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I Estagio: diferentes concepcoes et SS “Até um ano atrds eu tinha certeza de que estava Depoimento de Nilce a Conceigo da Sir, evs tendo uma boa formas. Agora, exou chocada com a | re nis realidade daquelas criangas, e nem sei por onde p.20). comecar. Na prdtica a teoria é outra.” | O estagio sempre foi identificado como a parte pré- tica dos cursos de formacao de profissionais, em con- traposicao & teoria. Nao € raro ouvir, a respeito dos 4 synzagio de sos por alunos que concluem seus cursos, referéncias como | isin cone “tedricos”, que a profissao se aprende “na pritica’, que) 2mecme mires certos professores € disciplinas sao por demais Meal. | Soaanmne a cos”. Que “na prética a teoria ¢ outta”. No ceme dessa | sles suunioo afirmagdo popular, esté a constataglo, no caso da for Sosovw i macdo de professores, de que 0 curso nem fundamen- | forma de especializagses. ta teoricamente a atuacao do futuro profissional nem | Ns impasse toma a pritica como referéncia para a fundamentacéo | ee tedrica. Ou seja, carece de teoria e de pritica. | Na werdade, os curticulos de formacéo tém-se cons- | PA iseemng i titufdo em um aglomerado de disciplinas isoladas — disciplinas, originando entre si, sem qualquer explicitagéo de seus nexos com | norte a realidade que thes deu origem. Assim, nem sequer nena se pode denominé-las teorias, pois sao apenas saberes ——diviniasconare Boo disciplinares em cursos de formagao, que em geral esto iar ae completamente desvinculados do campo de atuagéo Circe Bikveacout da profissional dos futuros formandos. é Colegto Doctncia em Neles, as disciplinas do curriculo assumem quase eer que total autonomia em relagéo ao campo de atuagao ‘sua organizacio paurou-se UNIVERSIDADE DE CAXIAS DO SUL 33 Biblioteca Central ~ © EStAGIO COMO CAMPO DE CONHECIMENTO / dos profissionais ¢, especialmente, ao significado social, " cultural, humano, da atuagao profissional. O que sig- nifica ser profissional? Que profissional se quer formar? Qual a contribuigao da dea na construgao da sociedade humana, de suas relagdes e de suas estruturas de poder ¢ de dominagio? Quais os nexos com 0 conhecimento cientifico produzido e em produgao? Sao questdes que muitas vezes ndo séo consideradas nos programas das disciplinas, nos contetidos, objetivos e métodos que desenvolve. Essa contraposigio entre teoria e pratica nao é mera- de poder na estrutura cucricular, atribuindo-se menor importancia a carga hordria denominada “pratica”. Nos cursos especiais de formacio de professores realizados "em convénios entre secretarias de educagio e universi- dades, observa-se essa desvalorizacao traduzida em con- tengo de despesas: af, as decisbes tém sido reduzir a carga horéria destinada ao estdgio ou transformé-lo em “estdgio a distancia’, arestado burocraticamente, dando margem a burlas. No campo da pesquisa, essa desva- lorizagao da pratica se traduz em verbas menores a pro- jetos aplicados, como no caso da educacio. Também, com freqiiéncia, se ouve que o estdgio tem de ser tedrico-pratico, ou seja, que a teoria ¢ indisso- cidvel da_pratica. Para desenvolver essa perspectiva, € necessério explicitar os conceitos de pratica e de teoria € como compreendemos a superagao da frag- mentago entre elas a partir do conceito de praxis, 0 que aponta para o desenvolvimento do estégio como uma atitude investigativa, que envolve a reflexdo e a intervengio na vida da escola, dos professores, dos alunos e da sociedade. QO estdgio como pesquisa ja se encontra presente em praticas de grupos isolados, No entanto, entendemos ESTAGIO: DIFERENTES CONCEPCOES que precisa ser assumido como horizonte ou utopia a ser conquistada no projeto dos cursos de formacao. Esta € a finalidade deste capftulo. 1. A pratica como imitagao de modelos O exercicio de qualquer profissao ¢ pratico, no sen- tido de que se trata de aprender a fazer “algo” ou “agao”. A profissao de professor também é prética. Eo modo de aprender a profissao, conforme a perspectiva da imitagao, serd a partir da observagao, imitagao, repro- dugao e, as vezes, reelaboracio dos modelos existen- tes na prética consagrados como bons. Muitas vezes nossos alunos aprendem conosco nos observando, imi- tando, mas também elaborando seu proprio modo de ser a partir da andlise crftica do nosso modo de ser. Nesse processo escolhem, separam aquilo que conside- ram adequado, acrescentam novos modos, adaptando- se aos contextos nos quais se encontram. Para isso, langam mao de suas experiéncias ¢ dos saberes que adquiriram. Em que pese a importancia dessa forma de apren- der, cla nao é suficiente e apresenta alguns limites. Nem sempre 0 aluno dispe de elementos para essa ponde- ragdo critica e apenas tenta transpor os modelos em situagdes para as quais nao sdo adequados. Por outro lado, 0 conceito de bom professor é polissémico, pas- sivel de interpretagées diferentes e mesmo divergentes. A pratica como imitagao de modelos tem sido de- nominada por alguns autores “artesanal”, caracterizan- do 0 modo tradicional da atuagao docente, ainda pre- sente em nossos dias. O pressuposto dessa concep¢ao é que a realidade do ensino é imutdvel ¢ os alunos Veja a esse cespeito 0 livro O Bom Profesor e sua Prdtica, no qual a autora, Maria Isabel Cun resultados de pesquisa ay apres que realizou com professor (Ed. Papi 1989) 1 PARTE — O ESTAGIO COMO CAMPO DE CONHECIMENTO Sobre diferentes concepsées da profissio de professor, co Pimenca ¢ Anastasio (2002, p. 178-189, Colegio Decéncia em Formagio), em que so desenvolvidos os modelos ideol6gicos de formasio. docente: tradicional (ox artesanal), técnico (ot academicista), eritico- hhermenéutico). Ver também Pimenta e Ghedin (orgs.), Profesor Refleivo no Brasit(2002). que freqiientam a escola também o sao. Idealmente concebidos, competiria & escola ensind-los, segundo a tradigo. Nao cabe, pois, considerar as transformagées hist6ricas e sociais decorrentes dos processos de demo- cratizagao do acesso, a qual trouxe para a escola novas demandas e realidades sociais, com a inclusio de alunos até entéo marginalizados do processo de escolarizagao ¢ dos processos de transformagao da sociedade, de seus valores ¢ das caracteristicas que ctiangas e jovens véo adquirindo. Ao valorizar as priticas e os ins- trumentos consagrados tradicionalmente como modelos eficientes, a escola resume seu papel a ensi- nar; se os alunos nao aprendem, o problema é deles, de suas familias, de sua cultura diversa daquela tra- dicionalmente valorizada pela escola. A formagao do professor, por sua vez, se dard pela observacao e tentativa de reprodugio dessa prética modelar: como um aptendiz que aprende o saber acu- mulado. Essa perspectiva esté ligada a uma concep¢io de professor que no valoriza sua formagao intelec- tual, reduzindo a atividade docente apenas a um fazer que sera bem-sucedido quanto mais se aproximar dos modelos observados. Por isso, gera o,conformismo, é conservadora de hdbitos, idéias, valores, comporta- mentos pessoais e sociais legitimados pela cultura insti- tucional dominante. O estagio entio, nessa perspectiva, reduz-se a ob- servar os professores em aula ¢ imitar esses modelos, sem proceder a uma andlise critica fundamentada teo- ricamente e legitimada na realidade social em que o en- sino se processa. Assim, a observacao se limita & sala de aula, sem andlise do contexto escolar, e espera-se do estagidtio a elaboracao ¢ execugio de “aulas-modelo EstAGIo: DIFERENTES CONCERCOES 2. A pratica como instrumentalizagao técnica O exercicio de qualquer profissio é técnico, no sentido de que € necessdria a utilizacio de técnicas para executar as operagées ¢ ages prdprias. Assim, o médico, o dentista necessitam desenvolver habilida- des especificas para operar os instrumentos préprios de seu fazer. O professor também. No entanto, as habi- lidades nao sao suficientes para a resolugio dos pro- blemas com os quais se defrontam, uma vez que a reducfo as técnicas nao dé conta do conhecimento cientifico nem da complexidade das situagées do exer- cicio desses profissionais. Nessa perspectiva, 0 profis- sional fica reduzido ao “pratico”: nad necessita domi- nar os conhecimentos cientficos, mas tio-somente as rotinas de intervengao técnica deles derivadas. Essa compreenséo tem sido tradurida, muicas vezes, em posturas dicotémicas em que teoria € pritica s40 tratadas isoladamente, 0 que gera equivocos graves nos processos de formaso profissional. A prética pela pritica e o emprego de téchicas sem a devida reflexdo podem reforcar a ilusio de que hd uma pratica sem teo- ria ou de uma teoria desvinculada da pritica. Tanto que freqiientemente os alunos afirmam que “na minha pratica a teoria & outra”. Ou pode-se ver em painéis de propaganda: “A Faculdade onde a pritica nao é ape- fas teoria”, ou ainda o addgio, que se tornou popular, de que “quem sabe faz; quem nao sabe ensina”. Nessa perspectiva, a atividade de estégio fica redu- zida & hora da prdtica, ao “como fazer”, ds técnicas a ser empregadas em sala de aula, a0 desenvolvimento de habilidades especificas do manejo de classe, ao preenchimento de fichas de obsetvagio, diagramas, fluxogramas.

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