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| | ENUNCIAÇÃO
| E PRAGMÁTICA
HERMAN PARRET eds
memso
” ENUNCIAÇÃO E
PRAGMÁTICA
Tradução:
Eni Pulcinelli Orlandi
Marco Antônio Escobar
Maria Augusta Babo
Paulo Otoni
Raquel Salek Fiad
Rodolfo lIlari
EDITORA DA
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS
UNICAMP
E A Parret, Herman
Ra dR Enunciação e pragmática / Herman Parret;
tradução Eni Pulcinelli Orlandi ... (etal.)--
TEC f| Campinas: Editorada UNICAMP, 1988.
| (Coleção Repertórios)
1. Pragmática — Lingúística.
Filosofia. 1. Título.
2. Pragmática —
SUMÁRIO
19. CDD — 412
- 144,3
ISBN 85-268-0118-X
Heman Parret
O OBJETIVO E O DOMÍNIO
DA PRAGMÁTICA
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pretação”” de contextos. Portanto, a acessibilidade das condições conhecimento de estratégias de
o conhecimento “formal' é um
de verdade/falsidade deve ser posta no coração da teoria. O fato A interpretação, na verdade, baseia-se no conheci-
justificação.
é que dizer que uma expressão é verdadeira se, e somente se, há
mento por parte de quem compreende de estratégias de justifica-
um contextó para ela é dizer que, para toda expressão E, E é
ção compartilhadas no interior de uma comunidade 12. O que se
verdadeira se, e somente se, há um contexto que proporciona
exige para a compreensão não é um conhecimento mútuo, mas
uma justificação conclusiva para assertar E. Portanto, a raiz da um conhecimento comum. O conhecimento comum é um conhe-
controvérsia concerne à primazia, na teoria da compreensão, da
cimento que é compartilhado, ao passo que o conhecimento
possibilidade de conhecimento (Knowability) ou acessibilidade
mútuo é um conhecimento não só compartilhado, mas que se sa-
dos contextos. O conhecimento suposto habilita aquele que be ser compartilhado, e que se sabe que se sabe ser compartilha-
compreende a interpretar contextos ou, em outras palavras, a re- do, e assim por diante (Sperber e Wilson, 1982:61-2). Portanto,
conhecer indivíduos, estados e eventos como os contextos para a exigência de conhecimento mútuo nos leva à bem esmtinesas
uma expressão — portanto o conhecimento suposto não pode regressão ao infinito (“Sei que você sabe que eu sei etc.””). To-
existir senão na prática da interpretação. Compreender E, então, davia, para compreender a significância de fragmentos de língua
É ter acesso à verdade de E — o conhecimento de que compreen- não é preciso conhecer um conjunto finito de proposições, mas é
der sofre determinações por parte da possibilidade de conheci-
preciso compartilhar estratégias comuns — seu caráter comum
mento da condição de verdade de E. Na verdade, o problema da não implica nem em abertura, nem em conhecimento mútuo.
relevância do contexto para o valor de verdade de uma expres-
são tem sido desesperadamente negligenciado pelas explicações
realista e neo-realista da compreensão. 4. O princípio de relevância e o princípio de cooperação
Uma outra especificação diz respeito à natureza do conhe-
cimento que aqueles que compreendem têm quando se diz que Surge, novamente, a necessidade de dispor de critérios pa-
eles “têm acesso”, durante o processo de interpretação, aos ra a identidade de “perspectivas” sobre a significância, € para o
contextos justificatórios. Aqui, faço uma distinção entre conhe- caráter comum das estratégias “conhecidas”. Na realidade, º
cimento “substancial” e conhecimento “formal”. O conhecimento perspectivismo não se baseia na noção epistêmica de conheci-
“substancial” consiste no conhecimento de conteúdos, ao passo mento, e pois num conhecimento proposicional ou substancial —
que o conhecimento “formal” consiste no” conhecimento de es- antes é o modo pelo qual a compreensão-como-uma-prática (e
tratégias. Poder-se-ia dizer que, para pessoas que compreendem não como um estado mental, como Wittgenstein afirmou com ra-
com acesso ao contexto justificatório, conhecer significa que zão) contextualiza fragmentos de discurso. Isto, também, explica
elas compartilham crenças de fundo ou básicas com as pessoas porque critiquei anteriormente a idéia de tentar fundamentar o
no interior da comunidade. Isto seria conhecimento substancial, conceito de caráter comum na cooperação entre os membros de
ou conhecimento de contextos com uma coloração semântica e uma comunidade. O que governa as estratégias de compreensão
“um caráter informacional particular. Todavia, esta não é a ma- não é o princípio de cooperação, mas o princípio de relevância.
neira como uma teoria da compreensão funciona, e eu sustento A orientação polemológica de nossa noção de estratégia exclui a
que o papel das crenças (crenças de fundo, básicas e mútuas) cooperação (ou coordenação) como o a priori que nos habilita a
tem sido perigosamente exagerado nas discussões atuais sobre a compreender perspectivamente. Para compreender perspectiva-
natureza da compreensão. O conhecimento não é necessaria- mente, isto é, para compreender uma estratégia comunitária é su-
mente afetado por conteúdos específicos. Em contraste com ficiente admitir como nosso a priori mais formal que “o falante
isso,
tenta expressar fragmentos de discurso que são os mais relevan- estruturas psicológicas coordenadas entre os membros da comu-
tes possível para o ouvinte” (Sperber e Wilson, 1982: 75). A nidade (de fato, uma estrutura psicológica é a intersecção de
vantagem da relevância — em oposição à cooperação, coordena- componentes judicativo e volitivo). No primeiro caso, a ontolo-
ção, caridade, humanidade — é que o discurso, em sua compre- gia e a gramática agem como critérios definitivos de identidade,
ensão, pode ainda ser ao mesmo tempo relevante e opaco. Opa- no segundo caso a psicologia. Em verdade, o conhecimento
cidades essenciais 13, como a retórica argumentativa e persuasi- mútuo da significância implicada pressupõe uma estrutura psi-
va das expressões metafóricas, a manipulação e a sedução, são cológica idêntica, não só de conteúdos epistêmicos, mas também
ainda relevantes para quem compreende, e tomadas como rele- de motivos volitivos. Este não pode ser o modo como os mem-
vantes pelo falante (ou melhor, como é uma noção normativa, O bros de uma comunidade linguística entendem uns aos outros
falante visa à relevância). Estritamente falando, o que toma a estrategicamente. A identificação absoluta da significância não
comunicação possível é que o falante e aquele que compreende pode sequer ser alcançada; e além disso não é sequer necessária.
têm em comum o conhecimento estratégico da relevância como Uma identificação “razoável” é tudo de que se precisa. Uma
uma norma. teoria da compreensão não precisa de noções absolutas nem de
fundamentos absolutos — ao contrário, noções como perspecti-
Há, em verdade, dois problemas principais com as teorias vismo, relevância e estratégia determinam o caráter comum mais
griceanas do sentido (e da compreensão do discurso), e com a adequadamente do que o conhecimento mútuo, a cooperação ou
pragmática nelas baseada. Ambas as dificuldades referem-se aos
a abertura. A significância relevante e a compreensão perspecti-
critérios de identidade da significância-enquanto-compreendida,
va se correlacionam reciprocamente — sugerem que uma estraté-
e com sua fundamentação. Em primeiro lugar, o ponto de partida
gia é questão de grau, ou, para voltar a Wittgenstein, é um con-
de Grice é a distinção entre aquilo que é dito e aquilo que é im-
ceito baseado em semelhança de família. Há graus de relevância
Plicado (ou passado a título de implicatura). As estratégias de
porque as estratégias de compreensão não podem visar a mais do
compreensão daquilo que é transmitido a título de implicatura
são parasitárias em relação “àquilo que é dito”. Aquilo que é que “perspectivas” da significância. O caráter comum consiste
dito é aquilo que é verdadeiro ou falso, e aquilo que “está es- precisamente na generalidade, no interior de uma comunidade
treitamente relacionado ao sentido convencional das palavras linguística, de uma norma nunca completamente realizável, nun-
(da sentença
ca completamente transparente. Os usuários da língua compar-
que o falante) enuncia”' (Grice, 1975: 44). A auto-
tilham (o conhecimento) desta norma sem necessariamente com-
nomia daquilo que é dito assenta na base estável das condições
partilharem fragmentos de conhecimento substancial.
de verdade e do sentido convencional. A reconstrução da signi-
ficatividade implica (digamos: o conjunto das implicaturas con-
versacionais) no caso da compreensão estratégica é estreita- S. A pirâmide de estratégias
mente dependente do núcleo estável das condições de verdade e
das convenções (gramaticais e lexicológicas). A identidade da- Recentemente, Sperber e Wilson mostraram de maneira
quilo que é implicado sofre constrições diretas por parte daquilo convincente que um princípio geral de relevância é uma alterna-
que é dito. O caráter comum tem uma base absoluta na ontologia tiva adequada em lingúística empírica à hipótese de um princípio
dos referentes (condições de verdade) bem como nos sentidos de cooperação de Grice (Sperber e Wilson, 1982). O que é real-
convencionais. Em segundo lugar, a parte suplementar — aquilo mente interessante nessa alternativa é que seu quadro teórico se
que é implicado — tem um fundamento não só no núcleo — aquilo coaduna perfeitamente com as intuições que eu quis expor.
que é dito — mas também em si mesma: a cooperação pressupõe Compreender envolve inferências e não só pela aplicação das
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da lógica standard (com seu feedback ontológico), condição ilocucionária contextualiza as intenções acionais. A
“regras”
pois tais inferências não poderiam de modo algum ser feitas se o compreensão perspectiva pode ainda necessitar do tipo de con-
contexto do fragmento de língua estivesse faltando. Para usar textualização mais fundamental — a base da pirâmide — a saber, o
caráter comunitário como um valor com suas máximas deriva-
a terminologia de Sperber e Wilson, poder-se-ia dizer que as es-
tratégias de compreensão são, de fato, implicações contextuais, das. Uma gramática profunda (wittgensteiniana) nada mais é do
ou, para cunhar uma expressão, proceduras de contextualização. que uma reconstrução da pirâmide das estratégias de compreen-
são. Uma pragmática sistemática e integrada deve considerar o
Contudo, nenhum contexto está fixado de antemão. O progredir
da compreensão perspectiva é “'uma busca do contexto que tor- funcionamento da língua condizente com uma concepção epis-
temologicamente coerente desta pirâmide de estratégias.
nará a interpretação possível. Em outras palavras, a determina-
ção do contexto não é um pré-requisito do processo de compre-
ensão, mas uma parte dele” (Sperber e Wilson, 1982: 76). O
Tradução: Rodolfo Ilari
contexto inicial é o co-texto, a estrutura convencional do frag-
mento de língua, e cada expressão do contexto cria novas possi-
bilidades de derivar implicações contextuais. Um tipo de expan-
são inclui todos os referentes possíveis dos fragmentos de lín-
gua, um outro as específicas condições intencionais do ato de
fala.
Fica além dos limites deste artigo apresentar uma tipologia
completa das contextualizações (veja-se Parret, 1980c: espe-
cialmente 76:92), ou a tipologia das estratégias que é seu corre-
lato (Parret, 1980b e 1980d; uma apresentação mais detalhada
da malha hierarquizada de estratégias é dada em Parret, a sair,
cap. 3). Uma observação final deve ser acrescentada para evitar
equívocos, mesmo neste nível de generalidade metapragmática.
A relevância não pode ser monolítica: os tipos de relevância,
exatamente como os tipos de estratégias, são organizados hie-
rarquicamente. A relevância é piramidal: gera piramidalmente
contextualizações, e portanto permite a compreensão perspectiva
de maneira progressiva € hierarquizada. As estratégias de com-
preensão são estruturadas como pirâmides — aipecratpanaatos
poder-se-ia usar a imagem do iceberg. No alto, estão as re-
gras” gramaticai s, que formam a parte observáve l (empírica) do
iceberg, permitindo-nos compreender o fragmento de língua em
seu co-texto (incluindo as relações dêiticas e anafóricas). Descer
estrategicamente para a base da pirâmide, contextualizando mais
largamente e mais “a fundo” faz-nos passar por dois veis
pirâmide: a função proposicional contextualiza o referente; a
Notas
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James queria tirar é, simplesmente, que não há nada de profundo municativo e intersubjetivo, como “esta mesa é branca”, podem
a dizer no que se refere à verdade: a verdade não tem essência. ser igualmente aplicadas aos fragmentos discursivos maiores e
E, mais especificamente, nada de pertinente se acrescenta quan- mais complexos, e no entanto mais comuns na nossa linguagem
do quotidiano. É uma dicotomização inaceitável considerar que
do se diz que “a verdade é correspondência com a realidade”.
a primeira classe de asserções depende da racionalidade verídi-
Com efeito é-se levado a comparar fragmentos de linguagem
ca, ao passo que a segunda classe depende da paixão, do gosto e
com fragmentos do mundo, e a proclamar '*verdadeiras” as frases
que têm estruturas internas isomorfas às relações entre os obje- da vontade. O questionamento da noção de verdade enquanto
tos ou entre os estados de coisas e o mundo. Não se torna muito correspondência e representação é portanto ao mesmo tempo
difícil ver frases categoriais como imagens do mundo, e reunir uma acusação de certas distinções clássicas como entre a razão e
o desejo, a racionalidade e o gosto, a razão e a verdade. Acres-
essas imagens num mapa do mundo. Este exercício torna-se evi-
cento uma última marca importante a este esboço pragmatista da
dentemente mais difícil quando nos deparamos com tipos de fra-
ses mais complexas, como, por exemplo, frases hipotéticas, ne- verdade. É que o predicado “verdadeiro” não é nesta concepção
gativas e/ou universais, mas esta complicação não é uma difi- objeto de limitações impostas pela natureza dos objetos, do espí-
culdade para James. Os pragmatistas afirmam-nos que o que po- rito ou da linguagem, mas apenas condicionamentos impostos
de ser dito utilmente da verdade, está mais no vocabulário da dialogicamente e conversacionalmente pela comunidade de co-
prática do que no da teoria, mais no da ação do que no da refle- municação. Não é portanto a visão mental, a linguagem ideal, a
xão e da contemplação. Isto torna-se ainda mais imperioso ontologia transparente que nos introduz na verdade, mas o diá-
quando já nos não confrontamos com frases isoladas mas com logo e a interação entre membros da comunidade. James prefere
textos, discursos, teorias: em vez de se utilizarem então catego- falar da lealdade entre seres humanos, e afirmando que ““o cami-
rias como imagem, símbolo ou metáfora isomorfa, falar-se-á an- nho da serpente se encontra por todo o lado”, relembra-nos que
tes de utilidade, de aceitabilidade, de adequação por fim, con- a nossa glória verídica está na nossa participação em projetos
falíveis e transitórios, portanto humanos, e não na obediência a
soante os casos. A decisão de assertar frases ditas 'verdadeiras”
faz parte de um conjunto de decisões que dizem respeito ao dis- condicionamentos permanentes da parte do ontológico, do men-
curso a fazer, ao projeto em que nos comprometemos, à vida que tal, do linguístico. Como escreve Rorty, “os pragmatistas consi-
se quer viver. Por isso, o adágio de James (''o verdadeiro, é deram que a tradição platônica sobreviveu à sua utilidade. Isso
aquilo que é bom para a crença”) significa de fato que o discur- não significa que possuam um novo conjunto, não-platônico, de
so prático e o discurso da prática é inevitável, e que assim qual- respostas a propor às questões platônicas, mas que não acredi-
tam na necessidade de continuar, seja de que forma for, a colo-
quer discurso dito teórico ou contemplativo não é isolável da re-
car essas questões.
flexão moral e da necessidade antropológica. O pragmatismo ca-
racteriza-se com efeito pelo fato de nenhuma diferença episte- Quando sugerem que não colocávamos questões sobre a
* mológica ser admitida entre a verdade do que deveria ser e a natureza da Verdade..., não invocam uma teoria sobre a natureza
verdade do que é, nenhuma diferença metafísica entre fato e da realidade, do conhecimento ou do homem, que diz que não
valor, nenhuma distinção metodológica entre ciência e morali- há nada como a Verdade. Não têm uma teoria 'relativista' ou
dade. A grande ilusão da tradição realista consiste em crer que 'subjetivista” da Verdade. Gostariam simplesmente de mudar de
as metáforas de correspondência, de representação, de quadro assunto” (Rorty, Bouveresse).
do mundo, de imagem, as quais podem eventualmente ser apli- Mas é sem dúvida aqui que os pragmatistas se confrontam
cadas a asserções de rotina, padronizadas e de pouco valor co- com um dilema. Para os pragmatistas a melhor esperança para a
filosofia consiste em não praticar a filosofia. Refletir sobre a
a possibilidade de verificação de uma proposição não é senão
Verdade não ajuda a dizer coisas verdadeiras, refletir sobre o uma forma particular da questão 'como entende você isto?””. A
bem não ajuda a agir corretamente e refletir sobre a racionalida- resposta é uma contribuição à gramática da proposição”.
de não ajuda a ser racional (Rorty). O pragmatismo, ao conside-
rar a filosofia como um jogo, abre para a cultura pós-filosófica Mas esta marcha para a antropologização da verdade pode
em que, diz-nos Rorty, “'nem os padres, nem os físicos, nem os fazer-se ainda por outro caminho. Em lugar de dissolver a teoria
poetas, nem o Partido seriam considerados como mais “racio- proposicional da verdade numa teoria do sentido proposicional
nais”, mais “científicos” ou mais “profundos” uns do que os ou- e, em suma, numa teoria da compreensão, como é o caso em
tros”. Algumas marcas deste radicalismo pragmatista encontram- . Wittgenstein, poderíamos voltar-nos para as condições de pro-
se, claramente, em Wittgenstein: a idéia do discurso filosófico dução da verdade, para a fonte do dizer-verdadeiro e portanto
como um jogo de linguagem entre outros, a idéia de que o ques- para a estrutura da verificação. Devemos, em primeiro lugar,
tionamento acerca da verdade, da racionalidade, constitui preci- começar por pôr em relevo dois aspectos desta nova perspectiva.
samente a doença da filosofia. Mas o descentramento wittgens-
A veridicção não marca o enunciado ou a proposição a não ser
teiniano É mais estratégico do que negativo, e é assim que a
na medida em que a enunciação está nela onipresente. Qualquer
questão da verdade ressurge sob uma outra forma, a do princípio
teoria da linguagem que exclua do seu domínio de análise os fe-
de verificação. É que a verdade e a falsidade já não são vistas nômenos de enunciação, marcados no discurso ou por ele pres-
como valores autônomos, quase-platônicos: são sempre proposi-
supostos, não terá qualquer impacto sobre a veridicção. O enun-
cionais e significativos. Wittgenstein escreve em Philosophiche ciado verídico não é senão o efeito de uma enunciação veridic-
Bemerkungen: “a verificação não é um índice, mas o sentido da
tória. É assim que a pragmática acentua a veridicção como a
proposição”(Rorty). O sentido de uma proposição é o seu méto-
função enunciativa primordial do discurso. Se a maior parte dos
do de verificação. Wittgenstein aplica esta concepção verifica-
lógicos e dos lingúistas não nutrem qualquer interesse pela veri-
cionista na significação, primeiro aos enunciados matemáticos,
dicção, é pelo fato de a enunciação ser rejeitada, enquanto fe-
mas o princípio de verificação desempenha muito rapidamente
nômeno de pura performance, fora do domínio recuperável, a
um papel central para qualquer tipo de enunciado: uma proposi-
língua” saussuriana, a “competência” chomskyana, o conjunto
ção dotada de sentido não é unicamente uma proposição da qual
das proposições com valor de verdade, decidível. O outro as-
nós podemos avaliar a verdade ou a falsidade; devemos igual- pecto do conceito pertinente de veridicção é constituído pelo
mente poder encarar as circunstâncias precisas em que ela deve-
fato de o discurso não ser considerado significativo a não ser na
ria ser considerada como verdadeira ou falsa. É assim que a
e pela comunidade comunicativa ou enunciativa. O dizer-verda-
maior parte das proposições da linguagem quotidiana apresenta deiro que é a veridicção não existe enquanto ato solipsista mas
a particularidade de admitir uma pluralidade indefinida de méto-
através de uma sanção que emana da comunidade intersubjeti-
dos de verificaçãoe portanto de significações, é assim que elas
vante. Não há veridicção fora da contratualidade que consagra O
são ambíguas e polissêmicas.
caráter de qualquer enunciado. A veridicção repousa sobre tran-
Apesar de o elo entre o sentido proposicional e a verifica- sações epistêmicas: o dizer-verdadeiro é um fazer-crer, sancio-
bilidade ser intrínseco, a questão da verificação transforma-se na nado por parte do enunciatário, por um crer-verdadeiro. A trans-
questão-chave colocada por Wittgenstein nos parágrafos centrais ferência da verdade, função primária do discurso, é opacificada
das Investigações Filosóficas, a da natureza da compreensão. por sobre-determinações epistêmicas que são essencialmente
Cito o parágrafo 353: “A questão relacionada com a natureza e dialógicas, conversacionais ou interacionais. Não há veridicção
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fora da enunciação, não há enunciação fora da comunidade fica a idéia ingênua, que se encontra muitas vezes em filosofia
enunciativa. analítica, segundo a qual o discurso cola-se às coisas ou a lin-
A objeção naturalmente formulada é a que faz apelo à car- guagem exprime as coisas, como uma “escrita branca” segundo
ga referencial do discurso, sendo o referente a função de verda- a expressão de Barthes. O ponto de vista “continental”, pelo
de de qualquer enunciado com valor de verdade. É, no entanto, contrário, considera antes a linguagem como um écran falseador
a partir da questão do referente que eu defendo incoativamente a destinado a esconder uma realidade e uma verdade subjacente.
pertinência da noção de veridicção. A referência é uma relação Eincarando-se o sujeito de enunciação não como aquele que é
orientada para o mundo real, os seus objetos, as suas qualidades, suposto tentar produzir um discurso verdadeiro, mas antes um
as suas ações e acontecimentos. Sabe-se que determinadas cate- discurso que produza o efeito de sentido “verdade”. O que equi-
gorias gramaticais, dentre as mais importantes, que certas rela- vale a insistir ainda no caráter manipulatório de qualquer comu-
ções lógicas não têm referente fixo, remetendo, como é o caso nicação. A veridicção ou o dizer-verdadeiro é antes um fazer-
dos dêiticos, a cada vez para objetos diferentes. Enfraquece-se parecer-verdadeiro, portanto a construção de um discurso cuja
ainda a generalidade e a univocidade da função referencial do função não pode ser o dizer-verdadeiro mas o parecer-verdadei-
discurso notando que o contexto discursivo pode tornar-se o lu- ro. “Este parecer já não visa à adequação ao referente””, escreve
gar de referência do discurso, ou que os referentes são consti- Cireimas, “mas à adesão por parte do destinatário a que ele se
tuídos por coisas enquanto objetos nomeados ou pelo menos dirige, e tenta ser lido como verdadeiro por este último. Por seu
nomeáveis. Além disso, reconhece-se, em análise do discurso, lado, a adesão do destinatário só pode ser adquirida se corres-
que qualquer discurso constrói o seu próprio referente interno e ponder à sua expectativa, o que equivale a dizer que a constru-
dá-se assim um nível discursivo referencial. Para além do mais, ção do simulacro de verdade é fortemente condicionada pela re-
interessar-se pelo discurso enquanto dinâmica de produção, im- presentação (dos valores) que o destinador, que é sempre autor
plica que deixemos de nos interessar pelo referente dado a prio- da manipulação, manipula”(Du Sens II). A camuflagem mais
ri para nos interessarmos pela referencialização, processo que sutil exercida pelo destinador — do discurso científico, em parti-
gera a ilusão referencial ou o efeito de sentido “realidade” e cular — consiste no fato de ele procurar fazer parecer o seu dis-
“verdade”. É interessante constatar que a debreagem do sujeito curso não como sendo o discurso de um sujeito, mas como O
no seu discurso, o processo através do qual o sujeito se ausenta enunciado das relações necessárias entre as coisas, apagando as-
do discurso usando estratégias específicas (prototipicamente, no sim as marcas da enunciação. O Eu é eliminado por construções
discurso científico) favorece a referencialização do enunciado e impessoais como É verdade que ou socializado pela instalação
aumenta o grau de ilusão referencial. Se o 'verdadeiro' é um do Se e do Nós. Um enunciado tal como A terra gira à volta do
efeito de sentido do discurso, sendo fruto das operações da veri- sol (ou É verdade que... ) esconde o suporte enunciativo Eu di-
dicção, qualquer relação com o dito referente externo é excluí- so que... Eu acho que..., Eu tenho a certeza que...
da. É assim que a idéia, enraizada na nossa metafísica, da ver- A troca comunicativa apresenta-se assim como a dialética
dade em termos de correspondência pressupondo a exterioriza- de um fazer persuasivo e de um fazer interpretativo. Sempre que
ção do referente na sua independência é radicalmente transcen- a verdade é objeto de comunicação, há persuasão de um lado e
dida uma vez que se admite a pertinência teórica do conceito de verdade fiduciária do outro. Acrescento um último elemento a
veridicção. este dossiê que diz respeito ao alcance da veridicção. É que, se
Esta posição parecerá profundamente pessimista. É verda- toda a comunicação assenta-se num contrato fiduciário, tornar-
de que a aceitação do alcance subversivo da veridicção desmisti- se-á difícil distinguir entre verdade e certeza, entre saber e crer,
entre saber-verdadeiro e crer-certo. Na perspectiva da veridic-
ção, os juízos epistêmicos são de longe mais importantes do que
os juízos aléticos. A certeza, sanção suprema a que se submete o
discurso verídico, é relativa e gradual, e portanto extremamente
frágil. Que qualquer proposição seja uma proposição de contrato
entre um pólo persuasivo e um pólo interpretativo dá lugar a.
muitas manipulações no campo do saber. É assim que a proposi-
ção formulada pelo enunciador repousa sobre uma base epistê-
mica que vai da afirmação à dúvida e da refutação à admissão:
dezenas de verbos, tais como conjecturar, pretender, supor, ad- |
mitir, suspeitar, são disso testemunhos. Mas o ato epistêmico do
enunciado é uma solicitação de consenso. Convencer, para-si-
nônimo de persuadir, significa segundo o dicionário: “levar al-
guém a reconhecer a verdade de uma proposição”. Reconhecer a
verdade é ““admitir como verdadeiro (aceitar) depois
gado ou duvidado, ou apesar das reticências”. O ato epistêmico
de ter ne-
PARTE II
é uma transformação para um estado de crença, a interpretação é
reconhecimento e identificação por controle de adequação do
novo e do desconhecido ao antigo e ao conhecido, e, mais ain-
da, ela é sobredeterminada por modalizações epistêmicas como à
crença e a (in)certeza.
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“epistêmicas” e ““deônticas”: ao quadrado “ontológico”” do nes, “sintáticas” — no sentido semiótico ou semiolingúístico — de
extensão variada, mas igualmente em mundos que se apresentam
cessário, do impossível, do possível e do contingente correspon-|
dem o quadrado epistêmico do certo (ou do estabelecido), do como zonas de conotação cada vez mais englobantes. Estou in-
excluído, do plausível e do contestável, e o quadrado deôntico: teressado aqui, sobretudo, não na validade nem na hierarquia
do obrigatório, do proibido, do permitido e do facultativo. Re-. das definições propostas, mas no isomorfismo destes quatro ti-
velou-se possível ancorar os sistemas das modalidades epistêmi-| pos de modalidade: há imbricações e exclusões, os diferentes
cas e deônticas em uma lógica extensional, o que não é o caso níveis podem se manifestar reciprocamente, mas, como se verá,
da recente ampliação que constitui a terceira abordagem das os deslocamentos entre as modalidades lexicalizadas, as modali-
modalidades, em que não se trata mais das chamadas atitudes | dades proposicionais (aléticas, epistêmicas, deônticas), as mo-
proposicionais, mas de atitudes (ou de atos) ilocutórias. O ato dalidades ilocucionárias e as modalidades axiológicas resistem a
proposicional é um ato de referência e de predicação, e, pois,. uma síntese muito prematura e excessivamente redutora.
dominado por restrições ontológicas e epistemológicas, en- Abordar-se-á aqui o domínio das modalidades do ponto de
quanto que o ato ilocutório é constitutivo de uma certa realidade vista de uma pragmática lingiiística, com a consciência da parti-
e, além disso, motivado pelo jogo da produção e do reconheci-| cularidade metodológica desta perspectiva. Como pragmática,
mento das intenções, não insondáveis e escondidas mas classifi- esta abordagem se distingue de qualquer semântica das modali-
cáveis e “convencionalizadas”. É por isso que se diz, nesta ter- dades. O objeto construído em pragmática é o fragmento lin-
ceira perspectiva, que a fórmula performativa é um operador gliístico em seu contexto. Não o contexto referencial, que diz
modal que domina e modifica globalmente o conteúdo semântico respeito ao mundo real ou aos mundos possíveis de estados de
do enunciado. É claro que nenhuma teoria dos atos de lingua- | coisas. Sabe-se que uma lógica extensional é baseada em uma
gem considera o conjunto das modalidades ilocucionárias como teoria referencial da significação lingiiística, e é neste sentido
infinito, e a tipologia se faz a partir da especificidade das regras que Quine se opõe a qualquer recuperação das modalidades e
que governam a atitude ilocucionária em questão, e a partir das, das atitudes proposicionais em uma semântica formal: o nó gór-
convenções linguísticas dos enunciados e das convenções extra- dio do objeto semântico não é outro senão o contexto referencial
linguísticas nas situações enunciativas. Mas uma quarta figura. dos enunciados, e os céticos, como Quine, condenam todo con-
das modalidades pode ser superposta às outras três. Esta abor- texto referencial modalizado que não seja substituível por um
dagem, que gostaria de qualificar de axiológica, é marcada por, contexto quantificado equivalente. Os semanticistas da referên-
características formais facilmente reconhecíveis: a canonicidade, | cia e da quantidade limitam-se deliberadamente a aceitar de bom '
se posso utilizar esta palavra, e a expansão. O sistema das mos grado o que se poderia chamar “as cadeias da necessidade”. É
dalidades é canônico já que é semanticamente elementar e pura- | desnecessário dizer que a lógica das atitudes proposicionais
mente dedutivo; a sequência e a implicação das modalidades são | (Hintikka) e a lógica dos mundos possíveis (Kripke), embora
governadas por uma lógica profunda cuja única garantia é sua| condenadas por Quine como essencialismo, pressupõem, tam-
própria coerência. Mas este sistema de modalidades é, ao mesmo | bém elas, uma teoria referencial da significação, formalizando
tempo, capaz de uma expansão sem limites sobre o duplo eixo os critérios dos valores de verdade de proposições modalizadas.
do discurso e das esferas '*naturais” ou “culturais” cada vez Esta lógica ampliada não propõe, pois, ainda, uma estratégia
mais englobantes. Reconhece-se aqui, certamente, a topologia pragmática, uma vez que o objeto da pragmática é o fragmento
actancial, a gramática narrativa, a semiótica do mundo natural linguístico em sua dependência do contexto ““accional”, do
em que os valores modais se encarnam não só nas unidades, contexto da enunciação, composto, pelo menos, pelos três com-
81
ponentes constitutivos deste tipo de contextualidade: a prod eventualmente efetuadas pelas estratégias pragmáticas.
intencional de um fragmento lingiiístico pelo locutor, a recepçã
Esta pragmática lingiiística das modalidades não pode ser
e o reconhecimento da intenção ou do conjunto das intençõe
senão uma pragmática profunda. Não é senão como pragmática
pelo destinatário, o suporte situacional de tempo e espaço d ste
profunda que ela estará em condições de formular as regras de
processo “accional”. Não se trata aqui de um domínio irrecupes
correspondência (das transformações) ligando assim as figuras
rável — como pensa boa parte dos semanticistas da ortodoxi
variadas das modalidades e suas encarnações sintáticas ou mor-
extencionalista — e queria justamente sugerir, em relação aos dis
fológicas. Somente por mecanismos transformacionais é que se
ferentes tipos de modalidades, alguns pontos de referência in
pode coordenar a distribuição dos quantificadores e a das moda-
cialmente sistemáticos que tenham um certo poder descritivo &
lidades proposicionais, ou que se pode tematizar a correlação
explicativo da contextualidade comunicativa, conversacional, €,
parcial entre os termos modais e a oposição alética de certas
no limite, intencional dos enunciados modalizados.
classes de modalidades ilocucionárias, ou ainda estudar a equi-
A abordagem proposta aqui é a de uma pragmática lir valência ou a não-equivalência das lexicalizações modais e das
giística, o que constitui um segundo estreitamento da perspecti modalidades proposicionais. Esta gramática profunda deve, além
va. Existe uma pragmática lógica, que formaliza ao extremo é disso, ser semanticamente orientada: uma estrutura profunda
noção de contexto e seus três componentes (em particular Mons sintática, como em gramática transformacional do tipo choms-
tague), mas o que aí se denomina pragmática não é, no final das kyano, não produzirá nenhum impacto sobre a organização
contas, senão uma semântica indexicalizada cujo aparelho for- complexa das significações modais. Uma gramática profunda e
mal só se revela capaz da recuperação dos três componente semanticamente orientada, que se quer ao mesmo tempo uma
pragmáticos sob a forma de pontos de referência. Quer dizer, os pragmática lingúística, deveria estar em condições de gerar as
índices do locutor, do ouvinte e do tempo-espaço são aí tratados modalidades e sua dependência do contexto ““accional” corres-
como argumento, não tendo outro estatuto que as variáveis e as pondente. É necessário reconhecer que esta pragmática lingiifs-
constantes que são os nomes-objeto. O contexto ““accional” É tica começa a existir: não há nenhum método incontestado, e os
reduzido então ao contexto referencial, e a pragmática é somente resultados são ínfimos, sobretudo no domínio das modalidades,
”
um ramo da semântica, apenas mais específico. O estudo dai peça de resistência para toda lingiiística, desde sempre. Alguns
modalidades, no quadro da pragmática lógica, está, aliás, mai passos foram dados no que se chama comumente “semântica ge-
próximo do tratamento proposto na lógica das atitudes proposi rativa”, que pretende ser, afinal de contas, uma pragmática lin-
cionais e dos mundos possíveis do que da análise projetada em giística. São estes poucos passos tímidos que serão explorados
pragmática lingiiística. Se se coloca em evidência, por outro agora, apresentando numa primeira parte algum material empíri-
do, a faculdade da expansão que é característica da abordagem co, construindo numa segunda parte a estrutura complexa de di-
axiológica, se está em condições de considerar a semiolingiifsti- ferentes eixos segundo os quais o campo das modalidades se or-
ca como uma pragmática: contextos ““accionais”” cada vez mais ganiza, e formulando alguns problemas gerais de ordem meto-
amplos são conotados e construídos como manifestações da es- dológica, como aquele do isomorfismo das isotopias modais, à
trutura elementar e canônica. Mas uma pragmática lingliística se guisa de conclusão.
distingue da assim chamada “pragmática semiolingiística” na
medida em que ela não dispõe deste poder de expansão, sendo I
uma forma analítica de fragmentos lingiiísticos, o que impõe
uma severa restrição sobre as possibilidades das inferências Uma vez que as modalidades não podem ser tratadas senão
por uma gramática profunda de orientação semântico-pragmáti-
ca, não haverá lugar, não há dúvida quanto a isto, na teoria | s
A
standard chomskyana, para uma análise adequada não somente
das modalidades em geral mas também de suas lexicalizações
sob a forma de verbos modais. O que se encontra em Syntactic M Núcleo
A ss
Structures e no Aspects é que os modais constituem uma catego-
ria gramatical à parte, ao lado da frase nominal e da frase ver-
bal, que os modais não fazem parte nem do sujeito nem do pre-
dicado da frase, mas que eles têm a função particular de “auxi-
liares”” (Chomsky, 1965, 69 e 86):
De fato, [Aux] fazia parte ainda da frase verbal em
Syntactic Structures (1957: 39-40).
1. A sinceridade poderia aterrorizar o rapaz.
A
princi pal ERR
enquanto [Aux] é dominado diretamente por S no Aspects: o
I
fato de os modais serem aí sintaticamente representados como
uma função específica e, implicitamente, em posição de opera-
(1965: 212) não resolve a questão de saber se os modais formam quer dizer que os modais constituem, mesmo para Chomsky, um
uma categoria lexical ou não-lexical, e a ausência dessa decisão argumento válido contra a sintatização radical da significação:
abole a possibilidade de uma eventual interpretação semântica. os modais são, na verdade, plenamente semantizados e, como se
A representação que ele propõe para a derivação dos modais verá, submetidos a restrições pragmáticas.
trai, no entanto, a tendência ao isolamento dos modais fora da O insucesso das abordagens efetuadas com a ajuda de uma
segiiência nuclear da frase (cf. Katz e Postal, 1964: 115). gramática sintaticamente orientada é empiricamente evidente, e é
85
necessário recorrer a uma semântica, se não a uma pragmática Se as interpretações de (a) têm sempre um valor de verda-
das modalidades, se se quer recuperar a estrutura distribucional, de, a interpretação de (b) está isenta de valor de verdade já que
mesmo que superficial, das modalidades. Os dois exemplos que ela não quantifica somente no interior do mundo real, mas
seguem dizem respeito, primeiro à distribuição de certas formas quantifica igualmente este mundo mesmo no interior do conjunto
gramaticais de verbos modais e, em seguida, àquilo que gostaria dos mundos possíveis. O predicado possível da paráfrase (c) é
de chamar a homonímia “isotópica” de certas modalidades. pois semanticamente ambíguo: exprime a não-necessidade de
O primeiro exemplo (cf. R. Lakoff, 1972) consiste de dois certas variáveis no interior do mundo real e necessário (como
casos em que a interpretação da equivalência parcial de duas paráfrase de (a)) ou exprime a não-necessidade do próprio mun-
formas gramaticais de verbos modais e da paráfrase por uma das do no interior do conjunto de mundos possíveis (como paráfrase
modalidades proposicionais só pode ser semântica (no primeiro de (b)). Neste caso, a desambigiização se dá pela interpretação
caso) ou pragmática (no segundo). Consideramos as paráfrases puramente semântica (pela explicitação da quantificação), o que
seguintes (a) e (b), cujo verbo modal é poder, e que são paráfra- não é suficiente no caso que segue.
ses de (c), que é uma proposição de modo alético (e não epistê- Consideremos as frases seguintes (a) e (b), cujo verbo mo-
mico). dal é dever, parafraseadas por (c), que é uma proposição de mo-
5. a) Os filósofos podem ser camaleões. do epistêmico (e não deôntico):
b) Os filósofos poderiam ser camaleões.
7. a) Os Belgas devem ser maus motoristas.
c) É possível que os filósofos sejam camaleões.1
b) Os Belgas deveriam ser maus motoristas.
As frases (a) e (b) não são sinônimas embora parafraseadas
por (c); (a) é falsificável se nenhum filósofo for um camalchos c) É possível ( provável) que os Belgas sejam (são)
enunciando (a), devo conhecer pelo menos uma instância na maus motoristas.2
qual pelo menos um filósofo se comporte como um camaleão;
(b), ao contrário, não é falsificável, e sua enunciação é apro-
priada, mesmo sem evidência conclusiva de que haja um filósofo Como explicar esta distribuição das formas gramaticais do
camaleão. Além do mais, (a) é triplamente ambígua segundo verbo modal dever, e sobretudo como circunscrever a ambigúi-
a quantificação que exerce seu alcance sobre diferentes ele- tlade do predicado possível ou provável em (c), parafrascando
mentos da frase. A interpretação semântica de (a) e (b) com tanto (b) quanto (a)? A quantificação não nos prende mais a
quantificadores explícitos é (faz-se abstração, é claro, de um Atenção uma vez que não se está mais sobre o eixo da existência
eventual desvio entre a quantificação “genérica” das línguas (do necessário ou possível) mas sobre o da crença (do certo ou
naturais e a quantificação semântica das línguas formais): provável). A sistematicidade distribucional aqui é governada por
6.a) (vx) (at) camaleão (x,t) Todos os filósofos Intores contextuais de tipo pragmático (e não mais referencial).
são às vezes... Ninguém negará que (a) é uma proposição conjectural e (b) uma
(ax) (vt) camaleão (xt) Alguns filósofos proposição de expectativa: (a) é uma hipótese baseada na con-
são sempre... jectura atual enquanto que (b) é uma hipótese baseada numa ex-
(ax) (dO) camaleão (x,t) Alguns filósofos pectativa futura; (a) é verificável no presente enquanto (b) não
são às vezes... feria controlável senão no futuro. Isto deve ser explicado por
b) (Im) (vx) (vt) camaleão (x,t,;m) ima restrição pragmática relativa à natureza e ao grau de certeza
do locutor que enuncia. Esta certeza, responsável pela distribui enunciação das (a) e que o locutor manifesta no seu enunciado a
ção de certas formas gramaticais, é tributária da situação do le intenção de que seu engajamento seja reconhecido pelo interlo-
cutor e de sua faculdade material (e até psicológica) de acumula cutor. As frases (b) são sobretudo constatações de uma situação
informação. É por isso que a negação da frase (a) pelo ouvinte das quais o locutor está singularmente ausente. A oposição das
pode ser considerada como uma agressão à credibilidade do lo formas modais e de suas variantes perifrásticas é a das locuções
cutor, ou que pela afirmação de (a) o locutor se responsabi iza performativas e das locuções constativas empregando a célebre
performativamente muito mais que pela pseudo-asserção de (b). dicotomia austiniana (abandonada, como se sabe, pela tricotomia
Não é difícil ampliar este campo de fatores pragmáticos que do locucionário-ilocucionário-perlocucionário). Pode-se, com efei-
minam a distribuição de formas gramaticais dos modais, incor: to, supor na estrutura profunda das frases (a) a fórmula perfor-
porando, por exemplo, as estratégias de polidez (cf. R. Lakoff, mativa abstrata, contrariamente às frases (b): “eu permito a Sta-
1971) e o estatuto sócio-performativo dos locutores. Poder-se-ia, nislas...”, “eu sugiro a você...””, “eu ordeno a você”. A homo-
além disso, escapando deste modo de qualquer sistematização dg nímia isotópica de que se trata aqui tem uma estrutura bem ines-
semântica pura, colocar-se a questão de saber se o eixo epistê perada: as formas modais simples exprimem as modalidades ilo-
mico, na sua totalidade, não é governado pela contextualidade cutórias enquanto as variantes perifrásticas exprimem modalida-
“accional”. des proposicionais (deônticas em (8) e (10), e epistêmica em
Meu segundo exemplo diz respeito à chamada homonímiz (9)).
isotópica das modalidades. Menciono rapidamente duas fig No entanto, o fenômeno da homonímia isotópica exige me-
deste fenômeno que mostram que a desambigiiização da homo- canismos de interpretação pragmática ainda mais sutis quando se
nímia em questão não pode ser devida senão a mecanismos trata de uma homonímia no interior da própria forma modal.
pragmáticos. Em primeiro lugar, como explicar a distribuição di=
ferente de uma forma modal e de sua variante perifrástica? Con= 11. a) Stanislas deve ter comprado seu carro ontem.
sideremos as duplas de frases seguintes: b) Stanislas deve ter comprado seu carro por inter-
médio de seu pai.
8. a) Stanislas pode beber uma cerveja.
. a) Stanislas pôde comprar seu carro.
b) É permitido que Stanislas beba uma cerveja.
b) Stanislas pôde comprar seu carro quando ganhou
9. a) Todos deveriam votar em Stanislas. na loteria.
b) Todos supõem votar em Stanislas.
Singularmente, as frases (a) são parafraseadas pelo opera-
IO. a) Você deve se desculpar. dor epistêmico “'eu creio que...””, mesmo que as formas modais
b) Você é obrigado a se desculpar. superficiais sejam diferentes (dever, poder); mas este operador
epistêmico é, ao mesmo tempo, um operador ilocucionário já
A enunciação das frases (a) e (b), embora semanticamente que exprime a atitude ilocucionária do locutor. As frases (a)
equivalentes já que as frases (b) não são senão variantes peri- com dupla isotopia (epistêmica-ilocucionária) opõôem-se às fra-
frásticas das frases (a), não é apropriada em contextos idênti- ses (b), embora suas formas modais sejam lexicalizações idênti-
cos. É evidente que a participação do locutor é pressuposta na cas, na medida em que as frases (b) exprimem atitudes não-ilo-
88 89
cucionárias (elas se reportam ao sujeito do enunciado e não ao
ma das modalidades ditas “lógicas”, ponto de partida e núcleo
sujeito da enunciação) e proposicionais de modo idêntico. Ne-
do sistema global das significações modais. Em consegiiência,
nhuma semântica está em condições de desfazer esta enorme
proponho-me a elaborar, nesta segunda seção, primeiramente os
complexidade modal (outros exemplos em Boyd e Thorne, 1969,
diferentes eixos que organizam as atitudes proposicionais para
e em Van Belle, 1973). Esta incapacidade é parcialmente causa-
as sintetizar em um esquema de coordenação que incorpora
da pela distribuição homonímica das modalidades lexicalizadas €
igualmente a estrutura dos quantificadores e alguns paralelismos
pela ausência de isomorfismo das isotopias modais: esta incapa-
lexicais; em um segundo momento, sugerirei em que pontos se
cidade torna-se, além disso, de princípio para as frases do tipo | insere, na derivação do sistema global das modalidades, a con-
(a), já que a contextualidade “accional” é constitutiva da signi-
textualidade e, consegiientemente, o impacto da pragmática.
ficação modal, uma vez que as atitudes ilocucionárias estão im-
plicadas na segiiência modalizada. Neste caso, a pragmática não
a) Retornemos à fonte aristotélica para a consideração do
é mais somente uma heurística desambigiiizante, mas, mais que eixo das modalidades aléticas. Todos os intérpretes constataram
isso, O sistema de regras constitutivas da própria significação a ambigiidade do conceito aristotélico do possível (cf. Blanché,
modal.
1969: 75 ss.):
1
13. a) | “necessário” “contingente” “impossível” |
Estes poucos elementos empíricos, ainda que fragmentá- (nem necessário,
rios, vão na direção de provar um certo impacto de restrições nem impossível)
pragmáticas sobre o processo de interpretação das significações
NECESSIDADE [Jp “Jp
modais. Elas não provam em nenhum sentido que uma semântica Ê a
b)
das modalidades é ilusória e periférica. A semântica permanece, s 4 1
Y
pelo contrário, o núcleo de toda interpretação das modalidades; - E) - p O-p
ela não é senão completada pela pragmática que se insere em IMPOSSIBILIDADE
c) IMP ( - p) = IMP( - p)
certos pontos bem precisos do percurso derivacional das moda-
lidades. A questão diz respeito exatamente aos pontos em que a
—Y dba, —y—
semântica e a pragmática se encontram, em que a pragmática - IMP (p) IMP (p)
ganha relevo. Não é de se espantar que o ponto de partida seja o POSSIBILIDADE I
esquema das atitudes proposicionais. A estrutura dos modais le- d) -POSSI(-p) POSSI(-
p)
xicalizados requer uma reorganização na medida em que as for- ——— A e
possível.
como se vê nas frases seguintes:
Por que não admitir então que o possível é implicado pelo
necessário, como algum por todos? A motivação não é “conver- | 19. a) É improvável senão impossível que eu parta esta
sacional"””? Ela não obedece à chamada “regra da quantidade”, tarde (É impossível senão improvável que eu parta
em lógica conversacional, que motiva o fato de que não se diz a esta tarde).
Possibilidade do que se sabe necessário, por economia conver- b) É improvável que você tenha razão, mas não é im-
sacional? Esta sugestão subversiva consagrará a presença de possível (É improvável que você tenha razão, mas
uma certa contextualidade no seio mesmo do eixo alético que, não é duvidoso).
O eixo epistêmico é o da crença, e se constata que as i modalidades proposicionais desliza para o sistema das modali-
plicações conversacionais são aqui mais determinantes que ng dades “ilocucionais”. É evidente que se admite sobre o eixo
eixo da existência. Das duas definições aristotélicas da relação deôntico a tripartição das modalidades (Jespersen, 1924: 324-5)
do necessário e do possível, tal como nos outros eixos:
20. necessário > possível e necessário pb possível 23. obrigação (p) -- permissão (p) |-- proibição (p).
deu-se preferência à segunda, que permitia a conversão com 24. a) Você é obrigado a casar com minha filha (eu te
plementar e que é motivada por uma certa economia conversa ordeno...)
cional. Sobre o eixo epistêmico, não se tem sequer esta escolha b) Você tem a permissão para casar com minha filha
Hintikka tem razão em admitir como um postulado de sua lógic (eu te permito...)
modal que nós asseveramos aquilo de que está certo (o que sé c) Você está proibido de casar com minha filha (eu te
sabe), de modo que as conjunções seguintes não sejam mais vá proíbo...)
lidas:
Ressalte-se que a “equivalência deôntica”, tal como foi
21. a) Eu sei que p (Eu estou certo que p) e é possf e! elaborada por Von Wright, é válida no uso mais corrente das
(provável) que não p. línguas naturais:
b) Eu sei que não p e é possível que p.
25. = XA)= P - (A),
O impacto conversacional na esfera epistêmica é pois de enquanto que uma restrição conversacional (a regra da quanti-
terminante para o gênero de inferências permitidas: a afirmação dade) aboliu a implicação seguinte, logicamente válida, no en-
da certeza (que é sempre uma afirmação da necessidade, como € tanto:
prova Hintikka) é mais forte, mais inconvertível que a simph
afirmação da necessidade. Isto não pode ser motivado senão po; 26. MA) p P(A).
uma exigência dita ''conversacional” e, pois, pragmática: que &
força de engajamento de uma “atitude” (a crença como esta Não é verdade, como pretende Von Wright, que “em um
lugar de não-fumantes, fumar é proibido e não fumar permiti-
de espírito) é mais determinante que a constatação de um esta
de coisas. Este postulado conversacional pode ser representa do”. A obrigação não implica a permissão, e sobre o eixo deôn-
tico, menos ainda que sobre os outros dois, não há nenhuma |
como segue:
convertibilidade “para a direita”. A ordem, a permissão e a
22. certo -— necessário e necessário | + certo. proibição são, com efeito, atos de linguagem que são governa-
dos por regras diferentes das implicações lógicas; mesmo se as
regras preparatórias — para empregar a terminologia de Searle
c) As entidades do eixo deôntico não podem sequer ser
caracterizadas como proposições: a obrigação e a permissão sã (1969) — são idênticas (o locutor tem uma relação de autoridade
atos. Os predicados deônticos são sempre substituíveis por s para com o interlocutor), mesmo se a condição de sinceridade
é idêntica para as três entidades do eixo deôntico (o locutor quer
quências verbais e, no final das contas, por fórmulas performati-!
vas. O eixo deôntico é exatamente o ponto em que o sistema das: que seu ato seja a consegiiência desejada), haverá outras “'con-
Duas observações:
dições essenciais” para a realização apropriada da obrigação, da
Quanto às lexicalizações. A distribuição não é universal, e
permissão e da proibição. Eis a razão pela qual as relações de o sistema do inglês é mais complexo que o do portuguêsé. Mas a
implicação das entidades sobre os diferentes eixos tornam-se ca-.
estrutura dos modais é empiricamente verificável:
da vez mais relativas na medida em que se desce do eixo alético |
para o eixo deôntico. Isto é, seguramente, um postulado conver-
29. a) João pode e, de fato, deve ajudar sua mãe.
sacional que represento como segue:
b) Os padres podem e, de fato, devem ser infelizes.
27. obrigação |- certeza |- necessidade. c) Ele poderia, e mesmo deveria ter reencontrado
suas forças.
d) Chega-se assim ao esquema de atitudes proposicio-.
nais, completado por algumas sugestões relativas à Se se estudasse o comportamento da negação, constatar-se-
quantificação e aos modais lexicalizados. ia que os modais “fracos” são negados mais facilmente que os
modais “fortes” na medida em que aceitam um complemento in-
28. finitivo negativo:
epistêmico
30. a) Ele pode (poderia) não ter razão.
n=1
certo b) Ele deve (deveria) não ter razão.
posst- I> n>0 | permi- q alguns, uns 31. a) Há alguém que bate
à porta.
vel possível tido
b) Há alguns homens no jardim.
não ne- não-obri- c) *Há todos os animais no zoológico.
cessá- | 1>) nO | tório, não todos,
rio, contestável | even- eventualmente Reencontra-se a mesma regra nos pontos paralelos dos ei-
even- tual- alguns
tual- mente Xos alético e epistêmico:
mente permi-
possf- tido
32. a) Há uma possibilidade de que você tenha razão.
vel
b) *Há uma necessidade de que você tenha razão.
impos- | n=0 proibido | nada, nenhum
w sível [excluído]
Como a inserção de há requer uma sequência não-univer-
* Forte (F) e fraco (W), por exemplo: W->»—F: o fraco
sal (modal ou quantificada), a inserção de absolutamente requer
provoca a não-existência do forte.
notar que as máximas e as regras formam dois sistemas autôno-
uma sequência com quantificação ou modalidade universal; mos, tendo cada um uma relação específica com a intencionali-
paralelismo aqui não tem exceção:
dade comunicativa que a linguagem testemunha. Não é de se
estranhar que, por sua flexibilidade e sua complexidade prag-
33. a) Ele deve absolutamente ter dúvidas (* pode). mático-semântica, as modalidades sejam eminentemente ilustra-
b) Absolutamente todo mundo desapareceu (* tivas do esboço que proponho agora.
guém).
A teoria das implicações conversacionais (conversational
c) É absolutamente necessário (certo) que você vá (* po implicatures) de Grice (1975) é talvez o primeiro ensaio, inci-
sível). piente mas frutuoso, de pragmática universal. Ela formula o
princípio metateórico de cooperação e as máximas baseadas. so-
Ressalte-se que a negação da universalidade (sem que | bre este princípio, não como características semânticas ou sintá-
existencialidade surja, é claro) admite absolutamente também: ticas, superficiais ou profundas, mas como implicações. A con-
textualidade não pode ser constituída neste caso nem pelo con-
34. a) É absolutamente impossível sair. junto dos índices de pessoa e de tempo-espaço que se propõe em
b) Absolutamente nada é proibido. pragmática lógica do tipo Montague, já que se trata de implica-
ções, nem mesmo pela estrutura semântica profunda. Grice
É tempo de voltar à hipótese central de que a contextual opõe, além do mais, as implicações ““conversacionais”” aos im-
dade ““accional”” determina todas as propriedades da linguagem plicantes convencionais. As implicações que interessam à prag-
de qualquer nível de profundidade que sejam elas. A signific; mática universal não são implicações como os subentendidos e
ção modal, na medida em que escapa à pura quantificação se as pressuposições. Elas determinam a própria possibilidade do
mântica, é modelada pragmaticamente, o que não exclui, repitc discurso; é nessa medida que elas não são arbitrárias, mas de-
que a semântica tenha também seu objeto. Seria necessário estu terminantes e universais. Estas condições universais pressupõem
dar, em uma perspectiva metodológica, a interação da contex o princípio metateórico de cooperação (este princípio é metateó-
tualidade ““accional” e da contextualidade pressuposicional ol rico na medida em que é falsificável por alguma teoria, in casu
referencial, assim como a implicação da contextualidade ““accio por alguma gramática), que pode ser formulado intuitivamente
nal” e do sistema lingiiístico intrínseco e imanente. Isto levaria. como segue:
questão de saber onde exatamente o componente pragmático de P: Faça que sua contribuição conversacional seja de acordo com
veria-se inserir no modelo gramatical. A filosofia da linguagem a finalidade e a “direção” da troca lingiística na qual você
entretanto, está mais interessada em uma eventual perspecti está engajado, assim como ao estágio desta troca.
epistemológica, a saber: qual é a natureza desta contextualidadi
As máximas conversacionais derivadas deste princípio são:
e, sobretudo, quais são os sistemas de regras adequados que têm
o poder de recuperar globalmente esta contextualidade. Vejo M|: a máxima da quantidade: faça que sua contribuição seja
aqui duas saídas possíveis, e as apresento mais que su tão informativa quanto solicitada, e não mais informativa
mente. Trata-se das máximas conversacionais e das regras cons que o solicitado (desejado);
titutivas (convencionais), cujos termos conversação e convenção M2 : a máxima da qualidade: não diga senão o que você acre-
evocam, não há dúvida, uma concepção da linguagem como es dita ser a verdade (não diga o que você acredita ser falso;
trutura prototípica da comunicabilidade. Convém, no entanto, não diga algo cuja evidência adequada lhe falte);
98
M3 : a máxima da relação: diga o que está relacionado com o crença é contextual, que os postulados da lógica epistêmica são
assunto da troca [be relevant); em parte deduções de uma lógica conversacional. O estudo da
; s ; ite À
: a máxima do modo: seja claro [be perspicuous] (evi motivação contextual da lógica das atitudes proposicionais ainda
a obscuridade da expressão; evite a ambiguidade; seja bre- está por ser feito, e seria interessante estudar sistematicamente o
ve; seja sistemático.). impacto das máximas conversacionais — sendo elas próprias sis-
tematizadas e, se possível, formalizadas a partir das intuições de
É evidente que este “quadro de categorias” ea lista cor-
Grice — sobre todos os postulados da lógica das atitudes propo-
respondente de postulados não são exaustivos, e é suficiente-
sicionais. Se esta hipótese se verifica neste caso, poderia supor-
mente evidente que se pode expandir, entre outras, a máxima do se, a fortiori, que ela seria válida para o domínio das modalida
modo com o postulado seja polido, e isto não somente para O ja- | des ilocucionárias, em que os tipos de intencionalidade são ex-
-
ponês! E mais, é necessário ter consciência do fato de que o plicitamente reconhecidos como formando a própria substância
princípio e as máximas determinam toda ação cooperativa, e não das regras essenciais que constituem os atos ilocucionários. Se
somente o ato linguístico. E sobretudo é necessário saber que a se consideram as modalidades, investidas em unidades semiolin-
variedade na tipologia dos discursos consiste exatamente no jo- glísticas, poderia constatar-se, estou certo disso, que a comuni-
go da aceitação e violação das máximas (por exemplo: violação cabilidade, já constitutiva da estrutura elementar e do modelo
de uma máxima para se poder aceitar uma outra; ou violação constitucional, se explicita progressivamente no decorrer da ex-
intencional de máximas para provocar um efeito estilístico como | pansão do objeto semiótico: a comunicabilidade não é aliás se-
a metáfora ou um tipo de discurso idiossincrático como a iro- não um outro nome da intencionalidade interpessoal que sofre a
nia). Uma pressuposição metateórica desta doutrina das implica- restrição das implicações conversacionais. Os esforços em
ções conversacionais é, com certeza, O caráter fundamental =
pragmática linguística foram feitos no domínio das lexicaliza
tencional da linguagem e de toda ação: o ciclo da produção e do; -
ções: os resultados são surpreendentes, talvez porque a distri-
reconhecimento das intenções define a própria essência da signi- buição das modalidades lexicalizadas constitui uma empiria su-
ficação, e a pragmática griceana tende a identificar a contextua- perficial. É assim que o comportamento assimétrico da negação
lidade “accional”” à intencionalidade inconsciente e interpessoal dos lexemas possível e necessário foi estudado por Horn (1972);
da própria linguagem. esta assimetria não surpreende se se lembra que o necessár
io
O impacto desta intencionalidade por intermédio das res- tem um valor forte, enquanto que possível tem um valor axial
trições conversacionais se faz sentir, como se sugeriu acima, no intermediário no eixo alético, e que possível, em uma das inter-
domínio das modalidades e da distribuição dos quantificadores pretações de Aristóteles, só é ligado do lado do impossível.
A
correspondentes. Que a lógica modal explore a segunda defini- Assimetria, consistindo no fato, entre outros, de que o possível
ção aristotélica da possibilidade — aquela que salvaguarda a se lexicaliza em toda uma série de categorias gramaticais
e em
conversão complementar, a que favorece a exclusão mútua do sequências de extensão variável enquanto que o necessário
só se
necessário e do possível por economia conversacional = indica a lexicaliza como adjetivo ou na paráfrase ter de, é pois conversa
-
penetração da pragmática até na esfera das modalidades sa gionalmente motivado. Constata-se, aliás, em todas as
esferas
existência; as opções das quais certos postulados sobre o cima modais, que os valores menos fortes se lexicalizam de uma ma-
epistêmico testemunham — entre outras a não-validade das con-: feira mais caótica que os valores fortes. Um outro resultado diz
junções proposicionais seguintes: Eu sei que p e é possível que fespeito à semelhança no comportamento sintático de modais le-
p, e ainda: Eu sei que não p e é possível que p — indicam que a Kicalizados de quantificadores e mesmo dos conectivos corres-
alguns == ora; nenhum == nem... senvolvimento abriria a possibilidade de tratar todo o domínio
pondentes (todos — e;
das modalidades proposicionais como sendo dominado por res-
nem...).
trições “convencionais” ou regras constitutivas. Por outro lado
O segundo tipo de restrições pragmáticas é oposto às má- a lógica epistêmica — entre outras na obra decisiva de Hintikka ga
ximas na medida em que são verdadeiras convenções ou, como e sobretudo a lógica alética não estão em condições de consa-
diz Searle, de regras constitutivas e arbitrárias, cuja especifici- grar o postulado de existência do objeto lógico (Hintikka,
dade (sobretudo as chamadas ““regras essenciais”) delimita tipos 1969a), mesmo no quadro de uma lógica dos mundos possíveis
de atos de linguagem. É claro que as regras constitutivas domi- ou, no registro epistêmico, dos mundos “prováveis” e “não-
nam tanto o âmbito das modalidades proposicionais quanto o das certos”; seria necessário encontrar estratégias para salvaguardar
modalidades ilocucionárias: há que se lembrar que mesmo Von no mesmo tempo o postulado de existência e a especificidade
Wright considera as modalidades deônticas como atos. A inten- intencional das chamadas “referências pragmáticas”. Não está
cionalidade é aqui, seguramente, plenamente assumida e tipolo- afastada a hipótese de que esta aproximação possa se fazer com
gizada: não se trata mais desta intencionalidade anônima ani- o auxílio da teoria dos modelos: o perigo seria evidentemente
mando a comunicabilidade global da linguagem, mas de uma que se sacrificaria a intencionalidade à existência, e a pragmáti-
intencionalidade convencionalizada e, num certo sentido, cons- ca à semântica, transformando a enunciação em um simples
tituída por convenções lingiísticas. A contextualidade ““accio- ponto de referência. Uma teoria das modalidades ilocucionárias,
nal” aqui é concretizada pelo triângulo (locutor, destinatário, que seria despojada do primado da performatividade, é, ao con-
situação de troca) e pela dialética da intenção e do reconheci- trário, perfeitamente conciliável com a axiologia das modalida-
mento da intenção pelo canal de fragmentos lingiúísticos cujo des identificadas a certos tipos de paradigmas “accionais”” dia-
suporte é a situação de troca. Sabe-se que todo sistema de regras letizados na interação comunicativa. Não é inconcebível que
constitutivas é formulado em termos de condições sobre a per- uma lógica conversacional, por um lado, e uma “lógica” ilocu-
formance do locutor, e esta é sem dúvida uma fraqueza, senão cionária, por outro - deduzindo dois sistemas de restrições dife-
uma abordagem unilateral do ato ilocucionário. A questão de rentes mas compatíveis — poderiam estender sua força explicati-
saber se a força ilocucionária se esgota na performatividade, ou va sobre todo o objeto em questão: as isotopias modais e suas
se o operador ilocucionário é necessário em posição de embra- interrelações complexas. ,
yeur (em posição performativa) não é sem pertinência para O
domínio das modalidades proposicionais e sobretudo semiolin-
giísticas. A crença epistêmica, que não é performativa (en- III
quanto que a obrigação o é no sistema deôntico) poderia ser
abordada, parece-me, mais adequadamente por um sistema de Conclui-se onde o verdadeiro trabalho deveria começar.
regras constitutivas bilaterais ou omnilaterais que neutralizem as Não só o trabalho taxinômico e construtivista de descoberta e de
particularidades dos elementos do triângulo engajado na con- descrição, mas igualmente o verdadeiro trabalho. epistemológico.
textualidade ““accional””. Este desenvolvimento é impossível a O que fiz não foi senão mencionar três problemas cuja extensão
partir de Austin, onde o ato ilocucionário está ligado à fórmula coloca em jogo a própria possibilidade de uma teoria unificada
performativa; é previsível em uma teoria dos atos de linguagem, tas modalidades.
como a de Searle, em que a força ilocucionária é considerada
Em primeiro lugar há o problema do estatuto da pragmática
como um aspecto da significação global dos enunciados e não
em relação à semântica. Ninguém admitiria a dupla tese de uma
mais como um operador-embrayeur. Compreende-se que este de-
102 103
semântica transparente e livre de toda neutralização pragmática, a da comunicabilidade ou da natureza “accional”” da linguagem.
e de uma pragmática livre de qualquer restrição gramatical, sem Uma tal justificação, sabe-se, é perigosa: não é necessário justi-
se perder nos falsos caminhos da dicotomização (entre outros, : ficar a expansão invocando a natureza do objeto mas invocando
de competência e performance). Trata-se aqui de uma distinção a força do método. Mas nenhum método, no que diz respeito às
operatória e heuristicamente interessante, ou de uma abstração modalidades, teve o poder de englobar todas as outras e não
renegando a homogeneidade do próprio objeto? É claro, creio tem, pois, estatuto privilegiado. Estas observações gerais, talvez
eu, que se trata de duas metateorias da significação, uma refe- muito céticas, não fazem, seguramente, senão incitar a um tra-
rencial, outra intencional. As modalidades poderiam ser conside- balho comum de filósofos, lingiúistas, lógicos e semiólogos.
radas como a pedra angular em que as duas metateorias mani-
festam ao mesmo tempo sua força e sua fraqueza. Todo processo Tradução: Marco Antônio Escobar
de integração metateórico sendo ilusório, é necessário proceder,
sem dúvida, mais modestamente colocando em paralelo os sis-
temas de regras construídas independentemente no interior de
cada metateoria.
Um outro problema epistemológico diz respeito ao isomor-
fismo das isotopias modais. Uma gramática profunda das moda»
lidades deve estar em condições de superpor isotopias modais €.
de propor, eventualmente, sua história derivacional comum. À
pragmático-semântica dos modais lexicalizados leva necessaria-
mente às outras isotopias — neste sentido, o sistema lexicalizado
das modalidades é semântica e pragmaticamente dependente das.
“isotopias profundas”? A superposição destas três ““isotopias
profundas” revela em cada nível um excesso transcendente de
significação modal. O isomorfismo não parece pois senão par-
cial, mas não é por causa da imprecisão de nossos critérios de
generalização?
104 105
Notas
LA frase em francês é 1 est p ible des philosophes qu'ils soient des camé-=
léons, cuja tradução correspondente em português seria: “É possível dos filósofos
que fer? sejam esquece
AS ATITUDES PROPOSICIONAIS
no tradução, no entanto, não tem o mesmo grau de
acei idade em português. me parece, no entanto, que a tradução dada '
afete a argumentação do autor (N. do T.). li
E O CONTEXTO ACCIONAL
"8
2 A frase em francês é est possible (probable) des Belges qu'ils soient (sont) de
io rente Cabem, neste caso, as mesmas observações referentes à nota 1
106 107
1968) ou, então, elaborando uma pragmática das atitudes propo-
tamento semântico proposto há já bastante tempo pelos lógica
ficionais. Escolherei a segunda via. A atitude proposicional,
Minhas amostras concernem, de um lado, às modalidades e, di
nessa perspectiva, depende inteiramente da contextualidade ac-
outro, aos modos que, sem dúvida alguma, estão entre os efeitc
cional do discurso. Ela é de fato uma atitude do sujeito falante
empíricos mais palpáveis da contextualidade accional do discur
em situação de ação intersubjetiva com uma audiência. O méto-
so e de suas “atitudes discursivas” ou “proposicionais”.
do consistirá, pois, não na fixação de um domínio sobre o eixo
orientação de meu argumento será inspirada sobretudo pelos ti
necessidade-possibilidade de toda proposição que manifesta uma
balhos de Searle (1977) no que concerne às modalidades, e d
Atitude, mas em caracterizar a relação entre a atitude expressa na
Grice (1977) no que concerne aos modos.
proposição e a atitude do sujeito falante em situação de intera-
ção comunicativa. Numa primeira aproximação, poder-se-ia di-
ger que as atitudes de esperança e de crença manifestadas pelas
A. As modalidades
frases nominais em face das proposições subordinadas, em
Considero as modalidades, nessa seção, em um sentido 1. Dorotéia espera que Paulo não bata em sua mulher,
restrito: não se tratará nem do comportamento semântico (€
pragmático) dos verbos modais nem das modalidades semióticas 2. As crianças de Paulo não acreditam que seu pai bata
(especialmente as modalidades narrativas) ou macro-lingiísticas. em sua mulher,
no sentido de Greimas (ver: Parret, 1976, para a apresentação só podem ser analisadas e explicadas em relação à atitude do lo-
desses tipos de modalidades). Falarei apenas das modalidade:
cutor em situação accional. Por conseguinte, seria preciso com-
que, como Kant já o havia observado, marcam toda proposição:
pletar (1) e (2) da seguinte maneira:
o necessário, o possível, o impossível e o contingente (podemos.
simplificar esse quádruplo e propor a oposição necessidade ver=. 1.... e eu, eu o espero também; mas eu, eu não o espero
sus possibilidade como fundamental). Uma boa parte da lógica. absolutamente; mas isto me deixa indiferente etc.,
contemporânea (exemplificada pela lógica epistêmica ou a lógi-
2. ... mas eu, eu acredito; e eu também não acredito;
ca do saber e do crer, em Hintikka, 1962, entre outros) se per-
gunta, assim, como interpretar, sobre o eixo da necessidade-pos= e/mas eu, eu não sei etc. '
sibilidade, as proposições que dependem de um verbo que ex- Veremos como essa interpretação pragmática das atitudes
prime uma “atitude”, como os verbos crer, querer, desejar, es- | proposicionais requer o abandono da lógica puramente extensio-
perar, saber, e, por que não, simplesmente dizer (ou afirmar “a. nal.
verdade"). O problema é posto em termos muito claros por Qui-
A valorização da intencionalidade, para a explicação das
ne (1956) que, julgando que o eixo necessidade-possibilidade
atitudes proposicionais, será ao mesmo tempo uma valorização
não é válido e que assim não se pode liberar impunemente das
da lógica intensional. É só nesse quadro lógico que as modali-
“cadeias da necessidade””, declara o domínio das atitudes propo-
dades não são obrigatoriamente julgadas sobre o eixo da neces-
sicionais como extra-semântico. Ele coloca um belo paradoxo
sidade.
que só fez fascinar os lógicos interessados nas línguas naturais.
Escapa-se ao paradoxo, ou valorizando o eixo necessidade-pos- As modalidades podem ser caracterizadas, assim, como
sibilidade, o que permite a semantização do. problema das atitu- modalidades intencionais ou, como Searle (1977) preferiria, ilo-
des proposicionais (entre outros, Hintikka, 1969b, e Kaplan, cucionais.
108 109
1. Os referentes opacos como domínio extra-semântico | dente de um verbo modal, Quine afirma que o referente, no sen-
tido relacional, permanece ““opaco””, por conseguinte, que (6") e
O surgimento do “paradoxo epistêmico” em Quine (195 (7') são logicamente malformados: é paradoxal, para Quine,
é um excelente ponto de partida para a discussão que concem quantificar no interior de uma frase dependente de um verbo
às atitudes proposicionais. A quantificação é o problema centr; modal, ou, o que dá no mesmo, ligar existencialmente (e ao ex-
de uma semântica que se limita à análise das expressões ling if terior) referentes que são por natureza opacos pois estão sob o
ticas ontologicamente engajadas. O paradoxo não concem alcance de uma modalização. Essa tese é bastante conhecida pa-
pois, de forma alguma, expressões como ra que se a desenvolva mais. Não se insistirá mais, também, so-
bre o tratamento quineano das duas soluções que se rejeitam
3. Ctesias caça unicomes, como ilusórias (a explicação dos contextos opacos pelas inten-
sões ou sentidos fregeanos, e a explicação pela aceitação de uma
uma vez que simplesmente não há unicomes, devido a uma “l certa convencionalidade lingiiística ligando os referentes opacos
cuna zoológica””, nem, a fortiori a fragmentos lingiiísticos reconhecidos como manifestando con-
vencionalmente a existência desses referentes). Somente o
3”. Ctesias crê (ou espera) caçar unicornes, exemplo e sua importância argumentativa interessar-me-á no que
segue.
nem expressões cujo sentido é “'nocional””, segundo o termo € Um homem de chapéu marrom é visto diferentes vezes por
Quine: Ralph em circunstâncias duvidosas, e Ralph suspeita que ele
seja um espião. Há também um homem de cabelos grisalhos, co-
4. Ralph crê que há opções: nhecido por sua respeitabilidade, que Ralph só viu uma vez na
4º. Ralph crê que ( 3 x) (x é um espião); praia. Ralph não sabe que esses homens são uma única pessoa.
S . Witold deseja que haja um presidente: Pode-se dizer desse homem (Quine lhe dá o nome de Bernard J.
Ortcutt) que Ralph acredita-o um espião?
5”. Witold deseja que (3 x) (x é presidente).
8. Ralph crê que o homem de chapéu marrom é um es-
O paradoxo só surge quando o sentido é “relacional”:
pião;
variável nesse caso é ligada pela existência de um indivídu
particular como em 9. Ralph não crê que o homem que ele viu na praia é um
espião.
6. Ralph crê que x é um espião: Se se aceita ao mesmo tempo (8) e (9), deixa-se de afirmar
6". (3x) (Ralph crê que x é um espião); qualquer relação entre Ralph e o indivíduo particular existente
no mundo, e (6') não é o sentido “relacional” de (8). Pode-se
7. Witold deseja que x seja presidente:
formular o paradoxo da seguinte maneira. Distingamos duas in-
E ( 3x) (Witold deseja que x seja presidente). terpretações da crença de Ralph. A crença; não aceita a conjun-
ção de (8) e (9), ou
Fazendo assim uma distinção radical entre o sentido ne
cional e o sentido relacional de uma frase subordinada deper IO. w crê que p, e w nega sinceramente que p,
mas ela mantém (8) e (9) à parte, eliminando assim a representa= 11º. A terra se move, (3 x) (O enunciado x de Galileu e
ção (6'). A crenças tolera (10) e aceita (6'), mas, nesse caso, & meu enunciado “a terra se move” faz de nós equi-lo-
preciso rejeitar (9); Ralph crêz que o homem da praia é um cutores ( samesayers ).
pião, visto (6'), mas ao mesmo tempo, ele não crêz (e, a fortiori,
ele não crê;), visto (9). A crença; nega que (8) e (9) referem Mas a equivalência extensional não é mais garantida desde
a indivíduos, o que implica que “'o homem de chapéu marrom” € que o modalizador é epistêmico (ou é um verbo ““psicológico””)
“o homem da praia” não teriam denotação, o que é absurdo. como em
A crença, de Ralph é contraditória pois se diz de Ralph
que ele crê, visto (6'), aquilo que ele não crê, visto (9). O q lla. Galileu acreditou que a terra se move,
essa desventura ensina é claro, segundo Quine: é preciso aceita!
“a opacidade dos referentes que se encontram sob o alcance dê cuja paráfrase é
uma modalidade, ou inversamente, não se pode quantificar do
exterior para a sequência modalizada de um enunciado. lla*. A terra se move, (3 x) (A crença x de Galileu e meu
Muitos filósofos-lógicos não estão dispostos a reconhece enunciado ““a terra se move” faz de nós dois equi-
locutores).
tão prontamente os limites da semântica extensional em face da
segiiências modalizadas dos enunciados, e a expulsão quineang
O argumento conta, a fortiori, para outros modalizadores
da referência opaca para fora da semântica não é sempre aceitê
de bom grado. o. mais fortes como esperar, desejar, etc. Essa paráfrase é clara-
. o mente não-equivalente precisamente pela razão que Quine ev
| A solução intensional, do tipo fregeano ou do tipo intem que concerne às náliudes neoponicioniêr não é id ia
cional (solução que favoreço), não é levada a sério pela maio (não se efetua predicação) do exterior para a segiiência modali-
parte dos adeptos da semântica extensional (tarskiana). zada (aqui, o domínio da crença de Galileu). A técnica davidso-
Davidson (1968) minimiza as dificuldades a propósito dai niana reduz-se, no fim das contas, a uma solução particular para
segiiências modalizadas, identificando essas segiiências a ; o problema da equivalência lógica. Davidson só afirma que a
subordinadas no discurso indireto (oratio obliquo) em geral. £ equivalência lógica entre (12) e (13)
estrutura semântica de (6) é, assim, idêntica à do enunciadi
12. A terra se move,
(10), onde se refere indiretamente à existência de uma propri
dade, não de um indivíduo: 13. É verdade que a terra se move,
112
próprio argumento: que a atitude proposicional é de fato a atif introduzindo a noção interessante de equi-locutor, que nos leva-
de de um locutor em situação de interação comunicativa. Mas ria precisamente na direção de uma pragmática das modalidades
formulação de Davidson (ver 11º) cuja motivação permanece p (se o laço com a exigência extensional tivesse podido ser des-
ramente extensional, a extrapolação do discurso indireto, cu feito adequadamente).
operador é diz que análogo a é verdade que (desde que o locufk
se propõe como equi-locutor do sujeito de diz que) em direçi Kaplan (1968), sem também jamais trair o extensionalismo
às verdadeiras atitudes proposicionais, com modalizador epist e sem ultrapassar os limites imanentes do enunciado, oferece
mico (ou “psicológico”), não é mais válida. Entretanto, se belos argumentos em favor dessa complexidade. Denotar é dar
preciso retomar a idéia frutífera de equi-locutor, mas no quad um nome, mesmo e sobretudo quando o referente arrisca ser
de uma aproximação intencional das modalidades (ver item 3). opaco como no caso em que está encaixado no complemento de
um verbo “psicológico”. Dar um nome é precisamente uma re-
lação triádica, definida pelo sujeito nominal que dá o nome, o
2. A semantização das modalidades próprio nome e o denotatum. Kaplan distingue entre o conteúdo
descritivo do nome e seu “'caráter genético”. Esse segundo as-
O fatalismo quineano e sua impotência diante do dilem pecto, que é de uma preponderância extrema nas frases que ex-
que ele reconstrói com tanta coerência são interpretados, co! primem uma atitude proposicional, é determinado pela cadeia
razão, por certos lógicos, como a consequência do fato de qu causal de acontecimentos que provoca a produção do nome, no
nenhuma teoria do discurso modalizado é realizável se não: sujeito nominal da atitude proposicional. O nome é uma imagem
aceita uma certa complexidade suplementar da relação cof (picture ), uma representação de um indivíduo, e é claro que o
o denotatum no caso de uma atitude proposicional (a .), e, alér próprio indivíduo tem um papel considerável na cadeia causal
disso, se não se aceita a validade do eixo necessidade-possibil que leva à produção do nome-imagem-representação. Entretanto,
dade para a explicação dessa (b .). Ainda que a semantizaçã um nome padrão onde o indivíduo denotado monopoliza a histó-
das modalidades não seja a via que proponho, é preciso de to ria causal inteira está oposto ao nome vivo ( vivid name ) que,
forma, apresentar essa poderosa opção. como no caso das atitudes proposicionais, “representa” a histó-
ria interna da individuação da atitude proposicional no sujeito
a. A relação que caracteriza uma atitude proposiciong nominal. É, justamente, elaborando toda uma epistemologia
não é diádica (relação entre uma expressão e uma denotaçã d” “aquele que dá um nome vivo a um indivíduo denotado”' que
mas triádica (relação entre a expressão lingiiística, um sujeil Kaplan se esforça em escapar ao dilema quineano. Dizer que
nominal portador da atitude proposicional, e uma denotação “Ralph crê saber quem é Ortcutt”” é dizer que Ralph situa Ort-
Voltando ao exemplo de Quine que descreve a impossibilidad cutt entre os “caracteres” importantes de sua história interna:
de uma quantificação no caso de uma crença “relacional” (nã Ralph crê uma proposição da forma [ « = Ortcutt] onde « é
uma crença nocional), uma parte da solução consistirá na intro um nome vivo. Kaplan propõe como solução ao dilema quineano
dução de uma maior complexidade na relação “crença”: es que a quantificação do exterior para o complemento, sob o al-
maior complexidade é devida a uma certa reconstrução “epistê cance de um verbo que exprime uma atitude proposicional, seja
mológica” do sujeito nominal que crê, no caso, Ralph. É preci válida se o indivíduo denotado é um caráter ou uma imagem in-
notar inicialmente que essa complexidade não tem nada a terna representados por um nome vivo. Para excluir uma liber-
com a atitude do locutor da frase, como era o caso em Davidso! dade incontrolada que incitaria a incorporar mesmo ““imagens
114
alucinatórias”, é preciso impor condições cuja principal é que: 1969b), entre outros defensores da lógica modal e da teoria dos
a deve denotar o indivíduo x (se bem que a relação denotativa modelos, sempre atribuiu os dilemas na posição de Quine, so-
é epistemologicamente complexa uma vez que a não é um no- bretudo no que concerne as atitudes proposicionais, à impotên-
me padrão mas um nome vivo). A relação denotativa (“dar um cia de uma lógica de primeira ordem que só produz frases quan-
nome”) é precisamente triádica (ou uma relação entre Ralph, um tificadas apenas a partir das referências de seus termos singula-
nome e um indivíduo) se se elabora a seguinte definição da re- res e das extensões de seus predicados. A linguagem ordinária
presentação (caracterizando todas as proposições): não pode ser reduzida a essa forma canônica de uma linguagem
de primeira ordem. Nossas intuições lingiiísticas nos asseguram
15. a (o nome) representa x (o indivíduo) para Ralph Ri
que o discurso não é de primeira ordem, pois a compreensão de
(a, x, Ralph) = def. (1) a denota x, (2) a é um
uma segiência discursiva não consiste somente no conhecimento
nome de x para Ralph, e (3) « é um nome vivo. de sua interpretação no mundo atual. Compreender e interpretar
as seguências discursivas que estão sob o alcance de um verbo
“psicológico” (saber, crer, esperar, desejar) pressupõe que se
A relação Crença
considerem várias possibilidades que concemem o mundo ou,
16. Ralph crer (“x é um espião”, Ortcutt),
para empregar a terminologia da teoria dos modelos, vários
mundos possíveis. Evita-se o dilema a propósito das atitudes
escapa à contradição da conjunção (10), firmemente condenada: proposicionais se se aceita, contrariamente a Quine, o eixo ne-
por Quine. cessidade-possibilidade, e se a quantificação exterior projetada
na segiiência subordinada do verbo psicológico é uma quantifi-
IO. Ralph crê que p (8), e Ralph nega sinceramente que cação cujo domínio é um mundo possível. Atribuir uma atitude
p (9). proposiciona ao sujeito nominal do verbo psicológico consiste
na divisão de todos os mundos possíveis em duas classes: os *
se 16 . é analisada em ( À para “relação denotativa”): mundos possíveis que concordam com a atitude em questão, e os
mundos possíveis incompatíveis com ela. Conseqiuentemente, as
17. 3a [ A (a, Ortcutt) n Ralph crer (a é um es-: paráfrases seguintes são válidas:
pião)).
I9. w |crê] que p = em todos os mundos possíveis
que, segundo a-definição (15), significa afinal de contas: compatíveis com o que w [crê], dá-se o caso que
Pp; w não | crê] que p (no sentido “não se dá o caso
18. 3a [R (a, Ortcutt, Ralph) A Ralph crer (a é um que w |crê) p'””) = em pelo menos um mundo possí-
espião)). vel compatível com o que w | crê], não se dá o caso
que p.
b) Este tratamento inteligente que consiste em reformar a Esse desenvolvimento permite generalizar a exigência de
atitude proposicional em relação triádica (ou complexa, em engajamento ontológico, central em Quine, uma vez que a con-
analogia com a função “dar um nome”) é perfeitamente compa- dição de verdade de uma segiiência compreende agora a quanti-
tível, e mesmo complementar, com uma segunda estratégia que ficação sobre um certo conjunto de mundos possíveis. As con-
leva à semantização das modalidades. Hintikka (sobretudo sequências dessa generalização são importantes: uma constante
116
explicativa à contextualidade accional, e de não introduzir, em
individual sob o alcance de um modalizador que exprime um.
nenhum caso, variáveis contextuais das quais a mais importante
atitude proposicional não deve especificar um indivíduo ICO,
118 119
como indivíduo: a existência do indivíduo deve-se encontrar sob
22". Ralph crê ( 3 x) (x não é um espião).
o alcance do modalizador sob a forma de uma representação
(simbolizada aqui como xFx), como em
Mas Ralph não vê em (21) a dupla interpretação
21". Do homem da praia, eu creio que ele não é um espião 26 . Ralph crê (xFx à x é um espião), e
(correspondente a 23), e 27. Creio (xFx A x é um espião).
21”. Eu creio do homem da praia que ele não é um espião (26) - (27) significam simplesmente que Ralph/eu mesmo
(correspondente a 22”). cremos na existência de espiões, e a diferença entre uma crença
não-especificada (cremos na existência de espiões) e uma crença
A questão de suma importância para a teoria pragmáticg especificada (cremos na existência de um certo espião). Nos
das atitudes proposicionais é, então: por que o locutor pode dis- dois casos, a crença é globalmente relatada. No caso em que a
tinguir entre as interpretações (22”) e (23), enquanto que o sus quantificação está fora do alcance do modalizador, como em
jeito nominal não distingue entre (21”) e (21')? A resposta é que (23) e (24), a crença não é globalmente relatada: só o predicado
em (22) o locutor relata (repete) o conteúdo proposicional globa! é relatado pois só a parte predicativa está sob o alcance do mo-
sob o alcance da crença de Ralph, o que não engaja o locutor ng dalizador. Não há, pois, dois tipos de crenças (relacional e no-
existência do indivíduo mencionado. Seria diferente na variante cional), mas dois tipos de relatar crenças: um relato global (de
uma crença especificada ou não-especificada) quando o quanti-
22”. Do homem da praia, Ralph crê que ele não é um ficador está sob o alcance do modalizador, e um relato frag-
pião, mentário quando o quantificador está fora do alcance do modali-
zador. A atitude proposicional é a atitude do locutor-relator e
onde a referência ao indivíduo é claramente a do relator-locutor; não a atitude do sujeito nominal.
Em (22”), a existência do indivíduo está sob o alcance da crens Como interpretar, consequentemente, o dilema quineano?
ça do locutor. Em (22), ela está sob o alcance da crença de Ral O dilema some se se aceita que, no relato global, o locutor re-
ph. Quando, ao contrário, Ralph relata suas próprias crenças em pete a proposição inteira, e no relato fragmentário, só a parte
(21), não poderia distinguir entre (21”) e (21). predicativa é repetida pelo locutor que refere ele próprio ao in-
A distinção entre divíduo mencionado pelo sujeito nominal. O locutor pode dizer
sinceramente
24. (3 x) (Creio que x é um espião), e
28 . Ralph crê de Ortcutt sob uma certa descrição que ele
25 . Creio ( 3 x) (x é um espião),
não é um espião, e ele crê de Ortcutt sob uma outra
existe sempre, mas não temos necessidade das noções de ““cren descrição que ele é um espião,
ça relacional” no caso de (24) e “crença nocional”” no caso de
(25), para explicá-la. É preciso, simplesmente, admitir que (23 o que implica
e (24) não podem relatar uma crença global da parte de Ralph
em (23), e do relator em (24). Para que um indivíduo específico 29 . Ralph crê de Ortcutt que ele é e não é um espião
faça parte de uma crença, é preciso que ele seja representado (compare à (10) de Quine).
120
Isso não é contraditório: Ralph crê em dois predicados in- 1. O eu-relator não pode ser identificado ao sujeito nomi-
consistentes, é verdade, mas é o locutor que exerce o ato de re- nal w.
ferir ao indivíduo Ortcutt, mencionado por Ralph. Daf, ainda
que os predicados sejam inconsistentes, sua crença expressa em a ) Chamamos, nesse caso, a crença do sujeito nominal,
(28) não o é. Não é Ralph que refere ao indivíduo Ortcutt; é o uma crença especificada quando o relato da crença é fragmentá-
locutor que o faz, relatando ao mesmo tempo uma proposição rio (somente a parte predicativa é relatada). É o Eu-relator que
fragmentária, notadamente a parte predicativa. (10) é contraditó- exerce o ato de referência: a quantificação do indivíduo se faz
ria, mas (29) não o é. Está claro, agora, que a distinção entre
no exterior da proposição objeto da crença. Isto constitui a solu-
“crença nocional” e “crença relacional” é responsável pelo di- ção do dilema quineano.
lema. Os exemplos (3), (5) e (7) o demonstram com a mesma 32 . Ralph crê do homem de chapéu marrom que ele é um
evidência. Comparemos
espião, que significa
30 . Eu quero (desejo) uma almofada, 32”. Do homem de chapéu marrom, Ralph crê que ele é
um espião:
a (3). Quine diz que (30), assim como (3), (5) e (7), é ambígua: 32”. (a x) [Ralph crê z (z é um espião) de x],
32”. TIPO I, VARIANTE A: ( 3 x) [MOD, w, z (x)].
30". Eu quero ( 3 x) (x é uma almofada e eu tenho x);
(nocional)
b) Chamamos a crença do sujeito nominal uma crença
30”. (3 x) (x é uma almofada. Eu desejo ter x). (relacio- não-especificada quando o relato da crença é global (toda a pro-
nal) posição sob o alcance do modalizador é relatada). O ato de refe-
Assim como (23) e (24), e os exemplos mencionados por rência não é exercido, mas relatado: a constante individual não é
Quine, (30”) relata uma proposição fragmentária, um estado individuada ao curso da quantificação, mas ela é representada
psicológico do sujeito relator de seu próprio estado psicológico. como parte da proposição sob o alcance do modalizador.
Relatar implica representar. E uma vez que o eu-sujeito e o eu-
relator são uma só e mesma pessoa, a proposição global (o esta- 33. Ralph crê que o homem de chapéu marrom é um es-
do psicológico global) consistirá em um desejo e em uma crença pião:
(xFx é uma representação; ver mais acima): 33º. Ralph crê [xFx a z (z é um espião) de x],
33”. TIPO I, VARIANTE B: MOD w, z (xFx).
31. Eu creio (xFx) e eu desejo [(eu tenho x) x).
2. O Eu-relator se identifica com o sujeito nominal w.
Uma conclusão intermediária pode ser formulada nesse Uma vez que o relato não pode ser global, o indivíduo não está
ponto. Toda seqiiência discursiva que exprime uma atitude pro- presente na proposição sob forma de uma representação. Quan-
posicional comporta um sujeito nominal que se diz estar na ori- do se“trata de uma atitude proposicional, não de um ato de lin-
gem da ação psicológica, e ela é ao mesmo tempo o resultado de guagem cuja referência é a condição essencial de satisfação, não
um ato de linguagem da parte de um eu-relator. Dois tipos de haverá nunca uma quantificação da sequência discursiva, o que
relação entre o sujeito nominal e o eu-relator se revelam possí- quer dizer que o Eu-relator = sujeito nominal não realiza nunca
veis. um ato de referência. Logo, contrariamente a
122 123
Convém, ainda, generalizar os resultados (32""") e (33”') do
34 . | Eu digo,
eu afirmo, eu quero | que o homem de cha!
péu marrom é um espião, TIPO I (onde o Eu-relator e o sujeito nominal não são identifi-
cáveis) perguntando-se o que quer dizer exatamente que o lo-
que significa cutor de uma segiiência discursiva relata seja globalmente seja
fragmentariamente a proposição sob o alcance do verbo psicoló-
34”. (3 x) (x é o homem
de chapéu marrom A x é um gico. A questão é, pois, determinar que aspecto da significação
encaixada na subordinada é repetido pelo locutor. Para discutir
pião),
esse problema teoricamente, empresto o exemplo (37) a Searle
a segiiência discursiva que exprime uma atitude proposicional (1977):
(cuja classe forma exatamente esse grupo de atos de linguagem
que não implicam um ato de referência) não estará nunca sob O 37. O inspetor de polícia crê que Mr. Howard é um ho-
alcance de uma quantificação. mem honesto.
35”. TIPO II, VARIANTE A: MOD Eu, z (xFx). não são preservadas em (37). Revela-se agora que o relator, que
Acrescentemos que para toda atitude proposicional, dife- “repete” (globalmente ou parcialmente) a proposição, se engaja
rente de crer, deve ser juntada à notação uma representação do diferentemente: poderíamos dizer que há uma gradação de en-
objeto da atitude proposicional, como se vê em (31). Isto é ab gaiamento do relator no que ele relata, como o mostram clara-
solutamente coerente uma vez que o objeto do desejo, da espe- mente os exemplos seguintes:
rança, da expectativa, etc., só pode estar presente para o eu-re
39. O inspetor de polícia pronunciava as palavras:
lator sob a forma de uma representação (e não como existen-
“Mr. Howard é um homem honesto”,
cialmente presente). Segue-se que
36 . Eu desejo que o homem de chapéu marrom seja um. 40 . O inspetor de polícia dizia que Mr. Howard é um ho-
espião mem honesto,
41. O inspetor de polícia dizia, e eu cito: “Mr. Howard é
significa um homem honesto”,
124 125
(a), ato proposicional (b) e ato iloc o des proposicionais - relata-se o ato ilocucional e o sub-ato de
entre ato de enunciação
nal (c), poder-se-ia dizer seguindo suas próprias intuições qua , predicação, e efetua-se (ou repete-se) o sub-ato de referência. A
engajamento do relator vai em linha ascendente de (a) a (c). Ré pragmática das atitudes proposicionais relatadas — repetidas é,
(b) e (c) em (39), (b) e não (a) e (e) em (40), (bi pois, apenas um ramo da pragmática do discurso relatado — re-
pete (a) e não
petido.
(c) e não (necessariamente) (a) em (42). Repetir os três tipos
ato ao mesmo tempo se revela muito excepcional na linguager O propósito, que acabo de desenvolver em favor de uma
ordinária; um exemplo seria análise pragmática das modalidades, consistia, essencialmente,
ho em colocar em evidência a presença do locutor em situação de
43 . Como Dorotéia dizia, “Mr. Howard é um homem
interação comunicativa no enunciado que exprime uma atitude
nesto”.
proposicional. Avancei, sobretudo, demonstrando que o dilema
Repetir um certo aspecto da significação ou um tipo part de Quine encontra sua solução no quadro de um tal propósito.
cular do ato do conjunto (a) — (c) significa o engajamento do 0 Considero que a semantização desses problemas propõe solu-
cutor nesse aspecto ou nesse tipo. O resíduo da significação O! ções ilusórias, ainda que heuristicamente interessantes, ou que
do conjunto é simplesmente relatado. Utilizando essa oposiçã empobrece os fenômenos. Entretanto, é de todo evidente que
entre repetir (e se engajar) e relatar (sem se engajar), diremg minhas análises incoativas devem ser continuadas para reforçar
que em (32””) o ato de referência como sub-ato do ato propos: o poder da opção teórica geral e para demonstrar seu valor em-
cional (b) é repetido (e, pois, efetivamente realizado) o que pírico. Assim, considero a análise proposta como uma amostra
sulta em uma quantificação existencial efetiva, enquanto que| pequena mas representativa da topografia sistemática da prag-
ato de predicação, outro sub-ato do ato proposicional (b) é : mática.
relatado. É claro que o que me importa, sobretudo, com s
análise não é tanto o mecanismo da repetição versus relato par B . Osmodos
sequências assertivas como (39) — (42) mas antes sua i po àr
cia para as sequências que exprimem uma atitude proposicionã Meu segundo exemplo de análise da linguagem-em-con-
como (37): aliás, já sabíamos que o locutor não se engaja (Ok texto concerne os modos e, em particular, o interrogativo. A teo-
repete) em todos os aspectos do conteúdo proposicional, e qui ria dos atos de linguagem (Searle, 1969) oferece uma abordagem
uma parte desse conteúdo é só relatada (“gratuitamente”, pe muito conhecida da asserção, da ordem e da questão, e a relação
complexa desses atos de linguagem com os modos indicativo,
imperativo e interrogativo é cuidadosamente estudada em traba-
coisa que confirmar um fenômeno bem mais geral, atuando na; lhos mais recentes (ver entre outros Searle, 1976). Mas são, an-
línguas naturais: que o locutor não se engaja necessariamel tes, as sugestões de Grice (1977) que serão brevemente apre-
(globalmente) no discurso relatado nem, a fortiori, na ati sentadas aqui (B.1.), e que colocarei em contraste com teorias
proposicional relatada. A solução (32º) para sequências d potentes mas fundamentalmente errôneas, desenvolvidas segun-
forma (37) é, de fato, um caso especial da análise de (40) onde do as linhas da semântica dos modos (B.2.).
ato proposicional é repetido (e efetuado) pelo locutor mas o at 1. A pragmática dos modos
ilocucional é só relatado. Quando transformamos dizer em c!
(de (40) a (37) ), é preciso, ainda, sofisticar a fórmula. Em Ç A significação lingiística é a intencionalidade accional do
— e isto é, sem dúvida, similar para todos os espécimes de 2 discurso: o discurso é um processo de coordenação racional das
idêntico para todos os modos, (b) em um suplemento nos casos
intenções e de sua recognição. Poderíamos dizer, conseqiente-
B dos quatro tipos possíveis, (c) em um diferencial, e (d) no ra-
mente, que todo tipo de fragmento discursivo, de qualquer modo
dical ou no conteúdo proposicional, pressuposto idêntico em to-
que ele seja, é governado pelos operadores (de alcance global)
dos os casos. A diferença A/B não é necessariamente marcada
racionalidade, coordenação e interpretabilidade (a canonicida-:
por uma diferença sintática nas línguas naturais. Nos casos A, o
de da produção e da recognição das intenções). Veremos mais
suplemento está ausente, enquanto que nos casos B, está pre-
tarde que o sistema de operadores forma um sub-sistema de re-|
sente, juntando um elemento volitivo suplementar a I. Os exem-
gularidades pragmáticas, chamadas “princípios da dedução
pragmáticos”. A presença desses operadores torna as frases
plos (47) e (48) tornarão a diferença A/B mais clara.
aceitáveis e sua ausência as degenera em frases inaceitáveis. 46 . L enuncia a I um enunciado [M; + pj), se...
Aceitabilidade é um primitivo “psicológico”, analisável em duas
espécies: Q-aceitabilidade (querer) e J-aceitabilidade (julgar),
correspondente a duas atitudes psicológicas as mais prototípicas, Preâmbulo | Suplemento | Diferencial | Radical Tipo modal
uma alética ou teórica “pensar/julgar que”, e outra “prática”?
“desejar/querer que”. Segundo a teoria intencional da ação dis= 1.A| Lquerquel — julga p H A Judicativo
cursiva, todo fragmento discursivo é dominado, consegiiente julgue que L A (Ind.”)
mente, pelos seguintes operadores:
L quer que 1 julga p - B Judicativo
128
Antes de passar aos tipos (3) e (4) (os interrogativos) que geral (44), mas 2A é “intencional” em um sentido mais intuitivo
nos interessam particularmente, algumas observações que con- e mais comumente aceito. A característica comum de !A e !B é
cermnem as classes (1) e (2). É preciso notar que não há marcado- que x (L ou 1) quer que p; mas os volitivos se distinguem então
res que indicam, nas línguas naturais, a diferença A/B para os em 2A onde L é que revela a I que é ele, L, que quer que p, en-
indicativos: -- A é o caso em que L declara ou afirma que p quanto que em 2B, é L que faz saber a I que ele, L, quer que I
com a intenção primária de fazer I julgar que L julga que P, en quer que p. A distinção é geralmente bem marcada nas línguas
quanto que -B é o caso em que L declara que p com a inten- | naturais. Acrescentemos ainda que, os por assim dizer, “atos de
ção primária de fazer I julgar que L quer que I julgue que p; em linguagem indiretos” devem encontrar sempre seu lugar na ti-
t- A, é o julgamento que p por L que é tencionado, e em |-B, pologia proposta aqui: há mesmo casos que, em sua forma de
é antes o julgamento que p por I. É evidente que a maior parte superfície, são ambíguos entre H- B e !B como
das frazes indicativas podem funcionar nos dois sentidos. Mas à
interpretação preferencial é facilmente reconhecível, como em 52 . É melhor que a porta seja fechada,
47 . Meu manuscrito comporta 150 páginas, onde somente o contexto pode determinar se o fragmento é um
judicativo ou um volitivo.
que será, de preferência, interpretada como |--A, enquanto que
A gama dos interrogativos é bem mais diversificada, e é
preciso conceber uma classe de judicativos interrogativos (sim-
48 . Sua mulher está bêbada,
bolizada por 2A/B -) e uma classe de volitivos interrogativos
(simbolizada por ?A/B!). A primeira (a classe 3A4/B) concerne
será preferencialmente interpretada como |-—B. A diferença A/B
às questões cuja intenção é obter uma informação, como
é manifestamente mais importante no caso dos volitivos (catego
rias 2A e 2B). É interessante classificar fragmentos discursivos
53. Ele está em casa?
como
e a segunda classe (a classe 4A/B) concemne às questões cuja
49 . Não vou falhar, e
intenção é colocar um problema que pode provocar uma ação,
como
SO . Eles não vão passar,
130 131
pode ser “retórica”: L se interroga e tenta se formar uma idéia;
61.Lenunciaa I( ?p
QCo H : x matou Dorotéia) se L
é o caso 3A ou ?Al.. A mesma frase pode ser utilizada para re-
quer que I julgue que L quer (3h ) [I gostaria que L julgasse (x
querer efetivamente uma informação; é o caso 3B ou ?B -. Enf
matou Dorotéia)], onde ( 3)) é equivalente
classe dos volitivos inter: à variável não-
contramos a mesma possibilidade na identificada x.
rogativos. A frase
Uma ilustração da diferença A/B na classe 3 É, por exem-
57 . Eu deveria aceitar o convite?
plo, (58) no sentido de ?A - . A significação pragmática
é
que, sendo volitiva, pode provocar uma ação, pode ser utiliza e 62. L enuncia à I( N
ao H. : x matou Dorotéia) se L
por L para ele mesmo se formar uma idéia, ou para encont é quer que I julgue que L quer (304 ) [L julga (x matou
uma pista ou uma informação efetiva da parte de I. A variá el Doro-
téia)], onde ( 3a.) está identificado à variável x, no
é introduzida em todos os casos interrogativos; ela é substi- caso João.
a
A tipologia dos interrogativos apresentada aqui é indepen-
tuível por “positivamente” ou “negativamente” modificando os
dente de uma classificação gramatical: marcadores sintáticos
verbos julgar e querer: julgar/querer negativamente que p é j k e
morfológicos são facultativos e não condicionam de nenhuma
gar/querer que não-p. As condições do esquema (46) sob 3 e 4&
(notação SN); cus po- forma as distinções propostas. Assim como as condições de
concernem os “interrogativos sim-não”” sa-
(nota-= tisfação da questão como ato de linguagem, o antecedente junta-
dem ser estendidas aos “interrogativos que-como-onde
do a (45) reúne as condições de sucesso dos quatro tipos de
ção QCO) se mudamos (304 )em(3A ),e Q -julgar/querer a in-
terrogativos 3A, 3B, 4A
à -julgar/querer. Ilustremos o esquema com um exemplo 3B E e 4B. A distinção (3)-(4) concerne ao
fato que, em última instância (como
9B+. A primeira é aquela em que (3a ) faz parte da significa À intenção a mais profunda-
mente encaixada), o locutor julga o radical (interro
ção: gativo judi-
cativo) ou quer o radical (interrogativo volitivo);
a distinção
A/B em 3 e 4 concerne o fato de que uma vontade interme
58 . João matou Dorotéia? diária
do interlocutor, que o locutor julga/quer, está ausente (3A e
4A)
ou presente (3B e 4B) (presença ou ausência do suplemento).
A significação pragmática de (58) é
SN s : As condições enumeradas nos antecedentes são, pois, cla-
59. Lenunciaã I( ?B H :: matou Dorotéia) se ramente, condições de sucesso (ou de satisfação): elas só afetam
quer que I julgue que L quer [( 3a ) (1 gostaria que L julgassa parcialmente a distribuição sintática e a significação
( 3a ) está identificado à variável implicada
(x matou Dorotéia)], onde dos fragmentos lingiísticos. Elas se distinguem também,
no caso João.
no que
concerne à sua natureza, de uma lei como (44) que é um opera-
dor geral e, na terminologia que desenvolverei mais tarde,
A segunda variante é aquela em que ( 3h ) faz parte da ““'me-
tateórica”. A análise dos modos, na apresentação que acabo
significação: de
esboçar, é evidentemente pragmática; ela reúne os
dois traços
constitutivos de uma abordagem pragmática: seu objeto
60 . Quem matou Dorotéia? é inten-
cional e accional. O subsistema das regularidades que
governam
os modos aí é considerado como um sistema de condições
A significação pragmática de (60) é de su-
cesso, e o propósito avançado mais acima tem, pois, o
mesmo
132
válida da linguagem. Tal teoria semântica dos modos não admi-
de:
estatuto epistemológico que a teoria dos atos de linguagem e tirá Jamais a idéia de que a asserção, a ordem, a questão são
seu tratamento da asserção, da ordem e da questão. ações puramente convencionais e que as intenções primárias dos
locutores são, assim, sempre transparentes no processo accional
do discurso. Essa crítica do convencionalismo é pertinente em
2. A semantização dos modos um certo sentido: ela indica que não há relação uma-a-uma da
intencionalidade e da convencionalidade gramatical. A noção de
Uma teoria verifuncional pode explicar as diferenças entre “convenção”, entretanto, é utilizada então de uma maneira
os modos? Lingiistas (Karttunen, 1977) e lógicos (Hintikka, muito restritiva: é preciso enriquecer essa noção destacando-a
1974 e 1976) propuseram soluções verifuncionais para certos das características distribucionais do discurso. Mas, mesmo ad-
modos como a questão, não explorando de nenhum modo a aná- mitindo que o modelo convencionalista (no sentido restrito e
lise intencional dos modos. Uma característica comum dess efetivamente condenável) é errôneo, a ambição totalizadora de
ensaios é aceitar conjuntamente o isomorfismo entre as distin= uma teoria semântica dos modos não se revela, entretanto, váli-
ções feitas no sistema semântico-sintático dos modos (indicati- da. Mesmo certos semanticistas, que trabalham segundo a con-
vo, imperativo, optativo, interrogativo) e as distinções no siste cepção da ortodoxia extensionalista, admitem que a “semântica
ma intencional dos modos (asserção, ordem, promessa, questão). dos modos” deve repousar sobre bases específicas e diferentes
de
A enunciação de um imperativo é uma ordem, a enunciação das de uma semântica puramente referencial. Davidson (1975),
um interrogativo é uma questão, etc. O fenômeno da indireçê
por exemplo, faz a seguinte análise, chamada “análise paratáti-
(os chamados ““atos de linguagem indiretos”) e o fenômeno
ca”: acrescentamos, inicialmente, o performativo explícito indi-
i
ausência de marcadores semântico-sintáticos (em certos cando o modo, e, em seguida, separamos duas partes nelas mes-
real para
modais discutidos mais acima) formam uma dificuldade mas e separadamente verifuncionais, sob a forma de duas frases
&
essa abordagem. Dizer que o isomorfismo dos dois sistemas Justapostas. O processo da asserção é, pois
“normal”, e que os empregos desviantes são ““parasitários”
é, evidentemente, uma solução. Uma teoria semântica satisfa 65 . (João diz:) Chove,
ria dos modos deveria ser capaz:
é 65”. Eu, João, afirmo que chove,
a) de mostrar as relações entre a asserção e os outros modos:
preciso haver um elemento comum entre: 65”. a-Eu, João, faço uma asserção cujo conteúdo é dado
pelo seguinte enunciado; b-Chove.
63. Você vai abrir a porta, e
Para o caso da ordem, o processo é idêntico:
64. Abra a porta!
145
com a ostensão. Ao contrário, o contexto dêitico centra-se no que se interpenetram reciprocamente (por exemplo: o tempo
aqui e agora do locutor — chamarei este sistema de dêixis basea- | verbal, uma categoria dêitica, pode ser encarado como sendo
do no falante de sistema egocêntrico. O contexto dêitico não é | primariamente uma questão de modalidade) e precisam ser in-
exterior (ontológico) mas subjetivo. A partir da organização vestigados por uma pragmática desse tipo. O termo 'subjetivida-
egocêntrica da dêixis, pode-se estabelecer a distinção entre dêi- de” não deve ser entendido aqui em um sentido psicológico ou
xis pura e impura. Eu e você, this e that (intraduzível), aqui e lá | 'subjetivista”: o ego não deve ser compreendido como algo que
são dêiticos puros (fazem referência ao locutor e ao destinatário se possa distinguir logicamente da atitude expressa pelas moda-
sem veicular quaisquer informações adicionais a seu respeito). lidades, do papel que desempenha ao realizar o ato de referên-
Ele, ela e tal coisa (it ) são dêiticos impuros, por codificar dis- cia, ou mesmo de sua localização espaço-temporal (por mais que
tinções baseadas em propriedades do referente que não têm nada não se trate de uma localização física”). Acrescente-se que o
a ver com os papéis espaço-temporais do locutor ou do receptor : ego não é uma faculdade de raciocínio independente, que ope-
(o gênero e sua classificação, por exemplo). O importante é que rasse sobre proposições e produzisse juízos, é emocionalmente e
a “pureza” da dêixis se mede por sua proximidade ao aqui e ago-. apaixonadamente atitudinal. A inadequação das teorias da lin-
ra egocêntrico, e é por isso que a dêixis se aproxima tanto da. guagem e do sentido estruturalistas — e da semântica lógica (ve-
- modalidade subjetiva. Essa proximidade ou afastamento é emo- rifuncional) — deriva de sua incapacidade em manipular o fenô-
cional, e o ego pode distanciar-se na atitude daquilo a que faz meno da subjetividade.
referência. É sem dúvida um ponto de vista defensável que o.
Não se pode dizer que a subjetividade e os domínios cone-
egocentrismo do contexto dêitico é por natureza subjetivo. A.
Xos sejam uma prioridade explícita das investigações lingiísticas
modalidade é o terceiro domínio que precisa ser associado à.
de Jakobson. Todavia, seu “estruturalismo fenomenológico”
subjetividade (embora haja casos em que a modalidade penetra o
(Holenstein) ultrapassa de muitas maneiras o quadro dos axio-
domínio da dêixis, como já mencionamos). O único tipo de mo-.
mas de Saussure e a interpretação formalística destes pela Glos-
dalidade reconhecido em semântica lógica tradicional é o que,
semática. Jakobson aceita a tese saussuriana da “arbitrariedade
diz respeito à necessidade e à possibilidade relacionadas com,
linguística”, mas a autonomia da língua — um princípio sobretudo
valores de verdade. Mas, no caso das línguas naturais, a modali-.
metodológico — é relativo e relaciona-se à psicologia, cultura e
dade inclina-se mais para ser epistêmica ou deôntica, e os enun-
sociedade humanas. Além disso, a língua não é uma entidade
ciados que são epistêmicos ou deônticos são antes subjetivos do,
formal in se, mas serve à comunicação interpessoal. É impor-
que objetivos. Mesmo as asserções implicam num comprometi-,
tante assim que a função comunicativa não é um aspecto local
mento epistêmico, e são relativamente poucas as asserções mo-
da língua, mas uma propriedade que informa e permeia a estru-
dalmente neutras.
tura em seu todo (Erlich). Que a linguagem é teleológica não é
O estruturalismo saussuriano — e suas dicotomias — pode um princípio meramente estático. Precisa ser combinado com um
ser ultrapassado por uma teoria da linguagem (com uma heurís- outro aspecto central, a saber, sua produtividade e sua criativi-
tica própria, apropriada para aos dados empíricos) que leve em dade (Waugh), intensamente exemplificada no uso poético (me-
conta a subjetividade do enunciado. Se alguém quiser chamar O tafórico e metonímico) da língua. Mas o ponto em que as inves-
conceito de sentido que resulta deste ponto de vista de 'pragmá-. tigações empíricas de Jakobson chegam mais perto do paradigma
tico”, então a pragmática deverá reconstruir a enunciação, ou que eu apresento (subjetividade atravessando a enunciação), é
seja, as condições de produção e compreensão das sequências da. em sua tipologia das funções da língua e em seu estudo (princi-
língua. A referência, a dêixis e a modalidade são três domínios palmente morfológico) dos embrayeurs ( shifters no original.
146 147
Foi utilizada a expressão francesa, que é a que consta na primeis tre “ “ ET) . e . E
ra tradução portuguesa do texto relevante de Jakobson). entre a “qualidade material" ( signans ), e o 'interpretante ime
diato” ( signatum ).
Em comparação com Biihler, a apresentação por Jakobsolll Isso leva a uma segunda distinção entre ambas as defini-
de um conjunto de suas funções relevantes da língua é certas ções: o conteúdo, no esquema jakobsoniano, é um dado não
mente mais complexa, e os achados empíricos mais importantes, analisado, substancial e positivo, ao passo que em Peirce é um
Mas parece-me que um traço importante da concepção exposta. elemento ( item ) que se submete continuamente à interpretação.
por Biihler na Sprachtheorie se perde, a saber o nexo intrínseco: É claro que este traço interpretativo nos leva mais perto do pa-
entre funcionalidade lingúística e dêixis (egocentricamente or- radigma enunciativo porque a interpretação parece tão necessá-
ganizada: Eu/agora/aqui é a Origo des Zeigfeldes). A importân= ria à produção quanto à compreensão das categorias dêiticas e
cia do evento de fala (enunciação) é reconhecida por Jakobsom das sequências lingiísticas deiticamente marcadas.
mas sua relação com as várias funções da linguagem (excetuadas Neste artigo, pretendo apresentar algumas proposições que
as funções emotiva e conativa, onde a relação com eu e tu é evi=. esclarecem o paradigma enunciativo em seu confronto com a
dente) não é explicitada. Dêixis e enunciação são facetas im. dêixis e os embrayeurs. Como se organiza a dêixis e como po-
portantes da estrutura lingiística no quadro jakobsoniano, mas. dem ser definidos os embrayeurs uma vez aceita a subjetividade
são ainda caracterizadas como fenômenos locais, com efeitos| do enunciado como um princípio fundamental com conseqgiiên-
empíricos específicos, como os embrayeurs. E a verdade é que cias heurísticas e metodológicas e longo alcance. Como filósofo,
Jakobson não chega ao ponto de afirmar que “a dêixis pode não desenvolverei esse programa com argumentos empíricos, e
muito bem ser o mais importante fator de integração do sistema os lingúistas poderão achar estas considerações abstratas, áridas,
semântico, (...) que o sentido é essencial e inerentemente cons-. e (talvez) supérfluas. Numa primeira parte, delinearei a discus-
truído sobre a noção de dêixis”' (Van Schoeneveld, Waugh). É MB são atual sobre dêixis em filosofia da linguagem (II); acrescenta-
sabido como Jakobson situa a dêixis: “ela se constrói na tensão rei a seguir algumas idéias ( insights ) da narratologia (européia)
dialética entre código e mensagem, na antecipação da mensagem e da semiótica sobre o fenômeno da embrayage (III); finalmente,
dentro do código, e na antinomia do evento narrado com O apresentarei. alguns elementos de um modelo para a análise da
evento de fala” (Waugh, 1976:24). A interpretação e compreen- temporalidade que respondem às exigências do paradigma enun-
são do sentido das categorias dêiticas depende do evento de ciativo.
enunciação, e essas categorias (sejam elas gramaticais ou lexi=
cais) somente podemos diferenciá-las relacionando-as à enun-.
II
ciação do enunciado. A enunciação entra no sentido dos embra-
yeurs ou, para usar o termo de Peirce, dos símbolos indiciais.
Os pronomes e os demonstrativos são um tópico que intri-
Todavia, dois aspectos diferenciam em Jakobson e Peirce as ga e desafia filósofos e lingiistas. Quem pretende ter uma teoria
abordagens dessas categorias lingiísticas e semióticas cardinais. do sentido e evidências empíricas para apoiá-la, precisa ser ca-
Em primeiro lugar, Jakobson caracteriza a relação interna da
paz de reconstruir o sentido dos demonstrativos. A semântica
qual dependem os embrayeurs, a relação entre código e mensa- dos nomes próprios é uma área bem desenvolvida (eu diria,
gem (substituta de dicotomia saussuriana langue/parole e deri-
mesmo, demasiadamente desenvolvida) em filosofia da lingua-
vada da teoria da informação) ao passo que a noção de Peirce
gem. A semântica dos demonstrativos, porém, ainda é contro-
depende de uma tipologia de signos em que a relação interna é
vertida e, em alguns aspectos, inexistentes. Minha posição
148
teoria geral do sentido só será relevante se sões (isto é, nós, ontem, amanhã, etc.). Todas essas entidades
( claim ) é que uma
dêiticas adquirem seu sentido por causa de sua relação intrínseca
puder tratar da dêixis e dos demonstrativos de maneira válida €
com o contexto de fala. Muitas denominações já foram usadas
sensata. Esta foi precisamente a intuição de Frege quando ele
chegou à conclusão de que sua teoria do sentido, em tudo mais. para essa classe de palavras: “reflexivas de ocorrência ( token-
realmente elegante ( aesthetic) (e em particular sua distinção | reflexive )' (Reichenbach), “particulares egocêntricas ( egocen-
tric particulars )' (Russell) e tindiciais ( indexicals )'. Usarei a
entre sentido e referência) exigia emendas radicais por causa das
peculiaridades semânticas das categorias dêiticas da linguagem. segui terminologia: “demonstrativo” como termo genérico
Defenderei, no terreno teórico, uma teoria da dêixis em que todo indiciais puros" e “demonstrativos puros” como duas subclasses,
o domínio das categorias dêiticas se concentra ao redor de Eu. uma das quais requer uma ostensão ou demonstração concort-
Chamo esse tipo de teoria “teoria egocêntrica da dêixis”, em tante ao passo que a outra não precisa.
oposição à teoria ostensiva da dêixis. demonstrativo ie
a
Para começar, esclareçamos a terminologia. Em primeiro
lugar, a noção de categoria dêitica ou demonstrativa é tradiício- indicialj puro demonstrativo puro
nalmente usada para a categoria de palavras cujo sentido tem as- (paradigma: Eu) (paradigma: isto/aquilo)
sociada, como pré-requisito, uma demonstração (incluindo, Deixi
maioria dos casos, o gesto de apontar que acompanha). Os is Ostensão
exemplos mais puros são isto, aquilo (pronomes demonstrativos;
A distinção entre tindicial puro” e “demonstrativo puro” é
embora o advérbio lá esteja muito próximo a isto, aquilo) clara enquanto abstração, mas defenderei que a distinção não é
Aqui, por outro lado, já é um caso problemático: preciso acres=
a uma oposição e sim um eixo, com um contínuo de posições in-
centar uma demonstração (apontando) para significar al termediárias. O ponto de partida continua sendo que alguns de-
coisa com aqui, ou tenho apenas que estar em algum lugar como
monstrativos requerem uma demonstração concomitante para
um eu para significar com aqui? Ademais, também ele pode ser determinar seus referentes; esses demonstrativos são demonstra-
usado como demonstrativo no sentido ostensivo (Ele é um
usa tivos puros e, neste caso, a expressão demonstrativa se refere
sassino). Lembre-se porém que isto, aquilo não são sempre àquilo que a demonstração mostra: isto é, uma regra lingúística
dos como demonstrativos: isto/aquilo podem também ser anafó-
presume que essa demonstração acompanha o uso dos demons-
ricos, referindo-se a sintagmas da sequência anterior do di trativos puros. Por outro lado, não se requer nenhuma mostração
so; e a anáfora não pode nunca ser demonstrativa no sentido: para os indiciais puros; e qualquer mostração feita no caso dos
A fim de dispor de noções distintas, considerarei que
ostensivo. indiciais puros ou é irrelevante ou ocorre por ênfase estilística
as categorias dêiticas se incluem como um subgrupo entre O
eu) são os exem
ou retórica. O falante fala de si próprio quando usa Eu, e não há
demonstrativos. Eu, tu, agora (e aqui, penso
gestos de apontar que alterem essa referência. ,
plos mais puros. O referente dessas expressões depende
contexto de uso, sendo que o sentido da expressão proporcioni Neste ponto, eu poderia concluir que o referente de um
dé
uma função ou um meio que determina o referente em termos demonstrativo puro depende da demonstração concomitante, ao
aspectos desse contexto. A batalha, certamente, será tra passo que o referente de um indicial puro depende do contexto
certos
vada acerca do modo como se deve tornar exata essa definiçã de uso. Mas isso ainda não é definição substancial do sentido
dos demonstrativos. Sem entrar em questões lingiísticas empíri-
de Eu, tu, agora e aqui. Há categorias derivadas dessas (isto É;
meu, teu, neste momento, hoje, etc.) assim como há extens cas, enuncio minha posição por redução e em quatro etapas,
mim,
150 151
pas, ato de pronunciar um nome próprio e o contexto de fala (falante,
concentrando-me no sentido de Eu, que será encarado como
dos demonst rativos como um todo, tempo, espaço) não influenciam o conteúdo semântico do nome
radigmático para o domínio:
As quatro teses que eu defendo são as seguintes: próprio. É certo que se pode discutir — e esta é a questão can-
dente na controvérsia sobre nomes próprios — se há um aspecto
1. Eu é uma expressão referencial mas não um nome pró-: de seu conteúdo semântico que seja um meio intralingiiístico de
prio, fazer referência (Frege: sim; Kripke: não); mas é possível aceitar
2. Eu é um demonstrativo mas não um demonstrativo pu- que o próprio conteúdo semântico é independente do contexto.
TO; A tese kripkeana de que os nomes próprios se referem rigida-
3. Eu é uma função proposicional mas não um modo de mente à sua história causal (na realidade, ao batismo do indiví-
identificação;
duo por meio do seu nome próprio) contra-argumenta, precisa-
mente, contra a dependência contextual do sentido dos nomes
4. Eu é um designador mas não um designador rígido. próprios.
Costuma haver acordo quanto ao fato de que a referência
por meio de fragmentos lingúísticos é realizada, pelo menos, 2. Os demonstrativos fazem referência a indivíduos em sua
através dos três procedimentos gramaticais a seguir: 1- por refe- unicidade, mas o fazem por determinação a partir do contexto.
rência própria (isto é, a referência através de nomes próprios, Não há história causal para os demonstrativos; ao contrário, há
como Deng-Xiaoping e Pequim ); 2- por referência descritiva: & um uso referencial dos demonstrativos, e esse uso é significativo
o caso das descrições definidas e indefinidas, onde alguns lexe=] no contexto.
mas são modificados pelo artigo definido ou indefinido (s
preciso dizer que nestes casos a primeira função da expressão, 3. As descrições (in)definidas funcionam de muitos modos: po-
descritiva é sempre predicativa, e a função derivada é referer dem funcionar quer como expressões predicativas (não referen-
cial, como em descrições definidas do tipo o Vice-Primeiro Mk cialmente) quer como expressões referenciais; e neste último ca-
nistro da China ); e 3- por referência pronominal (por meio de : so podem realizar a referência quer como nomes próprios quer
pronomes e advérbios pronominais). Os lingiistas alertam para O) como os demonstrativos. Essa versatilidade tona o estatuto das
fato de que a combinação ulterior desses três procedimentos & descrições (in)definidas deveras complexo. A teoria das descri-
sempre possível: expressões como o Chaplin/de chapéu preto, à ções definidas será uma teoria derivada. Do fato de que as des-
Amsterdálda geração Punk, qud quer pessoa/daqui, e nossa; crições definidas podem funcionar como nomes próprios e de-
adorada!Margarete contêm combinações de elementos próprios,. monstrativos não decorre que os nomes próprios e os demons-
pronominais e descritivos. Mas essa combinação, mesmo quando trativos sejam adequadamente caracterizados quando se diz que
cria redundância semântica, não elimina a especificidade dos eles são descrições definidas — todos conhecemos as dificulda-
procedimentos em si. des de Russell ao definir os nomes próprios como descrições de-
Precisamente do ponto de vista simples da economia dos finidas.
meios lingúísticos, a existência dos três procedimentos habilita- Afirmo que eu é na verdade um tipo de expressão referen-
nos para construir uma teoria arquitetonicamente satisfatória. cial; mas é inadequadamente construída se for encarada como
um nome próprio. Os linglistas constatam com frequência que
“1. Os nomes próprios fazem referência a indivíduos em sua eu tem a sintaxe de um nome próprio, e que é um substituto dos
- unicidade, mas eles o fazem sem determinação pelo contexto: 0, nomes próprios pessoais na posição de sujeito (desde que sejam
152
feitos nas terminações do verbo os ajustes apropriados). Mas is- ostensivas da linguagem, a linguagem adquire uma força argu-
so não pode significar logicamente que o sentido dos demons- mentativa, interacional e transformacional, e como tal tem um
trativos se reduz ao sentido dos nomes próprios. Anscombe, em valor prático (não apenas veritativo). Tanto a realidade como o
seu artigo pioneiro, “A primeira pessoa”, opõe-se corretamente contexto intersubjetivo são modificados por essas operações.
a essa redução (Anscombe, 1975), e afirma que se eu é um nome
Quando afirmo que eu é uma expressão referencial mas não um
próprio, sua referência não pode ser desprezada, mas deve ser nome próprio, quero dizer, precisamente, que eu não faz refe-
associada com um critério que dá ênfase à re-identificação do rência como os nomes próprios fazem, representacionalmente. A
indivíduo que representa; e, com certeza, a aplicação de um cri- sensibilidade para com o contexto dos demonstrativos não é me-
tério desses parece não ser uma parte essencial do sentido visa- ramente passiva: dizer eu, agora e aqui tem um valor prático,
do pelo uso de eu. pois tais fragmentos são constitutivos com respeito ao contexto
O aspecto filosófico decisivo que eu gostaria de estabele- interacional e intersubjetivo. Considerar a linguagem como ca-
cer é que o sentido de um demonstrativo não pode ser identifi- paz de realizar esse papel de transformação é reavaliar a de-
cado com o sentido de um nome próprio, não importando que se monstração ( demonstration ) em confronto com a representa-
tenha dos nomes próprios uma concepção russelliana [o sentido ção, os demonstrativos em confronto com os nomes próprios.
do nome próprio é o sentido como (conjunto de) descrições) de- A segunda afirmação que eu gostaria de discutir é a se-
finida(s)], fregeana (o sentido do nome próprio é o modo de guinte: eu é um demonstrativo, mas não um demonstrativo puro.
identificação do indivíduo) ou kripkeana (o sentido do nome Isto não é apenas uma tese sobre eu, mas também um modo de
próprio é seu referente, a saber, a história causal do referente hierarquizar o domínio dos demonstrativos. De fato, a unifica-
nomeado). De fato, todas as teorias paradigmáticas do sentido: ção do domínio como um todo pode ser conseguida de duas ma-
têm tomado o uso do nome próprio como uso prototípico das neiras diferentes: há a qualificação “ostensiva” dos demonstrati-
entidades lingiiísticas: esta generalização abarca desde Russell & vos (da qual Russell deu a versão mais radical), e há a qualifica-
Frege até Kripke, Donnellan e Putnam. O sonho de uma língua ção 'egocêntrica' dos demonstrativos em que o paradigma dos
apenas com nomes próprios é um velho sonho com fortes raízes demonstrativos é eu (de que Frege é um porta-voz sofisticado).
metafísicas — nomeadamente, a idéia de uma língua constituída Todos os demonstrativos (inclusive isto/aquilo) podem ser ex-
por termos cujo sentido se esgota numa correspondência um-a plicados por sua relação com eu.
um com particulares na realidade. Russell - como de fato muitos Russell eliminou de maneira fácil o problema da heteroge-
semanticistas e lógicos [ as in fact may (sic) semanticitists and neidade das expressões demonstrativas na língua (Russell,
logicians | — dá realce à função representacional da língua: isto 1905). Segundo ele, todas as categorias dêiticas e ostensivas
é, ao fato de que a língua representa objetos, acontecimentos é podem ser reduzidas à categoria de base isto/aquilo. O sentido
estados de coisas, enquanto os referentes são as condições de de isto/aquilo, então, não é nem a ) o sentido de um nome pró-
valor (de verdade) das segiiências linguísticas. Tão logo os de- prio gramatical (atende-se para o argumento arrevezado de Rus-
monstrativos são levados a sério como parte da língua, tornar-se sell: os nomes próprios sempre podem ser aplicados a vários
possível uma representação alternativa altamente específica do objetos, e isto/aquilo só se aplica a um objeto, numa situação
funcionamento da língua. As categorias dêiticas e ostensivas não espaço-temporal específica); b ) nem o de uma descrição defini-
são nunca representações puras do mundo — elas permitem inter- da como, por exemplo, o objeto que está agora no foco de minha
venções na estrutura estabelecida da realidade, elas são praxes. atenção (a individualização de isto/aquilo ainda demandaria ca-
Tão logo nos damos conta das operações ( workings) dêiticas € tegorias dêiticas e ostensivas na descrição definida, como agora
154
postula uma relação existencial, por exemplo por meio de um
e minha atenção; c) nem o de conceitos gerais como, por)
gesto (o apontar), como em Isto é uma mesa; 3 . e os ícones, de
exemplo, aquilo que todos os objetos chamados sucessivamental
menor importância aqui, são signos em que o objeto é identifi-
de “isto/aquilo” têm em comum (porque nenhum conceito geral,
cado, como no diagrama de uma máquina (ver Jakobson, 1965).
comporta o sentido da unicidade espaço-temporal de isto/aqui-:
Os demonstrativos, nesta classificação, são símbolos indiciais:
lo). Há três aspectos na solução russelliana para o problema da
entidades de linguagem tendo, de um lado, um sentido simbólico
unificação dos demonstrativos:
ou convencional fixo, e de outro, um sentido indicial variável,
que corresponde às circunstâncias particulares da fala. A difi-
1. A redução de todas as chamadas partículas egocêntri-
culdade que Peirce tematiza com respeito aos demonstrativos,
cas ( egocentric particles ) se faz numa única direção. O sentido
foi, na verdade, o fato de que os demonstrativos sempre têm o
de aqui é lugar de isto, de agora, o tempo de isto, e de eu, à
mesmo sentido simbólico, mas com sentido indicial variável.
biografia à qual isto pertence. Eu estou, de acordo com Russell, ;
significa isto está; eu estou quente significa isto é calor ou calor A semântica de Frege, que é uma alternativa à de Russell —
está aqui. os demonstrativos são organizados egocentricamente — com sua
distinção entre sentido e referência, é candidata adequada para
2. Isto é x, de fato, equivale a a propriedade x está aqui uma definição coerente do estatuto dos símbolos indiciais, para
(está presente). Portanto, as circunstâncias do uso das categorias usar a terminologia peirceana. O fregeano afirmará que para
dêiticas e ostensivas são os estímulos diretos para o ato lingiiís- compreender o sentido dos demonstrativos, três tipos de conhe-
tico de dêixis e ostensão. Claramente Russell identifica a pre- cimento — dois necessários e um opcional para o domínio dos
sença física e (físico-psicológica) e o aqui lingúístico. indiciais puros — devem ser pressupostos no sujeito falante que
está usando e compreendendo uma linguagem demonstrativa:
3. De fato, o sentido de isto/aquilo é redutível ao sentido: 1. o conhecimento da localização espaço-temporal da emissão
dos nomes daquilo que, na realidade, está presente para o fa- (utterance) da segiência lingúística: para saber o sentido de
lante. Isto remonta à ontologia de Russell, o atomismo lógico, € agora, preciso saber quando a segiiência lingiiística foi emitida;
ao sonho da linguagem logicamente perfeita. As partículas ego- para saber o sentido de aqui preciso saber onde a segiiência lin-
cêntricas são nomes próprios lógicos, ou seja, expressões em guística foi emitida; 2. conhecimento das regras do uso lin-
correspondência biunívoca com átomos lógicos. gúístico (isto é, o conhecimento do sentido simbólico dos de-
monstrativos): é preciso saber que eu tem o sentido simbólico a
pessoa que emite a seqiiência lingiiística; e que esta em esta ci-
A doutrina fregeana é mais sofisticada, e a unificação do
domínio dos demonstrativos como um todo vai na outra direção, dade tem o sentido simbólico a cidade na qual a emissão da se-
quência lingiística se realiza. Este segundo tipo de conheci-
a correta. Para compreender as motivações da teoria fregeana
dos demonstrativos, uma orientação sábia é retomar a classifica- mento tem que ser considerado o meio essencial e necessário pa-
ção dos signos de Peirce nas três conhecidas classes dos símbo- ra a realização do primeiro tipo de conhecimento — isto é, o pro-
los, índices e ícones (veja-se Burk, 1949). Lembremos as defini-
pósito do uso demonstrativo da língua; 3. o primeiro e segundo
ções: 1. os símbolos são ligados pelo intérprete ao objeto com tipos de conhecimento bastarão para a produção e compreensão
a ajuda de uma regra convencional de grande generalidade: por do sentido dêitico; o terceiro tipo é opcional para a compreensão
exemplo, vermelho é um símbolo na sentença A mesa é verme- dos indiciais puros, mas “é necessário para a compreensão dos
lha; 2 . os índices são ligados ao objeto pelo interpretante, que demonstrativos puros. Na verdade, para compreender o sentido
156 157
ostensivo é preciso ter conhecimento da direção de aplicação, | termina se o enunciado expressa uma proposiç ão
posição si
singular con-
quer por ostensão explícita ou por descrição suplementar. tendo eu. Para perceber que eu é um referente formal e não um
torna-se portanto um demonstrativo puro na expressão esta árvos pensamento ou (um conjunto de) crença(s), poder-se-ia afirmar
re (em oposição a esta cidade, onde esta aparece como extensão numa terminologia mais técnica que o falante da língua precisa
de um indicial). A solução de Frege no qualificar demonstrati= entender eu como uma função proposicional e não nã co
vos puros é afirmar que nenhuma localização espaço-temporal é modo de identificação. e
possível sem conhecimento da direção de aplicação. À
É precisamente este o ponto em que o filósofo se torna an-
Há uma dificuldade fundamental em como considerar O tifregeano. A maneira pela qual eu é uma expressão referencial
primeiro tipo de conhecimento que se requer para compreender, não é como modo de identificação. Se isto é verdade para eu
eu. Acaso será preciso que haja algo no sentido de eu além de, será verdade também para a escala dos demonstrativos em si
meramente, a pessoa que está aqui e agora, ou sua qualificação todo (desde os indiciais puros até os demonstrativos puros, ao
espaço-temporal? Se eu é uma auto-apresentação incomunicáve longo do eixo todo). ,
— como sugere Frege em Der Gedanke (Frege, 1956) — então
a teoria fregeana da linguagem poderia tornar-se paradoxal. Sug Kaplan (The Logic of Demonstratives, manuscrito sem
teoria do sentido dirige-se explicitamente contra a idéia de sens data) cita sentenças como os exemplos que seguem para ilustrar
tidos privados. No quadro de sua ontologia realística, os senti a dificuldade do ponto de vista fregeano:
dos incomunicáveis precisam .ser inadmissíveis. Os sentidos são
públicos pelo fato de que a objetividade do mundo é pública. S Eu não existo.
as entidades dêiticas, como eu tivessem sentidos privados, have Quem me dera que eu não estivesse falando agora.
ria ilhas de escuridão subjetivística na língua: alguns aspectos
Logo será o caso de que tudo aquilo que agora está bonito
primitivos de mim (e possivelmente do meu “lugar no mundo”) terá passado.
seriam passíveis de apresentação (de conhecimento) somente pê
ra mim. Isto poderia ser uma quebra séria na teoria fregeana do Eu recebi insultos ontem.
sentido, mas o fato é que não é. É possível que, no Brasil (original: in Belgium ), daqui a
A questão daquilo que o falante sabe a respeito de si mes» dois anos, somente aqueles que estão efetivamente aqui
mo quando ele diz eu não tem nenhuma importância. O proble- agora serão felizes.
ma do caráter privado do sentido de eu desaparece tão logo 8
admite que o sentido de eu não é um sentido epistêmico, não A tese que afirma ser eu uma função proposicional (sem
uma crença e não um pensamento. Afirmo que nenhuma forma] ser um modo de identificação) não significa que eu e os demais
especial de conhecimento ou crença a respeito de um objeto & demonstrativos não têm regras de uso semânticas fixas que de-
exigida ou pressuposta para que uma pessoa possa falar ( ent: terminam seu referente em cada contexto de uso. Existe, sim,
tain ) uma proposição singular envolvendo eu. Desta posição uma regra semântica que determina seu referente em cada con-
decorre que a ignorância da referência não elimina o caráter re texto de uso, mas a regra não gera o sentido do indicial a partir
ferencial de eu, e, por conseguinte, dos demonstrativos. Isto das circunstâncias de avaliação [o enunciado ( utterance ) com
a refutar as assim chamadas “Teorias da referência por familia seu sentido intrínseco], mas antes a partir do contexto de uso
dade ( acquaintance )' segundo as quais é o conhecimento que € efetivo. A regra apenas proporciona um objeto, um estado de
tem do referente, e não a forma da referência, que de coisas ou um acontecimento ( state of affairs or event ) de modo
falante
158 159
de ava
que a distinção entre contexto de uso e circunstâncias indiciais, e especialmente de eu é determinado com respeito «
circuns tâncias de avaliaç ão são as
ção é altamente adequada. As contexto de uso. É irrelevante, ou inaplicável a ele a determina-
dada ocasião
“circunstâncias” que cercam aquilo que é dito numa ção do referente com respeito às circunstâncias de avaliação.
ado (
de uso. É por isso que o valor proposicional de um enunci Segue-se que, em cada uma de suas ocorrências (utterances) eu
do valor
" eu enquanto função proposicional) deve ser distinguido é referencial: eu faz referência à pessoa que o pronuncia, mas eu
sentencial de um enuncia do: isto é, uma função proposi cion a! pode ter um conteúdo diferente em cada uma de suas ocondne
uso” ao passo que um fragmen to de discur=
tem um “contexto de cias, de acordo com modos de identificação sentenciais. Heuris-
so (palavras e sintagm as, por exempl o) tem “circun stância s di ticamente (na perspectiva de alguém que “descobre” ou compre-
, ende eu como uma expressão significativa), a ordem será inver-
avaliação”.
extensões) tida: compreende-se primeiro a relação do indicial com as cir-
A regra semântica apropriada para eu (com suas
em cada context o de uso possíve l, eu S€ cunstâncias de avaliação sentenciais, e depois sua relação com o
poderia ser a seguinte:
o. Esta regra de design ação não po de contexto de uso efetivo. David Kaplan, que elaborou a distinção
refere ao agente do context
objeto relevan te a cada circunst âncii entre contexto de uso e circunstâncias de avaliação
i apre sen
ser usada para atribuir um
em que cifs seguinte terminologia: i
de avaliação. Tome-se por exemplo eu não existo: “e
eu disse seria verdade ”? Seria verdade em
cunstâncias aquilo que
eu não fa
circunstâncias tais que eu não existisse. Claramente, SENTENÇA Circunstâncias
de avaliaç ão, mas ao agente do cons
referência a circunstâncias
texto de uso; e circunstâncias de avaliação não envolvem
as
, né
contextos de uso e agentes que não existem. Analogamente PROPOSIÇÃO Contexto Conteúdo
agora, à
exemplo quem me dera que eu não estivesse fá ando
não envolv iam context os de uso |
circunstâncias desejadas
falando . O context o efetivo de uso inte r
agentes que não estão Personagem
indivíd uo relevan te, me; e a seguir esta
vém para determinar o
tâncias de avaliaç ão desse indivíd uo O conteúdo de eu é uma função sentencial de possíveis
belecemos várias circuns
se diz na oração tudo aquilo que agora est circunstâncias a intensões; a personagem de eu é uma função
Considere-se o que
sequênci
bonito terá passado. Quero avaliar o conteúdo dessa proposicional de possíveis contextos a conteúdos. Os dom
te asso
em algum momento futuro; mas qual é o tempo relevan trativos, e em primeiro lugar eu, tem sua personagem como sen-
Na sen! ençê
ciado a agora? É o tempo do contexto de uso, (1º). tido. Em conclusão, deve-se dizer que eu é uma função proposi-
É possível que, no Brasil daqui a dois anos, somente aque cional não por ser um modo sentencial de identificação, mas por
aqui e ago
“que estão efetivamente aqui agora serão felizes, a um designador do contexto de uso. Mas eu não é uma regra
e não o com
são o lugar e o tempo do contexto de uso (pºtº), É a GRaÇÃO rígida, e os demonstrativos não são designadores
determinada:
junto de circunstâncias de avaliação tais como são
temporal),
pelos operadores sentenciais (de localização espaço- . Conforme Já observei, a ordem heurística para entender
tº, porque ses
Ontem em Qntem recebi uns insultos é ontem para segiiências demonstrativas é a seguinte: em primeiro lugar en-
de avali
ria hoje se o tempo fosse o tempo das circunstâncias tende-se a relação do indicial com suas circunstâncias senten-
ção. ciais de avaliação, e em seguida sua relação com o contexto «le
do
Isto leva a formulação da terceira proposta: o sentido uso. Reavaliar a heurística é um efeito colateral de uma opção
160 161
mais geral: construir uma teoria do sentido como teoria da con designar-se a si próprio nesse papel, e é considerado como tendo
preensão. Uma 'competência comunicativa” pragmática é ur esse propósito pela comunidade. Por conseguinte, eu é uma re-
| competência da compreensão ou do “descobrir a significân gra de designação ou um designador, mas não um designador rf-
| das sequências discursivas. Há portanto uma assimetria essenck gido: eu não tem uma função referencial transparente — ao con-
À
, entre produção e compreensão em pragmática. Todavia, compr trário, eu é uma condição opaca sobre a força, e um princípio
ender não é um estado mental ou uma experiência específica =. opaco de funcionamento lingiiístico racional e cooperativo. Para
antes uma habilidade extrínseca ou uma operação-no-mundi concluir, menciono que a ação do eu sobre o discurso como um
Compreender é uma operação prática ou interacional; compr todo vai além da categoria gramatical dos demonstrativos. Toda
ender aquele-que-fala-eu é outorgar ao falante a Autoridadedi a estrutura da língua se organiza ao redor daquele-que-diz-eu e
Primeira Pessoa. Davidson escreveu recentemente (texto mi de sua referência ao seu papel, outorgado pela comunidade. Esta
publicado de 1983) a respeito da autoridade especial com quil é, sem dúvida, a essência da perspectiva pragmática da língua, e
falantes se atribuem, a si próprios, estados mentais e aconteç seria de grande interesse ver de que modo essa posição 'ego-
mentos. Ele encontra uma explicação para essa autoridade 1 centricamente” orientada a respeito dos demonstrativos, do uso
natureza do ato interpretativo, pois o argumento visa a mostrã demonstrativo da língua, ou daquele-que-diz-cu se comportaria
que a interpretação depende de o intérprete delegar essa a! tor submetida a testes em lingiiística empírica.
dade ao falante.
A interpretação e a Autoridade de Primeira Pessoa est
dialeticamente entretecidas. De um lado, pode-se encontrar ur III
explicação para essa autoridade na natureza do ato interpretaf
vo, e pode-se sustentar que a interpretação depende de que Uma teoria pragmática da língua entende que todas as se-
intérprete outorgue essa autoridade ao falante. De outro, não k quências linguísticas são modificadas por aquele-que-diz-eu.
autoridade que não seja válida intersubjetivamente, por isso! Aquele-que-diz-eu detém a Autoridade de Primeira Pessoa, que
outorga da autoridade é uma conditio sine qua non da subjetiy consiste em embrear no/desembrear do discurso ( shifting in and
dade daquele-que-fala-eu. Dada a natureza da interpretação ed shifting out of the discourse ). Meu propósito é relacionar a
compreensão, a Autoridade de Primeira Pessoa decorre. Dada análise da Autoridade de Primeira Pessoa a uma versão modifi-
autoridade especial daquele-que-fala-eu, que não é conquista cada da teoria jakobsoniana dos embrayeurs lingiísticos.
nem ganha, mas outorgada, o ato de interpretação ou comp ecl
são constitui a subjetividade do falante. A Autoridade de E
meira Pessoa outorgada pela comunidade dos intérpretes àquel O embrear
que-fala-eu, consiste no fato de que se considera ( is assua
que aquele-que-fala-cu tem direito à designação dos objeto; Mesmo quando o sujeito se torna o “objeto” de uma atenção
eventos e estados de coisas no mundo, e antes de tudo do suje autoconsciente por parte da linguagem, voltada para si mesma,
to, do acontecimento e do valor que ele tem em mente ( means ainda acontece que a subjetividade se “mostra” sem “dizer-se
ao dizer eu. Ele não precisa saber mais sobre si mesmo do que por meio de informações gramaticais-sentenciais. Dizer e mos-
papel que ele desempenha na interação e intersubjetividade; € trar são categorias classicamente em contraste, exploradas por
zendo eu (tu, nós, aqui, agora), aquele-que-fala-eu faz referên Wittgenstein, Austin, Benveniste e Biihler (veja-se a oposição
cia ao seu papel no intercâmbio, tem o propósito de ( intends Zeichen/Anzeichen ). Quando o discurso é modificado por
163
aquele-que-diz-eu, o. é em primeiro lugar por evidência dêitica € i implícitas, visam a produzir, entre outras coisas, um efeito de
modal. A modificação dêitica dá-se, por exemplo quando o eu é. identificação entre o sujeito da fala e o sujeito da enunciação”
“embreado no” ( shifted in ) discurso (não apenas como uma re- (Greimas, 1979:150). O engajamento pode ser dividido em ato-
gra gramatical-distribucional, mas como uma função de designa- rial, temporal e espacial, frequentemente juntos e acontecendo
ção, e mesmo como uma condição para a interação e intersubje- sincreticamente. Podemos interpretar o engajamento como a ne-
tividade, e como um princípio “axiológico” de cooperação, coor- gação de não-eu, realizada pelo sujeito da enunciação, e visando
denação, veracidade, autenticidade e assim por diante). É evi-: a um (impossível) retorno à fonte da enunciação. Um dos prin-
dente que a maneira como estou introduzindo o termo 'embrear cipais resultados da análise semiótica dos textos narrativos é que
em” nada tem de ortodoxo quando referido ao uso que Jakobson,. existem todo tipo de estratégias criando o tempo todo a ilusão
fez da categoria dos embrayeurs. Há, principalmente, três dife- enunciativa. Na verdade, o engajamento é a um só tempo um
renças. Em meu enfoque, não são relevantes os embrayeurs co-. objetivo da enunciação e uma espécie de fracasso, uma impossi-
mo categorias morfolexicais estabilizadas, mas o embrear como| bilidade de atingir aquele objetivo. “As duas “referências” com a
um procedimento ou operação discursivo-textual; além disso, O | ajuda das quais se busca uma saída do mundo fechado da lin-
embrear não diz respeito somente à presença de eu como uma guagem são um meio de grampear esse universo sobre uma exte-
regra gramatical-distribucional: a ação do eu nesses níveis mais, rioridade totalmente diferente — referência ao sujeito (ao domí-
profundos da proposição, a unidade de ação e a estrutura actan- nio da enunciação) e referência ao objeto (ao mundo que cerca
cial têm um alcance mais amplo do que simplesmente as catego- os seres humanos, como referente). Essas referências são bem-
rias e distribuições gramaticais; e, finalmente, o embrear em tem. sucedidas, em última análise, somente em criar ilusões: a ilusão
uma contrapartida perfeita no debrear de: há proceduras que são. referencial e a ilusão enunciativa'” (Greimas). Um outro movi-
efetivadas por estar o eu presente e outras efetivadas por estar O | mento dialético deve ser observado: contrariamente ao que
eu ausente. Esta terceira propriedade é quase geralmente esque- | acontece no momento do desengajamento, cujo efeito é o de re-
cida na teorização lingiiística em andamento. ferencializar o domínio em que sua operação começa, o engaja-
A narratologia e a semiótica contemporânea analisam a mento produz uma des-referencialização do discurso que ela
dialética do embrear em e debrear de, do “engajamento” ( em- concerne: aqui, de novo, pode-se identificar a intensidade da
brayage em francês no original) e do 'desengajamento” ( débra- | dêixis e da modalidade subjetiva na realidade, a intensidade de
yage, idem) no interior de textos e outros objetos semióticos (do ambas as manifestações da subjetividade (dêixis e modalidade)
mundo cultural e mesmo do mundo “natural"). 'Engajamento” de- afasta o mundo, enquanto referente objetivo, para longe do dis-
signa o efeito de retorno à enunciação. Cada engajamento pres- curso. ,
supõe um desengajamento, operação que o precede “logicamen-
te”. “Quando, por exemplo, o presidente americano diz” '— A
América é um país maravilhoso”, ele opera um desengajamento O desembrear
da fala, que instala no discurso um assunto ( subject) distinto,
distante com respeito ao domínio da enunciação. Por outro lado, Observa-se em análise do discurso que alguns tipos pecu-
se a mesma pessoa dissesse: '- O presidente americano pensa liares de discurso são caracterizados pelo fato de que aquele-
que...”, tratar-se-ia ainda de um desengajamento da fala, mas um que-fala-eu tem uma autoridade especial para retirar-se (para au-
desengajamento que é suplementado por um conjunto de proce- sentar-se) — é o caso por exemplo no discurso científico e no
duras que chamamos engajamento e que, embora permaneçam discurso didático. Verdadeiramente complexos e sutis, os proce-
164 165
dimentos de debreagem são menos observáveis: a maneira obje- da enunciação está sempre implícito e pressuposto, que esse su-
tiva de falar no uso científico da linguagem é, com efeito, uma jeito não é nunca manifestado no interior da fala. Começando
maneira de esconder a subjetividade que o origina, com seus pelo sujeito da enunciação, implícito mas produtivo na fala, o
motivos e objetivos gerais e específicos. Mas também a comuni- ator da enunciação ou o ator da fala pode ser projetado por sua
cação indireta, e todos os tipos de comunicação desviante (a instalação no discurso. No primeiro caso, realiza-se um desen-
mentira e a manipulação pela linguagem, em especial), são casos gajamento enunciativo, no segundo um desengajamento de fala
em que o sujeito que fala está 'debreando do” discurso. Há téc- (utterative) [como nas narrações que têm sujeitos convencio-
nicas para simular a ausência de performatividade, expressivida- nais ( commonplace ), no assim chamado discurso “objetivo"].
de e envolvimento subjetivo nos fragmentos lingúísticos, e estes Notar-se-á que cada desengajamento produz um efeito de refe-
são os fenômenos que apresentam a maior dificuldade para se- rencialização: o discurso *desengajado" dá a impressão de que a
rem descritos e explicados sistematicamente. O problema con- narrativa constitui a “situação real” do discurso: ele referenciali-
siste no fato de que o debrear é um ataque evidente à comunica- za a narrativa. Paralelamente ao desengajamento actancial, o de-
ção e à solidariedade. A norma comunicativa é que o falante ex- sengajamento temporal pode ser compreendido como um proce-
presse sua intenção de ser comunicativo. O debrear pode marcar dimento para projetar o termo não-agora, no momento da fala,
cada um dos três aspectos da dêixis: a dêixis pessoal ou actan- para fora do domínio da enunciação. Essa projeção permite a
cial, a dêixis temporal e a dêixis espacial. O eu debréia em construção de um tempo objetivo, que começa pela posição que
quanto pessoa aplicando procedimentos em pelos quais se reali- pode ser chamada o tempo-então. Considerando o tempo-então
za um tipo de Ele neutro (a verdade, por exemplo, é uma instân- como um tempo zero e aplicando (a partir desse ponto zero) as
cia da universalidade, e é intrínseco à verdade o não ser contin- categorias de concomitância/não-concomitância (anteriorida-
gente a um sujeito). A debreagem temporal realiza uma espécie de/posterioridade) é possível construir um modelo da temporali-
de tempo u-tópico onde a indicialidade temporal é colocada en- | dade da fala que permite a identificação dos vários tipos de dis-
tre parênteses e idealizada. Uma neutralização topológica é cursos narrativos. Procedendo de maneira inversa, as operações
igualmente possível quando o sujeito falante localizado espa- desengajadas podem ser a partir daí engajadas de modo a produ-
cialmente se retira ou manipula o intérprete com respeito à pos- | zir a ilusão de sua identificação com o domínio da enunciação
sível direção das coordenadas espaciais. (nisto consiste o engajamento temporal). O desengajamento es-
semiótica, podemos definir “de- pacial, por sua vez, é um procedimento que resulta em expulsar
Usando a terminologia
para fora da enunciação o termo não-aqui, fundando o espaço
brear” ou desengajamento como a operação por meio da qual a
“objetivo” de fala (o espaço alhures). Vê-se que a projeção do
enunciação disjunge e projeta para a frente a partir de si, no
ligados à sua estrutura de base. termo aqui, simulando a localização da enunciação, é igual-
momento de fala, certos termos
mente possível. Sistemas referenciais secundários para a atoria-
A fala aparece, assim, como um duplo ( split ) que cria, de um
lização, a temporalização e a espacialização do discurso narrati-
lado, o sujeito, o tempo e o lugar da enunciação e, de outro, a
vo são freqiientes. No caso da espacialização, por exemplo, o
representação actancial, espacial e temporal da fala. O desenga
domínio da enunciação pode ser instalado na fala na forma de
jamento actancial consistirá então em disjungir um não-eu do
um simulacro, e o espaço do aqui pode ser inscrito no discurso
sujeito da enunciação, e projetá-lo na fala; o desengajamento
como um espaço de enunciação relatado. A semiótica e a narra-
temporal, em postular um não-agora distinto do tempo da enun-
tologia têm uma tarefa urgente na dedução de todas as possibili-
ciação, o desengajamento espacial em opor um não-aqui ao lu-
dades tipológicas de desengajamentos e engajamentos, e suas
gar da enunciação. É necessário insistir no fato de que o sujeito
166 167
superposições, e na aplicação desse esquema a tantos textos € ção ou orientação para o ator do tempo). Sou contra o que fre-
discursos específicos quanto possível. quentemente ocorre em gramática (e na filosofia do tempo em
. geral), a saber a espacialização do tempo, e defendo os méritos
da orientação para o ator. No esquema abaixo, a direção das fle-
Iv chas (...reduz-se à...) denota minha opção, que é também a de
Guillaume.
Qualquer que seja o modelo sugerido para a análise da
temporalidade em lingiiística (e em lógica temporal), o papel do A espacialização do tempo
tempo é necessariamente determinado com respeito ao do espaço.
Os gramáticos observam que, pelo menos para as línguas
e da pessoa (agente, ator, falante, sujeito). A dêixis envolve nes
indoeuropéias, somente as coordenadas temporais são registra-
cessariamente três componentes: o Ego (mais suas relações co
tu, ele e nós), o Nunc e o Hic (mais suas relações a outras posiz das na forma do verbo, e às vezes pergunta-se por que o compo-
ções espaço-temporais). Há uma conhecida anedota, segundo & nente temporal tem esse privilégio quando comparado com as
coordenadas espaciais: não há “lugares” do verbo, apenas “tem-
qual o soldado francês responde à chamada pelo equivalente de
pos” do verbo. Por que razão agora não é uma marca mais pro-
Nunc ( Présent), o soldado alemão pelo equivalente de Hie
( Hier ) e o soldado letão pelo equivalente de Ego. Desse modo nunciada do que aqui? A explicação deve ser buscada na unidi-
mensionalidade ou linearidade do tempo, que permite demarcar
um diferente componente da dêixis é privilegiado em cada
facilmente um antes e um depois, em contraste com a pluridi-
das três línguas. No “triângulo dêitico”, o tempo precisa, obvias
mensionalidade do espaço (o caráter de 'compasso” do aqui):
mente, vir situar-se entre a Pessoa e o Espaço, e o modelo da
agora é um limite, ao passo que aqui não é: é na melhor das hi-
temporalidade introduz uma redução quase-automática do tempo
póteses o ponto de conexão de várias direções. Esta explicação,
quer ao espaço, quer à pessoa (neste caso falarei de espacia Za-
ns
que apela para a estrutura do escopo “existencial” do tempo e do
espaço, é porém muito insatisfatória, não só porque o aspecto do
verbo expressa em larga medida o seu “lugar”, mas especial-
PESSOA mente porque a gramática espacializa as especificações tempo-
rais do verbo (da mesma maneira como faz: com todos os outros
indicadores temporais sentenciais). O assim chamado localismo
Não-eu
em teoria gramatical defende a hipótese de que as expressões
temporais são inferidas de expressões de lugar (ver Lyons,
1977:718-724). Preposições tais como por, desde e até foram de
início expressões de lugar que receberam em seguida um sentido
temporal. Mas num nível mais profundo poder-se-ia dizer que,
na medida em que a progressão do tempo significa a transição
Agora Não-agora de um estado para outro, então o movimento temporal expresso
x em tempo passa necessariamente a ser interpretado no espaço.
Lá Antes/depois uma vez
A maioria dos tipos de explicação lógico-filosófica do
(heterotópico) (u-tópico) (passado/futuro) (aoristo) tempo mal diferem entre si. Eu poderia mostrar que o agora (em
168
que se concentra toda a dêixis temporal) é de fato espacializado | sua perspectiva “psicomecânica” da língua como um todo com
nas teorias do tempo dotadas de representatividade (ver Parret, base na caracterização da temporalidade e aspectualidade ex-
1985). Qual é o sentido de agora numa expressão como Reagan: | pressas através das formas verbais, motivo do título de seu livro
é o presidente agora? De acordo com a “redução colofônica” Tempo e verbo. Entretanto, poderíamos imaginar uma língua que
(Russell), é: O fato de que Reagan é o presidente é co-temporal lance mão de uma morfologia que especifique o tempo nomi-
com o dado sensível ( sense datum ) que ora ( hereby ) se indica nalmente: sintagmas nominais como ex-presidente, a passagem
por ostensão (apontando para o falante). A primazia da percep- do tempo, o período recém-findo, indiscutivelmente expressam
ção, o realce dado à co-temporalidade existencial, a ostensão temporalidade. Parece mesmo haver casos em que a especifica-
como uma condição necessariamente significativa de agora, dei- ção temporal não pode ser ligada ao verbo. Considere-se uma
xam claro que Russell opta por espacializar as espacificações | sentença como O sucessor do atual rei ainda está para nascer,
temporais. Um segundo tipo de redução espacializadora é o de onde o sucessor do rei é um substantivo futuro. A denotação
Quine: é a redução pela data. O sentido daquela sentença, de futura não pode ser relegada ao verbo, que tem forma de pre-
acordo com a redução pela data, é: Que Reagan é o presidente é sente ou de passado. Se o sucessor do rei é um nome futuro, não
verdade quando o calendário indica 12 de outubro de 1985, e o é porque o sintagma seria sinônimo da oração relativa “aquele
relógio marca... O sentido da especificação de tempo repousa que sucederá ao rei", onde o verbo está no futuro. Na sentença
numa espacialização das condições de verdade. Uma abordagem encontrei o sucessor do rei, o sintagma nominal está no presente
mais adequada mas ainda espacializadora é a de Davidson (a re- (sic). Mas ainda é plausível acreditar como fazia Guillaume que
dução “reflexiva de ocorrência”) em que o sentido da sentença é há uma relação intrínseca entre o tempo e o verbo porque o ver-
Há uma seqiiência lingiiística: Reagan é presidente agora e há a bo — no contexto da parte predicativa da sentença — expressa um
co-temporalidade do fato de Reagan ser presidente. Aqui, a processo. Ainda assim, uma teoria do tempo textual precisaria
co-temporalidade de fato ainda é uma relação espacial (justapo- ver, diferentemente do que tem acontecido, que o tempo e o
sição ou parataxe). É portanto a relação espacial entre o objeto e processo não tem estado tão estreitamente ligados um ao outro,
a meta-seqiuência que substitui a indicação temporal. ao contrário do tempo e da ação (na primeira fase) e, especial-
mente, do tempo e do ator (na segunda fase). A acionalização e
orientação para o ator do tempo oferecem uma alternativa à es-
A orientação do tempo em relação ao ator pacialização do tempo que vem acontecendo com tanta fregiên-
cia.
Uma alternativa a essas tentativas de espacializar a tempo-
ralidade poderia ser a orientação no sentido do ator. Poder-se-ia a) Tempo e ação: O Leidfaden austiniano consiste em que
inverter a direção da redução, dentro do triângulo dêitico: espa- o falar é tomado como fazer. Compreender sentenças
Ço—s tempo —» pessoa. Aqui só posso formular algumas suges- temporalmente específicas consiste em compreender
tões. A tradição lógico-gramatical vê uma forte ligação entre a ações temporalmente específicas, com a consegiiência
denotação temporal e a forma do verbo. Os tempos do verbo são de que a intencionalidade subjaz a essa compreensão.
encarados antes de mais nada e primariamente como indicadores As condições de êxito dessas ações concernem a pro-
de tempo; outras unidades de tempo são os advérbios de tempo priedade dos possíveis contextos em que esses frag-
(agora, amanhã...); eles modificam o verbo ou, pelo menos, a mentos de ação podem ser falados. A teoria do tempo
parte predicativa da sentença. É típico que Guillaume designasse como ação contrasta com a teoria do tempo como co-
170 171
nhecimento das condições de verdade de falas tempo Conclusão
ralmente específicas. Dizer uma sentença temporal
mente específica x é realizar o atoy em que y estabele A subjetividade na língua e a dêixis como sua manifesta-
ce x como a origem temporal de todos os eventos. S ção importante nunca mais safram da cena semiótica depois de
ria preciso investigar em extensão qual é exatamente Peirce e a cena lingiística depois de Búhler. Em lingiúística,
relação entre performatividade e especificação penso em Collinson (1937), Jakobson (1957), Fillmore (1971), e
(o
mesmo projeção) temporal. Falar uma sentença cor recentemente Langacker (na perspectiva da gramática cognitiva,
uma especificação de agora organiza por assim
diz também chamada space grammar; vejam-se, por exemplo, *Ob-
todo o co-texto e contexto em torno da efetividad
servations and Speculations on Subjectivity”, em J. Haiman,
(Cactualty ) do ato de fala.
Iconicity in Syntax, 1985). Além disso, há algumas intuições
fundamentais da “psicomecânica” de Guillaume que se revelam
Tempo e ator: Este realce ao caráter acional das espe
notavelmente semelhantes às posições filosóficas que venho de-
cificações temporais levará necessariamente a uma
teo- fendendo (a especificidade da demonstração com respeito à re-
ria da espacialização e especialmente da temporaliza-
presentação, a organização egocêntrica do conjunto dos de-
ção orientadas para o ator. O ator é uma competência
monstrativos, a idéia de eu como uma regra de designação de-
que designa, constrói e projeta espaço e tempo. Por is
pendente do contexto de uso, e a noção aqui proposta (claim) de
so, as coordenadas espaciais e temporais não são nur
Autoridade de Primeira Pessoa com suas funções e poderes
ca pontos ou relações ( networks) fixos e eternos, mas
opacos; v.2.). Deve-se lembrar que Guillaume escreveu sobre
=
o resultado da espacialização ou da temporalização, O
dêixis, especialmente sobre temporalidade ( Temps et verbe ),
Ego é central e pelo princípio egocêntrico de organiza
esp
em 1929, e mesmo anteriormente, antes de Buehler (1934). Há
ção o espaço é criado: por periferização (o espaço ir uma tradição de lingiistas que analisam a dêixis nas linhas ins-
radiando desde o centro do agente para a periferia) ou piradas por Guillaume (Culioli, Desclés, Fraser, Joly), e eu
por centralização (ou concentração). Na competênci gostaria de apresentar alguns dados lingiiísticos [original ilegí-
do Ego devem distinguir-se tipos de temporalização: vel] tais como aparecem na tradição de Guillaume, na [original
afirmação do presente, a determinação da ausência da- ilegível] de meu artigo. Certamente, vale a pena reavaliar esta
quilo que foi presente; a determinação daquilo que orientação, que é marcada de maneira definida pelo paradigma
ainda não é, etc. A essa atividade espaço-temporaliza-. enunciativo (veja-se, por exemplo, Th. Fraser e A. Joly, 'Le
dora do ator uma espécie de sobredeterminação pode systéme de la deixis. Esquisse d'une théorie d'expression en an-
ser acrescentada: a aspectualização (o caráter diretivo glais”, in Modeles linguistiques, 1 (1979), 2).
e a “tensão” com que se espacializa e se temporaliza) (o
contínuum desde a tensão até o relaxamento, desde Tradução: Rodolfo Ilari
a
força até a fraqueza). É pois a egocentrificação do do-
mínio da dêixis como um todo, a saber, a consideração
do tempo e do espaço como produtos da competência
do ator, que leva a uma teoria alternativa do tempo em
que nenhum tempo, e sim o temporalizar se torna im-
portante.
172
TEMPO, ESPAÇO E ATORES:
A PRAGMÁTICA ,
DO DESENVOLVIMENTO
175
q
numa espécie de metáfora necessária: é a metáfora de um jogo | do qual a realidade é abordada. Os grandes pensadores do co-
de linguagem específico, para falar como Wittgenstein, ou de:
meço do século XX — especialmente Husserl e Frege — reagiram
uma certa episteme, nas palavras de Foucault (1966, 1969). A
fortemente ao historicismo e psicologismo do século XIX, e ao
noção de paradigma de Kuhn (1962) também conota esse as- |
pecto da subjetividade para incontrolabilidade do modo como = fazê-lo negaram a relevância da subjetividade e de sua depen-
num período histórico e num tipo específico de discurso, em dência temporal (possível também a experiência do tempo e a
particular o discurso das ciências — um tema, no caso o tempo e | projeção temporal) como categorias descritivas e explicativas.
o temporalizar, é objeto de reflexão e discussão. O tempo numa Desse desaparecimento parcial do interesse pelo tempo e pelo
episteme, a metáfora de falar sobre o tempo, o conceito para- desenvolvimento, dou a seguir quatro exemplos óbvios.
digmático de tempo, o tempo num jogo de linguagem, tudo isso
são temas que indicam que não há um conceito atemporal de
tempo, ou ainda que o pensamento sobre desenvolvimento e |
a) O objetivismo teórico
tempo está inserido num certo contexto sócio-cultural mas tam-
bém discursivo que dita as normas para jogar com a língua e pa-
ra O jogo do pensar. Num terceiro ponto, gostaria de passar des- O clima filosófico no começo do século é marcado por um
sa abordagem filosófica um tanto geral e relativística para várias objetivismo teórico francamente declarado. Embora a herme-
sugestões referentes a um modelo em que o tempo, em sua rela- nêutica entendida como Einfiid ung permanecesse viva em am-
ção com o espaço e a agentividade — e pois as outras dimensões bientes filosóficos um tanto idiossincráticos (especialmente na
do implante dêitico de um texto ou fragmento de língua — pode Alemanha e depois na França), ainda assim a orientação geral
ser descrito e reconstruído. Provavelmente, alguns dos aspectos em filosofia (assim como nas ciências) consiste em vir para uma
do ponto de vista que estou articulando aqui com excessiva bre- : “visão objetiva do mundo”. Isto pode acontecer de um modo
vidade precisariam ser operacionalizados na pesquisa lingiiística curto e grosso pela hipóstase da observação e dos dados senso-
empírica. Num quarto e último ponto, pretendo correlacionar, riais, ou de um modo sutil, acentuando-se a necessidade da re-
sem uma discussão exaustiva, meu ponto de vista sobre tempo- dução de uma experiência originalmente pré-científica e indife-
ralidade orientada para o agente a alguns insights filosóficos
renciada. Estou pensando aqui na “redução fenomenológica” de
implicitamente presentes na assim chamada “linguística desen-
volvimental”” ( developmental linguistics ). Husserl, que é uma operação metodológica pela qual é possível
ver o mundo como objeto, como fenomenalidade pura. Em Hus-
serl, o tempo acaba por intervir como uma categoria transcen-
1. O tempo e as ciências sociais dental (um pouco como em Kant), mas a ruptura entre a expe-
riência pré-científica ou subjetiva do tempo e sua reconstrução
A colocação entre parênteses da temporalidade filosófica é metodologicamente primária: uma teoria do tempo —
na medida em que se bate pela objetividade — não tem conexão
Por longo tempo, as ciências sociais, em seu plano e méto- com o modo como o tempo é experienciado em sua manifestação
do, pressupuseram a colocação entre parênteses da dimensão de- do senso comum. Idealizar e transcendentalizar o tempo são as
senvolvimental e temporal de seu objeto. Isto acompanha uma
amostras clássicas de objetivização e retirada do tempo do mun-
desconfiança geral por toda variante de descrição e explicação
do da experiência (deslocamento do observável “puro” para o
subjetivista do homem, da cultura e da sociedade. O subjetivis-
psicológico “puro')!. Enquanto Husserl transcendentalizou o
mo, O historicismo e o psicologismo são claramente percebidos
tempo, Heidegger o idealizou: o Tempo, o Ser e o Pensamento
como três aspectos do mesmo esquema de pensamento através
recebem maiúscula para povoar a região “objetiva” da metafísica
176 177
mais elevada. Este objetivismo teórico pode assumir muitas for= c) A lingiiística estrutural
mas — o tempo enquanto dimensão subjetiva (como experiência
subjetiva ou como projeção de um sujeito) perde continuamente | Desde Saussure, a Lingiúística Estrutural tomou partido
todo seu sentido e valor. explicitamente contra a tradição anterior, que dava grande peso
à história e à dimensão temporal. A dicotomização empreendida
b) A semântica formal por Saussure é uma arma metodológica que lhe permite um ob-
jeto teórico ou um objeto de conhecimento: langue em oposição
Desde Frege e Russell mostrou-se que a semântica é incas a parole, forma oposto a substância, sincronia oposto a diacro-
paz de formalizar o tempo em todos os seus aspectos. Mais do nia. Essa dicotomização é, a cada vez, epistemologicamente
que isso, a semântica formal é de fato guiada por uma grande motivada: deve haver uma área distinta que pode ser explorada
desconfiança em relação à temporalidade, algo para que é difícil com os instrumentos metodológicos a nossa disposição, e o resto
encontrar uma ontologia adequada. A grande fascinação com à — o 'resíduo' — fica rejeitado e relegado ao segundo termo da di-
semântica formal — e mesmo o ““terrorismo” com que trata abor= cotomia, parole, substância, diacronia. No contexto saussuria-
dagens menos formais — apóia-se no fato de que a fundamentas no, o informal é forçado a recuar para a esfera da parole como
ção do modelo da semântica formal é simplificada ao extremo consegiiência de se considerar a língua ( langue ) como uma
(oversimplified ): é bipolar. A semântica formal formaliza forma . A lingúística do século XX é marcada por uma dicoto-
relação do sistema de expressões com uma ontologia, o que en mização infindável: não só o informal, mas também o que é
tão implica que esse sistema de expressões — por exemplo m prescritivo, valorativo, emotivo, temporal e tudo aquilo que tem
discurso ou um fragmento de linguagem — está diretamente relas a ver com a produção espaço-temporal de fragmentos de língua
cionado com o mundo sem a mediação do tempo incorporado & acaba relegado ao domínio residual. Colocada nesta perspectiva,
um sujeito falante. É como se as palavras fossem coladas às co na gramática gerativa de Chomsky não é nada de novo a per-
sas. O discurso ideal é visto como uma “escritura branca”2, istg formance abranger a totalidade dos fenômenos alegadamente
é, uma escritura que é não-situada espaço-temporalmente ou * impossíveis de abarcar e que são afastados do domínio da gra-
vre de contexto” (onde contexto é estrutura interna do sujeito, mática. O “falante ouvinte” em Chomsky é ideal e atemporal ou
não apenas sua localização espaço-temporal). O terceiro pólo = instantâneo, o que dá no mesmo em última análise. O tempo
o pólo da produção e interpretação espaço-temporal (tenho em contextual, de acordo com Chomsky, é inequivocamente um as-
mente aqui o interpretante de Peirce) — é esquecido de manei pecto da performance. É mais notável que fiquemos sabendo que
“natural”. É interessante observar que a semântica formal cláss mesmo o tempo ““gramatical”” (o tempo e as categorias morfos-
ca é praticamente inerte com respeito aos fenômenos da dêixil sintáticas) não podem reivindicar um lugar prioritário na hierar-
ou mostração. Frege, em seu menos conhecido artigo “O pensg quia gramatical: o tempo não é notado no nível da árvore sin-
mento” (1918), exprime claramente o fato de que os demonst tagmática inicial (o que se chamou no início de “estrutura pro-
tivos (pessoa, tempo, espaço) constituem uma ameaça à bela ar funda”), mas só no nível da forma lógica (onde são introduzidas
quitetura da semântica pura, onde a significação é determin adá as variáveis e a quantificação). Os deslocamentos permissíveis
pela dicotomia sentido/referência (o suplemento desses, a forq de indicadores temporais pertencem à classe dos deslocamentos
que é responsável pelo engajamento do sujeito preso a restriçõ mais “superficiais (quer dizer, modificações que ocorrem na úl-
espaço-temporais e, por seu discurso, permanece bastante mai tima fase de uma derivação). Portanto, tanto o tempo extrínseco
ginal ao cerne do processo da significação). (o tempo como contexto para a produção e interpretação) como
178
o tempo intrínseco (o tempo como uma operação gramatical in= A reconstrução da temporalidade
terna) são subestimados no modelo de Chomsky. Não há dife-:
rença quanto a isso entre este modelo de um lado e a tradição Considero esta colocação entre parêntesis como sendo uma
saussuriana ou bloomfieldiana clássicas de outro. Em face das catarse que nos livrou definitivamente do historicismo ou qual-
enérgicas afirmações que anunciam o estruturalismo e a gramáti= quer variante que seja das visões positivistas do tempo (o tempo
ca gerativa na lingiística contemporânea, e sua fama de serem. como cronologia, como biografia, como naturalmente dado).
realizações empírica e tecnicamente bem pensadas, orientações | Não pode ficar assim, e de fato a onda está refluindo. Natural-
alternativas que, ao contrário, consideram a dependência tempo-. mente, o caráter misterioso e incompreensível do tempo e seus
ral da produção lingiística sentem-se frustradas e traumatizadas. efeitos sobre a sociedade e a cultura continuam interminavel-
pelo sucesso de seus opositores, contra o imperialismo da moda mente fascinantes. É como se qualquer modelo que escolhamos
dos quais precisam defender-se constantemente. tenha necessariamente que fracassar quanto a oferecer uma re-
construção adequada da temporalidade. O modelo lógico-gra-
matical do tempo teve uma grande dificuldade em organizar as
d) A sincronicidade nas ciências sociais
categorias morfossintáticas do tempo, para não falar da concep-
tualização dos aspectos mais globais do tempo numa perspectiva
As ciências sociais em geral — e a assim chamada 'filosofi
mais ampla. Ainda assim o parcial reavivar-se da atenção dada à
estruturalista' que se tem desenvolvido a partir delas — pressu=
temporalidade e ao desenvolvimento se impõe a nós, e eu vou
põem a natureza sincrônica dos objetos que investigam. Os psi=
dar alguns exemplos óbvios disso no que segue.
canalistas, antropólogos e filósofos estruturalistas, como Lacan,
Lévi-Strauss e Foucault ridicularizaram a visão subjetivista-
a ) Mudanças de paradigma da teoria linguística e da análi-
idealista e existencialista da história (por exemplo, Sartre). O:
se do discurso
assim chamado anti-humanismo do estruturalismo se opõe não
só à idéia de que “homem” poderia ser uma categoria explicativa
O paradigma clássico em cujo interior tem lugar a reflexão
relevante nas ciências sociais, mas também ao fato de que O
sobre língua e texto — desde Platão até Kripke — considera a lín-
tempo pode ser uma força constitutiva ( constituent ) no que
respeita à natureza e funcionamento das capacidades humanas, gua e o texto do ponto de vista de sua função representativa: os
Assim, a mente humana nada mais é para Lévi-Strauss do nomes — € antes de mais nada os nomes próprios — constituem o
uma estrutura universal, a saber, a estrutura que é responsável protótipo das categorias gramaticais pelo fato de que a transpa-
por toda estruturação possível (Lévi-Strauss, 1962). As inter- rente atribuição de apelativos ( dubbing ) característica do nome
pretações estruturalistas dos trabalhos de Marx — por exemplo as próprio se aproxima do ideal da representação pura. O privilégio
de Althusser (1968) — visam, é verdade, a estruturar a história do nome (e do nome que o nome próprio é) orienta a teoria da
ou a formar uma história anônima em que sincronias sucessíveis língua e a teoria da significação para o lexicalismo (desde Frege
são, por assim dizer, pontos: mas a linha geral apresenta-se co- e os pós-fregeanos até Kripke). Em contraste com este paradig-
mo uma macro-sincronia de sincronias. O tempo é, na metateoria ma tradicional — e de fato neoplatônico — emerge um novo para-
das ciências contemporâneas — a começar pela lingiiística e pela digma em cujo interior a língua é encarada do ponto de vista de
antropologia, que tiveram de fato o maior impacto metodológico sua função demonstrativa. Biúhler já fala da língua como um
— um efeito da estrutura mais do que um motor ou fonte de es- 'campo ostensivo”. Nesta nova perspectiva, os demonstrativos
truturação. são modelares, mas como a função demonstrativa é realizada
180 181
através de operações, como a predicação e outros tipos de ato de e H.Kamp, D.Gabbay, N.Rescher, von Wrigt, R. Montague e
fala, como a afirmação etc., uma concepção lexicalista dos de- muitos outros construíram lógicas temporais 'na década de ses-
monstrativos estaria longe de adequada 3. Pode-se encontrar senta). A lógica temporal, como qualquer outra lógica modal
evidência desse interesse pelos processos demonstrativos na re- (lógica epistêmica, lógica erotética, etc.) permanece, contudo,
novada atenção pelos pronomes — na verdade, é um fato que uma lógica “desviada” ( deviant ) 4. Ainda assim, é evidente que
Benveniste, o estruturalista mais aberto de todos colocou em a noção de verdade continua sendo um conceito central na lógi-
primeiro plano todo o problema da chamada “subjetividade na ca temporal. Além disso, as línguas formais e artificiais conti-
linguagem”, mais uma vez, através dos estudos dos pronomes nuam sendo encaradas como linguagens “ideais”, e suas proprie-
(Benveniste, 1966). O funcionamento dos pronomes transcende dades formais são transferidas para a linguagem natural “desvia-
inclusive o nível lexical e transporta-nos para o nível das unida- da” — o que equivale à regimentação quineana do uso da língua
des de ação lingiiística, nomeadamente sentenças e outras uni- natural. A temporalidade no contexto da lógica temporal nada
dades de texto. Ainda assim, renovada atenção pelos demons- mais significa do que indiciar os objetos no mundo (eventos
trativos não vale necessariamente pela introdução de um novo possíveis e estados de coisas num mundo real ou possível): o
“paradigma”. Resulta em considerar o domínio todo da dêixis, tempo fica ““ontologizado”. Todavia, -a indiciação do tempo,
sem introduzir reduções empobrecedoras. As funções demons- como a espacialização acima aludida, pressupõe uma redução
trativas da língua envolvem uma pessoa (um ator ou agente) si- inaceitável. Sob esse respeito, muitas lógicas temporais são tor-
tuada no tempo e no espaço. nadas irrelevantes desde o início. Foram os lingiiistas de inspi-
ração lógica ao invés dos lógicos puros que relativizaram a veri-
A pessoa, o tempo e o espaço têm propriedades irredutf-
funcionalidade e a ontologia temporal por meio de uma análise
veis. Quando Russell reduz as propriedades de Eu (e suas rela- |
ções com Tu e Ele ) e de Agora (com suas relações a passado de um sistema de tempo que é intrínseco a línguas naturais: o
rodo como as línguas particulares expressam tempo não é nem
e futuro ) às propriedades de um Aqui/Acolá ulteriormente espe-
cificado, isso vale por uma redução do domínio todo da dêixis verifuncional, nem globalmente universal. O tempo não é nem
ao espaço (Russell, 1905; 1918): a ““espacialização” do tempo um objeto preexistente com relação à língua, nem uma categoria
(e da pessoa) é um perigo que ameaça muitas teorias lingiiísticas ontológica; é um princípio organizacional da própria língua.
e filosóficas dá língua e da significação. Mas é importante per- São as próprias línguas em sua grande diversidade que possibi-
ceber que a re-avaliação do tempo no interior da dêixis só pode litam e utilizam um conceito de tempo que especifica fragmentos
ocorrer no âmbito de um novo paradigma em que o discurso não temporais. Sistemas temporais lingiúísticos são constitutivos não
é mais encarado como a representação de uma ontologia pressu- só da experiência temporal, mas também do modo como refleti-
posta, mas ao contrário como a revelação de um ator que é espa- mos de maneira relevante sobre a temporalidade. Os sistemas
cial e temporalmente sujeito a restrições. temporais são imanentes na linguagem e não são de modo algum
ditados por uma norma universal e abstrata, a saber sua verifun-
cionalidade. A seriedade com que os linglistas analisam a tem-
poralidade e se desfazem dos traumas que têm com respeito à
b) Ataque contra o modelo verifuncional da temporalidade função frequentemente terrorística da lógica (mesmo quando a
lógica é desviada, como no caso da lógica temporal) é um se-
A lógica aristotélica clássica foi acrescida de uma lógica gundo caso da parcial revivescência de uma atenção correta-
temporal (A.N. Prior publicou Time and Modality em 1957, mente orientada com respeito à temporalidade.
182 183
c) A força subversiva da concepção filosófico-analítica de d ) O desenvolvimento adequado da semiótica estrutural
tempo no espírito do segundo Wittgenstein
" O exemplo (evidence) do último Wittgenstein e de Austin e | Paralelamente aos desenvolvimentos que acabam de ser
de seus seguidores teve uma influência decisiva para orientar o mencionados, principalmente “do outro lado do canal da Man-
renovado interesse pela temporalidade. Wittgenstein mostrou de cha ou do Oceano Atlântico” (para quem está na Bélgica), ob-
maneira convincente que a gramática das palavras verdadeiro serva-se também “'no continente” um interesse crescente pelo
e falso é tal que não lhe pode ser acrescentada qualquer especi- problema do tempo, como nas variantes recentes da semiótica
ficação temporal: as regras de acordo com as quais especifica- estrutural. Durante gerações, a semiótica estrutural ficou tranca-
mos o tempo e predicamos a verdade e falsidade pertencem a jo- da na axiomática saussuriana e hjelmsleviana: a “atitude estrutu-
gos de linguagem completamente diferentes. “A verdade é ralista', em que o discurso é encarado como sendo puramente
atemporal” é um importante slogan do senso comum que, de 'imanente ao signo” pesou por muito tempo sobre qualquer de-
fato, significa que existe uma regra gramatical (“gramática” e. senvolvimento em semiótica. A temporalidade “fechada” no in-
“regra” no sentido de Wittgenstein) pela qual acrescentar uma terior de um sistema de signos parece tão artificial quanto o
especificação de tempo ao sintagma “É verdade que” é proibi= ajustamento mútuo do tempo e da verdade, comio ocorre na ver-
do. É por isso que a tese da verifuncionalidade da temporalidade são da concepção logística do tempo que acaba de ser esboçada.
é paradoxal: evidencia a “doença logicista” da filosofia. Mas, de | Já observei que o estruturalismo bane a temporalidade para o
maneira geral, Wittgenstein nos alerta contra filosofar selvage-. domínio do residual, da mesma forma que bane a subjetividade e
“mente sobre tempo. Seguindo Santo- Agostinho ( Confissões, li=' todo o processo de produção, que ficam assim excluídos, em
vro XI, cap.XV), diz: “O que é o tempo? Se não me perguntam, grande parte, da esfera do conhecimento possível. Isto está mu-
eu sei; se me perguntam eu não sei””. Nós sabemos como deve- dando depressa, especialmente na medida em que a semiótica
mos realizar as especificações, ou, pelo menos, somos capazes narrativas já não se volta para a assim chamada “estrutura ele-
de aprender a usar a palavra “tempo” numa variedade de con- mentar da significação” (análise de unidades de textos narrativos
textos. Voltarei a esta característica de jogo de linguagem da até unidades de significação atômica) (Greimas, 1966), mas an-
|| tes para a assim chamada competência modal do produtor de
aplicabilidade temporal nas línguas naturais, da mesma forma.
|
| que também pretendo levantar um possível conceito agostiniano signos. Essa competência modal é situada espaço-temporalmen-
de tempo como interação lingiúística. Aqui importa que a esteri=| te, ou melhor, temporalizar e espacializar fazem parte da com-
lidade da discussão clássica sobre tempo — e também a ausência. petência modal do produtor de sinais e significações. O âmbito
de atenção para o problema do tempo — é superada nesta nova. da semiótica contemporânea abrange tanto a produção cultural
perspectiva em que a temporalidade é vista no contexto mais quanto a produção dos assim chamados 'mundos naturais”. Que
amplo do conceito de um uso lingiiístico específico temporal- a construção de produtos naturais e culturais seja temporalizada
mente. Nesta perspectiva, são questões centrais a intersubjetivi-| é um grande avanço em relação ao estruturalismo atemporal que
dade e a “abertura” do jogo de linguagem, a intenção de comuni- estava tão en vogue até os anos sessenta. Mesmo no interior da
"cação a sociedade comunicativa e a contratualidade dos usuários gramática narrativa, é possível encontrar sistemas temporais al-
da linguagem, e o caráter acional dos fragmentos de linguagem. tamente interessantes e complexos: considere-se a superposição
Deste ponto de vista, pode surgir uma nova visão da temporali-: não-isomorfa (parcial superposição, parcial separação) das espe-
dade. cificações temporais do narrador extrínseco, o autor, no narrador
184 185
intrínseco, o narrador interno ao texto, e o sujeito intrínseco da interrogação pretenciosa como o seria “O que é o tempo", senão
história ou o agente de quem se conta a história 6. com a interrogação mais manejável — porque mais modesta —
“Como é que se fala do tempo?”. Desta maneira, posso eliminar
e) O progresso e a relevância empírica da lingiiística fun- toda concepção naturalista ou fisicalista do tempo como irrele-
cional e desenvolvimental vante para a ciência social e o estudo filosófico. Minha interro-
gação tem, de fato, duas facetas: “De que modo a língua fala
Em oposição ao formalismo abstrato da gramática gerativa sobre o tempo?” e “De que modo o falante da língua natural usa
de Chomsky e em oposição à lingiiística estrutural rígida, a lin- as especificações temporais?” A primeira subpergunta é interes-
guística funcional e desenvolvimental afirma as verdades que fo- sante especialmente para os lingiistas que investigam os siste-
ram ignoradas ou esquecidas por gerações: que a língua é um mas do tempo gramatical nas línguas naturais. Falando desde
fato social, e também que a língua muda e se desenvolve e por- minha posição pragmática, continuo acreditando que esta sub-
tanto tem dependências temporais radicais 7. Sem dúvida, a pergunta fica subordinada à segunda, pela qual Wittgenstein é
maioria das variantes do funcionalismo lingiiístico pecaram por principalmente responsável. Wittgenstein critica Santo Agosti-
impressionismo (por exemplo, a etnometodologia) ou por incon- nho por deixar-se desorientar pelo fato de que pressupõe que
sistência teórica (aqui, estou pensando nas instáveis ambigiida- o tempo, um pouco à maneira de um substantivo como “carne” e
des de Labov ao integrar sociolingiística, teoria dos atos de fala “chuva” tem uma significação oculta de tipo objetual ( objectli-
e alguns aspectos da metateoria de Chomsky) 8; outros tipos de ke ), e como tal acarreta toda a panóplia das determinações filo-
funcionalismo são em grande parte obsoletos (por exemplo, a sóficas do tempo, por exemplo,''O tempo é a forma do vir a
teoria funcionalista de Jakobson, em que se identificam comuni- ser”, “A essência do tempo é a sucessão”, ou “O tempo é a
cação e informação). Ainda assim, é o fato de que a dependên- possibilidade de mudança”. Seria anormal — e seria um sintoma
cia temporal da produção lingiiística como um fenômeno sincrô- da doença filosofística — se, ao invés de “Dá tempo?” alguém
nico — só pode ser levada a sério depois que se afirma que a lín- perguntasse “Dá forma do vir a ser?" 9. A terapia que leva à
gua funciona interacionalmente e no âmbito de uma sociedade gramática profunda da temporalidade consiste de fato no retorno
que comunica. E esse funcionamento abrange e pressupõe mu- a um uso filogenético das especificações temporais, que deve
dança e desenvolvimento. Mostrou-se em trabalhos recentes de revelar os contextos em que os indicadores temporais podem ser
lingiúística do desenvolvimento de que maneira uma convicção empregados sem anormalidade e em contratualidade comunicati-
tão fundamental como essa pode ser operacionalizada mesmo va plena. Palavras como agora, hoje, amanhã, ontem, domingo,
nas subdisciplinas mais técnicas da investigação ( entre outras, semana, mês, uma hora atrás, meia-noite em ponto têm para a
a fonologia e a morfologia) (Bailey, 1980 e 1982). criança um potencial de uso restrito, que ela adquire passo a
passo na interação com os outros em contextos quotidianos,
existenciais. Esta filogenética do tempo linguístico leva a um so-
2. A temporalidade no jogo de linguagem fisticado afastar-se dos inconvenientes de qualquer lógica tem-
poral, mas ainda assim funciona perfeitamente na comunicação:
Depois desta segiiência caleidoscópica de observações “Não tenho tempo agora”, “Seu tempo acabou, você tem que
históricas sobre a presença ou ausência do problema do tempo e entregar a prova”, “No tempo em que o hábito era ...””, “Não o
desenvolvimento na reflexão atual sobre filosofia e ciências so- tenho visto por algum tempo”. A filogenética da especificação
ciais, retomo a linha de minha exposição, embora não com uma temporal é claramente não-universal, portanto a lexicologia
186 187
comparativa indicará sem dificuldade que a distribuição de
“tempus”, “Zeit”, “temps” para não mencionar os termos das lín- sistema específico de regras de produção. A noção de episteme
guas não-indo-européias, coincidem apenas de modo parcial. de Foucault e o conceito de paradigma de Kuhn são úteis aqui.
A reificação do tempo é uma ameaça constante porque a medi- Foucault (1966) afirma que o início do século XIX significou
ção do tempo e o uso de instrumentos para essa mensuração se um corte epistêmico, uma mudança de paradigma, particular-
entrelaçam parcialmente no tecido da inferência filogenética. mente no que concerne às concepções de tempo e de história.
Ainda assim, o tempo medido (“O que é o tempo?” — “cinco em Acontece que isto coincide com o surgimento das ciências so-
ponto"”) continua sendo uma inferência específica, com um lugar ciais como um projeto específico com uma metodologia determi-
específico no lado temporal do jogo de linguagem (Wittgenstein, nável. Desde o tempo dos Gregos, e por todo o período de nossa
1958:$8853-4). É especificamente importante perceber que “O | história ocidental das idéias, falou-se do tempo em termos cos-
sol se põe às cinco” e que “O sol está-se pondo neste instan- mológicos: o tempo como memória, como mito, como a descodi-
te” 10 têm significações diferentes porque a função de “neste ficação do fado do homem, como a antecipação de um futuro
instante” difere completamente de qualquer especificação tem- ditado sobrenaturalmente. O tempo é uma única grande cronolo-
poral por meio da qual o tempo é medido ou concebido, como gia cósmica, uma única história cíclica e uniforme de que todas
no fixar datas ou fornecer indicações de hora (Sobre a redução as coisas animadas e inanimadas participam. A História é uma
das indicações temporais à indicação de datas, veja-se em segui- única ordem e é prolongada através de um único Tempo. Basta
da minha crítica a Quine.). “Às cinco em ponto” pode ser re- abrir uma gramática medieval, ou a Grammaire raisonnée de
gistrado como um “ponto de tempo”, como uma pedra miliar real Port Royal (1660) ou Hermes or a Philosophical Inquiry con-
na “passagem do tempo”; não é nunca o que acontece com “neste cerning Language and Universal Grammar (1751-5) para ver
instante”, pois “neste instante” se subtrai ao registro e à medição. que o trabalho gramatical — por exemplo, toda classificação dos
Como escreve ironicamente Guillaume (1929): “A lei do agora tempos do verbo, toda genealogia do léxico — é orientada por
é a sua estreiteza”. Agora concentra-se aqui na inapreensibili- uma visão cosmogônica da temporalidade. O mito de Adão e
dade por outros processos do tempo e é não-reificável, não-men- a teogonia (“No princípio era o Verbo, e o verbo era Deus”)
surável e não-datável. Portanto aprendemos a distribuição de oferecem a história da origem comum das línguas e determinam
agora pelo funcionamento do uso da linguagem no dia-a-dia. a especificidade da historicidade do desenvolvimento das lín-
Podemos, agora, reformular como segue nossa pergunta: guas e da variação. Tudo muda no início do século XIX, o mo-
“O que é o jogo de linguagem da especificação temporal na mento do corte epistêmico revolucionário. A historicidade uni-
ciência?”, ou “Como se aplica a indicação temporal num con- forme desmoronou, e cresceu uma fragmentação da temporalida-
texto científico?” O discurso científico é então visto como um de. A lingiúística (praticada primordialmente como filologia), a
tipo de uso da língua a par de muitos outros como a língua de psicologia e a sociologia (e a sociologia-econômica) difundiram
todos os dias e o uso ficcional e poético. Esta relativização em suas próprias escalas temporais e classificações temporais: o
tons wittgensteinianos da ciência e da racionalidade científica modo de desenvolvimento da língua não é o mesmo que o da
parece escandalosa e provocativa à maioria dos filósofos da estrutura psicológica ou o desenvolvimento de uma sociedade e
ciência 11, Entretanto, essa visão wittgensteiniana não inclui a sua economia. O crescimento da competência linguística; o cres-
estipulação de que o jogo lingiiístico jogado pela ciência deva cimento da competência psicológica do indivíduo (enquanto
ser arbitrário: ao contrário, é um jogo de linguagem como todos consciência e centro de experiência) e o crescimento das capaci-
os demais, identificado pela regularidade e determinado por um dades societárias estão sujeitas a generalizações semelhantes a
leis específicas e princípios de funcionamento internos. A idéia
188
189
de ordem, de um progresso ininterrupto e cíclico, de uma dada ridade ): o agora é um ponto que muda continuamente sobre a
origem pré-Babel e de um ponto de chegada conhecido 'e anteci= linha, organizada unidimensionalmente. Oposto a isso é o espa-
pado à semelhança do paraíso desaparecerem. Mas esse estilha ço: o aqui é o centro do compasso, o ponto de união de uma ex-
çamento da temporalidade que se conecta com a irrefutável rea- pansão pluridimensional e de uma circularidade aberta. A linha
lidade dos tipos de temporalidade é neutralizado e como que do tempo — o refluir do rio — pode ser contínua ou descontínua:
contrabalançado pela hipóstase de um tempo “natural” — o tempo o tempo descontínuo é uma linha pontilhada. Continuidade e
com que medimos os movimentos dos corpos celestes. O tempo descontinuidade são portanto qualificações dos dois tipos de sé-
físico é esse horizonte, por assim dizer, em contraste com o qual ries, — O rio tornou-se uma série, da mesma forma que o com-
o estilhaçamento do tempo nas ciências sociais é possível. passo se tornou uma rede. A imbrição das dimensões temporal e
norma é pois mensurabilidade: não só o tempo mede o dinamis- espacial concretiza-se na maioria dos registros metafóricos:
mo natural, mas, além disso, o próprio tempo é medido por ma o ponto na reta, que é o agora, é um limite interno da série,
instrumentação cada vez mais perfeita. Desse modo o histor e ponto e limite são em primeiro lugar e acima de tudo conceitos
cismo (por exemplo, na filologia), o positivismo e o naturalism espaciais. O impacto do simbolismo é suficientemente grande
se combinam como abordagens da indicação e especifica ão para determinar a naturalidade das propriedades temporais. As-
temporal no interior de um mesmo e único pr, a saber,€ sim como a linha é normaliter uma série contínua e irreversível
discurso das ciências sociais. de pontos, assim o tempo contínuo e irreversível é encarado co-
Quando se aceita a idéia de que o falar acerca do tempo, mo “natural”, ao passo que a temporalidade descontínua e a tem-
no uso lingiiístico-científico ou corrente, se insere num jogo de poralidade reversível são atribuídas aos casos exorbitantes (ex-
linguagem com sua própria legalidade, ou que está sujeito à cessive) e marginais da ficção (por exemplo, a ficção científica)
opressão de um “paradigma histórico" ou de uma episteme, € ou da imaginação. Qualquer que seja o modelo com base no
tão, do ponto de vista da análise do tempo textual, pode-se afi qual a temporalidade é reconstruída, mantém-se verdadeiro que
mar que não há uma posição neutral ou transparente a partir d; o simbolismo e a metáfora continuam a determinar parcialmente
qual a temporalidade pode ser descrita. Wittgenstein (1958) falg todos os conceitos que subjazem à apreensão científica da tem-
a propósito da força irresistível e do perigo do simbolismo em poralidade (e não apenas a experiência dela).
que se fala do tempo: “Falamos sobre o fluir dos eventos; mas
também sobre o fluir do tempo — o rio sobre o qual viajam tron-
cos”. O perigo consiste então no fato de que esse simbolismo é
3. Em direção a um modelo de temporalidade orientada para o
aplicado como um símile a cada coisa que ocorre no tempo, €
agente
que isso leva a consegiiências como: “Para onde vai o passa-
do?” ou ““Para onde vai a chama da vela quando o sopro a ap
Seja qual for o modelo sugerido para a análise da tempo-
ga?” Ninguém consegue furtar-se à força e à amplitude do sim-:
ralidade em filosofia, lingiiística ou lógica, o papel do tempo é
bolismo: nenhuma terapia pode curar o uso da linguagem da
determinado pelo papel do espaço e de uma pessoa (agente,
metáfora. A linguagem científica não escapa da simbolização ator, falante, sujeito) espaço-temporalmente situada. A dêixis
tampouco, e conceitos como o de ( des )continuidade e (ir )Jre- envolve necessariamente três componentes: Ego (e suas relações
versibliidade, que são centrais na determinação temporal, de- com Tu, Ele e Nós), Nunc e Hic (e suas relações com outras
pendem e derivam da dominância do simbolismo do tempo. À posições espaço-temporais). Há uma anedota conhecida contan-
metáfora do tempo mais dominante é a linha (tempo como linea- do que um soldado francês responde à chamada com o equiva-
190 191
lente de Nunc ( Présent ), que um soldado alemão responde com verbo”. Por que razão agora precisaria ser uma marca mais forte
o equivalente de Hic ( Hier ), e que um soldado lituano respon- do que aqui? A explicação deve ser procurada na unidimensio-
de com o equivalente Ego. Desse modo, em cada uma das três nalidade ou linearidade do tempo, que permite a demarcação de
linguagens é privilegiado um componente diferente da dêixis.. um antes e de um depois, em contraste com a pluridimensionali-
No “triângulo dêitico”, o tempo precisa ficar obviamente situado dade do espaço (o caráter de “compasso” de aqui ): agora é um
entre a Pessoa e o Espaço, e o modelo da temporalidade dota o: limite, aa passo que aqui não é, sendo no máximo um ponto de
espaço ou a pessoa de uma redução quase-automática do tempo conexão de várias direções. Esta explicação, que apela para a
(dessa forma, falarei de espacialização do tempo ou da su estrutura do escopo “existencial” do tempo e do espaço, é contu-
orientação para o ator ). Argumentarei contra algo que oco do muito insatisfatória, não só porque o modo do verbo expressa
com freqiiência na filosofia do tempo e na elaboração de gramá-. em grande medida o seu “lugar”, mas especialmente porque a
7
ticas, a saber, a espacialização do tempo; ao contrário, arg gramática espacializa as especificações temporais do verbo (co-
mentarei a favor das virtudes da orientação para o ator. No es- mo faz com todos os outros indicadores temporais). O assim
quema abaixo, a direção das flechas (... reduz-se a ...) expressa. chamado locd ismo na teoria gramatical defende a hipótese de
meu ponto de vista 12, que as expressões temporais são inferidas de expressões locati-
vas (Lyons, 1977). Preposições como antes, depois e até eram
A Rag originalmente expressões locativas que receberam mais tarde
seus sentidos temporais.
Mas, indo mais fundo, poder-se-ia dizer que, até onde a
progressão do tempo significa a transição de um estado para ou-
tro, o movimento temporal é expresso na língua como movi-
mento no espaço. Também as relações lógico-gramaticais fun-
damentais, como a causalidade, apóiam a associação das posi-
sem TEMPO ções de causa e efeito às de agente e paciente. Parece que o pri-
vilégio do tempo na morfossintaxe dos verbos é somente um fa-
tor de obscuridade, no que respeita às interpretações gramaticais
Aqui
dá Agora ão agora
possíveis dos indicadores temporais: o tempo acaba por ser ne-
cessariamente interpretado como espaço.
Lá Alhures | Antes/Depois 'Certa vez
| a A maioria dos tipos de explicações lógico-filosóficas mal
(heterotópico) (u-tópico) (passado/futuro) (aoristo se distingue entre si. Seria útil mostrar como o agora (em que se
concentra toda a dêixis temporal) é de fato espacializado nas
A espacialização do tempo
teorias filosóficas típicas do tempo (Poliakow, 1981). Qual é a
significação de agora em expressões como:
Os gramáticos notam que, pelo menos no que respeita às.
línguas indo-curopéias, só as coordenadas temporais são regis-
I- Mitterand é presidente agora.
tradas nas formas do verbo. Às vezes, pergunta-se por que o
componente temporal é assim privilegiado em confronto com as a) Redução colofônica : Um primeiro tipo de redução
coordenadas espaciais: não há “lugar' do verbo, só há “tempo do espacializadora é a teoria, por exemplo, de Russell
192 193
(1905 ; 1918), em que se afirma que essa enunciação (1) não só como a física moderna, fica melhor servida quando
diz algo sobre Mitterand, mas especialmente que diz algo sobre se trata o tempo como uma dimensão coordenada
o produtor da enunciação (1). Há portanto uma mensagem sobre com as dimensões espaciais: tratando a data, em
a localização psicofísica do produtor ou enunciador. A enuncia- outras palavras, apenas como um outro determiná-
ção especificamente temporal (1) é reduzida à sentença atempo- vel, a par da posição, os verbos podem ser tratados
ral (2): como atemporais (Quine, 1970:30).
A primazia da percepção, o acento colocado na co-tempo-. 3b - Que Mitterand é presidente, é verdade quando o ca-
lendário marca 20 de junho de 1982, e o relógio mar-
ralidade existencial, na ostensão como uma condição necessái ia
da significação de agora, tornam claro que Russell opta pela es "ca 10:30 horas da manhã.
pacialização das especificações temporais. A objetivação que acontece aqui, em suma, correlaciona as
condições de verdade das orações temporalmente determinadas
b) Redução a datas : Um segundo tipo de redução:
como (1) com a posição do calendário e do relógio, “objetiva” e
espacializadora é a de Quine (1970): sua proposta
situada espacialmente. A redução que se implementa aqui des-
é na verdade uma extensão do critério de verdade. via-se radicalmente do sentido original da enunciação temporal-
de Tarski no tocante à iniciação temporal. o
mente determinada (1): (1) e (3b) têm usos completamente dife-
ve Quine:
rentes porque não se faz qualquer menção de que no caso em
Nossa gramática standard fica evidentemente a salvo foco a própria (3b) ocorre no presente. De fato, a indicação
das complicações do tempo gramatical que tanto temporal teria que ser trazida de volta no antecedente de (3b)
dominam as línguas européias. A gramática lógica, como fica expresso aqui:
194 195
3c- se o calend
e ário
o relógio indic
que é agora
am o dia. conectadas parataticamente (uma técnica elaborada por David-
20 de junho de 1982, e que são 10:30 horas da ma- son): '
nhã.
4b - Há uma seqiiência lingiística “Mitterand é presidente
Como no explanans (3c) se introduz a mesma especifica- agora” e há co-temporalidade do fato de Mitterand
ção temporal que ocorre corretamente no explanandum (1), à ser presidente.
saber agora, a redução é circular e sem valor. A razão funda-.
mental para isso é que se baseia num critério de verdade espa- É interessante notar aqui que a co-temporalidade em (4b)
cializador que não pode ser identificado de maneira alguma com é, de fato, ainda, uma relação espacial (justaposição ou parata-
uma condição de sentido. A verdade não é critério quando está xe). Portanto, é a relação espacial entre o objeto e a meta-se-
em jogo o sentido de agora. quência que substitui a indicação temporal que estava original-
mente presente em (1). Precisamos ter consciência dos dois pas-
c) A redução reflexiva-de-ocorrência (token reflexi-
sos da redução: primeiramente o demonstrativo esta é introduzi-
ve): Uma abordagem mais adequada mas aindã
do em (4) como sendo independente da especificação temporal
espacializadora é a de Davidson!3 que afirma q Ie
de agora, e em seguida é postulada a co-temporalidade entre
a sequência lingiúística (1) vale ela própria por ua
duas segiiências lingúísticas (as sequências da linguagem objeto
acontecimento, e que a especificação temporal no:
|
e as da metalinguagem): a co-temporalidade é justaposição (es-
interior da sequência só tem significação na pre
pacial).
|
sença da enunciação lingúística como ocorrência
(a sentença faz referência a um acontecimento, A orientação do tempo para o ator
mas é ela própria uma ocorrência).
Nesse contexto, (1) significa: ) Uma alternativa para essas tentativas de espacializar a
temporalidade pode ser a orientação para o ator. Pode-se inver-
4 - Que Mitterand é presidente é co-temporal com esta ter a direção da redução no interior do triângulo dêitico: espaço
enunciação. ---» tempo ----» pessoa. Não posso fazer mais do que for-
mular umas poucas sugestões. A tradição lógico-gramatical põe
Agora significa o tempo de enunciação de uma sequência uma forte ligação entre denotação temporal e forma do verbo.
lingúística. A reflexividade de ocorrência é denotada pela ex- Os tempos verbais são vistos principalmente como sendo prima-
pressão demonstrativa “esta enunciação”. Essa expressão de- riamente indicadores de tempo; outras unidades de tempo são os
monstrativa pode por sua vez ser eliminada pela introdução de. advérbios de tempo ( agora, amanhã,... ) e é nesse sentido que
uma sequência metalingúística que seja atemporal: modificam o verbo, ou pelo menos a parte predicativa da oração. -
É típico que Guillaume tenha designado toda à sua concepção
4a - Que Mitterand é presidente é co-temporal com a se- “'psicomecânica” da linguagem com base na caracterização da
quência lingúística “Mitterand é presidente agora”. temporalidade e aspectualidade expressa através das formas do
verbo; daí o título de seu importante livro Tempo e Ver-
Somente a sequência em linguagem-objeto contém especi- bo (1929). Contudo, poder-se-ia imaginar uma língua que se
ficação temporal, e a segiiência objeto e a meta-seqiência ficam valesse de uma morfologia que especificasse o tempo nominal-
196 197
mente: sintagmas nominais como ex-presidente, a passagem do b) Tempo e ator : Este acentuar-se do caráter acional das
tempo, expressam, realmente, temporalidade. Parece inclusive especificações temporais leva necessariamente para uma teoria
haver casos em que a especificação temporal não pode ser rela- da espacialização e especialmente da temporalização orientadas
cionada com verbos. Considere-se uma sentença como “O su-| para o ator. O ator é uma competência modal que delineia,
cessor do atual rei ainda está por nascer”” onde o sucessor do rei | constrói e projeta espaço e tempo. Portanto, as coordenadas es-
é um nome do futuro. A denotação futura não pode, aqui, ser paciais e temporais não são nunca pontos ou redes fixos e eter-
imputada ao verbo, que tem forma de presente. Se o sucessor do nos, mas antes o resultado da espacialização e da temporaliza-
rei é uma pessoa futura, quem sabe ainda não existente, não é: ção. O Ego é central, e desde esse ego-cêntrico princípio de or-
porque o sintagma seria sinônimo da frase relativa “aquele/a- ganização, é criado « espaço: por periferização (o espaço irra-
quela que sucederá ao rei”, em que o verbo está no tempo futu-. diando desde o centro agentivo para a periferia) ou por focaliza-
ro. Na setença “Encontrei-me com o sucessor do rei”, o sintag-: ção (ou concentração: o espaço como núcleo). Na conipetência
ma nominal está no passado. Mas é ainda assim possível acredi-: mcdal do Ego, devem ser distinguidos tipos de: temporalização:
tar com Guillaume que existe uma ligação intrínseca entre tempo: a afirmação do presente, a determinação da ausência daquilo que
e verbo, porque o verbo — na parte predicativa da oração — ex-= foi presente, a determinação daquilo que ainda não é, e assim
pressa um processo. Ainda assim, uma teoria do tempo textual por diante. A essa atividade espaço-temporalizadora do ator,
pareceria diferente, se o tempo e o processo não tivessem sido. uma espécie de sobredeterminação, pode ser superimposta: a as-
relacionados tão estreitamente, e, ao contrário, o tivessem sido 0' pectualização (a diretividade e a “tensão" com que se espacializa
tempo e a ação (na primeira fase) e especialmente o tempo eo. e se temporaliza). Tempo e tensão (o contínuo desde a tensão
ator (na segunda fase). A ““acionalização” e a orientação para 0: até o relaxamento, desde a força até a fraqueza) têm muito a ver
ator do tempo oferecem alternativas à espacialização do tempo, um com a outra (Zilberberg, 1981). É pois a ego-centrificação
tão frequente. co domínio total da dêixis, a saber, a consideração do tempo e
do espaço como produtos da competência modal do ator que le-
a) Tempo e ação : A Leidfaden de Austin (1962) consiste
va a uma teoria alternativa do tempo totalmente oposta, em que
em tomar o falar como um fazer. Compreender frases temporal-.
se torna decisivo não o tempo, mas a temporalização.
mente específicas consiste em compreender ações temporalmente
específicas; daí a intencionalidade que fundamenta essa compre-
ensão. As condições de sucesso para essas ações envolvem a.
compatibilidade dos contextos possíveis em que esses “frag- 4. Temporalidade e desenvolvimento
mentos de ação” podem ser enunciados. A teoria do tempo co-
mo ação contrasta com a teoria do tempo como conhecimento: Seria muito interessante investigar a concepção de tempo
das condições de verdade de enunciações temporalmente especí- que subjaz aos principais escritos sobre lingiiística do desenvol-
ficas. Enunciar uma frase temporalmente específica X é realizar vimento, e buscar uma integração da teoria do tempo orientada
um ato Y tal que Y estabelece X como a origem temporal de to- para o atos, neste contexto. Entretanto, nenhuma tentativa séria
dos os eventos. Dever-se-ia investigar amplamente qual é a rela- será feita nesta nota final, e a discussão desse assunto é deixada
ção entre performatividade e especificação temporal (ou mesmo para uma investigação futura I4. Ch.J.Bailey (1980, 1982)
projeção temporal) (Poliakow, 1981). A enunciação de uma fra- acentua que os processos e a comparação — que têm uma relação
se com uma especificação de agora quase que organiza o co- de causa e efeito — deveriam ser encarados como sendo realida-
texto e contexto todo ao redor da realidade do ato de fala. des lingiísticas fundarrentais, e que a mudança e a variação não
198
deveriam ser atribuídas à “performance” e portanto a disciplinas Notas
estranhas à lingúística. Repete-se sempre que a mente dos lin-'
gúistas e dos filósofos deveria ser purgada dos entraves não- |
: . . « , . '
temporais e não-desenvolvimentais do “velho” paradigma (Saus- | 1 Isto é, obviamente, muito simplificado, e seria preciso fazer referência aos
sure, Bloomfield e Chomsky) em lingiiística. O tempo e o de- finos escritos de Husserl sobre temporalidade, especialmente Fenomenologia da
senvolvimento são noções que não podem ser definidas senão. Moe Not SG Tempo (traduzido para o inglês por 1.S. Churchill). Haia,
uma pelo uso da Quina. A distinção entre desenvolvimento cos 2 Dilga Esrihos menciona a écriture blanche como
um rótulo para caracteri-
natural e desenvolvimento abnatural também introduz de fato. zar o tipo de discurso ideal e atemporal que tem uma relação não-mediada com a
dois modos de temporalidade. Contudo, ao passo que a gramáti- ontologia.
ca explora uma variedade de padrões de desenvolvimento, não: 3 Veja-se, entre meus escritos sobre demonstrativos, Parret (19804).
se podem fazer distinções sofisticadas quanto a tempo. O tempo. 4 “deviant logic” é o termo usado por Quine (1970) e também
o termo usado
fenôme “dado” cial por S. Haack como título de um livro (1974).
é
enc arad o como um fen no o” e estável (ou, na 5 Estou dá dipaciaaaeni s
e inudlidio oontiosntil demcaiiádios, questo
de, “natural”) que torna possíveis processos lingiiísticos e reali- por fundamento o modelo axiomático da teoria do sentido de Hjelmslev: as escolas
dades fundamentais. Além disso, explica a sucessividade da. da Paris, centrada
em A.).Greimas. .
acessibilidade perceptual que é responsável por diferenças de”
mecanismos centrais nas descrições linguísticas, como a noção.
od
tência”.
di
de marcado. Seria proveitoso procurar outras potencialidades do: 7 Para uma “descoberta” dessas verdades do senso comum, veja-se Harris
conceito de temporalidade, e compreender a gradiência, a inten-. (1980; 1981).
sificação e a “tensão” no interior do próprio conceito de tempo. e ae Labov (1972) e escritos mais recentes, entre outros sobre discurso
si agent que não só à orientação pera-a-ução-é a (nã 9 (N.do T.) Os exemplos ingleses
são ““Take your time” e “Take your form of
desenvolvimento há uma porção de pontos que encaminham & becoming”.
esse sentido), mas que a orientação para o ator o é: a competêns 10 Exemplos tirados de Wittgenstein, op.cit.
cia modal do ator lingiiístico é a fonte dos procedimentos de 11 Para um julgamento equilibrado, veja-se Putnam (1981).
temporalização e de sua gradiência e “tensão específicas. À] 12 w. Mayerthaler tem uma teoria sobrea direcionalidade do espaço e do tem-
8 tica do desenvolvimento” deveria acrescentar essa j po, baseada em seus critérios de marca (comunicação pessoal). Entretanto, isso não
Ego a pe . , pa afeta de maneira alguma a opinião de que a teoria do tempo tem que ser orientada
pectiva a respeito da competência produtiva do ator e seus pro-: para
o ator, como se defende aqui.
cedimentos de temporalização à concepção de tempo que subjaz 13 Davidson (manuscrito). Uma solução semelhante já podia ser encontrada nos
ao desenvolvimento. Elements of Symbolic Logic (New York, Macmillan, 1947) de Reichenbach.
14 A idéia de uma “pragmática integrada” é desenvolvida por Parret (em de-
senvolvimento).
210
da seguinte maneira: C (x) versus B (x). Em um caso “ideal”,
Eu/nós pretendemos
Eu/nós acreditamos
Euw/nós acreditamos
pretendo/
se fazer as inferências corretas. Mas, evidentemente, na maioria
de relatar
acredito/
acredito/
acredito/
Eu/nós sabemos
Modos
sei/
C (7)
queC (4)
queC(p)
(em)
que p.
parte suplementar dos contextos extrínsecos, dois tipos de esta-
que
dos epistêmicos: os estados rmuítuos que têm grande poder cons-
”
Expressividade
Autenticidade
C(p)
Circunstâncias
Circunstâncias
Circunstâncias
transcedentais
Tipologia dos
referenciais
Suposições
Crenças
Mútuo-Idiossincrático
Epistêmico-erotético
Epistêmico/Alético
=
/
denotação 'comum'
PS
Erotético C (4)
IP
comunal C(7)
+
I
Alético C(p)
Comunidade '
213
mente, a denotação de p contém as especificações de tempo & lativamente a certos referentes, mas que melhor servem aos ob-
espaço do referente e a descrição que permite a predicação de jetivos conversacionais do falante/compreendedor (''O homem
suas propriedades e relações. Dar uma visão geral de todas as com um martini é um grande artista”, em que o copo do homem
categorias gramaticais com seu poder expressivo específico em contém água). Eu não questiono o fato de que expressões de
relação ao contexto de p implicaria em entrar em uma das con- crença tenham um valor verdade e que, do ponto de vista da psi-
trovérsias mais prolíficas da filosofia contemporânea, recente- co-lógica, o caráter de funções-de-verdade das operações epis-
mente estimulada pelas chamadas teorias 'causais” dos nomes têmicas seja da maior importância. Mas eu contesto que este fato
próprios (e, por extensão, do significado). Minha discordância seja de grande importância para a teoria da compreensão e do
dos causalistas (Kripke e, em certo sentido, Putnam) 9 não se re- diálogo. Do ponto de vista da compreensão dialógica, deve-se
fere à análise que fazem da relação entre uma expressão, diga- fazer uma distinção cuidadosa entre conhecer C (p) e acreditar
mos, um nome próprio ou um termo que designa uma “espécie que p, entre o núcleo fenomênico e o suplemento epistêmico:
natural”, e suas circunstâncias referenciais, mas sim ao fato de crenças contextuais têm que se adequar aos objetivos conversa-
que C (p) não é apresentado por eles como uma abstração ou cionais (por isso elas são contextualizações) e o valor verdade
como dependente de outros tipos de contextos 10. da sua expressão deve ser deixado em suspenso. Portanto, as
crenças contextuais não correspondem aos sentidos de Frege —
são posições estratégicas no jogo dialógico, que verificam e fal-
B (p) seiam contextos aléticos.
214
Eu prefiro força ““interacional” a “ilocucionária”” devido ao fato ção dialógica. Crenças comunais mútuas ou suposições ( pre-
da força de um enunciado por $ ser modificada, desde a sua ori- sumptions ) são, sem dúvida, um contexto efetivo de compreen-
gem, pela sua compreensão. são, embora sejam facultativas e potencialmente falaciosas. A
fim de indentificar suposições, eu proponho o seguinte critério:
B(ve) as suposições são aquela parte do suplemento epistêmico onde é
O caminho da inferência pode desviar-se ao nível Y pelo necessária a máxima concordância entre usuários da lingua-
fato de se acreditar que P : se B(Y) substitui C(YP), haverá geml3. Essa maximização só é possível com base na crença co-
mal-entendido; se B(Y) é somado a C(Y), pode ter ou uma | munal mútua de que os usuários da língua são autoconsistentes
função intensificadora ou uma função de falácia. Este tipo de ou que, ao menos, maximizam sua autoconsistência. A distinção
crenças contextuais poderia ser chamado de opiniões, para dife- entre o contexto comunal e o contexto epistêmico-comunal deve
renciá-lo de suposições e de crenças no sentido estrito. A crença ser feita para explicar tipos de comportamento semiótico diver-
B(Y) ou a opinião de que PY é uma certa configuração de pri- gente, que é racional por um lado e não-sincero e/ou não-comu-
mitivos psicológicos, é um contexto de compreensão muito es- | nicativo por outro: o mentiroso, certamente, é não-sincero e não-
pecífico, distinto de pretender que C (P) de, ou do fato de que | comunicativo sem ser irracional... Deve ficar claro que não há
essa configuração seja comumente desejável. Estes últimos são meios de maximizar a concordância sobre a racionalidade; mas é
contextos muito especiais, com poder inferencial diferente. O claro que isto não é verdadeiro para a sinceridade e para a apre-
contexto epistêmico-erotético é o domínio da argumentação, da | ensão (uptake). A discordância sobre a racionalidade de uma se-
sobre-determinação, e da coloração retórica. É como se o cami- quência semiótica conduz à fragmentação da comunidade, en-
nho da inferência, fazendo um desvio epistêmico-erotético, fosse | quanto que a discordância sobre a sinceridade ou o desejo de
sujeito quase necessariamente à interpretação falaciosa. Esta | apreensão pode conduzir à discussão da autoconsistência do fa-
concepção é muito pessimista, e eu tenho uma concepção mais lante/compreendedor e mesmo à minimização ou maximização
construtiva a respeito do impacto das opiniões mútuas sobre à do acordo, conforme o caso. Isto significa simplesmente que
significação parcial + (p). É necessária uma teoria sistemática existe uma autenticidade ao nível 7 , que é diferente da autenti-
do óbvio, da saliência, da intensificação psicopragmática e da. cidade do que é acreditado mutuamente, isto é, a autenticidade
sobre-determinação, e a retórica da persuação assim como a teo- de ser racional com os outros.
ria da argumentação são um bom começo nesse sentido. A inter-
pretação de B (y) como um contexto para compreender com- |
C(”)
pletamente a significação parcial de y (p) se torna inevitável
nos casos de significação indireta e de intencionalidade oculta A interpretação e reciprocidade de perspectivas dos mem-
ou colateral, tais como ambigiiidade deliberada, manipulação € bros de uma comunidade fazem com que seja possível uma sig-
mentira 12: quanto mais encoberta for a intencionalidade de um
nificação ser praticamente inferida quando há compreensão. To-
fragmento dialógico, mais forte é o impacto das opiniões sobre
das as regularidades observadas aos vários níveis no núcleo e no
* (p), quer de maneira correta (heurística) quer incorreta (fala-
suplemento do contexto epistêmico podem ser interpretadas co-
ciosa).
mo normas, padrões e regras coletivas sócio-psicológicas e
B(r)
portanto empíricas. No entanto, a 'regularidade' do gerar o as-
O contexto epistêmico-comunal B ( 7), como outros tipos. pecto- 7 da significação de C ( 7) que não é empírica. A comu-
de contexto no suplemento epistêmico, tem ou uma função de nidade, que é o contexto de x, não é um grupo psicossocial, ou
intensificação ou uma função de falácia em relação ao contexto seja, empírico. Ela é a circunstância “transcendental” da raciona-
comunal C (x ), que é a base para a compreensão em uma situa- lidade básica da significação 14.
III Notas
Concluindo, seria não cauteloso e metodologicamente in- | Ver Bach, K. e R.M. Harnish, Linguistic Communication and Speech Acts,
justificado incentivar a proliferação de contextos. É verdade que Cambridge, Mass, The M.I.T. Press, 1979, 234-266, principalmente pp. 235-236.
uma idéia não-explícita de dependência contextual serve como 2 Esta crítica essencial foi formulada muito adequadamente por S.€. Levin-
son em “The Essential Inadequacies of Speech Act Models of Dialogue”, em Parret,
deus ex machina em numerosas teorias lingúísticas e filosóficas H.;M. Sbisã e J. Verschueren (eds.). Possibilities and Limitations of Pragmatics, Am-
do significado. A situação é completamente diferente em uma sterdam, J. Benjamins, 1981, 473-492.
teoria da compreensão e, portanto, em uma teoria do diálogo, . 3 Em seu artigo, apresentado no Encontro Internacional de Filosofia da Lin-
guagem na Unicamp, agosto de 1981.
onde defendo um Princípio de Proliferação de Contextos.
4 Ver o capítulo 4, Contextualism and Transcendentalism in the Theory of Un-
Deve-se acrescentar uma observação final sobre os pa- derstanding, em minha obra Contexts of Understanding, Amsterdam, Benjamins,
1980, 73-95.
drões de inferência da compreensão em uma situação de diálo-
5 Este ponto fundamental foi muito adequadamente enfatizado por F. Jacques
go. O quadro exposto mostra que a inferência prática ao se em seu trabalho, especialmente em Dialogiques Recherches logiques sur le dialogue,
compreender tem potencialmente vários caminhos e pode percor- Paris, 1979 (capítulos Ile IV, 151 ss.).
rer ou não o suplemento epistêmico. A inferência da significa- 6 Este ponto de vista está de acordo com as críticas de Schwarz sobre teorias
clássicas da verdade do significado em Schwarz, D.S., Naming and Referring. The
ção mr [vy(P)] fará uso ou do núcleo fenomênico do contexto Semantics and Pragmatics of Singular Terms, Berlin/New York, Walter de Gruyter,
1979.
extrínseco (padrão A), ou tanto do núcleo fenomênico como de
7 Ver minha obra Contexts of Understanding, op. cit.
seu suplemento epistêmico (padrão B), ou só do suplemento
8 Desenvolvi este aspecto em *Demonstratives and the J-sayer', em J. van der
epistêmico (padrão C). Pode haver desvios em todas as direções. Auwera (ed.), The Semanitics of Determiners, London/Baltimore, Croom Helm/Uni-
O padrão de inferência C, em que somente as suposições, opi- versity Park Press, 1980, 96-111.
niões e crenças são contextualizadas, leva ao mal-entendido. O 9 Pode-se encontrar bibliografia referente a esse aspecto na Introdução de
S.P. Schwarz, Naming, Necessity and Natural Kinds. Ithaca/London, Cornell Uni-
padrão de inferência A em que 7, PY e p sao contextualizados versity Press, 1977.
fenomenicamente sem qualquer influência do suplemento epis= 10 Ver argumentos semelhantes em D.S. Schwarz, Naming and Referring, op.
têmico, deve conduzir à compreeiisão total. O padrão de infe- cit.
rência B, em que tanto o núcleo quanto o suplemento são rele- 11 Ver o capítulo III, Perspectival Understanding em Contexts of Understan-
ding, op. cit., 35-70.
vantes (em um vai-e-vem de um para outro) é o caso mais inte-
12 Escrevi extensivamente sobre esse aspecto em “'Eléments d'une analyse ph-
ressante: a desambiguação e a ambiguação são passos contradi- ylosophique de la manipulation et du mensonge”, in Manuscrito, 2 (1979), 119-152.
tórios que podem ou não levar à compreensão. A análise desses 13 D. Davidson “Radical Interpretation”, Dialectica, 27 (1973), 313-327,
padrões de inferência e a predição do resultado final é da maior formula um Princípio da Caridade que é, na verdade, um princípio complexo, que
não deve ser identificado com o que denomino Princípio da Caridade em várias pu-
importância para uma teoria completa do diálogo. blicações como em ““Principes de la déduction pragmatique”, Revue Internationale
de Philosophie, 30 (1976), 486-510.
14 Ver o capítulo IV de Contexts of Understanding, op. cit., sobre “transcen-
dentalismo” na teoria da compreensão.
Tradução: Raquel Salek Fiad
218 219
PARA UMA TEORIA ENUNCIATIVA
DA PARÁFRASE: A SEMELHANÇA
E O ATO DE PROXIMIZAÇÃO
A paráfrase
como técnica de transposição
221
minação do sentido, constatar-se-á que a paráfrase aparece de nal da semiosis de um Saussure oficialmente insensível ao pro-
imediato como um fenômeno semântico incontornável. É assim blema da produção do sentido e desenvolve um conceito muito
que proponho neste lugar evocar o percurso teoremático segun- mais satisfatório de articulação. A “matéria”-prima ( purport)
do o qual a teoria estrutural do sentido engendra um conceito de manifestada e indeterminada deve ser articulada para se conver-
paráfrase (Parret, 1986b). A partir de Saussure, a lingiística es- ter em forma/substância cuja relação constitui a semiosis, ver-
trutural caracteriza a semiosis como uma rede de relações (de dadeiro objeto da semiótica. Hjelmslev compreende por “re-
tipo associativo ou paradigmático e de tipo sintagmático). É um construção linguística” a articulação da forma/substância a par-
aspecto fundamental da herança saussuriana considerar “a lín- tir de uma matéria indeterminada, “esta massa amorfa, esta enti-
gua como um sistema de diferenças” e a rede de relações que é dade não-analisada que só se define por funções externas”
o sistema lingúístico, não como categorial mas como holístico (Hjelmslev, 1943). A forma/substância, em contraste com a ma-
(as relações não são elas próprias independentes mas entidades téria, é o sentido enquanto que assumido pela lingiística: a arti-
de redes sempre em expansão). Felizmente foi possível desfazer culação do sentido implica a produção lingiiística. Entretanto
da hipótese do signo saussuriano, o signo pertencendo de fato esta idéia hjelmsleviana de articulação do sentido só é um pri-
ao nível do parecer linguístico, e elaborar uma concepção de meiro passo em direção a uma perspectiva adequada no que diz
rede de relações como um sistema de restrições do próprio sen- respeito à emergência do sentido.
tido. O esforço teórico que levou à reconstrução da rede de rela-
ções consiste em projetar uma estrutura subjacente e em postular a Proporei, na verdade, que o sentido só é apreendido no seu
uma série de níveis de explicitações que atinjam, ao longo de tratamento” no momento em que o sujeito falante é levado a
um percurso gerativo, a superfície dos discursos. Essa ênfase da operar uma transposição de um nível de sentido em direção a
verticalidade - e, ao mesmo tempo, o reconhecimento que o sen- outro. É deste modo que parafrasear é um ato produtor. Esta
tido não tem nenhuma ancoragem ontológica, já que ele é o re- abordagem da paráfrase pressupõe a transformação radical da
sultado de uma projeção teórica - vai marcar todo o desenvolvi- concepção puramente estratificacional para uma concepção
mento da axiomática estrutural. Vários deslocamentos surgem no transpositiva do sentido. Estamos já longe da visão estática de
decorrer deste desenvolvimento. A linguística estrutural se dis- um Saussure que concebe a semiosis como uma ““teia de aranha”
tancia cada vez mais da concepção estática da relação enquanto ideal de relações sincronicamente dadas. É uma crítica feroz do
produto para se reaproximar mais de uma concepção dinâmica estruturalismo ao afirmar que “a apreensão é logicamente ante-
da relação enquanto produção. É precisamente a colocação das rior à diferença” e que “a forma da linguagem (ou do signifi-
relações ou a emergência do sentido que mobiliza progressiva- cante), isto é, o conjunto das diferenças, resulta da articulação
mente a atenção na teoria estrutural do sentido. Poder-se-ia da operação de apreensão” (Greimas, 1970:10). Uma concepção
constatar que a idéia de emergência do sentido já está prefigura- transpositiva do sentido torna possível, desde que se determine o
da nas Fontes Manuscritas, onde Saussure distingue o articulus objeto da semântica como sendo o sentido do sentido, ou o sen-
do lado do signo, do termo (o signo enquanto entidade do siste- tido enquanto articulação do sentido pela sua apreensão. É deste
ma das relações “associativas””) e da unidade (o signo enquanto modo que a transposição do sentido poderá ser considerada co-
entidade da cadeia sintagmática). Na verdade, o articulus É O mo a condição de possibilidade do próprio sentido. A semântica
produtor do mecanismo de articulação que, em Saussure, é infe-
responsabiliza-se então pela determinação das técnicas específi-
lizmente e automaticamente associado à faculdade sócio-psico-
lógica (Parret, 1971). Mas o fato de introduzir, mesmo de modo
cas da transposição do sentido. O termo transcodificação apare-
hesitante, a idéia de que“a ““vida significativa” estaria depen- ce de imediato como um concorrente direto da “transposição”.
dente de um mecanismo dinâmico de produção ou de articulação Mas torna-se possível fazer a economia da “transcodificação”,
já é um passo adiante e um questionamento do estruturalismo fi= que tem desvantagens definicionais. Segundo as conotações ha-
xista. Se bem que Hjelmslev herda sua concepção estratificacio- bituais deste termo, a transcodificação só tem como conseqiuên-
223
cia a constituição de uma metalinguagem. A transposição do |
A transposição pela paráfrase é aquela exercida “natural-
sentido, contudo, não transforma necessariamente o sentido em
mente” e infinitamente pelos discursos tanto cotidiano como ar-
sentido “autêntico” e “final”, expresso por uma metalinguagem
tístico e poético. A transposição hermenêutica é aquela efetuada
artificial e arbitrária. Essa é, na verdade, a finalidade dos lógi-
pelo ato de leitura ou comentário de um texto: utilizo então este
cos quando pretendem representar o sentido de uma linguagem- |
campo conceitual hermenêutico/texto/leitura/interpretação no
objeto (natural) por uma metalinguagem (formal). A transposi-
sentido mais tradicional. Será evidente para cada um que a in-
ção do sentido, ao contrário, é um processo infinito de articula- |
terpretação do sentido de um texto ao nível do ato de leitura se
ção, é precisamente este aspecto da infinitude da vida da semio-
situa em algum lugar “entre” a paráfrase e a metalinguagem.
sis que deve ser acentuado. Mesmo no interior da axiomática
A leitura, na verdade, funciona como deciframento de um texto
saussuriano-hjelmsleviana, onde se mantém a tese do ““fecha-
e introduz desse modo o movimento infinito de interpretação
mento do universo do sentido””, poder-se-ia introduzir a idéia de|
hermenêutica. Se examinarmos as teorias lingiúísticas e mesmo a
um movimento ininterrupto de transcendência: basta reler os úl-:
filosofia da linguagem constatar-se-á que, na verdade, os três ti-
timos capítulos dos Prolegômenos para se convencer de que o
pos de transposição - paráfrase, interpretação e metalinguagem -
próprio Hjelmslev era sensível a essa idéia. A segunda razão
que me leva a economizar a noção de “'transcodificação”” é a de recebem frequentemente interdefinições: são quase sempre trata-
que esse termo conota a concepção informacional da significa- dos como parassinônimos. Entretanto, há constantes nas defini-
ções, neste caso, por exemplo, onde a interpretação é dita não
ção e da comunicação: reduzir totalmente a comunicação signi-:
ficante à informação seria um ponto de partida deplorável se: ser uma coisa em si, ou é dita não poder ser uma atividade fe-
estamos à procura de uma definição adequada do ato de parafra-. chada e auto-suficiente (Greimas, 1983:214), enquanto que a
sear. metalinguagem só pode ser auto-suficiente. De fato, a interpre-
tação não é nunca fechada ou terminada; a metalinguagem, ao
contrário, constitui necessariamente um último julgamento, o
qual estabelece o sentido transposto — a linguagem-objeto — no
encarada se o conceito puramente relacional do sentido (Sauss
nível transpositor como definitiva e completamente reconstruído.
re) for enriquecido pelo suplemento transpositivo. Não é o caso
evidentemente de substituir'o conceito de relação pelo de trans- É preciso, então, aceitar que os termos da tríade, paráfra-
posição, desde que a transposição enquanto “suplemento” seja se/interpretação/metalinguagem, não são parassinônimos.
fundadora de sentido. É verdade que a emergência do sentido, Constata-se na verdade que algumas propriedades destes termos
nessa nova perspectiva, torna-se possível pela apreensão trans- não se sobrepõem. Proponho-me agora a especificá-los melhor.
positiva. Contudo, é conveniente determinar agora o ato de pa- É deste modo que se pode postular que, mesmo intuitivamente, a
rafrasear no interior do panorama das técnicas de transposição, paráfrase é vista como uma operação de tradução intralingiilsti-
Proponho a seguinte tipologia das transposições sem pretender, ca e como uma expansão que se apóia sobre a propriedade de
que os tipos sejam exclusivos. elasticidade do discurso. A paráfrase só pode, além disso, ser
considerada como uma atividade natural onde a semelhança do
a) A transposição discursiva: paráfrase sentido transposto e do sentido transpositor está mais ou menos
intuitivamente posta. Faz parte igualmente de toda concepção
b) A transposição hermenêutica: interpretação
pré-teórica da paráfrase que a motivação do ato de parafrasear é
c) A transposição científica: metalinguagem o da desambigiização de conteúdos semânticos pela referência
ao contexto ou à instância da enunciação. Ao contrário, é preci- que se simula depois. “Construir”, ao contrário, sugere uma tá-
so afirmar, ao menos provisoriamente, que a interpretação (ao bula rasa inicial. Esta distinção, para mim, não é ontologica-
nível do ato de leitura ou de comentário) não é tanto uma ““res- mente determinada e não faz alusão à existência ou à não-exis-
posta” a uma ambigiiidade revelada no nível a ser transposta, tência de um objeto referencial. Ela se aplica de preferência
mas de preferência um esforço de estruturação de uma riqueza à modalidade introduzida pela competência produtiva do discur-
gen roi
inicial e inesgotável; além disso, a interpretação resulta num no- so: um discurso reconstrutivo implica a subjetivação, enquanto
pente: (obiipe
vo texto que será fonte, ele próprio, de novas interpretações. Pa- que o discurso construtivo procede da objetivação ou da forma-
ra utilizar uma terminologia da moda, diria que a interpretação é ção de um “objeto” cada vez mais “objetivo”. A paráfrase e
criadora de intertextualidade. A metalinguagem, enfim, é neces- a interpretação são também transposições reconstrutivas e sub-
sária “para a vocação científica”, e é assim, aliás, que esta no- jetivas enquanto que a metalinguagem é construtiva e objetiva.
ção tem sempre funcionado em lógica e em epistemologia. 4 . Acrescentamos, ainda, a estes outros critérios que a pa-
Para melhor apreender o funcionamento específico da pa- ráfrase se realiza por uma sequência discursiva, a interpretação
ráfrase, apresento alguns critérios de distinção suplementar. por uma segiiência textud | e a metalinguagem por uma seqjiiên-
cia linguística. Para utilizar distinções em termos de modalida-
1. É preciso distinguir a paráfrase da perffrase. Uma perf-
de, diria que o discurso parafrástico é um fazer-dizer do sentido
frase, em retórica, é um procedimento que substitui uma noção
transposto, o texto interpretativo um fazer-saber e a metalingua-
por um grupo de termos. A perífrase é menos “natural”, menos
gem, enquanto linguagem, um fazer-conhecer. Isto corresponde
“intuitiva” que a paráfrase. Esta funciona por análise, por de-
evidentemente às três funções tradicionalmente identificadas aos
composição, por articulação de uma estrutura semântica de su-
três tipos de transposição: faz-se assim apelo à faculdade de di-
perfície em entidades profundas. A perífrase, em contraposição
zer do discurso, do saber de um texto, e do conhecimento da
com a paráfrase, não repousa sobre a expansão e, pois, sobre a
ciência.
propriedade de elasticidade do discurso.
Não pretendo que os tipos de transposição sejam exclusi-
2. A paráfrase é uma transposição heterofônica do senti- vos. A tipologia proposta, além disso, não é descritiva mas nor-
do, e não uma transposição homofônica. Uma transposição é mativa, de modo que a tipologia que lhe é dependente só se
chamada homofônica por Quine se nenhum sistema de produção realiza parcialmente. Sabemos muito bem que há discurso “coti-
ou de compreensão/recepção mediatiza a comunicação de um diano” na linguagem científica e há interpretação “textual” no
conteúdo semântico. É evidente o caso da transposição científica discurso artístico, literário por exemplo. A pureza das distinções
onde a produção e a recepção não restringem de nenhum modo o é então continuamente traída e as propriedades ideais estão
sentido das sequências. Ao contrário, uma transposição é hetero- constantemente combinadas. Prossigo, entretanto, no esforço de
fônica desde que o sentido inerente de uma seqiiência discursiva delimitação da paráfrase e das noções concorrentes e parassino-
seja dependente das restrições de produção e/ou de compreen- nímicas. Tomemos um novo ponto de partida, desta vez na Ló-
são. Esta distinção conceitual nos coloca em posição de especi- gica de Port-Royal. Segundo os autores de Port-Royal, pode-se
ficar a oposição entre o discurso cotidiano parafraseante por um agrupar sob o termo genérico de determinação as duas ativida-
lado, e o discurso científico de outro. des de descrição e de definição. “'Determina-se”” por definição
3. A transposição parafrásica é reconstrutiva, e não cons- se se reconstrói a essência das coisas e por descrição se o co-
trutiva. “Reconstruir” significa construir de novo o que já está nhecimento diz respeito à coisa pelos acidentes que lhe são pró-
construído: pressupõe-se ou projeta-se uma estrutura existente prios e dessa forma delimitamos a coisa no seu campo textual. É
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claro que estes três termos utilizados pelos lógicos de Port-Ro-
semiótica peirceana. A transposição hermenêutica, já descrita, é
yal funcionaram em muitas das teorias semânticas sem nenhuma
na verdade um mecanismo de identificação ou de apreensão de
especificidade definicional. Este tem sido sobretudo o caso para
identidade. Mas o procedimento de identificação é claramente
“descrição”: qual tipo de transposição do sentido pode-se cha-
infinito: a identidade está sempre e necessariamente projetada na
mar de descritivo? Wittgenstein nos oferece um elemento ade-
profundidade que se penetra. É importante perceber que o que
quado neste debate nocional, fazendo a crítica terapêutica da
a se reconhece, na interpretação, não são tanto os patamares de
descrição enquanto estipulação e fazendo o elogio da descrição
profundidades identificados, mas sobretudo as regras segundo as
enquanto interpretação. As Investigações Filosóficas constituem E
E
quais estes patamares são gerados: na verdade, o procedimento
um longo requisitório contra a idéia de uma seqiiência lingiúísti-
de identificação não pressupõe nenhuma identidade, mas um ato
ca “com conteúdo descritivo” onde descrição equivale então,
psicológico progressivo que projeta seu objeto num tempo/espa-
à estipulação: este conteúdo funciona neste caso como uma “ti-
ço irrecuperável. Se há profundidade ao nível da transposição
magem agostiniana”” que se encontra relação “de espelho” com
parafrástica, ela será de outra natureza. Já que é o tipo de trans-
os estados do mundo. Felizmente há um outro conceito de des-
posição realizada pelo discurso cotidiano e ordinário, poder-
crição que escapa à crítica w ittgensteiniana, o da descrição, on-
se-ia retornar a Wittgenstein para compreender o que é a pro-
de, na sua oposição com tradução e explicação, é avaliada en-
fundidade pressuposta/gerada pelo ato de parafrasear. Witt-
quanto interpretação. A tradução — técnica transpositiva próxi-
genstein vê uma interdefinição possível entre profundidade e
ma da paráfrase e efetuada prototipicamente pelo discurso coti-
conecção (ou relação). Ele se pergunta na obra Investigações...
diano — é fortemente dependente das propriedades semânticas da
e nos outros trabalhos escritos em que consiste a “profundida-
dimensão transpositora, isto é, do discurso no qual se traduz.
de” de uma sonata de Brahms, ou a “profundidade” de um sa-
Essa dimensão transpositora é carregada do formidável semanti-
crifício humano, e propõe que o aspecto “profundo” é sempre
cismo de um discurso parafraseante e da própria densidade da
devido a uma experiência pessoal, a uma evidência com a qual
enunciação transpositora. A explicação, por outro lado, está
nós estamos em relação direta. É assim que Wittgenstein afirma
oposta à tradução naquilo que, na explicação, a dimensão trans-
que nenhuma explicação, seja causal ou não, pode produzir pro-
positora tende a desaparecer: a objetivação e o tipo de modali-
fundidade. Sua terapia se volta então explicitamente contra a
zação primordial dos discursos explicativos. Ela só pode ser
profundidade ““galileana”” — como exaltada por Chomsky — e
realizada pela perda de toda densidade transpositora. É claro contra as “doenças” metafísicas da idealização e da matematiza-
que a atividade metalingiística é, neste sentido, necessariamente
ção. Wittgenstein, na verdade, não acredita que uma considera-
“explicativa”. A interpretação é intermediária entre a tradução
ção adequada das regularidades discursivas e uma transposição
e a explicação. O melhor critério de distinção entre a trilogia
“translativa”” (por tradução), com a ajuda de paráfrases adequa-
tradução/interpretação/explicação, introduzida por Wittgenstein,
das, provêm da penetração nas “profundezas” das sequências
se aplica sem dúvida aos diferentes tipos de profundidade pres-
discursivas, “elevadas” sobre formas de estruturas idealizadas e
suposto e, ao mesmo tempo, gerado por estes três procedimen-
matematizadas, mas postas em contraste em virtude das maneiras
tos.
pelas quais os discursos são utilizados com regularidade nos di-
A interpretação pressupõe/gera uma profundidade que foi
ferentes domínios ou esferas de vida. A “profundidade” de uma
bem tematizada por Peirce: a profundidade da semiosis ou da
paráfrase se mede pela qualidade da relação que ela mantém
vida significativa é devida ao trabalho da interpretação: não há
com nossa experiência. A identificação que o ato de parafrasear
profundidade sem interpretação, daí o papel do interpretante na
estabelece, não é uma atividade de idealização mas é “profun-
228 229
Parece-me que os termos guardam suas conotações específicas,
damente”” sentido na própria experiência discursiva. A profun-
mesmo que se possa utilizar a noção de tradução para dar mais
didade pressuposta/gerada pelo discurso científico e sua trans-
substância a uma eventual teoria do ato de parafrasear. Vejo en-
posição metalinguística, ao contrário, é de uma outra ordem.
tretanto uma diferença que explica incoativamente o funciona-
Chomsky é um bom exemplo prototípico de um “científico”
mento levemente desviante dos dois termos. A dificuldade da
cujas teorias são evidentemente explicativas já que metalingiís-
tradução consiste no fato de que a estrutura semântico-sintática
ticas: a profundidade de uma lingiúística chomskyana ou de uma
da sequência traduzida e da segiiência traduzível são diferentes .
gramática gerativa transformacional é criadora de “visão” (no
e específicas. A dificuldade do ato de parafrasear acrescenta um'
sentido do “estilo galileano”” com os mecanismos de matemati-
elemento nesta problemática do não-isomorfismo dos dois ní-
zação e de idealização). Os três tipos de profundidade enumera-
veis: como o veremos, a paráfrase pressupõe uma ambigiiidade
dos — a profundidade-conecção, a profundidade-infinito e a pro-
na sequência parafraseada e o ato de parafrasear é necessaria-
fundidade-visão — correspondem então aos três tipos de transpo-
mente um ato de desambigiiização. Epistemologicamente, pará-
sição distinguidos: por paráfrase, por interpretação e por meta-
frase é uma noção mais “rica” que tradução: como a tradução, a
linguagem.
paráfrase é um mecanismo intradiscursivo, mas ela se distingue
Retomemos à guisa de conclusão desta sessão nossa tríade: da tradução na medida em que especifica a sequência transposta
a transposição parafrástica é uma tradução, a transposição her- como sendo ambígua e não somente não-isomorfa.
menêutica uma interpretação, e a transposição metalingiística
uma explicação. O que é a tradutibilidade das sequências discur-
sivas, propriedade exploradora a fundo por todo o ato de pará- A equivalência semântica e a semelhança pragmática
frase? A tradução é ““uma atividade cognitiva 'que opera a pas-
sagem de um enunciado dado para um outro enunciado conside- Pode-se constatar, a partir da tipologia triádica proposta, a
rado como equivalente” (Greimas-Courtés, 1979). A tradutibili- importância da paráfrase para a caracterização da “'vida do dis-
dade aparece como o próprio fundamento do procedimento se- curso”. Mesmo se aceitássemos a idéia de que o ato de parafra-
mântico: “entre o julgamento existencial “há sentido" e a possi- sear é uma atividade natural e intradiscursiva, dever-se-á estar
bilidade de dizer alguma coisa se intercala na verdade a tradu- em condições de formular a relação entre o sentido transposto e
ção; “falar do sentido" é ao mesmo tempo traduzir e produzir o sentido transpositor. Os semanticistas submetem a existência
significação” (Jb). Esta afirmação retoma evidentemente a de uma paráfrase ao critério da equivalência semântica entre
concepção transpositiva do sentido que defendi no decorrer dois sentidos. Poucos semanticistas das línguas naturais exigirão
desta sessão. Reconhece-se nas línguas naturais um estatuto pri- uma relação de pressuposição ou de implicação recíproca entre
vilegiado em relação a outros tipos de línguas (formais, lógicas) os dois enunciados. Constata-se uma direcionalidade entre os
pelo fato que elas sozinhas são suscetíveis de servir de línguas dois enunciados já que um é superposto ao outro, e não necessa-
de chegada quando do processo de tradução. Faço neste con- riamente o inverso. Este é o caso em que já se admite que o ato
texto evidentemente alusão à tradutibilidade intralingúística. A de parafrasear é (parcialmente) responsável para o progresso
força da enunciação transpositora é particularmente densa e de- dialógico e conversacional dos discursos, como gostaria de su-
terminante neste mecanismo tradutor. O ato de parafrasear é en- gerir. A exigência da equivalência semântica é evidentemente
tão fortemente constrangido pelo semantismo transpositor. Resta menos constrangedora. A definição da equivalência semântica
então a questão de saber se a tradução e a paráfrase são noções pode ser verifuncional ou simplesmente formal. A exigência ve-
simplesmente redundantes ou de preferência interdefinidoras.
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230
rifuncional será extensionalmente, ainda que os dois enunciados se parece com você” não equivale a “Você se parece com seu
(o enunciado parafraseado e o enunciado parafraseante) tenham filho”. Na linguagem natural, **y quer dizer x'' não gera neces-
o mesmo valor de verdade em relação a suas funções de verdade sariamente “x quer dizer , Assim, se “Pediatra quer dizer
comum. Se se ultrapassa a definição puramente extensional, co- médico de crianças”, é perfeitamente possível que o inverso não
mo é preciso, acrescentar-se-á que as inferências lógicas das seja verdadeiro. A reflexibilidade, enfim, é pouco atestada em
duas sequências devem ser idênticas. Por outro lado, as proprie- linguagem natural: posso dificilmente enunciar que “Sou meu
dades formais da equivalência semântica são simplesmente re- próprio irmão”” já que meu irmão e eu-próprio temos os mesmos
tomadas da mais clássica definição lógica. Gostaria de, nesta pais. É conveniente então concluir que as propriedades formais
sessão, sugerir que nem a verifuncionalidade nem a formalidade da equivalência semântica não coincidem quase nunca em lin-
da equivalência semântica sejam respeitadas no caso específico guagem natural, e também jamais em combinação. Se se mantém
da paráfrase intradiscursiva. Na verdade, a identidade semântica o funcionamento desta noção apesar de tudo, não será mais no
entre unidades discursivas são somente parciais, e felizmente a sentido da semântica lógica.
equivalência semântica não exige a identidade perfeita dos dois
Há ainda hoje alguns lingiistas que continuam a dar uma
sentidos. Ela só exige a identidade no que conceme ao valor de
autonomia a uma abordagem sintática da paráfrase, por uma
verdade (extensão) e às inferências lógicas (intenção). Mas
parte, e à abordagem semântica do mesmo fenômeno de outra.
mesmo esta exigência é falseável quando se trata da paráfrase Harris (1976), Hiz (1964) e Smaby (1971) propuseram teorias
enquanto fenômeno intradiscursivo. Voltarei a este ponto após | sintáticas as mais englobantes, e Martin (1976) privilegia a
ter indicado que as propriedades formais da equivalência se- abordagem semântica (ou seja, lingiística) distinguindo-a do
mântica não se encontram no 'seu conjunto nas sequências da estudo da classe das “paráfrases pragmáticas””. Harris define
linguagem natural. uma relação de paráfrase como uma relação entre duas estruturas
“A paráfrase nas linguagens formais interpretadas é uma de superfície: o léxico permanece constante mas há esquemas
relação de equivalência, uma relação pois reflexiva, simétrica morfossintáticos diferentes que preservam a significação. Chom-
e transitiva e cada uma das expressões substitui a outra em todo sky desenvolve uma outra perspectiva: frases (em relação de pa-
contexto” (Grize, 1985: 214). Grize tem perfeitamente razão ráfrase) tendo uma interpretação semântica idêntica são geradas
quando constata que as três propriedades da equivalência se- a partir de uma representação sintática abstrata comum (a dita
mântica mencionadas são pouco atestadas no que concerne às estrutura profunda). A mudança do esquema sintático das frases
“relações do senso comum” (de fato, das relações expressas nas parafraseantes diz respeito sobretudo a reduções ou desloca-
sequências da língua natural), e sobretudo que elas não se mani- mentos. Cito alguns exemplos de reduções:
festam nunca juntas numa e na mesma expressão. Parece então
impossível constatar paráfrases da língua natural que são refle- 1. João viu Maria e João chamou Maria.
xivas, simétricas e transitivas em relação aos enunciados de par- João viu e chamou Maria.
tida, isto é, dos enunciados parafraseados. A transitividade, por
(desaparecimento dos termos repetidos)
exemplo, só se aplica a fragmentos extremamente restritos da
linguagem natural: “x é o irmão de y'* e ““y é o irmão de z”” de
2. Procurei o livro e li o livro.
modo que “x é o irmão de z'* é uma constelação semântica que
não é nem aplicável a “pai” e “vizinho”. A simetria é mais Procurei o livro e o li. *
problemática ainda: Grize observa corretamente que “Seu filho (pronominalização)
232
3. Ele lê os livros.
se, distinguida por Martin, não tem relação entre frases mas so-
Ele lê.
mente entre termos (lexemas) substitutivos: é o caso, por exem-
(desaparecimento de consoantes) plo, da substituição sinonímica. Pode-se substituir “olhar” por
“considerar”, “fato” por “acontecimento”, “autor”” por “escri-
4. João espera até que Maria chegue. tor”, etc. Um problema menor já aparece a propósito desta clas-
João espera Maria. se: Martin define a sinonímia a partir da possibilidade de pará-
frase, e o inverso, de modo que, de fato, estas caracterizações
(desaparecimento de sintagmas)
são circulares. Perto desta primeira classe se situa a paráfrase
Exemplos evidentes de deslocamentos sintáticos são:
pela dita variação conotativa: já que neste caso como no prece-
dente a denotação permanece igual, haveria “equivalência se-
5 . Ele pega um cigarro no bolso enquanto fala.
mântica” quando se substitui um termo por um outro termo com
Falando, ele pega um cigarro no bolso. conotação diferente (termo com o qual se tem uma outra “rela-
(permutação) ção afetiva” ou “emocional”): pode-se substituir “estado” por
“pátria”, e “animal” por “selvagem”. Outros exemplos de va-
6. A vinda de João aconteceu. riação conotativa dizem respeito à mudança de código entre o
familiar, o técnico, o literário, o cotidiano: é assim que se pode
João veio.
substituir “abdômem” por “*ventre””, mudando do registro médi-
(deslocamento relativo ao tempo) co para o registro cotidiano ou popular. Esta espécie de substi-
tuição de termos nas frases não muda evidentemente o valor de
verdade dos enunciados. Entretanto, coloco em dúvida que uma
Harris considera a supressão dos verbos performativos co- tal substituição seja pragmaticamente possível: a frase parafra-
mo um procedimento sintático, e declara, por exemplo, que os seada e a frase parafraseante não pode ser utilizada num só e
pares das frases seguintes são parafraseantes: mesmo contexto de enunciação. Há restrições específicas para o
emprego dos termos, não somente com valor conotativo mas
7. Digo que João virá. mesmo sinonímico. O mínimo que se pode dizer é que há sempre
João virá. contextos possíveis onde os dois enunciados não são aceitáveis
ao mesmo tempo. Constatar-se-á uma mesma impossibilidade no
8. Peço para você ficar. caso em que se substituem não mais termos mas frases inteiras,
Você fica? como nos exemplos da paráfrase pela dupla negação ou pela
dupla inversão. Os semanticistas (Martin, 1976) enumeram e
cito alguns exemplos, primeiramente da dupla negação.
A tese do semanticista Martin referente à paráfrase é que o
mecanismo linguístico da paráfrase se realiza independente-
9. Isto é alguma coisa.
mente dos contextos de enunciação. É precisamente esta possi-
bilidade que gostaria de questionar. Mas olhemos primeiramen- Isto não é nada.
te, mais de perto, de que fenômenos se trata. Uma primeira clas- (dupla negação gramatical)
235
« Pedro segue João.
10. Partirei.
João é seguido por Pedro.
Não ficarei.
(passivação)
(dupla negação, uma gramatical, outra lexical)
19. O treinador domina o cavalo.
11. Ele é casado.
O cavalo obedece o treinador.
Ele não é mais solteiro.
(inversão lexical do predicado e permutação dos ar-
(idem) gumentos)
237
denotação é considerada como independente da especificidade distintos. A identidade, na verdade, serve sobretudo para a de-
do locutor e da situação. Isto significa dizer que, se uma frase é signação do princípio de permanência que permite ao objeto
verdadeira, a outra é necessariamente verdadeira também, e se persistir no seu ser, mesmo durante a mudança que o afeta. A
uma é falsa, a outra também o é. Considero, entretanto, que a unidade parafraseada e a unidade parafraseante não são mais
verifuncionalidade de uma segiiência só é uma hipóstase e uma que parassinonímicas. Naturalmente, é graças à substituição que
idealização se ela não é retomada num contexto de enunciação a parassinonímia pode ser identificada. A parassinonímia é pre-
mais amplo e realmente produtor de significação. A distinção cisamente esta identidade parcial de duas unidades lingiiísticas
entre uma dita “paráfrase semântica” e “paráfrase pragmática”,
amem
introduzida por, entre outros, R. Martin (1976), não me parece aqui um parâmetro pragmático de muita importância: o contexto.
pertinente já que uma ““paráfrase semântica”” também deve fun- Na sua posição com a sinonímia, uma relação parassinonímica
ço
cionar num contexto pragmaticamente determinado. A lista das entre unidades só pode ser interpretada como equivalente num
aaa
duas adequadas ou “autênticas”. Quero dizer assim que um cia o resultado de um ato de proximização que, como veremos
contexto, na sua especificidade, gera uma única sequência, na sessão seguinte, constitui a essência do julgamento de identi-
pragmaticamente ““imparafraseável” pela outra. No final das ficação que é o parafraseamento.
contas, será preciso mudar radicalmente de direção se quisermos
chegar a uma teoria que reconstrua a intuição discursiva que foi |
funcionalmente beneficiada pela paráfrase em situação de troca
conversacional.
As estratégias de proximização
O grande obstáculo, que os semanticistas constroem artifi- Situando o parafraseamento sobretudo no contexto da con-
cialmente, é o da exigência da identidade de significação entre à versação e do diálogo, admite-se que a paráfrase requer antes de
sequência parafraseada e a sequência parafraseante. Esta identi- tudo expansão e a propriedade da elasticidade do discurso. Pa-
dade é evidentemente obtida pela imposição da equivalência se- rafrasear traz, além disso, sempre um benefício ao capital se-
mântica (mesma denotação das duas sequências, e estabilidade mântico da interação dialógica: a paráfrase constitui um enri-
das propriedades formais da equivalência). Seria preciso melhor quecimento de sentido e provoca a progressão do discurso em
insistir sobre a importância da produção e da recognição da direção a um telos comumente definido ou, pelo menos, aceito.
identidade, ou sobre o mecanismo de identificação de dois se- O progresso de um diálogo é constituído por uma concatenação
mantismos (aqueles dos pares de paráfrase). A necessidade de de paráfrases desambigiiizantes por parte dos dois interlocutores
identificação pressupõe a alteridade dos dois semantismos ou um da troca. A teleologia, e o progresso que a marca, é um móvel
mínimo sêmico que faz com que os semantismos sejam de fato da comunicação, mas não é necessariamente interpretar este mo-
238 239
de parafrasear para clarificar as concepções do vbjeto da con-
vimento teleológico como instaurado por ideais transparentes e
versação. Isto nos faz distinguir dois tipos de paráfrases: a pará-
preconcebidos e finalidades exteriores à troca. O telos de um
frase objetal e a paráfrase oblíqua ou interlocutiva. Parafrasear
Pope gera>
diálogo ou de uma conversação se transforma no decorrer desta
o sentido de um objeto de diálogo é denotativo: aceita-se um
interação, e o parafraseamento provoca a própria mudança radi-
critério exterior que garanta a “semelhança” do sentido parafra-
cal da estratégia discursiva inicial. Geralmente, é preciso cons-
seante e do sentido parafraseado. Parafrasear o engajamento do
tatar que o poder da paráfrase testemunha o domínio da lingua-
y interlocutor na sequência conversacional é “oblíquo” e conota-
gem e uma faculdade ótima de (inter) agir discursivamente. A ! tivo já que a paráfrase desambigiiza, neste caso, por referência
concepção enunciativa da paráfrase nos faz considerar a paráfra- explícita à situação de enunciação. A intencionalidade parafra-
se como um fato de discurso que faz plenamente apelo ao con-
seante é específica nos dois casos, mas o motivo dos dois tipos
junto dos mecanismos de produção e de recepção (ou de com-
de paráfrase permanece o mesmo: criar ou favorecer a coerência
preensão) das sequências discursivas. Ressalto dois aspectos
da conversação. A coesão de um ““texto”” é devido a esta intera-
desta concepção emotiva da paráfrase. Primeiramente, sustento
ção enunciativa parafraseante.
que a paráfrase é um princípio de coerência dos mais importan-
tes: o “progresso” de um diálogo é constituído pela concatena- Pode-se mencionar que o parafraseamento pressupõe, nas
ção de paráfrases, como já disse anteriormente, e a estrutura de seguências discursivas anteriores, ambiguidade pragmático-se-
um “texto” é um fato reconhecido com a ajuda das constantes mântica. Admito evidentemente a idéia central da teoria da pará-
que são marcadas pela atividade de parafraseamento. Em segui- frase de C. Fuchs (1982a, 1983, 1985) que as determinações
da, o parafraseamento é motivado pela colocação de um objeto adequadas da ambigiiidade e da paráfrase são interdependentes.
ou de um “'tema”” que deve se tornar cada vez mais explícito no A ambiguidade e a paráfrase funcionam, na verdade, dialetica-
decorrer de um diálogo ou de uma conversação. É como se “'a mente. A unidade parafraseada comporta uma certa ambigiiida-
objetividade” do tema de uma conversação gerasse a coerência de, e a paráfrase tende a eliminar global ou parcialmente esta
das segiências conversacionais. É uma estratégia conversacional ambiguidade. É evidentemente esta dialética que torna possível
bem conhecida insistir em “'retomar o objeto”” da conversação a coerência mencionada acima. Vejo o progresso de uma con-
junto ao interlocutor para salvar a coerência do diálogo. Entre- versação essencialmente como uma concatenação de unidades
tanto, um quadro de referência onde a coerência é definida so- polissêmicas do discurso cuja ambigiiidade é retirada ou resolvi-
mente nos termos de “'ser-dirigido — em direção do — objeto” é da pela unidade parafraseante, criando novas polissemias que,
parcial ( parcial ) e parcial ( parciel ). É preciso acrescentar ao no decorrer da segiência do diálogo ou da conversação, serão
menos duas modificações corrigindo a idéia antes ingênua de parafraseadas novamente e assim sucessivamente. A pertinência
uma direcionalidade transparente em direção ao objeto. Primei- desta concepção é sem dúvida largamente dependente da manei-
ramente, o objeto de uma conversação é necessariamente um ra segundo a qual se define a ambiguidade e a paráfrase. Aqui,
objeto investido de crenças, presunção e opiniões. Falar do ob- ainda, me coloco decididamente junto de Fuchs-Le Goffic
jeto da conversação é necessariamente parafrasear um sentido (1983, 1985) que definem a ambigiiidade não em termos de ho-
que já é conhecido e em que se crê. É assim que as paráfrases monímia ou de indeterminação, mas de polissemia. Se a ambi-
do objeto nunca são exaustivas nem globalmente eficazes. Em guidade é homonímica, o ato de parafrasear só poderia resultar
seguida, as sequêrcias dialógicas são religadas ao comporta- no estabelecimento de uma sinonímia-identidade, e essa exigên-
mento e à atividade discursiva do interlocutor. O Frincípio de cia máxima transcende o critério pragmático da ''semelhança”
Cooperação entre interlocutores consiste na vontade recíproca entre os sentidos parafraseado e parafraseante. Não entro em
241
detalhes nesta discussão que é o ponto forte da teoria de Fuchs- semantismo de Y (produzido pelo enunciador); 3 . o ato de pro-
Le Goffic que considero como definitivamente adquirido. A po- ximização dos dois semantismos. Já que a compreensão e mesmo
lissemia está necessariamente sujeita à paráfrase como ato de a autocompreensão daquele que produz semantismos não são
proximização. Essa proximização, sotre a qual dir-se-á algumas nada específicas quando se trata do parafraseamento, mas têm de
palavras nos parágrafos que se seguem, é essencial para a dinâ- fato uma estrutura geral cuja teoria é independente da teoria da
mica dialetizante ambigiidade/paráfrase. paráfrase (Parret, 1982), todo o peso teoremático recairá sobre a
Como definir, ao menos incoativamente o ato de parafra- noção de ““ato de proximização”.
seamento? O parafraseamento, enquanto fato de discurso, é res- A idéia de proximização dos dois sentidos não está ausen-
tringido pelos mecanismos de enunciação: se realiza não pela tes da teoria da paráfrase em C. Fuchs (1982a: 127-33, e
metalinguagem mas ao longo da dimensão de elasticidade da ex- 1982b): este autor sugere que a paráfrase é “uma conduta dis-
pansão do próprio discurso. O parafraseamento faz igualmente cursiva de restituição do sentido” ou ''uma conduta metalin-
apelo à faculdade produtiva da instância da enunciação, e já que gúística de identificação dos semantismos” (1982a: 28 e 30).
se trata de detectar a “semelhança pragmática” entre o sentido e Estou igualmente de acordo com C. Fuchs que ““o ato de proxi-
sado
a segiiência parafraseante e o sentido parafraseado, dir-se-á que mização” é antes de tudo um ato de anulação das diferenças
o parafraseamento faz apelo à faculdade de julgar do enuncia- iniciais entre os semantismos de X e de Y. A proximização dos
Esteio BAD
dor/enunciatário. O parafrascamento, na verdade, é um julga- dois sentidos é, na verdade, uma “encenação” que a vida do
mento de identificação, um julgamento que consiste em identifi- discurso apresenta dela própria, e esta encenação só é possível
car os semantismos de duas segiiências comparadas. Falo aqui sobre o fundo de um consenso implícito, de uma confiança, de
do “julgamento” por analogia com as noções de “julgamento de "* um conhecimento comum no interior de uma comunidade inter-
gramaticalidade” ou ““julgamento de aceitabilidade”. O sujeito pretativa ou, por que não, ““parafraseante”. A anulação ou co-
falante em questão se esforça em um ato de reconhecimento. Já lagem das diferentes iniciais (reais ou percebidas como tais) le-
que se trata de “julgamento”, toda a estrutura pragmático-psi- vando à *'semelhança pragmática” dos dois sentidos (não a sua
cológica do sujeito “discursante”” entrará em jogo. O julgamento identidade) pressupõe ainda uma vez uma racionalidade e uma
é uma performance que aciona todos os parâmetros ““psicológi- cooperação que é reconhecida reciprocamente pelos dois inter-
cos” (sobretudo as intenções, as crenças e os desejos, tanto in- locutores em situação comunicativa. A pragmática do ato de pa-
dividuais como coletivos). Se falo de “identificação”, é para rafrasear terá como tarefa fazer o inventário das técnicas de co-
marcar que não é o resultado que conta, especialmente a identi- lagem das riquezas semânticas iniciais e então não-interpretadas
dade dos dois sentidos, mes de preferência o processo ou o ato das segiiências discursivas. A colagem das diferenças equivale à
O
reconstrutor: o julgamento, na verdade, é uma performance, um reconstrução da “semelhança pragmática” entre dois sentidos.
E
ato, e não um resultado ou um objetivo como a proposição ou Como haverá diferentes tipos de colagem haverá igualmente di-
o s mantismc dado. O julgamento de identificação que é o para- ferentes tipos de “semelhanças”. Darei algumas indicações bem
fraseamento é, de fato, o conglomerado de três sub-atos. Cha- rudimentares aqui, esperando voltar mais amplamente a este as-
memos, com Fuchs (1982a), o sentido da sequência parafraseada sunto, e estando seguro de que a teoria da paráfrase, sobretudo a
de Semantismo de X, e o sentido da seqiiência parafraseante de de C. Fuchs, proporá num futuro próximo os prolegômenos para
Semantismo de Y. O julgamento de identificação (o parafrasea- esta tipologia das colagens/semelhanças. Fuchs menciona que
|
mento) se decompõe assim em três atos: 1. a compreensão do “o sujeito faz a colagem de todas as diferenças que podem exis-
semantismo de X; 2. a autocompreensão ou a compreensão do tir entre a intenção de significação do sujeito que produziu estas
“242 243
expressões, os semantismos múltiplos e eventualmente multívo-
cos, mesmo ambíguos, que a própria produção das sequências
acarreta com ela... e o semantismo que o sujeito re-constrói a
partir destas expressões...” (1982b: 33). Eis já um primeiro tipo
de colagem, a que “elimina” a distinção inicial entre o sentido
que o locutor dá a suas expressões e o sentido intrínseco das ex-
pressões. Um segundo tipo de colagem terá relação com os es-
tratos específicos no interior do conjunto da significação, retido
ao nível da paráfrase: o que parafrasea pode “fazera colagem” BIBLIOGRAFIA
de toda diferença semântica ao nível gramatical/distribucional,
ou ao nível proposicional (verifuncional), ou ao nível acional
(força ilocucionária), ou mesmo ao nível acciológico (os siste-
mas de valor mantido pelos ““textos””). O ato de proximização
pode recair sobre a colagem dos diferentes sentidos em três ní-
veis: “esquece”” a diferença ao nível do sentido gramatical, veri-
funcional e ilocucionário, por exemplo, para se “concentrar”
sobre a identificação dos valores (modais, entre outros) dos dois AARSLEFF, H. (1982) “From Locke to Saussure”, in Essays on
sentidos. Gostaria de acrescentar somente uma observação final the study of language and intellectual history, London,
a esta evocação rápida da perspectiva enunciativa em teoria da Athlone.
paráfrase: é que a proximização (pela colagem), e então da pró- ALTHUSSER, L. (1968) Pour Marx. Paris, Maspero.
pria paráfrase, deve ser negociada, sancionada, aceita no inte-
rior da comunidade ““parafraseante”: isto implica, antes de tudo, AUSTIN, J.L. (1962) How to do things with words. Oxford,
que todo ato de parafraseamento pode provocar um outro ato de Clarendon Press.
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