temporal do hibito de usar tintas e decorar rochas ¢ a multipli- cidade cultural que se estabeleceu no que é hoje o territério brasileiro. Estudo dos grafismos através do tempo Apés apresentar a distribuigao espacial dos varios con- juntos de grafismos, mostrarei como os pesquisadores estudam a sucessio dos grafismos ao longo do tempo. Com os varios métodos de datacio existentes, cada dia +60. [AARTE RUPESTRE NO BRASIL émais facil estabelecera época em que um sitio arqueo- légico foi construido ou uma cerfmica fabricada. Ma- teriais orgénicos podem ser datados através da andlise de Carbono-14 ¢, com o desenvolvimento desta técni ca, até mesmo pequenas particulas podem ser analisa- das através do accelerator mass spectrometry. Caso exi tam componentes orginicos misturados aos pigmentos poderio ser obtidas datagdes bem precisas para os grafismos. Mas como estabelecer a data de rochas que foram picoteadas ou pintadas com pigmentos inorgi- nicos? No caso dos grafismos realizados em patedées ott cavernas com sedimento, é possivel correlacioné-los aos materiais arqueolégicos recuperados no solo; po- 6 aspectos relacio- rém, é preciso levar em conta vai nados com a formacio dos sitios arqueolégicos. Muitos sitios foram ocupados, em diferentes épocas, por di tintos grupos culturais ¢ ¢ dificil estabelecer qual deles € 0 responsivel pelos grafismos ou pelos diferentes conjuntos de grafismos que decoram as paredes. Abri- gos localizados em pontos estratégicos nao si0 muito freqiientes na paisagem e podem ter sido ocupados por diferentes etnias e ver tido fungées distintas para cada grupo — moradia, acampamento para caga, armaze- namento de viveres ou cemitério —, 0 que torna a vinculagao de vestigios de solo com os grafismos uma tarefa bastante dificil. Um dos requisitos bésicos para estabelecer tal cortelagio € entender 0 processo de +61. ‘MADU GaSPAR, tuma série de animais, A serra é uma excelente localida- de para caga e as figuras pintadas nos painéis sf0 tao bem claboradas que em alguns casos foi posstvel esta- belecer 0 sexo ¢ a idace do animal. Entre os peixes foram identificados piaba, pacu, piranha e bagre; entre os répteis, tartaruga, cégado ¢ titi a tinica ave identifi- cada foi a ema. Virios mamfferos — como macaco, veado-galheito, veado-campeiro, anta, cachorro-do- mato, lontra, onga, mocé, cutia, capivara, coelho, tatu, tatu-bola, tatupeba, tamandué-bandeira — foram tados nos paredées. Como ¢ possivel perceber, é uma profusio de grafis- mos, de vatiadas formas, temas, técnicas de fabricagio, estilos de representagio, diferentes suportes e distintas implantagées dos desenhos na paisagem, ora chaman- do a atengio para os grafismos, ora os escondendo. Toda essa diversidade denota a profundidade temporal do hibito de usar tintas e decorar rochas ¢ a multipli- cidade cultural que se estabeleceu no que é hoje o territério brasileiro. Estudo dos grafismos através do tempo Apés apresentar a distribuigao espacial dos varios con- juntos de grafismos, mostrarei como os pesquisadores estudam a sucessio dos grafismos ao longo do tempo. Com os varios métodos de datacio existentes, cada dia +60. [AARTE RUPESTRE NO BRASIL émais facil estabelecera época em que um sitio arqueo- légico foi construido ou uma cerfmica fabricada. Ma- teriais orgénicos podem ser datados através da andlise de Carbono-14 ¢, com o desenvolvimento desta técni ca, até mesmo pequenas particulas podem ser analisa- das através do accelerator mass spectrometry. Caso exi tam componentes orginicos misturados aos pigmentos poderio ser obtidas datagdes bem precisas para os grafismos. Mas como estabelecer a data de rochas que foram picoteadas ou pintadas com pigmentos inorgi- nicos? No caso dos grafismos realizados em patedées ott cavernas com sedimento, é possivel correlacioné-los aos materiais arqueolégicos recuperados no solo; po- 6 aspectos relacio- rém, é preciso levar em conta vai nados com a formacio dos sitios arqueolégicos. Muitos sitios foram ocupados, em diferentes épocas, por di tintos grupos culturais ¢ ¢ dificil estabelecer qual deles € 0 responsivel pelos grafismos ou pelos diferentes conjuntos de grafismos que decoram as paredes. Abri- gos localizados em pontos estratégicos nao si0 muito freqiientes na paisagem e podem ter sido ocupados por diferentes etnias e ver tido fungées distintas para cada grupo — moradia, acampamento para caga, armaze- namento de viveres ou cemitério —, 0 que torna a vinculagao de vestigios de solo com os grafismos uma tarefa bastante dificil. Um dos requisitos bésicos para estabelecer tal cortelagio € entender 0 processo de +61. MADU GASPAR ocupasio da regio onde esté inserido o sitio ou con- junto de sftios. Caracterizar os diferentes grupos ¢ estabelecer sua ordenagio temporal ¢ um passo funda- mental na pesquiisa para se poder associar os grafismos aos demais testemunhos arqueolégicos que compoem © sistema de assentamento. Alguns pesquisadores encontraram blocos com gra- fismos que se descolaram das paredes e, com o passat do tempo, foram soterrados por sedimentos que pude- tam ser datados através de métodos convencionais, No Piauf, Ane-Marie Pessis encontrou um painel coberto de sedimentos datado de 10.500 anos AP. A equipe de pesquisa da Universidade Federal de Minas Gerais (UEMG), a0 estudar 0 abrigo Santana do Riacho, na regio de Lagoa Santa, encontrou gros de pigmento vermelho preparado ¢ um bloco coberto por uma pelicula da mesma cor no inicio da ocupagao do sitio, © que sugere que, por volta de 12 mil anos AP, jé cexistiam atividades pictéricas. A mesma equipe encon- trou outros indicios mais seguros — virios blocos caidos do teto do abrigo que apresentam vest{gios de pincura rupestre e que foram cobertos por sedimentos ali depositados. Para André Prous, por volta de 8.000 anos atrds cagadores jé marcavam as paredes com seus grafismos. Investiu-se muito, principalmente em Minas Ge- rais, no estudo da sucessio temporal de representacSes rupestres. André Prous, associando uma série de varid- + 62+ [A ARTE RUPESTRE NO BRASIL eis — estilos, superposigdes, formagao de pitina e de vernizes, destruigio parcial de grafismos por descama- Ges e sua distribuicio nas cicatrizes geolégicas e infor- mages de ordem topogrifica — chegou a evoluséo estilistica do centro e do norte mineiro. Escavag6es no vale do Peruagu, em Januatia, recu- ispersos em niveis datados peraram muitos corantes em torno de 8.000 anos AP até o perfodo ceramico. Essa ampla dispersio temporal dificulta 0 uso desse tipo de vestigio desolo como pista segura para entender a evolugio dos desenhos. Combinando apenas identi- ficagio de estilos, superposigio, localizagio espacial de grafismos, foram estabelecidos nove conjuntos estlis- -0s que se sobrepéem no tempo. As trés primeiras facies fazem parte da tradicao Sao Francisco eas demais, apresentam caracter{sticas locais ou influéncias exterio- res provavelmente relacionadas com a arte rupestre encontrada no Piaul. Os primeitos artesios pintaram pequenas figuras vermelhas, biomorfos de corpo arredondado ¢ mem- bros filiformes, pares de bastonetes com cfrculos nas extremidades, sinais geométricos muito simples, co- bras finas e muito onduladas e sinais em forma de asterisco. No perfodo médio 0 conjunto definido aci- ma é marcado pela bicromia, sendo a maioria dos grafismos sinais geométricos com contorno de uma cor (especialmente o vermelho) e preenchimento interno chapado de outra cor, como amarelo. Figurasem forma 63+ ‘MADU AsPAR de “pés” humanos e peixes aparecem pintadas seguindo © mesmo principio. Mais tarde surge o conjunto deno- minado ficies Cabloco, composto de figuras mais vis- 1052s, bi ou policrémicas cobrindo amplas superficies. Foram pintadas em partes altas dos paredées que ainda nao haviam sido explorados, evidenciando respeito pelos grafismos anteriormente pintados. A fiicies seguinte, denominada Rezat, caracteriza-se pela presenga de figuras retangulares verticais muito grandes, pintadas em duas cores, sendo geralmente o interior branco ou amarelo e 0 contorno preto ou vermelho, Acompanham essas representagbes peixes e répteis pretos ou brancos e formas que lembram tridéc- tilos ou cacticeas. Mais recentes que os outros conjun- tos ¢ provavelmente contemporineas a ficies Reza, alguns sftios estampam grandes pinturas de seres vivos acompanhadas de sinais pontilhados que recobrem os grafismos anteriores e marcam uma certa ruptura com a temédtica mais tradicional. Sio figuras de uma tinica cor, geralmente preto, com varios exemplares em ama- relo ou vermelho. Representam rogas de milho, coquei: ras, tamandués, tatus, sfurios, pernaltas ¢ cobras gran- des ¢ pouco sinuosas que delimitam painé Segundo André Prous, 0 perfodo final é integrado por trés estilos distintos (A, B eC) que sio marcados por influéncias externas. O conjunto Cé formado por gravuras picoteadas de veados realizadas em paredes verticais sobre os grafismos ali previamente exi entes. +64. ‘A ARTE RUPESTRE NO BRASIL Os artesdos preparam a superficie para execugao das gravuras com uma camada de tinta vermelha, compor- tamento que materializa a violenta ruptura cultural com o passado. J4 0 conjunto B correlaciona-se com a tradigio Nordeste ¢ conta com pequenas figuras hu- manas gesticulando e alinhamentos de aves ou quadri- pedes. Sdo pequenas figuras pintadas em cor preta sobre suportes irregulares que foram desprezados pelos antigos pintores. Algumas formam cenas como grupos familiares, c6pula e pessoas em tomo de drvores. Nio hi, ainda, elementos que permitam estabelecer a suces- so cronolégica dos conjuntos mais recentes, pois estes nfo se sobrepdem entre si, tendo sido claborades em sitios ou painéis distintos. No centro mineiro a equipe de Minas Gerais tam- bém estabeleceu uma sucessio cronolégica de grafis- mos tio complexa como a do norte do estado. Nessa regiio, no periodo tardio, uma figura se destaca ¢ fornece uma clara referéncia cronolégica: trata-se de uma representagio de machado semilunar que sugere que as titimas pinturas foram feitas por grupos cera- mistas. ‘A equipe da Fundagio Museu do Homem Ame: cano, que estuda sistematicamente a pré-histéria do Piaut, especialmente a regiso de Sao Raimundo Nona- to, fornece uma interessante reconstituicéo da evolu- Gio dos grafismos. +65. MADU GASPAR Evolugio estilistica no centro de Minas Gerais. i Stan) Suanict | sunidor [eu cratr|ipsvmenal mate | caeane ont et We } Bab a we {Deserts cen een "nests, Até 1992 jd tinham sido descobertos 364 sitios com pintura e ou gravura rupestre e cadastradas cerca de 40 mil figuras feitas por grupos pré-histéricos. Anne-Ma- tie Pessis ¢ Niéde Guidon, apuiaudo-se em modelo da lingifstica, consideram que os grafismos funcionam como verdadeiros sistemas de comunicagio social e que as tradig6es de pintura e gravura poderiam ser compa- raveis a familias lingifsticas, na qual Llinguas distincas evoluem. As subtradigdes correspondem a grupos ét- niicos descendentes de uma mesma origem cultural e as diferentes manifestagSes estilistcas si0 0 resultado 6B. A ARTE RUPESTRE NO BRASIL da evolugio de uma etnia em fungio do tempo, do isolamento geogréfico e das influéncias exteriores. Na drea do Parque Nacional da Serra da Capivara foram identificadas trés tradigées de pintura e duas de gravuta, A tradigéo Nordeste foi a mais representada, caractetizando-se pela presenga de figuras humanas ¢ de animais, bem como de objetos ¢ plantas. Essas figuras compdcm agdcs que sc refercm a téenicas de subsisténcia, atividades cotidianas ¢ cerimoniais. As pesquisadoras apontam sua origem na regio sudeste do Piaut, tendo depois se difundido por todo 0 Nor- deste. Os sitios de Sao Raimundo Nonato possuem tragos préprios que caracterizam a subtradicéo Virzea Grande, cujas primeiras manifestagdes ocorreram por volta de 12 mil anos, No seu primeiro perfodo, so representagées dindmicas, de cardver individual, com temitica Itidica, que privilegia as figuras animais humanas em movimento. Tecnicamente muito rebus- cadas desde as primeiras manifestag6es, indicam que 0s pintores dominavam 0 preparo ¢ a utilizacéo das tintas elaboradas a partir do éxido de ferro, O apogeu dessa tradigio ocorreu por volta de 10 mill anos atrés e coincide com a presenga de artefatos liticos muito bem acabados. Supde-se, ainda, que nesse perfodo tenham ocorrido crescimento demogréfico, aumento da diver- sidade cultural e inicio da dispersio do grupo pelo Nordeste. n6Tia MADU GASPAR, A exolusio do primeiro perfodo ¢ marcada pela diversidade de temas representados e pelo aumento de participantes nas cenas. Assim, como sumarizam as autoras, no primeiro momento as representagées de atividades de caga comportam duas figuras, o cagador €0 animal, eas representagées sexuais tém dois parcei- tos. Jd no apogeu da tradigao, esses mesmos temas s40 fepresentados coma participagio de um maior niimero de pessoas. No perfodo final, o espontaneismo inicial € substituido pela formalizagio gréfica, ocorrendo tan- to uma geometrizagéo notével das figuras humanas ¢ de animais como tragados geoméricos que preenchem ‘5 corpos das figuras. A tematica é enriquecida com Tepresentagao de agdcs que denotam violencia: lutas, combate e execugGes A tradigdo Nordeste tem a peculiaridade de ser extremamente narrativa, com a reptesentagdo de dife- Fentes aspectos da vida cotidiana do grupo que a ela borou. As pinturas indicam que cacavam com diversos instrumentos: o veado era perseguido com tacapes, a onga era atacada utilizanclo-se propulsores e azagaias, © tatu era cagado a mio e abatido com golpes de tacape Ou pego pelo rabo. Néo existe nenhuma indicacéo de uso de arco ¢ flechas, no combate entre dois ou mais individuos: as armas utilizadas sio propulsores ¢ a7a- Saias. Foram também representados varios ornamentos relacionados com ritos € hierarquia. Sio cocares ¢ ‘mascaras que aparecem em cenas em que as pessoas esto dangando. 68. [ARTE RUPESTRE NO BRASIL As pesquisidorasidentificaram também uma evolu- io dos ritos, apesar da estrutura de representacio se repetir. Um dos exemplos estudados é« cena da ee No period inicial, hd poucas pessoas participande do rito, sendo recorrentes figuras humana isoladas mos- trando uma planta na mo ou duas figuras partthando aapresentagio do vegeral. ino periodo final, participa tum niimero maior de pessoas, havendo a preocupagio em indicar que todas pertencem 20 sexo masculino. \ , es ES OR ARES igh rticipagéo de Variagbes de cena da érvore, com a pa cada vez mais pessoas. Area de S20 Raimundo Nonato (%) Outratradisao identificada na regiéo éa Agrest, ¢ as arqucéloges também tém indicios de sua evolugio através do tempo, Composta pela representacéo de figuras humanas ¢ alguns animais, conta com um nuimero significative de “grafismos puros” — isto 6 aqueles desprovidos de tragos que permitem identifi- cé-los com uma representagio de nosso universo sen- sivel. Caracteriza-se pelo impacto visual do intenso + 69+ MADU Gaspar preenchimento das figuras com corantes vermelhos, sendo raras as cenas; as figuras sio representadas de forma estatica. E origindria da regio agreste de Pernambuco, sendo suas manifestagdes mais antigas datadas de 11 mil anos AP. Com grande dispersio em todo o Nordeste, carac- teriza-se também por ser intrusiva nos sitios onde ocorrem grafismos classificados como pertencentes & tradigao Nordeste, havendo uma certa preferéncia de seus pintores em sobrepor suas contribuigdes pictéricas as que foram feitas pelos grupos identificados como da tradigao Nordeste, No inicio, as figuras foram inseridas em painéis que jd estavam pintados sem que houvesse sobreposigao. Séo figuras humanas maiores do que as tepresentadas na tradi¢ao Nordeste, nao tio bem deli- neadas ¢ totalmente preenchidas por tinta vermelha escura. Por volta de 8.000 AP, perfodo em que jé nao ocortem mais grafismos da tradigo Nordeste, as figu- ras sio inteiramente preenchidas com ocre muito eseu- ro € 0s grafismos puros, também prescntes no primeito momento, tornam-se mais diversificados, Para explicar as mudangas detectadas na tradigg0 Agreste, as pesquisadoras trabalham com a hipétese de que grupos distintos teriam chegado a regio em dife- fentes momentos e seriam assim responséveis pelos diferentes aspectos que compéem esse conjunto de pinturas. +20 ‘A ARTE RUPESTRE NO BRASIL Nadrea de Sao Raimun- do Nonato ocorre ainda a presenga da tradigiio Geo- métrica, com grafismos pu- ros ¢ com desenhos que representa lagartos, maos ¢ pés, ainda pouco estuda- ida tua train de re Grafismos da Toca da Entrada gistros gravados também 4 paixio da Vaca (a) e da Toca compostos de grafismos da Extrema I (6 (* 3. i imbana sia seine jf enhaw able ean, certamente 0 centio ¢ o norte de Minas Gerais, bem como a regio de Sio Raimundo Nonato, no Piaut, sio os locais onde foram feitos os levantamentos mais sistematicos € onde mais se avangou no que se refere a0 estudo dos diferentes estilos ¢ de sua seqiiéncia temporal. Os pesquisadores concordam em relagio a vitios pontos, mas os resultados das suas pesquisas ndo sio totalmente coincidentes. Um dos pontos de discor- dancia refere-se & atribuicio, por parte da equipe do Piauf, de uma antighidade quase pleistocénica aos agrafismos da tradigao Nordeste, enquanto a equipe de Minas Gerais a considera uma manifestagéo mais re- cente. Hé também discordancias no que diz respeito & classificagao de alguns grafismos, como por exemplo as procissdes de antropomorfos filiformes ¢ sexuados da unidade estlistica Ballet, em Lagoa Santa. oils

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