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Esta é a mais completa biografia do homem que unificou a Alemanha e dominou, durante

quase três décadas, o cenário político mundial. Otto von Bismarck— qual Pedro o Grande,
Napoleão e Churchill - tornou-se lendário em vida; no ápice da sua glória, Bismarck era
considerado mais como uma instituição do que como um ser humano. É precisamente neste
ponto que se destaca a obra de Alan Palmer, revelando o homem que se escondia atrás da
máscara de "Chanceler de Ferro" e descobrindo a complexa personalidade de Bismarck. Este
livro é o resultado de uma pesquisa exaustiva e revela detalhes inéditos sobre a infância e a
adolescência de Bismarck, mostrando como ele se transformou no mais poderoso conselheiro
de um monarca desde Richelieu.

A Editora Universidade de Brasília apresenta esta obra inédita que vem preencher uma
importante lacuna para o público brasileiro.

Alan Palmer estudou na Bancroft's School, em Woodford Green e no Oriel College, Oxford.
Dirigiu o Departamento de História da Highgate School, de 1953 a 1969, quando o deixou a
fim de dedicar-se à pesquisa e a obras históricas. Seus livros, em grande número, incluem A
Dictionary of Modem History; Napoleon in Rússia; The Lands Between; Metternich: Councillor
of Europe; e Alexander I; Tsar of War and Peace. Em 1976 iniciou uma biografia do Kaiser
Guilherme II.
FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA CONSELHO DIRETOR

Abílio Machado Filho

Amadeu Cury

Aristides Azevedo Pacheco Leão

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José Carlos de Almeida Azevedo

José Carlos Vieira de Figueiredo

José Ephim Mindlin

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Reitor: José Carlos de Almeida Azevedo Vice-Reitor: Luiz Octávio Moraes de Sousa Carmo

EDITORA UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA CONSELHO EDITORIAL

Afonso Arinos de Melo Franco

Arnaldo Machado Camargo Filho

Cândido Mendes de Almeida

Carlos Castelo Branco

Geraldo Severo de Souza Ávila

Heitor Aquino Ferreira

Hélio Jaguaribe

Josaphat Marinho

José Francisco Paes Landim

José Honório Rodrigues

Luiz Viana Filho Miguel Reale

Octaciano Nogueira Tércio Sampaio Ferraz Júnior

Vamireh Chacon de Albuquerque Nascimento

Vicente de Paulo Barreto

Presidente: Carlos Henrique Cardim


Alan Palmer

BISMARCK

Tradução de Heitor Aquino Ferreira

Editora Universidade de Brasília

Com o apoio

FUNDAÇÃO ROBERTO MARINHO


Este livro ou parte dele não pode ser reproduzido sob nenhuma forma, por mimeógrafo ou
outro meio qualquer, sem autorização por escrito do Editor

Impresso no Brasil

Editora Universidade de Brasília Campus Universitário - Asa Norte 70910 Brasília - Distrito
Federal

Bismarcky

de Alan Palmer

Copyright © 1976 by Alan Palmer Edição original de Weidenfeld and Nicolson 11 St. John’s
Hill, London, SW 11

EQUIPE TÉCNICA

Editores:

Lúcio Remer, Manuel Montenegro da Cruz, Maria Rizza Baptista Dutra, Maria Rosa
Magalhães.

Supervisor Gráfico:

Elmano Rodrigues Pinheiro.

Supervisor de Revisão:

José Reis.

Controladores de Texto:

Antônio Carlos Ayres Maranhão, Carla Patrícia Frade Nogueira Lopes, Clarice Santos, Lais
Bátor, Maria dei Puy Diez de Uré Helinger, Maria Helena Miranda, Monica Fernandes
Guimarães, Patrícia Maria Silva de Assis, Thelma Rosane Pereira de Souza, Wilma G. Rosas
Saltarelli.

Ficha Catalogràfica

Elaborada pela Biblioteca Central da Universidade de Brasília

Palmer, Alan Warwick

B622p Bismarck. Trad. de Heitor Aquino Ferreira.


Brasília, Editora Universidade de Brasília, 1982, cl976. 303 p. (Coleção Itinerários)

929 B622p 943.074/.084

Bismarck, Otto von, 1815-1898. t

série
PREFÁCIO

Otto von Bismarck - qual Pedro o Grande, Napoleão, Churchill - tomou-se lendário em vida. Os
contemporâneos reverenciavam-lhe a personalidade, admirados com o refinamento de sua
ação de estadista. O primeiro livro em inglês sobre a vida de Bismarck (tradução da biografia
de Hesekiel, em alemão) foi lançado em Londres já em 1870, em fevereiro, meses antes de
eclodir a Guerra Franco- Prussiana, e o interesse pelo criador do Segundo Reich não
diminuiu, absolutamente, passado mais de um século. A cada mês vêm à luz estudos de
especialistas e publicações periódicas, com novidades em material documentário referente a
sua política e à sua vida particular. Cerca de uma quarta parte dos livros e artigos citados na
bibliografia altamente selecionada do presente trabalho foi publicada nos últimos dez anos,
daí não constarem dos 6138 itens da excelente Bismarck Bibliographie, de Hertel e Born,
editada em 1966. Figura histórica de tamanha importância pode ser retratada de muitas
maneiras; ao escrever esta biografia concentrei-me no homem em si, o indivíduo, o estadista,
não tanto no contexto econômico e social de sua Alemanha, analisado com a maior
proficiência acadêmica, faz poucos anos, pelos professores Hamerow e Pflanze. O que
Bismarck disse, fez e escreveu, permanece fascinante e, no entanto, pareceu-me sempre, tem
significados diferentes para cada um que busca compreendê-lo. Tentei, então, até onde
possível, preservar a continuidade de sua vida em ação, e não sucumbir às paixões candentes
que têm levado tantos historiadores a se colocarem “pró” ou “contra” o Chanceler de Ferro.

Meu interesse em Bismarck tem mais de trinta anos, mas devo a Christopher Falkus e a
Andrew Wheatcroft o estímulo a ordenar minhas idéias e entusiasmos e, por fim, escrever
esta biografia. Ainda uma vez sou grato a Verônica, minha esposa, pela ajuda que me prestou,
discutindo o livro comigo, capítulo por capítulo, compilando o índice e auxiliando-me a
identificar a moça inglesa de quem Bismarck considerou-se noivo em 1887. Reconheço um
débito muito especial para com a Srta. Katherine Bevan, neta daquela moça inglesa, por me
haver permitido reproduzir um retrato de sua avó e por muitas informações interessantes
sobre a família. Gostaria também de agradecer aos funcionários da London juibrary e da
Bodleian Library, de Oxford; e sou especialmente grato ao pessoal da Sala Superior de
Leitura, desta última, por tanta cortesia e paciência. Registro com prazer minha gratidão à
Sra. Peggy Broadbent, que datilografou o livro com perfeição e rapidez. Por fim, desejo louvar
o Sr. Peter Janson-Smith, cujas sugestões profissionais, a par de amistoso estímulo, têm sido
de inestimável valor para mim, como escritor, nestes últimos doze anos.

A.W.P.

Woodstock, agosto de 1975


1. O CALOURO RABENMARCK

Numa tarde de sábado, 19 de abril de 1815, Wilhelmine von Bismarck, senhora de vinte e
cinco anos de idade, esposa de um proprietário rural prussiano, deu à luz um filho, na mansão
da família em Schönhausen, cem quilômetros a oeste de Berlim. O marido, Ferdinand, ficou
felicíssimo. Os nove anos que durava o casamento haviam sido difíceis: o lar formara-se em
meio às incertezas da guerra; haviam conhecido a desgraça de uma ocupação estrangeira e
perdido os dois primeiros filhos ainda pequenos. Um terceiro filho, Bernard, sobreviveu,
porém não gozava de boa saúde e a chegada de um segundo filho, aos quarenta e três anos de
idade, restituía confiança a Ferdinand. No domingo, o pai redigiu uma nota para os jornais
berlinenses, nota muito simples: “tenho a honra de participar aos amigos que ontem minha
esposa teve um filho e que tudo correu bem. Peço a todos que não se preocupem em enviar
congratulações”.

Schönhausen situava-se no centro da Velha Marca (Altmark) de Brandenburgo, região


profundamente enraizada na história de uma Alemanha de outros tempos. A menos de oito
quilômetros da propriedade, para o lado do poente, corria o Elba, artéria da Alemanha
setentrional, e do outro lado do rio estava Stendal, com sua catedral do século XII. A família
Bismarck morava na região de Stendal havia mais de quinhentos anos, detendo a herdade
feudal de Schönhausen sem interrupções desde 15621. Sucessivas gerações haviam servido
aos soberanos de Brandenburgo, na paz e na guerra, sem, no entanto, merecerem distinções
especiais. Em 1700, Augustus von Bismarck mandou demolir a casa do século XII e construiu,
no mesmo local, uma residência senhorial no barroco da moda, e em 1775 o pai de Ferdinand
ampliou-a de uma biblioteca e uma sala de música, não fossem os Bismarcks parecer menos
civilizados que seu rei; mas o tempo correu e não modificou muito o status da família,
senhores feudais no século XIV e pequena nobreza rural ao iniciar-se o século XIX.

Estritamente, os Bismarcks podiam considerar-se junkers, os descendentes dos cavaleiros


conquistadores que haviam criado os primeiros povoamentos germânicos naqueles ermos
eslavos a leste do rio Elba, no início da Idade Média. Os junkers eram uma classe da nobreza,
porém jamais tiveram a riqueza, a influência e a posição social que corresponde à aristocracia
da Europa ocidental ou à dos domínios Habsburgos. Magnatas territoriais os Bismarcks
certamente não eram; aprazia-lhes proclamar uma ascendência nobre — o quadro de uma
árvore genealógica levando-lhes a linhagem, otimisticamente, até o reinado de Carlos Magno
enfeitou as paredes de Schönhausen durante alguns anos, antes de Otto nascer - mas não
exageravam na idéia de grandeur como coisa herdada. Muitas vezes iam supervisionar
pessoalmente, em Stendal, a venda da lã de suas ovelhas. Em suas próprias terras eram ao
mesmo tempo donos, executivos e magistrados, e tal soberania era-lhes mais que suficiente.
Séculos haviam passado desde a última vez que um Bismarck- Schönhausen buscara
proeminência social fora dos limites da Altmark.

Como todas as demais famílias junkers, os Bismarcks cumpriam com exação seus deveres
militares. Nunca, porém, ao excesso. Com doze anos, Ferdinand teve permissão para entrar
na escola de cadetes em Berlim, via natural de ingresso no corpo de oficiais prussianos. Teve,
para o resto da vida, o orgulho de poder dizer que seu soberano, o septuagenário Frederico, o
Grande, uma vez dignou-se a falar com ele; e gostou de haver lutado contra os franceses sob o
comando do sobrinho de Frederico, o príncipe Louis Ferdinand, um cavalariano um tanto
desinteressado. Uma campanha sem grande empenho nos Países Baixos não despertou em
Ferdinand ambições militares: havia, além do mais, poucas esperanças de promoção, de vez
que o alto comando apresentava uma predominância desproporcional de veteranos de muitas
batalhas.
Sendo assim, o capitão von Bismarck, com apenas vinte e três anos passou para a reserva e,
finalmente, três anos depois, pediu demissão. Com isso, não compareceu à derrota de Iena,
em 1806, e tampouco fez a guerra de libertação de 1813-14, na qual um de seus irmãos
chegou a general. Durante os vinte anos que precederam o nascimento de Otto o pai
concentrou suas energias em cuidar da propriedade de Schönhausen, embora tivesse, em
abril de 1813, quando houve ordem de recrutamento em massa, envergado o uniforme e
organizado os parcos recursos dos vilarejos vizinhos.

Naturalmente, tinha muito com que se ocupar na administração de bens, sobretudo entre
1807 e 1812, quando tardias reformas começaram a mudar a situação de seus servos, os
quais passavam a lavradores livres com direito a arrendamentos. Com proficiente economia
agrícola salvou a família da falência a que foram tantos pequenos junkers ao tentarem
modernizar suas quintas sem capital suficiente. É evidente que a ausência do pai na
campanha “pela Pátria alemã” não deve ter ajudado muito, quando Otto, anos depois, tentava
marcar suas credenciais ante os colegas. Na década de 1820, sem dúvida, causava boa
impressão ter um pai a quem o Velho Fritz havia, certa ocasião, dirigido algumas palavras
amáveis; mas os companheiros de Otto eram filhos de homens mais novos, muitos dos quais
tinham vencido obstáculos ao lado de Blücher e de Gneisenau até a capital francesa.
Tratando-se de tais heróis era melhor não mencionar o grande feito de Ferdinand, que
constara de montar uma “Guarda Territorial" em Schönhausen. Não é de admirar que Otto se
tomasse um escolar brigão, um agressivo intruso que não se sentia parte do grupo,
desconcertado pela luz do crepúsculo patriótico da época. Suas memórias demonstram-no
menos sensível que os companheiros às ondas de sentimento “nacional alemão”. Anos mais
tarde, conveio a Bismarck apreciar de maneira diversa a carreira militar do pai: “Eu devera
ter nascido em 1795, a fim de poder estar presente em 1813”, comentou. “Durante gerações
nem um só dos meus antepassados deixou de empunhar a espada contra a França, meu pai e
três de seus irmãos contra o primeiro Napoleão, meu avô em Rossbach, seus ancestrais
contra Luiz XIV2”. Era a maneira de ver do Chanceler Federal em janeiro de 1871; para o
menino estudante fora mais difícil considerar o desempenho da família com tanta ufania.

A mãe de Otto, Wilhelmine, não provinha de um ambiente junker. Ludwig Mencken, seu pai,
alto funcionário da administração civil nos reinados de Frederico, o Grande, e de Frederico
Guilherme II, fora durante algum tempo, embaixador em Estocolmo, depois, virtualmente,
Ministro do Interior. Os Menckens não eram de origem prussiana; vieram de Leipzig e
aperfeiçoaram, ao longo de gerações, seu conhecimento das complexidades da jurisprudência
alemã, ora como professores, ora como advogados. Ludwig Mencken morreu de tuberculose
em 1801, quando sua filha tinha apenas doze anos. A bondosa rainha Louise compadeceu-se
da menina e permitiu que viesse ao palácio fazer amizade com as reais crianças, “Fritz”, de
seis anos, e Guilherme, dezessete meses mais moço. Fritz - o futuro Frederico Guilherme IV -
gostava da companhia de “Meine Mine Mencken" como a chamava. Porém, ao tornar-se
adolescente, Wilhelmine perdeu o interesse pelo papel de meio-coleguinha-meio-dama-de-
companhia dos jovens príncipes. Ao que se diz, era bonita e inteligente - qualidades que
ninguém assinalaria no junker brandenburguês com quem, surpreendentemente, casou-se aos
dezesseis anos. Sem dúvida, fora vivo seu pai, ela encontraria muito melhor partido. Da forma
como as coisas se passaram, tomou-se a senhora de uma herdade à margem do Elba, que
nunca vira antes. Sua inteligência, já que não a boa aparência, transmitiu-a ao segundo filho
sobrevivente: ele haveria de ter o cérebro de um Mencken na constituição física de um
Bismarck.

Quando Otto fez um ano, a família deixou Schönhausen aos cuidados de um intendente e
mudou-se para Kniephof, na Pomerânia, onde Ferdinand havia herdado três pequenas
propriedades: Kniephof, Külz e Jarchelin. Era solo de trato mais difícil, numa região mais
bravia. Kniephof situava-se a cinqüenta quilômetros a nordeste de Stettin, distando um pouco
menos do litoral do mar Báltico. Berlim estava a mais de cento e cinqüenta quilômetros, sendo
que para Wilhelmine ainda parecia mais longínqua. No entanto, com os bosques, os lagos, o ar
marinho soprando solto pelos capinzais, Kniephof era um lar excitante para um menino, e
uma escola de primeira para um gentil-homem do campo. Mas Wilhelmine - cujas relações
com o marido andavam tensas - não fazia o menor gosto em que um neto de Ludwig Mencken
passasse os dias em diversões rústicas. Não havia por que Bernard e Otto não tivessem aulas
com um professor particular em Kniephof mesmo, antes de entrarem para uma escola de
cadetes. Sua mãe, porém, era mais ambiciosa. Insistiu em mandar ambos os meninos para o
Instituto Plamann, em Berlim, uma escola preparatória fiel às idéias de Pestalozzi, com sua
ênfase no desenvolvimento da personalidade. Semelhante educação era um rompimento na
tradição da família Bismarck ainda maior que a mudança para a Pomerânia.

Otto estudou no Instituto Plamann, na Wilhelmstrasse 139, de 1822 a 1827. O colégio fora
fundado dez anos antes do seu nascimento, por um pastor evangélico. Gozava de grande
prestígio entre a nobreza menor e os funcionários públicos, porque Plamann seguia as idéias
sociais em voga. Buscava pôr em execução o programa educacional do idealista patriótico
Ludwig Jahn (que em determinada época lecionara no Instituto sob a direção de Plamann).
Jahn considerava essencial regenerar o corpo político de um Estado pelo cultivo físico e o
desenvolvimento dos corpos de seus cidadãos: a cadência de uma energia corporal
disciplinada, considerava ele, levaria a mente a ocupar-se de coisas mais elevadas. Aquilo
impressionou Wilhelmine von Bismarck, como a muita gente de sua geração.

Mas não impressionou seu filho mais moço. Ele dispunha de inteligência natural em demasia
para aceitar tal filosofia sem crítica. O rapaz aprendeu a nadar, aprendeu esgrima; executava
os exercícios de ginástica prescritos por Jahn para fortalecer os músculos e a alma; e
cultivava os canteiros de horta e jardim, como todos os demais alunos do Instituto. Porém não
era feliz. As cartas que se conservaram denotam que seu pai achava difícil compreender
qualquer dos filhos, enquanto a mãe, embora paciente com Otto, mal disfarçava seu
favoritismo por Bernard3. Otto começou bem. O relatório do primeiro período dizia, a seu
respeito: “Ele é muito popular com todos, devido a suas maneiras cativantes, bom humor e
vivacidade”. Quatro anos mais tarde, no entanto, às vésperas dos onze de idade, o tom já era
mais severo: “precisa ter cuidado para que seus entusiasmos não o ponham a perder, e
encontrar lugar para um pouco mais de sisudez no trabalho e de animação na vida social4”.
Como a maioria dos conceitos de estudantes, este comentário é mais revelador sobre a escola
que sobre o aluno.

“No sistema educacional de Plamann”, escreveu Bismarck, mais tarde, “o von que me
precedia o nome era uma desvantagem... no trato, assim dos colegas como dos professores5”.
A verdade é que suas desventuras se deviam a algo mais que a um conflito de hierarquia. O
menino que nas férias adorava percorrer em seu pônei os terrenos que circundavam Kniephof,
detestava Berlim e a vida urbana que esta simbolizava para ele. “Eu contava cada hora e cada
minuto que me faltavam para chegarem os feriados e o trem postal de Stettin”, recordou, ao
rever a escola, em 18516. Todavia, seu caráter era forte demais para entregar-se à
autocomiseração. O retrato dele, por Franz Krüger, em seu último ano no Instituto Plamann,
mostra um rapazinho de rosto redondo, cabelos rebeldes, narizinho arrebitado, queixo bem
marcado, ar zombeteiro. Não está sorrindo, nota-se; e se há travessura naquele olhar vivo, há
também malevolência. Na velhice, ele se descrevia como um pato selvagem dos brejos
pomeranos, de asas cortadas por aldeões desumanos. O retrato de Krüger não lembra tanto
um pato selvagem, mas sim uma raposa enjaulada, certa de que vai fugir.

Aos doze anos, Otto deixou o Instituto Plamann, embora continuasse estudando em Berlim.
Passou três anos no Ginásio “Friederich Wilhelm”, na Friedrichstrasse, sendo transferido,
pouco depois dos quinze anos para o Gymnasium zur Grauen Kloster, onde se deu melhor que
nas escolas anteriores. Hospedou-se com a família de um dos mestres-escolas, o Dr. Bonnel, o
qual foi bem melhor sucedido que Plamann em estimular seus interesses intelectuais.
Teoricamente, os Ginásios prussianos - que estavam no auge da influência -ofereciam um
extenso currículo humanístico, o qual, especialmente nas séries mais elevadas, se
concentrava no estudo da herança grega e latina, em matemática e na cultura mais recente,
especificamente germânica, dos últimos cinqüenta anos. Mas nem todos cumpriam sua função
e, assim, Otto von Bismarck não foi além de estudante competente em dois colégios
cautelosamente convencionais. Não formou uma visão da Hélade e pouca compreensão
adquiriu do mundo de Roma. Os professores não o tinham, tampouco, na conta de um
matemático. Gostava de ler Goethe e Schiller e era muito bom em francês, embora a história
recente houvesse acabado com a tradicional influência da erudição francesa no pensar
alemão. Preferia escritores ingleses - notadamente Shakespeare - a qualquer dos autores
franceses. Interessava-se, sobretudo, o que não é de surpreender, pela política do passado,
pelas porfias da guerra e da paz através dos séculos.

Tudo isso causava grande desgosto a Wilhelmine. Estando seus filhos em Berlim, ela
conseguia passar mais e mais de seu tempo na capital ou em Potsdam, queixando-se muito,
achando a vida em Kniephof horrivelmente tediosa. Tinha esperanças de que um dos dois,
Bernard ou Otto, “penetraria mais profundamente no mundo das idéias do que foi possível
para mim, uma simples mulher”. Porém nenhum dos filhos deu-lhe essa satisfação intelectual
indireta. Ocasiões havia em que Otto mostrava-se tão importuno e grosseiro no convívio social
que a deixava a cogitar se ele teria qualquer idéia na cabeça.

A religião constituía um problema para mãe e filho. As opiniões dela oscilavam entre um
inflexível agnosticismo, quando estava no campo, e um espiritualismo diletante, coisa da
moda, quando na cidade; o marido mantinha-se fiel àquela descomplicada fé em Deus de
Martinho Lutero, crença que a ele jamais ocorreu debater com os filhos. De pequenino, Otto
se acostumara a rezar cada noite ao Todo-Poderoso. As convenções sociais determinavam-lhe
preparar-se para a crisma aos dezesseis anos; assim, no outono, sua mãe insistiu para que ele
tomasse lições de religião com o Dr. Friedrich Schleiermacher, o mais destacado teólogo de
Berlim. Schleiermacher era a inteligência mais impressionante que o rapaz já havia
encontrado. Por mais de um terço de século ele buscara uma síntese intelectual que
conciliasse a filosofia do racionalismo com a prática religiosa. Ensino desse calibre seria, sem
dúvida, estimulante para Wilhelmine, mas era forte demais para seu filho. Somente a
mensagem mais simples teve efeito: “Tudo que fizer, faça-o como coisa de Deus e com todo o
empenho de seu coração”, pregava o pastor, e pelo menos essa exortação gravou-se na
memória de Bismarck7. Crismou-se devidamente, porém suas idéias continuaram confusas.
Logo abandonou as preces noturnas: entendera, do Dr. Schleiermacher, que orações em favor
do que quer que fosse não tinham o poder de modificar os desígnios de Deus. Aos dezesseis
anos, a conformidade espiritual, em essência, continuava incompatível com ele; e não
arquitetou sua própria fé religiosa até outra década e meia após a crisma.

“Terminei os estudos na Páscoa de 1832, produto normal de nosso sistema educacional do


Estado”, escreveu, no primeiro capítulo de suas memórias, e prosseguiu afirmando que na
época era “um panteísta e, se não um republicano, pelo menos um persuadido de que a
República era a mais racional das formas de Governo8”. Mas não constituiam opiniões
aprofundadas: ele não teve convicções mais fortes sobre qualquer assunto sério até uma idade
bem mais avançada. Foi sua mãe, uma vez mais, quem resolveu qual seria a etapa seguinte de
sua educação: até então, freqüentara estabelecimentos de ensino padrão; seguiría, agora,
para a Universidade hanoveriana de Gottingen, intelectualmente o mais livre centro
acadêmico da Alemanha. Wilhelmine alimentava esperanças de que ele estudasse Direito e
entrasse para o serviço diplomático: isso, pelo menos, era o que faria um Mencken. Mas Otto
sofreu um ataque de revolta adolescente. Conferências e bancas de exames não eram para
ele: havia outro lado da vida de Gottingen que tencionava viver intensamente. Compareceu
para matrícula no dia 10 de maio de 1832; essa foi a única cerimônia acadêmica na qual deu
um ar de sua graça como aluno.

Os colegas mais chegados a Bismarck, na universidade, eram fidalgos alemães, nem todos da
Prússia. Mas um dos primeiros amigos foi um americano, um ano mais velho, John Lothrop
Modey, recém-chegado à Europa vindo de Harvard. Um quarto de século depois, Motley ficou
célebre por seus estudos históricos dos Países Baixos, mas antes de lançar-se a esse projeto,
escreveu um romance autobiográfico, Morton of Mortons Hope, editado em Nova York e
Londres em 1839. Nada de mais notável em Mortons Hope como trabalho literário, exceto a
assustadora escala em que foi concebido - duzentos e cinqüenta mil palavras - e o cenário das
melodramáticas aventuras do herói, pois Morton, qual Motley, atravessava o Atlântico e
entrava nas universidades de Gottingen e de Berlim: onde conhecia e se tomava amigo de um
turbulento e destemido estudante junker de nome Otto von Rabenmark.

“Gottingen é uma bela cidade, estilizada, com sensível ar medieval”, escreve Modey, meio por
alto, contando a chegada de Morton à universidade.

“Ao longo da ma, ao olhar para cima, via cabeças e ombros de estudantes em cada janela.
Ataviados em espalhafatosos barretes de fumar e becas da maior heterogeneidade, os longos
cachimbos, ornados de lianas e borlas coloridas, dependurados na boca [sic!]. Junto ao dono,
debruçado à mesma janela, aqui e ali, um poodle de aspecto sisudo e filosófico, com uma
bigodeira igualmente horrível e a cabeça contemplativamente pousada sobre as patas
dianteiras, parecia, como o dono, deitar olhares amorosos sobre as empregadas pesado nas
que buscavam água na bomba da rua.”

De repente, Morton divisava uma esquisitíssima figura que descia a rua: era, segundo soube,
um estudante conhecido por “Calouro Rabenmarck”, ou “Raposo Rabenmarck”, sendo
“raposo” (Fuchs) a denominação dos calouros nas universidades alemãs.

“Poucas vezes na vida vi pessoa tão antipática... embora, ao conhecê-lo melhor... tenha
passado a achá-lo bem interessante. Tinha o cabelo hirsuto de vassoura velha, de cor
indefinida, mais ou menos entre ruivo e castanho esbranquiçado, o rosto sardento e os olhos
descorados no centro, rodeados de um círculo arroxeado... O paletó era o caos, sem gola, sem
botões, sem cor e sem forma; calças largas, botas com salto de ferro e esporas enormes... O
cabelo caía, despenteado, sobre as orelhas e o pescoço [e carregava] um sabre enorme no
cinto.”

Seguiam-lhe os passos, não o socialmente aceitável poodle, mas dois ou três terriers. Os
estudantes zombavam dele - pela aparência e pela escolha do cão e o Raposo revidava,
desafiando os ofensores para um duelo9.

Claro, essa descrição não passa de caricatura; nem mesmo o Bismarck de dezessete anos
tomaria Gottingen de assalto com tamanha imprudência. No entanto, outros relatos
mencionam sua singular aparência. Muito magro, mais de um metro e oitenta, cabeleira ruiva
chegando aos ombros. Como o Rabenmarck fictício, vestia-se de maneira bizarra, envolto no
que parece ter sido uma pelerine comprida e desbotada, e esmerava-se em “girar entre os
dedos uma bengala de ferro”. Sua raça preferida de cão era um sabujo castanho amarelado,
não o terrier. No entanto, Motley apanhou com fidelidade a arrogância de seu amigo. Na
escola secundária Bismarck se misturara à classe média, mas em Gottingen decidiu que
ninguém mais devia esquecer o “von” de seu nome. Foi iniciado no mais seleto grêmio de
estudantes, o Corpo Hanover, na primeira semana de julho de 1832. Um mês mais tarde, em 9
de agosto, duelou pela primeira vez. Nos nove meses seguintes enfrentou mais vinte e quatro
“soluções de questão de honra”. Uma vez, e apenas uma vez, foi ferido - e o incidente a tal
ponto lhe envenenou o espírito que mesmo como primeiro ministro da Prússia estava sempre
pronto a contar como fora contrário às regras o golpe do adversário. Bebia, andava com
prostitutas, preferia ler Byron e Walter Scott aos livros de Direito, sempre endividado. As
autoridades universitárias não viam com bons olhos esse comportamento: deram-lhe três dias
de punição em cela, mas ele não mostrou qualquer indício de contrição. Pouca coisa o
diferenciava dos mandriões dourados das outras universidades, exceto sua rudeza agressiva.
Seria tudo pantomima? Deve ter havido uma inteligência atraente e um encanto especial por
detrás dessa extravagância toda, ou ele não teria jamais conquistado e conservado a amizade
de Modey e dos Keyserlings, cultivados membros da aristocracia báltica[1]. Em Morton's
Hope, Motley faz o Raposo Rabenmarck declarar, inesperadamente: “Eu poderia pôr de lado,
uns momentos, toda esta minha palhaçada e mostrar-me bem sensato”; é bem provável que
tenha ouvido o Otto real dizer algo parecido. Ele se comprazia em desconsiderar os eruditos
convencionais em geral, um vezo que manteve ao longo de sua vida pública; mas como
estudante, pelo menos mostrava disposição em ouvir aqueles que compartilhassem de seus
pressupostos. Tratava, então, com o maior respeito o professor bremeniano Arnold Heeren,
autor de um estudo do mercantilismo e do sistema de estados europeu do século XVIII. Já por
outro lado ignorava as aulas de Friedrich Dahlmann, o mais destacado historiador de
Gottingen, que justamente nessa época estava a fazer notáveis conferências sobre a evolução
histórica do governo constitucional inglês. Uma geração inteira de estudantes - alguns dos
quais vieram a ser oponentes de Bismarck no parlamento - foi influenciada pelo
arrebatamento nacional-liberal de Dahlmann. Não o futuro chanceler: membros do Corpo
Hanover jamais freqüentavam professores que lhes eram social e politicamente inaceitáveis.

Bismarck não terminou seus estudos em Gottingen: a vida social pesava-lhe no bolso; e ele se
foi, debaixo de uma ameaça de prisão por parte das enfurecidas autoridades universitárias.
Viver em Berlim não era tão caro. Durante um ano, estudou na nova universidade da capital.
Para ser mais preciso, matriculou-se na universidade e seguiu um curso particular, decorando
às pressas. Em maio de 1835 passou na primeira parte dos exames de Direito, obtendo a
prerrogativa de intitular-se Auskultatur. Um ano depois apresentou dissertações sobre
filosofia e economia política, o que, no estado magnificentemente acadêmico do sistema
judiciário alemão, dava-lhe a denominação de Referendar, ou assessor forense. Sua formação
universitária estava concluída. Não chegara aos píncaros pela mãe sonhados para o neto de
seu pai; mas, pelo menos, podia aspirar à admissão no serviço diplomático, como ela tanto
queria.

O Rabenmarck da ficção de Morton’s Hope teve seus planos de carreira diplomática


frustrados por um ardente caso de amor com uma condessa, uma luta na qual matou dois
homens e um grand final, cena em pleno tribunal, quando apunhalou a principal testemunha
de acusação e driblou o patíbulo tomando veneno. O Bismarck da vida real viu-se apartado de
suas mais imediatas ambições diplomáticas de maneira bem menos dramática. Teve uma
entrevista com o ministro do exterior prussiano, Johann von Ancillon, o qual aconselhou-o a
procurar um emprego público dentro da Alemanha ao invés de entrar na diplomacia européia
Essa foi a primeira decepção que Bismarck teve, e o deixou, além de desapontado, surpreso.
“O ministro achava que o traquejo social simples da classe de proprietários rurais prussiana
não lhe fornecia o material que desejava para nossa diplomacia’, escreveu ele, sessenta anos
depois, para completar com o comentário de que “não deixava de estar certo nessa opinião”.
A porção maior do corpo diplomático prussiano ainda provinha de fora das fronteiras do reino,
porém as origens de Bismarck tornavam-no melhor qualificado para a diplomacia que “a
maioria dos candidatos da fidalguia rural”, que “encontrava dificuldade em escapar dos
restritos horizontes que limitavam os berlinenses daqueles tempos"10. Afinal de contas, era
neto de um ex-embaixador; e sua mãe agia no sentido de que tal ascendência não fosse
esquecida, cultivando assiduamente seus contactos em Berlim. Fica dúvida se o verdadeiro
motivo da rejeição de Bismarck não seria outro. Não estariam os registros de sua tumultuada
vida estudantil a indicar que ele ainda não conseguira “passar uma demão de verniz europeu”
(empregando sua própria metáfora) por sobre seu sistema de vida exageradamente junker?
Ancillon não podia vibrar com a idéia de enviar a Londres ou Viena um arruaceiro que por
qualquer coisa puxava do sabre.

Em vez disso, Bismarck foi para Aachen. A cidade - denominada Aix-la-Chapelle na maior
parte dos mapas - fora incorporada à Renânia Prussiana pelo tratado de Viena no ano de seu
nascimento. Persistia a influência francesa e Bismarck verificou que sua responsabilidade
administrativa ainda se pautava pelo Código Napoleônico, adotado em 1804, quando a cidade
era parte da França metropolitana. Tecnicamente, Bismarck estava ligado à Junta de Governo
Renana e devia haver-se com os problemas de assimilação dessa área fronteiriça a Zollverein,
a união aduaneira de predomínio prussiano, que em meados de 1830 ia consolidando o recém-
alcançado poderio da Prússia. Mas, como Bismarck escreveu depois, “o trabalho diário era
leve”; sobravam-lhe horas para ler, cavalgar, divertir-se. Às vezes atravessava para a Bélgica e
ia caçar nas Ardenas. Era uma bela região.

Havia também outros atrativos. Aachen transformava-se em prestigiosa estação de águas,


muito apreciada pela nobreza inglesa como local de descanso, entre os rigores sociais de
Bruxelas e as delícias paisagísticas do Reno. Em pouco tempo o “Barão von Bismarck”, de
vinte e um anos de idade - e que gostava de ler Scott e Byron, além da “velha obra de
Shakespeare” - estava popularíssimo na colônia inglesa da cidade. Chegou a Aachen dia 20 de
junho de 1836; por volta de 10 de agosto já se sentia o suficiente seguro para descrever com
sabor a especiosa sociedade em que se movimentava. “O grupo de minha mesa, no momento
compreende dezessete pessoas da Inglaterra, duas da França e, humildemente, eu próprio”,
informava ele à família, que permanecia em Kniephof. “Na aristocrática cabeceira da mesa
temos Suas Graças o Duque e a Duquesa de C., além da sobrinha, Miss R. (encantadoramente
bela)."11 Dias depois escreveu, “Hoje à noite vou ouvir Massaniello, para cujo recital recebi
uma entrada de my friend the Duchess”; e usou inglês nas quatro últimas palavras como a
chamar atenção dos provincianos pomeranos para o à vontade com que seu filho era aceito
em tão excelsos círculos.

A origem social da duquesa de Cleveland, na realidade, era menos aristocrática que a dos
Bismarcks. Era filha de um hortelão de Yorkshire e passara a freqüentar a sociedade da
Regência como “a amiguinha” de Coutts, o banqueiro. Para Creevey, malévolo diarista que a
conhecera por mais de quarto de século, ela era simplesmente “a marafona”; porém o jovem
Bismarck olhava qualquer representante da Inglaterra aristocrática com admiração e
respeito, exatamente como o fazia outro romântico outsider Tory, Benjamin Disraeli. Bismarck
estava impressionado com a duquesa; mais impressionado ainda com a sobrinha, Laura
Russell. O duque permaneceu algumas semanas em Aachen, tratando de negócios, e Bismarck
teve oportunidade de fazer companhia às damas em teatros, concertos, passeios de
carruagem pelos arredores da cidade. Durante meses suas cartas davam indícios, ainda que
obscuros, de planos de casamento; mas a probabilidade maior é que estivesse, mais que nada,
a divertir-se num mundo de fantasia; e que o “romance com Miss R.” tenha constituído
interessante derivativo para o tédio de um posto em que nada havia a ser feito. Outros
“romances” entretiveram-no durante o inverno, inclusive envolvendo uma coquette casada, de
trinta e seis anos.

A estação seguinte - que foi o verão da ascensão da Rainha Vitória ao trono - ainda encontrou
Bismarck em Aachen. Doze meses de aventura social não lhe haviam diminuído a queda por
damas inglesas de boa estirpe. Uma, em particular, o empolgou especialmente: Isabella
Loraine-Smith, a filha de dezessete anos de um ministro da igreja anglicana, o prior de
Passenham, paróquia confinante com Northamptonshire e Buckinghamshire12. Por duas
semanas Bismarck acordou de madrugada para ter certeza de encontrar-se com Isabella; os
costumes médicos recomendavam a “inhalação” das águas de manhã cedo, e o vigário tinha
opinião formada, muito forte, sobre os efeitos curativos da medicina natural (e sobre outras
tantas coisas mais). Em meados de julho, Bismarck sabia ter encontrado um novo amor,
alguém por quem sentia ainda maior atração fisica que pela “deliciosa Miss R.” do verão
anterior. Uma carta de 19 de julho ao seu irmão continha o conhecido sinal de alerta: a filha
do vigário, asseverava ele a Bernard, era “o arquétipo acabado da beleza inglesa”. Estava tão
fascinado que imediatamente pediu uma licença de duas semanas e acompanhou os Loraine-
Smiths para o outro lado do Reno, a Frankfurt e Wiesbaden, onde podiam experimentar uma
mudança de fontes termais. “A jovem e loura donzela inglesa, de excepcional graça”, como ele
descrevia Isabella noutra carta, trouxe à tona o Byron manqué do caráter de Bismarck: ela
“faz-me ferver como vapor o sangue abrasado”, escreveu, numa ebulição de metáfora que lhe
subiu à cabeça. Em Wiesbaden, gastou dinheiro a rodo: da água de fonte antes do café da
manhã até jantares com champanha, ao luar; e ao cabo de uma semana já se considerava
noivo de Isabella. Falou-se em casamento na Inglaterra na primavera seguinte13.

Anos depois, Bismarck recordava essa semana em Wiesbaden como uma extravagância,
leviandade da juventude. Saiu cara, sem dúvida. Em setembro contou a um amigo que, só em
Wiesbaden, havia liqüidado 1700 táleres, antiga moeda alemã de prata, quase duzentas libras.
A tentativa de recompletar a bolsa no jogo foi um desastre. Mas ele estava decidido a ficar ao
lado de sua “donzela inglesa” e tornar-se aceitável aos pais dela como futuro genro. Na época,
achou que era para valer. Os encantos da presença de Isabella levaram-no a ultrapassar sua
licença em mais de três meses. Os Loraine-Smiths viajaram para Strasburgo e foram até a
Suíça, com Bismarck presente a dar assistência; chegaram a pretender atravessar os Alpes e
visitar a Lombardia antes de retomarem para a estação de caça inglesa. Bismarck escreveu a
Kniephof, solicitando um empréstimo e esboçando seus planos de voltar até Londres via Paris.
De Berna, no fim de setembro, enfim, escreveu ao Conde von Arnim-Boitzenburg, seu chefe de
departamento em Aachen, pedindo desculpas pela duração de sua ausência. Não podia
abandonar agora seus companheiros de viagem (que, nas cartas, denominava,
prolepticamente, “minha família”). Arnim não se comoveu e suspendeu-o do serviço, cortando-
lhe o pagamento.

Kniephof entrou em consternação com a insensatez de Otto. Isabella, confessara ele numa das
cartas, “não entende mais que umas poucas palavras em alemão”14; não era fácil imaginá-la
esposa de um proprietário de terras prussiano com esperança de uma carreira diplomática.
Em posição social, os Loraine-Smiths diferiam pouco dos Bismarcks. Os Loraines pertenciam
à pequena nobreza rural, originários da Northumberland e acrescentaram o nome “Smith” ao
herdarem um baronato e terras de família em Enderby, Leicestershire[2]. Os homens haviam
estudado, por várias gerações, no Christis College de Cambridge e, em geral, passavam por
Eton antes de seguirem para a Universidade; e eram famosos cavaleiros, participando dos
melhores grupos de caçadores da Inglaterra. O reverendo Loraine Loraine-Smith, pai de
Isabella, talvez não fosse muito empreendedor, socialmente falando; permaneceu prior de
Passenham de 1814 até sua morte, quarenta e três anos mais tarde; e quando buscou uma
esposa não foi além da paróquia vizinha de Milton Keynes (onde o tio era vigário) e casou com
sua prima. Mas era indubitavelmente um homem de caráter, descrito no Gentleman Magazine
como “refinado e imponente” que “se orgulha do comparecimento que atrai, quer no campo
quer na estrada principal”, o tipo de figura clerical “que hoje já não se encontra tanto”. Mas o
pai de Bismarck não quis saber de nada disso; a simples idéia de um Bismarck-Schönhausen
casar-se com a filha de um eclesiástico inglês do interior causou horror em Kniephof. No dia
1° de novembro Otto apareceu inesperadamente em casa para enfrentar a família chocada
com seu comportamento, sobretudo pela maneira como havia abandonado suas funções em
Aachen. Já então eram menores as perspectivas de sair o casamento.

Não ficou esclarecido se o noivado rompeu-se do lado Loraine-Smith ou do lado Bismarck. A


separação demonstrou que Otto e Isabella pouco tinham em comum de “mente e espírito”.
Seja como for, em meados de dezembro Otto já escrevia, lastimando-se a um amigo, que “meu
projeto de casamento está absoluta e terminantemente liqüidado, nada deixando além das
lembranças de quatro meses felizes, cheios de doçura - sem mencionar dívidas consideráveis
ainda sem solução”15.[3]

O romântico episódio deve ter prejudicado bastante a reputação de Bismarck como servidor
público, pois o funcionalismo civil prussiano, imbuído, como era, de um senso marcial de
dever e obediência, considerava a falta ao trabalho algo muito grave. Mas a família ainda
mantinha influentes contactos na Corte e na capital, e as altas autoridades de Potsdam (que
controlavam a administração das províncias) desculparam-lhe a “deserção” com indulgência
paternal. Arranjaram-lhe até trabalho por três meses, em Potsdam mesmo. A questão de seu
futuro ficava em aberto: ele não queria amarrar-se a uma mesa burocrática, mas ganhou
tempo e não enviou o pedido de demissão. Um homem de pouca idade, fortemente endividado,
necessita de grande confiança em seu destino para tomar essa atitude; e as sacudidas que
levara no ano anterior haviam destruído boa parte daquela autoconfiança de Gottingen.

Pelo momento, o assunto não era urgente. Enquanto estivera na administração provincial,
Bismarck conseguira adiar o serviço militar. Porém ao cair em desgraça no caso de Aachen já
não podia furtar-se à obrigação de se apresentar como “voluntário”. Na primavera de 1838,
alistou-se no Batalhão de Caçadores, da Guarda. “Sinto umas dores toda vez que levanto o
braço direito”, queixou-se ele à chefia médica16. Evidentemente, estória que ouviam de
outros recrutas; um homem da compleição física de Bismarck tinha razoável possibilidade de
sobreviver aos doze meses do serviço militar de tempo de paz. Foi metido num uniforme e
destinado à guarnição de Berlim.

De fato, sobreviveu; mas com um enfado ligeiramente menor que o causado pela
administração civil. Quando concluiu o período de serviço em Berlim, seu batalhão foi
transferido para Greifswald, no litoral do Báltico, ao norte de Stralsund. Greifswald, qual
Gottingen, ainda mantinha traços de seu passado medieval, e havia até uma universidade,
com poucas centenas de estudantes. Mas com a exceção de ocasionais embates entre
impetuosos liberais e a polícia, nada quebrava o silêncio das ruas. A vida era mais tediosa-
ainda bem que mais barata -que na Renânia.

Dar sentinela no promontório arenoso de um estuário fluvial, em pleno inverno, nada tinha de
romântico. Em pouco tempo, ele estava a contar as semanas que faltavam para o fim de
março, quando devia voltar à vida civil como oficial da reserva17.

Na verdade, aflições em casa encurtaram o tempo de serviço. Em fins de outono de 1838


soube-se que Wilhelmine estava gravemente enferma, e seu filho mais novo obteve longos
períodos de licenciamento por condescendência. Mas pouco podia, ele ou quem quer que
fosse, fazer por sua mãe. Durante anos ela exigira demais de si mesma: não era fácil incitar
atividade em seu marido, que envelhecia rapidamente; e esgotara-se com os problemas da
criação da única filha, Malwine, que dera à luz em 1827, quando já tinha trinta e sete anos e
os dois filhos homens já estudavam em Berlim. Mais tarde, teve até que assumir a
responsabilidade da administração das terras da família, já demasiada para Ferdinand
desempenhar eficientemente. Nos primeiros anos, ela ambicionara fazer um Mencken de, pelo
menos, um membro que fosse da família rural em que se havia casado: resultou, no fim, ela
mesma prisioneira do patrimônio legado aos Bismarcks. Não fora para esse estilo de vida que
ela havia mandado o filho mais moço estudar sob a direção de Plamann, depois para a
universidade em Gottingen. Morreu no primeiro dia do ano de 1839, uma mulher
decepcionada.

Bismarck não foi mui profundamente afetado pela morte da mãe: só mais tarde veio a
apreciar-lhe as qualidades. Quando muito, ficou resolvido o problema imediato do que deveria
fazer, concluído o serviço militar. Ajudaria Bernard a gerir as propriedades da Pomerânia,
enquanto o pai regressava a Schönhausen, onde os métodos de agricultura eram tão
padronizados que ele poderia viver numa virtual aposentadoria. Depois de passar o verão de
1839 em adaptação e aprendizado dos problemas de gerência agrícola, Bismarck enviou
pedido formal de demissão às autoridades de Potsdam, em outubro. Em particular, Bismarck
dava a explicação de achar que seu temperamento não se coadunava com o exercício de
postos subordinados: “Meu orgulho convida-me muito mais a comandar que a obedecer”,
dizia, num lampejo da antiga arrogância de Gottingen18. Seu pai abandonara o exército aos
vinte e três anos, e desde então satisfazia-se com a idéia de "viver e morrer no campo”. Agora,
um ano mais velho, Otto fazia uma opção semelhante. Seu futuro parecia limitado às
charnecas e pradarias dos horizontes a leste de Elba.
[1] Bismarck teve grande aproximação com o Conde Hermann von Keyserling, em Gottingen;
e na Universidade de Berlim fez uma amizade que durou a vida toda, com o irmão do Conde
Hermann, Aiexander von Keyserling, mais tarde eminente naturalista. Tudo indica que foi dos
Keyserlings que Bismarck absorveu o gosto pela música de Beethoven.

[2] Bismarck, depois, a chamava “Isabella Loraine” em vez de Isabella Loraine-Smith. Esse
tratamento devia parecer normal para quem somente se intitulava “Bismarck-Schönhausen”
quando desejava estabelecer sua diferença de outros membros do clã Bismarck.

[3] Segundo Bismarck, Isabella Loraine-Smith foi “a presa capturada” por um cavaleiro
inglês, descrito por ele, sardonicamente, como “um coronel maneta, cinqüentão, com quatro
cavalos e cinco mil anuais de renda”. Mas a ser verdadeira essa versão, ela cansou-se logo do
“captor” e não chegou a casar-se com ele. Em setembro de 1840 tornou-se esposa de um
banqueiro de vinte e nove anos, ex-aluno de Harrow, Richard Lee Bevan, e continuou a caçar,
feliz, em Northamptonshire, enquanto o “junker” cujo sangue havia feito “ferver” em
Wiesbaden perseguia presas diferentes nos campos bem mais temíveis de Sadowa e Sedan.
Ao que tudo indica, jamais tomaram a se encontrar. Isabella faleceu em janeiro de 1885; o
marido, embora quatro anos mais velho que Bismarck, sobreviveu a ele uns vinte meses.
2. O LOUCO

“A estampagem que recebi na meninice não correspondia à que devia fazer de mim um gentil-
homem da campanha”, declara Bismarck em suas memórias19. Estritamente falando, tinha
razão: nada de sua formação escolar o preparou para a prática científica da agricultura, nem
para classificar receita e despesa num livro de contabilidade. Mas foi levado, no retrospecto, a
exagerar suas deficiências. Antes de terminar o serviço militar, leu livros e artigos sobre
economia agrária num instituto agrícola vizinho a Greifswald, onde também tirou um curso de
química dos solos. Estabelecido na Pomerânia, começou a estudar maneiras de aumentar o
rendimento das lavouras e garantir bom preço para a lã e outros produtos no mercado.
Embora rezingasse por ser obrigado a se ocupar de “contabilidade de partidas dobradas e de
química”, agora era muito mais metódico que no colégio ou na universidade. Bernard quase
não participava da administração da fazenda -Otto, depois, queixou-se de que toda vez que o
irmão mais velho ficava a cargo de Kniephof, acumulava “um saco de lã cheio de notícias
irritantes” para sua volta e “enquanto eu não demonstrasse surpresa ele sempre tinha uma
ainda pior para contar”. Mas Otto em seguida conquistou o respeito dos vizinhos, tanto por
seus conhecimentos de agricultura quanto pelos resultados práticos como produtor. O valor
das propriedades aumentou em mais de um terço nos nove anos durante os quais ele foi
responsável pela gerência- e em três desses anos houve uma recessão agrícola generalizada.
Não resta dúvida de que foi um fazendeiro capaz» engenhoso. Anos mais tarde dizia que criou
seu estilo diplomático nas exposições agropecuárias da Pomerânia: os mercadores
compartilham dos mesmos interesses, falam a mesma língua.

Entretanto, foi sempre uma figura exagerada. Às vezes, gostava de escandalizar os vizinhos
junkers, galopando como um doido, em seu enorme cavalo castanho, Caleb, pelos campos e
bosques, demonstrando pouco respeito pelas propriedades deles, ou mesmo pelas filhas de
seus lavradores. O amigo Keyserling reclamou que ele parecia “seguir livremente seus
instintos naturais, sem escrúpulos de ordem moral”20. Mais tarde, em atmosfera de remorso,
Bismarck confessou que naqueles tempos “não deixou pecado por fazer e andava em toda
espécie de má companhia”. Provavelmente, exagerava; mas não há dúvida de que levou uma
vida mais dissipada que em Aachen. Houve noites em que malbaratou no jogo dinheiro ganho
com a dura economia que praticava na fazenda. Fazia coisas incríveis; como anunciar a
chegada à casa de um amigo dando um tiro no teto; certa ocasião levou uma aterrorizada
raposa, como se fosse um cachorro, até a sala de estar de um vizinho e aí soltou-a dando
gritos de caça. Havia nesse comportamento um toque daquela anarquia dos fidalgos do campo
ingleses do século XVIII, mas também uma insolência provocante que só podia derivar de um
espírito frustrado, aflito. Referiam-se a ele, dando de ombros, como der tolle Bismarck (“o
louco Bismarck”)21.

Outros aspectos de seu caráter eram menos desenfreadamente desabusados. Tratava com
bondade os trabalhadores de Kniephof e das duas dependências, mostrando um senso
patriarcal de responsabilidade que contrastava com o desdém que ostentava em público.
Embora como tenente da Reserva da Landwehr gostasse de representar o cavaleiro de cabeça
oca, durante o inverno lia muito e criteriosamente. O escopo de seu interesse histórico se
ampliara muito, comparado ao de Gottingen. A Inglaterra e os temas ingleses o fascinavam
acima de qualquer outro país; acompanhava com a maior atenção a maneira como Peel ia
transformando os Tories em conservadores; e aumentava sua familiaridade com a literatura
inglesa. Era natural que lesse Tristam Shandy e Tom Jones em Kniephof; já outras seleções
são surpreendentes. De sua predileção pela poesia de Byron, saltou para a leitura de Irish
Melodies, de Thomas Moore, íntimo amigo de Byron. Nessa época, leu bem mais em alemão: a
metafísica de Hegel pela qual - até onde a entendia - não tinha grande gosto; a nova crítica
bíblica de David Friedrich Strauss; e a “clareza quase matemática” de Spinoza, em tradução.
Intelectualmente, o “louco” estava bem acima de seus vizinhos junkers. Durante esses
primeiros anos como senhor rural, ele aprendia, pouco a pouco, a correlacionar o pensamento
com a experiência. “A consciência se fazia ouvir melhor na solidão (de Kniephof) e começava a
dizer que estavam erradas muitas coisas que eu antes achava normais", escreveu em 1846;
mas muito tempo ainda devia passar até que pudesse fazer esquecer as lendas que ele próprio
havia se empenhado tanto em criar22.

No verão de 1841 Bismarck outra vez pensou em casar-se. Ottoline von Puttkamer era filha de
um abastado junker. O namoro já durava seis meses num estilo decorosamente formal; nada
dos vinhos inebriantes daquela semana de Wiesbaden. Mas na primavera ficou evidente que
Frau von Puttkamer, formidável matriarca, não tinha intenção de permitir que sua filha fosse
desperdiçada - junto com boa parte da fortuna da família - com um homem da reputação de
Bismarck. Este jamais estivera tão romanticamente enamorado de Ottoline quanto de Isabella
Loraine-Smith quatro anos antes, mas seu orgulho feriu-se com a recusa do pedido. Até
Ferdinand von Bismarck, em Schönhausen, tomou-se de preocupação com a melancolia
profunda do filho mais novo. As propriedades progrediam; havia dinheiro disponível; o pai e o
irmão insistiram com Otto para que tomasse umas férias. O país que ele mais desejava ver era
a Inglaterra. No início de julho de 1842, viajou da Pomerânia para Hamburgo: o vapor de
carreira fazia a linha regular para Hull, e alguns navios tocavam em Leith, permitindo ao
viajante visitar também Edinburgo.

Bismarck nunca escreveu um diário de suas viagens, e tampouco se correspondia


sistematicamente com a família. Fica difícil reconstituir seu itinerário; mas as cartas que
ficaram e comentários feitos em conversas mostram claramente os aspectos da vida inglesa a
que seu espírito foi mais receptivo. Ele chegou num domingo, provavelmente 10 de julho,
maravilhado por achar-se numa terra cuja literatura tão avidamente consumira; assoviava
despreocupado pelas ruas - e foi logo admoestado por quebrar a quietude dominical. O
incidente o impressionou tanto que ele ainda o recordava mais de quarenta anos depois. Mas
onde teve lugar o episódio? O próprio Bismarck diz ter desembarcado em Hull e, de tão
aborrecido pela reprimenda, ter pegado o navio para Edinburgo. É mais provável que o
paquete haja rumado primeiro para Leith e que seu desaire tenha ofendido a disciplina férrea
do calvinismo escocês. Em carta ao pai comenta uma viagem pelo interior, de Hull a York; com
certeza não teria viajado, zangado como estava, de Hull a Leith, ida e volta, antes de tomar
coragem para enfrentar o interior inglês23.

Ainda bem, havia outros costumes mais a seu gosto que domingos puritanos; o extremo
cuidado que os ingleses dispensavam a seus cavalos, por exemplo; e o tratamento que os
cozinheiros davam às carnes, mesmo que já não o agradassem tanto outros pratos ingleses,
particularmente “as adoradas tortas de frutas e os pastelões”. Ficou impressionado com York
Minster, o mosteiro de York, e encantado com a hospitalidade com que foi recebido no 11.° de
Hussardos, o regimento que estava aquartelado em Yorkshire naquele verão. De York passou
por Manchester, que era, em 1842, uma central geradora de agitação Cartista. Bismarck nada
diz do radicalismo político inglês, e muito pouco das oficinas, minas e fábricas que via à sua
volta, mas notou o avanço das ferrovias da Inglaterra, “que atravessavam túneis de seis ou
sete quilômetros de comprimento”. Gostou da campanha com seus pequenos gramados e
cercas vivas; e quando chegou à capital, admirou-se com a equilibrada mistura de cerimônia e
informalidade que encontrou, numa visita à Câmara dos Lordes. Ao todo, permaneceu umas
poucas semanas em Londres, depois desceu para Portsmouth e fez a travessia para Dieppe,
provavelmente saindo de Brighton[1]. Passou algum tempo em Paris e chegou em casa na
segunda semana de outubro.

Essas férias, de fato, quebraram a estagnante rotina da vida na Pomerânia. Tomaram-no


pessoa mais sociável. Desde seu tempo de escola no Gymnasium zur Grauen Kloster ele
conhecia e dava- se bem com Moritz von Blanckenburg, filho de um dos junkers vizinhos de
seu pai; mas só em 1842 começou a ter Moritz como companheiro chegado. Essa amizade
trouxe para Bismarck um círculo bem mais amplo de relações: era primo de Moritz o major
Albrecht von Roon, então oficial do Estado-Maior Geral com trinta e nove anos de idade; e,
ainda mais importante, Moritz ficara noivo, em março de 1842, de Marie von Thadden, filha
de vinte anos de uma notável família, os Thaddens de Trieglaf 24. Bismarck passou dias e
dias, cada vez mais, no verão de 1843 e no ano seguinte, com os Blanckenburgs e os
Thaddens. Encontrou-os interessados em problemas muito mais profundos que os do interesse
normal da fidalguia rural. Os Thaddens eram luteranos devotos, prontos a fazer-lhe frente ao
racionalismo superficial com uma fé inquebrantável no Deus cristão e na verdade de Sua
palavra, tal como revelada nas escrituras. Mas os Thaddens não eram simples
fundamentalistas emocionais: bem verdade que não blasfemavam, não se embebedavam e
praticavam a meditação tranqüila; mas reconheciam conscientemente os feitos de outras
inteligências cujos agentes não haviam renunciado às futilidades da vida mundana. Marie von
Thadden freqüentava o teatro e concertos, galerias de arte, lia Goethe e Heine e nem todas as
suas conversações com o noivo e com os amigos dele relacionavam-se a assuntos espirituais.
Várias vezes Bismarck participou de um grupo de leitura de Shakespeare que Marie havia
formado. Infelizmente, não se sabe quais as peças, nem os papéis que ela lhe destinava, mas
ele era muito requisitado devido a seus conhecimentos de inglês. Significativamente, seu
personagem shakespeareano preferido era Coriolanus.

Já agora uma segunda influência feminina ajudava a domar o selvagem de Kniephof. Até a
idade de dezesseis anos sua irmã Malwine passava a maior parte do ano em Berlim, a receber
a educação adequada a uma dama prussiana; Otto mal a conhecia, embora quando pequena
ela o houvesse compulsado a ajudá-la a colecionar lagartas. Mas logo após a Páscoa de 1843 a
educação formal de Malwine estava concluída e ela voltou a morar com o pai, em
Schönhausen. Quando entrou o inverno, o velho insistiu com sua filha para que o levasse a
Kniephof, agora o lar de Otto, apenas, uma vez que Bernard estava em funções
administrativas na cidade de Naugard. Otto encantou-se com a companhia de Malwine: era
uma moça realista, com uma visão da vida ligeiramente cínica e um gosto de diversão
impetuoso. Irmão e irmã compartilhavam de uma afinidade espiritual, de uma simpatia mútua
ainda maior que a de marido e mulher. Como tantas figuras públicas daquele período, na
Alemanha e na Rússia, Bismarck tornou-se extremamente ligado à irmã, dedicação que durou
toda a sua vida. Mas Malwine era bem a filha de sua mãe e desejava uma vida dela própria.
Otto apresentou-a a um companheiro de juventude, homem enorme, barbudo, o Conde Oscar
von Arnim (dos tempos do Gymnasium da Friedrichstrasse, desta vez). Ao fazer dezessete
anos ela estava comprometida com Arnim, que era dono de nada menos de sete propriedades
rurais; e no dia 30 de outubro de 1844 estavam casados. “Sentei-me junto à lareira... na
poltrona de couro verde onde você costumava ficar de beijos e cochichos com Oscar”,
escreveu Bismarck a Malwine, pouco tempo depois do casamento, "... e refleti tristemente
sobre a conduta desnaturada e egoísta de uma jovem senhorita que tem irmãos - sobretudo
irmãos solteiros, aliás - e no entanto atira-se, indiferente, ao matrimônio”. Era um toque
gentilmente irônico numa carta cheia de interesse pela felicidade de sua irmã caçula, mas a
tristeza bem verdadeira. “Sinto, mais que nunca, minha solidão no mundo”, dizia25.

Seu estado de desconsolo piorava devido a outro acontecimento de quatro semanas antes:
Moritz von Blanckenburg e Marie von Thadden haviam casado no dia 4 de outubro. Não há a
menor dúvida de que Bismarck admirava Marie mais do que qualquer outra mulher que
conhecera. Confusa relação pessoal, a deles: Marie - e, na verdade, Moritz também - julgava
missão espiritual acordar a adormecida fé religiosa de Bismarck, tentativa a que ele pelo
menos correspondia emocionalmente, se não intelectualmente. Era inevitável que a atmosfera
espiritualizada de seus encontros contivesse ressaibos de tensão: Bismarck tentava ocultar
seus sentimentos; Marie deixava transparecer os dela. Certa ocasião, num passeio pelos
jardins de Trieglaf, ela apanhou uma flor azul, que deu a Moritz, e uma rosa vermelha para
Otto, visível gesto de flerte de parte de uma criatura cuja nobreza de pensamentos parecia
transcender a sentimentos românticos. Duas vezes, em 1844, Bismarck buscou escapar do
conflito de dúvidas que lhe dominava a cabeça; em maio, surpreendeu a todos que o
conheciam, reingressando no serviço público em Potsdam, embora o tédio das obrigações
ligadas a uma escrivaninha o levasse a pedir demissão antes de um mês; e no fim de agosto
tirou umas férias, sozinho, na ilha de Nordeney, isolada possessão hanoveriana no estuário do
rio Emms26. Lá, deixou crescer a barba, como que incerto de sua identidade. A lealdade a
Moritz levou-o a renunciar a Marie fisicamente, a despeito do muito que a pudesse amar; não
é de surpreender que naquele outono de 1844 sua vitalidade parecesse em maré baixa.
Mas o casamento de Blanckenburg não desatou os laços entre Bismarck e seus amigos. O
circulo social que antes tinha seu centro em Trieglaf agora reunia-se em Kardemin, a moradia
dos Blanckenburg. Continuavam a conversar sobre os problemas da fé religiosa; continuavam
a ler Shakespeare nos piqueniques de verão; Bismarck continuava a achar “que os membros
deste grupo constituem, em sua vida exterior, modelos quase perfeitos do que eu gostaria de
ser”27. Em Kardemin Bismarck conheceu os irmãos Leopold e Ludwig von Gerlach,
respeitadíssimos tóris, conselheiros do Rei Frederico Guilherme IV. Embora Marie e Moritz
inclinassem a mente de Bismarck no sentido da religião, os amigos interessavam-no pelos
assuntos políticos e davam atenção a seus pontos de vista a respeito. Havia um estranho
idealismo de direita nas convicções deles: o Estado prussiano podia ser salvo do jacobinismo
pela regeneração individual das almas. Semelhante filosofia pousava com dificuldade sobre
um Bismarck tão cético, mas, por algum tempo, ele estava disposto a aceitá-la.

No casamento de Moritz ele encontrou, pela primeira vez, uma amiga da noiva, do “fundo
mais fundo da Pomerânia” (para empregar a expressão da Marie): Joana von Puttkamer, quase
nove anos mais jovem que ele e parente afastada da moça a quem ele havia feito a corte em
1841. Os retratos de Joana não dão idéia de uma mulher bela. Mostram-na alta e esbelta,
espesso cabelo negro penteado para trás num coque; olhos escuros de ar grave, nariz longo e
um traço firme na boca e no queixo. Talvez os retratos não lhe captassem as qualidades.
Gostava de música, de peças de teatro e de poesia, embora se confundisse com os trechos de
Moore e de Byron que Bismarck lhe escrevia nas cartas. Como todo mundo, no círculo de
Trieglaf, era religiosa convicta, mas não se interessava por política, do passado ou do
presente; havia em seu estilo uma certa gaucherie provinciana que a deixava pouco à vontade
em companhias sofisticadas. Quase desnecessário dizer que admirava Marie von Thadden, a
quem tomava por modelo. O resultado era uma silhueta de mangas justas e busto apertado,
obscura em substância e desenho, mas semelhança suficiente para atrair Bismarck, ainda que
não lhe incendiasse o espírito. Dizia ele ao irmão que ela “seria de fácil convívio... mais fácil
do que jamais vi numa mulher”28. A apreciação não é muito romântica. Uma vez ele havia
escrito a Bernard em termos incandescentes sobre a perfeição da condição de mulher; mas
dez anos já se haviam passado desde as deliciosas loucuras de Wiesbaden, e ele agora era um
pretendente bem mais sóbrio.

Remanescia, porém, um forte traço de sentimentalismo godo em sua constituição. Em fins de


julho de 1846, juntou-se a Moritz e Marie para umas férias nos montes Harz. Estavam
acompanhados de Joana von Puttkamer e de outra amiga de Marie, ao mesmo tempo em que a
excursão recebia o selo de inquestionável respeitabilidade com a presença de um pastor
luterano. Mas o romântico vale do Ilse, suas cachoeiras, as encostas de florestas, hospedarias
de madeira, quebraram a reserva pietista. O pastor cantou as melodias de Mendelssohn para
a poesia de Heine, Joana tocou cravo e Bismarck juntou sua voz de tenor a um quarteto que
desfilou um repertório de canções estudantis. Foram em duas carruagens até Kastenklippe e
fizeram outros passeios ao luar. Bismarck organizava a parte de suprimentos e acomodações,
e o grupo sentia-se agradavelmente abalado ao encontrar, noite após noite, “champanha
fluindo como um rio”. “Ninguém imaginaria que éramos pietistas em férias”, escreveu,
satisfeita, uma das amigas de Marie para casa. Bismarck guardou como preciosidade, na
memória, cada minuto das “férias de Harz” para o resto de seus dias29.

Seguiu-se, rápida, a tragédia. Em nove semanas, Marie falecia, vítima de estranho virus que
ceifou a Pomerânia naquele outono e que já lhe levara a mãe e o irmão mais moço. Bismarck
ficou arrasado com essa morte, de uma forma tal como não lhe ocorreu outra vez. Chorava em
público e a sós. Já havia recomeçado a ler as escrituras: agora voltou-se, de novo, para a
oração, aceitando, debaixo desse choque emocional, a fé que Moritz e a própria Marie haviam
professado durante anos. Embora com o tempo as convicções ficassem cada vez mais
submetidas ao seu senso de missão, nunca mais deixou de considerar-se um crente no Deus
de Martinho Lutero. Toda manhã lia trechos do “Refrigêrio Diário dos Cristãos”; toda noite
voltava-se para um compêndio de “Máximas e Preceitos"; era o que Marie sempre fizera.
Bismarck sabia ser esperança dela que se casasse com Joana von Puttkamer. Materialmente,
tinha bastante a oferecer, pois seu pai havia falecido em 1845 e ele, agora, era o dono de
Schönhausen, além de ter uma parte da herança pomerana, Joana desejava aceitá-lo como
esposo, mas insistia em que ele devia firmar sua conversão religiosa e obter o consentimento
do pai dela, um portentoso protestante temente de Deus. Ao findar-se o ano de 1846,
Bismarck escreveu, devidamente, a Herr von Puttkamer uma carta habilidosa, traçando a
evolução de suas crenças religiosas, desde o panteísmo dos dias universitários até “a primeira
prece ardente do meu coração”, que rezara ao ter notícias da doença fatal de Marie30.
Durante dias o pai de Joana hesitou: Bismarck tinha certeza de que sua fé estava “firmemente
enraizada”? Teve de atravessar a Pomerânia, com a prontidão que permitia o inverno - uma
viagem de quarenta horas - e asseverar a confirmação ao possível sogro em Reinfeld, a
propriedade dos Puttkamer. Em 12 de janeiro de 1847, Bismarck enviou, de Reinfeld um
bilhete lacônico à irmã, Malwine. Consistia de apenas duas palavras em inglês: All right; foi
como deu a notícia de seu noivado.

Duas semanas depois, voltou a Schönhausen. Agora, exercia uma função oficial de
responsabilidade: era Superintendente dos Diques do Elba, encarregado de proteger as
pastagens a leste do rio das inundações, ameaça constante em fevereiro e março. Suas
primeiras cartas a Joana denotavam grande preocupação com esse perigo. “Você já assistiu ao
degelo de um grande rio?”, perguntava em 17 de fevereiro. “É um dos mais impressionantes
espetáculos da natureza.”31 Mas houve outro tópico, levemente abordado no início de
fevereiro, posto de lado, como sem importância, quinze dias mais tarde e, repentinamente,
uma realidade na primeira semana de maio - a possibilidade de ingressar na política como
deputado à recém-criada Dieta Unida (Vereinigter Landtag) do Reino da Prússia.

A perspectiva não excitava Bismarck. Por três décadas a vida política em Berlim fora estéril. A
Prússia emergirá das Guerras Napoleônicas como uma das cinco grandes potências da Europa
e, malgrado muitas vezes tratada pela Áustria de Metternich como o parente pobre a ser
alternadamente tratado com superioridade ou levado com artimanhas, mantivera seu status
durante a juventude e os primeiros anos da idade viril de Bismarck. Na realidade, quando ele
terminava os estudos, o reino atravessava notáveis transformações. Os territórios
conquistados em 1815 mais do que dobravam a população da Prússia e dotaram-na de
valiosos novos centros industriais, na Vestfália, na Renânia e na “Saxônia Prussiana”; e o
crescimento da Zollverein patrocinada pela Prússia entre 1819 e 1833 resultou em que quase
toda a Alemanha exterior ao Império Habsburgo estivesse compreendida numa união
aduaneira, numa associação de livre comércio, dirigida de Berlim. Mas embora as novas
províncias e as novas instituições estivessem mudando o caráter da economia prussiana, não
houve modernização do governo. O rei Frederico Guilherme III prometera a seus povos uma
constituição em cinco ocasiões entre 1810 e 1820, mas morreu em 1840 sem cumprir a
promessa. Seu filho e sucessor, Frederico Guilherme IV empregava termos tais como “nação”,
“constituição” e “liberdade”, porém queria dizer algo totalmente diferente das idéias
modernas: ele era, por ordenação divina, pai de seus súditos, a quem podia consultar, mas a
cuja vontade jamais tinha de curvar-se. Não se considerava responsável pelas promessas de
seu pai, porém aceitou a validade de um édito real que exigia o consentimento dos estados do
reino antes que o soberano pudesse levantar um empréstimo público. No inverno de 1846-7 o
estado prussiano precisou de dinheiro para uma ferrovia ligando Berlim à Prússia Oriental; a
fim de encontrar os meios, o rei convocou uma “Dieta Unida” composta das oito assembléias
provinciais da Prússia. A Dieta devia reunir-se em Berlim, em abril de 1847.

Os liberais da Prússia ocidental estavam decididos a valer-se da Dieta Unida para fazerem
pressão em favor de um parlamento eleito pelo povo. Mas não Bismarck. Este considerava um
erro a decisão de convocar a Dieta Unida. Ocasionalmente, o rei, numa confusa disposição de
nostalgia medieval, sonhava com um novo Império Germânico, no qual contentar-se-ia com
servir de eleitor principal; já Bismarck, tal como seus amigos do grupo de Trieglaf, via como
verdadeira Pátria a Prússia protestante, apenas. Não havia, achava ele, necessidade de o rei
incentivar representantes das classes médias a reunirem-se em sua capital e discutirem o
levantamento de um empréstimo; a sanção do Todo-Poderoso bastava para que o chefe de
estado da Prússia agisse como bem entendesse. Temia Bismarck que a Dieta Unida de 1847
pudesse vir a ser para os Hohenzollerns o que os Estados Gerais de 1789 haviam sido para os
Bourbons da França; e para a fidalguia rural do Elba oriental nada havia a ganhar - mas tudo
a perder - com uma revolução. Os Junkers desejavam uma estrada de ferro até Konigsberg,
mas não ao preço do estabelecimento de uma assembléia eleita pelo voto popular.

Para Bismarck havia ainda um problema pessoal. Ele jamais se sentira à vontade em Berlim;
abominava a idéia de passar a primavera e o início do verão a ouvir a “violência barulhenta” e
as “frases importadas” de entusiasmados liberais; além disso não o atraía ter de passar as
últimas semanas antes de seu casamento nessa existência tão desagradável. Pelo menos era o
que dava a entender a Joana32. Na realidade, bem o sabia, quase não tinha escolha. Já fazia
dois anos que vinha viajando com a maior freqüência possível, descendo o Elba, até
Magdeburgo, onde Ludwig von Gerlach exercia o mais alto posto judiciário provincial. Ambos,
Ludwig von Gerlach e seu irmão, o general Leopold von Gerlach (assistente pessoal de
Frederico Guilherme), estavam impressionados com a atitude desassombrada de Bismarck. Os
conservadores prussianos, na opinião deles, necessitavam de um homem de tal calibre.
Quando caiu doente Brauchitsch, um dos representantes de Magdeburgo na Dieta Unida, eles
instaram Bismarck a ir a Berlim, na qualidade de seu suplente, e falar como representante da
nobreza da Saxônia prussiana (da qual, tecnicamente, não era membro, de vez que suas
propriedades ficavam na Altmark e na Pomerânia). O convite era lisonjeiro. “Perdoa-me
aceitar o negócio”, escreveu a Joana em 8 de maio, “mas eu não poderia declinar do chamado
sem ofender, certamente, as classes políticas de Magdeburgo, e sem destruir todas as boas
perspectivas que tenho, baseadas nas minhas relações com elas”33. Joana concordou: seu pai,
Adolf von Puttkamer, era representante da Pomerânia e ela sabia da importância da
assembléia para o mundo junker que lhe havia formado as esperanças e os preconceitos.
Bismarck assumiu sua cadeira na terça-feira, 11 de maio de 1847. A Dieta Unida já estava em
sessões havia quatro semanas, e uma Oposição Liberal muito bem organizada, sob a liderança
do vestfaliano Vincke estava transformando cada sessão num debate sobre a estrutura
fundamental do Estado prussiano. Por que motivo, chegou a clamar Vincke, havia o rei
congregado uma instituição de Estados nomeados, ao invés da assembléia parlamentar
prometida por seu pai? O espírito da Guerra de Libertação parecia impregnar o plenário da
Dieta. Aquele fora um período da história recente sobre o qual Bismarck havia meditado
desde os tempos do Instituto Plamann; e achou intolerável ouvir em silêncio o que lhe parecia
ser a apropriação, por parte dos liberais, de uma glória nacional.

Sua oportunidade apareceu na segunda-feira seguinte. Um idoso liberal, que havia lutado
contra Napoleão na Rússia, na Alemanha e na França fez um discurso no qual asseverava que
o povo prussiano só se levantara contra os franceses em 1813 porque seu rei havia prometido
uma constituição, assim que a Alemanha se libertasse do inimigo. Tal assertiva trouxe
Bismarck à tribuna. O argumento do deputado liberal, afirmou, “era um desserviço ao nosso
sentimento de honra nacional”: o que sucedera em 1813 foi que os prussianos, depois de
surrados pelos franceses, volveram e defenderam-se, arrebatando da derrota uma vitória;
portanto, a Guerra de Libertação não tinha o menor significado constitucional., “Minha
intervenção causou uma tempestade”, comentou, satisfeito, mais de quarenta anos mais
tarde, lembrando que pegou um jornal e ficou a folheá-lo até que o tumulto amainasse e ele
pudesse concluir seu discurso34.

Na época, entretanto, não estava assim seguro de si. Na terça de manhã, escreveu a Joana:
“Ontem levantei uma tempestade de reação sem precedentes... Abordando o caráter do
levante popular de 1813, feri a vaidade malposta de muita gente do meu próprio partido, e,
evidentemente, vi cair sobre mim toda gritaria da oposição. O ressentimento foi grande, talvez
pela simples razão de que eu disse verdade... fui ironizado por minha pouca idade e
admoestado por outras coisas mais". As sessões da Dieta Unida tinham completa cobertura de
imprensa - grande novidade num país onde o censor, até então, gozava de considerável
autoridade. Da noite para o dia Bismarck ficou famoso; o louco de Kniephof virará o maluco
da Dieta de Berlim. “Fui mexer em casa de marimbondo”, disse ele a Joana no fim de semana,
“e os marimbondos desceram sobre mim”35. Deliciou-se em espantar os marimbondos;
queixava-se, porém, de ter, às vezes, que esperar seis horas, a ouvir os disparates de vinte
oradores, antes de ser chamado à tribuna. Difícil para um homem de seu temperamento, ser
um bom parlamentar.

Em menos de um mês estava alcunhado de “o Tormento de Vincke”, denominação obtida por


seus ataques ao ídolo liberal, Georg von Vincke, este próprio um aristocrata de temperamento
forte, dotado de raro poder de oratória. Os aguerridos discursos de Bismarck recobraram-lhe
o apoio junker perdido pelas imprudentes referências à Guerra de Libertação. Outros
governantes alemães haviam mandado observadores às deliberações da Dieta Unida e um,
pelo menos, comentou o crescente prestígio do porta-voz dos nobres da Saxônia prussiana:
“Entre os raros oradores que apoiavam a posição do governo e representavam a vontade do
rei”, escreveu o enviado do Grão-Duque de Hesse em 6 de junho, “um jovem de nome von
Bismarck destacou-se sobremaneira e passou a ser visto como provável figura dominante em
futuros congressos. Seu estilo firme e vigoroso de debater ofendeu gravemente, entre outros,
a Herr von Vincke, do que resultou, aliás, um desafio a duelo, mas nada aconteceu e o caso
resolveu-se por mediação”36. Entretanto ainda que observadores pudessem supor que
Bismarck representava a vontade do rei, Frederico Guilherme hesitava em admiti-lo como seu
paladino. Houve bailes e recepções na Corte, naquele verão, e um grandioso carnaval
aquático no rio Havei, em Potsdam; mas em todas as ocasiões o rei conseguiu evitar
Bismarck. “Após dirigir-se a cada pessoa por sua vez, ele parava imediatamente antes de
chegar a mim, voltava as costas e caminhava para o outro lado do salão”, recorda Bismarck
em suas memórias37. Considerava seu soberano um enigma; e não era o único a pensar
assim.

“Por que deu-se o rei o trabalho de inventar a coisa, afinal?”, perguntava Metternich, em
Viena. “Da forma como está, a convocação da Dieta mais parece brincadeira de mau gosto.”38
Os modos da Oposição Liberal tomaram-se intratáveis. A despeito da proficiência de Bismarck
nos debates, os tóris perdiam sempre nas manobras e nas votações. Na última semana de
junho a Dieta rejeitou o pedido real de meios financeiros para a construção da ferrovia na
Prússia oriental. A Oposição aferrou-se em só aprovar o empréstimo quando o rei honrasse o
compromisso de seu pai e desse ao povo uma constituição. A resposta de Frederico Guilherme
foi dissolver a Dieta e mandar seus membros tratarem da vida. Sobre o episódio pareciam
ressoar estranhos ecos de conflitos parlamentares da Inglaterra do século XVII, o empréstimo
da ferrovia estando para Vincke e seus liberais como o imposto de tonnage and poundage
para Eliot e Holles em 1629. Alguns observadores já viam “o jovem von Bismarck” destinado
ao papel de Thomas Wentworth. Mas o próprio Bismarck jamais aderiu à obsessão corrente
com a Guerra Civil Inglesa. Inclinava-se mais a ver um paralelo com a história da França; e
desde havia muito admirava a carreira política de Mirabeau.

Mas, por enquanto, não tinha tempo para imitar Wentworth, Mirabeau, ou qualquer outro.
“Na próxima caçada de perdiz estarei casado”, escreveu alegremente a seu irmão, em abril,
antes da doença de Brauchitsch39. Desde então a vida pública pusera de lado seus assuntos
particulares, mas continuava na intenção de casar-se em fins de julho e manteve a palavra.
Por vezes, isso significou uma agenda cheia e agitada A semana seguinte à dissolução da
Dieta Unida foi especialmente pesada: quinta-feira (1.° de julho) em Magdeburgo até as seis
da tarde, discutindo com Ludwig von Gerlach o lançamento de um jornal conservador; sexta-
feira, em Schönhausen, tratando dos proclamas, ainda que embaraçado pela incapacidade de
lembrar mais de dois dos seis nomes de batismo de Joana; sábado, a Berlim para conversas
sobre o projeto do jornal; segunda-feira, na mansão de Malwine, em Angermünde; terça e
quarta em Kniephof, tratando do arrendamento de suas propriedades na Pomerânia; quinta,
para Reinfeld, completar as providências para o casamento. Felizmente haviam acertado que
a cerimônia devia ser simples e casaram-se na igreja de uma pequena localidade, Kolziglow,
perto de Reinfeld, em 28 de julho de 184740.
Os Gerlachs haviam sugerido uma lua-de-mel na Baviera e na Suíça, onde seria possível terem
encontros para discutirem o projetado jornal. Essa proposta não despertou entusiasmo em
Reinfeld e os recém-casados partiram para Berlim e para nove semanas de férias, totalmente
passadas nos domínios dos Habsburgos. Primeiro, foram a Praga, dali a Viena, subiram o
Danúbio de vapor, meio de transporte novo e relativamente caro, até Linz, e depois a
Salzburgo. “Quanto a mim”, Bismarck escreveu a Malwine, “já estou muito velho para
impressionar-me com novidades, e meu maior prazer está em corresponder aos de Joana.”41
Subiram juntos o Schafberg e o Capuchinerberg, embora o tempo nublado restringisse a vista
do topo das montanhas. Atravessaram para o Tirol, passaram alguns dias em Merano, onde
Joana adorou as uvas, e rumaram sul, para Veneza. Só chegaram de volta a Schönhausen na
primeira semana de outubro. Bismarck tencionava ser econômico e separou 400 táleres para
a viagem, mas no fim, como disse ao irmão, “a jornada toda custou por volta de 750 táleres”
[cerca de 155 libras] e Joana cedeu-lhe “quase 200 táleres, que estava guardando para
comprar uma baixela de prata.”42 Poucos noivos, entre os fidalgos do campo, saem para uma
lua-de-mel com tão pouca bagagem: “uso uma roupa, a outra está na mala grande”. E o fato
de descobrir, ao chegar em casa, que havia “perdido seis vacas e um touro, de carbúnculo’,’
foi para ele um golpe tão triste como para qualquer fazendeiro. “O melhor do rebanho” estava
perdido, queixou-se a Bernard.

Nem toda lua-de-mel foi de espairecimento. Em Merano, encontraram 0 major von Roon,
preocupado com o crescente desassossego na Alemanha, e houve conversas sérias sobre
política nos passeios sob os choupos, com vista para os Montes Ádiges. E quando os
Bismarcks foram ao teatro, em Veneza, viram-se reconhecidos pelo rei Frederico Guilherme,
ele próprio em férias, e convidados a jantar. “Em conseqüência de minha pouca bagagem e da
incapacidade do alfaiaite local”, a hospitalidade do rei causou a Bismarck um problema
indumentário. Mas Frederico Guilherme logo pôs seus convidados à vontade; e Bismarck ficou
convencido de que, malgrado a frieza anterior, o rei dispunha- se a apoiar o filho de “Mine
Mencken” se a Prússia se visse ameaçada de uma grave crise política.

À medida em que o inverno avançava em Schönhausen, tal crise parecia bem próxima. Já no
abril anterior, regimentos de guarda e de cavalaria haviam sido postos na rua, em Berlim,
quando houve desordens devido ao preço dos alimentos. Menos mal que a safra de 1847 fora
melhor que as dos anos anteriores, mas Bismarck continuava inquieto. Toda vez que ia à
capital notava que o ambiente entre os trabalhadores urbanos era sombrio. Para o fim do ano,
Frederico Guilherme atenuou a legislação de censura à imprensa, na esperança de estimular
“discussão proveitosa”. Bismarck ficou consternado: os lavradores à sua volta, em
Schönhausen, eram inteiramente leais, mas não lhe agradava a disposição do pessoal da
cidade. Até mesmo em Jerichow e em Tangermünde, vilarejos que enxergava de seus terrenos,
havia agitação. Ele percebia que bastava uma fagulha para atear o fogo da revolução43.

[1] A carta ao pai (Gesammelten Werke XIV, n.° 30) diz que pretendia cruzar de Portsmouth
para Boulogne. Curiosa viagem, seria essa. Em carta posterior à irmã (ibid, n45) diz que
nadou cm Dieppe e a travessia Brighton-Dieppe era especialmente da moda no início da
década de 1840.
3. 1848 E OS ANOS SEGUINTES

Menos de seis meses depois da volta de Bismarck da Itália, a Europa estava mergulhada na
revolução. A forma que tomaram e o alcance dos levantes de 1848 impressionaram-no
profundamente. Ele havia assinalado, pessoalmente, as tensões políticas e econômicas dentro
da Alemanha, mas não acompanhara com maior atenção os acontecimentos além-fronteira. A
revolução de fevereiro, em Paris, que outra vez tornou a França república, foi uma
“ocorrência totalmente inesperada”, escreveu. Taciturnamente, começou a falar de outra
guerra revolucionária. Suas previsões alarmaram o lar de Schönhausen: em 1° de março ele
contava ao irmão que Joana - grávida de quatro meses - contorcia as mãos, perturbada, devido
ao que estava acontecendo44. Os jornais falavam de agitações estudantis em Bonn e
Heidelberg, desordens e manifestações por todo o norte da Itália, e de venda em pânico na
bolsa de valores de Viena. Os Bismarck! aguardavam com ansiedade notícias de Berlim. Em
11 de janeiro Otto jantava, pela primeira vez no Schloss de Berlim e, embora regressasse
lisonjeado pelas gentilezas do rei, sabia que Frederico Guilherme não era um homem dotado
de vontade de ferro. Preocupava-o a reação do rei ante um desafio partido das ruas.

Na verdade, o mesmo pensavam os assessores militares de Frederico Guilherme. Quando, na


segunda semana de março, as manifestações e os comícios começaram a ocorrer todos os
dias, os generais insistiram com seu chefe para aprovar planos de emergência para conflitos
nas ruas e para que deixasse o confinado e vulnerável Palácio Real e fosse residir em
Potsdam, a vinte e cinco quilômetros de distância. Mas Frederico Guilherme não deu ouvido
aos conselhos. Não simpatizava, absolutamente, com o liberalismo e jamais permitiria que seu
direito divino fosse contestado por um parlamento eleito. Mas, emocionalmente, estava
atiçado pelo fervor nacionalistico interno da Alemanha, pelo romantismo estonteante que
inflamava o patriotismo de tantos súditos seus. Desde sua acessão, Frederico Guilherme
desejava modificar a estrutura da Confederação Germânica, uma tênue associação de trinta e
nove governos, criada após o Congresso de Viena como válvula de segurança para o
nacionalismo alemão. O rei era suficientemente perspicaz para ver a Confederação por
demais submissa a Metternich e aos austríacos. Mandou que o general von Radowitz
preparasse um plano de reforço da Confederação Germânica, com a participação dos
príncipes alemães; Radowitz levou o detalhamento desse plano a Metternich em Viena, no
começo de março. O chanceler austríaco e o general ainda discutiam o plano na manhã de
segunda-feira, 13 de março: naquela mesma noite a revolução triunfou em Viena e Metternich
foi obrigado a renunciar, após trinta e nove anos no cargo.

A notícia da queda de Metternich alcançou Berlim na quinta-feira, 16 de março, e aumentou a


tensão nas ruas. À tardinha de sexta-feira, Frederico Guilherme anunciou que convocaria a
Dieta Unida para 2 de abril, que a seguir lhe aumentaria os poderes enquanto se preparasse
uma constituição prussiana e que estava disposto a promover uma reformulação completa da
Confederação Germânica. Essas concessões foram tomadas públicas de manhã cedo, no
sábado (18 de março). O clima estava ameno como o de maio e os berlinenses preparavam-se
para festejar sua vitória com uma demonstração em larga escala, ao ar livre, naquela tarde.
Mas a cidade estava tomada de tropas trazidas das províncias. Houve um choque entre
manifestantes e soldados, em frente ao Palácio Real, e logo surgiram barricadas nas ruas e
nas praças. Militarmente, teria sido possível restaurar a ordem naquele fim de semana
mesmo, mas o custo chegaria à destruição do centro de Berlim. O rei titubeou: consultou
Vincke; e a seu conselho fez um apelo aos seus “queridos berlinenses,, para que ficassem ao
seu lado e mandou as tropas saírem da cidade. Antes do pôr-do-sol de domingo, 19 de março,
transferia a responsabilidade pela ordem interna a uma milícia civil (Burgerwehr) e
concordou em postar-se de cabeça descoberta ante os corpos dos manifestantes mortos por
suas tropas nas barricadas. A seus generais equivaleu a que o rei houvesse capitulado à ralé
armada.
Bismarck não soube detalhes dos acontecimentos de Berlim. Naquele fim de semana visitava
o Conde Wartensleben, em Carow, vinte e cinco quilômetros ao sul de Schönhausen. Os
primeiros boatos do que estava ocorrendo na capital chegaram através do filho do conde, no
sábado, e bastavam para assustar. No dia seguinte chegou a Carow um grupo de refugiados
em pânico, com a notícia de que estourara uma revolução na véspera, à tarde, e que o rei era
prisioneiro da multidão. Bismarck regressou de pronto a Schönhausen, alarmado com as
versões de um neojacobinismo em pleno coração do reino. Encontrou tudo calmo em casa,
mas na manhã de segunda-feira soube que uma deputação de gente da cidade de
Tangermünde havia chegado à vila de Schönhausen e exigia que uma bandeira vermelha,
negra e ouro - símbolo de uma Alemanha unida e liberal - fosse hasteada na torre da igreja.
Bismarck, furioso com a intromissão política em seus próprios domínios, mandou que os
aldeões expulsassem a delegação de volta para Tangermünde. Armou seus lavradores de
escopetas de caça, pediu às mulheres que costurassem uma improvisada bandeira patriótica
para a torre da igreja (uma Cruz de Ferro negra sobre fundo branco) e preparou-se para
resistir a outras incursões de atacantes liberais. Depois percorreu as aldeias vizinhas onde
afirma ter encontrado os moradores na disposição de marcharem sobre Berlim para
libertarem o rei. Quando um vizinho junker queixou-se de que ele estava “arremessando um
archote ao campo” e quis falar aos lavradores para dissuadi-los de qualquer ação violenta,
Bismarck replicou: “Você sabe que eu sou um homem pacato, mas se você fizer isso dou-lhe
um tiro”. Ele estava tão violentamente excitado com o que lhe parecia ser uma situação
perigosa e revolucionária que quase certamente cumpriría a ameaça45.

Uma vez certo de que Schönhausen estava adequadamente defendida, partiu para Potsdam,
com um revólver e quatro cargas de munição no bolso. No palácio da cidade encontrou seu
amigo major von Roon, que servia como ajudante-de-ordens do jovem sobrinho do rei, o
Príncipe Frederico Carlos. Roon deixou claro que, malgrado os oficiais estivessem aborrecidos
com o comportamento do rei, não desejavam a ajuda de campônios armados. Tudo que o
general comandante pediría a Bismarck (e aos demais proprietários junkers) era um
abastecimento regular de milho e batata, prevenindo a possibilidade de novas autoridades em
Berlim lhes cortarem o suprimento da guarnição.

Bismarck não se via como simples fornecedor de comida e forragem. Estava destinado,
achava ele, a um papel mais dramático na contra-revolução. No início da tarde de terça-feira,
21 de março, obteve uma carta do irmão de Frederico Guilherme, Carlos, que estava
residindo em Potsdam. Bismarck tinha esperança de que a carta serviría de salvo-conduto,
permitindo-lhe chegar à presença do rei, em Berlim. Em suma, estava certo de que
persuadiría Frederico Guilherme a dar carta branca ao exército para recuperar a capital,
destruir as barricadas e caçar os revolucionários. Depois de aparar a barba e colocar na
cabeça um chapéu de aba larga ataviado com as cores liberal-patrióticas, Bismarck pegou o
trem da tarde para a capital. Como, porém, pretendia ter uma audiência particular com seu
soberano, estava vestido formalmente, o que, numa cidade entregue às modas radicais, o
tornava distintamente visível. Tampouco o novo tipo de barba era um bom disfarce. “Santo
Deus, Bismarck, você está incrível!”, comentou um conhecido tão logo ele saiu da estação.
Mau começo para sua missão. O par de horas seguintes não foi melhor. Quando chegou ao
palácio a guarda da milícia não o deixou entrar, embora ele conte que conseguiu infiltrar uma
mensagem de solidariedade e uma promessa de apoio ao rei. Voltou, então, para a estação, já
perseguido e ameaçado por radicais que o reconheceram. À noitinha estava de volta a
Potsdam. É difícil não chegar-se à conclusão de que fez um papel ridículo46.

Não podia crer que o rei estivesse disposto a abrir caminho para os democratas. No entanto,
era esse, exatamente, o caso. Na mesma terça-feira Frederico Guilherme identificou-se
publicamente com a causa nacional alemã. Foi em passeata do palácio à universidade, usando
na manga uma faixa com as cores preta, vermelha e dourada. Pronunciou dois breves
discursos, dando ênfase a seu patriotismo alemão, e à noite emitiu uma proclamação “Ao meu
povo e à Nação Alemã”, no qual declarava seu desejo de salvaguardar toda a Alemanha dos
perigos do futuro próximo. “De ora em diante”, declarava o rei, sem meias palavras, “a
Prússia incorpora-se à Alemanha” (Preussen geht fortan in Deutschland auf).

Esse episódio deveria ter dissuadido conservadores românticos pressurosos em resgatar


Frederico Guilherme de si mesmo. Mas Bismarck não era de desistir. Se Frederico Guilherme
estava preso na armadilha dos revolucionários, outros membros da casa real haveria capazes
de manter a tradição Hohenzollern. O primeiro, dentre eles, era Guilherme, Príncipe da
Prússia, o mais velho dos irmãos do rei e herdeiro do trono. Bismarck sabia que o príncipe era
um firme adepto da autocracia O âmbito mental de Guilherme se formara no maior evento de
sua juventude - sua entrada em Paris com os Exércitos Aliados, na primeira queda de
Napoleão, em 1814, uma semana depois que o príncipe fez dezessete anos. Agora, aos olhos
de Bismarck, cabia-lhe um claro dever, o de entrar em Berlim e salvar da revolução a
monarquia junker. O príncipe, porém, via as coisas de maneira diversa. Sabia que era tido
como reacionário pelos liberais e não queria pôr à prova sua impopularidade. Além disso,
como oficial, estava preso a um juramento de lealdade e não se dispunha a dar ordem ao
exército para uma ação contrária ao mando do rei. Quando começaram os distúrbios
revolucionários, buscou refúgio na Ilha de Pfauen, no rio Havei, a poucos quilômetros de
Potsdam. Mais para o fim do mês, escapuliu para a Inglaterra Não havia a menor
possibilidade, naqueles dias incertos, de que fosse dar ouvidos ao ousado conselho de junker
que lhe dava Otto von Bismarck

Mas Carlos, o segundo irmão do rei, aos quarenta e sete anos ainda era suficientemente
fogoso para escutar Bismarck com sintonia Carlos achou que, desde o momento em que o rei
não era mais uma vontade livre, devia-se estabelecer uma regência em nome do filho do
Príncipe da Prússia, Frederico Guilherme (“Fritz”), então com dezesseis anos. Era uma
sugestão estapafúrdia, como Bismarck deveria ter compreendido, por impossível sem a
colaboração da mãe de Fritz, a Princesa Augusta da Prússia, que desprezava Carlos e tinha-o
na conta de um maquinador nocivo. Na quinta-feira, 23 de março, Bismarck teve uma
audiência com Augusta, em Potsdam. A avó de Augusta fora neta de Catarina, a Grande, e ela
própria - sobrinha dos Czares Alexandre I e Nicolau I - era uma personalidade
imponente[1]. Além disso, parecia ter alguma prevenção contra Bismarck, pois recebeu-o
numa dependência de serviço e não nos próprios aposentos. Politicamente, simpatizava com o
liberalismo moderado de Vincke e não se podia esperar que tivesse opinião favorável sobre o
acalorado junker que granjeara a reputação de “Tormento de Vincke”. Não se sabe até que
ponto Bismarck lhe revelou os planos: a narrativa dele é tendenciosa e chega ao ponto de
deixar transparecer que a proposta da regência surgiu inicialmente dela. 0 encontro
confirmou a hostilidade de Augusta para com o Príncipe Carlos e seu emissário. Pelo resto de
sua vida ela teve Bismarck na conta de um intrigante perigoso e inescrupuloso, seu Todfeind
(inimigo de morte), convicção que passou para o filho, que era príncipe herdeiro e foi
(brevemente) imperador durante os anos do primado de Bismarck. As repercussões da
natimorta conspiração palaciana perduraram por quatro décadas de história prussiana.

Dois dias após sua gélida audiência com Augusta, Bismarck verificou por si mesmo até que
ponto Frederico Guilherme abraçara a revolução, pois no sábado, 25 de março, o rei fez o
percurso até Potsdam e, na Galeria de Mármore do Palácio da cidade, agradeceu a seus
oficiais por lhe haverem cumprido lealmente as ordens durante as lutas de rua do fim de
semana anterior. Mas Frederico Guilherme também aproveitou a ocasião para enfatizar à
oficialidade a confiança que tinha em seus “bons berlinenses”. “Ouviu-se, então”, escreveu
Bismarck, anos depois, “um tal murmúrio de irritação e um ruído de sabres nas bainhas como
jamais um Rei da Prússia escutou no meio dos seus oficiais, e espero que jamais venha a
escutar de novo”47. O General Prittwitz, comandante das tropas em Berlim no 18 de março,
descreveu como seus oficiais voltaram aos quartéis, pelo Lustgarten, “sentindo-se como um
poodle que tomou purgante”. Perdiam a esperança no monarca a quem juraram vassalagem;
mas, por ora, tinham de adaptar-se a esse estranho ânimo de euforia cívica.

Bismarck voltou a Schönhausen. Uma carta pesarosa, escrita ao irmão no meio da semana,
continha sombrias referências ao fanatismo de Paris durante o Terror e ao vulto da
guilhotina48. Mas já no sábado, seu aniversário - trinta e três anos estava de volta em Berlim
para a sessão da Dieta Unida, cuja principal tarefa era fixar as providências para a eleição de
uma assembléia constituinte. Bismarck podia ver com bons olhos essa marcha dos
acontecimentos. Quando foi proposta moção de agradecimento ao rei por suas concessões
políticas, Bismarck fez questão de ir à tribuna. “O passado morreu”, disse ele, “e muito mais
que a grande maioria de vós eu lamento que seja impossível ressuscitá-lo, agora que a própria
Coroa lançou terra sobre o esquife”. Bem disposto estaria, continuou, a dar graças ao criador
de uma nova ordem “se esta significasse o surgimento de uma Pátria Germânica unida” mas
“ainda não me parece possível fazê-lo”49. Nesse ponto de seu discurso — que durava pouco
mais de cinco minutos — Bismarck foi tomado de emoção. Embargado em soluços, deixou o
púlpito sem ter chegado à peroração. “Meu discurso”, explicou no dia seguinte a Joana, “não
tinha outra importância senão a de mostrar que não me agrada ser classificado junto àqueles
burocratas venais que viram a casaca com desprezível falta de vergonha para acompanharam
os ventos”50. A melodramática cena, admitia ele, causou péssima impressão em seus colegas
deputados; mas pelo menos estava de consciência limpa. Sentiu-se aliviado quando a Dieta
concluiu seu trabalho, e pôde voltar aos campos da Altmark.

Não havia a menor possibilidade de ele ser eleito para a nova Assembléia Nacional Prussiana.
Suas posições filosóficas eram por demais arrogantemente conservadoras. A assembléia,
eleita por sufrágio universal masculino, era de maioria esmagadora da classe média; metade
de seus membros advogados ou funcionários públicos, e muitos outros provenientes da
pequena empresa de negócios - “mascates vendendo a retalho vinho do Reno”, comentou
Bismarck com típico exagero. No entanto, embora continuasse a lamentar-se de que a
assembléia era uma ameaça aos tradicionais privilégios dos junkers, em breve se acalmou. No
início de junho já chegava a admitir, em particular, que a revolução era bem menos radical do
que temera. “Fomos salvos pelas virtudes intrinsecamente prussianas”, comentou com o
eminente diarista Hermann Wagener, em 9 de junho. “Os velhos conceitos prussianos de
honra, lealdade e coragem inspiram o exército, este admirável representante do povo, desde o
esteio central do corpo de oficiais até o mais jovem recruta. Somos prussianos e prussianos
seremos sempre”51. Alarmava-o menos a Assembléia de Berlim que o bem mais democrático
“Parlamento do Povo Alemão” que se instalara na Paulskirche, em Frankfurt-sobre-o-Meno, a
18 de maio[2]. “Nunca devemos permitir que a monarquia prussiana venha a perder seu
cunho no fermento indolente da Gemütlichkeit [comodidade] Sul-Alemã”, Bismarck alertou
Wagener. Quatro semanas mais tarde o longamente planejado jornal conservador, o Neue
Preussiche Zeitung, aparecia como jornal diário, tendo Wagener na posição de editor.
Bismarck era colaborador freqüente do jornal, que logo ficou popularmente conhecido por
Kreuzzeitung, porque na primeira página trazia o símbolo da cruz de ferro negra. O
Kreuzzeitung inspirava-se no idealismo direitista dos amigos de Bismarck em Trieglaf, em sua
crença na salvação dos valores morais da nação prussiana pela regeneração do cidadão
individualmente e seu desprezo pelas reivindicações políticas baseadas em necessidades
econômicas. Bismarck, por temperamento, era mais pragmático que os fundadores-
patrocinadores do Kreuzzeitung. Até certo ponto, conseguiu induzi-los a temperar a rigidez
austera de seu ultraconservadorismo; mas várias vezes foi preciso que se desculpasse com
seus amigos pelo que consideravam excessiva moderação de seus pontos de vista52.

Os planos constitucionais de Frederico Guilherme permaneciam duvidosos. Embora desde fins


de março houvesse feito tentativas com uma série de ministros liberais, o rei se recusava
terminantemente a aceitar um sistema parlamentar segundo o modelo inglês. Tão logo os
liberais começaram a questionar sua interpretação das prerrogativas reais, Frederico
Guilherme voltou-se para 0 aconselhamento dos velhos conservadores da Corte, homens como
os generais Gerlach, Rauch e Manteufell. Leopold von Gerlach referia-se a esse grupo de
conselheiros como um ministère occulte (o “shadow cabinet” dos ingleses), mas outros
membros do grupo (e Bismarck, também) preferiam usar a expressão espanhola para um
secreto Grupo da Corte e chamavam-se de a “Camarilla”53. No início da segunda semana de
junho sua posição fortaleceu-se com o retomo, da Inglaterra, do Príncipe da Prússia, que
suspeitava de todo ato do governo liberal e de toda proposta votada na assembléia.
Bismarck conseguiu manter uma breve conversação com o príncipe quando seu trem parou
em Genthin, na viagem de volta da Inglaterra (e antes que ele se encontrasse com Augusta ou
seu filho). O príncipe disse a Bismarck que era grato por seu apoio e que jamais o esqueceria.
Posteriormente os dois encontraram-se de novo em Babelsberg, o castelo pseudogótico na
outra margem do rio, em Potsdam, que servia de residência oficial do Príncipe da Prússia.
Havia grande apoio ao príncipe no exército, mas ele, repetidamente, afirmava não admitir
qualquer cabala contra o rei. A “Camarilla” mantinha a fé no soberano, convicta de que, mais
cedo ou mais tarde, ele se libertaria do embaraço de um ministério parlamentar, e os irmãos
Gerlach instavam Bismarck a que vencesse sua antipatia. Em 23 de junho ele aceitou um
convite real para jantar no Palácio de Frederico, o Grande, em Sans Souci. Naquela noite,
Frederico Guilherme afastou-se com Bismarck e, enquanto caminhavam por entre as cercas
vivas dos terraços de seu tio-bisavô, explicou pacientemente o conflito de lealdades e seu
drama de consciência de março. “A gentileza com que falou comigo foi devastadora”, recordou
Bismarck quarenta e cinco anos depois. “Eu chegara com o espírito crítico de um frondeur,
que não se importaria de ser mandado embora, mas parti completamente conquistado,
ausente qualquer desejo de criticá-lo.”54

Esse humor não durou muito. Seis semanas mais tarde Bismarck estava tão preocupado com o
ataque do ministério liberal aos privilégios dos junkers que preparou uma violenta carta e a
fez circular para assinatura entre seus companheiros proprietários rurais. A carta alertava o
rei contra autorizar qualquer “confisco de propriedade particular”, injustiça social pela qual,
declarava, “a grande massa do povo prussiano responsabilizará Vossa Majestade perante
Deus e a Eternidade”55. Os junkers formaram um “parlamento” próprio em Berlim para
decidir da melhor maneira de proteger seus interesses e direitos. Bismarck participou dessa
assembléia junker e voltou às pressas para Schönhausen, onde Joana deu à luz pela primeira
vez, na manhã de 21 de agosto. Ele declarou-se “imensamente feliz” por ser pai de uma filha -
que foi batizada com o nome de Marie, em memória da amiga que tanto desejara o casamento
deles -, mas a despeito do quanto pudesse escrever sentimentalmente sobre seu orgulho de
ser pai, para ele seu primeiro dever, naquele instante, era para com seu rei e sua ascendência
junker. Uma vez certo de que mãe e filha estavam perfeitamente bem, voltou à contenda da
vida política, ao ir e vir entre Berlim e Potsdam e as cidades ao longo do médio Elba56.
Começava a criar gosto pelos esquemas políticos.

“Um ajudante muito inteligente e eficiente no quartel-general de nossa Camarilla”, escreveu


Ludwig von Gerlach a respeito de Bismarck naquelas semanas57. A descrição pinta com
exatidão seu papel. Bom assistente para um comandante, mas arrebatado demais para liderar
ele mesmo uma contra-revolução. Já então, porém, começava a parecer que a contra-
revolução não precisaria que chefe nenhum tomasse atitude direta. Surgiu um
desentendimento entre a Assembléia Prussiana de Berlim e o Parlamento “germânico” de
Frankfurt, cujos líderes pretendiam colocar os exércitos de cada estado alemão sob um
comando único, designado por eles. Semelhante proposta causou preocupação ao rei, no
tocante a suas prerrogativas militares, e selou seu desencanto com os liberais, tanto em sua
própria assembléia como em Frankfurt. Posteriores exigências dos radicais em Berlim, de um
expurgo no quadro de oficiais vieram intensificar sua convicção de que era necessário acabar
com a charada parlamentarista.

Uma vez mais, Viena tocou a música e Berlim acompanhou. No fim de outubro, o general
Windischgraetz restaurou a autoridade imperial em Viena, avançando metodicamente dos
subúrbios para o centro da cidade. Enquanto essa operação se desenrolava, os radicais da
Assembléia Prussiana pediram ajuda militar para o povo de Viena, projeto rejeitado pelos
deputados, em meio a crescente tensão em Berlim. Os generais Gerlach e Rauch
recomendaram a Frederico Guilherme que permitisse às tropas prussianas concentradas ao
redor da capital dispersarem a assembléia, e Bismarck foi um mensageiro constante entre os
vários acampamentos militares e comandantes de guarnições. Mas Frederico Guilherme
manteve o domínio. Não desejava um derramamento de sangue como o do contragolpe de
Windischgraetz. No dia 9 de novembro o rei suspendeu as sessões da assembléia, com a
proposta de que deveria voltar a se reunir no fim do mês, na atmosfera mais calma de uma
cidade do interior. “Ao contrário das expectativas, permaneceu tudo em calma” rabiscou
Bismarck num bilhete a Joana, na manhã seguinte58. Naquela tarde, a tropa do general
Wrangel reocupou o centro de Berlim e dispersou a milícia, sem sangue. O rei convidou o
Conde Brandenburgo (filho de um casamento morganático de Frederico Guilherme II) para
formar um “Ministério de Servos Leais”. Por um momento, pareceu que Bismarck poderia
fazer parte do novo governo. O Conde Brandenburgo contentava-se em ser figura decorativa,
deixando que todas as decisões fossem tomadas pela “Camarilla” e pelo rei. Já antes da
reocupação de Berlim, Ludwig von Gerlach havia sugerido que a dedicada eficiência de
Bismarck merecia a designação para um ministério. Mas Frederico Guilherme, com todos os
seus defeitos, sabia julgar o caráter dos outros: pôs de lado a proposta com um enigmático
comentário marginal, “Reacionário vermelho - recende a sangue - para ser usado mais
tarde”59.[3] No entanto, em 15 de novembro o rei novamente convidou Bismarck para
jantar, e transparece nas cartas a Joana que não se surpreenderia com o oferecimento de um
posto. Mas, evidentemente, ainda não era hora de “usá-lo”. No fim do mês, voltou para a
esposa e a filha em Schönhausen.

O rei não pretendia dar asas aos reacionários. No dia 5 de dezembro outorgou uma
constituição que “combinaria as novas liberdades... com a autoridade da Coroa e da Lei”. Ela
reafirmava o princípio de uma monarquia com base no direito divino mas criava um
Parlamento Bicameral, com uma Câmara Alta (Herrenhaus) escolhida pelos governos
provinciais, e uma Câmara Baixa, Câmara dos Deputados (o Landtag), eleita por um
complicado sistema de colégios eleitorais, cujos membros eram, por sua vez, eleitos por
sufrágio universal masculino. Retendo a Coroa um poder absoluto de veto sobre a legislação,
juntamente com o direito de governar por decretos de emergência, a constituição estava bem
aquém do ideal parlamentar dos liberais. Era novidade demais para Bismarck, mas conseguiu
dar-lhe apoio, ainda que de má vontade. Na verdade ele estava decidido a eleger-se para o
Landtag, pois seus princípios não impunham um voto de abnegação à ambição pessoal.
Garantir a entrada na chapa era difícil: os votantes da Altmark podiam ser, no fundo, mais
conservadores que liberais, mas era querer demasiado, esperar que se fossem entusiasmar
pelo Senhor Junker de Schönhausen. Por fim, com o auxílio de uma das primas de Joana e do
marido (que era judeu), ele foi indicado pela própria cidade de Brandenburgo. Mas ainda
faltava ganhar uma eleição.

Escrevendo para o irmão, pouco depois da campanha, Bismarck resmungava por “ter tido que
fazer este esforço para conquistar votos por afabilidade pessoal”60. Porém suas cartas a
Joana denotam que gostou da luta; há referências tipo “o cheiro e o barulho de quatrocentas
pessoas”, e o lamento de sempre por ter de “passar a vida sem paz de espírito” se for eleito,
mas achou a competição excitante. Seu adversário era o Oberburgermeister (Prefeito) de
Brandenburgo, Franz Ziegler, um liberal moderado; e Bismarck viu-se, então, frente ao
problema do forasteiro em contenda com uma personalidade local. O furor da atividade de
uma campanha fazia-o vibrar: “Hoje necessito travar conhecimento com mais eleitores”,
escreveu a Joana em 2 de fevereiro. “Inúmeros mensageiros saíram em todas as direções...
Parece que se está num QG militar, estafetas e mensagens saindo a cada quinze minutos.”61
A eleição teve lugar no domingo e na segunda, 4 e 5 de fevereiro de 1849. Na apuração de
domingo ele teve uma vantagem de doze votos. Tudo dependia dos membros mais distantes
do Colégio Eleitoral, que votaram na segunda-feira. Como provinham mais do campo que da
cidade, Bismarck estava confiante. Tinha razão: a apuração final deu-lhe a vitória por 154
votos a 129, com sete nulos. Na noite de segunda-feira houve um banquete de comemoração
para quatrocentas pessoas, com muitos brindes e muitos hinos cantados em louvor do Todo-
Poderoso, de Martinho Lutero e da Prússia “Tive uma dor de cabeça no dia seguinte”, disse o
novo deputado a seu irmão no fim de semana, “e doíam-me todos os músculos do braço direito
de tanto aperto de mão. No outro dia quebraram as vidraças de alguns dos meus
correligionários e um que outro sofreu violências, mas eu já estava a salvo, em casa, com
Joana”. Brotou um vigor novo na vida política da Prússia, não de todo sem atrativo para ele,
embora simulasse desprezo pelo sistema em si. Assumiu sua cadeira no Landtag em 26 de
fevereiro de 1849, na abertura da sessão parlamentar que durou menos de nove semanas.
Já agora o principal tópico de interesse político em Berlim era a questão da unidade
germânica. Nos nove meses anteriores os advogados e juristas que dominavam o Parlamento
de Frankfurt haviam preparado a constituição para um estado federal, quer fosse uma
Grossdeutschland (a “grande Alemanha”, que incluiría as partes alemãs do Império
Austríaco), quer a Kleindeutschland (“pequena Alemanha”, excluindo todas as terras
austríacas). No início de março estava claro que o Príncipe Schwarzenberg, primeiro-ministro
do jovem Imperador austríaco Francisco José, rejeitaria qualquer idéia de “grande Alemanha”
que cortasse através da estrutura multinacional das possessões dos Habsburgos; era,
portanto, pouco provável que Francisco José pudesse aceitar a chefia de um estado alemão.
Não parecia haver outra alternativa se não oferecer a Coroa Alemã ao Rei da Prússia, como
soberano do principal estado da “pequena Alemanha”. Frederico Guilherme já fizera constar
que somente aceitaria uma Coroa Imperial se fosse escolhido por seus pares, governantes
alemães. A despeito disso, em 28 de março o Parlamento de Frankfurt aprovou que se lhe
oferecesse o título imperial (com abstenção de dois quintos dos membros, gesto final de
protesto contra uma proposta que tinha poucos reais defensores). Quatro dias depois, uma
delegação de trinta e dois representantes seguiu para Berlim, em busca do assentimento de
Frederico Guilherme.

Bismarck, imutavelmente, menosprezava o Parlamento de Frankfurt, para ele um ajuntamento


de professores, juristas e causídicos. Mas a votação do dia 28 fê-lo titubear. Os junkers do
Landtag prussiano redigiram um apelo formal no qual “imploravam” a Frederico Guilherme
“que não ignorasse o rogo da Assembléia Nacional Alemã”; e entre os signatários estava Otto
von Bismarck-Schönhausen62. Pois não havia necessidade de ter cedido contra seus
princípios, já que Frederico Guilherme não tinha intenção de tornar-se imperador pela graça
do povo. No dia 3 de abril, ele respondeu tão ambiguamente à solicitação que o líder da
delegação foi obrigado a pedir ao Príncipe da Prússia que esclarecesse os comentários de seu
irmão. Depois de três semanas, Frederico Guilherme não deixou dúvida nos representantes de
Frankfurt quanto a sua posição: recusou-se categoricamente a passar a “Imperador dos
Alemães”, frustrando de vez seus esforços.

A abortada constituição foi, não obstante, submetida ao Landtag prussiano para exame e
discussão, e em 21 de abril Bismarck pronunciou-se extensamente sobre a questão nacional.
“A unidade alemã”, admitiu, “é desejada por todos ... que falam alemão”; mas era da opinião
de que a Constituição de Frankfurt “solaparia e destruiría aquele edifício do estado erguido
ao longo dos séculos pela prosperidade e pelo ardor patriótico, no qual as marcas do tempo
eram também manchas do sangue de nossos antepassados”. “A Coroa de Frankfurt”, afirmava,
“talvez reluza, brilhante, mas o ouro que dará realidade ao brilho terá de ser obtido fundindo-
se a Coroa da Prússia no cadinho, e não creio que a remoldagem venha a dar bom resultado
sob esta forma de constituição”63. Suas palavras enfureceram os liberais, mas ele refestelou-
se com a torrente de agressão verbal que lhe foi dirigida. “O que chamam de meus pontos de
vista antediluvianos”, declarou, impenitente, “são para mim tão preciosos como um lugar na
Arca de Noé”. Os liberais radicais mandaram imprimir o discurso, dando-lhe o título de
“Reveladas as Intenções Reacionárias”. Circularam dez mil exemplares por toda a Alemanha
Bismarck jamais havia recebido tanta publicidade; e jamais fora tão impopular, nem mesmo na
Altmark.

Em uma semana, o rei dissolveu o Landtag e convocou novas eleições. Bismarck achava que
perdería sua cadeira.

Inacreditável, a falta de senso das estórias que os democratas espalham a meu respeito entre
os agricultores [escreveu ele a Joana]. Ontem, um ruralista do distrito de Schönhausen, que
mora a apenas cinco quilômetros de nós, confidenciou-me que, à menção do meu nome, corre
invariavelmente entre eles um estremecimento da cabeça aos pés como se fossem receber o
golpe de “uma espada larga da Prússia velha" de ombro a ombro... E, no entanto, sou a pessoa
mais afável do mundo para com a gente comum. Em tais circunstâncias, minha reeleição
parece-me, em termos gerais, muito duvidosa64.
Mas não havia por que se preocupar. Ao dissolver a câmara, o rei modificou o sistema
eleitoral com a finalidade de introduzir um diferencial de classe que favorecia os proprietários
rurais. A abolição do sufrágio universal permitiu que Bismarck não tivesse de engalfinhar-se
em mais uma eleição duramente disputada. Ele conseguiu sua cadeira, outra vez, quando a
nova sessão foi aberta pelo rei, no dia 7 de agosto.

Agora a situação geral era nitidamente diferente, mas as condições não haviam voltado ao
normal. Frederico Guilherme estava pronto a tirar vantagem da confusão na Europa Central,
de modo a crescer a influência prussiana à custa dos austríacos que, por todo o verão de
1849, estavam em operações militares contra Kossuth e sua república separatista da Hungria.
Confiou a condução dos assuntos germânicos a um ministro nomeado especialmente, o
general Joseph von Radowitz, um católico romano, descendente de estrangeiros, soldado
profissional dotado de visão e inteligência. Este, nos dezoito meses em que foi o principal
ministro de Frederico Guilherme (de 25 de abril de 1849 a 2 de novembro de 1850), buscou
estabelecer uma liderança na Alemanha, fosse em associação com os austríacos, fosse a
despeito deles, no caso de Francisco José não adaptar a política dos Habsburgos ao cambiante
meio europeu. Em fins de maio de 1849, Radowitz criara uma “União Prussiana” dos
insignificantes principetes alemães, e aspirava ao apoio de Hanover e da Saxônia. Em
outubro, conveio-se em que uma assembléia se reuniria em Erfurt com a finalidade de estudar
a constituição de uma confederação interna da “pequena Alemanha”; o parlamento de Erfurt,
como foi chamado, reuniu-se, conforme estabelecido, em 20 de março de 1850, na antiga casa
do governador, onde Napoleão, quarenta e dois anos antes, formara seu Congresso de
Príncipes.

Bismarck não tinha interesse em Radowitz ou em seu plano. Ninguém, na “Camarilla”, estava
de acordo com essa tentativa de organizar uma nova federação, quando mais não fosse,
porque ela admitia a idéia de se fazerem constituições. Mas Bismarck era mais aberto que
seus colegas. Em 6 de setembro, num longo pronunciamento ao Landtag, criticou até o rei,
comparando-o desfavoravelmente com Frederico, o Grande. A Prússia, afirmou ele, estava em
posição muito forte naquele verão, e uma política mais inteligente teria assegurado para
Frederico Guilherme a dominação de toda a Alemanha ao norte do rio Meno. Que teria feito o
Grande Frederico? Era a pergunta de Bismarck. Ou ter-se-ia aliado à Áustria e auxiliado os
Habsburgos contra o “inimigo comum”, a revolução, (como estava fazendo o Czar Nicolau na
Hungria); ou, correndo o risco de guerra com a Áustria, teria outorgado uma constituição
pangermânica, “partindo do mesmo direito pelo qual havia conquistado a Silésia”. Por
qualquer dessas duas políticas, a Prússia teria obtido para a Alemanha “o poder a que tem
direito na Europa”. Em lugar disso, o governo prussiano promovia um esquema quimérico que
havería de destruir a pedra angular do poder germânico... a própria Prússia”. A Alemanha
fora salva em 1848 pela “lealdade do povo prussiano a sua dinastia hereditária. Eram as
arraigadas virtudes prussianas de honra, franqueza, senso de dever e coragem que
permeavam o exército... Não se achará no exército, nem no próprio povo prussiano, qualquer
desejo de ressurgimento nacional. Estão satisfeitos com o nome “Prússia”, orgulham-se do
nome “Prússia”. Todos desejamos que a águia prussiana abra as asas e reine de Memel ao
Donnersberg”. E concluiu sua peroração com a frase que havia desagradado Wagener, um ano
antes, “prussianos somos e prussianos seremos sempre”. Um dos partidários de Radowitz
aparteou, no fim do discurso, que Bismarck mostrava ser “um filho desgarrado da grande
Pátria Alemã [Vaterland]”; e Bismarck replicou, arrogante, “Minha terra natal [Vaterhaus] é a
Prússia”65.

Surpreendentemente, Bismarck aceitou sentar-se no Parlamento de Erfurt, e desceu para a


Turingia no início de abril de 18 50. Suas cartas de Erfurt indicam que ele passava mais
tempo do que convinha comendo e bebendo. “Consumi o almoço caminhando para lá e para cá
em meu quarto, devorando quase todas as grossas salsichas, deliciosas”, dizia a Joana em 19
de abril. “Bebi uma jarra de louça, inteira, de cerveja de Erfurt, e agora, quando te escrevo,
estou acabando a minha segunda caixa de maçapães... Sinto-me realmente muito bem,
embora, no momento, tenha um pouco de salsicha demais no estômago.”66 Noutras cartas
para casa, descrevia as delícias de uma caçada, mencionava a quantidade de champanha que
tomara, ou informava a mulher de que havia feito longas caminhadas, a sós, pela floresta, em
profunda meditação. Pouco mencionava a política. Mas, na verdade, estava extremamente
ativo. Em 15 de abril ridicularizava a presunção de chamar-se a federação proposta de “União
Alemã”. Seu discurso, interrompido a toda hora pelos protestos da bancada liberal radical,
mostra, de novo, que sua preocupação maior era manter a independência da Prússia e
salvaguardar suas instituições67. Parecia que nada iria reconciliá-lo com Radowitz, nem
tampouco, naquele momento, com o rei. No fim de abril, retornou de Erfurt para junto da
família - um filho, Herbert, nascera em dezembro - satisfeito com sua conduta, mas consciente
de que não estava avançando na carreira. Os Bismarcks continuavam em dificuldades
financeiras. Para ficar na política teve de arrendar os campos de Schönhausen.

O verão de 1850 foi marcado por um aumento da tensão entre a Prússia e a Áustria. Na
terceira semana de maio, representantes da Áustria e dos estados alemães menores, enfim,
encontraram-se em Frankfurt e, formalmente, reconstituíram a Dieta da Confederação
Germânica, o instrumento pelo qual os austríacos haviam dominado a Alemanha na era de
Metternich. Esse lance foi interpretado por Radowitz - e, evidentemente por Bismarck - como
um desafio direto à União de Erfurt Pareceu provável que as duas principais potências alemãs
logo estariam em guerra entre si, pela primeira vez em mais de setenta anos. Em setembro,
uma disputa entre o Eleitor de Hesse-Cassel e seus súditos tornou a guerra iminente: tanto os
austríacos como os prussianos proclamavam-se no direito de entrar em Hesse e resolver os
conflitos internos do eleitor, malgrado ele mesmo não haver pedido ajuda prussiana.

De início, Bismarck foi a favor da guerra com a Áustria sobre a questão de Hesse. A principal
estrada entre Brandenburgo e a Renânia Prussiana atravessava Hesse-Cassel e era-lhe
intolerável que tropas austríacas policiassem uma área de importância estratégica tão
grande. Se viesse a guerra, declarou, “cada espada prussiana brilhará elevada e
garbosamente ao sol”68. Mas entre os oficiais, mobilizados para o serviço ativo estava o
tenente von Bismarck e quando ele chegou a Berlim verificou que o ministro da guerra não
compartilhava do seu espírito patriótico: o general Stockhausen estimava as possibilidades
militares da Prússia como fracas ante a força combinada da Áustria e da Baviera69. Além
disso, o cunhado de Frederico Guilherme, o Czar Nicolau I, surgira como mediador imparcial
entre Áustria e Prússia; e decidiu em favor de Schwarzenberg, em ambas as questões, sobre o
direito de intervir em Hesse e sobre sua decisão de restabelecer a Dieta de Frankfurt.
Frederico Guilherme abandonou os planos de Radowitz (e seu autor) e nomeou Otto von
Manteuffel chefe de um governo que deveria normalizar a situação com os austríacos. No dia
29 de novembro Manteuffel encontrou-se com Schwarzenberg, em Olmütz (Olomouc), na
Morávia, e ali assinaram um acordo (Punktation) que previa para o fim do ano a realização de
uma conferência na cidade de Dresden, em que os vários governos alemães discutiriam o
futuro da confederação. Embora o texto do Punktation evitasse dar qualquer idéia de rendição
da Prússia, ficava claro que Frederico Guilherme havia concordado com uma restauração da
Dieta Federal em Frankfurt e com a dissolução da União de Erfurt.

Historiadores alemães mais modernos consideraram o Punktation uma humilhação; e com


certa razão. Bismarck, no entanto, sustentava a sabedoria do ajuste de Olmütz. Em 3 de
dezembro de 1850, disse ao Landtag estar satisfeito com o fato de a Prússia “abster-se, antes
de mais nada, de qualquer vergonhosa união com a democracia”. “Por que motivos, hoje em
dia”, interrogava retoricamente, “os grandes estados vão a guerra?” E estabelecia, em
resposta a sua própria questão, um princípio geral de ação.

A única fundação hígida para um grande estado - e que o diferencia de um pequeno estado - é
o egoísmo de estado, não o romantismo; e não é digno de um grande estado lutar por algo que
não diz respeito ao seu próprio interesse. Meus senhores, indiquem-me um objetivo digno de
guerra e ter-me-ão ao vosso lado. É facílimo para um estadista acompanhar a onda popular
permanecendo no conforto, junto a sua lareira, a proferir discursos bombásticos da tribuna,
deixando que o público faça soar os clarins da guerra, e abandonando ao mosqueteiro, que
sangra o sangue de sua vida nas vastidões nevadas, a tarefa de resolver se a política adotada
acaba em glória ou em fracasso. Nada mais simples -mas ai do estadista que, em momento tal,
falha em achar causa de guerra que resista à inquirição, uma vez passada a luta!70

Bismarck nunca havia proferido discurso tão forte em favor da política de nenhum ministro. É
tentadora a suposição de que agia meramente por conveniência. Uma guerra entre a Áustria e
a Prússia só beneficiaria os revolucionários da França, havia declarado, pois a Áustria era
“uma potência alemã que gozava da fortuna de governar raças estrangeiras, submetidas, em
tempos passados, por exércitos alemães”. O discurso, por certo, ajudou sua reconciliação com
o rei e com os ultraconservadores, dos quais andava mostrando independência de espírito nos
últimos meses. Mas não há razão para supor-se que Bismarck não dissesse exatamente o que
pensava: uma guerra em prol da União de Erfurt teria imposto à Prússia derrota militar tão
decisiva quanto foi Iena. Arriscar-se a um desastre em defesa de uma política improvisada de
unidade nacional parcial era rematada loucura.

Bismarck permaneceu em Berlim a maior parte do inverno, comparecendo às comissões


parlamentares e freqüentando incontáveis “recepções sociais dedicadas a intrigas políticas”
(como as descreveu numa carta para casa). Tinha, na verdade, pouco tempo livre. Em
discursos no Landtag, ia desenvolvendo a teoria (da qual se utilizou onze anos mais tarde) de
que havia uma falha na constituição, permitindo ao rei dispor das rendas do estado como
melhor julgasse, caso houvesse um impasse político a respeito de propostas financeiras na
câmara71. Esse engenhoso exemplo de sofisma não teve, naquele momento, qualquer valor
prático; mas fez crescer ainda mais o prestígio de Bismarck junto à “Camarilla”. Começava a
criar nova reputação, de reflexão judiciosa, que se sobrepunha à fama de agressividade e
maus modos. Era cada vez mais visto na sociedade, em geral acompanhado de sua irmã
“Malle”, Malwine von Arnim, possuidora de um traquejo social ao qual Joana nunca se elevou.
Ela fez com que seu irmão, pela primeira vez em muitos anos, fosse aos bailes, dançasse com
quem valia a pena, e se mostrasse ameno e cordial com a rainha (tarefa bastante fácil para
ele). Malle, assim como Joana, desejava que Otto conseguisse uma nomeação importante.
Mas, ao contrário de Joana, ela tinha os meios para ajudá-lo72.

A persistência de irmão e irmã teve seu prêmio na primavera de 1851. Logo no Ano Novo
houvera uma fase em que Bismarck esteve em dificuldades financeiras tão sérias que chegou
a pensar em assumir o cargo de ministro do Duque de Anhalt (“que é louco, e o ministro
realmente governa”). Mas no início de abril os ventos traziam perspectivas mais
interessantes. O restabelecimento da Dieta Federal de Frankfurt tornava necessária a
designação de um representante prussiano de caráter e de habilidade diplomática. Os dois
irmãos Gerlach agiram junto ao rei para dar o posto a Bismarck: ele era forte no debate e seu
discurso após o Tratado de Olmütz mostrava que sabia agradar a Áustria. Frederico
Guilherme estava incerto: não havia como ver em Bismarck um diplomata de carreira e
Frankfurt exigia uma pessoa de tato e experiência. Mas no início da terceira semana de abril
a possibilidade da nomeação de Bismarck filtrava para a imprensa. Houve alguns murmúrios
de descontentamento quanto a confiarem-se tais responsabilidades a um “tenente da
Landwehr”, de parte do Príncipe da Prússia, e alguns golpes satíricos do lépido semanário
Kladderadatsch; mas o mundo não desabou. No dia 28 de abril Frederico Guilherme recebeu
Bismarck em audiência, e ofereceu-lhe formalmente um posto que ele já decidira aceitar73.

Naquela noite, o homem que já por duas vezes se demitira do serviço do rei, deu a sua esposa
a boa notícia:

Parto para Frankfurt... Você tem reclamado, freqüentemente, que nada achavam para mim os
que estão por cima. Pois bem, agora, muito além de minhas expectativas e meus desejos,
chega esta nomeação repentina para o que é, no momento, o posto mais importante de nosso
serviço diplomático. Não o busquei; o Senhor o quis, ou pelo menos tal poderia parecer, e
devo obedecer, embora perceba que sera uma função espinhosa e infrutífera, na qual, com as
melhores das intenções, vou perder o bom conceito em que me tem muita gente. Recusar, no
entanto, seria covardia74.

Três dias depois, já antevia a mudança para Frankfurt de maneira menos equânime. “Sinto-
me”, escreveu, “como se estivesse a pique de emigrar para a América”. A Dieta de Frankfurt
com sua mistura de Grandes Potências e intriga de príncipes subalternos, era, na verdade um
novo mundo para ele. “Quem ha de saber", disse, num rasgo de retórica, “quando a roda que
ora nos apanha no chão nos vai soltar de novo”75?

[1] A Princesa Augusta (1811-1890) era filha da Grã-Duquesa Maria Pavlovna (1786-1859)
que se casara com Carlos Frederico de Saxe-Weimar em 1804. A Grã-Duquesa, benfeitora da
literatura alemã, era considerada por Goethe uma das mais destacadas mulheres do início do
século XIX. Augusta, mulher de Guilherme da Prússia desde 1829, herdou da mãe a rara
energia, mas não os interesses culturais.

[2] Na Alemanha, a agitação revolucionária de 1848 teve sempre um duplo objetivo: governo
representativo em cada um dos Estados germânicos; e a criação de uma Alemanha federal
unificada, de caráter liberal. Foi a idéia unitária que levou ao Parlamento de Frankfurt,
convocado naturalmente à cidade em que a Dieta da Confederação Germânica (a “Dieta de
Frankfurt") se reunia desde novembro de 1816. Tecnicamente, a Dieta de Frankfurt dissolveu-
se em 12 de julho de 1848, transferindo suas funções ao Parlamento de Frankfurt. Mas a
Dieta, que era, na realidade, uma conferência de embaixadores dos Estados germânicos, foi
restabelecida, em Frankfurt, em 1850, e existiu até 1866.

[3] As memórias de Bismarck (Gedanken und Erinnerungen, Volume I, p. 50) dão uma versão
com palavreado mais discreto para o comentário de Frederico Guilherme: “O general Gerlach
disse-me que o rei havia escrito na margem, ‘Para ser empregado apenas quando a baioneta
governe sem limitação' (Nur zu gebrauchen, wenn das Bayonnet schrankenlos waltet)”. Bem
verdade que este comentário captava corretamente o espírito da restrição que Frederico
Guilherme fazia a Bismarck.
4. ENVIADO EXTRAORDINÁRIO

Quando Bismarck chegou a Frankfurt, no domingo de 11 de maio de 1851, sabia ter atingido
um ponto crítico de sua vida. Era a última oportunidade de tornar-se figura pública. Se
falhasse, passaria o resto da vida como matuto, a resmungar contra o progresso, sem o menor
resultado, metido em suas terras, isolado.

Bismarck gozava da fama de usar um palavreado cortante, fama que só perdia para outra, a
de campeão das causas impopulares. Qualidades que não o indicavam muito para a
diplomacia. Frederico Guilherme percebeu a mudança que a responsabilidade devia causar no
caráter de Bismarck e fez questão de que ele passasse três meses em Frankfurt como
segundo do enviado que saía, Theodore von Rochow, antes de assumir suas funções como
representante na Dieta. Era um esquema sensato: um novo embaixador precisava ser
cuidadosamente informado sobre as regras e convenções daquele congresso incomum de
representantes de príncipes, para ter condições de compreendê-lo e dominá-lo. “Só o tempo
dirá o que Theodore será capaz de obter de seu pupilo, Bismarck”, escreveu a sobrinha de
Rochow, num tom um tanto superior, naquele maio. “Quem o conhece mais intimamente diz
que não lhe faltarão conhecimento, capacidade, tato, esperteza ou o dom de tratar as pessoas
com astúcia.76 Talvez, mas outros duvidavam que Rochow ou quem quer, fosse capaz de
domar o Espadachim do parlamento junker em apenas treze semanas. A natureza não o fizera
um aprendiz aplicado.

Bismarck, mais tarde, afirmou ter ido para Frankfurt “em estado de pureza política”. Claro
que isto não fazia sentido: ele já era bem experimentado nas barganhas e enredos com que se
faziam e destruíam governos. Mas, é verdade, surpreendeu-se com a natureza dissimulada da
vida diplomática. “Faço rápidos progressos na arte de empregar muitas palavras e não dizer
nada”, escreveu, sardônico, a Joana, em 18 de maio. A princípio, achou a rotina sedentária tão
enfadonha quanto em Aachen e Potsdam em sua juventude. As atrações externas da vida
diplomática em Frankfurt exasperavam-no: longos e aborrecidos jantares, a despesa de
montar uma residência oficial elegante, a “luta incessante” para encontrar tempo de redigir
memorandos, receber pessoas e lidar com os telegramas. Após uma semana de experiência da
Dieta, asseverou a Joana que se achava capaz de “prever com perfeição o que seremos
capazes de obter em um, dois ou cinco anos”; e que ele poderia acertar tudo isso em vinte e
quatro horas, bastando que os outros diplomatas fossem “razoáveis e honestos por um dia
apenas. 77

Bismarck achou o Conde Thun, representante austríaco, languidamente altaneiro, um


proprietário de terras tão cônscio de sua educação feudal que ignorava as pretensões sociais
de um simples ruralista junker. Mas Bismarck irritava-se igualmente com os enviados dos
estados menores - homens “que julgam necessário adotar um estilo severamente profissional
até quando perguntam se você tem fósforos para acenderem o charuto” e “buscam maneiras e
palavras com beleza de forma estilo medieval Ratisbona quando o que desejam é a chave do
banheiro”78. Mais a sério, ele se preocupava com a tendência dos estados pequenos de
automaticamente apoiarem a Áustria como natural paladina da ordem estabelecida. Deixou
claro para Otto von Manteuffel, então primeiro-ministro e ministro do Exterior em Berlim, que
seria difícil elevar o status da Prússia enquanto a Confederação mantivesse aquela forma. Em
29 de junho, escreveu, pesaroso, a Manteuffel “Quando aqui cheguei minhas expectativas de
resultados das sessões da Dieta já não eram grandes, mas desde então ainda caíram mais”79.
Anos mais tarde, costumava relembrar sentimentalmente seus dias em Frankfurt, “aquela
cidade onde passei tantas horas felizes e conheci tantas pessoas encantadoras”. Na época,
porém, não pensava bem assim: “Frankfurt é terrivelmente sem graça”, escreveu, intolerante,
a Joana, uma semana depois da chegada, e passaram-se meses antes que mudasse de opinião.
Seu maior prazer era sair da cidade80. Gostava de cavalgar pelos arredores, junto aos
contrafortes dos montes Taunus. Descendo o rio, de Frankfurt, ficavam todas as belas cidades
do médio Reno. Mainz e Wiesbaden eram especialmente ricas de lembranças pessoais. No
entanto, quando, em 1º de julho, jantou de novo em Wiesbaden, pensar nas “loucuras do
passado” o entristeceu - pelo menos foi o que escreveu a Joana:

Quem me dera aprouvesse a Deus encher de seu vinho forte e purificante esta taça, em que,
naquele tempo, a champanha da juventude borbulhou tão sem propósito, deixando atrás de si
um resíduo azedo! Onde estarão hoje Isabella Loraine e Miss Russel, e como viverão? Vivesse
eu hoje como vivi então - sem Deus, sem ti, sem as crianças - estaria, sem dúvida, perplexo,
sem saber por que não me desvencilhar dessa vida como de uma camisa manchada; e, no
entanto, a maioria dos meus conhecidos é assim, e continua a viver81.

Suas cartas à esposa mostram um desvanecimento melífluo muito diferente da aspereza com
que salpicava sua correspondência política. Bismarck com modos de penitente não é nunca
um personagem convincente.

No fim da primeira semana de agosto, ele partiu para uma visita de maior interesse histórico
que a noite levemente chorosa de Wiesbaden. O mais antigo estadista da Confederação
Germânica passava aquele verão a menos de oitenta quilômetros de Frankfurt, em suas terras
de Johannisberg, aguardando época favorável para regressar a Viena, após três anos de exílio.
Com a idade de setenta e oito anos, Clement Metternich mantinha vivo interesse por tudo
quanto ocorria no interior da Confederação, muito embora houvesse anunciado que não mais
desejava envolver-se em assuntos políticos; e era natural que Metternich buscasse um
encontro com o novo enviado de Frederico Guilherme à Dieta. Havia convidado Bismarck,
inicialmente, para ir a Johannisberg no começo de julho, mas a visita só aconteceu depois de
um mês. Bismarck disse a Joana que “adiara a ida ao velho Metternich” porque aproveitava
uma viagem com Rochow pelo Reno. A verdadeira razão parece ser porque em julho ele ainda
não tinha certeza de que o rei confirmaria sua nomeação como enviado à Dieta. Em agosto, já
pôde visitar Johannisberg seguro de sua posição e sem Rochow. O encontro foi um sucesso. A
princesa Melanie Metternich, temível terceira esposa do ex-chanceler, achou seu convidado
uma pessoa de aguda inteligência e dotada “dos melhores princípios políticos”; anotou em seu
diário o prazer do marido com a visita. Bismarck, escrevendo para casa no fim da semana,
oferece uma narrativa um pouco mais detalhada de seu breve encontro com o estadista
decaído: “Passei a quarta e a quinta com o velho Metternich”, diz a Joana. “Ele foi muito
afável e tratou de colocar-me à vontade, contando a história desde 1788 até 1848 sem deixar
espaço, falando de política e de vinhas, de literatura e cultivo florestal e levando meus
lamentáveis momentos de abstração à conta... de seu melhor vinho Johannisberg”. Tempos
depois, Bismarck afirmou que Metternich o aconselhara a fazer com que a Prússia se tornasse
“um estado saciado”, pois somente assim ela seria capaz de compartilhar com a Áustria a
séria responsabilidade de manter uma governança ordeira no continente, mas da época não
há anotação disso. Metternich gostou, diz Bismarck, porque “eu escutei atento todas suas
estórias e sempre lhe pedia que continuasse”; sente-se que foi uma conversa unilateral, como
tantas nos últimos anos de Metternich. Mesmo assim, Bismarck ficou claramente lisonjeado
com as atenções para com ele. Naquela noite, seu quarto dava para os montes da comarca do
Reno e para o próprio grande rio, mas seus pensamentos, alimentados de reminiscências e de
bom vinho, estavam junto a outro curso d’água, num diferente fluxo de tempo, e ele sonhou
que era ao mesmo tempo uma criança e um senhor rural em Schönhausen, à época em que
quem o hospedava ainda dominava a Europa82.

Haver passado dois dias em Johannisberg elevou o conceito de Bismarck aos olhos do Conde
Thun. “Não sei como o senhor conseguiu seduzir o velho príncipe”, confessou Thun a
Bismarck pouco tempo depois, “mas o fato é que ele me disse ‘se você não chegar a um
entendimento com ele, então eu realmente não sei o que será’.”83 Deve ter sido exasperante
para Thun saber que Metternich achou aquele obstinado junker companhia tão agradável.
Pois embora Bismarck fosse capaz de ouvir com o maior interesse falar-se de Napoleão,
Alexandre, Frederico Guilherme III, mostrava pouca vontade de tratar as colocações de Thun
com simpatia respeitosa. Colaborava, sim, com os austríacos no tema estritamente político da
contra-revolução, mas não fazia a menor concessão no que dizia com a Zollverein, a união
aduaneira formada independentemente da Áustria na década de 1830. Manteuffel estava
decidido a manter fora da Zollverein os territórios da coroa austríaca, e Bismarck concordava
inteiramente. Depois da política vacilante do rei, em 1848-49, e do germanismo desnorteado
da União de Erfurt, só o crescente poderio econômico da Prússia permitia a Bismarck falar
com autoridade na Dieta.

Suas cartas, particulares e oficiais, denotam que pelo verão de 1852 sua experiência
diplomática em Frankfurt dera-lhe bem maior flexibilidade mental. Aos poucos, libertava-se
do partidarismo e tornava-se um responsável comentarista da contenda diplomática. Não se
podia dizer que fosse imparcial, e nem sempre era coerente, mas Frederico Guilherme dava
valor a suas opiniões. Em 1852, todos os demais postos importantes no serviço diplomático
prussiano estavam ocupados por um militar de carreira, cautelosamente ciente da fraqueza
militar do reino e da visível força da Áustria; mas “o tenente da.Landwehr” que estava em
Frankfurt não sentia essas inibições. Havia algo reconfortantemente original em seus amplos
projetos de grande política Manteuffel não pretendia seguir os conselhos de Bismarck, muito
menos o rei; freqüentemente achavam enervante sua agressiva autoconfiança, mas suas
missivas eram interessantes. Para quem o conhecera em. 1848, ele continuava sendo o fidalgo
meio maluco, mal e mal contido pelas convenções da diplomacia.

Bismarck era o próprio responsável por essa impressão. Incidentes triviais eram aumentados
e ganhavam publicidade, ora devido a seus adversários, porém as mais das vezes por
iniciativa dele mesmo. Houve especialmente, o famoso episódio do charuto84. Logo ao chegar
a Frankfurt, Bismarck descobriu que fumar na Assembléia era privilégio exclusivo dos
austríacos: na primeira vez, depois disso, em que o Conde Thun acendeu um charuto,
Bismarck acendeu também o seu, mostrando com isso o direito da Prússia de paridade com o
Império Habsburgo. Tal gesto, em si bastante infantil, teve uma inesperada repercussão,
igualmente absurda. Quando Bismarck visitou Berlim no início da primavera de 1852, ocupou
sua cadeira de deputado no Landtag. Seu antigo adversário Vincke aproveitou a oportunidade
da presença de Bismarck para atacar suas posições na Dieta, dizendo que, até então, a única
distinção que o enviado prussiano podia alardear era “o charuto aceso”. Bismarck respondeu
com ferocidade a esse ataque; e ao amanhecer de 25 de março os dois homens,
acompanhados de seus padrinhos foram para uma clareira à beira do lago, na floresta de
Tegel, a noroeste da capital. Cada um atirou no outro uma vez - e errou, provavelmente de
propósito. A imprensa prussiana fez um alarido sobre a desavença e Bismarck sentiu-se na
obrigação de escrever uma longa carta à sogra, explicando que só havia duelado depois de
horas de preces e de conversas com o General von Gerlach e com Karl Buschsel, o mais
eminente pastor luterano de Berlim.

Se o episódio não prejudicou a reputação de Bismarck, não ajudou em nada sua posição
profissional como diplomata. Teve, porém, uma conseqüência apreciável. Logo depois ele
concluiu que não podia continuar como deputado no Landtag ao mesmo tempo em que servia
de representante do rei na Dieta; e em abril renunciou ao seu mandato parlamentar. Uma
troca de tiros com Vincke foi um fim bem adequado para o primeiro ato de sua apresentação
na Câmara.

Naquele mês, morreu repentinamente, em Viena, o príncipe Schwarzenberg, que havia


restaurado a ordem nos domínios dos Habsburgos e refreado as ambições prussianas em
Olmütz. O Imperador Francisco José nomeou o Conde Ferdinand von Buol-Schauenstein seu
novo ministro do exterior. Sabia-se pouco de Buol, em Berlim, mas foi notado que no dia de
sua nomeação ele visitou Metternich (que já havia retornado a Viena) e pediu-lhe conselhos.
Nesse momento o embaixador prussiano caiu gravemente enfermo, e Frederico Guilherme
decidiu enviar a Viena o único membro de seu serviço diplomático que estabelecera boas
relações com Metternich desde sua queda. No dia 5 de julho de 1852 Bismarck foi chamado a
Berlim e recebeu a comunicação de que devia partir imediatamente para Viena, assumindo a
embaixada até recuperar-se o embaixador. Foi uma decisão inteligente. Se um conhecimento
mais próximo da capital dos Habsburgos ajudasse Bismarck a afastar o preconceito anti-
austríaco que adquirira em Frankfurt, tanto melhor; se não, pelo menos ele desvendaria
donde brotava o verdadeiro poder em Viena.

Sua missão durou só um mês. Conheceu Buol e não se impressionou; trocou amenidades,
outra vez, com o velho Metternich; foi recebido em audiência pela mãe do imperador, a
Arquiduquesa Sofia e concluiu que ela era o verdadeiro árbitro da política. Mas Viena quase
se esvaziava no verão, e ele foi à Hungria, onde Francisco José fazia sua primeira viagem mais
extensa por terras magiares desde a tentativa de independência húngara. Bismarck deleitou-
se com a viagem de vapor, descendo o Danúbio. Ele tinha uma visão de poeta para as belezas
naturais e entreteve-se com o caráter cosmopolita dos companheiros de viagem: “Mas
imagina só”, escreveu a Joana, “nem um inglês! Com certeza eles ainda não descobriram a
Hungria”. Foi a capital húngara que mais o encantou. Francisco José destinou-lhe aposentos
no próprio palácio e ele escreveu entusiasmado a Joana, descrevendo a vista da janela. “Se
pudesses estar aqui por um instante e olhar, neste momento, o prateado opaco do Danúbio, as
montanhas, escurecidas contra um fundo vermelho claro, as luzes brilhando lá embaixo, em
Pest, Viena ficaria para trás em tua estima, comparada a ‘Buda-Pescht’, como a chamam os
húngaros”. “Figuras estranhíssimas, de pele morena, grandes chapéus e calças largas,
descem o Danúbio em compridas barcaças de madeira”, acrescentou, “como lamento não ser
um artista”85.

Mas não estava em férias. Foi surpreendido com a minuciosa etiqueta que o mantinha “em
uniforme a maior parte do dia” e pelo hábito do jovem governante de levantar-se às cinco da
manhã para começar bem cedo a tratar dos assuntos do dia. “Tive excelente impressão [de
Francisco José]”, disse a Joana. “O fogo de um jovem de vinte anos com tranqüilo autocontrole
[mit besonnener Ruhe], Sabe ser cativante, já vi; não sei se está sempre disposto a sê-lo -
aliás, não é necessário. Em todo caso, atende exatamente ao que este país precisa, até em
demasia para a tranqüilidade de seus vizinhos, se Deus lhe não tiver dado um coração amante
de paz”. Em carta a Manteuffel, no dia seguinte, Bismarck tornou a comentar a autoconfiança
de Francisco José, enquanto Leopoldo von Gerlach era informado de que o imperador
mostrava “o fogo dos vinte anos, acompanhado da dignidade e previdência de idade mais
madura, belos olhos [ein schõnes Auge], particularmente quando está animado, e uma
fisionomia aberta, encantadora, especialmente quando ri”86. Tais impressões podem
ressentir-se de profundidade de análise, mas pelo menos não eram hostis. Bismarck queixava-
se muito, em Frankfurt, de que os diplomatas austríacos não mereciam confiança. Era um
conforto encontrar em Francisco José um jovem de boa fé, lhaneza, simplicidade.

Em suma, Bismarck acreditava na possibilidade de ser nomeado embaixador na Áustria, mas


desagradava-lhe a atmosfera da sociedade política de Viena e ficou satisfeito em voltar, no
meio de julho, para a luta de Frankfurt, com que se familiarizara. Embora o rei o tivesse em
boa conta, Bismarck tinha inimigos em Berlim. Maldosas intrigas haviam convencido
Manteuffel e o Príncipe da Prússia de que Bismarck era instrumento dos ultraconservadores e
planejava substituir Manteuffel como ministro de estado87. Na realidade, Bismarck começava
a afastar-se do círculo do Kreuzzeitung: não acompanhava a hostilidade dos Gerlachs para
com Napoleão III, nem a suspeita em que tinham a política francesa no Reno; mas, sem
dúvida, dera a impressão de que assumiría gostosamente a responsabilidade pela política
externa em Berlim, e não foi fácil acalmar Manteuffel. Num gesto reconciliatório, Bismarck
convidou Manteuffel e o príncipe para padrinhos de seu segundo filho homem (nascido
naquele verão de 1852 e chamado Guilherme em homenagem ao príncipe). Bismarck era
suficientemente astuto para manter-se em contato com Leopoldo von Gerlach, e através dele
com o rei, ao mesmo tempo em que fazia o possível para aplacar Manteuffel e o herdeiro do
trono. Não é de surpreender que, às vezes, adaptasse o texto de suas cartas para acomodá-las
às inclinações dos destinatários.

Enquanto Manteuffel passou o outono e o inverno em Berlim forçando uma renovação da


Zollverein sem a participação da Áustria, Bismarck, em Frankfurt, ameaçava e cabalava os
estados sul-alemães para que aceitassem a liderança econômica da Prússia. Agora,
entretanto, olhava mais longe. O longo período de paz entre as Grandes Potências estava em
xeque devido à crescente suspeição que surgia entre a Rússia e a Turquia e pela série de
decisões desastrosas que culminaram na Guerra da Criméia. A Prússia não tinha interesse
direto ou indireto no futuro do Império Otomano, porém uma crise internacional envolvendo
as duas outras autocracias do centro-leste europeu inevitavelmente exigia um reajuste na
política de Berlim. O rei gostaria de permanecer não-beligerante. Bismarck era mais realista
“Grandes crises formam as condições climáticas favoráveis ao crescimento da Prússia”, dizia
a Manteuffel em fevereiro de 185488. Quando, na terceira semana de abril, os prussianos
revalidaram por três anos â aliança defensiva feita com a Áustria depois de Olmütz, Bismarck
alarmou-se: parecia-lhe que o rei e Manteuffel estavam aceitando um papel secundário na
competição diplomática. Ele era partidário de um política de mais força: mande 0 exército
prussiano concentrar-se na Silésia Superior, aconselhou ao rei, de onde poderia “atravessar
com igual facilidade as fronteiras da Rússia ou da Áustria”. Essa estratégia, afirmava
Bismarck, faria de Frederico Guilherme o cabeça da Europa, capaz de ditar os termos de paz
a Nicolau como a Francisco José, e ficar para a Prússia com a comissão de corretagem, que
poderia ser a revisão da estrutura da Confederação Germânica. O rei recusou o conselho:
“Um homem como Napoleão poderia sair-se bem com lances dessa ousadia, mas eu não”,
disse, com sinceridade89. A Prússia ficou de lado durante toda a guerra.

A proposta de Bismarck estava mais próxima da tradição de Frederico, o Grande, que a


cautelosa neutralidade do rei. Com o Exército Austríaco em posição ao longo do baixo
Danúbio, o velho monarca teria ordenado a mobilização na Silésia e ameaçado cruzar a
fronteira Boêmia-Morávia e avançar para o sul na direção de Viena. No entanto, mesmo não
sendo do molde heróico, Frederico Guilherme IV possuía um sólido sentido do que era melhor
para a Prússia e a Alemanha. Sua atitude garantiu que o conflito entre a Rússia e o Ocidente
se travasse em tomo de objetivos limitados, no Mar Negro, e não nas planuras da Europa
central, onde teria reaberto a ferida polonesa e outras eivas mal cicatrizadas pelo acordo de
Viena, em 1815.

Bismarck ficou com a fama de ser pró-Rússia, da mesma forma como, após Olmütz, foi tido
como pró-Áustria. “No ano de 50, nossos adversários acusaram-me de preferência aleivosa
pela Áustria e éramos chamados os vienenses de Berlim”, recordou ele a Leopold von Gerlach,
terminada a Guerra da Criméia»,

Tempos depois acharam que cheirávamos a couro russo e referiam-se a nós como os cossacos
do rio Spree. Quando me perguntavam, naquele tempo, se eu era um “russo” ou um
“ocidental”, sempre respondi que era um prussiano, que meu ideal em política externa era a
ausência de todo preconceito, e que toda decisão deveria mostrar-se livre de qualquer
aparência de hostilidade ou preferência em relação a países estrangeiros e seus governantes.
Se alguém me provasse [acrescentou] que isso consultaria aos melhores interesses de uma
política salutar e bem ponderada, eu teria igual satisfação em ver nossas tropas atirarem
tanto nos franceses como nos russos, nos austríacos ou nos ingleses"90.

Os anos passados em Frankfurt infundiram-lhe temor a qualquer política que permitisse a


Viena determinar os rumos em questões de guerra e paz para toda a Alemanha. Quando a
Áustria, no início de 1855, tentou mobilizar os estados germânicos contra a Rússia, Bismarck
tomou a frente na reação à pressão dos austríacos, e viu-se por uma vez, para variar, na
maioria. Nunca antes, nem depois, foi tão forte defensor da Confederação Germânica. Mas,
bem sabia, aquele ressentimento contra a liderança austríaca na Dieta era um sentimento
passageiro. Tinha pouca esperança de poder fazer frente à supremacia austríaca na
Alemanha, a não ser que a posição prussiana se fortalecesse com uma rede de alianças com
as outras Grandes Potências. Já em meio ao verão de 1854, ele gostava de dar à irmã a
impressão de que era o leva-e-traz entre Oriente e Ocidente, passando as mensagens de Paris
para o adido russo em Frankfurt e para o Czar Nicolau I; e havia uma certa razão para essa
idéia91. Aos poucos, ele foi-se convencendo de que, malgrado a guerra, logo havería uma
reaproximação entre a França e a Rússia, que levaria, depois, a uma aliança. E a Prússia,
opinou ao rei, devia juntar-se à essa nova fonte de poder da Europa, para poder coagir a
Áustria e os estados do sul da Confederação Germânica dominados pelo Habsburgos92.
Ninguém em Berlim punha em dúvida o valor de uma ligação com a Rússia, mas a união com
um estado bonapartista era outra coisa. Em agosto de 1855 Bismarck fez a primeira de várias
viagens particulares a Paris, a fim de avaliar pessoalmente as qualidades do Segundo Império.

“Esta Paris é uma cidade maravilhosa”, escreveu um tanto ingenuamente a Joana, quinze dias
após chegar à capital francesa. “Imagina dez Frankfurts, lado a lado, com inúmeras ruas
apinhadas de lojas... depois mais dez Frankfurts mais calmas, construídas à sua volta.”93
Bismarck fez os passeios normais da cidade e dos arredores, mas Paris do Segundo Império
não era, absolutamente, um museu de glórias passadas. Era essencial para o visitante daquele
ano ver o Palais de l'Industrie nos Champs-Elysées, onde, pela primeira vez, as autoridades
haviam montado uma exposição dos feitos técnicos e artísticos; e Bismarck deu uma olhada de
mau grado na seção industrial, que achou uma grande confusão, dominada pelo “ruído
ensurdecedor da maquinaria”. No conjunto, preferiu as mostras de pinturas de Paris.
Queixou-se de falta de tempo para descanso, mas gostou de tratar de política com o ministro
do exterior, o Conde Walewski (filho bastardo do grande Napoleão) e de conhecer o meio-
irmão de Napoleão III, Morny, o qual - como Walewski - era partidário da cooperação franco-
russa. Em 25 de agosto Bismarck compareceu a um “baile magnífico” em Versalhes, onde foi
apresentado ao Imperador Napoleão III e à Imperatriz Eugénie. Napoleão não o impressionou
muito, mas tomou-o de admiração a “extraordinariamente graciosa” Eugénie. Joana foi
informada de que a Imperatriz possuía algo do estilo da própria irmã dele, Malwine, mas ele
reconheceu que Eugénie tinha “um rosto mais longo e fino, os olhos e a boca mais bonitos”.

Napoleão e Eugénie não foram os únicos soberanos a quem foi apresentado naquela noite em
Versalhes. A Rainha Vitória realizava a primeira visita de um monarca reinante inglês à
capital francesa desde mais de quatrocentos anos; e Bismarck teve oportunidade de conversar
longamente com o Príncipe Alberto, e brevemente com a rainha. Bismarck viera à França com
a desconcertante reputação de ter simpatias pró-Rússia, e a família real inglesa não escondeu
seu pesar por Frederico Guilherme ater-se ao sentimento dos Hohenzollerns de amizade com
os Romanovs. A conversação com o príncipe foi, portanto, um pouco tensa; mas a rainha
limitou-se ao tema evidentemente incontroverso de, estética urbana. “Que linda cidade é
Paris!” comentou ela. “Mais agradável mesmo que Petersburgo”, respondeu Bismarck.
Resposta característica do homem, em alusão críptica a uma capital “inimiga”, cujas belezas
nenhum deles havia visto. Pelo menos demonstraria à Rainha da Inglaterra, embora tarde,
que não se recusava a louvar algo do Oeste às custas do Leste. Mas ela não se deu por
achada. Em seu diário, descreveu Bismarck como “por demais russo e Kreuzzeitung” em
pontos de vista. Mesmo, assim, constitui uma interessante ilustração da força da
personalidade de Bismarck que Vitória, num baile descrito por ela como “ultrapassando tudo
que é imaginável” em esplendor, se haja dado ao trabalho de registrar o encontro com um
diplomata prussiano, de passagem pela cidade, e ainda pouco conhecido fora da Alemanha94.

Dois dias depois, Bismarck assistiu à partida da rainha e do príncipe, deixando Paris em alto
estilo, e embora como prussiano deplorasse a política inglesa, aquela demonstração
espetacular da cordialidade anglo-francesa o impressionou. Naquele dia estavam com a
rainha em Paris os dois filhos mais velhos, a princesa real (a três meses de seus quinze anos)
e o Príncipe de Gales. Menos de quatro semanas depois da visita a Paris, estava acertado, em
particular, que a princesa real deveria casar-se com o filho mais velho do Príncipe da Prússia,
Frederico Guilherme, embora somente “quando ela completasse dezessete anos”. O noivado
devia permanecer secreto, pelo menos até a primavera, mas logo filtrou pela imprensa. Por
todo o inverno houve comentários acrimoniosos sobre o futuro casamento nas colunas do The
Times e em alguns jornais berlinenses, pois a Guerra da Criméia causara consideráveis
dificuldades às relações anglo-prussianas95. Bismarck não aprovava o projeto do casamento.
“Não tenho meios de julgar as qualidades pessoais da princesa”, escreveu ele, “mas a
conseqüência política só pode ser o enxerto entre nós de influências inglesas, de anglomania
[Englischen Einflus und Anglomanie bei uns einzubürgem], sem que a nosso favor ocorra algo
igual na Inglaterra”96.

Um pouco de sua prevenção derivava da crença de que tanto o príncipe quanto sua mãe,
Augusta, eram seus inimigos pessoais; suspeitava de que, desde a desmiolada conspiração
palaciana de março de 1848 em Potsdam, alertavam o Príncipe da Prússia contra ele. Mas
outra razão havia, naquela primavera de 1856, por que Bismarck era especialmente hostil à
Grã-Bretanha. A guerra da Criméia acabara no primeiro dia de fevereiro, e antes do fim do
mês reunira-se um congresso de paz em Paris, Walewski como presidente. Os ingleses
insistiram com obstinação em que o Congresso fosse uma conferência entre ex-beligerantes
tentando excluir, assim, a Prússia. O ressentimento em Berlim voltou-se quase exclusivamente
contra os britânicos, pois nem os franceses nem os russos denotavam essa hostilidade. A
Áustria mesmo, bateu-se pelos direitos da Prússia com o apoio austríaco um delegado
prussiano foi, por fim, admitido àquelas sessões do Congresso referentes ao futuro dos
Dardanelos e do Bósforo, já que a Prússia era signatária da Convenção dos Estreitos, de 1841.
Ainda que entristecesse Bismarck ver que Manteuffel dependia, em última análise, do
patrocínio de Buol, satisfê-lo a atitude dos franceses e dos russos. A Prússia, afinal, não estava
isolada97.

Tal qual Bismarck, Manteuffel previa que a França e a Rússia estariam juntas, uma vez
terminada a Guerra da Criméia. Não compartilhava, porém, da mesma convicção de que a
Prússia tiraria vantagens de uma nova associação de Tilsit; por mais de um ano, Bismarck
perseverou na tarefa de convencimento do ministro, carta após carta repetindo os velhos
argumentos em favor de uma aliança com os dois impérios. Acima de tudo, Bismarck insistia
em que Manteuffel se mantivesse em cerrado contato com Paris. Nenhum de seus colegas
concordava. Os conservadores viam em Napoleão um aventureiro calculista, cabeça de uma
dinastia perigosamente revolucionária, e as colunas de seus jornais derramavam ataques à
sua política. Mas Bismarck recusava-se a acompanhar a linha do grupo. Para ele, Napoleão III
era um oportunista capaz, nem mais nem menos: seus projetos poderiam ser detidos por
alguém disposto a considerar a ação de estado como a continuação da conspiração por outros
meios. Na primavera de 1857, Bismarck resolveu ir à França, por sua própria iniciativa, tão
logo a Dieta de Frankfurt interrompesse as sessões para os feriados da Páscoa. Acompanhado
de dois adjuntos, viajou para Paris em 4 de abril de 1857.

A visita começou mal. O trem noturno chegou na madrugada do Domingo de Ramos. Com
espantoso otimismo, os três prussianos partiram para os cafés dos bulevares. “Das cinco e
meia às sete e meia da manhã vagamos por toda a vasta cidade de Paris sem conseguirmos
tomar uma xícara de café”, lamentou a Joana. “Sapatos, brinquedos, guarda-chuvas, relógios
poderiam comprar-se às seis, mas foi impossível tomar o café da manha.”98 Felizmente, a
vida social logo melhorou. Desta vez, conseguiu ir ao teatro e à ópera -“muito bom o balé...
mas balés sempre me enfadaram” - e jantar nos restaurantes mais finos. Foi recepcionado por
Walewski e trocou amabilidades com todos os notáveis do Império99.

O valor real da visita foi ter permitido a Bismarck penetrar no caráter de Napoleão III. Já
havia percebido a qualidade superficial de suas apresentações públicas: “Em Napoleão”,
escreveu com agudeza em 1855, “o desejo de obter o inesperado chega às raias da doença, e
é atiçado pela imperatriz” 100. Desta vez, em longas conversações com o imperador, pôde ver
que Napoleão III - qual seu tio, meio século antes - tinha prazer em formular planos que
abrangiam para além dos assuntos do continente, numa impressionante amplitude de vistas;
mas enquanto Napoleão I era capaz de focalizar o pensamento em detalhes imediatos, seu
sobrinho permanecia a entreter-se redesenhando o mapa com audaciosos riscos de pena. “O
homem, decididamente, não me impressiona”, disse Bismarck a Gerlach, ao voltar a
Frankfurt. “Não é um general”, acrescentou. “Só fará a guerra quando necessidades internas
o forçarem a tal.”101 Porém, no interesse da Prússia, devia ser cortejado e explorado. Era um
despropósito Frederico Guilherme IV tratar Napoleão como ilegítimo parvenu entre os
soberanos da Europa. “Vejo a França como nada mais que uma peça - essencial, reconheço -
no xadrez da política”, afirmava a Gerlach em 2 de maio, “independentemente de quem seja
seu governante. Minha missão, ao jogar este jogo, é servir tão-somente ao meu rei, ao meu
país... Não consigo justificar simpatias ou antipatias em relação a personalidades e potências
estrangeiras, em mim ou em outrem... A mim me parece que nem mesmo o rei pode
subordinar os interesses da Pátria a seus sentimentos de amor ou ódio por estrangeiros”102.

Estas vigorosas palavras foram seguidas, duas semanas depois, de um pleito muito bem
calçado de argumentos a Manteuffel para que fomentasse relações amistosas entre a Prússia
e a França: “O imperador Napoleão admite abertamente o interesse que tem em promover
esta perspectiva e basta que demonstremos sinais de reconciliação para que ele faça um
gesto claro nesse sentido”. Bismarck propunha que Napoleão III fosse convidado a visitar
Berlim. Mas Frederico Guilherme não se inclinava, por ora, a qualquer iniciativa diplomática;
pretendia receber seu sobrinho, Alexandre II (que subira ao trono russo em março de 1855),
mas não tinha a menor intenção de encontrar-se com o Imperador dos Franceses. Em
particular, achava que Bismarck estava brincando com fogo, e Gerlach concordava103.

Frederico Guilherme, com o tempo, poderia ter aceito a política de Bismarck, até mesmo
nomeá-lo para suceder a Manteuffel. Pelo menos, assim esperava Bismarck. Mas na terceira
semana de outubro de 1857 o rei teve um derrame e seu irmão o Príncipe da Prússia,
assumiu a responsabilidade pelos atos de rotina de governo. Guilherme da Prússia, já em seus
sessenta, tinha opiniões políticas definidas, enformadas sobretudo por passados
ressentimentos. Julgava Bismarck um “colegial” (aos quarenta e dois anos!) perigosamente
destrutivo, que afundaria a Confederação com os gestos provocadores contra os austríacos.
Bismarck cometera o erro político de negligenciar a corte de Coblença, que tinha direitos
estabelecidos de sucessão, ao concentrar-se na campanha de convencimento do rei, de
Gerlach e de Manteuffel[1]. Na segunda metade de março de 1858 tentou retificar sua
omissão104. Redigiu uma notável análise da política prussiana daquela década, documento de
noventa e duas páginas completas, duas vezes maior que qualquer escrito daquele mestre da
verborragia política supérflua, Clement Metternich, porém mais preciso como manual de ação
de estado. A mensagem do “Livreto de Herr von Bismarck” era bem clara: que a Prússia
cumpra suas obrigações para com a Confederação, de acordo com a letra estrita da lei, mas
que explore o sentimento nacional no sentido de alinhar a força de votos dos outros estados
contra a Áustria, a qual, sendo um império abrangente de tantas raças, não tem direito a
reclamar primazia em assuntos especificamente alemães. Tais noções, revolucionárias demais
para os Gerlachs, para Manteuffel ou para o pobre Frederico Guilherme, eram também
inaceitáveis para Guilherme. Até onde este tivesse algum plano específico, era a favor da
colaboração entre a Prússia, Áustria e Grã-Bretanha. Não lhe agradava a idéia de usar a Dieta
Federal como palco para uma guerra fria com a Áustria.

No outono de 1858 estava evidente que Frederico Guilherme tinha poucas possibilidades de
recuperação. Suas forças mentais declinavam rapidamente. No dia 7 de outubro a rainha
levou-lhe a minuta da proclamação de uma regência, pela qual a prerrogativa real se
transferia para seu irmão. Em um mês, o príncipe regente já havia começado um expurgo dos
ultraconservadores na administração, e no dia 6 de novembro demitiu Manteuffel,
substituindo-o, na chefia do governo, pelo Príncipe Carlos Antonio de Hohenzollern-
Sigmaringen e, como ministro das relações exteriores, por Alexandre von Schleinitz. As
eleições para o Landtag, naquele novembro, deram aos moderados de Vincke 210 deputados,
deixando os conservadores com apenas 59 cadeiras. Acreditava-se em Berlim, que começara
uma “nova era” para a Prússia, uma etapa que substituiría o governo estéril dos dez anos
anteriores por uma abordagem mais positiva dos problemas da Alemanha como um todo105.
Bismarck não percebeu a fraqueza de sua posição. É possível que contasse com a influência
de seu velho amigo Albrecht von Roon, agora general, e que mantivera ligações muito
chegadas com o Príncipe da Prússia, em Coblença, nos quatro últimos anos. Num bilhete
despreocupado a Joana, em 15 de janeiro de 1859, mencionava possíveis mudanças no serviço
diplomático, dizendo-lhe que “na corte andam mais que nunca gentis comigo, o príncipe
regente, especialmente, mas também a princesa”; falou da “posição inconfortável” do novo
governo e afastou com galhofas a estória, julgada ridícula, das manobras da Condessa
Usedom para conseguir o posto dele em Frankfurt para o marido, anteriormente enviado
junto ao papa, em Roma106. Entrava numa rara confiança em si próprio. Não havia, no
serviço prussiano, quem houvesse acumulado tão detalhado conhecimento do sistema
europeu de estados como Otto von Bismarck.

Nove dias depois, estava frente à realidade da derrota. Usedom, afinal, iria para Frankfurt:
achava-se que ele trabalharia bem com os austríacos, num período em que assuntos austro-
italianos sobrepunham-se a qualquer outra questão. Bismarck mesmo não tinha idéia de que
posto o aguardava. Paris? São Petersburgo? Talvez, esperava que não, Londres? Em 29 de
janeiro foi informado de que seria ministro plenipotenciário da Prússia junto ao Czar. Era,
formalmente, uma promoção, mas ele não gostou. No fim de março, quando viajou para 0
Oriente, levou nada menos que sete dias para atravessar as planícies cobertas de neve entre
Berlim e São Petersburgo. Durante sua vida pública, ainda não se havia sentido tão afastado
das linhas de força principais da política. “Fui congelado e estocado no Neva”, disse,
ironicamente. Com a pele do rosto a queimar de frio, sabia, amargurado, que a metáfora era
bem própria. Pobre recompensa de oito anos de preparação para um cargo107.

[1] O Príncipe Guilherme da Prússia e a Princesa Augusta haviam deixado a capital durante a
Guerra da Criméia e fixado moradia em Coblença, onde suas idéias políticas sofreram
influência do “conservadorismo liberal” da Renânia católica. O casamento do primeiro filho do
Príncipe da Prússia com a Princesa Real da Inglaterra realizou-se no dia 25 de janeiro de
1858, na Capela Real do Palácio de Saint James, em Londres, mas na Alemanha as
festividades entraram pela primavera. Para irritação de Bismarck, a chegada da “princesa
inglesa” foi tida pelos liberais prussianos como um reforço de sua influência na Corte.
5. ASTRO FORA DE CENA

Bismarck chegou a São Petersburgo num momento muito interessante da história russa. A
derrota na Criméia, por fim, convencera a classe governante da necessidade de mudanças
drásticas na estrutura da autocracia. Naquela primavera, comissões de especialistas
estudavam modos de dar, enfim, liberdade pessoal aos servos da Rússia; havia também,
cogitados, projetos de reforma na educação e na administração. Estabelecendo-se novos
povoamentos na costa do Pacífico, os russos percebiam cada vez mais claramente seu destino
imperial, deixando a Europa pela Ásia como base de poder. Naquele momento, viam com bons
olhos a chegada de um representante da Prússia dotado de inteligência, encanto social e
personalidade de reta franqueza. O Czar e seu principal ministro, Gorchakov, derramaram-se
em cumprimentos a Bismarck que, conforme confessou francamente em suas cartas para
casa, em pouco tempo se tomava o preferido dos salões de Petersburgo. Em pleno verão,
quando as grandes famílias foram para o sul, para Moscou, Bismarck as acompanhou. Depois
de oito anos de Dieta Alemã, estava encantado com tantas atenções: “A vida oficial”, disse a
Joana, “mudou de espinhos para rosas”108. Há pouco, em suas cartas, a respeito das
mudanças modernizadoras do Império Russo. Tomou apenas conhecimento superficial. Seus
comentários são os de um forasteiro: não gostava de algumas convenções sociais, tais como o
tabu contra fumar na rua; deprimia-o a permanência da neve quando a Alemanha toda
florescia com as cores da primavera; e queixava-se de estar vivendo “numa cidade de
distâncias sem fim”, onde “jamais serei capaz de achar o caminho”. Mas se S. Petersburgo o
inquietava, Moscou inspirava poesia a sua pena, tal qual Budapest, sete anos antes. “Vista das
colinas, Moscou parece um milharal”, comentou para Joana. “Um panorama de casas de tetos
verdes, jardins, igrejas, torres de estranhas formas e cor predominantemente verde, vermelha
ou azul clara, em geral coroadas por um colossal bulbo dourado, cinco ou mais em cada
igreja, e umas mil cúpulas, sem dúvida... tudo iluminado de viés pelos raios de sol poente.”109
Com todo seu status diplomático, no fundo continuava um turista observador.

Não ficou por muito tempo em Moscou. Naquele, verão deu várias escapadas aos arredores de
S. Petersburgo, a visitar um ou outro dos palácios imperiais. Até mesmo Bismarck
impressionou-se com a atmosfera marcial da “Potsdam de Petersburgo”, como chamou
Czarkoe-Selo. Esteve ao lado de Alexandre II no palanque imperial, assistindo ao desfile de
40.000 homens: “Ontem”, contou a Joana, “fiquei com a cabeça tão cheia de guerra e paz, de
circassianos, tártaros, cossacos, grã-duquesas e infantaria de caçadores (Feldjager) que não
fui capaz de reunir meus pensamentos”. “À noite, sonhei com renques de camas pequenas,
pintadas de branco, de pés altos.” Estava irritado com o fato de, embora o príncipe regente
lhe houvesse assegurado que ele seria comissionado no posto de capitão, “ou mesmo major”,
ver-se forçado a privar com tão importante companhia como simples tenente da
Landwehr110. Por muitos anos os embaixadores prussianos à corte do Czar tinham tido o
posto de general.

Isso o perturbava seriamente. Lá contava muito o passado militar de um diplomata e o seu


não apresentava qualquer distinção. Nas cartas para a família, mostrava-se apreensivo por
não poder fazer boa figura em uma parada, e também por não ter ainda dominado sua própria
equipe. De fato, seus subordinados na legação não mostravam grande encanto por sua
personalidade: “Meu novo chefe é um homem destituído de consideração pelos outros, homem
do poder que sonha com feitos teatrais, ansioso por brilhar, que conhece tudo sem ter visto e
representa onisciência embora muitas coisas não saiba”, anotou o segundo-secretário, Kurt
von Schlözer, no início daquele verão; e acrescentou, magoado, “Em Frankfurt habituou-se a
jovens attachés que tremiam ao enxergá-lo”111. Schlözer, que já servira dois anos em S.
Petersburgo sob um “chefe” menos exigente, parece ter tido dificuldade em adaptar seu modo
de vida a um diplomata-político, desejoso de formular política em vez de simplesmente
cumprir as decisões de outros; mas não foi o único membro da legação a ficar perplexo.
Bismarck transbordava de energia e animosidade. “Que sujeito diabólico!”, escreveu Schlözer,
com admiração relutante, após doze meses de convívio. “Qual será o objetivo a que quer
chegar?”

Essa pergunta, Bismarck a fez constantemente a si mesmo naquele ano de tormento, sem uma
resposta clara. Fora para a Rússia numa época de crise em toda Europa Ocidental. Nos
primeiros dias de maio de 1859 tropas austríacas, exasperadas por ações provocadoras de
Cavour e do governo piemontês, cruzaram o rio Ticino e iniciaram um cauteloso avanço sobre
Turim; e menos de uma semana depois, Napoleão III, atendendo a um apelo de Cavour,
conduz um novo Grande Exército e entra no norte da Itália. As simpatias do príncipe regente,
em Berlim, estavam com os austríacos; falou-se em mediação armada por parte da
Confederação Germânica com o fito de deter a guerra. Bismarck tinha idéias diferentes.
Instou junto ao ministro do exterior, Schleinitz, para que buscasse tirar vantagem da situação,
“seja para mudar nossas relações com a Confederação, seja para conseguir nossa saída dela”;
já em 5 de maio propôs uma linha política mais aventurosa, que esboçou em carta particular
ao principal ajudante militar do regente. “A situação atual novamente nos permite tirar o
prêmio da loteria contanto que deixemos os austríacos atolarem-se em sua guerra contra a
França, e então marchemos ao Sul com todo o exército, levando em nossa bagagem os marcos
de fronteira e fincando-os junto ao Lago Constança ou onde quer que a fé protestante não
predomine mais.”112 Mas Guilherme não mostrou, em 1859, maior vontade de seguir essa
política que seu irmão cinco anos antes. Em junho, após a derrota austríaca em Magenta, o
regente deu ordem de mobilização de seis corpos de exército, ameaçando, no Reno, a França
enfraquecida. Bismarck quase não controlou sua fúria, e não a escondeu do Czar ou de
Gorchakov. Nenhum dos dois foi discreto e o príncipe regente, em Berlim, soube dos
comentários de Bismarck. Foi sua vez de ficar furioso. Chegou a considerar seriamente
chamar Bismarck de volta e demiti-lo do serviço diplomático113.

Dois acontecimentos salvaram-no de severa punição: o perigo da guerra geral diminuiu


quando Napoleão III e Francisco José firmaram um armistício em Villafranca; ao mesmo
tempo, o próprio Bismarck caiu seriamente doente. Até o inverno de 1858-59 sua saúde fora
ótima, inatingida pela constante intranqüilidade ou pelos excessos à mesa. Mas durante a
espera da aprovação do príncipe regente à sua designação para S. Petersburgo, começara a
ter dores reumáticas na perna esquerda. O cansaço fisico da viagem para S. Petersburgo e as
demandas da vida social em seu novo posto consumiram o restante de sua resistência. Ao
voltar de Moscou disse a Joana que estava sofrendo de lumbalgia; mas, como é freqüente em
suas cartas, falou mais a verdade para a irmã. A ela escreveu, em 29 de junho:

Desde que estive em Berlim, em janeiro, não tenho me sentido muito bem. De início, meu
reumatismo incomodou pouco, mas há cerca de dez dias a combinação de preocupações com
frio e com o clima geral levou-o a um pique em que só conseguia respirar com grande esforço.
O mal, reumático-gástricô-nervoso concentra-se em volta do fígado... Depois de ter-me sentido
a meio caminho desta para melhor, consegui convencer os doutores de que oito anos de
ininterrupta preocupação e excitação constante haviam-me enfraquecido os nervos e que mais
sangrias só iriam dar em tifo ou idiotice. Esta semana a doença venceu o ponto alto, e minha
forte constituição começa a recuperar-se rapidamente, agora que me foi receitado champanha
em quantidades moderadas... Não escreva com nenhum detalhe da doença para Joana114.

Estava bem mais doente do que admitia até mesmo a Malwine. Logo o sistema nervoso todo
foi acometido e a perna esquerda sofreu uma paralisia temporária. Em julho voltou a Berlim,
para tratar-se, seus males agravados pela negligência de um charlatão vindo da Alemanha, ao
qual fora recomendado em S. Petersburgo. Havia grande possibilidade de ter de amputar a
perna. O tratamento correto em Berlim, seguido de convalescença em Wiesbaden, salvou a
perna; e no outono ele já foi capaz de ir a Varsóvia para um encontro entre o príncipe regente
e o Czar, mas passou três horas na sela, dia 22 de outubro, na caça à lebre, em terreno difícil.
“Tudo transcorreu bem comigo”, rabiscou num bilhete a Joana115, Estava enganado: dez dias
depois, iniciou a lenta viagem de volta a S. Petersburgo, porém em Hohendorff, no dia 8 de
novembro, não agüentou mais, exausto, A respiração ficou pesada, os médicos diagnosticaram
pneumonia, Por alguns dias, segundo escreveu mais tarde, sentiu-se tão mal que “a morte
seria bem-vinda”. Ainda no Natal duvidava de recuperar forças suficientes para prosseguir em
sua carreira. Mas de repente, no Ano Novo, seus instintos políticos reviveram; e quando, no
fim de fevereiro, correu a notícia de que o príncipe regente estava à procura de um novo
ministro do exterior, Bismarck achou que sua convalescença estava concluída e voltou às
pressas para Berlim116.

Quase imperceptivelmente, o clima político mudara, nos dezoito meses precedentes. O


crescente sucesso dos liberais piemonteses, sob a chefia de Cavour, favoreceu a formação de
um movimento especificamente nacional-liberal na Alemanha setentrional (o Nationalverein)
que uniu moderados e democratas desejosos de ver estabelecer-se um estado alemão
constitucional com um soberano Hohenzollern. Bismarck acompanhara o crescimento do
Nationalverein com interesse, e não menos porque vários meses antes recebera em particular
a garantia de um de seus fundadores de que o movimento “teria a mais sincera satisfação em
que o senhor fosse nomeado ministro das relações exteriores”117. Em fins de março de 1860,
fez visitas de cortesia aos líderes do Nationalverein, em Berlim. Um comentarista político
comentou com ironia que "Bismarck está dizendo a quem quer que o queira ouvir que tem
sido malcompreendido, até mesmo caluniado, pois parece que é, no fundo, uma pessoa de
visão liberal". Curiosa situação. Bismarck chegou a visitar o Landtag, onde ouviu seu velho
adversário Vincke elogiá-lo como o persistente herói de uma Prússia independente da Áustria.
Não admira que se começasse a falar de um ministério de coalizão Vincke-Bismarck.

Não, porém, ao alcance do ouvido do príncipe regente. Guilherme ainda não confiava em seu
embaixador licenciado, mas dispunha-se a falar-lhe e sondá-lo. O regente recebeu-o duas
vezes no início de abril. Não se sabe o que foi dito, exatamente, em ambas as ocasiões. O
rumo geral das conversações foi distorcido por adornos posteriores, coisa comum na carreira
de Bismarck. Ele deve ter exposto planos para a revisão das características da Confederação
Germânica, e sugerido a convocação de uma assembléia parlamentar de todos os estados
alemães, idéia que desenvolveu num memorando a Schleinitz118. Era tudo radical demais
para Guilherme. Tampouco as opiniões de Bismarck sobre política externa eram sequer um
tanto mais tranqüilizadoras. Ainda que se eximisse de sugerir um entendimento com
Napoleão III, continuava a favor da cooperação russo-prussiana com o fito de mostrar uma
verdadeira independência de Viena. Esse sentimento podia agradar a Vincke e ao
Nationalverein, mas preocupava Guilherme. Seu ministro do exterior afirmava que Alexandre
II estava inteiramente acertado com Napoleão e que as possessões da Prússia no Reno
corriam o perigo de uma agressão neobonapartista. O fantasma de 1813-14 jamais se afastava
muito do pensamento de Guilherme, que reagia ao estímulo das palavras “Napoleão” e
“Renânia” como se fosse ainda um jovem oficial na Guerra de Libertação. Pela segunda
semana de abril, decidira-se a manter Schleinitz na função ao invés de arriscar-se a uma
mudança na política externa. Mas que raios fazer com Bismarck? Confiar-lhe, de volta, S.
Petersburgo? Devia ser designado para Londres, onde Palmerston tinha poucas ilusões quanto
aos franceses? Guilherme titubeou por outro mês, no fim decidiu (coisa muito comum) contra
qualquer mudança. No dia 5 de junho Bismarck reunia-se com a família na casa que havia
alugado no Molhe Inglês, em S. Petersburgo. Ausentara-se onze meses completos.

Quase todo o ano seguinte os Bismarcks viveram tranqüilamente no Molhe Inglês. O


embaixador percebeu que já não gozava da antiga posição privilegiada na Corte. Antes, era
festejado como homem influente: agora estava claro que suas sugestões políticas haviam sido
rejeitadas em Berlim. Na pátria, o Nationalverein decepcionara-se com seu fracasso em subir
ao poder e começou a atacá-lo pela imprensa. A todas essas, ainda se desprestigiou com os
antigos companheiros conservadores pela comentada simpatia por Napoleão e Cavour.
Grande parte de sua correspondência visou a corrigir essa impressão: afirmava que Napoleão
não merecia confiança, pois ninguém era capaz de predizer como reagiría ante qualquer
situação. “O supremo talento de Napoleão”, observou judiciosamente, “ é ocultar-se numa
nuvem de vapor tão espessa que ninguém saiba onde e quando será a aparição; talvez
permaneça envolto em vapor e gentilmente vá à deriva limbo a dentro”119. Nada justificava,
dizia ele, a expedição de Garibaldi a Nápoles - ato revolucionário que havia chocado
Alexandre II — mas opôs-se à proposta russa de um protesto diplomático conjunto em Turim.
“Posso estar errado”, escreveu Bismarck, “mas estou convencido de que a formação de um
forte estado italiano ao sul, entre a França e a Áustria, vem em favor da Prússia”120. Era da
opinião de que, se um reino italiano não houvesse passado a existir por obra de Cavour, teria
sido necessário que a Prússia um dia o criasse.

Semelhantes incursões na alta política foram rareando à medida em que Bismarck adaptou-se
à rotina da vida na capital russa. Desiludiu-o não recuperar a influência em Berlim. Estava
enfastiado, frustrado, e não quis mais um papel ativo na sociedade de Petersburgo. Existe
uma interessante descrição de Bismarck em janeiro de 1861, nas memórias de Friedrich von
Holstein, que chegou a S. Petersburgo naquele mês, como adjunto de terceiro escalão.
Holstein se avistara com Bismarck duas vezes, antes, e admirava-o, mas ficou desapontado
com “a frígida recepção” que teve. Nas palavras de Holstein:

Nessa época, Bismarck estava com quarenta e cinco anos, ligeiramente calvo, o cabelo claro a
ficar grisalho; não excepcionalmente corpulento; tez descorada. Jamais alegre, mesmo quando
contava anedotas engraçadas, o que só ocasionalmente fazia, em companhia mais chegada.
Total impressão de um homem insatisfeito, em parte hipocondríaco, em parte mal reconciliado
com a vida calma que levava, naqueles tempos, o representante prussiano em S. Petersburgo
... A negra melancolia de que Bismarck era presa tão freqüente, devia-se à tensão, tanto física
quanto mental... Quando ria, ria de alguém121.

Essas reminiscências foram escritas em janeiro de 1883, quando Holstein estava indisposto
com o Chanceler, e refletem o caráter rabugento do autor. No entanto, as cartas de Bismarck
deixam claro que o retrato feito por Holstein não era simples caricatura maldosa. Dez
semanas após a chegada de Holstein a Petersburgo, Bismarck desabafou com a irmã.

Readapto-me á vida aqui... e não busco modificar minha situação,.. Hoje em dia, a ambição de
ser ministro abandona um homem por muitas razões, não de todo apropriadas a uma
comunicação escrita. Estivesse eu em Londres ou Paris, viveria menos confortavelmente que
aqui e não teria maior voz no rumo da política... A freqüência diária à alta sociedade, evito-a,
já que não é de nenhuma vantagem para o serviço do rei e que não consigo dormir se me
deito muito tarde. É realmente impossível marcar presença antes das onze (da noite). A
maioria das pessoas chega depois das onze e sai às duas para ainda ir à ceia de alguém. Ainda
não posso enfrentar isso, talvez nunca mais possa, e isso não me preocupa porque o tédio de
uma reunião noturna é, aqui, ainda mais pesado que em qualquer outro lugar, já que existem
pouquíssimos temas e interesses em comum. Joana sai com mais freqüência, e responde
zelosamente cada pergunta sobre minha saúde, como a lançar o esterco necessário ao solo
estéril da conversação... Os mensageiros do rei não mais parecem viajar por aí. Há meses não
recebo do ministério despachos pelo correio diplomático, e o que chega via postal não tem
qualquer interesse 122.

Bismarck, certamente, não aparecia como competidor sério pelo poder, naquele verão de
1861. Seus ex-colegas do círculo do Kreuzzeitung apoiavam, em sua maioria, o general Edwin
von Manteuffel, primo do ex-primeiro-ministro e membro da “Camarilla”, ele próprio, em
1848-49. O general von Manteuffel, um absolutista resoluto de impecáveis convicções
conservadoras, era no momento o principal conselheiro militar do regente, seu “chefe do
gabinete militar”. Ao passo que Bismarck, ocasionalmente, ajustava seus princípios para obter
vantagem a longo prazo, o general desdenhava de quaisquer meias-posições. Confiante,
aguardava a hora em que o monarca apelaria para seu exército a fim de garantir o mundo
para a autocracia. Se Manteuffel possuísse instintos políticos mais profundos poderia ter sido
o primeiro soldado-estadista da Prússia, cabendo a Bismarck terminar sua carreira como
diplomata fracassado. Manteuffel, no entanto, tinha mais inimigos que aliados. A nenhum
comandante de nível mais alto agradava sentir sua carreira dependente de um assessor
militar confidente do soberano cujos heróis favoritos do passado tinham à frente Epaminondas
e Wallenstein123. Por tradição, o corpo de oficiais buscava a liderança do ministro da guerra,
função que, desde o fim de 1859, era exercida por Roon, o amigo de Bismarck. Embora Roon
tivesse colaborado com Manteuffel cerca de dezoito meses, no verão de 1861 já começava a
duvidar de seu bom senso e a desconfiar de suas ambições. Uma vez mais, Roon lançou
Bismarck como pretendente ao alto cargo: quaisquer defeitos que tivesse aos olhos dos
conservadores, pelo menos tinha experiência suficiente para não deixar a Prússia cair na
guerra civil.

No início de janeiro de 1861, o abatido Frederico Guilherme IV desapareceu de uma


Alemanha que já desaparecera de sua mente, e o regente foi proclamado Rei Guilherme I nas
terras da Prússia. No outono, seria coroado em Konigsberg: mas que modelo deveria seguir a
coroação? A despeito das mudanças constitucionais dos anos recentes, Guilherme fez saber,
em junho, que desejava dos Estados do Domínio vassalagem ao seu soberano como senhor
feudal. Os ministros da “nova era” que faziam parte do governo viram esse anacronismo como
tentativa de retomada da doutrina do Direito Divino, e ameaçaram demitir-se. Roon, porém,
não tinha a menor intenção de deixar o cargo, pois isso abriria caminho para a subida de
Manteuffel: muito melhor aconselhar-se com Bismarck, que devia vir de licença no verão. Mas
quando este chegou de S. Petersburgo o Rei Guilherme mudara de opinião, e a crise - se podia
chamar-se assim - acabara. A presença, na capital, de um animal político ativo como Bismarck
era inconveniente. Houve a proposta de que ele preparasse um memorando sobre a questão
germânica. O documento foi entregue ao rei em Baden-Baden no fim de julho e, com a
redação refeita, repassado aos principais líderes conservadores dois meses depois.

O “Memorial de Baden-Baden”, como ficou conhecido, era uma ampliação de planos para uma
assembléia representativa alemã que Bismarck esboçara dois anos antes124. A Prússia, dizia
ele agora, devia agir resolutamente no sentido de captar o florescente sentimento de
patriotismo germânico, apoiando a exigência “de uma assembléia nacional do povo alemão”.
Bismarck, pessoalmente, era a favor de um parlamento da Zollverein, com seus congressistas
escolhidos nos legislativos dos estados-membros da união aduaneira: dessa maneira não
havería representante da Áustria. Mais uma vez o rei considerou seriamente as propostas,
mas não gostou. Já estava em conflito com o Landtag prussiano, que reagia a intenção e às
tentativas de aumentar-se o exército profissional de tempo de paz; então, a perspectiva de vir
a apoiar um esquema de instituições parlamentares para a Alemanha toda não o agradava.
Em outubro o rei viajou a Konigsberg para sua coroação (cerimônia a que Bismarck
compareceu), mas não fez, nas conversações mantidas, qualquer referência ao Memorial de
Baden-Baden. Dia l.° de novembro Bismarck chegou de volta a S. Petersburgo. Para todos os
efeitos nada conseguira.

Mas a vida na Corte russa já não era a mesma. A Legação russa em Berlim fez chegar a
Gorchakov que Bismarck era “o próximo homem”. Imediatamente mudou sua situação. Passou
a ter uma posição à parte dos demais diplomatas, e a receber tanta atenção quanto nas
primeiras semanas de estadia. Era-lhe do maior agrado ser distingüido com intermináveis
conversas com Gorchakov, o mapa da Europa Central estendido à frente de ambos. Por outro
lado, segundo queixou-se a Malwine, tinha, agora, que fazer ainda mais visitas sociais,
exercício que considerava frivolidade e perda de tempo. Examinava constantemente os jornais
de Berlim, onde ia ficando evidente que o rei havia, enfim, rompido com os moderados da
“nova era”. Na véspera da coroação, Guilherme substituiu Schleinitz no ministério pelo Conde
Bernstorff, homem mais conservador e, até então, seu enviado em Londres. Não parecia que
fosse manter Bismarck por muito mais tempo “congelado em estoque”. Mas já na terceira
semana de janeiro de 1862 Bismarck ainda era capaz de afirmar à irmã que “a rearrumação
de funções não me causa entusiasmo”; e acrescentava, com laivos de lamento, “Há três anos
eu ainda teria sido um ministro útil, agora vejo-me como um cansado cavalo de salto”. Mesmo
assim, admitia agradar-lhe a idéia de sair de Petersburgo - “Sem tristeza ou alegria maior, iria
para Paris ou para Londres... mas se devo sair daqui gostaria de sabê-lo sem demora”125. Seu
desejo foi atendido. Em meados de março recebeu um telegrama chamando-o de volta,
embora nada dissesse sobre seu futuro imediato. Foi preciso mais de um mês para completar
as providências de transferência de responsabilidades em S. Petersburgo para um sucessor, e
só chegou de volta a Berlim em 10 de maio. Apesar disso ainda estava inteiramente às escuras
quanto às intenções do rei. Somente a ciência de que Roon o apoiava convenceu Bismarck de
que sua carreira não estava ameaçada.

Tinha razões para a incerteza. Na primavera de 1862 a Prússia via-se a braços com séria crise
constitucional: os liberais, durante mais de um ano, haviam recusado a aprovação de meios
financeiros para a reforma do exército, em boa parte por temerem que o plano proposto de
incorporar a milícia no exército regular aumentasse o poder da autocracia militar,
enfraquecendo o já tênue controle do executivo pelo parlamento. Uma semana antes do
retomo de Bismarck a Berlim, uma disputada eleição deu aos vários grupos liberais dois
terços das cadeiras do parlamento, deixando os conservadores escassamente representados.
O rei, que apenas quatro anos antes havia saudado a chegada da “nova era”, estava agora
totalmente desencantado com os liberais. Edwin von Manteuffel achou que soara a hora de
um golpe militar, mesmo ao risco de guerra civil; mas Guilherme não se decidiu, relutando em
deixar o crescente poderio da Prússia dissipar-se tão inutilmente. A seus olhos, o exército era
o Primeiro Estado do reino prussiano, mas instituição que deveria ficar independente e acima
da política do país. Ouvia as persuasivas palavras de Manteuffel sobre o dever militar e ia até
o fundo de sua própria consciência de soldado. Não era fácil encontrar uma resposta, mas
pelo menos num ponto ele estava decidido: nada o faria nomear Manteuffel chefe do governo.

Roon compartilhava das suspeitas do rei quanto a Manteuffel. A alternativa, sustentava ele,
era um ministério sob a chefia de Bismarck; e na terceira semana de maio Guilherme parece
ter pensado a sério nessa possibilidade. Mas o próprio Bismarck estava hesitante. Não estava
interessado na política interna. Ainda em S. Petersburgo, Schlözer falara a Holstein, com
desdém, sobre o hábito do chefe de ficar em pé até altas horas curvado sobre mapas abertos à
mesa, “ocupadíssimo em remodelar a Europa”. Estava fora de cogitações para Bismarck
aceitar o encargo se o rei quisesse apenas alguém para enfrentar os liberais. Numa carta a
Joana, em 21 de maio, Bismarck disse claramente haver informado seus defensores de que
somente aceitaria um governo se lhe fosse dado conduzir a política externa a seu modo. Ao rei
pareceu que isso seria uma solução tão perigosa quanto os planos de emprego de força de
Manteuffel. O ministro das finanças, August von der Heydt, convenceu o rei e Roon de que os
deputados liberais recém-eleitos eram bem mais acessíveis a negociações que seus
antecessores. Era mais ou menos consenso que nomear-se Bismarck para o ministério naquele
momento arruinaria todas as perspectivas de acordo. Muito melhor mandá-lo, de novo, para o
exterior. Em 22 de maio, por fim, disseram-lhe que ele talvez fosse para Paris como
embaixador. Antes de findar o mês, estava na embaixada, na Rue de Lille[1]126.

Pela terceira vez falharam as ambições políticas de Bismarck, mas isso não 0 desapontou. Os
jornais mencionavam-no como o próximo ministro do exterior e ele disse em confidência a
Joana que esperava permanecer em Paris “meses, apenas, talvez semanas”. No início de
junho, a Rainha Vitória reclamou da filha, a Princesa herdeira da Prússia, “você nada me disse
da nomeação de Bismarck para Paris”, acrescentando, preocupada, “Isso não irá causar muita
discórdia?”127 Não precisaria ter-se inquietado. O novo embaixador fora para a corte de
Napoleão III em reconhecimento, não em missão de intriga política. Desde 1857 não via o
imperador. Naquela ocasião Napoleão fizera a aparição de conspirador coroado, pronto a
trabalhar com qualquer prussiano que quisesse dar uma mão na reformulação do sistema
europeu. Era razoável que Bismarck desejasse descobrir se, depois da mobilização da
Renânia, em 1859, o imperador ainda estaria interessado no que pensavam dele em Berlim.

Bismarck jantou nas Tuileries uma semana depois de sua chegada à embaixada. Pouco havia
mudado: a imperatriz Eugénie estava ainda mais bela que antes; o imperador engordava, mas
estava mentalmente alerta, como sempre, seu pensamento abrangendo questões de política
européia e mundial. Sondou Bismarck sobre a questão polonesa (delicado assunto para
qualquer governante da França que buscasse relações mais estreitas com a Rússia e a
Prússia) e opinou que a Prússia deveria resolver seus problemas constitucionais por meio de
uma política vigorosa no conjunto da Alemanha. Isso tudo fazia muito sentido para Bismarck,
mas deu apenas respostas discretas aos comentários do imperador, pois não estava disposto a
abrir seu jogo aos franceses128. Três semanas depois, em Fontainebleau, Napoleão tomou
Bismarck pelo braço e interrogou-o, de surpresa, “Acha o senhor que o rei estaria disposto a
assinar uma aliança comigo?” Bismarck assegurou a Napoleão que confiava na boa vontade
de Guilherme para com a França, mas acrescentou, “Para uma aliança é preciso haver um
motivo, um propósito”; e o imperador explicitou que tinha em mente “um entendimento íntimo
e duradouro... não um projeto aventuroso”. “O senhor não pode fazer idéia das estranhas
propostas que tenho recebido da Áustria nestes últimos dias”, ajuntou insinuante129.

Bismarck estava muito bem treinado em assuntos de estado para engulir as estudadas
indiscrições de Napoleão. Reportou a conversa a Berlim sem dar-lhe muita importância,
comparando-se a José, a repelir os avanços da mulher de Pudfar: “Ele [Napoleão] tinha na
ponta da língua propostas de alianças altamente impróprias”, disse Bismarck a Bernstorff.
“Tivesse eu respondido favoravelmente, se abriria ainda mais claramente”. O embaixador
insistiu em que, pessoalmente, não recomendava o ajuste de um tratado formal com a França.
Foi bom ter destacado esse ponto, pois o rei tomou-se de ansiedade. “Diga-lhe”, disparou ele,
impaciente, a Bernstorff “que jamais consentirei numa aliança com a França”. Se Bismarck
guardava esperanças de ser chamado para o ministério, era essencial sepultar a velha
suspeita de que suspirava por uma tríplice aliança de França, Rússia e Prússia.

Embora Bismarck gostasse de comparecer às Tuileries e a Fontainebleau, não resta dúvida


que ainda desejava ser nomeado chefe do governo, naquele verão e nas condições que
impusera. O rei já o ultrapassara duas vezes: se agora não desse certo, melhor recolher-se a
Schönhausen e pôr em ordem seus negócios. Suas cartas a Roon não disfarçavam essa
ambição130. Mas as respostas não eram nada encorajadoras: o esforço de reconciliar os
Liberais com os ministros Conservadores parecia estar dando resultado; e Roon dispunha-se a
fazer concessões quanto à duração do serviço militar para acabar com o conflito entre os
chefes do exército e os deputados. Bismarck começou a perguntar-se se, afinal, teriam
necessidade dele no governo. Ficou extremamente intranqüilo, andava sem destino pelas
ruas, o passar dos dias a lhe entorpecer a confiança e a força de vontade. Achava que
entendia da política de poder mais do que qualquer outro diplomata prussiano; e estava certo.
Em Frankfurt, observara de perto os sucessores de Metternich em ação, avaliando seus
pontos fortes e suas fraquezas. Deixara S. Petersburgo dono de uma exata compreensão dos
dois homens, Alexandre II e Gorchakov. Em Paris, renovava as relações com Napoleão III e
seus ministros. Nada sabia dos novos personagens da Itália, ou dos turcos, mas atribuía-lhes
pouca importância para um prussiano. Era mais sério o fato de, muito embora conhecendo
tantos membros do serviço diplomático britânico, não ter estado na Inglaterra por mais de
vinte anos e não haver conversado política com nenhuma das grandes figuras de Westminster.
Pelo menos essa falha ele poderia consertar durante as semanas em Paris, à espera dos
acontecimentos. No final de junho aceitou um convite para passar cinco dias em Londres,
hóspede do ministro prussiano. Atravessava o Canal, supostamente, para ver as maravilhas da
Exposição Industrial. Na realidade, ia, como fora a Paris, para observar a cena política131.

Não o impressionou, o que viu. “Os ministros ingleses sabem menos sobre a Prússia que sobre
o Japão e a Mongólia, e não são mais espertos que os nossos”, escreveu a Joana132. Foi
recebido por Palmerston, o primeiro-ministro, e por Russell, o ministro do exterior.
Palmerston, num leve tom de superioridade, deu ênfase à necessidade de a Prússia estabilizar
seu sistema parlamentar. Russell falou sobre a questão polonesa e pareceu interrogar
Bismarck sobre política russa sem revelar, ele mesmo, qualquer informação. Bismarck teve
melhor impressão do líder da oposição, Disraeli, que conheceu num jantar na Embaixada
Russa; e Disraeli, por sua vez, não esqueceu mais a conversação tida com esse extraordinário
visitante que expôs, com a maior calma e confiança, de que maneira pretendia promover a
unidade germânica sob a liderança da Prússia, mesmo ao custo de uma guerra com a Áustria.
“Cuidado com esse homem!”, observou Disraeli naquela noite, “Ele realmente quer fazer o
que diz!”133

Politicamente, Londres apresentava mais vida que Paris, em pleno verão, ainda que, como
Bismarck reiterou a Roon, na volta, “o pessoal de lá sabe muito mais sobre a China e a
Turquia que sobre a Prússia”. De novo na capital francesa, descobriu que não tinha
“praticamente nada para fazer”. Cidade vazia e nenhuma notícia importante de Berlim.
“Minha única distração é ralhar com o cozinheiro”, contou a Joana. Para alívio seu,
permitiram-lhe tirar uma licença e no dia 25 de julho tomou o trem do meio-dia para o
sudoeste, numa visita aos Pirineus. Não voltaria a Paris até o final de agosto134.

Segue-se um dos mais curiosos episódios de sua história pessoal. Depois de uns dias na
Espanha, em San Sebastian, instalou-se no Hotel de l’Europe, em Biarritz. No dia 7 de agosto
chegou ao hotel o ministro russo em Bruxelas, Príncipe Nicolau Orloff acompanhado de sua
jovem esposa, Catarina. Bismarck tivera contato com Orloff em Frankfurt e em S.
Petersburgo: homem de trinta e cinco anos, que fora seriamente ferido em combate contra os
turcos, em 1854. Mas Bismarck jamais vira a Princesa que, embora fosse de nascimento uma
Troubetzkoi, criara-se na França e se casara com Orloff no ano anterior. Aos vinte e dois anos,
era extremamente bonita, loura, elegante, rosto eslavo, e Bismarck apaixonou-se por ela,
conforme admitiu numa carta à irmã135. O relacionamento foi sentimental e platônico: ele a
chamava “Kathy”, mas ela o chamava de “Tio”. O próprio Príncipe Orloff gostou da amizade e
permaneceu em excelentes termos com Bismarck para o resto da vida. Durante cinco semanas
daquele verão, Kathy Orloff foi o incentivo principal de sua existência. “Esqueci a política
inteiramente, nem leio jornais”, escreveu ele a Joana, três dias depois da chegada do casal.
No dia seguinte fez uma confissão ainda mais herética: “Agora só espero que não me chamem
para Berlim! Estou recoberto de sal marinho e sol... Voltou-me o antigo vigor... Oculto aos
olhos curiosos, à sombra de dois rochedos aveludados de estorga, olho o mar, verde e branco
de espuma. Ao meu lado, a mais encantadora das mulheres, de quem vais gostar muito
quando a conheceres; lembra imensamente Marie Thadden, mas com uma personalidade toda
dela - alegre, inteligente, delicada, bonita e jovem”136. Estranha carta, a ser escrita por um
marido, dos rochedos de Biarritz, para a mulher, na Pomerânia; mais estranha ainda, de um
homem que há quinze anos persegue o poder político e que o vê, enfim, ao alcance da mão.
De repente, parece esquivar-se a seu destino, buscando escapar à responsabilidade, como foi
tão freqüente em sua juventude. Joana disse a uma amiga que não tinha ciúmes, antes ficava
contente de que seu marido encontrasse uma companhia jovem que lhe trouxesse
tranquilidade e restaurasse a saúde; e é bem verdade que ele jamais iria escrever tão
abertamente de seu entusiasmo por Kathy se não soubesse que Joana entendería suas
privações137. Não estariam ambos, marido e mulher, enganando a si próprios? Ele
assemelhava Kathy à pessoa que ambos adoravam, Marie Thadden, mas logo introduzia a
ressalva na comparação, destacando a individualidade da russa. Pois Catarina Orloff- a
passear com ele “enquanto o sol mergulha no mar e a lua sai detrás dos Pirineus”, ou tocando
no piano para ele, todos os dias, Beethoven, Mendelssohn, Schubert -tinha muito pouco em
comum com a pietística Marie. Fisicamente, era com Isabella Loraine-Smith que Kathy se
parecia, não com Marie von Thadden.

Uma vez mais, como em 1837, Bismarck passou a dar apenas um mínimo de atenção às
obrigações oficiais do cargo. Quando sua licença expirou, ainda estava em Biarritz e não dava
o menor sinal de querer voltar a Paris. Os Orloffs viajaram no dia l.° de setembro e Bismarck
os acompanhou para leste, à Provence, os dias de ausência virando semanas, tal qual naquela
outra ocasião, um quarto de século antes. Mas era, então, um simples escriturário e sua
leviandade atingia apenas a ele mesmo: agora, encontrava-se nos umbrais do poder. Somente
ao chegar a Toulouse, no dia 12 de setembro, Bismarck deixou que seus pensamentos
voltassem de novo à política, respondendo uma carta que Roon enviara duas semanas antes.
Estava na hora de uma decisão sobre o futuro político, escreveu Bismarck, agressivamente;
desejava saber onde passaria o Natal: “Minha mobília permanece em Petersburgo e lá vai
congelar, minhas carruagens estão em Stettin, meus cavalos pastam nas cercanias de Berlim,
minha família está na Pomerânia, e eu, na estrada"138. Mas ainda relutava em voltar para
Paris. No dia seguinte equilibrava-se sobre um aqueduto romano na Pont-du-Gard, tentando
caminhar com Kathy, “pé ante pé, ao longo de um estreito ressalto”, até ficar tão perigoso que
“saí rapidamente atrás da princesa e, enlaçando-a com um braço, saltei dentro... de um canal
de um metro e meio de profundidade”139. Enquanto isso, naquela mesma sexta-feira, o rei
discutia com seu ministro da guerra a possibilidade de confiar o ministério a Bismarck. “Ele
quer uma aliança francesa, a favor da qual jamais estarei”, dizia o rei. Uma aliança francesa
não era, na realidade, a maior preocupação de Bismarck naquele instante.

No sábado, 14 de setembro, Bismarck despediu-se dos Orloffs em Avignon. Estes viajaram


para Genebra e ele seguiu norte, a Paris. Como presente de despedida, Kathy deu-lhe um
talismã de ágata que ficou na corrente de seu relógio para sempre, e colheu para ele um
raminho de oliveira que ele guardou na caixa de charutos140. Domingo pela manhã já estava
na Rue de Lille: o sentimentalismo, o romance, haviam ficado para trás, longe, na Suíça.

Entrementes, a prolongada crise entre o rei e o Landtag, na Prússia, chegara a um clímax. Ou


o soberano aceitava que o serviço militar dos conscritos passasse de três para dois anos ou os
deputados não aprovariam o orçamento militar. Durante três dias, Guilherme permaneceu
indeciso: Roon pensou que ele iria aceitar e preparou-se para apoiar um período de serviço de
dois anos. O ministro do exterior, Bemstorff, não acreditava nisso: passou um telegrama a
Bismarck, terça-feira, 16 de setembro, determinando-lhe que seguisse urgentemente para
Berlim. O embaixador estava ausente da capital, naquele dia. Viajara a Fontainebleau, para
apresentar seus respeitos à Princesa Troubetzkoi, em seu castelo de Bellefontaine, onde viu
com seus próprios olhos os bosques e parques em que Kathy passara de menina a moça. Não
pôde responder o telegrama de Bernstorff. No dia seguinte, finalmente, o rei firmou opinião a
favor dos três anos de serviço: o ministro das finanças, Heydt, e Bernstorff apresentaram seus
pedidos de demissão, inconformados; e o rei declarou que estava considerando abdicar. Roon,
que já havia recebido de Bismarck a carta escrita em Toulouse, preocupava-se com sua
prolongada ausência. Naquela noite despachou o famoso telegrama a Bismarck: Dépêchez-
vous; Periculum in mora141. A mensagem chegou à Embaixada na quinta, de manhã.
Bismarck não podia mais retardar seu retorno.

Na sexta-feira, 19 de setembro, tomou o trem diurno rumo ao leste. No dia seguinte desceu
em Berlim, “magro e queimado de sol como se tivesse atravessado o deserto num camelo”.
Saiu sem ser reconhecido e foi tomar café com Roon, que começou a atualizá-lo sobre a
evolução da crise. Havia muito que conversar, não apenas com Roon mas com outras figuras
políticas; eram onze da noite quando foi deitar-se. Sonhou, segundo disse a Joana, “com céus
do sul, rochedos e sombras de palmeiras”, pois recém fazia uma semana que deixara os
Orloffs. “Aí, acordei na Wilhelmstrasse para a cinzenta realidade de um dia úmido de
outono.”142

[1] Tecnicamente, Bismarck era o ministro prussiano em Paris, e a residência na Rue de Lille
continuou sendo legação até setembro de 1862, quando o nível da representação diplomática
foi oficialmente elevado ao grau de embaixada; mas Bismarck empregou a denominação
Ambassade de Prusse já em 28 de maio de 1862.
6. FERRO, SANGUE E LÁGRIMAS

Por toda a terceira semana de setembro de 1862, o Rei Guilherme esteve residindo em
Babelsberg, o castelo pretenso-gótico fronteiro a Potsdam, do outro lado do rio Havei.
Guilherme andava exasperado. Jamais compreendera por que motivo o parlamento se opunha
aos três anos de serviço no exército e ao aumento de gastos militares. No seu entendimento, o
controle e administração das forças armadas era prerrogativa real. A possibilidade de um
acordo com o parlamento, idéia examinada pelo ministro da guerra no início do mês, deixava-
o pasmo. Seus ministros preparavam-se para abandoná-lo, ao invés de fazerem frente ao
desafio dos deputados? Na quarta-feira, 17 de setembro, o rei comunicou a Roon que sua
decisão estava resolutamente tomada contra qualquer transação com os deputados. Antes de
desistir do princípio do serviço de três anos, renunciaria ao trono143. Não admira que Roon
passasse o telegrama a Bismarck.

Na quarta-feira de noite o rei convocou o príncipe herdeiro a Babelsberg a fim de prepará-lo


para a transferência da autoridade real. Durante a quinta e a sexta, houve (ao que descreve o
príncipe) “reuniões tempestuosas, terríveis, nas quais a abdicação aparecia como decidida”.
Porém, fato comum na história dos Hohenzollerns, as reuniões eram mais teatrais que
decisivas. No sábado, enquanto Bismarck era colocado a par das coisas por Roon, na
Wilhelmstrasse, a vinte e dois quilômetros dali, o rei e seu filho caminhavam pelas trilhas do
parque de Babelsberg, empenhados numa agitada conversação. Acontecia que, embora o
príncipe herdeiro não concordasse com seu pai sobre a necessidade dos três anos de serviço
militar, a prospectiva de sucessão iminente o perturbava. E alarmava-o verificar que seu pai
estaria abdicando por não conseguir impor sua vontade ao parlamento. O argumento de que
semelhante atitude desmoralizaria a Coroa foi suficientemente forte para fazer Guilherme
parar e pensar144. Afinal de contas, quem estava abandonando quem, na crise constitucional?

Para alguém com o caráter de Guilherme, um autocrata, guiado por um senso de dever
castrense, o problema resultava num conflito crucial de lealdades. Estava com sessenta e
cinco anos, tinha opiniões arraigadas, e não se pode dizer que fosse popular no país. Havia
muitos argumentos a favor de difundirem-se responsabilidades de governo a que jamais
aspirara e que não lhe despertavam ambição. Mas ele não queria trair o conceito de
autoridade divina, implícito nas cerimônias da coroação. O príncipe herdeiro, por sua vez,
também enfrentava um dilema. Com trinta e um anos, ainda era jovem o bastante para ser
vagamente liberal em sentimentos. Muitos dos seus amigos tinham idéias progressistas. Se
Guilherme abdicasse, o filho subiria ao trono em meio à eufórica expectativa de que a
monarquia prussiana sofresse uma transformação para o modelo inglês. Por certo, esta era a
esperança de sua mulher: “Se não aceitares”, declarou ela, profeticamente, “creio que vais te
arrepender um dia; de qualquer forma, não desejo carregar a responsabilidade de ter sido
contra”. Mas o príncipe não conseguia livrar-se do natural respeito pelo ordenamento
tradicional da sociedade. De coração, era tão absolutista quanto qualquer outro Hohenzollern.
Não aceitava o trono por obra e graça do parlamento. Quando deixou seu pai, naquela tarde,
ainda tinha esperança de poder infundir bom senso nos políticos, mas sabia que o rei tinha,
pronta, a minuta de um instrumento de abdicação.

O príncipe herdeiro e sua consorte podiam divergir na questão da abdicação, mas num
importante ponto estavam de inteiro acordo: nenhum lugar no ministério para aquele “tipo
desonesto”, o embaixador na França. “Se Bismarck vier”, escreveu a Princesa Herdeira
Vitória a seu marido, na tarde de sexta-feira, “sabemos onde iremos acabar. Há de nos
mergulhar a todos em imenso sofrimento. Não poderás evitá-lo?”; e, no dia seguinte: “Aceitar
Bismarck equivale a saltar nas águas mais profundas sem saber nadar!” Pelo menos quanto a
isso, “Fritz” achou que podia tranquilizar “Vicky”. Pelas observações finais do rei, estava
convencido de que o rei não confiaria a, Bismarck o ministério. Embora “tudo continuasse o
mais lamentável possível”, pelo menos não havería o desesperançado salto às águas fundas.
Naquela noite, em Berlim, o próprio príncipe herdeiro conversou com Bismarck, que lhe
pareceu delicadamente incomunicativo145.

No domingo, o rei recebeu de seus ministros um pedido por escrito de que não enfraquecesse
a Coroa pela abdicação. O pleito foi reforçado por um pungente apelo pessoal do ministro da
guerra. Uma vez mais Roon argumentou com o dever de um oficial, de combater e não
debandar. Mais na prática, disse ao rei da presença de Bismarck em Berlim e que ele havia
estado com o príncipe herdeiro. Guilherme surpreendeu-se: querería isso dizer, então, que seu
filho estava em intrigas com o junker de quem falara tão mal poucas horas antes? O fato é que
o rei concordou em receber Bismarck na manhã de segunda-feira (22 de setembro), no castelo
à beira do Havel.

Essa audiência em Babelsberg constitui uma peça ornamental guardada em relicário de lenda
histórica pela prosa rica do próprio Bismarck146. Pode-se ler sobre a escritura de abdicação,
no birô, pronta para a assinatura, sobre o sentimento de devoção por seu soberano, que
cresceu como uma onda dentro dele quando a perspectiva de formar um governo tornou-se
realidade, e sobre 0 memorando de oito folhas que lhe foi entregue pelo rei para estudo ao
caminharem juntos pelo parque. O senso de ocasião de Bismarck dá-lhe licenças a pena, e
existe um contraste interessante entre a narração dramática de suas memórias e o registro
breve e formal que, da conversa, Guilherme deixou para 0 príncipe herdeiro. No entanto,
aversão de Bismarck, com todos os retoques dados depois, soa autêntica. O rei disse ao
visitante que não lhe parecia possível permanecer no trono tendo de obedecer à vontade de
uma maioria parlamentar; Bismarck retorquiu assegurando que seria capaz de formar um
ministério e levar avante a modernização do exército e o sistema de serviço militar, se
necessário contra a vontade dos deputados. “Então é do meu dever continuar a luta”, disse,
por fim, o rei, “e não abdicarei”. Quando Bismarck ofereceu os préstimos a seu soberano da
maneira como um vassalo feudal o fazia a seu senhor, Guilherme rasgou em pedaços o
memorando em que estipulava as condições que era do seu desejo impor a qualquer novo
chefe de governo. Ao deixar Babelsberg o visitante, estava acertado que ele seria ministro
interino, recebendo os cargos de ministro-presidente e ministro do exterior mais tarde, tão
logo o rei completasse as formalidades exigidas por um câmbio de governo.

O príncipe herdeiro foi informado da escolha de Bismarck na manhã seguinte, cedo. Foi um
choque e uma decepção: “O povo vai imediatamente pressentir reação, surgirão
desconfianças de todos os lados, e pobre papai, causará a si próprio muitas horas difíceis por
conta desse sujeito desonesto.... Pobre mamãe, como sentir-se-á ofendida por esta nomeação
de seu inimigo de morte”, escreveu em seu diário, naquela terça-feira. As dúvidas tomaram
conta dele. Vicky, instintivamente, tinha razão: ele não devia ter-se esforçado para dissuadir
seu pai da abdicação. Só restava esperar, para ver quanto tempo duraria Bismarck como
primeiro-ministro até começar o papel ridículo.

Estranhamente, foi por um jornal que Joana soube da promoção de seu marido. Embora a
família se houvesse instalado em Schönhausen três meses antes, ela não o via desde meados
de maio. De repente, ficava sabendo pela imprensa que fora atirada para o primeiro plano da
vida política e, um dia depois, recebeu carta do marido dizendo-lhe que se aprontasse para
seguir para Berlim a qualquer momento e que decidisse se a família devia mudar-se para a
residência do ministro-presidente, na Wilhelmstrasse, 74, ou para o Ministério do Exterior, a
casa vizinha147. Era uma sorte para Bismarck que sua senhora se satisfizesse numa
existência doméstica em família. Uma mulher com ambições sociais e interessada nos
assuntos de governo — a mãe dele, por exemplo - acharia essa atitude intolerável.

Joana aceitou a notícia de que a Prússia iria ter um governo chefiado por Bismarck com sua
costumeira resignação fatalística. Outros mostraram mais interesse. De modo geral, o anúncio
foi recebido com frieza, dentro e fora do reino. Os liberais julgavam Bismarck por demais
subservientemente feudal. Aos velhos conservadores Bismarck parecia demasiadamente
desembaraçado; seu antigo protetor, Ludwig von Gerlach, escreveu em tom religioso a um
colega da Câmara Alta: “Seu catecismo o ensine que os santos mandamentos de Deus se
aplicam também aos estadistas e diplomatas”. Os russos estavam satisfeitos, os franceses
suspicazes, os ingleses hostis.

Muitos observadores negavam-se a levá-lo a sério: Friedrich Engels, que visitava a Alemanha,
escreveu alegremente a Karl Marx, a quem deixara em seu exílio ao norte de Londres: “A
nomeação de Bismarck foi recebida pela burguesia com gargalhadas. Aquela gente estava
incrivelmente confiante, temerária mesmo”. O próprio Marx não via chances maiores para o
novo ministro-presidente: “Bismarck foi, na realidade, nomeado por Bonaparte(e pela
Rússia)”, declarou148. O mais curioso é que muitos membros da Câmara Alta Prussiana
teriam concordado com Marx.

Bismarck sabia de seu isolamento. Era suficientemente astuto para não deixar-se apanhar por
líderes partidários rivais que desejavam convertê-lo a seus pontos de vista, mas as garantias
que dera ao rei em Babelsberg deixavam-lhe pouco espaço de manobra e barganha. Em
Berlim concluiu que podia contar com o apoio de Roon, dos amigos deste, e do próprio rei;
porém sabia que até mesmo esse apoio poderia ser minado pelas intrigas de outros membros
do corpo de oficiais e não estava muito certo do que iria acontecer quando o rei viajasse à
Turíngia ao encontro da rainha Augusta e da família do príncipe herdeiro. Havia, por outro
lado, o problema de Edwin von Manteuffel. Nos dias da nomeação de Bismarck o general
estava de licença; e regressou à Corte descontente com o que havia acontecido em sua
ausência. Bismarck, enquanto tentava convencer ministros experientes a fazerem parte de
seu governo, buscava também alguma embaixada ou legação, bem longe de Berlim, e sem a
importância suficiente para permitir a Manteuffel envolver-se na decisão política. Mas
passariam dois anos e meio até que Bismarck conseguisse arrancar Manteuffel de sua
privilegiada posição de chefe do gabinete militar do rei; e ainda então, o general continuou
muito ligado a Guilherme. Muito embora jamais fosse um crítico tão aberto de Bismarck
quanto os simpatizantes dos liberais na própria família do rei, Manteuffel continuou sendo,
potencialmente, o seu mais perigoso rival entre a oficialidade.

No entanto, nada havia, no caráter do governo que Bismarck formou, a que os oficiais
pudessem fazer objeções. Haviam receado que ele viesse a incluir liberais em seu ministério,
e ele, de fato, teve conversas surpreendentemente francas com um líder “progressista”, Karl
Twesten. Os militares não precisavam se preocupar: os próprios deputados virtualmente
tomaram impossível o acordo, no dia 23 de setembro, ao excluírem deliberadamente da
proposta de orçamento todos os fundos destinados a gastos militares. No fim da semana, o rei
era incapaz de pronunciar a palavra Landtag sem rugir de raiva, a tal ponto que suas
imprecações podiam ouvir-se do lado de fora das janelas fechadas do palácio. Bismarck não
teve escolha: formou um governo com ministros conservadores moderados. Afora Roon, que
permaneceu no Ministério da Guerra, era uma equipe pobre em distinção e personalidades.
Isto convinha ao ministro-presidente. Ele próprio nunca ocupara uma pasta ministerial e não
desejava perder em brilho para um gabinete só de talentos.

No dia 29 de setembro Bismarck fez uma breve visita à Câmara Baixa. Pronunciou curto
discurso, um tanto confuso, lamentando a hostilidade dos deputados ao orçamento e
insistindo na necessidade de algum progresso quanto aos planos do exército. Alguns
assistentes acharam que o novo primeiro-ministro, com sua voz aguda, incômoda e irritante,
estava nervoso, pouco à vontade; não causou boa impressão149. No dia seguinte, compareceu
à sessão da Comissão de Orçamento da Câmara, composta de umas duas dúzias de deputados.
A comissão escutava uma proposta de resolução do Deputado Max von Forckenbeck sobre as
verbas de 1863. Quando Bismarck levantou-se para responder a Forckenbeck, começou
destacando seu desejo de um acordo, mas logo, falando rápida e quase informalmente,
desenvolveu um tema bastante conhecido, não exatamente relevante para o que se discutia:
estava na hora de o povo da Prússia meditar sobre 0 uso que podia ser feito da força militar
do reino. “A Prússia”, disse ele, “deve reunir todas as suas forças, e manter esse poderio
alerta para o momento oportuno, que já várias vezes se perdeu; as fronteiras da Prússia, tais
como traçadas pelo Tratado de Viena, não favorecem uma tranqüila vida política; os grande
problemas da época serão resolvidos, não por meio de discursos e votações majoritárias-esse
foi o grande engano de 1848 e 1849-mas a ferro e sangue”150.

A famosa expressão, logo invertida no uso popular para “sangue e ferro”, surgiu, portanto,
num aparte de improviso e não como ponto culminte de um preparado exercício de oratória
política. Naquela noite, conversando em particular, Roon censurou Bismarck levemente por
haver incluído “digressões inteligentes” ao falar na comissão. Interessante notar que
Bismarck não se deu 0 trabalho de mencionar o discurso na carta que escreveu no dia
seguinte a Joana, e só quando os jornais fizeram sensacionalismo excitado sobre aquela
passagem foi que o ministro-presidente percebeu sua importância Insistiu em que apenas
expressava fatos da vida política e não estava anunciando o programa de ação de seu
governo. Liberais e progressistas de toda a Alemanha convenceram-se de que, naqueles
palavras provocadoras, Bismarck deixara aflorar seu verdadeiro caráter, e de que olhava a
guerra como solução natural dos problemas da Prússia. Heinrich von Treitschke, mais tarde o
grande historiador-patriota da Alemanha Imperial, mas na época um jovem de vinte e oito
anos, horrorizou-se com os relatos do discurso: “Você sabe quão apaixonadamente amo a
Prússia”, escreveu a seu amigo Wilhelm Nokk, “mas quando ouço um junker néscio como esse
Bismarck jactar-se do “Ferro e Sangue” com que pretende por a canga às costas da
Alemanha, vejo a grosseria da expressão ceder apenas ao próprio absurdo"151. Idealista
algum, por mais que anelasse a uma pátria alemã unida podia receber bem semelhante
invocação à força bruta.

O rei Guilherme passava aquela semana com a família em Baden-Baden e leu sobre o discurso
nos jornais. Pediu explicações a Bismarck mas não se satisfez totalmente com a afirmação de
que ele apenas pretendera enfatizar a necessidade de a Prússia manter um exército grande e
moderno. Guilherme inquietou-se. Augusta e Fritz teriam razão, afinal, na opinião sobre
Bismarck? Deveria ele ter seguido sua própria intuição e não atendido ao pleito de Roon?
Estaria já na hora de despedir Bismarck, antes que pudesse causar mal maior à Coroa? O rei
anunciou que voltaria a Berlim no fim da semana, sábado, 4 de outubro152.

Bismarck confiava dominar a tempestade. Naquela sexta-feira à noite, jantou com Kurt von
Schlözer, seu ex-segundo secretário em S. Petersburgo. “Tomamos muito champanha, o que
deu ainda mais rédea a sua língua já naturalmente solta”, anotou Schlözer. “Estava exultante
pela maneira como ia envolver todo mundo.” Disse a Schlözer que tinha esperanças de levar
Guilherme a aceitar o serviço de dois anos; que convencia a Câmara Alta de seu desejo de
uma fase de reação, ao mesmo tempo em que, na Câmara Baixa, agia “com intolerância num
momento, para logo depois,dar sinais de querer obter o resultado por mediação”; e que
pretendia levar os estados germânicos a crerem que o rei estava achando dificil “contrapor-se
ao cavourismo de seu novo primeiro-ministro”153. No dia seguinte Bismarck partiu para
interceptar seu senhor. Esperava que quando o rei chegasse de volta a sua capital, o
sentimento liberal, magnânimo, de Baden já ter-se-ia evaporado no bom, revigorante, ar
prussiano.

Encontrou-se com o rei no pequeno entrocamento ferroviário de Jüterbog, sessenta e cinco


quilômetros ao sul de Berlim. Guilherme estava só, num compartimento normal de primeira
classe, olhando tristemente a paisagem sem beleza daquele lugar mergulhado no crepúsculo
de um curto dia de outono. Não apreciou ser recebido por seu primeiro-ministro. Aquela
estória toda de "sangue e ferro” fazia-o pensar de novo no perigo de uma revolução iminente.
“Posso ver claramente como tudo vai acabar”, disse o rei. “Lá fora, na Opernplatz, debaixo
das minhas janelas, eles vão cortar a sua cabeça, logo depois a minha.” Mas Bismarck estava
preparado para essa argumentação; que morte pode ser melhor, perguntou, “ eu a lutar pela
causa de meu rei e Vossa Majestade pelos direitos que a Vós pertencem pela graça de Deus?”
Aos poucos, tocando o senso militar de Guilherme, Bismarck conseguiu levantar-lhe o espírito
de luta. Quando, por fim, o trem parou na plataforma de Berlim, tinham sumido de sua mente
as idéias de demitir o ministro-presidente154. A nomeação de Bismarck, originalmente
provisória, foi então formalmente confirmada. Tal como em Babelsberg, doze dias antes, ele
vencera os preconceitos íntimos de Guilherme por entender com agudeza a psicologia real.

Até aqui, tudo bem, mas havia limites no que era capaz de conseguir. Falara a Schlözer de
suas esperanças de um compromisso mútuo na questão do serviço militar. Isso era
insensatamente otimista. O rei nada faria que “enfraqueceste as tropas” e o general
Manteuffel fê-lo manter a palavra, apesar de Roon e Bismarck haverem montado um plano
engenhoso que mantinha, na forma, o serviço de três anos, permitindo às classes média e alta
pagarem a dispensa do terceiro ano, se 0 desejassem. A obstinação de Guilherme encontrou
igual obstinação no Landtag, Os deputados recusavam-se a aprovar o orçamento, a não ser
que os gastos com 0 exército fossem retirados da proposta. Bismarck viu-se com apenas uma
manobra possível. Fez passar o orçamento, com as provisões originais para o exército
incluídas, na Câmara Alta; depois declarou que, estando as duas casas em conflito sobre a
matéria, passava a ser responsabilidade do soberano resolver essa “omissão constitucional”,
autorizando as despesas com fundos do estado até que a Câmara Alta e os deputados
chegassem a um consenso. No dia 13 de outubro, Bismarck foi à Câmara e, em nome do rei,
declarou o Landtag em recesso. Estava decidido a mostrar que Guilherme podia, como
autocrata, governar sem sanção parlamentar. Três meses mais tarde, quando os deputados
puderam reunir-se de novo, encontraram o ministro-presidente impávido: “A monarquia
prussiana”, declarou, desafiador, em 27 de janeiro de 1863, “ainda não cumpriu sua missão,
ainda não se dispõe a aparecer como mero atavio ornamental em nosso tecido constitucional
ou a ser voz inativa no mecanismo de governo parlamentar”155. A Câmara Baixa permaneceu
como pouco mais que uma assembléia consultiva até o outono do ano de 1866.

A pausa de três meses no burburinho parlamentar, em fins de 1862, permitiu a Bismarck


concentrar-se na política externa. Tecnicamente, ele ainda era embaixador na França e, na
última semana de outubro, viajou de volta a Paris para a cortesia de apresentar a Napoleão III
sua carta de chamada. Superficialmente, a visita não foi mais que diversão. Passou o dia 30 de
outubro com Kathy Orloff, na propriedade dos Troubetzkoi, nas cercanias de Fontainebleau, e
recebeu-a, com o marido, para jantar, três dias depois; tentou - não com grande empenho, ao
que se percebe acertar o despacho de uma anágua de crinolina para Joana; e foi muito bem
recebido por Napoleão e Eugénie, numa audiência formal de despedida. Tão cordial foi o
encontro, que o jornal La France escreveu que o imperador havia conferido a Bismarck a Grã-
Cruz da Legião de Honra, estória rapidamente desmentida pelo pretenso condecorado. Já era
tido, em Berlim, como francófilo demais para não se preocupar156.

Mas a visita parisiense tinha um fim mais profundo. Os austríacos estavam querendo
modernizar a Confederação Germânica, reformulando-a de tal maneira que o controle de
Viena sobre a Dieta de Frankfurt fosse tão cerrado quanto no apogeu da época de Metternich.
Era assunto sensível para Bismarck, com seus nove anos de experiência nas lutas internas de
Frankfurt Tinha o maior interesse em descobrir como Napoleão III reagiría ante um conflito
armado entre a Prússia e a Áustria. Bismarck estava inquieto: naquele outubro Napoleão
dispensara seu ministro do exterior, Thouvenel, que sempre mostrara boa disposição em
relação à Prússia, reconvocando Drouyn de Lhuys para o Quai d’Orsay. Bismarck tinha Drouyn
na conta de grande defensor da cooperação franco-austríaca. Para Bismarck a troca de
ministros do exterior- em boa parte resultante da antipatia de Eugénie por Thouvenel - não
poderia vir em pior momento. Em 29 de outubro, conversou longamente com Napoleão, a sós,
em Saint Cloud e ficou com a impressão de que o imperador não se arriscaria a queimar os
dedos alinhando-se, quer com a Áustria, quer com a Prússia, num conflito exclusivamente
germânico. Mas embora Bismarck haja também visitado Drouyn várias vezes naquela semana,
ficou bem menos satisfeito com a maneira com que o ministro o recebeu157. Pois Drouyn,
outro diplomata veterano, não se deixou levar pelo estilo de seu visitante de preceituar em
política. Tal qual os adversários de Bismarck na Alemanha, estava disposto a esperar que ele
cometesse os erros.

Naquele inverno, pareceu que não teria de esperar muito. As primeiras incursões de Bismarck
na diplomacia foram pesadas. Estava convencido de haver chegado o momento decisivo na
disputa entre a Prússia e a Áustria pela hegemonia na Alemanha Ainda em Paris, alertou
Richard Metternich, o embaixador austríaco, que embora preferisse, como preferia, o bom
entendimento com a Áustria, recorrería a “ quaisquer meios, sem escrúpulos” para assegurar
a liderança prussiana na Alemanha do norte; e explorou com um líder dos exilados húngaros
as possibilidades de levantar a resistência magiar em caso de guerra. Um mês depois, em 5 de
dezembro, comentou com o enviado de Francisco José, em Berlim, que era tempo “de a
Áustria deslocar seu centro de gravidade da Alemanha para a Hungria”. Isto feito, prometeu,
daria inteiro apoio à política da Áustria na Itália e no sudeste europeu; mas se os austríacos
rejeitassem sua linha, a Prússia estaria ao lado dos franceses em qualquer crise européia
futura. Pouca surpresa, o ministro austríaco das relações exteriores, Conde Rechberg, negou-
se a levar a ameaça a sério. Antes de acabar o mês, Bismarck recebeu forte contestação de
Drouyn, avisando-o de que, no caso de um conflito germânico, os franceses buscariam
garantias para sua própria segurança “e para a paz na Europa”. Apenas os italianos
mostraram interesse na possibilidade de um acordo militar com a Prússia contra a Áustria; e
mesmo eles suspeitavam das intenções de Bismarck158.

Nas primeiras semanas de 1863 Bismarck trocou de tática, mudando a abordagem cada dia.
Ele cortejava os austríacos, ele os ameaçava, falava em atender-lhes os legítimos interesses e
comentava asperamente a maneira como qualquer inimigo da Áustria podia tirar vantagem
dos pontos fracos internos do império. Basicamente, esta combinação de doçura e
brutalidade, encanto realçado com intimidação, foi o método aplicado por Bismarck no auge
de sua carreira. Em 1863, porém, ele não era o chanceler de um império, mas o interlocutor
de parte de um reino que lentamente reorganizava seu exército e vivia atormentado por uma
crise constitucional crônica. É de notar que seu velho adversário, o Conde Thun, que esteve
com ele em Berlim no dia 4 de janeiro, saiu impressionado; já o ministro austríaco na Prússia,
Conde Alois Karolyi, conhecia bem demais a situação de isolamento do ministro-presidente
para levá-lo muito a sério. “É verdadeiramente incrível”, informava Karolyi, friamente, a
Rechberg, “como Herr von Bismarck muda rapidamente de uma posição extrema para outra,
diametralmente oposta”159.

Mesmo assim, ainda que tais métodos não conseguissem influenciar a política austríaca, era
bem mais difícil aos pequenos estados alemães resistirem à adulação prussiana. Quando, em
22 de janeiro, a proposta austríaca de reforma da Confederação Germânica foi colocada a
voto em Frankfurt, sofreu uma derrota por pequena margem. Bismarck parecia ter obtido o
primeiro sucesso. Seu ânimo estava elevado, naquela semana, e ele escreveu uma carta
alegre a Kathy Orloff, troçando de sua pouca sorte por ter de comparecer aos tediosos
debates da Câmara160. Com quatro meses no cargo, começava a adquirir nova confiança em
sua capacidade, igualando-a à confiança que sempre tivera em seu critério. Um único golpe
de mestre em política externa continha duas vitórias, humilhando os austríacos e rebaixando
os nacionalistas liberais em seu conflito estéril sobre minudências constitucionais. A ousadia
dera dividendos: agora seria a tentação para a beira do desastre. Um mês depois de seu
sucesso, derrotando a Áustria no voto em Frankfurt, ele estava a ponto de pedir demissão e
retirar-se para Schönhausen.

Um dia depois da votação de Frankfurt, chegou a Berlim a notícia de uma extensa insurreição
na “Polônia do Congresso”, a dependente remanescência de um reino, ligada desde 1815, em
união perpétua, à dinastia imperial russa. Uma rebelião nacionalista polonesa, do outro lado
da fronteira com a Rússia, era problema grave para o Governo de Berlim, sempre tão sensível
a qualquer distúrbio nas “Estremaduras Orientais” da Prússia. Bismarck tinha opiniões firmes
sobre o assunto, uma desconfiança dos poloneses tipicamente junker, atitude de um
colonialista a temer levantes nativos que possam destruir-lhe a propriedade. Muito embora
respeitasse os lavradores poloneses como bons trabalhadores, achava que, como povo,
corriam o perigo de corrupção pelos intelectuais urbanos que tanto desprezava[1]161. As
notícias de que o exército russo fora chamado a enfrentar os rebeldes deixou-o ansioso por
mostrar o grande interesse da Prússia na questão polonesa. É quase certo que exagerou.
Quatro corpos de exército prussiano foram imediatamente concentrados em redor de Posen e
na Prússia Ocidental; e na primeira semana de fevereiro o general Gustav von Alvensleben foi
enviado a S. Petersburgo para discutir a ação comum do exército prussiano e do exército
russo contra os insurgentes162.

Anos depois, Bismarck comprazia-se em descrever a Missão Alvensleben como o núcleo ao


redor do qual construiu sua política de equilíbrio e contrapesos: foi ela, afirmou, a
consolidação da amizade entre Berlim e S. Petersburgo, sem a qual a Prússia não ousaria ir à
guerra no sul e no ocidente. A lenda é exagerada. A Rússia não precisava de auxílio da
Prússia, em 1863: Gorchakov não gostou da interferência de Bismarck; e Alexandre II ficou
atrapalhado com a chegada do conselheiro de seu tio, a quem não desejava ofender. Os russos
prepararam um convênio de colaboração entre os dois exércitos para cercarem e prenderem
os rebeldes poloneses, em cada lado da fronteira; e no dia 8 de fevereiro Alvensleben o
assinou, com a inserção de um artigo secreto pelo qual os dois governos passariam a trocar
informações sobre as conspirações políticas polonesas. Oficialmente, declarou Bismarck, o
Convênio Alvensleben foi “simples medida policial”163.

A Europa, no entanto, entendeu diferente [2]. Os émigrés poloneses em Paris e Londres


levantaram uma grande corrente de opinião favorável aos insurrectos. A opinião pública em
Paris exigiu algum sinal de simpatia bonapartista pela Polônia. Napoleão III ficou num dilema:
não desejava pôr em perigo a frágil entente estabelecida com a Rússia após a Guerra da
Criméia; mas não podia ignorar a pressão combinada de facções da corte e de grupos da
capital. Drouyn ofereceu-lhe uma solução: agir contra a Prússia, como instigadora do
convênio de repressão, e não contra a distante Rússia. No fim da terceira semana de
fevereiro, os franceses abordaram os austríacos e os ingleses em favor de um protesto
conjunto em Berlim. A possibilidade de tal frente bastou para desfazer tudo que Bismarck
conseguira em seus quatro meses no cargo. Havia muitos anos, um chefe do governo
prussiano não ficava tão só. Mesmo o rei, ainda que continuasse um firme apoio de
Alvensleben, estava surpreso com a reação surgida em toda parte. Na segunda-feira, 23 de
fevereiro, tudo indicava que Bismarck ia renunciar; mas o rei não pensava assim. Mandou
dizer que era obrigação do ministro-presidente arrancar a Prússia do embrulho da política
que ele mesmo criara.

“Nosso caro Bismarck comete erros palmares”, comentara Alexandre II no dia anterior, com
certa satisfação164. No fim da semana, Bismarck afirmava que o Convênio Alvensleben “não
tinha significado prático”, já que não seria necessário auxiliar a Rússia. Os franceses e os
austríacos não se sensibilizaram, mas os britânicos, havendo já protestado em Berlim,
decidiram não prolongar a tensão com a Prússia e voltaram-se para a origem verdadeira do
problema. As três Potências apresentaram uma série de notas em S. Petersburgo protestando
contra a ação política russa na Polônia. Por momentos esse alinhamento trouxe lembranças da
Guerra da Criméia, destacando, assim, que a Rússia necessitava da amizade prussiana. Ainda
que a Prússia não quisesse lutar, a neutralidade benevolente constituiría uma barreira
geográfica entre o Ocidente e os domínios do czar. Bismarck, mesmo com toda a sua
impetuosidade, era, para os russos, artigo europeu de primeira necessidade. No início de
junho, quando surgiram conversações sobre uma aliança formal russo-prussiana, ela
recobrara sua posição de pivô nos assuntos da Europa; mas deveu esse feito tanto à sua
obstinação em agarrar-se ao cargo quanto ao velho agrupamento do caso da Criméia. Não se
pode dizer que merecesse tão boa sorte.

Embora seu prestígio internacional estivesse a salvo, Bismarck ainda não superara a
hostilidade dos deputados por meio da vigorosa política externa. A sessão do Landtag
arrastou-se pelos primeiros cinco meses do ano. Tanto liberais como conservadores apoiavam
a política comercial de Bismarck, saudando o tratado de livre comércio com a Bélgica como
novo sinal da independência prussiana de qualquer projeto, patrocinado pela Áustria, de
reforma da economia alemã. Mas quanto à questão do orçamento não houve progressos.
Bismarck anunciou que se a Câmara recusasse a votar as verbas “nós tiraremos o dinheiro de
onde o encontrarmos” e começou a eliminar do funcionalismo civil prussiano os partidários da
oposição parlamentar. “Esse miserável B. não se deterá em sua doida carreira até arruinar o
rei e meter o país nas mais perigosas dificuldades”, escreveu a princesa real a sua mãe, a
Rainha Vitória, em meados de maio165. No fim do mês houve agitação na Câmara, os
deputados queixosos - com razão - de que Bismarck cerceava seu direito de interpelar
ministros. A imprensa liberal apoiou os deputados. No dia 27 de maio, Bismarck suspendeu
outra vez a sessão do Landtag; e três dias depois, um Decreto de Imprensa baniu publicações
capazes de atingir o prestígio e reputação da Coroa, do Estado e da Igreja. O príncipe
herdeiro protestou junto a Bismarck e ao rei contra a tentativa de estabelecer-se uma
ditadura real; e sua esposa quis “que Fritz viesse a público” em oposição a Bismarck. No dia 5
de junho o príncipe real compareceu a uma revista de tropas em Dantzig, seguida de recepção
cívica. O burgomestre, no discurso de saudação, declarou que a cidade estaria numa
disposição muito mais festiva, não fora a consternação causada pelo Decreto de Imprensa; e o
príncipe herdeiro, em resposta, falou de seu espanto ante o decreto e eximiu-se de qualquer
responsabilidade por ele. Naquela noite, anotou em seu diário, “Reconhecí abertamente que
sou um adversário de Bismarck e de suas desastrosas teorias, mostrando, assim, ao mundo
que não concordo com sua política e não a aceito, sequer”166. Era o mais perto de uma
declaração de guerra a que podia chegar o príncipe real contra o principal ministro de seu
pai.

O rei enfureceu-se. Havia na família Hohenzollern uma tradição de conflito entre as gerações
que datava da época do Grande Eleitor. Guilherme, no entanto, sempre mostrara simpatia
pelo filho, embora às vezes o increpasse de tomar o partido da rainha nas brigas de família
que davam animação à Corte prussiana. Mas o discurso de Dantzig fora longe demais: os
conselheiros militares do rei firmaram o ponto de vista de que o príncipe herdeiro havia
infrigido o código de conduta de oficial da ativa e recomendaram fosse sentenciado a um
período de confinamento numa fortaleza. Bismarck não concordou: o fato de Manteuffel estar
soltando fogo e fumaça de raiva bastava para fazê-lo advogar comedimento. Além do mais,
não queria aumentar a popularidade do herdeiro do trono, perseguindo-o. Aconselhou o rei a
escrever ao príncipe com uma repreensão formal. Mas o descontentamento de Guilherme não
impediu que o príncipe enviasse um protesto solene a Bismarck, no fim de junho, verberando
a maneira como os ministros do rei menosprezavam a constituição. “Ajuventude não tem
cuidado na escolha das palavras”, anotou Bismarck, com indiferença, à margem.

A carta do príncipe herdeiro foi recebida por Bismarck em Carlsbad, aonde acompanhara o rei
para uma estação de águas. Naquele verão ele não parecia gostar que Guilherme saísse de
sob seus olhos; muito natural, pois o rei visitou lugares em que a política prussiana era pouco
apreciada. Em Gastein, dia 2 de agosto, Guilherme encontrou-se com Francisco José, que
convidou o rei para comparecer a um “congresso de príncipes” que iria presidir em Frankfurt-
sobre-o-Meno. O tema principal do congresso seria um plano austríaco para reformar a
Confederação Germânica, o qual previa uma diretoria executiva de seis soberanos alemães e
uma assembléia de delegados, eleitos indiretamente pelos estados-membros. A comunicação
sobre o congresso apanhou Guilherme de surpresa, ainda mais porque Francisco José
propunha a sessão de abertura para o dia 16 de agosto, daí a menos de duas semanas.

Guilherme contemporizou, mas Francisco José ficou com a impressão de que ele não se
opunha ao projeto167. Bismarck, porém, foi resolutamente contra. Os votos em conjunto da
Áustria e dos estados alemães do sul, em qualquer assembléia eleita, dariam poucas chances
de predominância prussiana nos negócios germânicos. Bismarck sentiu que não conseguiría
convencer o rei de que o congresso era uma armadilha; partiu, então, para a linha mais difícil
de convencê-lo de que o convite era um insulto. Ponderou que Francisco José, informalmente,
havia procurado o rei a tratar-se em águas de uma estância austríaca, e que tê-lo avisado em
cima da hora de um “congresso de príncipes” significava dar tempo muito escasso ao
governante da Prússia para o preparo de um encontro de tal importância. Guilherme tinha
idade para lembrar-se da desconsideração feita a seu pai por Napoleão I e da amarga
humilhação do Congresso de Dresden em 1812, e era irracionalmente sensível a respeito.
Para alívio de Bismarck, ele declinou do convite de Francisco José: não parecia muito provável
que os príncipes pudessem improvisar um plano para a Alemanha por cima do desinteresse da
Prússia.

Enfim, os monarcas também pensaram assim. Tão logo abriu-se o congresso, enviaram o rei
da Saxônia a Guilherme com uma solicitação unânime de que mudasse de idéia e a eles se
reunisse em Frankfurt. Isso colocava o problema de forma totalmente diversa para Bismarck.
Agora já não poderia argumentar que seu rei fora insultado. João da Saxônia era um homem
por quem Guilherme tinha “afeição e respeito” (nas próprias palavras de Bismarck).
Guilherme deixara o solo austríaco e encontrava-se em Baden-Baden, onde o congresso
contava com apoio. Frankfurt distava apenas cento e quarenta quilômetros, três horas de
trem. Sentia-se induzido a ir, afinal. “Trinta príncipes reinantes e um rei de mensageiro!”,
repetia. “Como posso recusar?” 168 Bismarck mudou de argumentação: se o rei fosse a
Frankfurt e aceitasse as decisões do congresso, alegou, estaria abrindo mão da independência
do Exército Prussiano e reconhecendo a derrota na luta com os deputados, já que não havería
necessidade de levantar fundos para uma nova força de combate se os regimentos do rei
apenas marchariam como meros auxiliares Confederados. Foi até a meia-noite para convencer
Guilherme de que devia manter sua recusa anterior. Os nervos de ambos estavam a ponto de
estourar. No fim, a tensão foi demais para Guilherme: assinou uma carta ao Rei da Saxônia
recusando-se a ir a Frankfurt; e Bismarck deixou-o soluçando insopitavelmente sobre o sofá.
Mas ele próprio não estava em melhor forma: suas pernas tremiam; perdera a tal ponto o
autocontrole que arrancou a maçaneta da porta ao sair, e ao chegar a seus aposentos
arremessou contra a parede um jarro de vidro, espatifando-o. “Eu precisava rebentar alguma
coisa”, disse a um atônito secretário. “Agora já posso respirar de novo.”169 O Congresso de
Príncipes não chegaria a coisa alguma de valor permanente.

Foi para Bismarck uma vitória negativa» um triunfo contra Fúria e Lágrimas, mas não à custa
de Ferro e Sangue. Estava ele satisfeito? Os testemunhos das pessoas mais próximas
mostram-no triste e totalmente solitário. Revela-se, como sempre, em sua correspondência
com a família» e agora também com Kathy Orloff. Há pouco da fanfarronice e do escarcéu de
outros tempos e trata muito de sua insônia e constante dor de cabeça. Pequenas atenções o
cativam: o cumprimento de alguém que conheceu em Frankfurt ou em Petersburgo; pedidos
de fotografias autografadas; até mesmo um gesto amistoso de quem ele tivesse na conta de
inimigo, especialmente o príncipe herdeiro e a mulher. Nas cartas a Kathy Orloff podemos ler
de sua imensa satisfação por a Corte haver lembrado de convidar seus filhos para o primeiro
“baile a fantasia” a que compareciam, e de como Herbert von Bismarck e o irmão estiveram
nas celebrações do quarto aniversário do futuro Kaiser, vestidos de “marinheiros da esquadra
inglesa”; e de seu desejo de escapulir da realidade uma vez mais, como nos Pirineus e na
Provence, no outono anterior170. Escreve cheio de sentimentalismo a seu amigo Motley,
pedindo-lhe que venha a Berlim, uma carta apressada, meio em inglês, meio em alemão,
rabiscada num momento em que o sono lhe fugiu. Às vezes detestava todo aquele negócio de
política. No aniversário da famosa e decisiva entrevista de Babelsberg, seu secretário
encontrou-o curvado de cansaço. “Você sabe duma coisa”, comentou Bismarck com amargor,
“parece que neste ano envelheci quinze anos. As pessoas são muito mais imbecis do que
jamais pensei que fossem”171.

[1] Em 26 de março de 1861 Bismarck escrevera de S. Petersburgo à irmã: “Maltratemos os


poloneses ao ponto de desesperarem da vida; tenho a maior compreensão pela situação deles,
mas se queremos existir nada resta a fazer senão destruí-los; o lobo também não pode deixar
de ser como Deus o fez, ainda assim nós o matamos, sempre que podemos”. (Bismarck, Die
Gesammelten Werke, XIV (i), n.° 815, p. 568). Este trecho é freqüentemente citado como
prova do ódio de Bismarck aos poloneses. Deve-se levar, porém, em conta que se trata do
extrato isolado de carta particular a uma pessoa da família. Sua atitude pública jamais foi
assim hostil: ele “arranhava” um pouco de polonês; e, anos mais tarde, horrorizou o príncipe
herdeiro e esposa com a sugestão de que seus filhos maiores deviam aprender polonês, num
gesto de boa vontade com a mais importante minoria lingüística da Prússia.

[2] Foi durante a crise causada pelo Convênio Alvensleben que Bismarck perguntou
orgulhosamente ao embaixador britânico em Berlim, “Que é a Europa?”; e recebeu a
significativa resposta, “Várias grandes nações”.
7. OS DUCADOS

A insurreição polonesa e o Congresso de Príncipes não foram as únicas questões a exaltarem


o sentimento patriótico alemão em 1863. Superando ambos os pontos havia o problema
perene de Schleswig-Holstein, a região de ricas terras agrícolas e de charnecas estéreis que
separa o curso inferior do Elba da península dinamarquesa da Jutlândia. Antes que acabasse o
ano a questão de Schleswig-Holstein ficou tão séria que passou a determinar cada golpe, cada
expediente, da diplomacia de Bismarck, permitindo-lhe consolidar a posição da Prússia na
Alemanha Setentrional bem como o controle dele próprio sobre o centro de poder em Berlim.
“Schleswig-Holstein - a campanha diplomática de que mais me orgulho”, comentou ele,
quatorze anos depois172.

Durante muitos séculos os Ducados gêmeos de Schleswig e de Holstein foram governados


pela Dinamarca. Esse arranjo funcionou bem durante as guerras napoleônicas e foi
confirmado pelo acordo de Viena de 1815, que acrescentou o pequeno Ducado de Lauenburgo
aos territórios do rei da Dinamarca. Tanto no Holstein como em Lauenburgo a população era
esmagadoramente alemã; a região sempre fizera parte do Santo Império Romano Germânico;
era, portanto, natural que o soberano dinamarquês fosse reconhecido como membro da
Confederação Germânica, na sua condição de governante do Holstein. Já Schleswig continha
mais vilas e aldeias dinamarquesas que alemãs, e nunca foi membro da Confederação
Germânica, embora o sul do ducado fosse praticamente tão alemão quanto Holstein. No fim
da década de 1840 um movimento nacionalista dinamarquês quis anexar, simplesmente, os
ducados. Essa disposição provocou forte reação na Alemanha e a “luta contra a agressão
dinamarquesa” tornou-se slogan de cruzada em 1848. Na primavera de 1852 uma acordo de
acomodação foi feito pelos seis estados europeus mais interessados na estabilidade da região.
Pelo tratado de Londres, de 8 de maio de 1852, os governantes de Áustria, França, Grã-
Bretanha, Rússia, Prússia e Suécia comprometeram-se a manter a integridade da monarquia
dinamarquesa, mas no entendimento de que Holstein e Lauenburgo continuariam a gozar de
seus direitos e privilégios tradicionais. Concomitantemente, o tratado buscou acertar o
problema da sucessão dinamarquesa. O rei, Frederico VII, era a última pessoa do sexo
masculino da Casa de Oldenburgo, que havia quatro séculos ocupava o trono da Dinamarca.
Os seis signatários do tratado decidiram reconhecer o direito de sucessão à Coroa
Dinamarquesa do Príncipe Cristiano de Glücksburgo, pretendente colateral casado com uma
prima de Frederico. A pretensão do Príncipe Cristiano era questionada pelos habitantes de
Schleswig-Holstein com base em que os ducados sempre haviam aceito a validade da lei
sálica, que denegava direitos à soberania derivados de herança pelo lado feminino. Daí os
alemães de Schleswig-Holstein defenderem que o herdeiro dos ducados não era o Príncipe
Cristiano, mas sim o Duque de Augustenburgo, descendente direto de um dos primeiros
governantes do século dezesseis na Dinamarca, Cristiano III. Embora a família Augustenburgo
houvesse alimentado esperanças de herdar os ducados em 1848, o Tratado de Londres
parecia ter liqüidado essa possibilidade.

E teria mesmo, não fosse a pressão constante dos nacionalistas dinamarqueses por toda a
década seguinte. A questão do Schleswig-Holstein, ao invés de desaparecer, ferveu em fogo
lento por onze anos, até entrar de novo em ebulição devido a um ato duro de Frederico VII da
Dinamarca. Na derradeira semana de março de 1863, o rei anunciou uma constituição
unitária para seu reino, a qual acabava sumariamente com as franquias tradicionais de
Schleswig e mutilava os direitos de Holstein e Lauenburgo. Imediatamente, houve um
alvoroto na Alemanha; os dinamarqueses, dizia-se, queriam assimilar a minoria germânica
(que, na época, constava de uns trinta por cento da população total do reino da Dinamarca em
conjunto). Houve manifestações populares por toda a parte, na Alemanha, discursos
inflamados, violentas denúncias de tirania danesa. “Os alemães do norte estão zangadíssimos
com essa questão infeliz’’, escreve o velho Rei Leopoldo dos Belgas a sua sobrinha em
Windsor173. Nenhum homem público em Berlim - ou Frankfurt, Dresden, Viena - podia
ignorar um símbolo tão emocional da honra nacional como o destino dos ducados. O rei
Frederico vacilava em ratificar a constituição. A tensão foi demais para ele. Em 15 de
novembro, faleceu repentina e inesperadamente. O príncipe de Glücksburgo foi proclamado
Rei Cristiano IX e deu, imediatamente, seu assentimento formal à nova constituição. A crise
então entrou em exaltação máxima; a assembléia local do Holstein recusou-se a jurar sujeição
ao senhor da Dinamarca e apelou à Dieta da Confederação Germânica em Frankfurt para que
reconhecesse Frederico de Augustenburgo como Duque de um Schleswig-Holstein-
Lauenburgo independente.

Muitos dos governantes alemães menores reconheceram a acessão de Augustenburgo. Esse


novo “jovem Pretendente” era um dos seus: vivera em Gotha e estudara em Bonn, onde fora
amigo do Príncipe Herdeiro prussiano. Era apoiado pela imprensa liberal na Alemanha e pelo
Nationalverein. Guilherme da Prússia gostava dele e simpatizava com sua causa; idem a
Rainha Augusta e o príncipe e sua esposa; coisa rara, a Corte prussiana apresentar-se tão
unida. Mas a Dieta de Frankfurt relutava em apoiar Augustenburgo sem antes saber a opinião
dos austríacos e de Bismarck. Com os austríacos ainda ressabiados do fiasco do Congresso de
Príncipes, ninguém acreditava que as duas Grandes Potências rivais pudessem atuar em
conjunto.

Bismarck tinha experiência de primeira mão nas sutilezes da questão de Schleswig-Holstein.


Houvera longas disputas com a Dinamarca sobre os direitos dos holsteinenses, entre 1855 e
1858, quando ele fora enviado prussiano em Frankfurt. Naquela época, recomendara ao
Governo prussiano manifestar-se resolutamente em favor da honra nacional germânica mas
não tomar nenhuma atitude decisiva contra os dinamarqueses até estar seguro de que a
Prússia obteria alguma vantagem tangível pela imposição de uma solução174. Quando a crise
explodiu na Alemanha em novembro de 1863, a posição de Bismarck não foi diferente. Achava
tolice ser empurrado à guerra contra a Dinamarca pela causa de um ídolo liberal do
Nationalverein. Não enxergava nenhuma vantagem para a Prússia no surgimento de um
Schleswig-Holstein independente, cujas fronteiras chegariam à foz do Elba e aos arrabaldes
de Hamburgo: politicamente, o novo estado poderia inclinar a balança interna da
Confederação em favor da Áustria e a posição geográfica dos ducados talvez prejudicasse o
crescimento do comércio marítimo prussiano. Além disso, Bismarck tinha grande
sensibilidade para a política de grande potência. A Prússia, em conjunto com a Áustria, era
signatária do Tratado de Londres, que reconhecia os direitos de Cristiano de Glücksburgo e
ignorava a pretensão de Augustenburgo. Uma vez que a nova proposição constitucional
dinamarquesa contrariava o tratado, era melhor, por todos os motivos, aparecer como
mantenedora estrita da lei internacional, colocando assim em desvantagem moral os
defensores da Dinamarca que surgiam por toda parte. Tal atitude convinha também aos
austríacos. Francisco José e seu ministro do exterior, Rechberg, não podiam ignorar o alarido
popular da Alemanha, mas não lhes agradava apoiar Augustenburgo porque sua instância
baseava-se numa forma de autodeterminação nacional, princípio de aceitação totalmente fora
de cogitações na Viena dos Habsburgos. Foi um descanso para Rechberg saber que Bismarck
era tão suavemente razoável quanto ao caso do pretendente Augustenburgo: a 28 de
novembro, os enviados da Prússia e da Áustria em Frankfurt declararam-se formalmente
favoráveis à exata observância do Tratado de Londres. Nunca, até então, haviam os
diplomatas austríacos acompanhado de maneira tão cordata uma linha política traçada por
um estadista prussiano.

O pobre Rei Guilherme não entendia. Apenas quinze semanas antes acontecera aquela cena
lacrimosa em Baden-Baden, quando lhe pareceu que os Hohenzollerns e os Habsburgos
jamais poderiam voltar a agir em concerto; agora Bismarck advogava que se arreassem numa
parelha a Prússia e a Áustria em defesa de um tratado que era humilhante para todos os bons
alemães. Pouca gente na Prússia - e ainda menos fora do reino - percebia que a iniciativa
diplomática estava, agora, nas mãos de Bismarck. Presumiam que a declaração de posição
feita em Frankfurt devera-se principalmente à insistência dos austríacos. Foi com imensa
surpresa que o velho amigo de Bismarck, Moritz Blanckenburg, escreveu a Ludwig von
Gerlach na primeira semana de dezembro, “Poder-se-ia dizer que hoje em dia a sede do
ministério de Viena está situada na Wilhelmstrasse, em Berlim”175. Os velhos conservadores,
tão convencidos que andavam de que Bismarck estava a proceder levianamente com relação a
seus princípios, não cabiam em si de contentes ante esta revelação do acordo austro-
prussiano.

Entrementes, houve em Frankfurt uma gigantesca manifestação popular de apoio a


Augustenburgo. Muito embora as duas Grandes Potências Alemãs cumprissem com o que se
obrigavam pelo tratado, pouco fizeram para evitar a aprovação, pela Dieta, de um decreto de
mandado executivo contra Cristiano IX. Esse dispositivo constitucional permitia que tropas
confederadas ocupassem Holstein e Lauenburgo, porém, ao encaminhar a medida através da
Dieta, a Confederação tacitamente admitia a legalidade da asserção do Rei Cristiano de que
era o senhor dos ducados. Na última semana do ano, tropas saxônicas e hanoverianas
marcharam para o norte, até a fronteira entre Holstein e Schleswig, tendo os daneses recuado
sem resistência. Forças prussianas e austríacas permaneceram estacionadas no Elba,
limitando-se a observar “a outra Alemanha” tentar uma solução e fazer papel de boba ante a
Europa. Embora com seu status um tanto ambíguo, Frederico de Augustenburgo estabeleceu-
se em Kiel, afetuosamente recebido pelo leal povo do Holstein.

Bismarck não dava grande importância ao que chamava, com desprezo, “a gritaria geral dos
democratas” em favor de Augustenburgo. Mas tomou-se de fúria quando o Conde von der
Goltz, embaixador em Paris, aconselhou o rei a acatar a exigência popular da Alemanha e
jogar o peso da Prússia em favor do duque. Na véspera do Natal passou ao conde uma severa
repreensão por advogar uma mudança de política em vez de limitar seus relatórios a questões
factuais (embora essa fosse prática seguida com regularidade por ele mesmo como
diplomata). Ao mesmo tempo Bismarck tentou explicar sua política geral. O problema crucial,
argumentou, era determinar se a Prússia devia “atuar como Grande Potência ou comportar-se
como um estado da Confederação Alemã”; a Prússia devia agir independentemente e com
senso de responsabilidade; “correr atrás do fantasma da popularidade na Alemanha" apoiando
Augustenburgo sacrificaria a posição da Prússia em torno “da causa errada”:

Nós acumularemos poder não por meio da política nas assembléias parlamentares, ou da
imprensa, mas somente através de uma política de Grande Potência, manejada com as armas
adequadas.... No momento presente, quer me parecer que a política certa é ter a Áustria ao
nosso lado, mas veremos se chegará o tempo de seguir caminhos diversos e quem tomará a
iniciativa de afastar-se. ... Se a algazarra de cervejaria os impressiona, em Londres e Paris,
tanto melhor, pois serve aos meus desígnios; mas não quer dizer que me impressione a mim e,
numa guerra, não há de disparar um só tiro ou de levantar muito dinheiro176.

Goltz não deveria permitir que sua opinião fosse arrastada por chavões demagógicos. E desse
ponto em diante Bismarck enfatiza, outra e outra vez, que a Prússia devia conduzir e não
seguir.

Naquela mesma véspera de Natal, Bismarck recebeu, em Berlim, um emissário pessoal de


Napoleão III; e fez com ele um exame geral da situação, desde a fronteira do Reno até a
Polônia. Tomou os cuidados para que Paris percebesse a sua moderação, sua disposição de
discutir Schleswig-Holstein numa conferência presidida por Napoleão e que, no devido tempo,
um Império Francês em bons termos com relação à Prússia poderia obter ganhos territoriais
na margem esquerda do Reno177. Não fica dúvida de que o ministro-presidente achava-se no
perfeito controle dos assuntos alemães naquele seu segundo Natal em funções. À noite era
conviva no jantar do príncipe herdeiro e esposa. Muito surpresa, esta o achou “da maior
cordialidade, muito agradável”178: boas razões tinha ele para estar assim.

Chegara o momento de assegurar-se da colaboração austríaca. Logo no Ano Novo, Bismarck


propôs uma aliança formal a Karolyi, o embaixador da Áustria. Rechberg, em Viena, deliciou-
se. Isso evitaria, presumiu, que Bismarck buscasse popularidade na Alemanha por um câmbio
de rumo político favorável a Augustenburgo; e fez a sugestão de que a aliança deveria
comprometer os dois signatários a não abandonarem o Tratado de Londres, a não ser por
mútuo acordo. Bismarck no entanto, não tinha intenção de aceitar obrigação tão nítida.
Explicou aos austríacos que o rei jamais concordaria em subscrever o Tratado de Londres, e
propôs que a aliança se limitasse a estipular que, caso a disputa sobre Schleswig-Holstein
levasse a uma guerra, o futuro dos ducados seria decidido por um acordo entre a Áustria e a
Prússia. Nesta última forma, foi esboçado um tratado de aliança, na Wilhelmstrasse, em 16 de
janeiro de 1864, e assinado na tarde seguinte. Bismarck imediatamente enviou seu mais
perigoso rival, o general von Manteuffel, a Viena, em missão especial. Manteuffel conseguiu
arrancar de Rechberg a garantia de que o Exército Austríaco auxiliaria a Exército Prussiano a
atuar contra quaisquer forças alemãs que apoiassem Augustenburgo, bem assim contra os
dinamarqueses, se o rei Cristiano se recusasse a recuar da constituição unitária. O sucesso da
missão Manteuffel fez com que, ao voltar a Berlim, o general estivesse a favor de operações
conjuntas austro-prussianas, nas reuniões do Conselho da Coroa179.

Na última semana de janeiro os prussianos entraram no Holstein, participando da ocupação


com as tropas hanoverianas e saxônicas, e no dia 1.° de fevereiro forças prussianas e
austríacas penetraram no Schleswig. Três semanas depois, invadiram a península da
jutlândia, e em meados de abril todas as posições fortificadas continentais dinamarquesas
estavam-lhes nas mãos. A Europa nada fez. Os ingleses ameaçaram intervir em defesa da
Dinamarca se a fronteira da Jutlândia fosse ultrapassada, mas não podiam tomar quaisquer
medidas efetivas sem o apoio de uma Potência continental; e nem os franceses nem os russos
estavam a fim de sacrificar seu bom entendimento com Bismarck pela causa dinamarquesa. O
mais que conseguiram os britânicos foi uma conferência, realizada em Londres, uma semana
após a queda do último ponto defensivo dinamarquês, a linha de fortificação de Düppel, no
Schleswig oriental. Nem Bismarck nem Rechberg foram a Londres. Seus representantes
concordaram em que se fazia necessário substituir o tratado de 1852 por um novo acordo e
foram de opinião, perante a conferência, de que o Schleswig-Holstein devia receber
autonomia embora permanecesse ligado dinasticamente à Dinamarca. Confirmando as
suspeitas de Bismarck, o Rei Cristiano não quis saber dessa proposta; e a conferência ficou de
buscar outra solução para o refratário problema180.

Bismarck sabia muito bem que solução desejava. Desde o estalar da crise queria que a Prússia
anexasse os ducados. Mas como impor sua vontade às outras Grandes Potências? Ou, mesmo,
de que forma convencer o rei da necessidade de absorver Schleswig-Holstein? Em 14 de
janeiro, durante a discussão com Karolyi sobre os termos finais da aliança austro-prussiana,
mencionou por alto, em conversa, que havia gente em Berlim de opinião que os ducados
deviam ser incorporados à Prússia, mas disse ao embaixador que havia firmemente rejeitado a
idéia181. Karolyi já ganhara um alto tirocínio sobre os métodos de barganha de Bismarck,
mas a importância daquele comentário passou-lhe despercebida, embora o passasse a Viena,
assinalando que o ministro-presidente também falara, em termos vagos, da necessidade
austríaca de segurança no norte da Itália. Três semanas mais tarde, Bismarck pôs à prova sua
opinião durante uma reunião do Conselho da Coroa. “Relembrei o rei de que todos os seus
antecessores imediatos... haviam obtido para o estado um aumento de território", descreveu
Bismarck depois, “e incitei-o a fazer o mesmo... Porém Sua Majestade parece ter imaginado
que eu falava sob a influência de Baco, após um bom almoço. ... Enquanto eu falava, o
príncipe-herdeiro ergueu as mãos para o Céu, como a duvidar de minha sanidade; e meus
colegas nada disseram”182. Apenas dois dias antes, tropas prussianas haviam penetrado no
Schleswig, ostensivamente para auxiliar os austríacos na garantia do tratado de 1852, e
Guilherme mostrava dificuldade em acompanhar as viradas políticas de seu ministro. Seria
preciso mais que uma sessão vesperal do Conselho da Coroa para persuadir o rei a anexar
territórios que a Prússia não tinha como reivindicar, a não ser por direito de meia-conquista.

Mas Bismarck estava satisfeito com a resposta a seu balão de ensaio. Uma semana depois do
Conselho da Coroa foi a vez de ser testado o embaixador da França: “A incorporação à Prússia
de duas excelentes províncias como essas é uma tentação que vem a calhar para nossas
ambições”, comentou Bismarck com ele, mostrando também a mais vaga das possibilidades
de que, num futuro distante, pudesse vir a ceder aos franceses território na margem esquerda
do Reno183. Durante os dois meses seguintes Bismarck permaneceu em termos cordiais com
os franceses, demonstrando algum apoio à idéia de Napoleão de que os ducados deviam
dividir-se segundo os limites das nacionalidades. Mas ao mesmo tempo Bismarck encorajava
um importante líder conservador prussiano, o Conde Arnim-Boitzemburg (o mesmo que, mais
de um quarto de século antes, fora seu chefe departamental em Aachen) a organizar uma
petição ao rei no sentido dE estabelecer um protetorado sobre Schleswig-Holstein ou de
anexá-lo diretamentE à Prússia. Cerca de 70.000 de seus compatriotas firmaram a petição
Arnim-Boitzemburg- o bastante para limpar a consciência de Guilherme, ainda inquieto com a
possibilidade de adicionar os ducados às suas possessões territoriais.

Já agora Rechberg, em Viena, era assaltado de suspeitas quanto a seu aliado. Bem verdade
que Bismarck ainda estava, em abril, a dizer aos austríacos que chegara a época de “iniciar-se
uma política de compensação mútua” mas abstinha-se de esclarecer o significado de suas
palavras. Surpreendia-se com o fato de a aliança austro-prussiana estar resistindo às tensões
da amizade: “Difícil perceber por que os austríacos nos acompanharam até aqui, onde não
podem ficar”, comentou com seu amigo Keudell, ao viajarem ao norte, até Schleswig, em 22
de abril. “Poderiam ter deixado para nós a tarefa da coação militar. ... Sem dúvida, o motivo
principal é a preocupação de que, se resolvermos sozinhos a questão dinamarquesa,
ficaremos poderosos demais na Alemanha.”184 Mas o acordo evidente entre prussianos e
franceses irritou os austríacos e, na terceira semana de maio, eles subitamente mudaram de
tática. Informaram à Conferência de Londres que, uma vez que o Rei Cristiano não aceitava a
tese da autonomia, as potências alemãs teriam, afinal, de apoiar Augustenburgo. Bismarck
ficou surpreso com essa manobra, mas não preocupado: eram mínimas as possibilidades de
Grã-Bretanha, França ou Rússia aderirem a Augustenburgo na mesa de debates, e se o lance
visara a encorajar os dissidentes pró-Augustenburgo na Corte de Berlim, vinha tarde, pois a
facção estava virtualmente dissolvida. No dia 1 de junho Bismarck disse ao duque,
pessoalmente, que a Prússia o trataria como “o nosso candidato” desde que ele entregasse o
controle das instalações militares e navais e fizesse certas concessões comerciais. O duque
julgou “insultuosas” tais condições e recusou-se a governar como fantoche. A entrevista,
superdramatizada no relatório de Bismarck ao rei, completou a queda em desgraça de
Augustenburgo, em Berlim. Somente o príncipe-herdeiro ainda insistia em que seu amigo
tinha uma pretensão juridicamente sólida aos ducados. Já se admitia, de maneira geral, que o
exército merecia, do assalto às linhas de Düppel, algo mais que bandeiras capturadas: “Não
podemos encarar de mãos vazias nosso povo, depois de campanha tão sanguinolenta,” disse
Bismarck185.

Mas antes de concertar o destino dos ducados foi necessária outra campanha. Os
dinamarqueses recusaram-se a qualquer concessão e a Conferência de Londres acabou.
Retomou-se o avanço austro-prussiano para o norte, através da Jutlândia. Em quinze dias um
novo governo, em Copenhague, pediu paz. Os termos preliminares foram acertados em 1 de
agosto. Cristiano IX cedia seus direitos nos Ducados à Prússia e à Áustria. Sua única
esperança, segundo alguns políticos dinamarqueses, estava em que, no devido tempo, as
áreas de predominância nacional danesa do Schleswig seriam restituídas ao seu reino por
decisão daquele congresso internacional para revisão geral de tratados, no qual tanto insistia
Napoleão III perante um continente relutante. No momento, porém, Schleswig e Holstein e
Lauenburgo perderam sua importância para a Europa como um todo e tornaram-se peões do
tabuleiro alemão. Ficaram sob administração militar conjunta de Áustria e Prússia.

No final de julho Bismarck viajou a Viena para encontrar-se com Rechberg. Os dois já se
conheciam havia nove anos: foram adversários na Dieta de Frankfurt, em 1855, quando o
austríaco foi tão ferreteado pela linguagem cáustica de Bismarck que chegou a pensar em
desafiá-lo para um duelo; mas logo aprenderam a respeitar-se: Rechberg fora amigo leal de
Metternich, a quem acompanhou pela Europa nos dias terríveis de 1848. Agora estava
convencido de que Bismarck era o herdeiro político de Metternich, o novo guardião da Europa
conservadora, embora não lhe apreciasse os métodos. Sem dúvida, achou-se capaz de
controlar Bismarck, e saudou com efusão sua visita a Viena. Da mesma forma, aliás, procedeu
Francisco José, ainda que, em conversas particulares, o imperador deplorasse seu mau hábito
de “falar temerariamente, com grandes exageros, tentando assustar as pessoas com
palavras”. “A aliança com a Prússia é a única política que faz sentido”, escreveu Francisco
José a sua mãe.

Bismarck teve entrevistas preliminares com Rechberg, em Viena, durante a última semana de
julho. Depois foi para as termais de Gastein e reuniu-se a Guilherme em Ischl. No dia 21 de
agosto, rei e ministro viajaram juntos a Viena, para uma visita de estado, de comemoração ao
sucesso conjunto dos exércitos austríaco e prussiano nas recentes campanhas. Durante três
dias os prussianos foram hóspedes de Francisco José no palácio de verão dos Habsburgos em
Schönbrunn, e foi aqui que tiveram lugar as conversações decisivas.

Já então Bismarck tinha uma idéia perfeitamente clara de seu objetivo imediato: a aquisição
dos três ducados como primeiro passo para a consolidação da posição da Prússia ao norte do
rio Meno. Preferia operar com a Áustria, ao invés de contra ela, e não menos devido ao horror
de seu soberano a uma luta fratricida na Alemanha; propôs, assim, que a Áustria devia dar
carta branca à Prússia em Schleswig-Holstein em troco de apoio aos interesses austríacos
noutros pontos da Europa, especialmente no norte da Itália. Era um acordo vago demais para
um diplomata profissional como Rechberg; e como tão freqüentemente ocorrera nos últimos
nove meses, os austríacos tentaram amarrar Bismarck a um compromisso bem especificado.
Mas que forma lhe dariam? Francisco José esperava que se a Áustria abrisse mão de sua parte
nos ducados, a Prússia devolvería o condado de Glatz, que Frederico, o Grande, anexara
durante sua invasão da Silésia, mais de um século antes. Guilherme, porém, não cedería nada
que houvesse sido ganho pelo mais ilustre dos Hohenzollerns, e Rechberg estava mais
ocupado da Lombardia e do Vêneto que da sepultada questão da Silésia. Em 24 de agosto
Rechberg abriu suas propostas: a Prússia recebería Schleswig, a Áustria recebería Holstein;
as duas potências concluiríam uma aliança militar de caráter defensivo; se depois a Áustria
recuperasse a Lombardia, Holstein seria cedido à Prússia. Ninguém apreciou-lhe o plano.
Ambos os governantes perceberam que semelhante tratado tornaria virtualmente impossível
evitar a guerra com a França, já que Napoleão III dificilmente permitiría aos austríacos
recobrarem sua velha supremacia sobre as planícies norte-italianas e nenhum deles desejava
embrenhar-se num conflito de maior monta. Também Bismarck procurava evitar uma clara
escolha de amigos e inimigos. Afirma ele ter dito aos austríacos que a aliança Viena-Berlim
“não era uma trading company, que dividisse os lucros segundo percentagem fixada, sendo
antes uma caça livre em que cada participante levaria para casa o que apanhasse”. Francisco
José, nesse ponto, perguntou se a Prússia desejava anexar os ducados ou se o rei satisfar-se-ia
com concessões estratégicas e comerciais. Esta era uma questão crucial para a qual
Guilherme sempre evitara uma resposta. Eis que Bismarck, não menos que Francisco José e
Rechberg, agora esperou com o maior interesse a resposta de seu senhor; pois nela estava a
chave da política da Prússia para os restantes meses do ano, e para além.

Guilherme atrapalhou-se; detestava tomar decisões dessa espécie e era irritante da parte do
jovem Francisco José afligir-lhe a cabeça com tais assuntos numa mormacenta manhã de
agosto. Relutante, ofereceu meia-resposta: “Não estou a pensar exatamente em absorver
Schleswig-Holstein”, disse, “Não tenho direitos sobre os ducados e não creio, portanto, que
possa reivindicá-los”186. Decepcionou Bismarck. De nada importava um convênio formal com
a Áustria se o rei não sabia o que podia e o que não podia reivindicar. Frederico, o Grande,
teria respondido de outra maneira.

As conversações de Schönbrunn não deram resultados. Áustria e Prússia concordaram em


colaborar, deixando os ducados sob administração conjunta indefinidamente. Rechberg
desacreditou-se em Viena por não haver conseguido nada de positivo com sua política pró-
prussiana. Nem bem Guilherme e Bismarck deixaram a,capital austríaca e começavam as
intrigas de seus inimigos contra ele. Um novo ministro do exterior, diziam, sabería enfrentar
resolutamente aqueles prussianos arrogantes. No fim de outubro de 1864, foi forçado a deixar
o cargo.

Em anos posteriores, Bismarck atribuiu grande importância à queda de Rechberg. Afirmou


que ela permitiu o desencadeamento de um preconceito anti-prussiano em Viena, tomando
assim, inevitável a brecha entre as Potências Germânicas. Responsabilizou pela deterioração
das relações austro-prussianas o sucessor de Rechberg, o ameno e ineficiente general
Mensdorff-Pouilly, e seu principal conselheiro, Ludwig von Biegeleben. Mas o próprio
Bismarck tem mais responsabilidade do que jamais admitiu, pela tensão do inverno seguinte.
Ele ausentou-se de Berlim num momento em que uma ação decisiva de parte da Prússia
poderia ter fortalecido a posição de Rechberg contra seus rivais em Viena, e sua atitude para
com Mensdorff foi sempre hostil sem buscar uma acomodação. Quando Bismarck deixou
Viena, no fim de agosto, já estava desanimado, na maior irritação com a pusilanimidade de
seu soberano em Schönbrunn. Na segunda semana de setembro, quando o rei e o ministro
viajaram a Frankfurt, para um encontro com o Czar Alexandre II, Bismarck sofria de fraqueza
nervosa. Um encontro casual com Catarina Orloff em Heidelberg convenceu-o de que
necessitava de uma licença para tratar da saúde; e um obséquioso médico de Frankfurt
escreveu-lhe uma carta recomendando “o mar de Biarritz como indispensável para prolongar
meus dias” (nas palavras de Bismarck). Lá se foi ele de Berlim para os Pirineus, onde os
Orloffs haviam decidido, outra vez, tirar férias. “Eis-me, afinal, aqui, minha querida”, escreveu
ele de Biarritz a Joana, em 7 de outubro. “Parece um sonho; o mar se estende à minha frente,
Kathy ocupada com seu sublime Beethoven o tempo todo e um céu como ainda não tivêramos
em todo o verão.”187

O idílio durou dezessete dias. Durante esse tempo a agitação contra Rechberg chegou ao
máximo: o infeliz ministro tentou uma promessa de Berlim de que a Áustria seria admitida
como sócia comercial na Zollverein em alguma data futura; e, embora Bismarck apoiasse em
carta essa atitude, o governo não a autorizou, em sua ausência, deixando Rechberg sem
sequer um indício simbólico de confiança dos prussianos com que pudesse silenciar seus
críticos188. Bismarck só reassumiu suas funções em 30 de outubro, um dia depois da
renúncia de Rechberg. Surgiu a idéia de que ele fosse imediatamente a Viena e assinasse, em
pessoa, o tratado formal sobre a administração conjunta dos ducados, mas ele recusou-se,
explicando secamente que a assinatura do embaixador não seria menos válida que a sua189.
Não desejava estabelecer relações muito chegadas com o novo ministro do exterior austríaco:
convinha-lhe que outros houvessem demitido Rechberg e que ele se pudesse queixar dos
sentimentos antiprussianos em Viena sem verificar por si mesmo a profundidade desses
sentimentos. Em 9 de novembro, expressou ao embaixador russo a tristeza que era ver a
política austríaca, agora, muito firme na busca do constrangimento da posição da Prússia no
conjunto da Alemanha “Não teremos outro jeito, seremos forçados a manter-nos em situação
defensiva”, disse ele190. Ominosa coincidência, no dia da demissão de Rechberg, Bismarck
passara a tarde inspecionando “a fundição de canhões da Krupp, em Essen”191.

As primeiras abordagens de Mensdorff não mostravam nenhuma diferença da política de


Rechberg. A Prússia, propôs ele, poderia anexar Schleswig e Holstein se a Áustria recebesse
compensação noutro lugar, na Alemanha. Já que Guilherme temia mais que nada a perda de
territórios que houvesse recebido dos antepassados, havia algo de acadêmico na proposta de
Mensdorff, rejeitada sem maior hesitação. Mas pelo menos os austríacos estavam dispostos a
aceitar a cessão de ambos os ducados à Prússia; se quisesse, Bismarck poderia ter criado um
novo entendimento a partir dessa premissa. Entretanto, ele agora estava decidido a isolar a
Áustria diplomaticamente e verificar até que ponto Francisco José poderia contar com o apoio
dos estados alemães menores, estando fora das lides o experimentado Rechberg. Bismarck
estivera com Napoleão III e Drouyn de Lhuys em Saint Cloud e Paris, no dia 25 de outubro, e
depois havia tido conversações com Gorchakov em Berlim. Estava certo de que nem a Rússia
nem a França colaborariam com os austríacos; chegou a gabar-se para os russos de que
“bastava que ele dissesse uma palavra” e a Prússia seria capaz de chegar a um entendimento
com a França “em vinte e quatro horas” [1]. Não estava longe da verdade. Nos meses finais
de 1864 a Prússia de Bismarck gozava de maior liberdade de manobra, em assuntos externos,
que qualquer Potência do continente192.

Em breve ficava evidente que a Prússia também estava em posição mais forte no que dizia
com os assuntos mais estritamente germânicos. Durante novembro, Bismarck estimulou os
comissários militares no Schleswig a tratarem o ducado como se já fora província prussiana.
Comunicou aos austríacos que a Dieta Germânica de Frankfurt devia reconhecer a entrega,
pela Dinamarca, de Schleswig-Holstein. Tal ação teria como decorrência a retirada das tropas
hanoverianas e saxônicas dos ducados, deixando-os, assim, sob a autoridade exclusiva dos
exércitos de ocupação prussiano e austríaco. A proposta era sensata, Mensdorff bem o sabia,
mas impopularíssima em Viena e em Frankfurt, onde remanesciam fortes simpatias por
Augustenburgo. Depois de alguma hesitação, Mensdorff apoiou Bismarck, mas queria uma
decisão final dos prussianos quanto ao pleito de Augustenburgo de soberania sobre os
ducados193. Não queria, porém, com muito empenho: a monarquia Habsburgo, naquele
inverno, estava tomada de incertezas sobre sua própria estrutura interna; face a conversações
secretas entre a Corte e os líderes da oposição húngara, Francisco José não demonstrava
desejos de criar problema na Dieta de Frankfurt. Satisfê-lo que Mensdorff mencionasse a
reivindicação de Augustenburgo de passagem, simples lambarice para o Cérbero de
Frankfurt. No que dizia respeito a Francisco José, seria até melhor que Bismarck nem
respondesse.

Mas a Prússia também tinha seus problemas internos de governo. As remexidas questões do
serviço militar e dos gastos do exército permaneciam sem solução. De início, a maioria dos
liberais e progressistas, em Berlim, era a favor de Augustenburgo, mas o sucesso das armas
prussianas - muito especialmente a tomada de assalto das fortificações de Düppel -
intensificaram-lhes o ardor patriótico e muitos dos críticos de Bismarck apoiaram a petição
Arnim-Boitzenburg em favor da anexação. Em 14 de janeiro de 1865 o Landtag reuniu-se pela
primeira vez em doze meses. A fala do trono afirmou que a rápida vitória ostentava a
sabedoria das reformas do exército, e havia um espírito mais acomodado na Câmara Baixa. Se
Bismarck fosse capaz de obter um sucesso final para sua política dos ducados, tudo indicava
que os liberais moderados conduziríam um acordo através do parlamento e resolveríam as
disputas constitucionais naquela primavera. Cinco semanas depois da reabertura do Landtag,
Bismarck tomou sua iniciativa diplomática: para consternação dos austríacos, respondeu
minuciosamente às perguntas de Mensdorff sobre os ducados. A Prússia, declarou Bismarck,
apoiaria o surgimento de um Schleswig-Holstein independente, sob o senhorio de
Augustenburgo, contanto que se atendessem três condições: as forças militares dos ducados
serem colocadas sob comando prussiano e a serviço do Rei Guilherme, com juramento de
lealdade; os portos e fortalezas principais, entregues à Prússia; aprovarem-se planos para
construção, pelos prussianos, de um canal marítimo ligando o Mar do Norte e o Báltico. Não
havia menção a compensações para a Áustria. A estipulação de que os ducados deveríam
entrar para a Zollverein, afastando-se, assim, dos interesses comerciais austríacos, em nada
ajudaram para tornar a proposta palatável. As “Condições de Fevereiro”, declarou Francisco
José, sem hesitação, eram “simplesmente inaceitáveis”194.

A esta altura, as autoridades vienenses cometeram dois erros táticos: incitaram a Baviera a
levantar a questão Augustenburgo na Dieta de Frankfurt; e permitiram ao comissário
austríaco em Holstein dar apoio oficial à agitação augustenburguesa no interior do ducado.
Bismarck reagiu bruscamente. Uma vigorosa campanha de propaganda nos ducados e nas
cidades costeiras do Báltico proclamou as vantagens do governo direto pela Prússia,
ridicularizando os Augustenburgos. Ainda mais expressivamente, no dia 5 de abril, Roon,
como ministro da Guerra, anunciou no Landtag que o comando da marinha prussiana estava
transferido de Dantzig para Kiel, a principal cidade do Holstein. Era o mais direto desafio até
então oferecido à Áustria: a notícia foi bem recebida no parlamento prussiano; mas em
Frankfurt e Viena considerou-se que os estados alemães estavam mais próximos de um
conflito armado que em qualquer outra ocasião desde a disputa sobre o Hesse, em 1850.
Naquela ocasião, a Prússia cedera, em Olmütz: desta vez, Bismarck não permitiría uma
segunda humilhação, todo mundo bem o sabia. O rei estava disposto à guerra e à anexação,
malgrado suas anteriores reservas de consciência; os comandantes militares, confiantes na
vitória; e nem franceses nem russos deveríam intervir. No entanto, inesperadamente,
Bismarck mudou sua política. Num Conselho da Coroa, em 29 de maio, surpreendeu seus
colegas e o rei, ao insistir em que ainda não chegara o momento para uma campanha militar,
e propor que a Prússia negociasse com a Áustria, em cima das “Condições de Fevereiro”,
retirando-se a estipulação de que as forças ducais seriam incorporadas ao Exército
Prussiano195. Essa evidente virada de atitude intrigou os membros do conselho e confundiu
os posteriores apologistas de Bismarck. Disse ele que a questão era trivial demais para uma
guerra e que -conforme provaram os acontecimentos - os austríacos estavam prontos a
concessões sem necessidades de ação tão drástica.

Havia outra razão para sua mudança de frente. Até a primavera de 1865 ele estivera em bons
termos com o general Manteuffel e os ferrabrases do gabinete militar do rei; mas no início de
maio Manteuffel iniciara uma intriga no palácio para evitar que Guilherme concordasse com
qualquer solução por acordo no Landtag. No dia anterior ao do Conselho da Coroa,
Manteuffel disse ao rei que se (como tudo parecia indicar) a guerra viesse em algumas
semanas e a Prússia ganhasse territórios, seria do dever de Guilherme beneficiar-se da
popularidade da vitória, declarando a constituição inadequada para uma Prússia
engrandecida e retornando à tradicional soberania autocrática dos Hohenzollerns. Bismarck
sabia, desde semanas, que Manteuffel e seu grupo militar desejavam ab-rogar a constituição;
e não pretendia permitir-lhes que comandassem os acontecimentos internos da Prússia. Roon
concordava com Bismarck: ambos desgostavam dos jogos políticos do Landtag e desprezavam
os deputados neles empenhados; mas estavam agastados com Manteuffel por haver reforçado
a resistência de Guilherme à solução de compromisso sobre as propostas do exército196. Um
golpe militar realista seria, na opinião deles, um desastre para a Prússia: na melhor das
hipóteses custar-lhes-ia as carreiras; mais provavelmente, provocaria uma revolução, que lhes
custaria as cabeças.

Tecnicamente, Bismarck foi derrotado. O rei se recusou a baixar o tom das condições de
fevereiro197. Deve-se notar que Bismarck não ameaçou demitir-se, sentindo que uma carta de
demissão não era exatamente a carta a jogar. Por todo o verão uma crise extraordinária
parecia piorar a cada semana. Guilherme rejeitava as contrapropostas de Viena, e Bismarck o
estimulava, mesmo asseverando que o exército estava pronto para a guerra e que era
garantida uma rápida vitória. Mas Bismarck estava jogando um jogo elaboradíssimo, de blefes
e sobreblefes. Sua ânsia era adiar a confrontação com os austríacos até estar seguro de ter
firmes nas mãos as rédeas do poder, mas estava decidido a não permitir que seus
antagonistas, em Viena, percebessem que seu controle dos acontecimentos já não era o
mesmo do outono anterior. Com o maior descaso pela delicadeza da tensão em que viviam,
atravessou a fronteira para uma estação de águas em Carlsbad, nos últimos dias de junho.
Permaneceu três semanas na Boêmia e, depois de uma curta visita à Baviera, foi para o sul,
para a Província de Salzburgo, onde permaneceu por outro mês198. Não é de surpreender
que durante seu período de permanência em Carlsbad suas cartas a Roon admitissem
francamente a probabilidade da guerra pois nenhum serviço de informações era tão
renomado como o austríaco por interceptar e mal-interpretar correspondência. Bismarck não
se importava que seus oponentes soubessem que ele estava pronto para a guerra se ela
viesse, muito embora, no fundo, alimentasse esperanças de que pudesse ser evitada. Os
austríacos, ele o sabia, não correríam o risco de uma campanha: o império não apenas estava
politicamente dividido, mas à beira da falência financeira. Era razoável esperar que
buscassem uma solução diplomática, caso em que o rei dependería da orientação de Bismarck
e não de Manteuffel e sua velha guarda de generais.

O jogo de Bismarck estava certo. Em 5 de agosto, Francisco José finalmente resolveu descer
da beira da guerra que não queria e não podia fazer. Seu enviado à Baviera, o Conde Blome,
estabeleceu contatos secretos com Bismarck em julho; e na segunda semana de agosto o
Conde viajou para Bad Gastein, onde Bismarck se reunira ao rei Guilherme. Foi lá, em solo
austríaco, que Blome apresentou uma oferta final de acordo sobre os ducados. Sem “idéias
preconcebidas quanto ao direito de ambas as Potências à íntegra dos ducados”, Schleswig
seria provisoriamente destinado à Prússia, Holstein à Áustria e Francisco José vendería sua
parte de direitos em Lauenburgo ao Rei Guilherme, que poderia, assim, incorporar este, o
menor dos ducados, ao reino prussiano. Ao mesmo tempo, os austríacos dispunham-se a
concessões militares e navais aos prussianos no interior do Holstein, inclusive o direito de
administrarem duas estradas militares atravessando o ducado, de usarem e fortificarem o
porto de Kiel como base naval e de construírem um canal do Mar do Norte ao Mar Báltico,
cortando o Holstein de administração austríaca. Não se falaria mais no Duque de
Augustenburgo e em suas pretensões. Estes termos imediatamente caíram no gosto do rei e
de Bismarck. Em meados do mês, afastara-se a perspectiva de guerra interna na
Confederação Germânica.

O acordo foi corporificado em um convênio formal assinado em Gastein no dia 14 de agosto e


ratificado em Salzburgo seis dias depois. Guilherme estava satisfeito com o convênio: dava-lhe
Lauenburgo, inferia Schleswig como certo e assegurava ganhos valiosos no Holstein. Acima
de tudo, a seus olhos, mostrava ao mundo que as dinastias de Habsburgo e Hohenzollern não
eram rivais, e sim “francos, leais e honestos” guardiões dos interesses da Alemanha. “O
mundo” era menos otimista que o rei. A muitos observadores não envolvidos o convênio
pareceu cínica barganha. Houve indignação ante o total desprezo pela reivindicação de
Augustenburgo; e foi anotado, em Londres, que o princípio da indivisibilidade de Schleswig-
Holstein, outrora quase sagrado para os diplomatas alemães, foi rapidamente descartado
quando se tratou da necessidade das duas principais Potências alemãs realizarem um acerto
de contas.

Mas a Bismarck pouco importava o que estariam a pensar em Munich, ou em Frankfurt ou


mesmo em Londres. Compreendia o fato de que o convênio era ainda uma solução provisória,
“papel sobre as rachaduras”, dizia, um conserto que não duraria muitos invernos199. Mas
ganhara o que queria: uma vitória diplomática. Sobretudo, seus problemas na Corte se
resolveram: recobrara a confiança do rei; quanto a Manteuffel, foi mandado a governar
Schleswig, onde ficaria ocupado e distante o suficiente para não se meter em intrigas
palacianas. Em particular, Bismarck dizia aos amigos que mal acreditava na sua boa sorte ao
conquistar tantos objetivos. “Imaginar-se que se encontrou um diplomata austríaco disposto a
assinar uma coisa como aquela”, comentou, quando revisava os termos do convênio de
Gastein200. Restava verificar até que ponto o espírito de apaziguamento teria erodido a
vontade e a resistência dos Habsburgos. Por enquanto, era uma boa ocasião para outra
excursão a Biarritz.

[1] Bismarck contava com a tensão crescente entre, de um lado, os austríacos e, do outro, os
italianos e franceses, sobre o futuro do Vêneto. As relações franco-italianas haviam sofrido
durante quatro anos o desgaste da questão de Roma e do problema da guarnição francesa que
protegia o Papa; mas em setembro de 1864 assinou-se um convênio entre franceses e italianos
tratando da eventual evacuação da guarnição de Roma. Napoleão III apreciaria qualquer
acordo com uma Potência Européia hostil à Áustria, já que uma queda de prestígio dos
Habsburgos criaria para os italianos a tentação de olharem mais para o Vêneto, menos para
Roma, aliviando, assim, a pressão clericalista sobre Napoleão, em casa.
8. A GUERRA ENTRE IRMÃOS

Sucessivos meses de crises haviam minado as condições físicas de Bismarck, aumentando


suas explosões de mau humor e causando-lhe noites de insônia. Em 1865, queixou-se várias
vezes da saúde: nevralgias, fortes dores nas pernas; e estava convencido de que a respiração
difícil era de origem asmática201. Nem toda sua entourage, no entanto, levava muito a sério
seus queixumes, pois nos momentos de maior exuberância ele admitia abertamente que era
hipocondríaco. Mesmo assim, embora com cinqüenta anos apenas, já tinha as pálpebras
caídas e o rosto enrugado de um velho. No outono anterior, duas semanas em Biarritz lhe
haviam restaurado e acalmado os nervos. Agora, setembro de 1865, estava ansioso por uma
escapada aos Baixos Pirineus. Só em pensar nas horas de sol ao lado de Kathy, enquanto
Berlim abotoava-se até em cima contra o inverno, sentia enorme prazer, pois continuava com
o mesmo antigo gosto por vadiar. No dia 3 de outubro chegou a Biarritz. Desta vez passaria
quatro semanas na praia, refestelando-se ao clima ameno, enquanto as ondas de rebentação
do Atlântico lavavam a areia firme. Providenciou para a mulher e a filha fazerem a longa
viagem de trem a fim de que, desta vez, os Orloffs e os Bismarcks pudessem aproveitar juntos
os prazeres de Biarritz.

As férias não saíram como ele esperava. Pouco adiantaram para sua saúde ou para seu estado
d’alma. No último instante Kathy Orloff decidiu não viajar para o sul até os Pirineus,
preferindo atravessar o Canal e passar o outono em Torquay, no litoral inglês; explicou que
soubera de uma ameaça de epidemia de cólera em Biarritz. Bismarck fez chacota desse receio
e não escondeu sua irritação. Além disso, o tempo esteve ruim: em três semanas, disse ele,
aborrecido, “não houve mais que quatro dias sem uma chuvarada, uma tempestade ou
ventania”. “Acho que não voltarei mais aqui”, escreveu a Kathy, agastado. “Quando tinha tua
companhia era-me fácil esquecer, ou ignorar, todas as amolações, mas agora estou desiludido
e levarei comigo esta sensação de contrariedade e melancolia”. Nunca notara, anteriormente,
diz ele, que o vinho do hotel sabia pessimamente, que os quartos cheiravam a mofo202. Deixa-
nos a maior simpatia por Joana e por Marie, a filha do casal, com dezessete anos de idade.

Havia, porém, um motivo mais importante para a viagem ao litoral do golfo de Biscaia,
naquele outubro (talvez não para agüentar vinte e dois dias de mau tempo e humor birrento).
A Corte francesa esteve em Biarritz até a metade do mês. Bismarck, pessoalmente, não
duvidava da boa vontade de Napoleão III para com a Prússia; mas Drouyn de Lhuys, o
ministro do exterior, considerava a convenção de Gastein uma cínica barganha e não se
importava em esconder sua preferência pela liderança austríaca nos assuntos alemães. O Rei
Guilherme, como sempre suspeitoso dos franceses, queria certificar-se. Bismarck estava mais
do que pronto a jogar o imperador contra Drouyn e o grupo de pressão clericalista em torno
do trono, especialmente se a Corte demonstrava o bom senso de passar o outono em Biarritz.
Alguns dias antes de deixar Berlim, Bismarck disse ao primeiro-secretário da embaixada
francesa que, por ele, a França estendería suas fronteiras “a todos os lugares do mundo onde
se fala a língua francesa.”203 Eis aí tópico de muito maior interesse para um Bonaparte que a
maçante opinião de Drouyn sobre o valor moral do compromisso de Gastein. Teria o primeiro-
ministro prussiano em mente o Canadá, ou a Suíça, ou Luxemburgo, ou a Bélgica? O
imperador apreciou imensamente a notícia de que Bismarck estava de viagem para Biarritz.

Napoleão recebeu-o em audiência privada na Villa Eugénie, em 4 de outubro, menos de vinte


e quatro horas da chegada de Berlim. Uma semana depois, os dois tiveram outra conversa,
desta vez à mesa do almoço. Encontraram-se de novo em S. Cloud, na primeira semana de
novembro. Cada um desejava manter a conversação o mais informal possível: não estavam
tanto em busca de concordâncias definidas, muito mais a sondarem-se mutuamente as
motivações. Bismarck não mostrou vontade de esclarecer melhor sua curiosa frase, e
Napoleão eximia-se de abordar determinados assuntos que sacudiríam toda Europa. “Não se
deve ter a pretensão de modelar os fatos, e sim deixá-los que aconteçam por si mesmos”,
declarou o imperador, repetindo quase exatamente as palavras de Bismarck a Drouyn.
Napoleão deixou-se especular sobre “as vantagens que se podem apresentar
espontaneamente, sem convite”, nalgum ponto do futuro, mas não apresentou nenhuma
reivindicação específica sobre áreas de língua francesa, na Bélgica ou onde quer que fosse.
Bismarck, por sua vez, evitou detalhadas exposições de política: falou, de passagem, na
possibilidade de a Prússia vir-a comprar o Holstein da Áustria, por uma soma adequada e no
devido momento; e confirmou a Napoleão que a Prússia não dera garantias à situação do
Vêneto como possessão austríaca Retribuindo a essa prova de confiança, Napoleão fez ridículo
dos boatos sobre uma aliança franco-austríaca: “Ele não iria sair de seus cuidados para ir
colocar-se ao lado de um alvo”, Bismarck afirma tê-lo ouvido dizer204.

Estas conversações - em geral denominadas simplesmente “a visita de Biarritz” - têm recebido


destaque exagerado de parte dos historiadores, inclusive porque Bismarck mesmo gostava de
teatralizar tais encontros, em suas reminiscências. Ele não chegou a concluir um acordo de
troca com Napoleão em Biarritz, adquirindo a neutralidade da França numa guerra austro-
prussiana; ainda não estava de todo convencido de que teria de lutar com a Áustria e não
queria pôr mais carga nos ombros em compromissos difíceis de explicar, caso fossem
maldosamente segredados aos inimigos, no país ou no exterior. Era característico da
diplomada de Bismarck ter falado tão expansivamente a um primeiro-secretário da embaixada
francesa e, no entanto, tornar-se tão enigmático quanto seu interlocutor ao conversar com o
imperador francês. Napoleão gostara: Berlim, concluiu, reconhecia o direito da França a
compensações, caso houvesse modificação de vulto no mapa da Europa central. Mas quem
mais ganhou foi Bismarck, ao não dizer nada. Em 23 de outubro, observou, alegre, para um
funcionário de seu ministério do Exterior que “Napoleão dançará conosco o cotillon no
encerramento do baile, mas ainda não decidiu precisamente que mímicas fará, nem sabe a
hora em que começaremos”205. Biarritz - depois Saint Cloud - convenceram Bismarck de que
Napoleão III estava enfastiado demais para tomar a iniciativa diplomática. Daí em diante, a
música para o cotillon viria das bandas militares prussianas. As conversações indicaram a
Bismarck que Napoleão mais se interessava na Itália que na Alemanha. O Vêneto pairava
desproporcionalmente grande nos cálculos do imperador, enquanto o destino do Holstein valia
pouco. Era o que Bismarck queria: preparava-se para utilizar o futuro da Venécia como meio
de colaborar com a França, e argumentava, desde havia muito tempo, que um estado nacional
italiano seria aliado natural da Prússia em qualquer conflito com a Áustria.
Concomitantemente, seria possível isolar o problema de Schleswig-Holstein das demais
questões da diplomacia européia.

Durante os dois últimos meses de 1865 Bismarck explorou cada pequeno incidente nos
ducados com o fito de desconceituar a Áustria. A presença do Duque de Augustenburgo no
Holstein, dizia ele, era incompatível com a dupla soberania austro-prussiana sobre os
ducados; e reclamou a Mensdorff do fato de os representantes da Áustria em Frankfurt não
juntarem suas vozes às da Prússia na condenação das mostras de simpatia por Augustenburgo
que ocorriam na Dieta. Até certo ponto, Manteuffel, o governador militar de Schleswig,
provocou assomos de sentimento pró-Augustenburgo a fim de obter “provas” da
irresponsabilidade austríaca. No fim do ano, as estudadas indiscrições de Manteuffel haviam
irritado a tal ponto o governador austríaco de Holstein, Ludwig von Gablenz, que ele decidiu
dedicar-se de fato a ajudar a facção Augustenburgo. Em 23 de janeiro de 1866 Gablenz
autorizou uma manifestação de massa a favor do duque, em Alto na, o centro administrativo
do Holstein. Tal incidente deu pretexto a Bismarck para a guerra fria dos ducados. Após três
dias, uma nota a Viena, carregada de palavras duras, alertava Mensdorff que, se a Áustria não
acabasse com a perigosa agitação “democrática e revolucionária" no Holstein, a cooperação
entre os dois governos chegaria ao fim. “Nós nos reservaremos total liberdade de ação em
toda nossa política”, acrescentava Bismarck, com pressaga ambigüidade206.

Todo esse rosnado furioso destinava-se a impressionar Guilherme, tanto quanto Francisco
José. Pois Guilherme, no fundo, abominava a idéia de “uma guerra entre irmãos”. Seu filho, a
nora, seus amigos e parentes nos estados germânicos menores, todos lhe chamavam a
atenção para a loucura de deixar que Bismarck levasse a Prússia de roldão para um conflito
que deixaria a Alemanha dilacerada. Mas a agitação pró-Augustenburgo e o grande comício
de Altona convenceram Guilherme de que Bismarck estava certo: à administração austríaca
faltava aquele senso de responsabilidade que o rei julgava essencial à preservação da
sociedade entre as grandes Potências Alemãs. Já vinha de mais de um ano a insistência de
Roon em que se preparasse o exército para uma campanha contra a Áustria, e o rei sempre
confiara na capacidade de julgamento de seu ministro da guerra207. Agora, fevereiro de
1866, o conselho de Roon contava com o endosso do general que mais impressionara
Guilherme durante a campanha danesa, Helmuth von Moltke, um mecklenburguês de
sessenta e cinco anos de idade. O rei descobrira nele o perfeito parceiro e contraste para seu
ministro-presidente.

Embora Guilherme fosse um conservador que detestava inovações, era também bom militar e
percebeu a genialidade de Moltke bem antes que a maioria dos mais antigos membros de
corpo de oficiais; certamente, muito antes de Bismarck.

É preciso admitir, porém, que ninguém fora capaz de entender a arte de Moltke até ele haver
atingido a idade em que a maioria dos generais passa para a reserva. Fora nomeado chefe do
Estado-Maior Geral prussiano em 1857, numa época em que a função não significava muita
autoridade. Até a deflagração da guerra da Dinamarca tivera o tratamento de simples chefe
de departamento do Ministério da Guerra, responsável basicamente pelas informações
militares. Foi durante as últimas etapas de guerra dinamarquesa que Moltke demonstrou
percepção da importância dos desenvolvimentos técnicos: ele não era - como tantos de seus
colegas - um espadachim romântico, agindo de qualquer jeito, com base nas campanhas do
Grande Frederico, mas sim um oficial que reconhecia a importância das estradas de ferro e
das operações militares planejadas num contexto de estratégia ampla ao invés da busca de
objetivos limitados. Ainda que, tal qual seu soberano, Moltke execrasse a perspectiva de uma
Guerra de Irmãos, no início de 1866 já começara a considerá-la um mal necessário. “A guerra
de 1866 não se fez porque a existência da Prússia estivesse ameaçada”, escreveu ele, vários
anos depois. “Foi uma luta prevista com grande antecedência pelo governo, e levada a efeito
não com vistas a ganhos territoriais mas por um ideal - a fundação do poder.”208 Moltke,
Roon, Bismarck, insistiram todos em que era vantajoso para a Prússia lutar com a Áustria em
1866, ao invés de esperar que os Habsburgos pusessem a casa em ordem. Era fora de dúvida
que o “partido da paz”, dentro da família real, perdia fôlego.

E era, aliás, o que o príncipe real temia. “Todo mundo pensa na guerra com a Áustria,
desejada por Bismarck a qualquer custo", anotou em seu diário na terceira semana de
fevereiro. “Ele empurra Sua Majestade à luta e faz com que outros procedam da mesma
forma”, terminava, pesaroso209. A decisão fatal sobre guerra ou paz foi posta perante um
Conselho da Coroa, em Berlim, no dia 28 de fevereiro. Todos os ministros do governo estavam
presentes, bem como o príncipe, o embaixador na França, o chefe do Grande Estado-Maior e
dois dos antigos críticos de Bismarck na entourage militar do rei, os generais Alvensleben e
Manteuffel. Os militares profissionais foram unânimes a favor da guerra à Áustria naquela
primavera. O próprio Bismarck fez um exame das relações austro-prussianas desde 1815,
usando palavras moderadas (mas nada imparcial). Afirmou ser missão natural da Prússia
liderar a Alemanha, e que essa ambição “absolutamente justificada” era frustrada, a cada
etapa, pelas posições políticas egoísticas e interesseiras da Áustria. As condições internas da
Alemanha e da Europa jamais se haviam apresentado tão favoráveis à Prússia como no
momento: que a guerra com a Áustria ocorresse em tomo da questão dos ducados, e de tal
conflito sairía uma solução para o problema alemão, aceitável a todo o povo prussiano.

Bismarck recomendava também ao Conselho da Coroa que se fizesse uma aliança com a Itália
Esse ponto foi repisado por Moltke, que desejava ver os italianos invadirem o Vêneto sob
controle austríaco, para dividir os exércitos de Francisco José. Moltke também falou da
necessidade de uma ação rápida, que impedisse a preparação não somente dos austríacos,
mas da Saxônia e da Baviera, que em qualquer campanha germânica quase certamente bater-
se-iam ao lado das forças dos Habsburgos. O ministro da fazenda, Karl von Bodelschwingh,
pôs em dúvida a necessidade da guerra; era a favor doutra tentativa de solução conciliatória.
Mas verdadeiramente contra só um foi, o Príncipe Real Frederico Guilherme, também ele
militar, e que deveria comandar um dos exércitos prussianos em combate. Em sua opinião,
uma guerra entre as Potências seria uma tragédia para toda a Alemanha e só aproveitaria a
Napoleão III.

No fim, o rei titubeou em decidir firmemente por um ou outro lado. Declarou ao Conselho da
Coroa que havia feito um profundo exame de consciência e que admitia aceitar a necessidade
de uma guerra com a Áustria; voltara-se, assim disse, para o Criador e estava convencido ser
da vontade Divina que se fizesse justiça à Prússia. Mas não daria a ordem final a Bismarck
para proceder como achasse melhor não se devia provocar a guerra, fosse por atos
desarrazoados, fosse por declarações intempestivas. Caso a Áustria demonstrasse uma
mudança de estado de espírito, ou de política, Guilherme daria graças a Deus, pois uma
solução pacífica era infinitamente preferível. Por ora, desejava que Bismarck preparasse uma
carta, em seu nome, propondo a Napoleão III um mais estreito entendimento entre a Prússia e
a França, e aprovava preparativos para um acordo militar com a Itália.

Terminado o Conselho da Coroa, os militares ficaram convencidos de que a guerra era


iminente; Bismarck, não. Ele entendeu o significado das pias esperanças de Guilherme numa
solução pacífica. Se Mensdorff conseguisse acalmar o grupo militar que cercava Francisco
José, havia grande possibilidade de uma mudança de atitude da Áustria, tal como ocorrera em
Gastein, no verão anterior. Bismarck decidiu, em conseqüência, ter pronta uma alternativa
política que levasse à rápida reconciliação austro-prussiana, caso Francisco José resolvesse
deixar de lado as tradicionais pretensões dos Habsburgos a dominadores da Alemanha. Essa
renúncia seria a solução lógica das dificuldades da Áustria. Em fevereiro e março ela não
pareceu fora de propósito. A Corte Habsburgo fora para a residência em Budapest, e todo o
esforço se fazia para superar as suspeitas latentes entre a dinastia e os nobres magiares. Mais
de três anos antes Bismarck sugerira a Karolyi que a monarquia dos Habsburgos transferisse
seu centro de gravidade para a Hungria. Se isto, agora, sucedesse, não havería necessidade
de uma “Guerra de Irmãos”, muito menos para qualquer entendimento com Napoleão III ou
com Vitório Emanuel da Itália. Embora, no fundo, Bismarck julgasse Francisco José orgulhoso
demais para fazer as concessões que a Prússia queria, ele esteve em condições de enfrentar a
mais dramática mudança de política, até o momento mesmo em que a primeira tropa cruzou a
fronteira. A flexibilidade de manobra era uma condição essencial de sua estratégia
diplomática.

Por ora, entretanto, continuou a perseguir três objetivos imediatos: uma aliança secreta com a
Itália, que comprometesse Vitório Emanuel na guerra, mas que deixasse a Prússia livre de
compromissos; uma entente com a França, a tal ponto sólida que Napoleão III adotasse uma
neutralidade benevolente sem compensações; e, acima de tudo, a manutenção de uma tensão
tão constante que os nervos dos soldados e dos diplomatas de Francisco José terminassem por
ceder, levando-os a cometer algum “erro crasso e imperdoável”. No fim, os sucessos táticos de
Bismarck ficaram a meio caminho de todos os três objetivos. Os italianos impuseram um
tempo-limite ao definirem que somente declarariam guerra à Áustria se a luta entre a Prússia
e a Áustria se desencadeasse dentro de três meses após a assinatura da convenção secreta (8
de abril). Napoleão III, conquanto sem a menor inclinação de favorecer a Áustria, mencionou,
em conversa privada, a expansão até o Reno, e condenou publicamente a solução de 1815.
Finalmente, mesmo que não houvesse sido difícil convencer Guilherme de que a Áustria era o
lado errado, foi impossível conquistar a opinião pública alemã; e muitas regiões da Prússia
enviaram “humildes mensagens” ao rei pedindo-lhe que garantisse a paz. Seja como for,
nenhuma dessas falhas impediu Bismarck de chegar à solução pela guerra, que sempre
advogara como sendo o único método eficaz de enxotar a Áustria dos assuntos germânicos.

A primavera de 1866 foi um período de retesamento constante. Certas ocasiões Bismarck


permanecería horas a fio estirado num sofá de forro vermelho, em seu escritório, queixando-
se de dores fortes na perna e reclamando que mal podia mover-se. O embaixador austríaco,
num dia de abril, ao chegar para uma conversa crucial, teve a impressão de ver um urso
ferido, uma criatura atingida, em tormento, mas ainda uma ameaça para o caçador que lhe
chegasse ao alcance210. Roon demonstrou mais compreensão: achou-o “deprimido, irritadiço,
com a mente perturbada”, e registrou que ele sofria “das mais intensas dores no estômago”;
entristecia-o ver o gigante que ele havia levado ao poder três anos e meio antes alquebrado
por “trabalhos hercúleos dia e noite”211. Durante semanas Bismarck mal saiu de sua
residência oficial. Houve boataria na cidade sobre sua saúde. É difícil determinar com
exatidão o que houve com ele, se é que houve alguma coisa. Basicamente parece ter tido
problemas de varizes, mas sua debilitação geral - o “ar sombrio” que amigos e colegas tanto
comentavam -provinha também de hábitos alimentares desordenados e, naquele tempo, da
total falta de exercício. Até certo ponto sua doença tinha conveniências: não comparecer a
cerimônias oficias, não ter que fazer discursos; a vantagem de só receber os diplomatas e os
políticos que quisesse; e a esperança de estudar despachos e relatórios em relativa paz, só
quebrada pelos auxiliares escolhidos. Não foi a primeira vez, nem a última, em que gozou das
delícias da doença.

Os austríacos tiveram o primeiro alarme sério sobre a atitude da Prússia, na segunda semana
de março, quando Karolyi, o embaixador em Berlim, informou da chegada de uma missão
militar italiana212. Os conselheiros de Francisco José chamaram-lhe a atenção para o fato de
que, devido à tensa situação ao longo das fronteiras da Venécia e da Lombardia, não havia
mais que três regimentos aquartelados na Boêmia. A paquidérmica máquina de guerra
austríaca exigia duas vezes mais tempo para mobilizar-se que a da Prússia, e o Estado-Maior
Geral austríaco não desejava alertar o inimigo fazendo convocações de pessoal. Porém que
mais poderiam fazer? Por toda a segunda metade de março enviaram homens para o norte,
para as praças fortes da Boêmia e da Morávia. Cada informação sobre movimento de tropas
melhorava o jogo na mão de Bismarck. Ele alimentou a imprensa de Berlim com “provas” das
intenções agressivas da Áustria. Até o rei, relutantemente, convenceu-se de que Francisco
José desejava humilhar uma vez mais a Prússia. Na Quinta-Feira Santa (29 de março)
Guilherme engalfinhou-se com sua consciência e chegou à conclusão de que era justo dar
ordens ao Exército Prussiano para reforçar as guarnições de fronteira, embora não
autorizasse a convocação de reservistas213. Existe uma anotação com itens para uma
conversa entre Guilherme e o Duque de Coburgo (datada de 4 de abril): o rei explicava que
havia esperado quinze dias, depois que as primeiras notícias chegaram-lhe de que “a Áustria
se arma”, mas agora não “tolerava mais a máscara” da hipocrisia e "era obrigado a tentar
arrancá-la”214. Não obstante, pediu insistentemente a Bismarck que moderasse o tom “um
tanto frio e brusco” de suas respostas a mensagens de Viena O rei ainda era avesso à
perspectiva de uma guerra austro-prussiana.

No mês de abril a questão de paz ou guerra pendeu em equilíbrio. Pelo meio do mês havia a
possibilidade de ambos os lados serenarem, Bismarck tinha, pessoalmente, boa disposição
para com o plano conciliatório apresentado na terceira semana de abril pelos irmãos Ludwig e
Anton Gablenz, um deles o governador austríaco do Holstein, o outro um fidalgo rural
prussiano e membro do Landtag, em Berlim[1]. Propunham que Schleswig-Holstein se
tornasse um principado independente, governado por um membro da Casa de Hohenzollern,
porém jamais absorvido no Reino da Prússia. Ao mesmo tempo, reformar-se-ia a Confederação
Germânica: toda a Alemanha situada ao norte do rio Meno ficaria sob a liderança militar
prussiana, enquanto a região ao sul do rio cairía sob comando austríaco215. Militarmente, o
plano concedería à Prússia consideráveis ganhos, mas nada prometia à Áustria, em troco. As
conversações prosseguiram durante sete semanas, sem grandes possibilidades de sucesso, a
menos que Bismarck concordasse em garantir à Áustria a retenção do Vêneto, pois Francisco
José não admitia abandonar suas pretensões germânicas numa época em que o controle dos
Habsburgos na Itália começava a escorrer por entre os dedos. Era tarde demais, no entanto,
para os prussianos apoiarem a Áustria na península italiana: o destino veneziano, até onde
dependia de Bismarck, resolvera-se nas barganhas entre Napoleão III e o embaixador
prussiano, e na negociação da aliança prusso-italiana.
Na primeira etapa, Bismarck quis acoplar ao plano Gablenz a proposta de um parlamento
alemão eleito diretamente, baseado no sufrágio universal masculino. Este projeto especial,
que visava a conquistar o apoio dos nacionalistas alemães à Prússia, surgiu na Dieta de
Frankfurt, apresentado pelo enviado prussiano, em 9 de abril; e nos dois meses que se
seguiram Bismarck continuou a estimular a idéia de que a Prússia recebería bem uma nova
estrutura constitucional para a Confederação Germânica, especialmente se levasse em conta
o desejo geral por uma instituição eleita. Como Bismarck permanecia em conflito com o
Landtag, a maioria dos liberais considerou essa tentativa de evocação do espírito radical de
1848 um canhestro exercício de oportunismo cínico. E no entanto, ficou claro que Bismarck
não era insincero. A seu ver, um parlamento pangermânico seria muito diferente da
assembléia de Berlim, predominantemente burguesa, entranhada de desconfianças do rei e
dos ministros. Bismarck era um conhecedor das realidades da política, ainda que
subestimasse a profundidade de convicção de seus opositores liberais e progressistas. Qual
Napoleão III, ele percebera que o sufrágio universal era, na essência, uma arma
conservadora, porque daria o direito aos lavradores do interior e aos trabalhadores urbanos,
os quais estariam maciçamente ao lado da ordem e da segurança contra as demandas da
classe média, de mudança e reformas. Pouca chance havia de o projeto do parlamento alemão
ser aprovado na Dieta Federal; mas pelo menos era uma medida positiva, com atrativos para o
nacionalismo liberal democrático daqueles tempos - um gesto que Francisco José estava
impedido de fazer pelas próprias características do estado Habsburgo.

“O que o senhor me propõe é uma revolução!”, protestou Guilherme quando o ministro-


presidente pela primeira vez delineou-lhe seu plano216. Difícil para o rei entender esta nova
manobra do “vassalo feudal” que se oferecera a servir seu “senhor feudal”, em Babelsberg,
havia menos de quatro anos. Bismarck buscava explorar todos os meios a seu alcance para
enfraquecer a autoridade dos Habsburgos; e o rei não estava bem a par de todos eles. Desde
que assumira o cargo, Bismarck estava em contato com exilados húngaros e cogitava de
recrutar uma Legião Magiar, sob o comando do General Klapka - um dos membros da
“Comissão Executiva Nacional” de Kossuth. Havia, ainda, planos para instigar os tchecos,
agitar os romenos e magiares da Transilvânia e levantar os sérvios do Danúbio, até mesmo de
empregar Garibaldi para comandar o desembarque de uma força binacional, húngara e eslava
do sul, na costa da Dalmácia controlada pelos austríacos. Era ridícula, evidentemente, a
expectativa de que tchecos, republicanos italianos, magiares, sérvios e romenos, esquecessem
suas animosidades e se alinhassem atrás da Prússia; e jamais houve a possibilidade realística
de “levar a Áustria pelos ares” com a “explosão de todas essas minas” (na metáfora do próprio
Bismarck)217. O efeito maior dessa atividade conspiratória de Bismarck foi o alarme causado
no QG austríaco pelas informações de que um general prussiano e um dos braços direitos de
Kossuth haviam sido vistos em conferência, primeiro em Belgrado, dias depois em Bucarest. O
que começara como uma disputa pelos ducados do Elba parecia envolver agora todo o
Império Habsburgo. Aliás, muito ilustrativamente, o acontecimento que levou Francisco José a
dar a ordem de mobilização não foi qualquer movimento dos exércitos de Guilherme em terras
germânicas, mas sim os relatos sobre uma concentração de tropas italianas nas planícies da
Lombardia. Passaram-se mais seis dias antes de o imperador expedir a ordem para mobilizar-
se o exército do norte, na Boêmia (27 de abril).

Ainda não havia entusiasmo por uma guerra, no interior da Prússia. Bismarck sabia-se
impopular como sempre. Sua doença, verdadeira ou inventada, manteve-o em casa nos
primeiros dias de maio. Por fim, na segunda-feira, 7 de maio, esteve no palácio real e resolveu
voltar a pé para casa, num passeio sob as tílias da avenida Unter den Linden. De repente,
ouviu dois tiros de revólver, a curta distância, atrás de si. Voltando-se rápido, atracou-se com
um rapaz, imobilizando-o com mão de ferro até que dois guardas corressem em seu auxílio.
Continuou a pé para casa, e só ao chegar descobriu que uma das balas atravessara o casaco, o
colete e a camisa, deixando-lhe as costelas doloridas, mas sem sequer arranhar-lhe a pele.
Mais tarde ele deu uma explicação a seu secretário político, Robert Keudell, alvitrando que
talvez as balas não tivessem chegado à velocidade final de um tiro porque, na luta, o cano do
revólver já estaria comprimido contra sua roupa.
Não há dúvida de que Bismarck escapou, por um triz, de ser assassinado. Seu agressor (que
naquela noite suicidou-se na cela) era Ferdinand Cohen-Blind, estudante em Tübbingen,
enteado do radical socialista exilado, Karl Blind [2]. Segundo Keudell, o atentado causou
uma grande demonstração popular em favor de Bismarck; descreve a multidão que se apinhou
na Wilhelmstrasse, dando-lhe vivas até ele aparecer na janela e fazer um pequeno discurso de
agradecimento e de confiança renovada218. Mas não eram muitos os alemães com a
disposição de agradecer por sua sobrevivência. “Que revólveres tem este país!”, ouviu-se
murmurar um eminente cientista da Universidade de Berlim. Houve um agente austríaco que
informou Viena, com certo exagero, que uma convocação militar levaria à rebelião; e o
príncipe herdeiro anotou em seu diário que “quando papai me contava” o atentado contra a
vida de Bismarck, “uma pedra acertou a janela frente à qual estávamos... mas o incidente não
causou qualquer perturbação na rua, embaixo”. O descontentamento não se limitava aos
liberais e à esquerda. Naquele mesmo dia, o Kreuzzeitung, o jornal conservador que Bismarck
ajudara a fundar em 1848, denunciou a diplomacia irresponsável que estava levando a
Alemanha à beira da guerra. O artigo era assinado por Ludwig von Gerlach, o mais antigo
amigo de Bismarck na vida política; e o ministro-presidente declarou que aquelas palavras o
feriam mais que os tiros de Cohen-Blind219. Passados dias, Bismarck recebeu Gerlach na
Wilhelmstrasse. “Ele estava tenso, pálido e apaixonadamente nervoso”, descreveu Gerlach.
“Avisei-o contra uma guerra que seria tão desastrosa, lembrando-o de que Olmütz era, em
parte, obra dele e pedi-lhe que mantivéssemos nossas relações pessoais, apelo que ignorou.
Apresentava um ar de desespero insone. Falou em Deus, em oração: o assunto era entre Deus
e ele próprio, não entre amigos e correligionários políticos”. Separaram-se sem um aperto de
mão; Bismarck, afinal, rompera com o conservantismo protestante do círculo de Trieglaf. A
fracassada tentativa de assassínio convenceu-o de que era instrumento escolhido pelo Todo-
Poderoso, diz Keudell; mas daí em diante, o Deus com que comungava sua alma foi uma
divindade estranhamente pessoal, igualmente irreconhecível, à primeira vista, a luteranos e
calvinistas220.

A verdade era que, por volta da segunda semana de maio, Bismarck havia ido longe demais
com sua política, para poder mudar. Dois dias após o atentado, ele convenceu o rei a dissolver
o Landtag e anunciar a convocação de eleições para fins de junho e início de julho. Portanto,
agora Bismarck estava amarrado a um calendário e a uma marcação de tempo criados por ele
mesmo: o tratado italiano compelia-o à guerra com a Áustria dentro de três meses a contar de
8 de abril; e a situação interna da Prússia exigia ou a vitória militar ou sucessos diplomáticos
sensacionais, do dia 9 de maio a oito semanas. Bismarck não se iludia sobre os riscos que
estava aceitando. Sabia ser impossível seguir indefinidamente em desafio à opinião pública e
ao parlamento. Mais uma vez começou a falar, tonitroante, em cumprir seu dever mesmo que
isso o levasse ao cadafalso. Mas apesar da tensão nervosa que Gerlach notou, Bismarck
estava confiante. Se chegassem à guerra, estava convencido de que não havería
manifestações contrárias à política do governo. “Na hora da verdade”, escreveu ao
embaixador em Paris, já em 30 de março, “as massas cerrarão fileira em torno da monarquia
sem questionar, quer ela siga a tendência liberal, quer a conservadora”221. Nada do que
sucedeu nos meses seguintes foi de molde a fazê-lo mudar de opinião. Quando, na segunda
semana de maio, a mobilização prussiana estava concluída, não houve manifestações mais
sérias de indisciplina. Os milicianos apresentaram-se uma vez mais a seus depósitos, na
Vestfália e na Prússia Oriental, numa relutância meio taciturna, mas em todos os demais
lugares demonstraram todos aqueles sinais de respeito pela autoridade com que contava
Bismarck para o sucesso.

No entanto, os acontecimentos não seguiram a configuração que ele previra. A jogada de


tentar conquistar para a causa o sentimento patriótico, propondo a eleição de um parlamento
com base no sufrágio universal masculino, despertou mais ridículo que entusiasmo; e no fim
de maio estava evidente que a Baviera, Baden, Hesse-Darmstadt e Württemberg apoiariam
militarmente a Áustria, sendo pouco provável que a Saxônia e Hesse-Cassel permanecessem
neutros ante uma agressão prussiana à Áustria. A esperança de Bismarck, de canalizar o
sentimento nacional germânico, deu em nada; tampouco foi capaz de manter Napoleão III
acomodado. O imperador não só mostrou um desagradável interesse em obter “compensação”
para a França na área entre o Mosela e o Reno, como chegou a propor um congresso europeu
para discutir os três problemas correlatos do Vêneto, de Schleswig-Holstein e da
Confederação Alemã. Semelhante idéia - que chegou a receber algum apoio da Grã-Bretanha
e da Rússia -teria representado a reafirmação do primado da França na Europa, retirando de
Berlim a iniciativa222. Felizmente para Bismarck, os austríacos apenas concordavam em
comparecer a um congresso se dele não derivasse qualquer acréscimo de poder ou território
para nenhum dos estados partícipes, condição que Napoleão III nunca aceitaria.
Aparentemente, os austríacos não haviam agido como convinha, mas as negociações
continuavam entre diplomatas franceses e austríacos, e Bismarck permaneceu na incerteza
sobre a política de Drouyn. Foram os austríacos que furaram o tumor da crise. Estavam
convictos de que, com o apoio dos outros Estados Alemães, derrotariam a Prússia
rapidamente, livrando-se de Bismarck e de suas maquinações. No dia 1.° de junho o
representante austríaco em Frankfurt anunciou que, sendo impossível chegar a um acordo
com a Prússia sobre a forma final de governo para Schleswig-Holstein, o futuro dos ducados
ficaria nas mãos da Dieta de Frankfurt e de uma assembléia popular convocada a reunir-se
em Itzehoe, no Holstein223. Tal proposição infrigia o tratado austro-prussiano de janeiro de
1864 e foi interpretada pelo Rei Guilherme como insulto a seus próprios foros de soberania.
Bismarck autorizou o general Manteuffel a cruzar o Eider, partindo de Schleswig, e ocupar
Holstein. Para surpresa de Bismarck, quando a invasão ocorreu em 7 de junho, Ludwig von
Gablenz deu ordem a suas tropas para recuarem, atravessando o Elba e entrando em
Hanover, sem oferecerem resistência aos prussianos. Fossem quais fossem os sentimentos em
Viena, ele próprio era por demais um pacificador para dar o primeiro tiro numa guerra
fratricida224.

A decisão final tomou-se, portanto, na Dieta Federal, como Bismarck sempre previra. Porém,
como tantas deliberações de Frankfurt, este importantíssimo debate foi prolongado e confuso.
No domingo, 10 de junho, Bismarck publicou em Berlim um plano de reforma criando um
Estado Federal Alemão com exclusão da Áustria; e deu instruções ao delegado prussiano em
Frankfurt para apresentar o plano à Dieta tão cedo fosse possível. Os austríacos, porém,
chegaram primeiro. Na segunda-feira o delegado austríaco conclamou os estados alemães a
mobilizarem-se contra a Prússia, sob o argumento de que Bismarck havia desobedecido à
constituição da Confederação. Os estados pequenos, desejando exercer alguma liberdade de
ação, emendaram a proposta de forma a parecer que condenavam a Prússia
independentemente dos austríacos. Fazia pouca diferença. Na quinta-feira, 14 de junho, a
Dieta votou, condenando a Prússia. Imediatamente o delegado prussiano, seguindo instruções
de Bismarck, leu uma declaração recusando- se a reconhecer o direito da Dieta de agir
daquela maneira contra um de seus membros e asseverando que a Confederação estava,
naquele momento, dissolvida. Na manhã cedo de sexta-feira, 15 de junho, foram apresentados
ultimatos aos reis da Saxônia e do Hanover e ao Eleitor de Hesse, exigindo a aceitação, por
eles, do plano de reforma prussiano e direito de livre passagem do Exército Prussiano pelos
respectivos territórios. Cada um dos três governantes rejeitou o ultimato que lhe foi
entregue225. Naquela sexta-feira, à noite, Bismarck encontrava-se no jardim de
Wilhelmstrasse 76, em companhia do embaixador britânico, Lord Augustus Loftus. Quando os
relógios de Berlim deram meia-noite, Bismarck informou seu hóspede de que, àquela hora, as
tropas prussianas avançavam contra Hanover, Dresden e Cassei. “Se formos batidos, não
voltarei aqui”, conta Loftus ter ouvido dele, “cairei na carga final. Só se morre uma vez; e o
melhor para o vencido é morrer”226.

Os prussianos ocuparam a Saxônia e o Eleitorado de Hesse sem dificuldade, embora o Rei


George do Hanover haja dado ordem a suas tropas para lutarem e resistirem em Langensalza.
Quase toda a Alemanha setentrional estava nas mãos dos prussianos antes de iniciar-se a
campanha principal contra a Áustria em 24 de junho. Estes sucessos estratégicos quase
brancos calaram as críticas na Prússia contra a política de Bismarck e ele chegou mesmo a
ser aplaudido nas ruas, no primeiro dos dois dias de eleição, segunda-feira, 25 de junho. “A
popularidade é mais uma carga - não estou acostumado”, escreveu ele, secamente, a Kathy
Orloff na quinta-feira227.

No entanto, já nessas operações limitadas Bismarck percebera um forte potencial de restrição


à sua conduta dos assuntos. Em 19 de junho, recebeu um telegrama de seu enviado em
Karlsruhe afirmando que a Prússia podia ocupar facilmente Frankfurt, que era caótica a
situação dos exércitos dos estados alemães do sul. Bismarck retransmitiu essa mensagem ao
general von Falckenstein, mandado por Moltke perseguir os hanoverianos, que batiam em
retirada para o sul. Falckenstein, em vista disso, interrompeu a perseguição cerrada, destacou
tropas para oeste, através de Cassei, e preparou-se para avançar sobre Frankfurt. Moltke
ficou indignado. Reclamou que Bismarck estava permitindo que objetivos políticos ditassem a
estratégia. O rei havia emitido uma instrução de seu gabinete, em 2 de junho, fixando o
princípio de que todas as ordens do Estado-Maior Geral deviam ser transmitidas diretamente
ao QG de campanha, ao invés de, como na campanha dinamarquesa, submeterem-se, antes,
ao ministro da guerra; e Moltke argumentava que Bismarck, com sua interferência, estava
tentando subordinar as operações, outra vez, ao controle ministerial. Os oficiais do Estado-
Maior, ciosos de sua recém-definida autoridade, aumentaram a importância do caso
Falckenstein e continuaram a resmungar contra os pecados do chefe civil do governo até
muito depois da campanha haver terminado. Bismarck interpretou corretamente o
desentendimento como sinal de conflitos futuros228.

O rei Guilherme permaneceu em sua capital até 30 de junho, quando lhe pareceu iminente
uma batalha decisiva. Naquele sábado, o rei e seus assistentes deixaram Berlim, seguindo
para a Boêmia. A comitiva era numerosa - ministros do governo, assistentes militares e
ajudantes-de-ordens, diplomatas e adidos estrangeiros, a equipe do Ministério do Exterior,
médicos particulares, criados domésticos, serventes, lacaios e outros. Seis trens especiais
foram necessários para a viagem de duzentos e quarenta quilômetros até Reichenau, no alto
rio Neisse, onde o Primeiro Exército Prussiano montara seu quartel-general. Bismarck viajou
fardado de major de cavalaria da Landwehr, com capacete de couraceiro e uma capa longa
cinzenta, insuportavelmente quente para o verão. Não estava habituado à campanha, fato que
Moltke comentou gostosamente, dando-lhe destaque na conversação. Em Reichenberg, o
major von Bismarck surpreendeu-se ao constatar o rei protegido apenas por uns trezentos
soldados de ar apático. Com tropas austríacas e saxônicas a menos de doze quilômetros,
perguntou ele a Moltke se aquele contingente, tão pequeno, não era perigoso para o
soberano. “É, sim”, respondeu Moltke, laconicamente, “na guerra tudo é perigoso”229.

O comandante-em-chefe austríaco, Benedek, seguindo sua melhor estimativa, apresentou-se


para dar combate aos prussianos às margens do riacho Bistritz. O local que escolheu ficava
próximo à vila de Sadowa, doze quilômetros a noroeste da fortificação de Königgrätz, na
confluência do Elba com o Adler[3]. Esperava derrotar juntos o Primeiro Exército
(comandado pelo Príncipe Frederico Carlos) e o Exército do Elba (general Herwath von
Bittenfeld), antes da chegada do Segundo Exército (comandado pelo crítico de Bismarck em
tempo de paz, o príncipe herdeiro). Moltke, por sua vez, estava convencido de poder apanhar
os austríacos na cilada. O Segundo Exército, que vinha progredindo da Silésia, já em 30 de
junho havia estabelecido contato com o Primeiro Exército; e não havia por que o príncipe real
não fosse capaz de chegar ao campo de batalha a tempo de completar o esmagamento das
forças austríacas. Bismarck, perfeitamente consciente de que o dia seria decisivo para sua
política, notou com satisfação a confiança calma de Moltke, a cavalgar ao lado do Rei
Guilherme, da vila de Klenitz até uma colina acima da aldeota de Dub, onde existia um ponto
de observação dominando o vale do Bistritz e a região que se desenrolava para além. A
chegada à colina, um quarto para as oito da manhã de terça-feira, 3 de julho, foi saudada pelo
canhoneio de uma bateria austríaca; uma granada caiu a vinte metros do rei, se tanto. Quinze
minutos depois, o Príncipe Frederico Carlos recebeu ordem de lançar o Primeiro Exército
contra as posições austríacas ao longo do Bistritz. De 440.000 a 460.000 homens entraram em
combate naquele dia, em frente a Königgrätz. Jamais, na história da Europa, haviam tais
efetivos tomado parte na luta em um só campo de batalha: nem houve, depois, maior
entrechoque de armas, até a Primeira Guerra Mundial.

Bismarck, montando um cavalo enorme e vermelho como uma raposa, acompanhou


atentamente cada virada da fortuna das oito horas de combate. Esteve ao lado do rei e de
Moltke, primeiro em Dub, depois nas alturas de Roskosberg, imediatamente acima da vila de
Sadowa. Recordando, mais tarde, disse ter-se sentido como se estivesse a jogar pôquer com
uma aposta de um milhão de táleres que não possuía. A verdade é que o todo irreal do
panorama da batalha, visto pela primeira vez, o fascinou. A terrível constatação de que
milhares de homens estavam a mutilar-se e matar-se devido a quatro anos da política imposta
por ele, não parece ter subido ao seu consciente até bem depois; e mesmo então suas
emoções primeiro se agitaram ante a idéia do quão terrível teria sido se seu próprio filho lá
estivesse, nas campinas, derrubado entre os mortos e moribundos. Temeu, porém, pela
segurança do rei, que corria riscos desnecessários, em sua opinião: “Foi bom que eu estivesse
presente”, escreveu Bismarck à esposa na segunda-feira seguinte, “pois ele não deu a menor
importância aos avisos dos demais, e ninguém teria ousado falar-lhe tão energicamente
quanto me permiti fazê-lo na última vez... em que as granadas assobiaram desagradavelmente
próximas”230. Seu fatalístico senso de missão não o deixou preocupar-se com suas próprias
chances de sobrevivência.

Várias vezes, naquela terça-feira, ficou abismado com o supremo autocontrole de Moltke: e se
o príncipe herdeiro não tivesse surgido em cena antes que a cavalaria de Benedek lançasse
um ataque frontal à posição de Frederico Carlos? Aliás, foi ele quem primeiro notou a
mudança decisiva da batalha. De seu posto de observação de Roskosberg, percebeu, pouco
depois de uma da tarde, que aquilo que julgara ser um renque de árvores a oito quilômetros
para leste, na verdade estava avançando e entrando sob o fogo da artilharia austríaca.
Chamou a atenção de Moltke para o fenômeno. Depois de uma silenciosa observação da
posição pelo telescópio, Moltke disse ao rei: “A campanha está decidida, e de acordo com os
desejos de Vossa Majestade”. Guilherme, irritado com essa retórica num soldado, pediu-lhe
que parasse de dizer disparates e prestasse atenção nos problemas do momento. Mas Moltke
verificara que Bismarck havia descoberto, não qualquer invenção pela qual uma
shakespereana Birnam Wood da Boêmia estava a avançar sobre uma Dunsinane austríaca,
mas sim o exército do príncipe real prussiano ameaçando acabar com as exaustas tropas de
Benedek. “Sire, o sucesso é completo”, Bismarck ouviu Moltke dizer ao rei, “Viena jaz aos pés
de Vossa Majestade”231.

Ninguém estava ainda muito disposto a aceitar o que Moltke afirmava - “Mas quem é esse
general von Moltke?”, exclamou o comandante de uma divisão em reserva, naquela tarde,
quando um mensageiro chegou a galope com novas ordens232. Ainda faltavam três horas de
combate até ficar evidente que os prussianos eram vitoriosos. A batalha foi especialmente
feroz em torno da vila de Chlum, onde os austríacos tentaram repetidas vezes forçar a
vanguarda do príncipe real a abandonar o controle da estrada para Königgrätz e para o sul.
Mas ao cair da noite o exército austríaco estava destroçado, tendo perdido 24.000 homens
entre mortos e feridos, mais 13.000 aprisionados. O rei condecorou seu filho e herdeiro com a
mais alta condecoração militar da Prússia, a Pour le Mérite, e passou a noite em Horitz,
cidadezinha nove quilômetros para o norte de Sadowa e a vinte quilômetros de Königgrätz
(que permanecia, inatacada, em poder dos austríacos).

Bismarck seguiu o rei até Horitz, mais deprimido com as conseqüências da batalha que
jubiloso com a vitória. Chegou a Horitz e ficou sabendo que ninguém destinara alojamento
para o chefe do governo. Mais tarde, já a chuva começando a cair, achou um quintal onde
talvez se pudesse abrigar. Ao abrir o portão e entrar, escorregou e desabou sobre um monte
de esterco. Por fim, acomodou-se o melhor que pôde sob a colunata do mercado da vila. Lá foi
localizado pelo Grão-Duque de Mecklenburgo, comandante da Brigada Ligeira, que
providenciou para ele um local para dormir (e lavar-se) em seu próprio acantonamento.
Moltke já estava na cama, resfriado e com febre233. Houve pouca sensação de triunfo
naquela noite: os austríacos, embora derrotados, conseguiram evitar o cerco total e
debandavam, atravessando o Elba, na direção do Danúbio.

Mas os austríacos bem sabiam que, mesmo com os reforços do exército que detivera os
italianos na Venécia, não poderiam reverter o resultado decisivo de Sadowa. Houve gestões
dos comandantes de linha em busca de um armistício imediato, mas as condições de Moltke
pareceram-lhes muito duras. Francisco José foi obrigado a pedir mediação francesa.
Tecnicamente, a guerra prosseguiu por mais três semanas e ainda houve dois intensos
combates na Morávia, no dia 15 de julho, em Tobitschau e em Roketnitz. Mas na realidade,
durante o resto do mês as estimativas políticas passaram o planejamento estratégico para
segundo plano, no QG prussiano. E Bismarck, cuja diplomacia, em abril, maio e junho, havia
objetivado levar a crise ao ponto de ebulição, agora estava tão ansioso quanto o príncipe real
em apagar o fogo e restaurar a paz na Alemanha.

Às cinco da manhã de 5 de julho, Bismarck foi acordado com a notícia de que Napoleão III
estava, a pedido de Francisco José, tentando terminar o conflito. Ocorria mais cedo do que
Bismarck previra e ele aconselhou o rei a enviar uma resposta protelatória enquanto os
prussianos prosseguiam no avanço e acertavam suas condições. Embora sem desejar que
Napoleão III mudasse de atitude e partisse para a mobilização no Reno, também não queria
que lhe coubesse o prestígio de emergir de tudo como o pacificador da Europa234. Mas nos
dias que se seguiram Bismarck viu-se frente a um novo problema. Antes da guerra, o rei
sempre fora contra redesenhar-se drasticamente o mapa. A vitória militar mudara as coisas.
Falava-se, agora, em anexar tudo, o Hanover, a Saxônia e os Hesses, além de criar um
corredor prussiano para o sul, até a Baviera. Bismarck pasmou com o ambiente do QG: “Cabe-
me a triste tarefa de ficar derramando água no vinho espumante e explicar que não vivemos
sozinhos na Europa, que temos a companhia de três outras Potências que nos invejam e
odeiam”, escreveu a Joana em 9 de julho235. No dia seguinte, recomendou ao embaixador em
S. Petersburgo garantir a Alexandre II que tudo que se desejava era uma reforma da
Confederação Germânica, o acerto final do caso Schleswig-Holstein e expulsar a Áustria da
Alemanha236. Programa tão modesto que torna impossível acreditar que o rei e seus
comandantes militares fossem conformar-se e aceitá-lo.

Pois Guilherme agora despertara para a ambição de substanciais acréscimos de território. No


dia 9 de julho, meio contrafeito, Bismarck solicitou ao embaixador em Paris que sondasse
Napoleão III sobre a possibilidade de a Prússia absorver os estados alemães do norte. Para
surpresa sua, ouviu que o imperador não era basicamente hostil à idéia, embora insistisse na
manutenção do rei da Saxônia no trono. A 14 de julho o embaixador francês, Benedetti, trouxe
a Bismarck os termos que a França pretendia recomendar à aceitação de Prússia, Itália e
Áustria: cessão do Vêneto à Itália; exclusão da Áustria de qualquer união germânica;
estabelecimento de uma confederação dominada pela Prússia ao norte do Meno, enquanto os
estados alemães ao sul do Meno “gozariam de uma existência internacional independente”; os
ducados do Elba “seriam reunidos à Prússia”; e pagamento de indenizações pela Áustria e
seus aliados237. A proposta não estava muito longe dos planos de Bismarck; mas continha a
lacuna de não particularizar os territórios que a Prússia poderia anexar, e Bismarck sabia que
precisava esclarecer bem esse ponto se quisesse convencer o rei e os militares.

Moltke e Frederico Carlos mostravam-se impacientes por manterem o avanço até Viena.
Também o rei estava agora tomado de desejos de ditar a paz instalado na capital dos
Habsburgos - algo, aliás, só conseguido por um homem, Napoleão I. Bismarck não concordava
com esses devaneios. Irritou o Estado-Maior opondo-se ao plano de Frederico Carlos de tomar
de assalto as fortificações de Floridsdorf (situadas a seis quilômetros do centro de Viena) e
garantir uma travessia do Danúbio. Bismarck não concordava com a humilhação dos
austríacos, nem com termos a tal ponto draconianos que os tornasse inimigos odientos no
futuro. “Um dia vamos precisar do poderio da Áustria a nosso favor”, dizia. Às vezes parecia-
lhe que os generais haviam perdido todo senso. Robert Keudell narra a maneira como
Bismarck, numa das intermináveis reuniões militares de julho, silenciou os generais debaixo
de uma lógica devastadoramente sarcástica. Por que motivo, consultou ele, o exército queria
parar em Viena, e dali ditar a paz, em vez de perseguir os austríacos Danúbio a baixo,
Hungria a dentro? Afinal, se ficasse muito difícil manter as comunicações com a retaguarda,
as tropas sempre poderiam prosseguir até Constantinopla e criar uma nova Bizâncio,
abandonando o Reino da Prússia à própria sorte238. Era o demolidor deputado da Dieta
Unida, outra vez em ação. Não ficou mais querido por isso, nos círculos do Grande Estado-
Maior.
Na quinta-feira, 19 de julho, Benedetti informou Bismarck que os austríacos aceitavam os
termos de Napoleão: esperavam os franceses que a Prússia também concordasse e se
concluísse um armistício imediato239. O rei e o Estado-Maior achavam-se agora em
Nikolsburgo, a oitenta quilômetros de Viena, e foi ali, no velho castelo do Príncipe
Dietrichstein, o debate decisivo sobre um armistício, naquele mesmo dia. A discussão foi
desusadamente tempestuosa. Moltke aprestava-se para cruzar o Danúbio em Floridsdorf, e as
patrulhas de ponta do Primeiro Exército estavam a cinco quilômetros do rio (nas
proximidades do campo de batalha napoleônico de Wagram). Roon, na qualidade de ministro
da guerra, opunha-se à travessia do Danúbio, por julgar que causaria baixas desnecessárias; e
apoiou a posição de Bismarck, favorável a um armistício. O rei hesitou muito, mas terminou
concordando com um cessar-fogo de cinco dias, detendo as tropas prussianas antes do
Danúbio.

Bismarck sentiu que precisava doutro aliado na mesa de reunião. No sábado, enviou um apelo
urgente ao QG do Segundo Exército, rogando ao príncipe herdeiro que viesse imediatamente
a Nikolsburgo. Quando este subia a colina, na direção do Castelo de Dietrichstein, encontrou-
se com Moltke: “Vossa Alteza Real encontrará as coisas num estado horrível, lá em cima”,
disse o general, “o rei e Bismarck não querem nem se enxergar”240. Era um pouco de
exagero. Bismarck decidira evitar Guilherme até ter podido sondar o herdeiro do trono e
concordava com outra reunião do conselho. O príncipe real, ainda hostil, é certo, a Bismarck,
queria a paz com o ardor de sempre; e dispunha-se a apoiar o ministro-presidente contra o rei
e os militares. Foi um fim de semana pesado. Até mesmo o príncipe achou “papai” grosseiro
demais com Bismarck. Na segunda-feira, chegou num telegrama de Paris a concordância de
Napoleão com a anexação pela Prússia de territórios até o limite de quatro milhões de novos
súditos para Guilherme, mas não a Saxônia. Bismarck achou que a chance de receber Hesse,
Nassau, Hanover, Schleswig-Holstein e a cidade historicamente importante de Frankfurt
satisfaria a avidez de terras do rei. Escreveu um papel magistral sobre a necessidade de paz,
chegando a admoestar seu soberano sobre o risco de uma epidemia no exército, fossem
retomadas as operações em agosto. Guilherme, impávido: já que não teria a entrada triunfal
em Viena, pelo menos terminaria uma das tarefas deixadas pela metade por seu pai e por
Frederico, o Grande, apossando-se da Saxônia. O argumento bismarqueano de que um acordo
com a Saxônia que “colocasse todos os recursos militares daquele reino à disposição de Vossa
Majestade” satisfaria “perfeitamente as conveniências e interesses políticos”, não teve o
menor efeito sobre ele241. Totalmente em desespero, Bismarck subiu, furioso, para seu
apartamento, onde chegou em lágrimas. “Chegou a ocorrer-me que era melhor saltar pela
janela, que ficava no quarto andar”, escreveu tempos depois. O príncipe real entrou nos
aposentos logo depois dele e assegurou a seu velho adversário político que tentaria convencer
seu pai da absoluta imperiosidade da paz. De maus modos, o rei acabou cedendo. Ao pé do
memorando de Bismarck, Guilherme escreveu, “Às portas de Viena, o vitorioso é obrigado a
tomar desse cálice azedo e deixar à posteridade que julgue”242.

As medidas preparatórias da paz foram assinadas pela Prússia e pela Áustria em Nikolsburgo,
no dia 26 de julho. Ouviu-se Bismarck exclamar, batendo com o punho na mesa, “Derrotei-os a
todos! Todos!! Cada um deles!!!” Derrotara mesmo? Moltke não teria vencido Königgrätz sem
o príncipe herdeiro; sem ele, também Bismarck não teria vencido a batalha política de
Nikolsburgo. “O mundo está de pernas para o ar”, comentou o príncipe real no dia seguinte
ao da cena chorosa entre o rei e seu primeiro-ministro, “tive eu que acalmar os dois”. Pelo
menos ali estava um homem que não se dava aos exageros e às cenas teatrais243.

[1] O plano foi concebido pelo general austríaco, Ludwig von Gablenz, no Holstein. Seu irmão
Anton serviu de emissário entre Kiel, Berlim e Viena durante sete semanas de negociações
infrutíferas. Ambos O» irmãos eram naturais da Saxônia. Seu serviço dual, um à Áustria, outro
à Prússia, ilustra o dilema que muitas famílias germânicas viveram nesses meses de crise.

[2] Karl Blind tivera um papel destacado na insurreição socialista de 1848 em Baden.
Posteriormente exilou-se em Londres, onde sofreu grande influência de Mazzini e de Engels.
Em 1870, aderiu entusiasticamente à guerra de Bismarck contra a França, concitando seus
compatriotas socialistas exilados a atuarem juntos em prol da “Alemanha unida”.

[3] Em geral, os escritores alemães e austríacos referem-se à batalha de 3 de julho como “de
Königgrätz”, embora na Inglaterra e na França ela seja normalmente (e mais corretamente)
chamada “de Sadowa”. O nome Königgrätz foi usado pelo Rei Guilherme naquele dia,
provavelmente porque a cidadela fora, no passado, quartel-general de Frederico, o Grande,
sendo-lhe, assim, familiar na nomenclatura militar prussiana. A batalha foi chamada de
“Sadowa” nos jornais ingleses e franceses logo às primeiras notícias. A cidade de Königgrätz
hoje é conhecida pelo nome tcheco, Hrâdec Králove.
9. COLOCANDO A ALEMANHA NA SELA

A frieza das relações entre o rei e seu primeiro-ministro não durou muito. Guilherme logo
reconheceu a sapiência da moderação de Bismarck. Assinou-se em Praga, no dia 23 de agosto,
um tratado formal de paz e amizade entre a Áustria e a Prússia “doravante e para sempre”,
reconhecendo Francisco José “a dissolução da Confederação Germânica tal como se constituía
até aqui”. Mas nem o rei nem Bismarck julgaram necessário permanecer na Boêmia para a
assinatura desse documento. Viajaram juntos para Berlim no dia 4 de agosto, mergulhados no
exame do que era, afinal, uma revolução de cima para baixo na Alemanha. Ainda que
restassem divergências de pontos de vista entre eles, não havia mais a tensão aberta.

Essa reconciliação, Bismarck a devia à interferência do príncipe real, ele próprio admitia.
Frederico Guilherme tivera conversas com Bismarck durante o período final da campanha.
Para reconforto seu, encontrou Bismarck, como ele, favorável ao fim do conflito entre o
governo e o parlamento, que já se arrastava por quatro anos244. A segunda etapa das
eleições para o Landtag teve lugar no próprio dia da batalha de Königgrätz-Sadowa; e os
resultados reforçaram os conservadores, às expensas do bloco liberal-progressista. O príncipe
herdeiro receou que esse sucesso junker fosse endurecer a atitude de Bismarck,
particularmente depois da comprovação do acerto de sua linha de ação de estado, no campo
de batalha. Mas Bismarck, que vira tratada derrisoriamente sua proposta de criação de um
parlamento de toda Alemanha, sabia necessitar do apoio nacional-liberal para a fundação da
Alemanha nova. O ultraconservantismo nada tinha a oferecer para o futuro. “Cada ministro
prussiano”, disse ao príncipe, “deve respeitar a vontade do rei mas ao mesmo tempo trabalhar
para que essa vontade real esteja embebida da opinião da nação”. Esse era um ponto de vista
do agrado do príncipe. Seu diário demonstra que ele ainda não confiava em Bismarck; mas
respeitava-lhe a opinião e conseguiu convencer seu pai de que o ministro-presidente estava
certo245.

Se o príncipe herdeiro mantinha em discrição suas reservas pessoais, os deputados liberais da


ala direita não sofriam dessa inibição. Eles haviam feito o possível para superar o conflito
constitucional na primavera anterior, porém os militaristas de Manteuffel tinham enrijecido a
posição do rei contrária à conciliação. Agora estavam ansiosos por fazer a paz com o
ministério. Conforme escreveu Treitschke na época, as vitórias do exército haviam
“rejuvenescido a Pátria”246. Tudo que os “nacional-liberais”[1] pediam era um gesto de boa
vontade de Bismarck. Quando o novo parlamento abriu as sessões em 5 de agosto, a fala do
trono mostrou que este estava pronto para salvar a face de seus velhos críticos liberais: o
governo propunha um projeto de lei de indenidade, pelo qual a Câmara daria aprovação
retroativa aos gastos efetuados; e permitindo que se apresentasse o projeto, Bismarck
tacitamente reconhecia que o governo estivera agindo inconstitucionalmente durante todo
seu ministério, no referente ao orçamento. Aí estava um adequado gesto de paz. No dia 3 de
setembro a Lei de Indenidade foi aprovada com uma maioria de 230 votos contra 74.

O rei foi menos acomodatício: “Eu tinha que agir daquela forma e o farei de novo se as
mesmas circunstâncias ocorrerem”, disse, indelicadamente, ao presidente da câmara, Max
von Forckenbeck, após sancionar a lei247. Mas Bismarck e Forckenbeck concordaram em que
não constassem dos anais os destemperados comentários do rei: afinal de contas ele já estava
em seu septuagésimo ano de vida; e sabia-se que seu herdeiro não desejava alardear a
prerrogativa real de forma tão provocante. Bismarck contava obter apoio parlamentar para a
absorção, no Reino prussiano, de Hanover, Frankfurt, Hesse-Cassel e Nassau. E em breve a
Câmara teria, postos a seu exame, projetos para um parlamento formado por sufrágio
universal, representativo de toda a Alemanha do Norte. Não tinha sentido perpetuar velhas
querelas.

Num ponto o rei e os deputados estavam de acordo: desejavam mostrar-se gratos a Bismarck
pelo grande aumento do poder e da influência da Prússia na Europa. Na véspera do desfile da
vitória, a realizar-se em Berlim, Guilherme comunicou-lhe que, por ter ele agido
invariavelmente “com o espírito e o valor de um soldado”, passava a ser, por ato real,
permanentemente adido ao exército, no posto de major-general, no 7.° Regimento de
Couraceiros da Landwehr. Essa honraria agradou Bismarck de modo muito particular. Numa
sociedade predominantemente militarista, fora-lhe sempre constrangedora sua situação de
civil e sua limitada experiência de vida militar: aborrecera-o até, bastante, não somente no
país mas sobretudo em suas missões no estrangeiro, mormente na Rússia. Das últimas
semanas de 1866 até sua exoneração do cargo, vinte e quatro anos depois, envergou nas
aparições públicas oficiais o uniforme de general de cavalaria, às vezes para irritação dos
profissionais do Grande Estado-Maior. Esse hábito de usar uniforme militar - “A túnica me
protege de resfriados” - ajudou, nos últimos anos, a cultivar a lenda do chanceler de “ferro e
sangue”.

O rei achou que a promoção militar e a generosa graça de ordens e condecorações bastavam
para recompensar seu primeiro-ministro. Mas quando Guilherme propôs que o parlamento
alocasse verbas para prêmios aos comandantes vitoriosos, o Landtag, por iniciativa própria,
emendou o projeto real para que Bismarck também fosse premiado. Guilherme aceitou a
iniciativa dos deputados e, em fevereiro de 1867, Bismarck recebeu, devidamente, cerca de
40.000 libras como dádiva do estado. Disse-lhe o rei esperar que “o senhor adquira bens
territoriais permanentemente associados à glória de seu nome e de sua família”.

Dois meses depois, Bismarck comprou a propriedade de Varzin, na Pomerânia, a quarenta


quilômetros do litoral do Báltico e cento e quarenta a oeste de Dantzig. Era um terreno com
faias, carvalhos e coníferas, com rios e brejos, narcejas e galinhas-d’angola para caçar. Varzin
não tinha conexões passadas com a família Bismarck. Mas evocava lembranças de Kniephof,
onde ainda na idade escolar ele descobrira as delícias da vida no campo. Como para
testemunhar sua ascensão em status e prestígio, este presente era maior em alqueires que
todos os campos de Kniephof e Schönhausen juntos.

Tais honrarias mais se apropriavam a um estadista que já houvesse cumprido sua tarefa do
que a quem ainda estava conduzindo a política. Por todo o outono de 1866 Bismarck esteve
intensamente ocupado. Em primeiro lugar, tinha de concluir as negociações com mais de vinte
estados norte-alemães visando ao estabelecimento da nova confederação sob a presidência do
Rei Guilherme. Não foi senão em 21 de outubro que o Reino da Saxônia assinou o acordo final
com a Prússia, tornando então possível começar-se o trabalho de redigir uma constituição
unitária248. Ao mesmo tempo, Bismarck tinha de refundir as relações entre a Confederação
da Alemanha do Norte e os quatro estados que ficavam ao sul do rio Meno - Baden, Baviera,
Hesse Darmstadt e Württemberg. Esses estados tradicionalmente voltavam-se à Áustria em
busca de apoio, e agora a preocupação de Bismarck era evitar que caíssem na esfera de
influência francesa. Insistiu em que, como parte das condições de paz negociadas com os
quatro estados em agosto, eles entrassem numa aliança com a Prússia, até mesmo aceitando
0 Rei Guilherme como supremo comandante alemão, em qualquer conflito futuro. Os bávaros
reagiram a essa sugestão, mas Bismarck relembrou-os brutalmente de que a alternativa à
aliança seria a perda de território estratégico e a imposição de vultosa indenização de guerra.
Mesmo com toda essa dificuldade, o Rei Guilherme reclamou porque a Prússia não ficaria com
o Palatinado Bávaro, que considerava fruto legítimo da vitória, e Bismarck teve de apelar para
a ameaça de pedir demissão, antes de Guilherme ceder.

Por sobre todos esses problemas dos primeiros meses de paz restaurada pairava a grande
questão referente à reação da Europa em geral face ao novo alinhamento dos estados
germânicos. Tanto os russos como os franceses estavam inquietos com a velocidade das
vitórias da Prússia. Em S. Petersburgo, Gorchakov propôs a convocação de um congresso
geral europeu para refazer o mapa da Europa, em vez de deixar assuntos tais se resolverem
por meio de negociações bilaterais entre Berlim e Viena. Fora esse, afinal, o procedimento em
1814-15 e em 1856. Mas Bismarck sabia que um congresso teria no topo de sua agenda
muitas perguntas para as quais ele ainda não tinha resposta; assim, avisou Gorchakov que, no
ambiente criado pelo sentimento nacional alemão, seria difícil para um estadista prussiano
manter contido o entusiasmo revolucionário de 1848-49. Para não arriscar a que se expusesse
a Alemanha - e sobretudo a Polônia - a tal perigo, Gorchakov mandou dizer que a Rússia
estava disposta a aceitar o reordenamento da Europa central feito por Bismarck. Manteuffel
foi como enviado especial do Rei Guilherme ao czar: estava autorizado a acenar com a
possibilidade de a Prússia apoiar a revisão das cláusulas do Tratado de Paris que haviam
desmilitarizado o Mar Negro249. Não vieram mais reclamações de S. Petersburgo.

O problema francês era mais complicado. No dia seguinte ao da chegada de Bismarck de volta
a Berlim o embaixador francês, Benedetti, trouxe a demanda de compensações de Napoleão
III: a margem esquerda do Reno até Mainz; as fronteiras de 1814 em lugar das de 1815; o
direito de aquartelar uma guarnição no Luxemburgo. Benedetti trazia instruções de explicar
que esses ganhos eram necessários à satisfação da opinião pública na França. Bismarck fingiu
zangar-se, afirmando que demanda tão humilhante não fazia honra ao bom senso que
Napoleão demonstrara nos encontros de Biarritz e Paris. A fazer semelhantes concessões,
exclamou Bismarck, a Prússia preferia ir à guerra com a França250. Benedetti correu de volta
a Paris em busca de novas instruções. Napoleão III alarmou-se: não estava em condições de
enfrentar um conflito no Reno. Como gesto apaziguador, demitiu seu ministro do exterior,
Drouyn de Lhuys. Benedetti foi mandado outra vez a Berlim com o oferecimento de uma
aliança ofensiva e defensiva franco-prussiana em troca da volta às fronteiras de 1814 e do
direito francês não só de guarnecer o Luxemburgo mas de posteriormente anexar o Grão-
Ducado, bem como a Bélgica. Bismarck recusou considerar, sequer, a fronteira de 1814 mas
indicou que poderia ser possível chegar a um acordo quanto à Bélgica e ao Luxemburgo, caso
Napoleão III desse à Prússia “liberdade de ação na Alemanha”251. Para surpresa de
Bismarck, no dia 29 de agosto Benedetti trouxe-lhe a minuta de um projeto atendendo à
reivindicação francesa sobre a Bélgica e o Luxemburgo em troca da aceitação francesa de
uma “união federal” entre a Confederação Alemã e os quatro estados germânicos do sul. As
negociações marchavam depressa demais para o gosto de Bismarck. Ele não excluía a
possibilidade desse acordo, mas não já. Benedetti retirou-se para quinze dias na estação de
águas de Carlsbad; Bismarck, mais aliviado, voltou-se para outras tarefas; e restou a
Napoleão III conversar sobre o futuro de Luxemburgo diretamente com o soberano titular do
Grão-Ducado, o Rei dos Países Baixos. A questão foi engavetada, sem solução252.

Em meados de setembro correu em Berlim que Bismarck estava doente. Mas ele apareceu nas
celebrações da vitória de quinta-feira, 20 de setembro, a cavalo, passando triunfalmente pela
Porta de Brandenburgo, tendo a um lado Roon e a outro Moltke. Estava um pouco descorado,
e levava nos ombros largos uma incongruente guirlanda de flores colocada por simpatizantes
da Unter den Linden - menos de vinte semanas depois que Cohen-Blind tentara assassiná-lo,
na mesma avenida. Imediatamente após a parada ele sofreu uma prostração total; e na quinta-
feira seguinte os embaixadores estrangeiros foram avisados de que problemas de saúde
forçavam o ministro-presidente a deixar a capital, buscando a cura no interior.

Como sempre, houve quem julgasse a ausência de Bismarck um conhecido estratagema, o


meio mais simples tanto de fugir do importuno Benedetti como de evitar seu próprio e
totalmente imprevisível “Senhor real”. Mas não resta dúvida de que dessa vez seus nervos
estavam verdadeiramente abalados. Joana e sua filha Marie tomaram conta dele. Biarritz
ficava fora de cogitações, naquele outono: afora quaisquer considerações pessoais, ele não
podia correr o risco de um possível encontro com Napoleão III ou seus ministros. Mais uma
vez na vida ele tentou fugir da realidade. Em seu círculo doméstico não falou, não leu, não
pensou em política, e recusou-se a tocar no trabalho dos negócios de rotina. Até que se
recuperasse - ou se demitisse - a Prússia seria governada pela máquina administrativa que ele
criara. “O melhor para mim seria aposentar-me agora mesmo, e ficar aqui”, disse a Robert
von Keudell, “pois saberia que fui de alguma utilidade para meu país e poderia deixar essa
impressão no público. Realmente, não estou certo de poder enfrentar todo o trabalho que
ainda resta a fazer”253.

Provavelmente era sincero. No dia 7 de outubro Joana conseguiu levá-lo embora, para a
distante pousada de Putbus, na ilha báltica de Rügen, onde o único contato com o mundo
exterior era a barca diária até Greifswald. Segundo ela, estava acometido de dores na perna e
cãibras estomacais, e ela descreve a satisfação com que o marido se esticava numa chaise-
longue, “contemplava o céu azul e o verde das campinas” e folheava, indiferente, um livro de
gravuras254. Mas isso não durou. Na última semana de outubro encontramo-lo ditando a
Keudell um memorando no qual dava sua meditada opinião sobre o caráter da Confederação
Alemã do Norte; e nas quatro semanas posteriores seguiram-se ditados sobre vários tópicos,
tais como até que ponto os católicos romanos alemães apoiavam o Papa, os direitos da
minoria dinamarquesa em Schleswig-Holstein e a importantíssima questão das relações com a
França255. No dia 1.° de dezembro viajou de volta a Berlim, apresentando-se em pessoa ao
rei, pela primeira vez após dois meses e meio, na tarde do dia seguinte.

Reza a lenda, com os costumeiros arabescos da torrente de reminiscências bismarqueana, que


ele chegou de Putbus à Wilhelmstrasse, sentou-se em seu estúdio, na companhia de um
funcionário civil, e em dois dias fez saltar uma minuta de constituição para a Confederação
Alemã do Norte. Essa versão dos acontecimentos é muito exagerada256. Havia com ele uma
série de projetos: recomendações de dois constitucionalistas; o esboço de planos
constitucionais não realizados, datando de Frankfurt, 1849; estudos das constituições federais
da Suíça e dos Estados Unidos; e memorandos sobre pontos do interesse do Ministério da
Guerra e do Ministério do Comércio. Com a colaboração do Dr. Lothar Bucher, um ministro de
primeira classe, subsecretário do Ministério do Exterior[2], Bismarck estudou esses
documentos, deles retirando as idéias compatíveis com a forma prussiana de governo.

Em 9 de dezembro o projeto de constituição, com sessenta e quatro artigos, estava pronto


para exame. Foi entregue ao rei, ao príncipe herdeiro e a outros membros do governo, que
tiveram cinco dias para aprovar ou emendar. Dois desses cinco dias foram ocupados pelos
rituais festivos da caçada real pré-natalina, e a constituição não recebeu, portanto, o
detalhado exame que sua importância exigia. Algumas emendas de pouco valor se
introduziram, quase todas de forma, e logo, no dia 15 de dezembro, a constituição tramitou
para um “conselho constituinte” de ministros representantes dos outros membros da
Confederação. Bismarck de novo estava resolvido a não dar muito tempo para reflexão e
discussão. Anunciaram-se para dia 12 de fevereiro as eleições do parlamento constituinte
(Reichstag). Isso deixava ao conselho constituinte não mais de oito semanas para completar
sua parte do trabalho257.

O conselho desalentou-se com a proposta de Bismarck. A constituição era uma carta de


autoritarismo rígido, pela qual todo o poder verdadeiro permanecería nas mãos do rei
prussiano e nas de seu primeiro-ministro. A responsabilidade pela política externa, por
declarar guerra e fazer a paz, era do Rei da Prússia em sua qualidade de presidente da
Confederação, a quem cabia também o comando do conjunto da força armada, como
comandante-em-chefe titular em tempo de guerra. Bem verdade que deveria haver um
Conselho Federal (Bundesrat) com representantes dos governos dos estados-membros, mas
previsto como pouco mais que um fórum de debates. Às pressas, o conselho ministerial tentou
aprovar alguns dispositivos de alternativa: um gabinete confederal, que daria ao novo
agrupamento germânico um efetivo corpo executivo; uma Câmara dos Príncipes, para
equilibrar o Reichstag democraticamente eleito, gozando (ao que acreditavam) de uma
situação e de um prestígio maiores que os de simples Conselho Federal. Mas Bismarck não
permitiría mudanças fundamentais. Destramente, explorou as diferenças entre os vários
estados, apoiando emendas em detalhes financeiros do interesse comercial dos grandes
centros e oferecendo segurança aos governantes mais retrógrados contra o espantalho do
nacionalismo revolucionário. A única alternativa à sua proposta, lembrava, seria um
parlamento germânico geral, tão radical e democrático como em 1849. Em particular, afirmou
ao representante saxônico no conselho de ministros que sua intenção era “matar o
parlamentarismo através do parlamento”258.

A única modificação das idéias de Bismarck foi referente às responsabilidades do chanceler


federal. Originalmente ele pretendera que esse posto fosse honorífico, o chanceler presidindo
o Bundesrat como verdadeiro presidente de assembléia e não como ministro. Mas a tentativa
do conselho ministerial de criar um corpo executivo confederal induziu-o a mudar de idéia.
Numa conversa privada, deixou vazar que desejava o chanceler federal com poderes e
responsabilidade para propor e sancionar leis federais259. Por esse meio o chanceler tomar-
se-ia, efetivamente, o primeiro-ministro do novo estado, mas seria nomeado pelo Rei da
Prússia em vez de eleito pelo Bundesrat. Não restam dúvidas, e seus colegas perceberam na
época, que as discussões no conselho ministerial sobre a natureza do posto de chanceler
decidiram Bismarck a ocupar ele mesmo o cargo, cumulativamente com o de ministro-
presidente prussiano. Não deixa de ser uma ironia que a pedra angular da política de poder
na nova Alemanha haja sido, assim, encaixada no arcabouço constitucional numa reflexão
tardia, “pensando melhor”.

Na quinta-feira, 7 de fevereiro de 1867, o conselho ministerial aprovou, relutante, o


anteprojeto final da constituição. Cinco dias depois, a população masculina da Alemanha
setentrional foi às urnas e elegeu o parlamento (Reichstag) constituinte. Do ponto de vista
social, o eleitorado produziu uma câmara de absoluta predominância aristocrática.
Politicamente o maior grupo caracterizado foi o Partido Nacional Liberal, que fez mais de um
quarto dos deputados. Os nacional-liberais desejavam apoiar Bismarck em política externa,
contanto que ele continuasse a falar candentemente em unidade no interior da Pátria; mas
estavam longe de contentes com a forma final do anteprojeto de constituição. Queriam que o
Reichstag tivesse algum poder real. Como idéias, aspiravam a um sistema de governo
responsável, eleições pelo voto secreto, controle do orçamento, vencimentos para os
deputados. Bismarck iria até a concordância com o segredo do voto e o direito de debater as
despesas anualmente, embora tivesse havido acordo de que a organização e os gastos do
exército não seriam discutidos por quatro anos. Bismarck aceitou também a emenda que
corporificava sua mudança de opinião sobre a natureza do cargo de chanceler, o dispositivo
que tornou o chanceler “responsável” perante a Confederação por todas as ordenações que
levassem sua assinatura de endosso, mas que deixou cuidadosamente impreciso o significado
dessa subordinação descrita de maneira tão vaga. Em meados de abril a constituição, com as
emendas, foi aprovada no Reichstag por 230 votos a 53; e heis legitimada a Confederação da
Alemanha do Norte, progênie bastarda do poderio militar prussiano e da atitude mental
nacionalista romântica. Formalmente, a Confederação fundou-se a 1.° de julho. Bismarck foi
nomeado chanceler quinze dias depois260.

Durante todo o tempo dos debates sobre a constituição, Bismarck acentuou o seu patriotismo
germânico com tiradas que certamente levantariam aplauso do nacional-liberais. “Meus
senhores, trabalhemos rápido”, era sua peroração no dia 11 de março. “Por assim dizer,
coloquemos a Alemanha na sela! Ela saberá muito bem como cavalgar!”261 No entanto, se
alguém estava dando rédea ao povo alemão em 1867, não era o cínico chanceler
autonomeado, mas seu antigo anfitrião de Villa Eugénie e de Saint Cloud, o imperador dos
franceses. Dois dias depois das eleições para o Reichstag constituinte, Napoleão III abriu o
parlamento francês com uma arrogante fala do trono: no verão precedente, gabava-se ele, a
França havia detido os prussianos junto às portas de Viena sem mobilizar seu exército, sem
movimentar um só regimento; e prosseguia assegurando ao povo francês que a Prússia nada
faria “que nos ofenda o sentido de nação”262. Tais palavras e o subseqüente debate de
política externa, excitou a opinião pública de além-Reno. A imprensa alemã ofendeu-se com os
ares de superioridade de Napoleão. Bismarck foi mais compreensivo: percebia que um
Bonaparte tinha de realçar o seu próprio prestígio se queria conservar o trono; muito melhor
que apelasse para atitudes napoleônicas num discurso que num campo de batalha. Acontece
que também Bismarck precisava, naquele momento, cuidar do prestígio nacional. Seria
intolerável que o Reichstag constituinte o acusasse de haver aplacado a França após
Königgrätz. Daí, em 19 de março, ele fez publicar pela imprensa detalhes das alianças
secretas que atavam os estados meridionais à Confederação. A ameaça velada à primazia
francesa na Europa ficou igualmente clara para os jornalistas de Berlim, e de Paris263.

No mesmo dia ateou-se em chamas o braseiro da crise sobre o Luxemburgo. O Rei dos Países
Baixos informou Berlim de que estava disposto a ceder o Luxemburgo a Napoleão III por um
substancial pagamento em dinheiro. Bismarck talvez tivesse concordado com esse acerto. O
rei, porém, indignou-se ante a idéia sequer de entregar-se à França um grão-ducado onde a
Prússia, por meio século, gozara dos direitos de guarnição. O Estado-Maior também se
agastou. Moltke, que havia muito chegara à conclusão de que seria inevitável uma guerra
franco-prussiana, opinou em favor de um ataque imediato à França, em vez de esperar-se que
Napoleão aumentasse os armamentos franceses e melhorasse sua posição internacional com
desvantagem para a Prússia264. Bismarck pensava diferente. Na última semana de março,
expôs sua posição numa conversação notavelmente aberta com o Conde Bethusy-Huc, um de
seus esteios conservadores. O que disse merece citação mais longa:

Infelizmente, acredito numa guerra com a França antes que decorra muito tempo - a vaidade
francesa, ferida pelas nossas vitórias, a impele nessa direção. No entanto, como não sei de
nenhum interesse, francês ou alemão, que exija o recurso às armas, também não a tenho
como certa. Somente os interesses realmente vitais de um país justificam empreender-se uma
guerra - somente sua honra, que não se deve confundir com o que se chama prestígio.
Estadista algum tem o direito de começar uma guerra simplesmente por achar que num prazo
maior ou menor ela é inevitável. Se os ministros do exterior acompanhassem seus senhores e
seus comandantes militares aos campos de batalha, a História registraria menos guerras. Em
combate - pior que isso, nos hospitais - eu vi a flor de nossa juventude castigada pelos
ferimentos e pela doença. Da minha janela vejo muitos aleijados, coxeando ao longo da
Wilhelmstrasse, erguerem os olhos, talvez a pensar: “Se aquele homem, lá em cima, não
tivesse feito aquela desgraçada guerra eu estaria agora em casa, forte e com saúde”. Tais
pensamentos, tais visões, deixar-me-iam sem um momento de paz se eu admitisse ter feito a
guerra por ambição pessoal ou vaidade nacional... Fique certo de que jamais aconselharei Sua
Majestade à guerra, a não ser que os mais vitais interesses da Pátria a ordenem265.

É impossível duvidar da sinceridade de Bismarck: ele falou da mesma forma a outras pessoas
na Alemanha, naquela primavera. Mas estava disposto a colher todas as vantagens possíveis,
exceto o desencadeamento de uma guerra preventiva, da crise do Luxemburgo. Em 1.° de
abril, induziu o liberal hanoveriano Bennigsen, a levantar a questão no Reichstag, deplorando
que um príncipe de “ascendência alemã” aceitasse vender à França território que “fora
alemão em todos os tempos”. A questão, aliás, colocava uma estranha interpretação de
história, tanto holandesa como do Luxemburgo; mas oferecia a Bismarck a oportunidade de
avisar a França e de conclamar os deputados à tarefa de “completar rapidamente a criação da
Confederação Alemã do Norte”266. No caso, foi o rei dos Países Baixos quem anotou o aviso.
Ele declinou de avançar mais no negócio, em vista da hostilidade prussiana. Com apoio de
Bismarck, a decisão sobre o futuro do grão-ducado foi transferida para uma conferência
internacional, convocada sob auspícios ingleses, a reunir-se em Londres na segunda semana
de maio; e o grão-ducado foi declarado território neutro, garantidas pelas Grandes Potências
sua integridade e independência.

Superficialmente, a crise do Luxemburgo amainou tão de súbito quanto ardera. Moltke


deplorou a oposição de Bismarck a uma guerra preventiva: “Essa prevalência de sua vontade
ainda nos vai custar muitas vidas”, lamentou ele; e manteve a ordem ao Estado-Maior para
que tivesse permanentemente atualizados os planos de operações de uma ofensiva no
ocidente, revendo suas anteriores diretrizes no outono de 1867, e ainda mais exaustivamente
em 1868, na primavera267. Bismarck não estava inibido de fazer a guerra por escrúpulos
morais, embora sempre influenciado pelos horrores da carnificina sem cabimento (como,
aliás, Moltke também). Militarmente, não duvidava de que só teria a ganhar lutando com a
França em 1867 ao invés de permitir que a superioridade alemã se visse enxugada, mês a
mês, numa custosa corrida armamentista. Insistia, porém, na prioridade das considerações
políticas sobre as conveniências militares; e, mal recém-nascida a Confederação, ele julgou
desaconselhável aproveitar-se inteiramente a crise de Luxemburgo. Mais que isso, enxergava
outro perigo à distância. Preocupava-o a falta de ressonância, nos quatro estados alemães do
sul, da idéia de uma cruzada nacional contra a França. Moltke partia da suposição de que
seus exércitos seriam apoiados pelos aliados sul-alemães, mas percebia-se em Berlim que
tanto Württemberg como a Baviera estavam impacientes por livrarem-se, com astúcia, dos
compromissos tratados. Motivo por que Bismarck foi terminante com Moltke e seus oficiais
para que dominassem a impaciência; campanha nenhuma no oeste até que houvesse seduzido
o sul a relações políticas mais íntimas.

Seguiu-se, no verão de 1867, uma reconciliação ostensiva entre prussianos e franceses. O Rei
Guilherme e o príncipe real viajaram a Paris no começo de junho para juntarem-se à
distintíssima companhia que Napoleão III convidara para a grande Exposição Mundial do
Champ-de-Mars. Com eles seguiram o chanceler e o chefe do Estado-Maior. O rei não ia à
capital francesa desde 1814, quando jovem oficial no exército de ocupação, e divertiu-se
durante a viagem de trem, mostrando as cidades e vilas através das quais os aliados haviam
progredido, mais de meio século antes. Que coisas maravilhosas vocês fizeram desde que
estive aqui pela última vez!” comentou com seu anfitrião, com mais afabilidade que tato. Mas
Napoleão III estava no firme propósito de ser agradável; não regateou hospitalidade a todos
os seus convidados àquele verão, fossem eles prussianos, russos, ingleses, daneses ou turcos.
A visita de Guilherme coincidiu, em parte, com a do Czar Alexandre II; e houve uma revista
imponentíssima em Longchamp, no dia 6 de junho, os soberanos da França, da Rússia e da
Prússia recebendo a continência de sessenta mil soldados que desfilaram ante eles. À tarde,
quando os soberanos entravam de volta em Paris, um patriota polonês exilado tentou
assassinar o Czar. O incidente encheu de indignação a família real prussiana; mas para
Bismarck não foi de todo mau. Com Alexandre tão bem alertado para a tradicional simpatia
francesa pela Polônia, havia menos probabilidade que nunca de uma associação diplomática
entre a França e a Rússia.

Bismarck ficou bastante satisfeito com sua visita a Paris. Houve algumas vaias na multidão, à
saída da Gare du Nord no dia em que chegou, mas ele já esperava que “o povo de Paris
mostrasse não ter perdido sua famosa vivacidade de caráter” e mais divertiu-se que se
aborreceu com a recepção que teve. Apreciou os banquetes e ocasiões de gala, observou as
paradas com olho crítico e retribuiu a adulação com cumprimentos. No alvo uniforme de gala
de major-general de couraceiros ele parecia bem maior do que o relembrava a Corte francesa;
e fez tudo para exercitar sua galanteria pouco maneável. No Baile das Tuileries, dançou com
uma das damas de companhia de Eugénie, Mme de la Calette; ela descreve em suas memórias
como, ao acabar a música, ele ofereceu-lhe a rosa da lapela de sua túnica: “Rogo-lhe,
Madame”, pageou ele, “que guarde este souvenir da última valsa que dançarei na minha vida,
e que eu jamais esquecerei”. O Marechal Vaillant, Grande-Marechal da Corte, descreve-o
como “um camarada muito animado - bom sujeito, disposto para qualquer coisa”. Já outros
acharam-no companhia menos agradável. O Marechal Leboeuf, destacado por Napoleão III
para ficar à disposição de Moltke e Bismarck em Versalhes, contou ao seu imperador: “Sire,
acabo de passar um dia terrível com dois homens que nos odeiam de morte”. Mas Leboeuf
exagerava as coisas, todos sabiam. Quando os visitantes prussianos deixaram a Gare du Nord,
em 14 de junho, Bismarck - tal como seu real senhor - estava tomado de boa vontade. “Sim,
claro, eu voltarei*, assegurou a seu anfitrião. E, de fato, voltou268.

No fim do mês, Bismarck decidira passar cinco semanas em Varzin. Politicamente foi uma
estação sossegada e Bismarck passou longos períodos refletindo sobre seus movimentos
seguintes. Nos assuntos externos, resolveu aguardar os acontecimentos. O encontro entre
Francisco José e Napoleão III em Salzburg, naquele agosto, não o preocupou demais. Via,
corretamente, que a Francisco José interessava um período de assentamento na Alemanha
meridional até que a monarquia verificasse como iria funcionar, na prática, o compromisso
constitucional com a Hungria. Bismarck sabia que os húngaros opor-se-iam a quaisquer
aventuras militares na Alemanha: interessavam-se pelos Bálcãs, não pelo Ocidente. Enquanto
Napoleão e Francisco José se contentassem com expressões banais de amizade e evitassem
contratos escritos, a Prússia tinha mais a ganhar que a perder nesse relacionamento: tornava
a Rússia mais dependente da Prússia e impossibilitava um alinhamento franco-russo, que
sempre seria, para Bismarck, a mais perigosa combinação a enfrentar269. Gorchakov
alarmou-se a tal ponto com o encontro de Salzburg (e com os sinais de uma política austríaca
de avanço no sudeste da Europa) que em março seguinte os russos propuseram um
entendimento secreto com a Prússia: o czar mobilizaria um exército na fronteira austro-
húngara afim de intimidar Francisco José, em caso de guerra entre a Prússia e a França; em
troca, os prussianos deveríam concentrar-se na Renânia, se a Rússia fosse ameaçada pela
Áustria. Bismarck não tinha intenção de chegar a um acordo escrito com Gorchakov, mas
disse claramente considerar que “os interesses comuns” de Prússia e Rússia ditariam
exatamente essa política270. Uma vez mais, qual em junho de 1863, a entente Berlim-
Petersburgo garantia apoio a Bismarck sem as obrigações formais de uma aliança. Para que
tornar a Rússia mulher honesta, se viver em pecado trazia tantas vantagens?

Os estados alemães do sul recatavam mais circunspectamente sua virtude política. Seus
governos viam com suspeita as tendências centralistas da nova constituição e, exceto em
Baden, houve pouca simpatia pela união com a Prússia durante os três anos de 1867-69. A
Confederação Alemã do Norte era protestante demais e militarista demais para o gosto do sul.
Era, também, politicamente severa demais: um processo, que deu entrada na justiça por
instruções de Bismarck à legação prussiana em Stuttgart, conta um jornal liberal, por haver
publicado expressões depreciativas com relação ao Rei Guilherme, simplesmente demonstrou
a existência de preconceito antiprussiano em Württemberg271. Tampouco o tratamento dado
por Bismarck ao ex-Rei de Hanover granjeou-lhe simpatia entre as dinastias mais velhas. Em
março de 1868 a fortuna do deposto Rei George foi confiscada pelo governo prussiano, sob
alegação de que ele estava utilizando sua considerável riqueza para instigar a subversão no
Hanover. Essa ação de força apresentava legalidade duvidosa; e o uso subseqüente, por
Bismarck, desses “Fundos Guelfos” (Welfen-Fonds), constituiu perigoso precedente, dando ao
chanceler um erário particular com que subornar e corromper a imprensa ou pagar agentes
em missões especiais272. Além disso, se os prussianos agiam dessa maneira para com um
deposto soberano protestante, pelo qual os conservadores junkers sempre haviam
demonstrado simpatia, era possível imaginar como seriam tratados os Wittelsbachs, católicos,
da Baviera, numa Alemanha unificada dependente de Berlim. O que havia sucedido ao norte
do Meno enrijecera o sentimento particularista, em Württemberg como na Baviera.

Mas, afinal, como quer que desejassem seus povos, nenhum dos estados sulinos poderia
ignorar o crescimento da Confederação Alemã do Norte. Obrigações do acordo conduziram à
estreita cooperação entre os exércitos: cadetes do sul recebiam instrução nas academias
militares prussianas; e oficiais de estado-maior prussianos compatibilizavam as doutrinas de
comando, os regulamentos de instrução, os métodos de comunicações. Era convicção de
Bismarck que, tal como os laços militares, poderia utilizar a dependência econômica do sul
perante o norte, esperando que a pressão comercial resultasse em união política mais firme.
Assim, no verão de 1867 ele reviveu seu velho projeto de um parlamento aduaneiro
(Zollparlament), que veio reunir-se em Berlim na última semana de abril de 1868. Mas, se
acalentava esperanças de utilizar essa estranha assembléia como tampo harmônico para a
“prussianização”, desapontou-se. A maioria dos deputados ao Zollparlament provindos dos
dois maiores estados do sul era de particularistas ferrenhos que insistiam em limitar a agenda
dos trabalhos a questões tarifárias, acordos comerciais com outras terras e padronização da
taxação indireta sobre artigos de luxo, como fumo e açúcar. Apenas uma vez - em 18 de maio
de 1868 -conseguiu alguns “vivas”, partidos de “almas verdadeiramente alemãs”, na
assembléia: ele cerrara forças em defesa do comércio de vinho alemão, contra a competição
francesa. Os deputados foram levados a Kiel para verem, em sua base, a marinha
Confederada, e a Hamburgo, para assistirem ao impressionante espetáculo das exportações
alemãs a embarcarem nos navios de uma frota mercante em expansão. Mas o quadro visto, a
barulheira ouvida, não deflagraram nenhuma reação patriótica. Bismarck concluiu, meio a
contragosto, que o parlamento aduaneiro podia ser uma instituição interessante, mas não era
local onde inflamar-se a paixão política273.
No início de 1869 alguns dos mais acendrados partidários de Bismarck começavam a
desalentar-se ante a falta de reação do movimento nacional ao sopro de vida do chanceler. “O
sentimento nacional alemão”, escreveu de Munich o Barão Werthem, “gradualmente se
desvanece, e sem uma nova crise não vejo como deter esse processo”. Bismarck recomendou
paciência: “Também acho provável que a unidade alemã fosse adiante com acontecimentos
violentos”, respondeu a Werthern em 26 de fevereiro. “Mas são coisas muito diferentes,
assumir a responsabilidade pelo desencadeamento de uma violenta catástrofe e escolher a
hora certa para agir. A interferência arbitrária no curso da história com base em elementos
puramente subjetivos têm resultado sempre em derrubar o fruto ainda verde. Na minha
opinião, é evidente que a unidade alemã ainda não é fruta madura... O dom de saber esperar
que uma situação evolua é requisito essencial à prática política.”274 Exatamente doze meses
depois, falava em termos idênticos a seu recém-nomeado secretário de imprensa, Moritz
Busch: “A questão da unidade alemã está fazendo progressos, mas requer tempo - talvez um
ano, ou cinco, quem sabe até dez anos. Não posso fazê-la andar mais depressa”, explicou275.

Era, porém, contra a natureza de Bismarck permanecer inativo. Embora pudesse não querer o
“fruto verde”, também não tencionava manter-se à parte até que lhe caísse nas mãos a fruta
derrubada pelo vento. Então, no inverno de 1869-70, começou a interessar-se por dois
projetos, ambos prometedores para o prestígio dos Hohenzollerns e, portanto, oportunos
estímulos indiretos ao sentimento nacional alemão antes das eleições seguintes para o
Reichstag. Na primeira semana de 1870 discutiu com o príncipe herdeiro a possibilidade de
trocar por “Imperador da Alemanha” o desajeitado título de “Presidente da Confederação dos
Estados Alemães do Norte”, que o rei adotara em 1867. O príncipe real mostrou boa
predisposição em relação à proposta, e Bismarck supôs que, tal como ocorrera em
Nikolsburgo, ele vencería a relutância conservadora do pai em assumir um novo título de
majestade. O “Projeto Kaiser” (como é conhecido) foi ventilado, de tempos em tempos,
durante o primeiro trimestre do ano, não apenas pelas Cortes germânicas, mas também entre
os diplomatas de Londres e Paris276. Bismarck era apoiado por Roon e Moltke, e o Grão-
Duque de Baden achou boa idéia. Porém nada conseguiu convencer os governantes da
Baviera e de Württemberg a secundá-la. Aliás, por que haveríam de fazê-lo? Poucos meses
antes, em novembro, eleições na Baviera haviam dado a maioria aos particularistas, e havia
até um curso, em Württemberg, naquele mesmo momento, uma petição gigante contra a
prussianização do exército. Uma vez mais, falecia a Bismarck entender os alemães do sul.

O segundo projeto era um exercício em grande estratégia diplomática, mais de acordo com os
talentos do chanceler que quaisquer cometimentos em política interna. Em setembro de 1868
uma junta militar assumira o governo em Madrid e encetou a busca, pela Europa, de um
soberano que tomasse o lugar da deposta e desacreditada Rainha Isabel II, que fugira para a
França. Bismarck imediatamente interessou-se pelo problema espanhol, embora não haja
indícios de que tenha considerado a sério a candidatura de um príncipe Hohenzollern antes
de fevereiro de 1870277. Mesmo assim, menos de uma semana após a fuga de Isabel, o
chanceler minutou um telegrama a ser passado de Varzin para o Ministério do Exterior em
Berlim, ressaltando a importância da crise espanhola: serviría tanto de distração como de
irritativo potencial para os franceses; “Uma solução que Napoleão julgue bem-vinda não tem
nenhum interesse para nós”, acrescentava exemplarmente278. No Natal de 1868 dois amigos
chegados do chanceler e o chefe do Estado-Maior Geral foram enviados a Madrid em busca de
informações sobre o ambiente na capital espanhola, seguidos, na primavera, de Theodor von
Bernhardi, agente oficioso do governo prussiano. Em começos de maio de 1869 surgiram
rumores sobre uma proposta espanhola a membro da casa real prussiana, e Napoleão III
instruiu seu embaixador para que levantasse o assunto com o chanceler. “Tratei da questão na
maior superficialidade, com uma conversa fiada qualquer”, informou Bismarck a seu enviado
em Paris. Em suma, ele afirmou a Benedetti que, muito embora tivesse havido, de fato,
abordagens informais originárias de Madrid, elas haviam sido rejeitadas279. Sem dúvida, a
sensibilidade de Napoleão III a esses boatos deu a Bismarck o que pensar. Agora julgava
muito provável que os franceses marchassem contra a Prússia antes de aceitarem a Espanha
transformada em satrapia Hohenzollern.
Quatro meses mais tarde houve um estranho episódio, do qual não ficou claro se Bismarck
teve conhecimento antecipado. Em setembro, um representante da junta espanhola, o Dr.
Salazar y Mazzaredo, foi a Weinburg, na Suíça, para um encontro secreto com o Príncipe
Carlos Antônio de Hohenzollern-Sigmaringen, chefe do ramo católico romano da dinastia.
Salazar alvitrou que talvez Leopold, o filho mais velho do príncipe, desejasse que seu nome
fosse posto às Cortes como candidato ao trono vacante. Leopold tinha muito a recomendá-lo:
era oficial da ativa do exército prussiano; seu irmão fora recentemente feito governante do
novo Principado da Romênia, com apoio dos franceses; seu cunhado era Rei de Portugal; além
do mais, parente do imperador francês, pois sua avó era filha de Eugênio Beauharnais,
portanto prima-irmã de Napoleão III. Havia, porém, um obstáculo de monta: o Príncipe
Leopold não queria arriscar-se ao destino de Maximiliano no México, aceitando um trono de
estabilidade duvidosa, e por aqueles tempos a autoridade da junta andava ameaçada por
revoltas internas de caráter marcadamente republicano. O oferecimento de Salazar foi, então,
recusado, embora Carlos Antônio mencionasse que o assunto poderia vir novamente à tona se
um emissário espanhol trouxesse o apoio tanto de Napoleão III como de “meu real senhor”, o
Rei da Prússia280.

Ao raiar o ano de 1870 parecia haver-se restaurado a ordem na Espanha. No dia 24 de


fevereiro, Salazar chegou inesperadamente à residência de Carlos Antônio, em Düsseldorf,
dotado de plenos poderes pelo Regente espanhol, o marechal Prim, para convidar Leopold ao
trono. Ao mesmo tempo, as autoridades espanholas notificaram oficialmente o Rei Guilherme
e o chanceler de seu desejo de oferecer a coroa aos Hohenzollern-Sigmaringen. Ninguém
levantou o problema com Napoleão III, a despeito da judiciosa ressalva de Carlos Antônio,
cinco meses antes. Era o bastante, agora, tratar a candidatura como assunto interno da
família Hohenzollern.

“Um Hohenzollern na Espanha ocasionaria grande tumulto na Europa antiprussiana,


precipitando ou adiando a solução de muitas questões pendentes”, escreveu Carlos Antônio a
Bismarck em 25 de fevereiro, dia seguinte ao da visita de Salazar281. Não era preciso dizê-lo:
todos os que sabiam do projeto estavam certos de que causaria consternação em Paris. Havia,
e Bismarck sentiu, perigo num vazamento prematuro da informação, e ficou resolvido manter-
se a candidatura no maior segredo - até mesmo para o restante do governo prussiano - o mais
tempo possível. Afinal, certeza não havia de que ela fosse adiante. Carlos Antônio,
alternativamente, inchava e murchava com respeito ao plano: Leopold acompanhava
disciplinadamente os humores de seu pai, mas deixou claro, verbalmente e por escrito, que,
bom prussiano, faria o que o Rei Guilherme ordenasse. O príncipe real não apreciou a idéia e
o rei “denotava fortes escrúpulos contra a aceitação”. Deixada tão-somente ao critério dos
Hohenzollerns, a candidatura teria sido abandonada em meios de março282.

Bismarck, Moltke e Roon eram, os três, favoráveis ao plano. Se as Cortes elegessem rei o
Príncipe Leopold e Napoleão fosse à guerra contra a Prússia preferivelmente a ver um
Hohenzollern reinando além dos Pirineus, a França assumiría a posição errada, aos olhos da
Europa, ao rejeitar uma decisão soberana do povo espanhol. Confiava Bismarck em que, isso
ocorrendo, a França não teria aliados; e Moltke estava igualmente confiante em seus
exércitos para deter uma invasão e derrotar os franceses. Por outro lado, se Napoleão
aceitasse a candidatura, a França passaria por humilhação bem maior que a da Prússia em
Olmütz; e mesmo que o império não fosse derrubado por uma Paris insurrecta, seria
impossível a Napoleão III reter sua posição de árbitro imposto por si mesmo às Grandes
Potências. Ainda mais, em qualquer futura luta com os estados alemães, Napoleão seria
obrigado a manter um exército em posição nos Pirineus, de modo a contrabater a ameaça,
real ou hipotética, partida da Espanha; e a força militar francesa seria dividida com o mesmo
eficaz resultado obtido contra a Áustria por meio da aliança italiana em 1866. Havia, também,
vantagens de outras naturezas. Com um príncipe Hohenzollern no trono em Madrid,
cresceríam para toda a Alemanha as oportunidades comerciais na Espanha e nas
dependências que lhe restavam. Por fim, a ascensão em prestígio da Casa de Hohenzollern,
assim considerava Bismarck, agradaria à Alemanha inteira, causando a retomada do interesse
pelo esmorecido “Projeto Kaiser”.

A maioria desses argumentos Bismarck incluiu num memorando redigido para o Rei
Guilherme em 9 de março283. Repisava a Guilherme que uma recusa Hohenzollern resultaria,
provavelmente, em ir a coroa para os Wittelsbachs da Baviera, reforçando “os elementos
antinacionais da Alemanha” e colocando no trono espanhol uma dinastia que “iria procurar
apoios na França e em Roma”. O rei não se comoveu; afinal, era capaz de reconstituir um
longo período de história espanhola, e o que relembrava não era encorajador. Sua marginália
esvazia a prosa eloqüente do chanceler: argutamente ele anotou a impossibilidade de contar
com a ajuda da Espanha numa futura crise com a França (“Quem seria, na Espanha, esse
potentado, forte o suficiente para julgar-se em condições de garantir semelhante política?”,
interrogava); e previu que uma dinastia estrangeira importada em pouco tempo sofreria
queda real de prestígio, “numa nação que, nos últimos quarenta anos tem, com o mais
folgazão dos espíritos, transitado de uma revolução para outra”. No dia 15 de março,
convocou os príncipes Sigmaringen, o chanceler, Roon, Moltke e três outros ministros para
jantarem com ele e com o príncipe herdeiro no palácio real. Nessa ocasião, o assunto todo foi
esmiuçado. Cada um dos conselheiros do rei recomendou-lhe aceitar a oferta espanhola. O
príncipe real declarou-se impressionado com os argumentos políticos de Bismarck, mas
lamentava “afastar um florescente ramo do convívio da família”. O Príncipe Leopold,
desditosamente silencioso, achou que seria obrigado a permitir que sua candidatura fosse
apresentada às Cortes, por uma questão de dever. Mas o rei continuava obstinadamente
contra a aceitação; e se absteve de pressionar Leopold284. Nesses momentos, Guilherme era
o mais teimoso autocrata da Europa.

Bismarck aborreceu-se. Ele estava a enfrentar uma difícil situação no Reichstag, onde
travavam-se longos debates sobre o novo código penal; tinha de haver-se com uma proposta
britânica de desarmamento, bem intencionada mas impensada; com uma evidente tentativa
austríaca de atiçar problemas para a Rússia e a Prússia na Polônia; e com os primeiros
resmungos de descontentamento dos prelados católicos da Prússia com a dominação do
Conselho do Vaticano pela Cúria Papal285. E, no entanto, com tantas preocupações, era o
caso espanhol que mais interessava Bismarck. Recusou-se a esquecê-lo. Se Leopold não tinha
a firmeza requerida para tornar-se rei, por que seu irmão Frederico não poderia ser o
candidato? O chanceler enviou o incansável Lothar Bucher para avaliar a temperatura política
de Madrid e o Estado-Maior destacou para acompanhá-lo um capaz e jovem oficial, o major
Max von Versen. Ambos mandaram relatórios em termos brilhantes286.

Nesse ponto - daria para adivinhar - o esforço do trabalho teve efeitos sobre a saúde de
Bismarck. No dia 11 de abril recebeu ordem de repousar e partiu para Varzin. Uma semana
depois, telegrafou a Berlim que estava “de cama, seriamente doente, e incapacitado para
tratar dos assuntos de governo”. Permaneceu oficialmente “indisponível” por mais quatro
semanas e meia. Durante sua doença o rei entendeu que a candidatura Hohenzollern havia
caducado e chegou-se mesmo a passar um telegrama a Madrid, em 4 de maio, dando a
impressão de que Leopold não estava mais interessado. Mas Bucher e o major Versen não
pouparam esforços e Carlos Antônio passou a considerar-se fazedor de reis. Chegou a dizer a
Versen que ele próprio aceitaria o trono, se fosse mais moço287.

A notícia estimulou a convalescença de Bismarck, que reapareceu em Berlim no fim de


semana de 21-22 de maio e escreveu encorajando Carlos Antônio. Em poucos dias Leopold, às
instâncias do pai, havia examinado sua consciência e seu senso do dever; ambos inclinaram-
no a considerar, de novo, a candidatura. Bismarck foi informado dessa última evolução e
seguiram mensagens, em código, para Madrid. No dia 8 de junho o chanceler concluiu que
seria conveniente para sua saúde sofrer uma recaída. Desta vez, declarou, entraria num
“tratamento drástico” em Varzin: nada de assuntos de estado, nada de telegramas (porque
não tinha o livro de códigos), nada de pedidos de opinião ou de conselhos (pois estava sem
“meios secretariais”). Negociações sobre Espanha eram com os Hohenzollerns: tratava-se,
declarou, de um “assunto de família” e não de problema do chanceler da Confederação Alemã
do Norte288.

Permaneceu em Varzin até 12 de julho. Quase todo mundo saía de Berlim durante o calor do
verão. O rei encontrava-se em Ems, Moltke na Silésia e o Príncipe Leopold na Baviera. A
maioria das capitais européias estava igualmente deserta. Só em Madrid havia atividade: os
deputados das Cortes aguardavam, com impaciência crescente, um pronunciamento do
regente sobre o futuro do trono. Era intenção do marechal Prim que as Cortes “elegessem” o
novo rei tão logo Salazar regressasse da Alemanha com a aceitação do Príncipe Leopold e a
permissão do Rei Guilherme. À Europa, em particular à França, seria apresentado o fait
accompli.

A essa altura, um erro curioso confundiu todo o esquema. Leopold concordou em 19 de junho;
Guilherme, de má catadura, deu o assentimento dois dias depois; e Salazar, na mesma noite,
telegrafou em código para Madrid, dizendo que estaria de volta à capital espanhola “mais ou
menos dia 29”. Um funcionário de comunicações, na Legação Prussiana, cometeu um erro ao
decifrar a mensagem e ficou parecendo que ele não regressaria “até dia 9” (de julho). Era
impossível ao regente manter os deputados em sessão por mais tempo e ele encerrou os
trabalhos das Cortes até novembro. Então, quando o trem de Salazar chegou a Madrid, três
dias depois, os deputados já se haviam dispersado e não havia Cortes onde proclamar-se a
candidatura de Leopold. No caos que se seguiu, o segredo vazou. Domingo, 3 de julho, era
notícia em Paris; na segunda-feira de manhã a imprensa francesa rugiu de indignação contra
a ardilosa Prússia; e na quarta-feira, o ministro do exterior, Gramont, proferiu um discurso
patriótico na Câmara. “Os interesses e a honra da França correm perigo”, exclamou; o povo
francês “não era inevitavelmente obrigado a permitir que uma potência estrangeira...
colocasse um de seus príncipes no trono de Carlos V”. Delírio na imprensa francesa. Bismarck
ao ler em Varzin as notícias de jornal sobre o discurso de Gramont, na quinta-feira à noite,
comentou “Isto está com todo jeito de guerra”289.

Estava disposto a enfrentar um desafio, mas nesta etapa nada faria com que 0 provocasse.
Seu silêncio intrigou alguns dos colegas mais chegados. Havia vários anos que o banco
Bleichroeder vinha cuidando de seus assuntos financeiros e de seus investimentos. O estado
incerto das coisas levou o presidente do banco, Gerson von Bleichroeder a pedir instruções a
Varzin. No dia 11 de julho, recebeu uma resposta com a letra de Joana, pois o marido “está
ocupadíssimo, cifrando e decifrando”. “Ele não acredita em guerra”, prosseguiu ela, “porque
mesmo a despeito da frivolidade de certas pessoas, acha improvável que alguém,
repentinamente, nos vá atacar porque a Espanha não teria votado da maneira como não-sei-
quem preferiría. Mas pensa ele que ainda podemos ter momentos em que a crença na guerra
seja mais forte que agora, e como, de qualquer forma, está precisando de dinheiro aqui, talvez
fosse boa idéia vender as ações preferenciais da estrada de ferro”290. Era até onde o
chanceler ousava chegar na orientação a seu banqueiro.

Entrementes, em Berlim, o Ministério do Exterior sustentava que a candidatura dizia respeito


apenas à família real e aos espanhóis, não ao governo prussiano. Era a atitude oficial
determinada por Bismarck. Ele julgava essencial que os franceses cometessem erros,
insultassem o povo alemão, juntando assim as Alemanhas do norte e do sul numa cruzada
nacional pela vitória contra o tradicional inimigo do além-Reno. Bismarck conhecia
suficientemente bem o temperamento de Paris para confiar em que daria certo. Tudo que
tinha a fazer era manter-se inocente de qualquer intriga, permanecer na longínqua Pomerânia
e aguardar ser convocado a Berlim, aonde iria para salvar uma injustiçada e ofendida
Alemanha das iras de um vizinho despeitado. Às seis da tarde de 11 de julho ele enviou um
enigmático telegrama ao Ministério do Exterior: “Deixem que ocorra o que ocorrer”291.

Uma vez mais seus cálculos deram errado. Ignorara dois imponderáveis: o grau da hostilidade
do rei ao projeto e a relutância de Leopold em assumir a grandeza inesperadamente caída
sobre ele. Guilherme jamais quisera um Hohenzollern em Madrid e não tinha a menor
intenção de fazer uma guerra com a França por esta questão. Estava irritado com o tom da
imprensa francesa e com o discurso de Gramont, mas achou que lhe competia fazer um gesto
de paz. Cedo, na manhã de 11 de julho, despachou um ajudante-de-ordens, o coronel von
Stranz, a Sigmaringen, esperando que Carlos Antônio e Leopold renunciassem à candidatura
da família. O trem do coronel chegou atrasado a Bruchsal, ele perdeu uma conexão e só
conseguiu estar com os príncipes à noite; assim, outro dia de tensão cada vez pior
transcorreu, devido ao atraso. Stranz foi encontrar os príncipes prontamente dispostos a se
retraírem do caso e Carlos Antônio mandou imediatamente uma mensagem a Napoleão
III292. Enquanto isso, com alguma exasperação, o rei ordenara a presença de Bismarck em
Ems - a mais de seiscentos e quarenta quilômetros de Varzin - e o chanceler passou a maior
parte daquela terça-feira (12 de julho) viajando, da Pomerânia, de volta à capital, como
primeira etapa da jornada. Chegou a Berlim por volta de seis da tarde, para encontrar, à sua
espera, um telegrama informando-o da renúncia de Leopold à candidatura293. A notícia, total
surpresa para ele, deixou-o desconcertado, zonzo.

Seu primeiro pensamento foi demitir-se. Havia, porém, outras mensagens interessantes,
inclusive telegramas de Paris sobre o ar guerreiro do governo e dos jornais. Pensava ainda
que os franceses cometeríam qualquer loucura. Naquela noite jantou com Roon e com o
ministro do interior prussiano, Eulenburg, e a eles juntou-se Moltke, mais tarde. Tanto Moltke
quanto Roon insistiam na vantagem que significaria para a Prússia uma imediata guerra com
a França. Em conversa, no dia seguinte, com Gorchakov (que estava em visita particular à
Alemanha) Bismarck afirmou ter dito aos generais que nada faria para causar uma guerra,
que semelhante procedimento era contrário a seus sentimentos humanitários e a sua religião.
Mas a um quarto para as dez da noite daquela terça-feira, enviou mensagem a Ems,
recomendando com instância ao rei que chamasse o embaixador prussiano em Paris e
enfatizando que, após as agressivas expressões de Gramont, a opinião pública de toda
Alemanha exigia uma explicação satisfatória para a hostilidade francesa294. Era a linguagem
que levava ao duelo. Seria mesmo a Alemanha montada na sela? Ou era apenas o “Raposo
Rabenmarck” novamente em ação?

O chanceler não reiniciou a sua viagem para Ems na quarta-feira; mandou Eulenburg com
recomendações e - presume-se - pedido de desculpas. De manhã, estudou o noticiário de
Viena e Londres (onde a belicosidade francesa resultava em simpatia pelos prussianos), e
chegaram mensagens dos estados alemães menores indicativas de que as explosões francesas
estavam estimulando o sentimento nacional. Mais avançada a manhã, Gorchakov
pessoalmente deixou claro a Bismarck que não havia a temer uma intervenção russa, militar
ou diplomática; e o Ministério da Guerra confirmou que o dispositivo de mobilização já estava
“pronto para a partida”. Bismarck parece ter decidido pedir ao rei que convocasse o
Reichstag, pedisse um tributo de guerra, autorizasse a mobilização e esperasse a reação dos
franceses. À tarde, Gorchakov avisou Bismarck que diplomatas russos em Paris julgavam que
Gramont não deixaria passar a crise sem tentar algum triunfo diplomático295.

Na quarta-feira à noite, Bismarck novamente recebeu Moltke e Roon para jantar. Entre sete e
oito da noite chegou um telegrama de Heinrich Abeken, o funcionário do Ministério do
Exterior em permanência residente junto à Corte296. Relatava um encontro entre o rei e
Benedetti, embaixador francês, naquela manhã, ao ar livre, em Ems. O embaixador, por
instruções de Gramont solicitou garantia de que o rei jamais consentiría numa retomada da
candidatura Hohenzollern. Guilherme não gostou: os franceses estavam indo longe demais ao
desejarem uma promessa com validade indefinida. Firme, porém polidamente, o rei recusou.
Mais tarde, Benedetti solicitara uma segunda audiência, para insistir no assunto da garantia,
e Guilherme mandou-lhe o recado de que nada mais tinha a dizer. Tão furioso o rei ficou que
tomou a rara providência de mandar Abeken transmitir a Bismarck autorização para dar
publicidade aos detalhes de seu encontro com Benedetti. Bismarck (como se sabe) maximizou
a oportunidade: sem acrescentar uma palavra, reescreveu o telegrama com técnica
jornalística tão perfeita que Benedetti apareceu insolentemente tentando dirigir a palavra ao
rei, que, por sua vez, teria humilhado o representante da França, tratando-o com aspereza.
No relato sobre o jantar, feito anos depois por Bismarck, caracteristicamente teatral, ele
afirma ter dito a seus dois hóspedes, “Isto vai funcionar como capa vermelha no focinho do
touro gálico,,; e Moltke comentou: “Antes, soava como negociação normal; agora é o brandir
do florete em resposta a um desafio”. Ambos os generais estavam satisfeitos297.

A imprensa de Berlim, na manhã seguinte, saiu com a versão retocada do telegrama, e à noite
o incidente era notícia em edições especiais dos jornais de Paris. O caso explodiu, portanto,
numa já chauvinística Paris, no dia Quatorze Juillet, festival revolucionário oficialmente
ignorado durante o Segundo Império, mas ainda celebrado na cidade da queda da Bastilha.
Naquela noite houve multidões nas ruas clamando “A Berlin”, da mesma forma como nas
cidades alemãs os manifestantes entoavam “Nach Paris”. A histeria patriótica tomou conta de
tudo; até na Ópera de Paris o pano desceu debaixo de aplausos alucinados ao som da
Marseillaise, cantada pela primeira vez em dezoito anos. No dia 15 de julho as Câmaras
francesas aprovaram créditos de guerra, deixando apenas o veterano conservador Thiers e a
Esquerda a protestarem contra a decisão de entrar numa guerra sem justificativa. “A Prússia
já se esqueceu de Iena”, exclamou um leal bonapartista, em meio a ovações. “Temos que
relembrá-la!” Foi nesse estado de espírito que, na tarde de 19 de julho, o chargé d’affaires
francês em Berlim apresentou formalmente no Ministério do Exterior a declaração de
guerra298. Naquele instante já a Baviera, Baden e Württemberg haviam iniciado a
mobilização, e antes do final do mês um exército nacional alemão estava em posição ao longo
da fronteira francesa. A política de “Ferro e Sangue” chegava a clímax terrível.

[1] A expressão “nacional-liberais” é usada aqui proleptícamente, para descrever a maioria


dentre os liberais prussianos, contrastando com os “progressistas”, mais radicais, que se
negavam à pacificação com Bismarck. Na verdade, o Partido Liberal Nacional só veio a existir
em 1867 com a eleição de um Reichstag Constituinte. Consistiu, então, de um combinado de
liberais prussianos de direita, liderados por Karl Twesten e Eduard Lasker, e não-prussianos
do velho movimento Nationalverein, tais como o hanoveriano Rudolf von Bennigsen. Os
Nacional-Liberais permaneceram aliados de Bismarck de 1867 até 1879.

[2] O posto de Lothar Bucher no Ministério do Exterior era Vortragender Rat (ministro da
carreira diplomática do primeiro nível de responsabilidade e com atribuição de preparar
relatórios). A descrição mais aproximada da função seria “subsecretário”. Bucher foi
Vortragender Rat durante vinte e dois anos (1864-86), portanto um dos mais chegados
adjuntos de Bismarck na maior parte de sua carreira ministerial. Em 1848-49 Bucher fora
membro do parlamento de Frankfurt.
10. SEDAN E VERSALHES

A terceira das guerras de Bismarck entrou em erupção lentamente. Os comandantes,


franceses e alemães, levaram uma quinzena para desdobrarem suas forças nas fronteiras, e o
Rei Guilherme somente no último dia de julho saiu de Berlim para assumir o comando dos
exércitos em campanha. Às cinco e meia da tarde daquele domingo, Bismarck desceu os
degraus da Chancelaria, tendo a seu lado a esposa e a filha. Fardado de major-general da
Landwehr: botas de couro, de cano longo, cobrindo os joelhos e as coxas; casacão azul um
tanto quente para a noite de verão; e na cabeça o capacete de aço com espiga em ponta
(pickelhaube), da Cavalaria Pesada. Seus filhos Herbert, de vinte e um anos, e Guilherme, de
dezoito, já estavam em serviço como oficiais subalternos; mas os passantes viram Joana e
Marie, orgulhosamente, darem adeus ao chanceler, quando sua carruagem partiu para a
estação ferroviária.

Por duas semanas ele só recebeu boas notícias. O príncipe real obteve vitórias sobre
MacMahon nas localidades de Wörth e Weissenburge avançou pela Alsácia e pelos Vosges,
enquanto o exército do Príncipe Frederico Carlos forçava Bazaine a retirar-se para a
fortificação inacabada de Metz. Já em 16 de agosto Bismarck escreveu a Joana dizendo achar
que a campanha estava, “a bem dizer, acabando, a menos que Deus interfira manifestamente
em favor da França, o que espero não aconteça”299. Mas aquela noite foi uma das piores de
sua vida: chegou-lhe uma informação, quando estava acantonado numa casinha em Pont-à-
Mousson, de que seu filho Herbert morrera. Durante o dia houve um embate de vinte
esquadrões de cavalaria em Mars-la-Tour, e os companheiros viram Herbert cair do cavalo
durante a mêlée. Outra mensagem, mais tarde, informou que o segundo filho do chanceler,
Guilherme, estava gravemente ferido. Mars-la-Tour distava uns trinta quilômetros de Pont-à-
Mousson, e Bismarck saiu a cavalo para o norte, procurando os hospitais improvisados nos
vilarejos próximos ao campo de batalha. Quando amanheceu o dia, encontrou Herbert, vivo,
numa granja em Mariaville, fora de combate devido a um ferimento a bala na coxa, mas sem
perigo. Logo depois achou o segundo filho, sem um arranhão, embora também ele tivesse
estado no mais aceso do combate. O chanceler voltou a Pont-à-Mousson de espírito aliviado,
porém indignado com os generais, que irresponsavelmente jogavam a cavalaria em combates
dos quais não podia advir nenhuma vantagem tática decisiva. Estavam, reclamou ele,
“malbaratando a coragem dos homens”, sempre usando os punhos em vez de usar a
cabeça300.

Dois dias depois travou-se uma grande batalha entre as vilas de Gravelotte e Saint Privat,
sobre a estrada Verdun-Metz. Estritamente considerando, os prussianos e seus aliados foram
vitoriosos, pois os franceses retraíram de suas posições antes do anoitecer, mas o moral
alemão foi seriamente abalado. Num dado momento, o rei, tendo ao lado Moltke e Bismarck,
assistiu consternado à infantaria prussiana debandar em pânico ao cair sob fogo cerrado,
numa ravina. Os prussianos e aliados perderam 20.000 homens, naquele dia, e os franceses
12.000. Como Bismarck, o Rei Guilherme abalou-se com essa “carnificina absurda”. O
príncipe real, encontrando seu pai pela primeira vez depois de quatro semanas, em Pont-à-
Mousson, no dia 20 de agosto, achou-o “muito aflito com as perdas graves”. Mas ninguém
perdera a certeza na vitória final. Escreveu o príncipe que Bismarck estava a pensar em
termos de “uma paz moderada”: a cessão da Alsácia, que já fora província germânica, e
pagamento de todas as despesas da guerra”; segundo o príncipe, ele “calma e friamente
observa os acontecimentos, e não está demasiadamente otimista”301. Moltke, por seu lado, só
pensava no problema imediato, a marcha sobre Paris. O caminho para a capital francesa
abriu-se com o triunfo d’armas em Sedan, no dia 1.° de setembro. Durante os últimos dias de
agosto o exército do marechal MacMahon foi habilmente cercado às margens do rio Meuse,
em Sedan, tendo como única via de retraimento a região montanhosa das Ardenas e a
fronteira belga, dez quilômetros à retaguarda. Em 30 de agosto Bismarck alertou o governo
de Bruxelas que deveríam ser desarmadas tropas que buscassem refúgio em seu território
neutro, caso contrário os prussianos teriam de atravessar a fronteira em perseguição. “Agora
estão na ratoeira”, sentenciou Moltke alegremente, ao estudar os mapas na noite seguinte.

O primeiro dia de setembro começou com uma forte bruma, promessa de sol escaldante.
Quando o nevoeiro levantou, quatrocentos canhões abriram fogo sobre as posições francesas
a leste do Meuse, que se estendiam por uma pradaria até o sopé das Ardenas. Bismarck teve
uma extraordinária vista da batalha. Como em Königgrätz, tomou posição numa lombada, ao
lado do rei, mas desta vez muito mais próximo dos objetivos principais. Instalado na encosta
sobre a vila de Frénois, com um telescópio, podia enxergar a própria Sedan, a três
quilômetros. A glória e a tragédia da batalha desenrolaram-se diante dele como se fosse uma
exibição em diorama nalgum museu. Os veteranos por muito tempo relembraram “a multidão
que se comprimia” na encosta de Frénois: uma dúzia de príncipes alemães; Moltke, Roon e
seus estados-maiores; correspondentes de guerra especialmente convidados (tais como
Russell, do The Times); e ilustres observadores estrangeiros, homens como o General
Sheridan, cuja cavalaria varrera o Shenandoah seis anos antes, ou o General Kutuzov, cujo
avô flagelara o Napoleão da outra geração, em 1812. Há um quê de surrealista nessa
assembléia instalada por sobre Frénois. Grandes personagens, em estranhos uniformes,
assistiam com seus telescópios a uma partida em que se jogava um império. De repente, um
deles sentou-se numa cadeira de lona, fez um sinal para alguns secretários e começou a
manusear os mais recentes telegramas dos embaixadores, como se estivesse na
Wilhelmstrasse. “Uma taça de vinho, Excelência?”, consultou um adjunto. “Não, obrigado”,
respondeu Bismarck, “bem que eu gostaria, mas o rei ainda não tomou nada”. De incidentes
como esse criam-se as lendas302.

Moltke foi quem primeiro viu a bandeira branca içada na fortaleza de Sedan e mandou o
coronel Bronsart von Schellendorf investigar. Havia boatos, não totalmente desprezados na
encosta, de que o próprio Napoleão III estava em Sedan. Sua presença colocaria melindrosos
problemas constitucionais para seus captores e Bismarck meditava sobre o assunto enquanto
Bronsart parlamentava com emissários franceses. O coronel regressou pouco antes de seis e
meia da tarde e confirmou que Napoleão, em pessoa, desejava render-se; logo chegou um
oficial francês com uma carta endereçada a Guilherme, na qual Napoleão propunha “entregar
minha espada nas mãos de Vossa Majestade”. Bismarck ditou uma resposta em nome do rei,
aceitando sua rendição pessoal, mas solicitando a designação de um oficial para tratar da
capitulação do exército. Dois generais franceses de maior antiguidade, Wimpffen e Castelnau,
vieram ao encontro de Moltke e de Bismarck naquela mesma noite, em Donchéry, tentando
abrandar as condições prussianas, sem resultado, Moltke mostrou aos emissários, sobre os
mapas e cartas, que a posição deles era insustentável; Bismarck insistiu em que a Alemanha
exigia segurança no futuro contra a histórica emulação e o ciúme dos franceses. Wimpffen
ponderou que somente uma paz generosa seria durável, mas o chanceler não lhe permitiu
ilusões: “De maneira geral, não se deve contar com gratidão, e jamais com a gratidão de um
povo”, respondeu Bismarck com dura franqueza. “Precisamos ter espaços, fortalezas e
fronteiras que nos abriguem dos ataques do inimigo.” A única concessão feita aos emissários
foi a extensão da trégua até nove horas da manhã seguinte, para que pudessem consultar o
imperador303. Já era meia-noite e Bismarck e Moltke ficaram em Donchéry para umas horas
de sono. O rei se fora para o QG em Vendresse, a vinte e dois quilômetros.

Logo após o amanhecer de 2 de setembro o próprio Napoleão chegou a Donchéry, na


esperança de poder avistar-se com Guilherme e arrancar condições melhores, como o
internamento do exército na Bélgica em vez de seguir para campos alemães de prisioneiros.
Bismarck vestiu-se às pressas e encontrou-se com o imperador na choupana de um lavrador,
junto à estrada. O chanceler foi primorosamente cortês, mas estava determinado a não
permitir que os dois soberanos se falassem até Wimpffen haver assinado a capitulação
minutada por Moltke na véspera. Explicou a Napoleão que o rei estava a muitos quilômetros
de Sedan. “Ficamos sentados durante uma hora, num cubículo de três metros quadrados onde
havia uma mesa de pinho e duas cadeiras de palha”, escreveu Bismarck a Joana, no dia
seguinte. “Que contraste com nossa última troca de idéias, nas Tuileries, em 67.”304 A
conversa foi difícil. Assim que o exército se rendeu, Bismarck escoltou Napoleão até uma
pequena vivenda em Bellevue aonde chegaram também o rei e o príncipe herdeiro para uma
entrevista breve, polida, mas dolorosa. Decidiu-se que Napoleão viajaria, através da Bélgica,
para Wilhelmshohe, perto de Cassel, onde permanecería como prisioneiro de guerra até o fim
das hostilidades. Na manhã seguinte, bem cedo, 3 de setembro, um sábado, Bismarck e
Moltke ergueram-se em continência ao desfilar a carruagem de Napoleão, os cocheiros de
libré e cabeleiras empoadas empertigados na boléia, cruzando Donchéry, a caminho da
Bélgica e de Wilhelmshohe. Ambos estavam felizes. Moltke acreditava que o poderio militar
da França se desvanecia. Bismarck considerava estar atingindo seus objetivos políticos. “Lá
se vai uma dinastia”, observou, quando a carruagem imperial sumiu em direção à
fronteira305 Agradava-lhe que Napoleão estivesse sendo tratado cavalheirescamente; alguém
teria de assinar o tratado de paz, e Napoleão ainda era, de direito, o governante da França.
Era de conveniência não humilhar o soberano a quem os remanescentes exércitos franceses,
em Metz e Strasburgo, prestavam vassalagem.

O chanceler tinha certeza de que a guerra chegara virtualmente ao fim. Ao acompanhar o


quartel-general, naquele fim de semana, a Vendresse e Reims, passou seus dias formulando
mentalmente os termos de paz mais razoáveis. Era sempre o político da prática e não um
visionário imperial, e recusava ater-se aos preconceitos dos chauvinistas nacional-liberais e,
aliás, aos dos seus próprios jornais. Eles todos podiam alardear a “recuperação das terras
alemãs perdidas”, ou fazer do Reno “um rio alemão, em vez de limite da Alemanha”; quanto a
si, dava-se por satisfeito com um programa mínimo que contentasse seu senhor e os generais.
Em Rethel, no dia 4 de setembro, fez a Moritz Busch o comentário, “Metz e Strasburgo é o de
que precisamos e queremos tomar. A Alsácia é idéia dos professores”.

Naquele domingo estourou a revolução em Paris e a Terceira República foi proclamada, no


Hôtel de Ville. Bismarck não se preocupou muito com as notícias que lhe chegaram: o
espectro de uma França republicana reforçava a dependência das autocracias orientais em
relação à Prússia, pois as classes governantes de Viena e S. Petersburgo optariam por uma
demonstração de solidariedade contra esta nova manifestação de ridícula fúria vermelha. Se
Jules Favre, ministro do exterior do governo provisório estivesse disposto a tratar da paz,
tanto melhor. “Para nós é indiferente quem governa a França, se Napoleão, se uma república
branca ou uma república vermelha”, telegrafou Bismarck do quartel-general do rei, em
Meaux, ao embaixador em Londres. “Nosso único objetivo é a segurança estratégica de
nossas fronteiras no sudoeste contra o próximo ataque, inevitável, da França contra a
Alemanha.” 306 Intimamente, Bismarck preferia o império a uma Terceira República e não lhe
interessava receber Favre caso a república se mostrasse nada mais que um gesto fugaz de
rebeldia parisiense; quando, porém, no terceiro fim de semana de setembro os exércitos
prussianos completaram o sítio da capital deixou de ser razoável negar-se a um encontro com
Favre. Tarde da noite, na segunda-feira 19 de setembro, Bismarck recebeu Favre em
Ferrières, onde o rei montara seu QG no chateau Rothschild, a apenas treze quilômetros de
Versalhes e a vinte e quatro de Paris.

Jules Favre, um advogado burguês, defensor das causas dos mineiros de carvão na luta pelo
reconhecimento de seu sindicato, no Segundo Império, era do tipo de político idealista que
provocava o que havia de pior no caráter de Bismarck. Naquela noite em Ferrières o
chanceler tratou-o de maneira atroz307. O causídico de sessenta e um anos clamou
eloqüentemente por uma paz justa que levasse os povos francês e alemão a conviverem em
meio à amizade, ao entendimento. Bismarck ouvia, desdenhoso, tirando baforadas de seu
charuto, satisfeito após o jantar, e a conferência arrastou-se para uma segunda hora. A
Prússia, interrompeu ele, bruscamente, precisava de uma fronteira segura contra a guerra de
desforra que a França, com certeza, tentaria contra a nova Alemanha; seria necessário,
portanto, que a França entregasse Strasburgo e toda a Alsácia, além de uma parte da Lorena,
inclusive a fortaleza de Metz. Condições amargas, em nada diferentes das “idéias dos
professores”, e é possível que Bismarck estivesse a presumir que Jules Favre faria uma
contraproposta, dando início a um processo de barganha. Mas Favre caiu das nuvens: “O
senhor quer destruir a França”, exclamou, já em lágrimas. Pediu ao chanceler que concedesse
um armistício durante o qual os franceses elegessem uma Assembléia Nacional
representativa, mas Bismarck negou-se a dar atenção a um assunto interno da França. Com
certeza os franceses podiam contar com um armistício, admitiu ele - desde que, como
demonstração de boa fé, entregassem as fortalezas que ainda resistiam na Alsácia e um dos
fortes do sistema defensivo das vias de acesso a Paris. Hora e meia de entrevista e Jules Favre
deixou Ferrières “angustiado, cabisbaixo, quase em desespero”. Moritz Busch especula em
seu diário que o pobre francês haja adotado essa atitude “visando a impressionar o
chanceler”; e o próprio Bismarck, cinicamente, conclui que Jules Favre “tentou manobrar
meus sentimentos por meio de uma cenazinha dramática, costume dos advogados parisienses
em suas defesas”308. Ninguém no QG prussiano duvidava de que Jules Favre aparecería de
novo, depois de consultados seus colegas: e havería um armistício, um tratado de paz e, em
breve, pavilhões germânicos tremulariam em ambas as margens do Reno, de Emmerich a
Basel, da fronteira com a Holanda até a fronteira com a Suíça.

Os prussianos julgaram mal. Em quarenta e oito horas o Governo de Paris deu à publicidade
um relato do encontro, revelando à Europa as condições sob as quais Bismarck faria a paz.
Em toda parte os sentimentos contra a Prússia robusteceram-se e subiu a maré do amor-
próprio dantonesco em Paris e em muitas cidades francesas. Após a entrevista de Ferrières a
guerra mudou de figura. Introduziu-se uma nova índole de selvageria nos métodos franceses
de resistência, logo evidente no estilo de ataques isolados aos invasores. A luta deixou de ser
entre dois exércitos profissionais. Inevitavelmente os invasores responderam com repressão
severa. O próprio Bismarck determinou que as autoridades impusessem uma disciplina de
ferro nas regiões sob seu controle: aldeias que abrigassem guerrilheiros seriam
sumariamente incendiadas; qualquer pessoa (homem, mulher ou criança) suspeito de haver
disparado contra soldados alemães ou cometido ato de sabotagem, seria executada; e ele era,
pessoalmente, a favor de transferir populações inteiras de áreas mais rebeldes para
acampamentos especiais na Alemanha[1]. Felizmente, nem todos os que estavam em posições
de responsabilidade eram tão violentos quanto Bismarck, mas mesmo assim o sofrimento dos
franceses foi terrível. Seu “obstinado poder de resistência” reconheceu no diário o príncipe
real, mostrava “o que pode um povo unido quando inspirado num grande ideal nacional”309.
Nunca foi este o conceito de Bismarck.

Quando nenhuma delegação de armistícios chegou de Paris, o chanceler estimulou dois


visitantes americanos, o general Ambrose Burnside e o coronel Forbes, a penetrarem nas
linhas sob bandeira de trégua, no dia l.° de outubro, com vistas a trazer-lhe notícias da atitude
de Favre. Burnside (que alguns anos antes fora o menos destacado dos comandantes de
Lincoln no Potomac) conseguiu chegar até o Hôtel de Ville. Teve encontros com Favre e com o
chefe do governo provisório, o general Trochu, que culpou das infelicidades do país a torpeza
moral de seus compatriotas. O americano voltou a Ferrières e informou que Favre já se
conformara com a perda da Alsácia, mas não estava conseguindo convencer os demais líderes
republicanos. Paris, observou cruelmente Burnside, era “um hospício de macacos”310. Não
foi a mais valiosa das estimativas; mas Burnside também não era o mais adequado dos
emissários de paz. Sua opinião confirmava as premissas e os preconceitos de Bismarck. Se os
macacos continuassem surdos à razão, sempre havería a possibilidade de arrancar um tratado
de paz de Napoleão, em Wilhelmshohe. Mais cedo ou mais tarde algum representante da
França assinaria a cessão de Metz e Strasburgo; por enquanto, se o Rei Guilherme desejava
instalar seu quartel general em Versalhes, por que não?

A insígnia real prussiana despontou no mastro da Préfecture de Versalhes no dia 5 de


outubro. “Estaremos aqui por umas três semanas”, predisse Robert von Keudell, observando
os funcionárias improvisarem um Ministério do Exterior a mil e duzentos metros do chateau
de Luís XIV311. Otimismo dele; Versalhes ostentou a aparência exterior de capital alemã por
cinco meses completos. No começo, a vida foi muito agradável. O rei morava na Préfecture e
havia mansões suficientes para os seis príncipes reais, quatro grão-duques, cinco duques e
um landgrave reinante que o haviam acompanhado às guerras. Bismarck foi acomodado a uns
oitocentos metros do rei, na Rue de Provence 14, um casarão de três pisos pertencentes à
viúva de um industrial têxtil e situado numa rua tranqüila, transversal à Avenue de Saint
Cloud. Em outubro e novembro a guerra não influiu muito no ambiente festivo. A data da
derrota de Napoleão I em Leipzig foi celebrada com um desfile na Place d’Armes; a saúde de
Moltke foi brindada, no seu septuagésimo aniversário, com vinhos de uma das melhores
adegas da França; e em dois domingos o príncipe herdeiro comentou em seu diário quão
esplendidamente a capela de Luís XIV ressoava o fervor do canto de hinos luteranos312.

Ás vezes, porém, chegava a parecer que o espírito de Versalhes vingava-se dos invasores. Pois
à medida em que semanas de frustração convertiam-se em meses, pequenas desavenças
tomaram o vulto de grandes disputas e a intriga passou a prosperar, lembrando as décadas
finais do velho regime Bourbon. A animosidade viceja facilmente na atmosfera artificial do
posto de comando de um monarca, e alguns dos casos de ressentimento e ciúme não tiveram
qualquer importância. Mas a tensão crescente entre Bismarck e Moltke era muito séria:
ameaçava o relacionamento de fundo da autoridade civil com a militar no tecido do estado
prussiano e, enfim, da Alemanha como um todo. Discordâncias houvera, entre os dois, à mesa
do conselho de Sedan e Ferrières, como antes ocorrera durante a campanha de 1866, mas foi
a prolongada espera para acabar a guerra, depois da ocupação de Versalhes, que finalmente
destruiu a ligação entre o chanceler e o Grande Estado-Maior313.

Moltke entendia que, feita a mobilização de uma nação para a guerra, quaisquer
considerações de política ou diplomacia deviam subordinar-se às necessidades do Alto
Comando. A amplitude e a duração de uma campanha, a necessidade de firmar um armistício,
as negociações de paz - eram assuntos, todos, que deviam ser deixados aos militares.
Bismarck, ao contrário, sustentava que essas eram questões em que a última palavra devia
caber aos homens polí ticos do soberano. Em sua opinião a obrigação da oficialidade era
vencer as batalhas para o rei, e não decidir quem eram os inimigos ou que condições deviam
estes ouvir uma vez vencidos no campo. A imprecisão de limites entre as esferas de
responsabilidade de cada um já causara fricção em Nikolsburgo: e essa dúvida cresceu de
importância em 1870 devido à diferente atitude de ambos com relação àquela guerra em que
estava a Prússia. Moltke detestava os franceses e estava disposto a levar seus exércitos até o
Loire e além, numa guerra de extermínio; Bismarck, a despeito das labaredas de suas
conversações privadas, não permitia que a paixão ditasse a política. Seu objetivo imediato
continuava sendo o de Sedan: uma vitória rápida e a paz concluída antes que outra Potência
quisesse intervir para mediar.

Para seu assombro, Bismarck notou os generais decididos a excluí-lo de todas as reuniões
militares. Queixou-se de que o mantinham mesmo na ignorância do dia-a-dia das operações do
exército. Tolheram suas tentativas de negociar com representantes da causa de Bonaparte e
cooperaram o mínimo quando o veterano dirigente conservador, Adolphe Thiers, procurou
Bismarck em Versalhes, dias 1.° e 2 de novembro, pouco depois que o último comandante leal
bonapartista (Bazaine) rendeu-se, em Metz. Um mês depois, Moltke remeteu uma carta
diretamente ao general Trochu, em Paris, informando-o da queda de Orléans nas mãos dos
prussianos, comunicação que Bismarck interpretou, de novo, como tentativa, da parte do
chefe do Estado-Maior, de encaminhar uma política independente daquela do chanceler. Tal
ingerência era totalmente inaceitável: “É exatamente como se eu lhes fosse fazer preleção
sobre o posicionamento de uma bateria neste ou naquele local”, trovejou ele aos seus
companheiros de jantar, em 14 de outubro, após uma das primeiras colisões com os
“cavalheiros militares”. Em meados de dezembro, já estava tão furioso com o tratamento
recebido de Moltke que tocou no assunto com o rei, o qual fez questão de que seu primeiro-
ministro fosse ao menos informado das decisões militares vitais314.

Bismarck tinha um justo motivo de queixa, mas os generais também poderiam queixar-se, e
muito, dele. Pois apesar de não o reconhecer, não resta dúvida de que o chanceler andou
bastante perto de fazer-lhes preleções sobre posicionamento de canhões. Estava convencido
de que a única maneira de chegar logo à paz seria bombardear Paris e forçar a capital a
render-se, ao passo que Moltke argumentava ser a artilharia de longo alcance militarmente
ineficaz e de que a maneira inteligente de agir seria deixar Paris à míngua, cortando-lhe todos
os suprimentos até que se rendesse, ao invés de destruí-la. Mas Bismarck fincou pé quanto à
necessidade de bater a cidade com os canhões pesados da Krupp: afirmava que uma
população civil aterrorizada forçaria as autoridades a pedirem a paz. Não é de surpreender
que semelhante falácia psicológica, que confundiu estrategistas mais modernos, o tivesse
também enganado. Roon concordou com Bismarck; relutante, e contra sua mais judiciosa
opinião, Moltke preparou os planos para concentrar-se a necessária artilharia e munição em
volta de Paris315.

Mas Bismarck ainda não ia conseguir seu ataque rápido e decisivo. Dificuldades técnicas para
a locomoção de canhões de sítio e provisão de granadas retardaram o bombardeio até a
primeira semana do ano novo. O chanceler ficou possesso: culpou o príncipe real e sua
esposa; vituperou contra os escrúpulos sentimentais de “arcebispos e professores”; e insinuou
maldosamente a falta de patriotismo de “certa gente que quer elogios na imprensa inglesa”.
Quando não tinha mais em quem bater, apelou para o duende consumado de todos os
paranóicos políticos e atacou sem rebuços os intrigantes maçons. É possível que Moltke não
se tenha empenhado com toda a capacidade na solução do problema logístico, pois
evidentemente reagia à insistência do chanceler em forçar um bombardeio de Paris por
motivos políticos. Já muito antes do Natal o Estado-Maior não confiava em Bismarck e
lamentava sua presença permanente em Versalhes. “Usar uma capa de oficial de cavalaria
não ajuda, necessariamente, a entender de assuntos militares”, escreveu causticamente o
coronel Bronsart em seu diário. “Que coisa monstruosa, um político ter mais influência que os
chefes do exército!”, comentou o velho adversário de Bismarck general von Manteuffel. E no
fim da primeira semana de dezembro, Bronsart escreveu simplesmente que “o Conde
Bismarck está se tornando, com rapidez, um caso acabado de hospício”316.

Essa opinião, embora injusta, não era de todo despropositada. Desde a mudança para a Rue
de Provence Bismarck estava sob grande tensão. Sua luta para salvaguardar o primado do
governo civil era apenas uma de suas muitas tarefas. Era preciso concluir se havia ou não
possibilidade de paz com Thiers ou com algum representante de Napoleão III; e continuava,
também, inquieto sobre a situação geral da Europa. No último dia de outubro, o Czar
Alexandre II repudiara as cláusulas do Tratado de Paris de 1856 que haviam neutralizado o
Mar Negro. Esse gesto de independência, ao qual, em princípio, Bismarck não era infenso,
chegou em mau momento para os prussianos: os ingleses, indignados com o abandono, pela
Rússia, da noção da santidade dos tratados, assomaram um ar belicoso; e na quarta semana
de novembro Bismarck receou seriamente que o conflito franco-prussiano fosse engolfado
numa guerra muito maior entre as Potências européias317. Dessa maneira, no mais aceso de
seu conflito com os generais, ele ainda exercia grande esforço para motivar uma conferência
internacional que revisse pacificamente as cláusulas sobre o Mar Negro, mas sem qualquer
referência aos fatos do momento em torno da cidade onde o tratado original se consumara.

Ainda bem que, na verdade, russos e ingleses preferiam uma composição à guerra; aceitaram,
portanto, sua mediação nos termos que propunha. No início de dezembro conveio-se em que
haveria uma conferência em Londres, no mês seguinte, com o fito de discutir o problema do
Mar Negro, e que a França não constaria da agenda. Bismarck ficava satisfeito com esse
arranjo, porém restavam-lhe dúvidas sobre a atitude britânica. Vendo bem, a questão italiana
fora levantada na conferência de Paris, em 1856, embora formalmente irrelevante. O fato de
aproximar-se uma conferência em Londres, deixou-o ainda mais ansioso por acabar
rapidamente a guerra na França. Não admira que os auxiliares pessoais de Bismarck
achassem o chefe incrivelmente explosivo. Como acontecia muitas vezes, quando seus nervos
estavam abalados, começaram-lhe as dores na perna esquerda. Outros mais sentiam, também,
a tensão. Roon ficou preso a seu quarto dias seguidos devido à asma318.

Houve uma terceira questão a preocupar Bismarck durante boa parte de novembro. Depois de
Sedan, a Alemanha geral, inclusive os estados do sul, tomou-se de intenso fervor patriótico.
Até mesmo na Baviera, onde era mais forte o sentimento particularista, o Rei Ludwig
reconheceu que teria de levar seu país para uma estrutura todo-germânica, embora não
apreciasse a forma da Confederação existente. Bismarck tinha a firme intenção de tirar
proveito dessa onda de sentimento nacional. Delegados de Württemberg, Baden, Baviera e
Hesse chegaram a Versalhes e começaram as negociações destinadas a alcançar uma nova
união federal alemã319. Por vezes, as tratativas andaram difíceis, especialmente na segunda
semana de novembro, quando a delegação de Württemberg inesperadamente regressou para
Stuttgart em busca de novas instruções. Os representantes de Baden e Hesse não criavam
dificuldades, e Bismarck não pretendia deixar que os württemberguenses ou os bávaros
torpedeassem a Confederação da Alemanha do Norte. Daí dispor-se a dar à Baviera
demonstração de boa vontade, a fim de isolar Württemberg e garantir a entrada dos quatro
estados numa união alemã. Prometeram-se aos bávaros um exército próprio em tempo de paz,
um serviço postal em separado e a presidência permanente de uma comissão para política
externa. Hesse e Baden ingressaram na união em 15 de novembro, a Baviera oito dias depois
e, por último, Württemberg, no dia 25 de novembro. Restava determinar o estilo e o grau de
nobreza e majestade da nova união.

Nunca houve muita dúvida, em Versalhes, de que a nova Alemanha seria um império, “o
Segundo Reich”, e de que o rei da Prússia ascendería à posição imperial. O príncipe real,
como herdeiro do trono, sempre acreditara na necessidade de fazer ressuscitar um “Império
Alemão livre" e acusava Bismarck de falta de entusiasmo pela causa nacional. Isso era uma
injustiça e irritava o chanceler: “O príncipe é uma das pessoas mais estúpidas e vaidosas que
conheço”, clamou ele, “está variando de novo com aquela maluquice de kaiser”. Alguma forma
de império era essencial para superar as suspeitas sulinas de que a nova união seria
essencialmente a Grande Prússia. Bismarck sabia disso melhor que ninguém. A dificuldade
estava em convencer Guilherme da necessidade de uma mudança de título. Ele não desejava
ver-se em débito com a vontade coletiva do povo alemão por uma coroa imperial, e irritava-se
com as campanhas de imprensa em prol de um novo Reich, fosse nos jornais de Berlim fosse
nos das demais cidades alemãs.

Bismarck montou um complicado enredo para vencer a resistência de Guilherme320.


Convenceu o palafreneiro do Rei da Baviera, Conde von Holnstein, a regressar ao palácio de
Ludwig, em Hohenschwangau, com o projeto de uma carta rogando ao Rei da Prússia, em
nome dos príncipes alemães, que restabelecesse o Império Alemão e cingisse ele próprio a
coroa imperial. Ludwig copiou a carta, palavra por palavra, e confiou-a a Holnstein, que
disparou de volta a Versalhes. Em 27 de novembro Bismarck escreveu calorosamente a
Ludwig, abordando o prazer que teria em poder ser de alguma utilidade ao rei bávaro. Quase
certamente, Ludwig recebeu um pagamento proveniente do “Fundo dos Guelfos”, cabendo
bela comissão a seu palafreneiro. Do ponto de vista de Bismarck, foi dinheiro bem empregado.
No dia 3 de dezembro, Leopold, o irmão de Ludwig, entregou a Guilherme a carta. “O
conteúdo dessa carta deixou Sua Majestade fora de si, de tão zangado”, anotou o príncipe
herdeiro em seu diário, “Não houve jeito de mudar de idéia hoje, e continua vendo nos títulos
‘Kaiser e Reich’ nada mais que uma cruz que teria de carregar.” Mas o príncipe herdeiro, que
sabia ter sido a carta de Ludwig preparada pelo chanceler, estava satisfeito com o rumo que
tomavam as coisas. Tinha certeza de que o rei atendería a um apelo de seus companheiros
governantes da Alemanha. “Ao sairmos da câmara do rei, o Conde Bismarck e eu apertamos a
mão, silenciosamente”, acrescenta o príncipe real às anotações daquele dia. “Sentimos que a
decisão estava tomada, sem volta atrás.”321

Seguiram-se, porém, sete semanas de tensão e hipersensitividade na sede real. Guilherme


estava cansado de Versalhes e de intrigas; anelava o ambiente doméstico de Babelsberg, tinha
saudades do Berlim Schloss. Dormia mal, com pesadelos, nos quais novos exércitos franceses
punham-no em fuga para leste (exatamente como o fizera o Grande Exército quando ele era
um menino de dez anos)322. Preferia prosseguir com a guerra a toda aquela conversa sobre
política de unidade nacional: em Paris, em 1814, eles tinham sabido melhor colocar sob
controle esse sentimento de Pátria. Incerto, e de novo sob a pressão do príncipe real, o rei
concordou em receber uma delegação de trinta deputados do Reichstag no dia 18 de
dezembro, e aceitou que lhe entregassem uma petição na qual também rogavam que
assumisse a dignidade imperial. Oficialmente, o novo Império Alemão devia nascer no dia
primeiro do Ano Novo, mas Guilherme não queria celebrações na ocasião, e tampouco
chegara ainda ao ponto de aprovar uma proclamação pública do império. Incomodava-o que o
príncipe herdeiro, a quem recentemente promovera a marechal-de-campo, se envolvesse em
tais assuntos num momento em que seus canhões bombardeavam os fortes periféricos da
capital francesa e os relatórios de informações assinalavam a possibilidade de excursões
desesperadas do inimigo. As relações do chanceler com o Estado-Maior estavam piores que
nunca e ele ainda não tinha certeza de estar arrastando o rei consigo em direção ao império.
O velho era vezeiro em desconcertar as pessoas falando de abdicação quando pressionado a
adaptar-se ao inaceitável; e seria preciso muito mais que um silencioso aperto de mão para
reconciliar o chanceler e o herdeiro do trono. “As torturas da gota e os nervos em pedaços
requerem que o Conde Bismarck tenha o máximo repouso e bom tratamento”, está no diário
do príncipe com a data da chegada a Versalhes da deputação do Reichstag. Sábia receita, mas
impraticável.

Muito embora o príncipe real ainda se referisse a Bismarck, na intimidade do seu diário, como
“aquele junker insolente e bruto”, estava no propósito de trabalhar para a harmonia em
Versalhes (como o fizera em Nikolsburgo). No dia 8 de janeiro, Moltke reclamou ao príncipe
que “nos assuntos militares não menos que nas questões políticas, o chanceler quer decidir
tudo, sem dar a menor atenção aos especialistas responsáveis”. Cinco dias depois, o príncipe
convidou Bismarck e Moltke para jantarem com ele, numa tentativa de reconciliação. O jantar,
porém, não deu certo: as maneiras de ver do chanceler e do chefe do Estado-Maior eram tão
divergentes que cada um deles, no dia seguinte (sábado, 14 de janeiro), enviou um relato em
separado ao rei. Moltke solicitava que, se Paris se rendesse, todas as negociações referentes à
cidade fossem efetuadas pelo Alto Comando; Bismarck argumentava que o destino de Paris
ligava- se à questão toda de paz ou continuação da guerra e insistia em que a nova Alemanha
estava a exigir, com urgência, o fim da luta antes que as Potências, ao reunirem-se em
Londres, tentassem impor uma solução também na França323. De momento, ao menos, esta
última desavença era forte demais para o rei resolver. Guilherme estava “extremamente
excitável e enervado” na reunião militar daquele domingo: disse ao filho que desejava a
proclamação do império para a quarta-feira seguinte, data do centésimo septuagésimo
aniversário da coroação do primeiro rei da Prússia; mas recusou-se a tomar parte em
quaisquer preparações para a cerimônia. “Afastar-me do velho título prussiano é doloroso
para mim”, explicou à esposa, a nova imperatriz, naquela semana.

Na tarde de terça-feira ocorreu uma irada altercação entre o rei e o chanceler, na Préfecture.
Os príncipes alemães e o Reichstag haviam-se referido ao soberano como deutscher Kaiser
(Imperador Alemão): Guilherme preferia, já que era essencial mudar-lhe o título, ser chamado
Kaiser von Deutschland (Imperador da Alemanha). Numa conversa privada, depois disso,
Bismarck admitiu que pouco se lhe dava a denominação final do soberano, mas devia insistir
no título menos excelso, uma vez que já passara ao uso constitucional. Guilherme trovejou
indignado durante três horas de discussão, ora ameaçando abdicar, ora lacrimejando ao
pensar em que “dava adeus à velha Prússia”, e finalmente encerrando toda e qualquer
discussão com a declaração colérica de que não lhe dissessem nenhuma palavra mais sobre as
cerimônias do outro dia324.

Na manhã seguinte o staff de Bismarck achou o chefe “de péssimo humor, irritadíssimo”. Um
secretário cumprimentou-o pela publicação na gazeta oficial de sua promoção a tenente-
general como honraria pelo acontecimento. “De que me adianta isso?”, replicou secamente.
Pouco antes do meio-dia o chanceler, no uniforme azul marinho da cavalaria, percorreu de
caleche a rua que subia ao palácio maior. No grande pátio fronteiro, com sua consagração
majestosamente inscrita, à Toutes les Gloires de la France , encontrou-se com o genro do rei,
o Grão-Duque de Baden, o qual comentou de forma casual que Guilherme havia pouco o
chamara e instruira para que, no momento em que o novo Reich fosse proclamado, ele se
adiantasse e desse vivas “ao Imperador da Alemanha”. Bismarck pacientemente explicou que
esse título era politicamente indesejável e recomendou ao grão-duque que empregasse outra
maneira de saudação. Ao subirem os dois a grande escadaria, em meio a alas de couraceiros,
o ribombar da artilharia em Mont Valérien lembrava-os de que a poucos quilômetros, na
estrada a Paris que morria de fome, prosseguia ainda uma guerra. Era fácil esquecê-la em
meio ao nervosismo das trivialidades.

A grande galeria de Versalhes, com setenta e três metros de comprimento, apresentava numa
extremidade um estrado, e sob a janela central um altar de campanha. Os dezessete espelhos
que um dia receberam os raios do Rei Sol, refletiam agora os austeros uniformes de oficiais
dos exércitos alemães, escolhidos para representarem seus regimentos por haverem sido
condecorados por atos de bravura em combate. Entre eles, um tenente de infantaria, com
vinte e três anos de idade, Paul von Hindenburgo, que havia de sobreviver a esse Segundo
Reich e preparar o caminho para seu sucessor nazista. Com o Rei Guilherme ostentando uma
ordem russa que lhe fora conferida por Alexandre I e o príncipe real "usando a Jarreteira
inglesa, como penhor da união íntima entre o Reich e a Inglaterra”, executou-se um
imponente compasso de história européia na Galeria dos Espelhos, naquele dia. Demasiado
lento, aliás, para Bismarck, que mal conseguiu ocultar a impaciência quando o capelão da
guarnição de Potsdam (cunhado do ministro da guerra) fez um inábil sermão sobre a
humildade dos príncipes ante o Rei dos Reis. Afinal, chegou o momento de Bismarck dar um
passo à frente e, com voz firme, proclamar a existência do Império Alemão. O grão-duque deu
vivas ao “Imperador Guilherme”, um meio-termo diplomático pouco ao gosto de seu sogro. O
velho agradeceu a homenagem dos príncipes e trocou apertos de mão com os generais que o
rodeavam. Ao descer do estrado, ignorou seu chanceler325.

Houve um banquete, à tarde, na Prefécture, depois Bismarck retornou a seu escritório.


Exausto, fisica e emocionalmente. “O ato imperial do parto foi difícil”, escreveu a Joana.
“Nesses momentos, os reis, tal qual as mulheres, tomam-se dos mais estranhos desejos... Na
qualidade de obstetra tive, às vezes, enorme vontade de ser uma granada explosiva, ir pelos
ares e reduzir a escombros aquilo tudo.”326 Guilherme estava sombrio como nunca. “Recém
voltei dessa mascarada de imperador”, escreveu à consorte naquela quarta de tarde. “Mal te
posso dizer quão casmurro estou nestes últimos dias... Ontem... estive à beira de desistir, ali,
naquele mesmo momento, e passar tudo a Fritz. Somente após colocar-me nas mãos de Deus,
na mais sincera oração, foi que recobrei o autocontrole e a força interior.”327 A verdade é
que a tão dramatizada cerimônia, em seu cenário emprestado de grandeza e, esplendor
estrangeiros, foi um anticlímax para Guilherme, como para Bismarck. Não maravilhou tanto
os principais personagens em cena como os que leram sobre ela na imprensa ou a admiraram
retratada em tela, posteriormente, pelos pintores da Corte.

Enquanto isso, continuavam para Bismarck o conflito interno com o Alto Comando e a luta
externa com o inimigo francês. Mas não era por muito tempo, ao que tudo indicava. Houve
uma última onda de atividade ao tentarem, os defensores de Paris, romper a linha dos
exércitos sitiantes, e no fim da semana chegou ao conhecimento de Versalhes que o general
Trochu pedia um armistício. Imediatamente, Guilherme autorizou o chanceler - e não Moltke -
a encarregar-se das negociações com as autoridades de Paris. Cinco dias depois, deu solução
à disputa entre Bismarck e o Alto Comando, emitindo ordem de que os generais não deveríam
tomar iniciativa de conversações de paz nem empreender novas operações militares sem
consultá-lo e a seu primeiro-ministro. A princípio, Moltke pensou em demitir-se de chefe do
Estado-Maior, em protesto contra a decisão de Guilherme: afinal, satisfez-se com um
memorando (cuja primeira versão foi minutada pelo coronel Bronsart) no qual ponderava que
o cargo de chefe do Estado-Maior e o cargo de chanceler eram “dois cargos políticos de igual
forma claramente constituídos e independentes entre si” sob o comando direto do soberano.
Guilherme ignorou essa exótica doutrina constitucional. Como que a corrigir seu
comportamento desairoso do Dia da Proclamação, apoiou seu chanceler de alto abaixo. Foi,
em conseqüência, Bismarck quem tratou com Favre, em 26 de janeiro, para que os canhões
silenciassem no cerco de Paris e foi Bismarck que acertou as condições de rendição das
fortalezas externas e da própria cidade328. Parecia total a ascendência do chanceler.

Com a queda de Paris, morreu a resistência francesa. Tão logo acabou a luta, o povo francês
elegeu uma Assembléia Nacional, que se reuniu em Bordéus e deu a Adolphe Thiers o título
de “Chefe do Poder Executivo”. Bismarck sempre afirmara que só faria a paz com um governo
republicano se este fosse representativo da França toda: do contrário, negociaria com
Napoleão III ou com alguém em seu nome. Thiers, a quem Bismarck respeitava pessoalmente,
possuía todas as credenciais necessárias, e quando ele voltou a Versalhes, na terça-feira, 21
de fevereiro, acompanhado de Jules Favre, as conversações de paz começaram a sério329.
Não demoraram muito. No domingo seguinte tudo estava acertado e as preliminares de paz
assinadas. As exigências eram duras: entrega da Alsácia e da Lorena setentrional, inclusive as
fortalezas de Metz e Belfort; indenização de seis bilhões de francos; e desfile triunfal dos
exércitos alemães pelas ruas de Paris. Thiers conseguiu uma redução do montante da
indenização e o direito de manter Belfort. Bismarck teria concordado em deixar também Metz
aos franceses; mas viu que, nesse ponto, tinha contra si Guilherme e os generais. Foi, segundo
Bismarck admitiu, uma paz que perpetuaria o rancor330. Ele era um realista e jamais admitiu
que o antagonismo de séculos entre franceses e alemães desvanecer-se-ia nalgum novo
espírito de boa vizinhança. Para ele seria melhor que a Alsácia e a Lorena do norte estivessem
nas mãos dos alemães quando chegasse a seguinte crise de guerra, do que a servirem de
centros de concentração de tropa ao longo do Reno. Sua força e sua fraqueza como estadista
estavam em só enxergar as relações entre um país e outro em termos de política de poder.

Faltava o ato final da campanha, uma entrada solene em Paris. Era um triunfo ao qual os
generais davam muito valor. E também Guilherme, que estivera ao lado de seu pai e do Czar
Alexandre, em 31 de março de 1814, quando os exércitos aliados desfilaram em continência
aos conquistadores da capital de Napoleão. Mas em 1871, diversamente de 1814, a entrada
de tropas em Paris foi regulada por uma convenção militar formal. Foi estabelecido que não
havería mais de 30.000 soldados alemães em Paris, em qualquer dia dado; que deviam ater-se
aos distritos mais elegantes da cidade, onde sua presença despertaria menor probabilidade de
rixas; e que todas as tropas alemãs seriam evacuadas de Paris tão logo a Assembléia de
Bordéus ratificasse os atos preliminares de paz. O Alto Comando determinou que a tropa
entrasse em escalões, em três dias sucessivos: o primeiro contingente desfilaria pela Champs
Elysées em 1º de março; a apoteose seria em 3 de março quando o novo imperador, seus
grandes comandantes e o general von Bismarck cavalgariam à frente do Regimento de
Guardas pelo Arco do Triunfo331. Mas nesta questão ganharam os franceses. Thiers chegou
em Bordéus com as preparatórias de paz no fim do dia, em 27 de fevereiro, mas a Assembléia
abriu a sessão, aprovou imediatamente os atos e aceitou o acordo. A ratificação completou-se
na manhã de 2 de março. Roon e Moltke, a bem da verdade, concordaram em que a letra da
Convenção devia ser obedecida: não houve a entrada solene em Paris. O Imperador Guilherme
recebeu as continências no campo de corridas de Longchamp, onde, em companhia de
Napoleão III, assistira à parada do exército francês em 1867. Agora, como da outra vez,
estavam a seu lado o Príncipe Imperial, Moltke e Bismarck332.

No fim do dia 2, Bismarck entrou furtivamente em Paris e palmilhou as ruas como se fora, de
novo, um turista. Alguns meninos assobiaram debochando dele; um operário o destratou
rudemente, aparentemente por ser alemão, não por ser ele; e quando pediu a um passante
fogo para seu charuto, o homem tirou da boca o cigarro, não querendo desperdiçar um fósforo
com um oficial prussiano333. Foi a última visita de Bismarck a Paris, e não se pode dizer que
haja sido um sucesso. No começo da tarde de 6 de março sua carruagem deixou a Rue de
Provence, e Versalhes tornou-se outra vez cidade francesa. No dia seguinte, de trem, cruzou a
nova fronteira. Nunca mais pisou o solo da França.

[1] Tais sugestões foram apresentadas por Bismarck em conversação particular, não ficando
claro até que ponto representavam sua opinião mais concentrada. O professor Gerhard Ritter
notou que seus documentos oficiais contrastam com isso, sendo “bastante isentos de posições
apaixonadas, de ódios, de sentimento de vingança” (The Sword and the Sceptre, I, p. 222).
Mas o parlamentar nacional-liberal Ludwig Bamberger, ficou chocado com sua conversa à
mesa de jantar. “A brutalidade nele é, sem dúvida, instintiva”, lançou em seu diário, após a
visita a Versalhes (Feder, compil., Bismarcks grosses Spiel, p. 241). O príncipe herdeiro
deplorava “as máximas monstruosas e as expressões selvagens” de Bismarck, “que ele usa
abertamente aqui, e sua mulher repete em Berlim”. (War Diary of the Emperor Frederick III,
p. 292.)
11. INFALIBILIDADES EM CONFLITO

Ao regressar a Berlim, Bismarck foi reconhecido como o fundador do novo Reich. Ninguém, a
serviço de um rei, desde Richelieu, havia tão rapidamente elevado a importância de seu
soberano, ao mesmo tempo acrescendo, com tão bons resultados, sua própria autoridade no
governo. Era obra extraordinária e Guilherme continuou a conceder honrarias a seu
chanceler: foi feito príncipe pouco depois de seu retomo de Versalhes; subseqüentemente,
condecorado com a Grã-Cruz da Ordem de Hohenzollern em diamantes e recebeu um novo
domínio, Friedrichsruh, no Lauenburgo, propriedade muitas vezes maior que Varzin. A
oficialidade talvez se enciumasse de seu poder e as velhas famílias junkers torcessem o nariz
ante seu status de magnata territorial, mas o povo de Berlim recebeu sua ascensão como um
complemento natural da nova posição da Alemanha no mundo e saudou-a com entusiasmo. No
dia 16 de junho foi ovacionado nas mas da capital ao cavalgar, uma vez mais, no cortejo da
vitória, pela Porta de Brandenburgo334. Atingia o pico de sua eminência, interna e
externamente; passara a ser instituição legendária, já não mais um indivíduo.

Sua posição constitucional era sui generis; aliás, criação dele mesmo. Como chanceler, tinha a
prerrogativa de discursar tanto no conselho federal de representantes dos estados, uma
espécie de Senado (Bundesrat), quanto na Câmara eleita (Reichstag). Podia abrir debates em
ambas as assembléias e tomar iniciativa de legislação, no entanto uma derrota não o forçava a
demitir-se, de vez que a ocupação do cargo de chanceler dependia da vontade do imperador.
Ele era, portanto, o curador fiduciário executivo do Reich, e todas as instituições imperiais
eram ramificações do gabinete do chanceler, na Wilhelmstrasse, ao invés de serem
“ministérios” propriamente, como na maioria dos países. E essa autoridade tampouco
representava o limite de seus poderes. A partir do primeiro dia de janeiro de 1871 a
diplomacia de toda a Alemanha passou a ser conduzida pela Auswärtiges Amt (“Secretariado
Exterior”), o velho Ministério do Exterior da Prússia com novo nome e a mesma gerência:
Bismarck manteve o título de ministro do exterior prussiano até sua queda em 1890. E mais,
com exceção de dez meses em 1872-78 em que o posto foi ocupado por Roon, ele continuou
também ministro-presidente prussiano, com prerrogativas tão amplas no Landtag prussiano
quanto no Reichstag da Alemanha em conjunto. Até onde era capaz de trabalhar em boa
associação com sem soberano, resistir às intrigas da Corte e do Estado-Maior, e funcionar
como supremo administrador parlamentar, o poder final da Alemanha imperial estava
investido em sua pessoa.

Forra da Alemanha a proeminência de Bismarck jamais foi seriamente posta em dúvida nos
restantes anos em que exerceu suas funções. Mas internamente, no Reich, seu sistema de
governo foi logo posto à prova e deixou a desejar. Durante a estadia de Bismarck na França
ocorrera importante modificação na estrutura partidária. Desde 1852 existira um grupo
político separado, católico romano, no Landtag prussiano, dedicado à defesa dos direitos da
igreja num estado predominantemente protestante, mas nunca constituira obstáculo de monta
à política de nenhum ministério prussiano. A formulação das doutrinas católicas romanas
sobre o governo popular e liberdade de consciência, ocorrida no meio da década de 1860 e a
posterior proclamação da infalibilidade papal terminou com esse papel passivo. Nas eleições
para o Landtag em novembro de 1870, os católicos apresentaram candidatos favoráveis a um
programa social e político visivelmente clericalista, e fizeram cinqüenta e sete cadeiras. No
dia 18 de dezembro de 1870 fundariam um Partido do Centro, isolado porém altamente
disciplinado. Um mês depois, compraram um jornal nacional, o Germania e entraram nas
eleições para o Reichstag ampliado, em março de 1871, como um movimento católico da
Alemanha geral, obtendo sessenta e três cadeiras num plenário de trezentas e oitenta e duas,
conquistando, portanto, pouco menos de um quinto do total dos votos. Para surpresa de
Bismarck, essa nova aparição, o Partido do Centro, só perdeu para os nacional - liberais, em
número de representantes no Reichstag. Em Ludwig Windthorst, um hanoveriano ainda leal a
seu rei deposto e exilado, o Centro tinha um líder que era um tático parlamentar astuto e
debatedor de grandes recursos. Bismarck impressionou-se: tanto no Landtag como no
Reichstag, o Centro era o maior partido isolado de oposição à forma de estado que ele criara.
Os católicos ainda podiam arrolar como aliados os nacionalistas poloneses em ambas as
Câmaras e os lealistas hanoverianos (“os Guelfos”); e logo juntar-se-iam a eles, no Reichstag,
deputados dos territórios recém-anexados da Alsácia e Lorena335. Aí estava o núcleo de uma
poderosa oposição.

As possibilidades de qualquer partido no Reichstag eram limitadas pela forma da constituição;


porém um membro da Casa podia interpelar o chanceler e, tendo suficiente apoiamento,
lançar um debate sobre qualquer questão de política interna ou externa. Se apresentasse um
ponto de vista bem concatenado podia contar com certeza que a imprensa largamente
disseminada da Alemanha lhe garantiria a publicidade, mesmo que se tratasse de uma facção
minoritária. Para indignação de Bismarck, tão logo o Reichstag abriu as sessões, em março de
1871, um deputado católico polonês apresentou moção conclamando o povo alemão a oferecer
apoio ao Papa Pio IX em sua perda de autoridade temporal na Itália. Bismarck não toleraria
permitir que um partido com lealdades externas ao Reich agitasse a opinião pública alemã em
torno de questões de política externa; esse era um privilégio reservado aos jornais que
contavam com o apoio do Ministério do Exterior, muitos deles freqüentemente subsidiados
pelo Fundo dos Guelfos. Em 1º de abril de 1871, quando fazia cinqüenta e seis anos, Bismarck
subiu à tribuna, no Reichstag,, e lançou um faiscante ataque aos partidos de minorias
nacionais e seus aliados católicos. Interesses de facção, exclamou, não se podem impor aos
objetivos comuns de um estado alemão unificado. Embora não acusasse o Centro chamando-o
pelo nome, o aviso ficou bem claro: no interior do Reich ele não toleraria obediências a teses
rivais das suas.

Para muitos prussianos o desafio do chanceler à Igreja Católica Romana já tardava A


declaração da infalibilidade papal, feita em 18 de julho de 1870, alarmou os protestantes e
dividiu profundamente os católicos alemães. As sessões decisivas do Conselho do Vaticano
haviam tido lugar no auge da contenda diplomática de Bismarck com Napoleão III, por isso
ele relutara em comprometer-se, na época. A cada semana, durante as sessões do Conselho -
na verdade, mesmo antes de que este se reunisse - o Conde von Arnim, enviado prussiano
junto ao Papado, insistiu com Bismarck para que interviesse em favor daqueles católicos que
se opunham à centralização papal, mas o chanceler negou-se o tempo todo. “Abstenha-se de
qualquer atitude provocadora. Infalibilidade não é assunto que nos interesse, no momento",
telegrafou ele a Arnim dois dias após a proclamação do dogma336. Durante a guerra mostrou-
se até simpático ao Papado, chegando a oferecer a Pio IX asilo sagrado se este desejasse sair
de Roma, quando a cidade foi ocupada pelo exército nacional italiano. Bismarck esperava, em
troco, apoio político da Igreja; mas nada de positivo resultou das conversações que teve em
Versalhes com o Cardeal-Arcebispo de Posen, o qual viajou até o quartel-general de campanha
buscando ajuda do governo às autoridades eclesiásticas337. Na primavera de 1871, os
católicos alemães que julgaram a infalibilidade papal dogma inaceitável estavam apelando ao
estado em busca de proteção contra um episcopado que lhes denegava direitos espirituais e
mesmo, em muitos casos, demitia-os de empregos ligados ao ensino nas escolas e
universidades.

Bismarck, porém, continuava cauteloso. Em sinal de protesto, extinguiu o departamento


especial católico do Ministério de Educação e Cultos prussiano, no início de julho de 1871,
estimulando o Kreuzzeitung a um ataque ao clericalismo, poucos dias depois. Mas a despeito
de sua linguagem forte ele não desejava um conflito com o Papado, por temer repercussões na
Alemanha do sul e no exterior. Em agosto, viajou uma vez mais a Gastein, onde teve longas
conversações sobre o problema católico com Beust, o chanceler austríaco, e encontrou
também na Baviera e em Baden um certo ressentimento contra os padres que faziam “política
nos púlpitos". Guilherme I opunha-se à interferência direta do estado em assuntos
eclesiásticos, mas interessou-se pelo destino dos “Velhos Católicos” dissidentes e, da mesma
forma que seu chanceler, ficou preocupado com informações de que os jesuítas estavam
estimulando traços culturais especificamente poloneses nas escolas da Prússia oriental.
Bismarck estava alerta também à possibilidade de que padres na Alsácia-Lorena
perpetuassem a hostilidade de seus rebanhos aos novos donos das províncias. Em
conseqüência, em novembro de 1871, Bismarck deu o passo decisivo: mandou que se
preparasse um projeto de lei permitindo às autoridades prussianas inspecionar qualquer
escola, mesmo instituições privadas confessionais338. Pretendia que os inspetores dessem
atenção especial ao conteúdo do ensino doutrinário nas escolas católicas. A infalibilidade
deixara de ser um assunto “sem interesse” para ele.

O ato de Bismarck foi popular entre a maioria dos prussianos. Teve, porém graves
conseqüências indiretas. Alguns conservadores, já desorientados com o aparecimento de um
Reich no lugar da velha Alemanha federal, horrorizaram-se com o tom erastiano da política de
Bismarck. Começaram a obstruir a tramitação da lei na Câmara Baixa prussiana, temerosos
de que à proscrição do ensino católico se pudesse seguir uma tentativa de amordaçar
quaisquer pastores luteranos ou calvinistas que denotassem independência intelectual.
Ludwig von Gerlach, conservador Kreuzzeitung por inclinação e zeloso luterano, foi ao ponto
de juntar-se ao Partido Guelfo e ligar-se politicamente a Windthorst e ao Centro católico nos
últimos seis anos de sua vida339. O conservador moderado ministro dos cultos públicos da
Prússia, Heinrich von Mühler, sentiu-se tão deslocado da política de Bismarck que se demitiu
no início de 1872. Foi substituído por Adalbert Falk, funcionário público de alto nível dotado
do desapreço normal dos nacionalistas liberais por padres e pela religião organizada340.
Podia-se contar com Falk para executar qualquer política que freasse os poderes políticos da
Igreja; mas era, sem dúvida, estranho colega para um homem que fizera a descoberta de um
Deus pessoal entre os pietistas de Trieglaf.

A nomeação fortaleceu, obviamente, os laços entre Bismarck e os nacional-liberais. Desde o


estabelecimento da Confederação da Alemanha do Norte, o chanceler realizava consultas com
seu líder, Bennigsen, a respeito do programa legislativo. Natural, portanto, que os liberais
determinassem as características básicas do novo código comercial para a Alemanha, a
integração dos sistemas jurídicos e a implantação de uma política econômica baseada na livre
empresa e na liberdade de comércio. Mas sempre houvera alguns liberais-progressistas que
não confiavam em Bismarck: criticavam a intimidação da imprensa e ressentiam-se ainda do
seu desejo de limitar a influência parlamentar sobre o orçamento do exército e os assuntos
militares em geral. A virada súbita de Bismarck para o anticlericalismo, no inverno de 1871-
72, aquietou boa parte desses temores e granjeou-lhe apoio nessa ala progressista. Por sinal,
foi um constante crítico progressista, Rudolf Virchow, quem primeiro empregou o termo pelo
qual o anticlericalismo de Bismarck ficou conhecido: a Prússia, afirmou Virchow num discurso
da campanha pelas eleições de 1873, estava engajada numa Kulturkampf, numa luta entre
diferentes modos de vida341. A expressão não era exatamente a mais apropriada, porém
Bismarck apreciou esse título grandioso para seu conflito; e o conflito passou à história com a
denominação de Kulturkampf.

“Que deseja o senhor, exatamente, que eu faça?” Falk interrogou Bismarck, ao ser convidado
para o posto de ministro dos cultos. “Que restaure o predomínio do estado sobre a igreja e
que o faça com a mínima agitação possível”, orientou o chanceler342. Isto, evidentemente,
estava fora das possibilidades. A primeira missão de Falk foi tornar em lei as determinações
sobre inspeção escolar. À oposição dos junkers na Câmara Alta prussiana foi maior do que
Bismarck previa Até mesmo Roon só aceitou a Lei de Inspeção com grande relutância.
Quando o projeto de Falk foi apresentado à Casa, em fevereiro de 1872, pareceu que
naufragaria pela intransigência junker. No fim, a lei passou, mas o episódio convenceu
Bismarck de que os nacional-liberais tinham razão quando queriam estancar os poderes
autocráticos dos proprietários de terras343. No outono seguinte, Bismarck introduziu
reformas administrativas na Prússia. Também essas mudanças sofreram forte oposição na
Câmara Alta, onde foram interpretadas, com acerto, como medidas contra os privilégios dos
junkers. Foi somente através da ameaça de pedir a Guilherme que criasse as vagas e
nomeasse tantos membros não-conservadores quantos fossem necessários para inverter a
maioria da Câmara Alta, e por esse meio aprovar o que desejava, que Bismarck conseguiu
impor sua reforma. Nunca esteve tão versado em costumes constitucionais ingleses; e, aliás,
também nunca foi tão impopular no meio de seus camaradas junkers.

A Lei de Inspeção Escolar foi tida mais tarde, como o primeiro golpe da Kulturkampf: pois
bem poderia ter sido o último. Ela, em parte, devia ser um aviso ao Papado, ameaça de ações
futuras. Jornais, muitas vezes estipendiados por fundos bismarqueanos, começaram a
anunciar a possibilidade de mais legislação anticlerical: casamentos civis, quem sabe;
impostos mutiladores sobre doações às igrejas; restrições às atividades de instituições de
religiosos, como os jesuítas. Mas enquanto a imprensa divertia-se à custa do clero católico, o
chanceler parece ter estado oficiosamente em contato com o papa, buscando uma solução
conciliatória. Se a Santa Sé fosse capaz de persuadir o Partido do Centro a retirar seu apoio
aos poloneses e a outros grupos hostis ao Reich, não havia motivo por que o Papado não se
pudesse beneficiar da colaboração íntima com a Potência mais forte da Europa. Mas Pio IX,
tendo perdido seu poder temporal, não quis abandonar os fiéis que lhe apoiavam as
pretensões espirituais; e pelo fim de abril de 1872 estava claro que ele não aceitaria ramos de
oliveira de Berlim.

Em muitas cidades prussianas “uma guerra contra os padres” era desejada com entusiasmo, e
Bismarck empreendeu engenhosa manobra para levantar o fervor patriótico sobre essa
questão. Nenhum episódio medieval envenenava de tal forma o espírito dos bons alemães
como a ida do Imperador Henrique IV a Canossa, em pleno inverno do ano de 1077,
penitenciar-se ante o Papa Gregório VII, cujos direitos de governar como pontífice ele havia
desafiado sem sucesso. Pois agora, em 1872, Bismarck mostrava que o Segundo Reich
continuaria a reptar o Papado, vingando a afronta de oitocentos anos, feita a seu predecessor.
“Não tenham receio”, garantiu aos deputados, no Reichstag, em 14 de maio, “não iremos a
Canossa, em corpo ou espírito”; houve “prolongadas exclamações de ‘Bravo”’, consta da
taquigrafia dos debates nesse ponto da sessão344. Contudo, observadores estrangeiros foram
da opinião de que Bismarck cometera um erro em atacar a Igreja; dividia, em vez de unir o
Reich. “Chego a pensar que Bismarck menospreza grosseiramente, ou não compreende, a
força da Igreja”, escreveu o embaixador britânico, Odo Russel, em carta particular, naquele
outono. “Julgando-se mais infalível que o papa, ele não consegue tolerar duas infalibilidades
na Europa... Até aqui, as medidas anticlericais, acabaram por dar exatamente no estado de
coisas pelo qual o Vaticano tanto trabalhou no Concilio Ecumênico, ou seja, unidade e
disciplina do clero sob uma chefia infalível, quer dizer, o próprio sistema prussiano aplicado à
Igreja345”. Fina observação: a inquietação de professores e a perseguição de padres fez com
que a hierarquia alemã cerrasse fileiras em torno do papa e resultou em a maioria dos
católicos romanos, livre das dúvidas que perturbavam os Velhos Católicos intelectuais, votar
cada vez mais firmemente em Windthorst e no Centro, em toda eleição, local ou nacional.
Porém Bismarck não modificou sua política. Desprezando todos os indícios de fracasso,
continuou a encorajar Falk à introdução de medidas mais drásticas, a ponto de serem presos
os Arcebispos de Colônia e de Posen, com dois bispos diocesanos, e mil e trezentas paróquias
ficarem privadas de seus vigários. Nada adiantou, contra a força política da Igreja: nas
eleições de janeiro de 1874 para o Reichstag, o Centro aumentou sua representação de
sessenta e três para noventa e um deputados.

Por que Bismarck prosseguia numa política tão pouco compensadora? Alguns observadores
sustentam que ele não estava pessoalmente envolvido nos detalhes da Kulturkampf que a
legislação penal era obra de Falk; e que Bismarck vivia tão ocupado com a política externa
que não podia exercer vigilância sobre um ministro subordinado na administração prussiana.
Bismarck mesmo deu asas a essa lenda, chegando a dizer que não chegara a ler as leis
anticlericais de maio de 1873 por estar preocupado com outros problemas. Pode ser, sem
dúvida, uma fiel descrição de fatos, mas não convence como explicação de política. A
hostilidade de Bismarck à Igreja foi expressa numa sucessão de discursos flamejantes, seus
pontos de vista ainda ampliados muitas vezes pelos jornais onde tinha influência. Muito mais
próxima à verdade está sua admissão ulterior de que “foi envolvido no conflito devido aos
aspectos poloneses do negócio.”346 A Kulturkampf pode ter sido, na forma, um episódio
primacialmente de política interna da Prússia, mas para Bismarck teve grande significado nos
assuntos internacionais, desde seus primeiros dias. À medida em que a contenda se
aprofundava e tomava intensidade em casa, assumia também cada vez maior importância
para ele no trato com potências estrangeiras.

Para Bismarck era simplesmente axiomático que os franceses tornaram-se inconciliáveis após
a derrota de 1870-71. Mas os exércitos da República não constituíam, em si, perigo imediato.
Estrategicamente, a mais grave ameaça à Alemanha, como sempre, vinha do Leste, de onde
não havia obstáculo natural geográfico a proteger Berlim de uma invasão através da fronteira
polonesa. Boas relações com a Rússia eram essenciais para Bismarck na década de 70, como
foram nos dez anos anteriores. Por sorte, Alexandre II estava em excelentes termos com seu
tio, Guilherme I; todavia, Bismarck não confiava em Gorchakov, a quem considerava um dos
estadistas mais vaidosos e mais atento a ninharias. Enquanto Gorchakov formulasse a política
em S. Petersburgo Bismarck não conseguiría livrar-se de todo do espectro que lhe assombrava
o pensamento estratégico, o medo de uma reaproximação franco-russa. Era, então, do
interesse de Bismarck tirar o máximo proveito dos dois laços que haviam unido a Prússia e a
Rússia por todo aquele século: o princípio do governo autocrático e a supressão dos direitos
nacionais poloneses. Fazia, portanto, o melhor sentido, falar mal dos poloneses e de seus
aliados católicos no Reichstag, tanto mais que as autoridades czaristas em Varsóvia, por
aquela época, levavam a efeito uma vigorosa política de russificação tanto nos assuntos
eclesiais quanto no sistema educacional. E se os russos fossem relembrados da tradicional
simpatia dos franceses pelos poloneses, tanto melhor.

A questão polonesa constituía também preocupação do governo de Viena. As autoridades


austríacas na Galícia vinham tratando generosamente os poloneses, nos últimos anos,
permitindo que as universidades de Cracóvia e Luov disseminassem uma cultura
marcadamente polonesa, o que era negado pelos russos em Varsóvia e pelos prussianos em
Posen. Mas ao realçar o papel da Igreja na agitação polonesa contra a Prússia, Bismarck
colocava-se em posição forte para influenciar a política governamental austríaca na Galícia e
fazer uso da Polônia como meio de se aproximar as três Potências partilhadoras, qual
Metternich fizera em 1833. Beust, o chanceler austríaco nascido na Saxônia, mesmo sendo
velho oponente de Bismarck, estava tocado pelas implicações políticas do novo dogma papal.
Na mutante situação da Europa, convinha-lhe destacar os interesses comuns a ligarem Viena
e Berlim. Apoiou, satisfeito, o amistoso encontro de Francisco José com Guilherme, em Ischl,
em agosto de 1871, primeira entrevista entre os dois, desde Königgrätz. O próprio Beust teve
agradáveis conversas com Bismarck em Gastein e Salzburgo, durante a mesma estação de
águas.

Desagradavam a Gorchakov quaisquer sinais de reconciliação austro-prussiana; a Rússia mais


tinha a ganhar com uma Alemanha enredada em inimizades com vizinhos. Mas o
relacionamento entre os dois impérios germânicos em breve tornava-se ainda mais amistoso.
Em novembro de 1871, Francisco José substituía Beust, como ministro do exterior, por Julius
Andrassy, aristocrata magiar com boa disposição por Bismarck. No verão seguinte Francisco
José já sentiu-se em condições de aceitar um convite para visitar Berlim e assistir às
manobras de outono do exército que por pouco tomava sua capital seis anos antes. A duas
semanas e meia da chegada de Francisco José e Andrassy, Alexandre II comunicou ao
embaixador alemão que desejava visitar seu tio na mesma época e que se faria acompanhar
de Gorchakov. Os três imperadores e seus ministros, portanto, estiveram juntos na capital da
Alemanha de 5 a 12 de setembro de 1872. O que se concebera, inicialmente, como
demonstração pública de amizade austro-alemã, transformou-se, dessa forma, num grande
espetáculo de solidariedade entre as três autocracias. Uma visita de cortesia ao Havre, da
esquadra britânica do Canal naquela mesma semana, deu ao cenário internacional uma
imagem fugaz que reproduzia o palco dos anos de 1830. A imprensa de fora trombeteou, um
tanto extremadamente, a ressurreição da Santa Aliança, o continente ideologicamente
dividido entre Leste e Oeste347.

Embora Bismarck se haja irritado com a tática russa de forçar a barra, passou logo a explorar
a situação. Nada aconteceu de sensacional no encontro dos imperadores. Concordaram em
resistir juntos à subversão Vermelha - reconhecimento interessante da qualidade arrepiante
da propaganda de Marx e da lembrança da Comuna de Paris. Para Gorchakov foi suficiente
que os soberanos se houvessem reunido: “Nada de notas escritas, nada de formais protocolos,
em suma, nada para os arquivos diplomáticos’’, comentou ele, “porém as conseqüencias
morais são enormes”348. Foi do gosto de Bismarck que russos e austro-húngaros discutissem
a manutenção da estabilidade na Polônia e nos Balcãs durante um encontro na capital alemã,
de preferência a qualquer outro lugar. Disse ao embaixador inglês que “pela primeira vez na
história, três imperadores sentaram-se a uma mesa de jantar para tratar de promover a paz”.
Convinha-lhe que os russos tomassem a iniciativa na busca de acordos formais sobre a
colaboração entre os impérios, o que o eximiría de oferecer concessões para obter a boa
vontade de seus dois vizinhos.

Em maio de 1873 Guilherme fez uma visita de estado a seu sobrinho em S. Petersburgo. Tal
qual na viagem de 1867 a Paris, acompanharam-no Bismarck e Moltke, mas dessa vez (sinal
interessante) o príncipe real foi mandado em visita oficial a Viena oferecer seguranças ao
terceiro membro do trio imperial. Bismarck assistiu a “quatro horas sem chuva e quentes” de
paradas militares, dia 2 de maio e à noite foi ao teatro Bolshoi para uma apresentação de gala
de La Filie de Pharaon de Petipa, dançando Catarina Vazem no papel principal; “magnífico
ballet, com um décor esplendoroso e belas bailarinas”, contou a Joana349. Deixou o trabalho
sério para Moltke, que assinou um convênio militar com o marechal-de-campo russo Berg,
segundo o qual cada Potência mandaria um exército de 200.000 homens em socorro da que
fosse atacada. Bismarck praticamente ignorou a existência do convênio: não queria ajuda
russa se fosse atacado pela França, e não lhe parecia provável que a Áustria fosse atacar,
quer a Alemanha, quer a Rússia. Considerou, portanto, que a única importância do documento
residia no preâmbulo, o qual dizia do desejo de ambos os imperadores “de darem forma
prática à idéia que preside seu íntimo acordo”350.

Um mês depois o Czar foi a Viena e assinou um acordo com Francisco José acertando
consultas prévias sobre questões que pudessem ameaçar as boias relações entre seus dois
impérios. Esta inofensiva declaração de intenções era perfeitamente aceitável para Bismarck,
e quando, por sua vez, Guilherme visitou Viena, durante outubro de 1873, assinou um
protocolo endossando a declaração russo-austríaca de quatro meses antes351. A
imponentemente chamada Dreikaiserbund (Liga dos Três Imperadores) repousou sobre nada
mais que essa base, constante de um convênio e um protocolo, durante toda a década de
1870: era uma associação muito leve, de Governantes Soberanos, empresa diplomática
caracteristicamente czarista, em contraste com os bem expressos compromissos da ação
;alemã de estado. No entanto, a liga tinha seus méritos aos olhos de Bismarck: realçava a
natureza própria das autocracias imperiais, diferençando-as da soberania dos parlamentos
que caracterizava o Ocidente. Enquanto os principios da liga estivessem valendo em
Petersburgo e Viena ele presumia pequeno o perigo de a Rússia ou Áustria-Hungria virem a
dar a mão em auxílio de uma França republicana; esta era, afinal de contas, sua maior
preocupação.

Continuava a incerteza quanto à situação na França Bismarck estava convencido de que os


franceses tentariam criar na Europa condições que lhes oferecessem perspectiva de uma
guerra de desforra Quando os termos preliminares de paz se converteram num tratado
definitivo, em Frankfurt, maio de 1871, ele exigiu, levando isso em conta, que o pagamento da
indenização de guerra fosse estendido por um período de três anos, durante o qual, até que se
completasse o pagamento, tropas alemãs ocupariam seis departamentos franceses. Dessa
forma, esperava, seria impossível aos franceses um ataque à Alemanha antes que ele
houvesse consolidado as suas posições, internamente e na Europa Mas Bismarck respeitava,
confiava no chefe de estado francês, Thiers, e acreditava que seu republicanismo conservador
e moderado garantia o estilo de governo, em Paris, que mais convinha à Alemanha: a França
republicana, era o argumento de Bismarck, sempre teria dificuldade em conseguir aliados352.
Caso Thiers conseguisse completar o pagamento das indenizações antes da primavera de
1874 - o que parecia provável - Bismarck deixou antever que daria prazerosamente a ordem
para se retirarem os exércitos de ocupação. Ele desconfiava dos políticos franceses da Direita,
os quais, ao que lhe parecia, andavam em conspiração com seus inimigos internos do Partido
do Centro, e fazia reservas, igualmente, ao patriotismo radical dos seguidores de Gambetta,
Ao chegar o outono de 1872, Bismarck estava tão desejoso de preservar Thiers nas funções
quanto de manter boas relações com Viena e S. Petersburgo. O embaixador em Paris, Conde
Harry von Arnim, não tinha a mesma opinião.

Arnim, membro de uma das grandes famílias junker, de considerável influência na Corte, era
antigo colega do chanceler. Parente distante, por via de casamento, da irmã de Bismarck,
Malwine, era também genro do ex-superior departamental de Bismarck em Aachen, Arnim-
Boitezemburg. Quando Bismarck fez sua rápida visita a Londres, em 1862, Arnim o
acompanhou. Dois anos depois, ele nomeou Arnim para Roma, enviado da Prússia junto a Pio
IX. Ao reatarem-se as relações com a França, Arnim foi nomeado embaixador em Paris, onde
já servira como chefe de missão especial. Não demorou para o chanceler descobrir que a
nomeação de Arnim para uma embaixada-chave fora um erro de julgamento; pois 0 novo
embaixador saiu-se com uma independência e uma ambição incontrolaveis que Bismarck não
podia tolerar num subordinado. No início de outubro de 1872 ele remeteu para Berlim uma
análise muito bem formulada da cena politica francesa, altamente crítica de Thiers, a quem
descrevia como oportunista interesseiro, aflito por explorar a boa vontade alemã e que se
comportava como se "compartilhasse da infalibilidade com o Papa"353. Na opinião de Arnim,
o credo político de Thiers era peculiarmente pessoal e sua forma de republicanismo não
sobreviveria ao criador. A recuperação francesa, segundo Arnim, era quase completa e, a
menos que a Alemanha interviesse para impor um governo à França, Thiers em pouco tempo
seria substituído por Gambetta e pelos patriotas radicais.

Bismarck divergia inteiramente de Arnim. Em sua resposta, avisou-o que esperava de um


embaixador a disciplina, a lealdade e a obediência que um comandante de brigada prestaria a
seu comandante supremo em combate.354 Arnim não se deu por achado. Antes do fim de
outubro fez uma visita inesperada a Berlim e conseguiu uma audiência pessoal com o
imperador. Era o comportamento típico de Bismarck no passado, mas este aborreceu-se
deveras. Ao regressar a seu posto, o embaixador começou a propugnar abertamente, em seus
despachos, em favor de uma conspiração prussiana para restaurar a monarquia francesa. Já
agora Bismarck estava convencido de que Arnim não pretendia apenas empurrar o Imperador
Guilherme em direção doutra política externa mas desejava, na verdade, solapar a posição do
chanceler em Berlim355. O fato de Thiers também estar, naquele momento, em meio a uma
crise política, reforçou a argumentação de Arnim, tomando impossível ao chanceler, por então
removê-lo para outro posto.

Por todo inverno de 1872-73, Bismarck esteve seriamente preocupado com as atividades de
Arnim. Foi nesse período que o conflito com os junkers no senado prussiano, iniciado com a
Lei de Inspeção Escolar, atingiu o ponto alto com a imposição, por Bismarck, de reformas
administrativas na Prússia. O próprio Arnim desejava tornar-se membro da Câmara Alta, onde
as indicações eram de que os fidalgos da terra conservadores o receberiam de braços abertos
como seu líder. Importante notar que Arnim tentou arrolar o apoio do velho rival do chanceler,
Edwin von Manteuffel, agora marechal-de-campo e comandante-em-chefe do exército alemão
de ocupação, na França. Manteuffel ainda gozava de grande influência na Corte, em boa parte
porque o general von Albedyll, que ocupava o antigo cargo de Manteuffel, de chefe do
gabinete militar do soberano, consultava-o regularmente sobre problemas do relacionamento
civil-militar. Porém Manteuffel não confiava em Arnim; se a oficialidade prussiana pudesse
substituir Bismarck, buscaria o sucessor entre os “semideuses" de Moltke no Estado-Maior, e
não no corpo diplomático.

Assim, ao invés de deixar-se arrastar a qualquer intriga, Manteuffel escreveu a Bismarck


depois da visita de Arnim e perguntou se a política alemã era, agora, favorável à restauração
da monarquia na França356. Embora Bismarck imediatamente reassegurasse a Manteuffel
que não houvera mudança em sua atitude com relação à república, o chanceler ficou ainda
mais preocupado. Ele sabia que as simpatias do Imperador Guilherme inclinavam-se para os
pontos de vista de Arnim, nos assuntos externos. “Um antigo estado monárquico como a
Prússia, hoje à testa da Alemanha, deve never favour qualquer república; porem, faute de
mieux, pode tolerar uma”, escreveu Guilherme a Bismarck, em 1872, pouco antes do
Natal357. Pareceu ao chanceler que estava a perder a confiança de seu velho senhor. O
problema Arnim foi tomando cada vez mais vulto em suas especulações até tornar-se
obsessiva assombração.

Em maio de 1873 uma crise interna na Assembléia Francesa levou à renúncia Thiers e à
eleição do marechal MacMahon presidente da República francesa. Não há qualquer prova de
que Arnim haja tido algum papel na queda de Thiers ou na sua substituição por um soldado de
inclinações monárquicas, mas Bismarck sempre afirmou que o embaixador usara de sua
influência para estimular os realistas conservadores. Foi tal a irritação de Bismarck que
escreveu a Arnim, na quinta-feira, 19 de junho, acusando-o de conspirar contra sua política e
de tentar inocular preconceitos em Guilherme que o fizessem rejeitar a assessoria de seu
chanceler358. Preparou, também, um longo memorando para o imperador, na mesma quinta-
feira, no qual afirmava que as conspirações de Arnim haviam alterado completamente a
balança de poder na Europa: haviam, disse, elevado ao poder em Paris um governo militarista,
simpático aos jesuítas e aos inimigos da Alemanha no Vaticano; e em conseqüência dessa nova
situação seria melhor que o imperador escolhesse outra pessoa que não ele para conduzir a
política externa da Alemanha359.

É quase certo que Bismarck não entregou esse memorando a seu soberano. Deve ter pensado
melhor quanto à criteriosidade de apresentar sua demissão naquele momento; ou talvez
percebesse que pintara um quadro demasiado pessimista da situação, imaginando jesuítas a
pervagarem furtivamente por todas as chancelarias, exceto a sua. Na quarta-feira seguinte,
visitou Guilherme em Babelsberg. Quando chegou de volta a Wilhelmstrasse, estava “tão sem
energia e sem vontade” que sua mulher e a filha levaram-no com urgência para Varzin, em
estado de colapso nervoso, decididas a que ele passasse pelo menos “uma quinzena sem ver
ninguém, sem falar com ninguém”360. Na verdade, ele passou a maior parte dos meses
restantes do ano em Varzin, embora viajasse a Berlim no início de setembro para uma
tumultuada entrevista com Arnim e para conversas com Falk sobre a Kulturkampf e depois
haja acompanhado Guilherme em sua visita de estado a Viena, em outubro.

Enquanto Bismarck repousava em Varzin, as relações franco-alemãs sofreram evidente


retrocesso. No começo de agosto o Bispo de Nancy deu à publicidade uma carta pastoral a
sua diocese na qual pedia aos fiéis que orassem pela restituição de Strasburgo e Metz à
França. O Arcebispo de Paris fez idêntico apelo um mês depois. Em seqüência, cinco outros
bispos franceses manifestaram-se em favor dos católicos da Alsácia-Lorena e do espiscopado
alemão em luta contra as medidas repressivas de Falk. Intervindo dessa forma em questões
politicas, a hierarquia francesa inadvertidamente reforçou a mão de Bismarck. Suas atitudes
deram foro de verdade ao espectro de uma conspiração internacional católica que ele havia
aludido num discurso à Câmara Alta prussiana em 10 de março. Mais ainda, alarmaram tanto
o imperador que este passou a dar menos ouvidos a Arnim que, ao contrário do chanceler,
constantemente minimizava a importância dos clérigos franceses. No fim do ano, Bismarck
sentiu-se bastante certo de apoio para queixar-se a Guilherme de que Arnim não soubera
pressionar adequadamente o governo francês em favor das posições alemãs, contra os bispos;
e no fim de janeiro de 1874, solicitou que o embaixador fosse transferido para um posto de
menor influência na formulação geral da política alemã361.

Não havia fundamentos para as acusações de Bismarck, pelo menos não nesse caso em
particular Arnim pode ter demonstrado simpatias pelos monarquistas franceses, mas sobre a
carta pastoral do Bispo de Nancy ele falou a Broglie, 0 primeiro-ministro, com dignidade e
firmeza. Poucos meses antes Guilherme teria recusado a solicitação de seu chanceler sem
maior consideração. Agora, porém, via-se frente a uma crise parlamentar para a qual
necessitava de todo o talento e a experiência de Bismarck. É que, enquanto o chanceler
encontrava-se em Varzin, os conselheiros militares do imperador prepararam um projeto de
lei que teria estabelecido indefinidamente o tamanho do exército e tornado mera formalidade
a aprovação de verbas para o orçamento militar. O Reichstag, sem surpresa para ninguém,
rejeitou o projeto. No início de fevereiro o imperador sentiu que Bismarck poderia extraí-lo de
uma luta constitucional semelhante à pugna que tomara conta da política prussiana no início
da década de 60. O imperador concordou em retirar Arnim de Paris e oferecer-lhe a
embaixada em Constantinopla. A partir daí, Bismarck dedicou-se ao problema a fim de
resgatar os chefes militares das areias movediças parlamentares, para dentro das quais
haviam marchado em forma, cobertos e alinhados e imprudentemente362. Com o apoio
nacional-liberal ele conseguiu a aprovação, no Reichstag, de uma lei que permitiria ao
parlamento discutir os gastos militares e o efetivo do exército uma vez cada seis anos;
concessão que os progressistas julgaram totalmente insatisfatória, mas até a qual Guilherme
só chegou de muito má vontade.

Nesse ponto Bismarck poderia ter deixado acabar sua briga com Arnim. O embaixador veio a
Berlim de licença e a atenção do público estava focalizada na última etapa da Kulturkampf o
segundo conjunto das “Leis de Maio" de Falk. Mas durante abril os jornais de Viena e do sul
da Alemanha publicaram uma série de “revelações diplomáticas”, originárias de Arnim e que
tratavam principalmente do início do conflito entre o estado prussiano e a Igreja Católica
Romana. A princípio, Bismarck disse não acreditar que todos os documentos publicados
fossem autênticos e hesitou em botar mais lenha na fogueira da controvérsia tomando uma
atitude oficial contra Arnim. Mas a utilização desse material como arma na Kulturkampf
forçou-o a agir. No dia 15 de maio o imperador, por solicitação de Bismarck, decidiu que
Arnim devia ser suspenso do serviço diplomático enquanto se procedesse a uma investigação
sobre sua conduta?363. Exatamente um mês depois houve uma descoberta dramática nas
investigações. Hohenlohe, sucessor de Arnim como embaixador em Paris, informou que uma
conferência dos arquivos feita pelo segundo secretário, Barão von Holstein, revelara que
Arnim havia retirado considerável número de documentos das pastas. Novas investigações
mostraram que oitenta e seis relatórios e instruções estavam faltando, documentos, todos,
referentes ao período de janeiro de 1872 a abril de 1874. Significativamente, o mais antigo
dos documentos em falta era uma instrução de Bismarck acerca de seu velho amigo Nicolau
Orloff, que fora designado embaixador russo em Paris. Bismarck encontrou o imperador
indeciso quanto a fazer processar Arnim por apropriação ilegal de documentos oficiais. A
declaração escrita de Arnim de que retirara os papéis para poder defender-se contra ataques
futuros de Bismarck e da imprensa oficialmente orientada não ajudaram em nada a
tranqüilizar o chanceler. Tampouco as informações de que Arnim estava de novo tentando
uma cadeira no senado prussiano e de que, desta vez, desejava comprar ele mesmo um jornal.
No verão de 1874 ainda parecia que Arnim, absolutamente, não desistira da idéia de derrubar
do ministério o chanceler364.

Na terça-feira, 7 de julho, Bismarck chegou a Kissingen, na Baviera, para tomar águas.


Hospedou-se na Obere Saline, cerca de dois quilômetros fora da cidade e vinha todos os dias
de carruagem ao Kurgarten e ao Prinzregent Luitpold Bad. Na segunda-feira seguinte, quando
sua caleça seguia pelo caminho habitual, ao longo da margem direita do rio Saale, um jovem
aprendiz de toneleiro chamado Kullmann deu-lhe um tiro com uma pistola antiga. O disparo
feriu levemente a mão direita de Bismarck pois ele estava, naquele instante, abanando com o
chapéu em agradecimento à saudação de um grupo de pessoas. Por dez dias ele não pôde
segurar a pena, mas o atentado não foi tão sério quanto a tentativa de morte de Cohen-Blind
em maio de 1866. Mesmo assim, a ocorrência de Kissingen naquela manhã deu algum
fundamento às estórias de Bismarck sobre conspirações católicas, pois Kullmann pertencia a
um movimento de juventude da Igreja. No inquérito ficou clara sua crença em que as medidas
de Bismarck contra os bispos e padres na Prússia eram o primeiro estágio de uma campanha
para destruir toda a Igreja. O efeito imediato da tentativa de Kullmann foi o alastramento de
uma atmosfera de “Complô do Papa” em Berlim, e a popularidade de Bismarck na capital
subiu a níveis sem precedentes. O imperador Guilherme estava em Munich, no dia do
atentado; ficou profundamente emocionado ao pensar que, "não fora o desígnio da
Providência”, a Alemanha estaria privada de seu chanceler "pela arquitetação de gente
má”365. Haver Bismarck escapado quase ileso convenceu Guilherme da existência de
propósito divino em sua preservação. Na prática, o imperador ficou bem menos tendente a
questionar as sugestões de Bismarck. Quando os consultores jurídicos do Ministério do
Exterior deram parecer de que Arnim devia ser processado por retirada ilegal de documentos
oficiais o chanceler não teve dificuldade em obter o consentimento do soberano para a prisão
de Amim[1].

Arnim foi preso em sua fazenda no dia 5 de outubro e reencarcerado em Berlim por ordem
judicial. A notícia de sua prisão causou sensação e Bismarck, pessoalmente, caiu muito em
popularidade. Arnim era doente, sofria de diabetes, era membro de conceituada família da
sociedade berlinense; e o tratamento que lhe dispensaram o chanceler e o serviço diplomático
em geral pareceu a muita gente, dentro e fora da Prússia, desumano e frio. Se Arnim fosse
condenado, Bismarck restabelecería sua autoridade, não apenas sobre os independentes
divergentes do corpo diplomático, mas sobre os frondeurs junkers da capital, também. Se, por
outro lado, Arnim fosse julgado inocente, Bismarck pareceria pouco melhor que um
paranóico, insistindo numa vendeta contra um servidor público inteligente e corajoso, em vez
de admitir que era falível em seu critério sobre política externa. Visitantes de Varzin, no fim
do outono, acharam 0 chanceler “muito sereno” sobre o que resultaria do caso Arnim, embora
condescendendo em julgar-se vítima constante de “intrigas em altos escalões”. Na última
semana de outubro, retomou, por fim, da Pomerânia para a capital, pronto para os três meses
de sessão do Reichstag e para uma retomada da luta com o Partido do Centro sobre assuntos
da Igreja366.

Marcou-se o início do julgamento de Arnim, no Tribunal de Berlim, para 9 de dezembro.


Bismarck estava decidido a não servir de testemunha; o mesmo ocorria com outras figuras
destacadas, notadamente Manteuffel. Os jornais continuavam a especular com a maior
irresponsabilidade sobre novas revelações durante o julgamento; mas o chanceler, juntamente
com o promotor público, habilmente montaram o libelo contra Arnim de forma que apenas
alguns poucos trechos das mais discutidas diretrizes de Bismarck fossem lidos na corte. Ao
mesmo tempo, Bismarck tentou afastar as atenções do julgamento. Na quinzena que o
procedeu fez seis longos discursos no Reichstag, cada um deles tão provocativamente
montado que o Centro não pôde resistir ao chamariz. No quarto desses discursos (dia 4 de
dezembro) ele causou grande sensação ao voltar-se veementemente contra os deputados
bávaros que ridicularizavam suas histórias de uma conspiração católica bem como a
importância que dava ao tiro da pistola de Kuhlmann, em Kissingen, cinco meses antes:
“Vossas Excelências podem fazer pouco desse assassino”, gritou Bismarck para as bancadas
do Centro “mas nem por isso ele vos solta o rabo das casacas!” Quando o Conde von
Ballestrem irritadamente intercalou um “pffiu”,Bismarck trepidou de fúria, real ou fingida367.
Teria sido apenas por acaso que debate tão dramático, que com toda certeza iria para os
jornais, ocorresse exatamente no dia em que Arnim informava seus amigos jornalistas de que
estava confiante e declarava que, na qualidade de anfitrião, sentia-se no direito de convidar
amigos para os lugares especiais do próximo julgamento?

O julgamento durou apenas dez dias. O Tribunal de Berlim absolveu Harry von Arnim da
acusação de deliberada apropriação indébita dos documentos, mas julgou-o culpado de reter,
por excessivo período de tempo, papéis relativos à política do chanceler com relação à Igreja.
Por esse delito foi condenado a três meses de prisão, embora pudesse apelar em liberdade. O
julgamento virou novamente a opinião pública a favor de Bismarck. Odo Russell, o
embaixador britânico, comentou que o “genuíno entusiasmo” pelo chanceler advinha da
“pureza e claridade de estilo” revelado por seus documentos diplomáticos, tanto quanto do
reconhecimento de suas qualidades de estadista368. À primeira vista, parece interpretação
excessivamente profissional, mas bem pode ter sua justificativa, pois a prosa concisa de
Bismarck era um contraste bem-vindo com as lições morais excessivamente didáticas e
inoportunas dos jornais.

Houve apenas uma surpresa no julgamento: a convocação inesperada, como testemunha de


acusação, de Friedrich von Holstein, segundo-secretário da Embaixada em Paris369. A
imprensa preparou a imagem de Holstein como a de um espião, mandado pelo chanceler
vigiar as atividades de Arnim e informar Berlim. Era uma distorção das obrigações de
Holstein, o que o próprio advogado de defesa de Arnim declarou perante a corte; mas os
repórteres simpáticos ao doente Arnim e abismados ante a maestria da técnica de Bismarck,
precisavam de um vilão para as colunas de seus jornais; foi fácil achá-lo naquele solteirão
diligente, ambicioso e antipático, o Barão von Holstein. Com o tempo, Bismarck mostrou sua
gratidão acelerando a carreira de Holstein no Ministério do Exterior ao ponto de ele tomar-se
a mais famosa éminence grise depois do Padre José, de Richelieu; mas na época Holstein
sentiu-se amargamente humilhado com o tratamento recebido. Bismarck fez o que pôde para
reabilitar o segundo-secretário nos jornais e revistas favoráveis a sua política, não apenas em
Berlim - em Paris e Londres também. Mas a verdade é que, ao abrir as contestações sobre o
papel de Holstein no affair Arnim, o chanceler recuava a si mesmo cada vez mais para o pano
de fundo de cena.

O veredito do Tribunal de Justiça de Berlim não encerrou a questão. As medidas legais


arrastaram-se durante dois anos mais, posteriormente levando a condenação de Arnim a cinco
anos de trabalhos forçados por traição. A sentença não foi executada porque Arnim deixou a
Alemanha no início de 1875 para tratamento médico e não regressou a sua terra, morrendo
no sul da França em maio de 1881. Mas no que importava a Bismarck, o julgamento de
dezembro de 1874 foi decisivo: politicamente, o chanceler recebeu a reparação pública, e
Arnim, se não foi desmoralizado, pelo menos desapareceu como pretendente a seu cargo. A
partir daí, ele considerou tudo mais, simples caso judicial e só interveio quando panfletos
anônimos, quase certamente escritos por Arnim no exílio, começaram a apresentar de forma
incorreta as relações alemãs com o Papado.

A longa disputa com Arnim e a intolerante resistência do Partido do Centro de Windthorst


deixaram sua marca na saúde e no humor do chanceler. Não conseguia dormir; não digeria
bem; mal e mal trocava cortesias até mesmo com seus aliados parlamentares, que dizer com
seus adversários. Certa noite, na última semana de janeiro de 1875, ele recebia para jantar
três companheiros políticos (inclusive o historiador Sybel) quando a conversação caiu no
assunto da moda, o pessimismo na filosofia, tal como representado por Schopenhauer: “Como
é possível crer que nascemos para a felicidade?”, observou Bismarck, envolto na fumaça do
charuto, “O ódio é tão forte estímulo à vida quanto o amor. Minha vida é levada em frente e
tem graça por dois fatores - minha mulher e Windthorst. Uma existe para que eu ame, outro
existe para que eu o deteste”. Doutrina bem afastada das homilias cristãs constantes do
livrinho que mantinha à cabeceira, mas pelo menos ele era bastante honesto consigo mesmo
para admitir que esses sentimentos eram exatamente retribuídos370. Quinze dias depois,
escreveu uma carta de cumprimentos a Nicolau Orloff em Paris. “Eu tinha uma grande
quantidade de amigos e poucos inimigos, mesmo entre meus adversários, antes de me tomar
ministro”, disse. “O fato de que hoje em dia essa proporção se haja invertido sera resultado do
meu caráter ou é a conseqüência natural de uma carreira ministerial que vai se prolongando
para bem mais que a duração normal?”371 Não resta dúvida de que andava melancólico
naquele inverno, figura solitária em grandioso isolamento.

Também estava pessimista quanto ao sistema europeu. Agora convencia-se realmente, da


existência de uma conspiração internacional católica, o fantasma que ele fora o primeiro a
espancar. Chegou mesmo a protestar perante o governo belga contra as atividades de
alemães jesuítas que haviam buscado santuário em Louvain e Bruges, e estariam conspirando
contra o Reich com a conivência dos episcopados belga e francês. Ainda mais sério era o
alerta de Moltke, de que os franceses reorganizavam seu exército e reforçavam os regimentos
de cavalaria. No fim de fevereiro de 1875 Bismarck ouviu dizer que as autoridades francesas
tencionavam comprar 10.000 cavalos de sela a negociantes alemães. Imediatamente impôs
um embargo à exportação de cavalos para a França372. Nas semanas seguintes houve um
ambiente de subida de tensão que os diplomatas franceses em Berlim foram prestes em notar
e informar a Paris.
No dia 5 de abril um jornal de Colônia, de conhecidas ligações com Wilhelmstrasse, afirmou
que o Ministério do Exterior francês estava em associação com o Vaticano. Esses inimigos
naturais do Reich buscariam o apoio de Francisco José e do Rei da Itália para uma coalizão
européia de Potências católicas contra o protestantismo alemão373. Três dias depois surgiu
um artigo ainda mais alarmista no jornal berlinense Post. A manchete do Post era, em letras
enormes, “Ist der Krieg in Sicht?" (“Há guerra à vista?”) com resposta afirmativa, atribuindo a
culpa, sem rodeios, ao rápido rearmamento da França. Na Alemanha e no exterior presumiu-
se o chanceler soprando o artigo do Post e que as nuvens da guerra acumulavam-se, tal como
ocorrera tão de repente em julho de 1870374.

Bismarck não queria guerra em 1875. Como em março de 1867, encontrava-se sob pressão do
Estado-Maior por uma campanha relâmpago no ocidente, a qual, diziam, extingüiria o desejo
francês de vingança. Mas Bismarck queria uma vitória diplomática, um aviso a Paris do
poderio militar alemão, e prova à Europa de que o Reich estava unido e não dilacerado pela
discórdia religiosa. O imperador Guilherme tomou-se de total surpresa. Definiu para
Bismarck: de forma nenhuma permitiría que a Alemanha entrasse em novo conflito com a
França; e o chanceler fez o possível para garantir-lhe isso375. Mas Bismarck era incoerente.
Enquanto tentava acalmar seu soberano, falava ameaçadoramente a membros do corpo
diplomático em Berlim. Da mesma forma, o temível Moltke. Não é de surpreender que outros
governos se alarmassem.

Um incidente na terceira semana de abril aumentou ainda mais a tensão. Na quarta-feira, 21


de abril, o embaixador inglês, Odo Russell, deu um jantar na embaixada. Entre os convivas,
seu colega francês e um dos mais importantes diplomatas do Ministério do Exterior alemão,
Josef von Radowitz, que estivera recentemente em missão especial a S. Petersburgo, a qual
levantara suspeitas nos franceses. Radowitz, filho do primeiro-ministro de Frederico
Guilherme IV, era pessoa “cuja língua se destramelava no segundo copo de vinho”, conforme
Bismarck certa vez descrevera; e Odo Russel tinha uma adega magnífica. Naquela noite,
Radowitz lembrou ao embaixador francês que “ se as mais secretas intenções da França
concentram-se na vingança”, seria muito pouco razoável esperar que um estadista alemão
“espere que ela haja concentrado suas forças e feito alianças”, para atacá-la. Não foi o mais
jeitoso dos comentários e o embaixador imediatamente telegrafou a Decazes, ministro do
exterior em Paris, dando detalhes da conversa376. Decazes, a essa altura já sabia não haver
perigo imediato de guerra e ficou pasmo, com razão, ante a inconveniência de Radowitz. Mas
aprendera muito da técnica de Bismarck. O despacho do embaixador francês circulou para
todos os principais governos da Europa e foi mostrado ao correspondente de The Times em
Paris. O horror de guerra, já inspirado pelo Post de Berlim em 8 de abril, agora recebia nova
aragem do Times de Londres, a 6 de maio. A combinação entre a circular de Decazes e o
artigo do Times levaram Derby, o ministro do Exterior inglês, a mandar mensagem enérgica a
Berlim, insistindo em que a “França não tem intenções agressivas” e manifestando a
esperança de que os mal-entendidos entre as duas nações fossem rapidamente resolvidos. Ao
mesmo tempo houve abordagens dos ingleses junto aos russos por uma pressão conjunta
sobre Bismarck a fim de que mantivesse a paz da Europa377. No dia 10 de maio, o Czar e
Gorchakov chegaram a Berlim como porta-vozes das Grandes Potências.

Bismarck errara gravemente, seu maior desastre desde a época da famigerada revolta
polonesa. Ao invés de reafirmar a preponderância da Alemanha na Europa ocidental,
despertara a hostilidade da Grã-Bretanha e da Rússia. Em vez de estimular o ardor patriótico
por uma demonstração de força, enfrentou o alarido dos Liberais e do Centro, de que estava
“internacionalizando o conflito com A Igreja”. Desesperadamente, ele informou os ingleses de
que a crise era invencionice da imprensa, inspirada por especuladores em busca de lucro
rápido na Bourse 378. Porém o que mais molestou o chanceler foi a atitude de Gorchakov.
Quando os dois encontraram-se, em 10 de maio, Gorchakov deu-se ares de protetor da
França. Quis “uma promessa categórica de que Bismarck jamais iria à guerra”. À essa
exigência, mais peremptória que qualquer solicitação posta por Benedetti em Ems, em 1870,
Bismarck estava disposto a ceder, pelo menos verbalmente. Com incrível autocontrole conteve
seu ressentimento até Gorchakov ir-se de Berlim; mas nunca o perdoou379.

A reação instintiva de Bismarck foi de demitir-se. Não parecia haver possibilidade de


controlar o Partido do Centro e pouco restava, agora, do entendimento com os russos no qual
baseara sua política na Europa. Windhorst e os clericalistas aguardavam, esperançosos, a
notícia da queda do chanceler, Também Gorchakov acreditava em seu fim: “Bismarck está
doente porque come muito, bebe muito e trabalha muito”, comentou, ironicamente, após sua
visita a Berlim. “Pelas nossas costas, Bismarck vocifera como um maníaco”, escreveu Odo
Russell em nota particular dirigida a um colega380. Em Viena, Andrassy -incrivelmente
atlético aos cinqüenta e dois anos - segundo seu biógrafo, fez três acrobáticas paradas de
cabeça para baixo sobre a velha escrivaninha de Metternich, ao saber da derrota de
Bismarck. Acontecesse o que acontecesse em Berlim, a Áustria-Hungria decidiu tirar
vantagem pelo silêncio, ao longo de toda a crise381. Se Bismarck continuasse, voltar-se-ia
para Andrassy a fim de sair do isolamento; se fosse embora, o sucessor precisaria do apoio de
Andrassy para firmar-se na posição.

Bismarck continuou. No fim de maio chegou, de fato, a ir a Guilherme e solicitar-lhe que o


liberasse do cargo. Mas o imperador recusou a demissão. Em lugar disso, deu-lhe uma licença
por tempo indefinido. No dia 5 de junho, ele viajou de Berlim para Varzin 382. Afora uma
visita à capital para consultar um médico especialista, em fins de setembro, Bismarck
permaneceu na Pomerânia os seguintes cinco meses e meio, remoendo amargamente o
passado, cismando sobre o futuro.

[1] A decisão de prender-se Arnim foi tomada no final de setembro de 1874, quando surgiu a
suposição de que ele iria publicar mais documentos e fugir para o exterior. Bismarck estava
outra vez em Varzin, na época, e Guilherme I em Baden-Baden. O futuro Chanceler, Bernhard
von Bülow (que era, então, funcionário do Ministério do Exterior com a idade de vinte e cinco
anos) recebeu a missão de levar a Baden-Baden a decisão de Bismarck de processar Arnim e
de obter o consentimento do imperador para que o ex-embaixador fosse detido e levado a
julgamento.
12. O HONESTO CORRETOR

Bismarck jamais gostou de Berlim. Mesmo na juventude reclamava que a capital lhe
constrangia o espírito; e com tantas famílias da sociedade desavindas com o chanceler depois
do caso Arnim, ele resolveu distanciar-se o mais possível de um mundo pelo qual mal
conseguia ocultar o desprezo. A partir de 1875 seu calendário sazonal tomou uma ordem que,
essencialmente, se manteve para o resto de sua carreira pública: primavera e outono em
Varzin ou Friedrichsruh; auge do verão em Kissingen ou Gastein, em estação de águas; e
quatro ou cinco meses de inverno na capital, com o mínimo possível de recepções sociais.
Gostava de parecer remoto.

Sua equipe pessoal, essa já não gostava tanto. Até Joana rezingava contra “a absoluta solidão”
da vivenda solitária pomerana da família. Seu marido, no entanto recusava-se a perceber
qualquer inconveniente de residir em Varzin. Orgulhava-se de sua reclusão. “Uma vez
chegado a Berlim, a viagem não é difícil”, explicou em inglês a seu velho amigo John Modey,
que planejava ir visitá-lo, “o melhor trem sai de Berlim pela manhã, entre oito e nove horas -
creio que às 8:45; Stettiner Bahnhof é a estação, a quinze ou vinte minutos de qualquer hotel
perto da Linden. Você vai por estrada de ferro até Schlawe, aonde chega por volta das quatro
da tarde, e de onde um cocheiro traz você até Varzin, a tempo de conversarmos antes do
jantar, por volta de seis da tarde”383. Como “Guia Baedeker” de estâncias soa até
interessante; mas não era o lugar ideal para o ministro única e pessoalmente responsável de
um estado autocrático residir por períodos maiores..

Essas semanas em Varzin, no entanto, eram essenciais para o chanceler, que se deliciava em
poder olhar pelas janelas e ver carvalhos, faias do parque, depois os milharais que se
estendiam até o limiar da floresta, no horizonte. Na Pomerânia, conseguia escapar da gente
da capital que lhe dava nos nervos - deputados da Oposição, funcionários carreiristas, o
príncipe herdeiro e seu círculo, a Imperatriz Augusta e, às vezes sim, às vezes não, o marido
imperial e real dela, também. Durante seus anos de ministro, cada importante ponto de
inflexão política era precedido de semanas de retiro, ou nos bosques de Schwarzenberg, em
Varzin, ou na Sachsenwald, a floresta que cercava Friedrichsruh. O quadro vivo da natureza,
tomado de árvores, acalmava-lhe o espírito e permitia pensar com lógica, livre de paixões.

As vinte e cinco semanas passadas por Bismarck em Varzin durante 1875, porém não levaram
a nenhuma mudança imediata de política. Ele não desejava perturbar o equilíbrio político
interno ou causar novo pânico noutros países. Mas estava convencido da necessidade de
modificar a política, tanto nos assuntos domésticos como em seus contatos com as principais
Potências européias. Existe um contraste interessante de tom entre os discursos que proferiu
na sessão do Reichstag de 1875-76 e o ataque devastador contra o Partido do Centro, um ano
antes384. A Kulturkampf continuava, e uma lei passou, às pressas, no Reichstag,
praticamente banindo as atividades espirituais e seculares dos jesuítas, em toda a Alemanha.
Mas os desafios e troças dirigidos a Windthorst e sua bancada sumiram do estilo oratório do
chanceler. Três semanas após seu retorno de Varzin, o embaixador inglês chamava a atenção
do Foreign Office em Londres para o evidente giro à Direita na política interna. Odo Russell
informou que Windthorst estava apoiando as últimas medidas do governo na área das
finanças, e que o Partido do Centro concordara em não se opor aos projetos do chanceler de
reforma penal. O embaixador considerava essa evolução indicativa do futuro, análise perfeita
da posição de Bismarck no parlamento. Estava tentando ganhar maior liberdade de ação para
sua condução política, pois alarmavam-no os indícios de depressão econômica e a crescente
agitação socialista nas regiões industriais em recente expansão. Por algum tempo, considerou
a criação de um partido próprio: nacional-liberais mais nacionais que liberais; junkers
conservadores por temperamento, mas não estreitamente Tories; e católicos romanos
dispostos a esquecer ou perdoar a perseguição da hierarquia e do clero. Com uma coalizão
dessas Bismarck poderia- se quisesse - deter a recessão econômica trocando o livre comércio
pelo protecionismo, e ao mesmo tempo bater o desafio do marxismo revolucionário através de
legislação repressiva. O que constituía o giro à Direita previsto por Russell.

Porém Bismarck revelou suas intenções cedo demais. Em janeiro de 1876 apresentou projeto
de lei que teria permitido aos tribunais prender quem fosse culpado da provocação de luta de
classes ou do ataque à santidade tríplice de família, casamento e propriedade privada. Lei
destinada a conter o crescimento do socialismo, era também símbolo de reconciliação com os
católicos e protestantes alarmados pela tendência laica da legislação de Falk385. O projeto,
todavia, não foi aprovado. Os nacional-liberais ativeram-se a seus princípios e apoiaram o
deputado “progressista” Lasker em seu apelo para que as instituições do estado se baseassem
no primado da lei. E também não houve defecções no Centro. Se Bismarck desejava a
reconciliação com os católicos teria de percorrer pelo menos parte do caminho até Canossa -
percurso que não faria enquanto Pio IX fosse o pontífice. O maior sucesso do chanceler foi
com os junkers, entusiasmados com esses indícios de giro à Direita. Em julho de 1876 um
grupo de jovens conservadores fundou o Partido Conservador Alemão (Deutsche Konservative
Partel), que submeteu seu programa, previamente, à aprovação de Bismarck. Isso era bom,
pelo que significava, mas deixou evidente ao chanceler que para um realinhamento mais
amplo de partidos teria de preparar-se com maior cuidado e dispor de um enorme feixe de
ramos de oliveira. Então decidiu aguardar ai eleições para o Reichstag, marcadas para o início
do ano seguinte.

Bismarck não pôde dar atenção exclusiva aos problemas internos, quando voltou a Berlim, em
1875. Em sua ausência explodiram revoltas na fronteira noroeste do Império Otomano, nas
províncias de Bósnia e Herzegovina386. A população não-mulçumana da Bósnia-Herzegovina
era eslava do sul, racialmente aparentada com o povo dos principados independentes da
Sérvia e de Montenegro e também com os búlgaros, estes mesmos sujeitos ainda ao governo
turco. Desde 1870 crescia um movimento de tendência pan-eslava no interior da própria
Rússia, e entre os mais fanáticos expoentes do pan-eslavismo estava o embaixador russo em
Constantinopla, o general Ignatiev. Foi impossível Alexandre II e Gorchakov ignorarem o que
estava a ocorrer na Bósnia-Herzegovina. Havia também um grupo militar em Viena que
sempre almejara absorver esse esporão ocidental dos Bálcãs no império de Francisco José.
Com os dois outros sócios da Dreikaiserbund preocupados com a Bósnia-Herzegovina,
Bismarck não podia dar as costas à questão Oriental, por mais que lhe deplorasse o
ressurgimento na cena diplomática.

Nos últimos dias de novembro de 1875 Bismarck teve uma longa conversa com Odo Russell.
“A Alemanha,,J disse ele ao embaixador, “não tem interesse direto na Turquia européia, mas
indiretamente temos o maior dos interesses em evitar que a Áustria e a Rússia se
desentendam sobre a herança do Homem Doente. Eis porque a Alemanha deve manter-se
estritamente no papel de pacificadora, jamais colocando-se tão do lado de qualquer de seus
aliados que resulte em dois contra um numa aliança tripartite”387. Em princípio, tal axioma
definiu a atitude de Bismarck com relação ao affair dos Bálcãs durante os três anos em que
essa crise atormentou a Europa. Doze meses mais tarde, lá está o mesmo princípio no
discurso ao Reichstag no qual colocou em termos menores a questão Oriental com uma
expressão que tem sido muito mal-interpretada: “Não vejo nela, para a Alemanha, qualquer
interesse... que valha os bons ossos de um só mosqueteiro pomerano”388. No entanto, como
em todas as diretrizes básicas de sua diplomacia, essa afirmação de imparcialidade era muito
relativa. O que lhe importava não era propriamente os Bálcãs, mas o modo como a questão
Oriental poderia modificar a política das capitais européias. Não tentava comandar toda
negociação diplomática; casos havia até em que ansiava para outros (de preferência
Andrassy) tomarem a iniciativa; mas mantinha a posição de que não se devia chegar a um
acordo final sem a devida consulta a ele como árbitro do equilíbrio de poder.
De início pareceu que a crise seria rapidamente resolvida. A despeito do que pudessem
desejar os pan-eslavos e o grupo militar, nem Gorchakov nem Andrassy demonstravam
intenção de explorar as comoções balcânicas. No fim de dezembro de 1875, Andrassy
apresentou projeto detalhado de acordo: o sultão concordaria com amplas reformas, dando às
Potências garantia por escrito de que as medidas todas entrariam em vigor389. Bismarck
recebeu bem a nota de Andrassy, da mesma forma os russos, os franceses e os italianos. Os
turcos aceitaram receber a nota, mesmo feridos pela exigência de um compromisso escrito, e
neste ponto foram apoiados pelos ingleses. Bismarck não confiava muito nas possibilidades de
sucesso de Andrassy. Seus temores justificaram-se: os funcionários turcos locais não
implementaram as reformas decididas na distante Constantinopla; e em ambas as províncias
os rebeldes decidiram continuar com suas operações até derrubarem a autoridade do sultão.
Bismarck julgava que isso iria acontecer mais cedo ou mais tarde, então buscou cerrar o
contato com os britânicos, por achar que “England” era a Potência tradicionalmente
interessada em amparar o Império Otomano. No dia 2 de janeiro de 1876 Bismarck conversou
hora e meia com Odo Russell, dizendo-lhe que desejava “cooperar com a Inglaterra na
manutenção da paz européia”, e assinalando francamente que “a Alemanha não pode permitir
nem que a Aústria e a Rússia entrem em grandes intimidades às suas costas, nem que
cheguem a brigar entre si, ainda que ela permaneça em segurança”. “A impressão que me
ficou dessa conversa”, escreveu Russell, no dia seguinte, “é a de que o Príncipe Bismarck
pensa mesmo o que disse, e realmente deseja um entendimento franco e cordial com a
Inglaterra”390.

Londres, porém, teve cautelas. Desde a vitória eleitoral dos conservadores, em 1874, o
ministro do exterior, Lord Derby, esquivava-se da Europa com ainda mais ostentação e até
alarde, que seus antecessores liberais. Derby não estava tão disposto quanto Odo Russel a
creditar boas intenções ao chanceler, pois a sua atitude mais decisiva nos vinte e dois meses
em que estava à frente do Foreign Office fora o aviso dado a Bismarck contra a guerra com a
França no mês de maio anterior. O primeiro-ministro inglês também tinha dúvidas. Disraeli,
que lembrava Bismarck do rápido encontro de 1862 (“muito alto... cabelos pretos... nariz
chato e arrebitado... rosto pálido e uma cintura de vespa”), suspeitava de que os alemães
desejavam enredar ingleses e franceses nos assuntos do Oriente Próximo391. Apenas algumas
semanas antes Disraeli dera seu grande golpe da compra das ações do canal de Suez para o
Governo Inglês e seria razoável supor que Bismarck tinha o intuito de causar fricção entre
Londres e Paris levando os ingleses a tomarem o controle do Egito, onde os franceses tinham
interesses comerciais. Disraeli disse à Rainha Vitória temer que Bismarck pudesse utilizar-se
da crise Oriental como diversão da atenção dos estadistas da Europa enquanto os alemães
concentravam seus exércitos para uma nova marcha a Paris. Entretanto, afirmou à Rainha
que cooperaria com Bismarck para manter a paz, embora Derby ficasse apenas na esperança
de que o chanceler e o embaixador pudessem continuar em sua “troca de idéias”. Tanto Derby
como Disraeli “apreciaram” que Odo Russell houvesse chegado a um “amistoso
entendimento” com Bismarck392.

Na realidade, todas essas conversas deixaram os dois governos num estado de mal-
entendimento não inamistoso, relacionamento bem menos desejável. Bismarck surpreendeu-
se com a falta de boa reação inglesa: Disraeli continuou a supor que podia contar com o apoio
de Bismarck, e ofendeu-se quando tal não ocorreu. Porém, como sempre, Bismarck tinha
possibilidades alternativas entre as quais acolher uma política final de acordo com as
circunstâncias do momento. Para ele, foi mais natural colaborar com seus colegas na
Dreikaiserbund do que com a Inglaterra, mesmo a despeito de sua hostilidade a Gorchakov.
Em janeiro de 1876, apenas dois dias após sua conversação com Odo Russell, Bismarck
esboçou para 0 embaixador russo em Berlim um plano de partilha393. Propunha permitir-se a
Áustria que se expandisse nos Bálcãs, que a Rússia tomasse territórios na foz do Danúbio, e
que os ingleses fossem estimulados à anexação do Egito. Gorchakov rejeitou esse plano, em
boa parte por não acreditar que Bismarck estivesse honestamente desinteressado. Suspeitou
de uma armadilha para desacreditá-lo com Andrassy, e provavelmente com ingleses, também.
Bismarck, repelido por Gorchakov e decepcionado com Disraeli, recuou para sua terceira
linha de ação: colaboração total com Áustria-Hungria e apoio pessoal a Andrassy.
Durante o primeiro trimestre de 1876 a crise aumentou de intensidade. À violência espraiou-
se para a Macedônia e a Bulgária. Houve um levante em Salônika, onde os cônsules da França
e da Alemanha foram assassinados. Bismarck temeu que o gesto doido de algum fanático em
Viena ou em S. Petersburgo pudesse jogar a Rússia e Áustria-Hungria numa guerra que lhe
seria impossível manter sob controle. Às pressas, tentou dar vida a Dreikaiserbund. O Czar
Alexandre já anunciara sua intenção de visitar Berlim na segunda semana de maio e de trazer
Gorchakov, além de dois diplomatas de alto nível. Bismarck, então, convidou Andrassy a que
viesse ao norte para conversações, nessa mesma época. Andrassy chegou a Berlim no dia 10
de maio e os russos um dia depois. Bismarck deixou o grosso da discussão para seus
visitantes e fez o melhor que pôde para assumir uma atitude imparcial. Mas nada conseguia
diminuir sua aversão a Gorchakov. Até mesmo a elegância do francês do homem o irritava:
“Pompon, pompo, pompo”, escrevinhou ele com desdém enquanto ouvia Gorchakov discursar
aos embaixadores reunidos394. No entanto, mesmo havendo Andrassy esquematizado, outra
vez, um programa de reformas para a Turquia européia, foi o menosprezado russo quem
botou um ferrão na cauda do memorando. Desta vez Gorchakov deixava bem estabelecido que
se os funcionários do sultão não se mostrassem capazes de executar as reformas, as Grandes
Potências interviriam e imporiam à força “medidas eficazes” na Turquia.

O memorando de Berlim teve um destino curioso. Aceitável para franceses e italianos, foi
rejeitado pelos ingleses, não tanto pelo que dizia e sim pelo fato de ter sido escrito sem
qualquer consulta com o Foreign Office em Londres. Estadista inglês algum, desde o
Congresso de Viena, rejubilara-se com a cooperação entre as autocracias do leste, e Disraeli
não via com bons olhos a Dreikaiserbund; desconfiava dela, tanto quanto qualquer radical
vituperava contra a Santa Aliança durante a era de Metternich. Bismarck surpreendeu-se com
a reação inglesa: instruiu seu embaixador em Londres para explicar que o bem-estar da
Turquia era, para ele, menos importante que a preservação de uma ligação operativa entre
Rússia, Áustria-Hungria e Alemanha. Tão interessado estava Bismarck em manter bom
contato com Disraeli que se dispôs a usar como intermediária aquela constante crítica de sua
política, a princesa real. A Rainha Vitória, então, repassou, devidamente, a seu primeiro-
ministro uma sucessão de mensagens tranqüilizadoras chegadas de Berlim. A reação de
Disraeli foi cortês, mas fria395. A situação dos Bálcãs era grave demais para uma simples
troca de amabilidades e gracejos. Napoleão III já teria, havia muito, convocado um congresso
internacional. Disraeli não compreendia por que Bismarck relutava tanto em dominar os
acontecimentos.

E não era esse o único aspecto incompreensível de sua política. O mês de junho de 1876
assistiu a uma revolução palaciana em Constantinopla, aos primeiros relatos nos jornais sobre
atrocidades dos turcos na Bulgária e, finalmente, a um ultimato sérvio ao sultão, que resultou
no início de uma guerra balcânica na primeira semana de julho. Bismarck, como de hábito,
estava na estação de águas do verão, em Kissingen, e perturbou-se o suficiente para receber o
embaixador inglês e ir com ele, às pressas, a Würzburg, no dia 10 de julho, para uma
audiência com o Imperador Guilherme396. Mas a viagem de seis horas de trem, ida e volta,
de Kissingen a Würzburg, era quase desnecessária; parece que a preocupação maior de
Bismarck foi demonstrar sua sempre presente boa vontade para com “England”. Uma vez
mais, nada resultou desse episódio. Bismarck concluiu seu tratamento em Kissingen, retornou
a Varzin e, para todos os efeitos, desligou-se completamente da política internacional. Odo
Russel, na maior perplexidade, viajou de volta para Londres.

Disraeli exasperou-se. “E que me diz da Alemanha?”, escreveu, logo depois, numa nota a
Derby, "quando consta que seu primeiro-ministro está em retiro e não pode ser incomodado, e
que o embaixador da rainha cá está por ser de todo desnecessário em seu posto, tomo
conhecimento de excentricidades que não se pode permitir regulem e conduzam
acontecimentos com influência nos destinos de gerações e de impérios”397. Bom motivo,
entretanto, havia para o comportamento de Bismarck. Dois dias antes da teatral e bem
publicada viagem de trem a Würzburg, o Czar e Gorchakov encontraram-se com Francisco
José e Andrassy, brevemente, em Reichstadt, na Boêmia. Bismarck sabia que seus sócios na
Dreikaiserbund haviam-se encontrado, mas só em setembro descobriu o que se decidira (e
mesmo então, teve acesso apenas à versão de Andrassy, que diferia substancialmente da
versão de Gorchakov)[1]. Em 10 de julho, portanto, Bismarck não tinha muita certeza de que
a Liga dos Três Imperadores ainda significasse algo real. Viu-se frente ao mesmo dilema que
se lhe antepusera no início do ano: inimizade aberta entre seus sócios destruiría inteiramente
a liga, mas amizade muito chegada tornaria supérfluo o papel da Alemanha. Em
consequência, respondeu, como em janeiro, com uma abertura de seu pensamento,
visivelmente franca, ao enviado de uma nação com poder suficiente para equilibrar qualquer
demonstração de independência da parte de Áustria-Hungria e Rússia. Não necessitava
preocupar-se. Antes de sair de Kissingen para a Pomerânia ele pôde, pelo menos, notar que o
encontro de Reichstadt reforçara, em vez de enfraquecer, a liga, pois tanto russos como
austríacos voltavam-se para ele como árbitro. Não precisava do apoio inglês nem desejava dar
explicações a embaixador nenhum; algo, então, mais simples que trancar os portões de Varzin
e, praticamente, pendurar neles a placa de “Please do not disturb”?

Já agora, porém, os sérvios e seus arrimos pan-eslávicos estavam levando uma surra do
exército turco, e surgiu uma onda de brios patrióticos nas maiores cidades da Rússia. Parecia
provável que Alexandre II fosse intervir militarmente tão logo os russos pudessem concentrar
seus exércitos na Ucrânia. Gorchakov opunha-se, ainda, à guerra: seu espírito aristocrático
repugnava o entusiasmo pan-eslavo; sua vaidade lamentava uma solução pelas armas em
lugar de negociação; e seu ciúme eriçava-se com a crescente influência dos generais junto ao
czar. Ao invés de ver a Rússia embretar-se numa guerra, Gorchakov preferia a convocação de
um congresso europeu onde pudesse exibir afinesse que aprendera com Capo d'Istria em
Laibach, mais de meio século atrás. No início de agosto Gorchakov propôs que Bismarck, na
qualidade de chanceler de uma Grande Potência não diretamente envolvida nos assuntos
balcânicos, reunisse um congresso para resolver a Questão Oriental398.

Disraeli (ou melhor, o Conde de Beaconsfield que se tornara naquele mês) também foi
favorável a uma conferência em mesa-redonda. Mas Bismarck não concordava com um
congresso naquele ano. No dia 14 de agosto, em um dos memorandos com argumentos mais
claros de toda sua carreira, explicou que semelhante reunião faria perigar a posição da
Alemanha, de vez que a hostilidade entre Rússia, Áustria-Hungria e Grã-Bretanha era forte
demais para uma arbitragem eficaz: “A perspectiva é de que nossos três amigos, Rússia,
Áustria e Inglaterra venham a deixar o congresso indispostos conosco por nenhum deles ter
recebido de nós o apoio esperado. Uma ameaça adicional à paz adviría da entrada em contato
do Príncipe Gorchakov com Lord Beaconsfield, dois ministros dotados de vaidades igualmente
perigosas, sendo a do inglês ainda mais perigosa já que envolta por experiência política
menor e por menos discrição”399. Bismarck não tinha a mais leve intenção de queimar os
dedos convocando um congresso fadado ao desastre.

Mas era difícil esse ato de ir agradando “nossos três amigos” e ao mesmo tempo recusar
comprometer-se, e naquele outono ele se desequilibrou. Para acalmar Alexandre II, o
Marechal-de-Campo von Manteuffel foi enviado por Guilherme I a seu sobrinho, portando
mensagem de amizade e compreensão. Os russos ficaram com a impressão de que “aconteça
o que acontecer, a Alemanha estará conosco”; porém Manteuffel eludiu as tentativas russas
de capitalizar a boa-vontade alemã por meio de um compromisso firme de ajuda. No fim de
setembro, entretanto, Alexandre induziu o representante militar pessoal de Guilherme em sua
corte, o general von Werder, a telegrafar a Berlim e consultar, em nome do czar, se a Rússia
podia contar com apoio alemão em caso de uma guerra com os austríacos. Antes que
Bismarck pudesse minutar uma resposta oficial, chegou um emissário de Andrassy com
instruções de buscar um compromisso militar para o caso de as negociações entre Viena e S.
Petersburgo desarranjarem-se. Os “amigos” de Bismarck pressionavam em força400.

Foi relativamente fácil tratar do prelúdio austríaco. Bismarck ignorou qualquer conversa
sobre um entendimento militar mas reafirmou a Andrassy a preocupação da Alemanha com a
segurança da Áustria-Hungria, informando-o, da forma mais inocentemente casual, do quão
chocado ficara, recentemente, ao receber um pedido russo de apoio em caso de guerra. Já o
telegrama de Werder colocava problemas mais complicados. Bismarck estava furioso com o
general por ter-se deixado “apanhar no laço" por Gorchakov, a quem culpava de haver
imaginado pergunta “tão embaraçosa, apresentada em momento tão ruim”. O chanceler
retardou a resposta até poder receber em Varzin o embaixador alemão na Rússia, e então
mandou-o de volta ao czar, na Criméia, por um caminho tão tortuoso que ele só chegou a
Livádia mais de quatro semanas após o despacho do telegrama que iniciara a questão. A essa
altura, o ritmo dos acontecimentos deixara para trás a resposta como a pergunta. O
Embaixador disse aos russos que a Alemanha considerava essencial para o conjunto da
Europa que a Rússia e a Áustria mantivessem a situação de Grandes Potências e que,
coerentemente, Bismarck só interviria numa guerra austro-russa se um dos beligerantes
ameaçasse seriamente a existência do outro. “Esperávamos de vós grandes coisas e eis que
não nos trazeis nada que de há muito tempo já não soubéssemos”, reclamou Gorchakov, mal-
humorado, ao embaixador, apôs estudar a resposta de Bismarck401.

Com essa recusa a apoiar exclusivamente, seja Andrassy, seja Gorchakov, o centro da
atividade diplomática deslocou-se de Berlim. De novembro de 1876 até fevereiro de 1878,
Bismarck contentou-se em recomendar que se mantivesse a observação dos acontecimentos.
Estimulou os ingleses a tomarem a frente em conter a Rússia enquanto mostrou-se,
pessoalmente, da maior amabilidade com 0 pan-eslavo general Ignadev, que visitou as
principais capitais européias em março de 1877. Mas tanto Bismarck quanto Moltke
continuavam suspeitando de Decazet e dos monarquistas franceses, e em fevereiro de 1877
Bismarck surpreendeu Derby e Disraeli, insinuando a Odo Russel que a Inglaterra e a
Alemanha poderiam fazer uma aliança secreta contra a França. Os ingleses, na preocupação
com a questão oriental, ignoraram o aproche alemão; suspeitavam de que, tal como a Rússia e
a Itália tiraram vantagem da Guerra Franco-Prussiana para atingirem seus objetivos
diplomáticos imediatos em 1870, Bismarck agora, em 1877, planejava marchar sobre Paris, no
caso de uma guerra russo-turca; e Derby tomou suas providências para que Gorchakov fosse
informado da proposta de aliança de Bismarck402. Torna-se difícil fugir à sensação de que
nos 1870s os diplomatas segredavam confidências uns aos outros mais ou menos como diz-
que-diz-ques de praça de feira.

Os franceses, decerto, não previam atacar a Alemanha na primavera de 1877. Nem parece
possível que Guilherme I chegasse a autorizar a guerra preventiva no ocidente, que vetara,
com tanta energia, dois anos antes. É bem verdade que Moltke fez revisão dos planos
permanentes do Grande Estado-Maior, no dia 3 de fevereiro, para adaptá-los à idéia de uma
guerra franco-russa contra a Alemanha mas deixou expresso que julgava impossível essa
conjunção. Uma prolongada crise política em Paris, deflagrada pela demissão do primeiro-
ministro pelo Presidente MacMahon, em 16 de maio, convenceu os alemães de que a França
não estava em condições de abrir uma guerra de desforra ou de montar intrigas com os
católicos romanos no interior do Reich; e a tensão na fronteira franco-alemã diminuiu naquele
verão, pela primeira vez em quatro anos. Permanece, no entanto, um mistério quanto à súbita
preocupação de Bismarck com a França em fevereiro de 1877. Se satisfez-se tão prontamente
com a atitude francesa durante 0 verão, por que se deixara alarmar, meses antes, por um
exército fantasma além-Reno? Diplomatas franceses em Berlim avisaram seu governo de que
o chanceler promovia um terror bélico, tal qual dois anos passados. Sendo verdade, os
motivos eram diferentes de 1875. Naquela ocasião ele buscara relembrar a Europa da
supremacia militar da Alemanha no continente: desta vez desejava parecer indispensável em
Berlim.

Naquela primavera de 1877 Bismarck chegou o mais perto da queda do ministério que em
qualquer outro momento desde 1862. As eleições de janeiro não mudaram muito o panorama
da composição do Reichstag mas Bismarck suspeitou de que seus adversários parlamentares
planejavam uma frente unida contra ele. Quando o velho imperador morresse - achava
Bismarck- seu sucessor demitiría o chanceler, substituindo-o por um “ministério tipo
Gladstone”, uma coalização de Liberais com o Centro, responsável perante o parlamento. Para
deter esse esquema, Bismarck decidiu reforçar sua posição enquanto Guilherme I ainda
estava ativamente interessado no governo. No dia 10 de março Bismarck surpreendeu os
observadores políticos ao criticar, em discurso no Reichstag, um colega do Governo prussiano.
Reclamou que o general von Stosch, ministro de estado e chefe do Almirantado nos últimos
seis anos, havia corrigido as estimativas navais a pedido do líder dos Progressistas na
Câmara, desprezando as sugestões do próprio Bismarck.

Stosch era um fidalgo rural, conservador, cinqüentão, soldado profissional admirado pelo
imperador e pela Imperatriz Augusta, além de amigo do príncipe herdeiro, em cujo Estado-
Maior servira, durante a Guerra Franco-Prussiana. Mostrava-se eficiente chefe do
Almirantado, elaborando em 1872 o primeiro -extremamente modesto - plano decenal para
uma esquadra alemã. Bismarck, entretanto, nunca confiara nele, e já em novembro de 1874
incluía-o na mesma categoria de Arnim, em suas conversas de mesa de almoço, chamando-os,
ambos, de “intrigantes perigosos”. Stosch não tinha ilusões sobre seu prestígio com o
chanceler: “Ele mandou-me sentar e repassou comigo meu trabalho, mais à maneira como o
mestre-escola corrigiría os temas de um aluno estúpido e relapso”, escreveu, após uma
audiência com Bismarck, “e quando eu tentava dizer alguma coisa interrompia-me rudemente,
só me restando calar e ceder”403. Mas Stosch permanecia no cargo, confiante no apoio da
família imperial e de seus colegas generais, vários dos quais alertaram-no para o rancor do
chanceler. “Ninguém sabe tão bem como liquidar uma vítima aos olhos do público por meio de
uma correspondência envenenada, de preparo cuidadoso”, escreveu o confidente político da
Imperatriz Augusta, Roggenback, a Stosch, em 1874. Agora, em 1877 Bismarck publicamente
desautorizava Stosch por meio de um vigoroso ataque que a imprensa não podia ignorar. Em
24 de março Stosch pediu demissão, o que Bismarck previa. Mas o imperador recusou-se a
aceitar o pedido, com o que Bismarck não contava.

Era um péssimo tempo para atacar um general com ligações na Corte. Dois dias antes da
carta de demissão de Stosch, Guilherme comemorou seu octagésimo aniversário, em saúde
teimosamente boa, estimulado por presentes e mensagens de congratulações chegados de
toda a Alemanha e do exterior. Numa hora dessas, o imperador não iria deixar seu primeiro-
ministro expulsar das funções um amigo querido da família Hohenzollern. Bismarck por sua
vez, fez questão de confiança a aceitação da demissão de Stosch: na verdade, disse a
Guilherme em 27 de março, “ou vai-se Stosch ou saio eu, e Vossa Alteza terá de encontrar
novo chanceler”. O imperador preocupado com informações sobre preparativos bélicos dos
franceses, e com a Rússia ostensivamente prestes a marchar para o sul sobre os Bálcãs,
Bismarck calculava que seu senhor não poderia abrir mão dele. Desta vez, porém, veio o
silêncio, nos últimos dias de março, na primeira semana de abril. Ao chegar a quarta-feira
seguinte o chanceler e seus assessores estavam assustados. “Ele vai mesmo embora”, Lothar
Bucher escreveu a Busch naquele dia; e Busch “plantou” um artigo, distribuído a todos os
jornais da capital, sobre “a atual situação na Wilhelmstrasse”. O chanceler, dizia, estava
decidido a demitir-se devido “à influência de certa importante senhora e de certos círculos
com os quais ela tão decididamente vem-se aliando há tantos anos”. O alvo desse ataque era a
Imperatriz Augusta, embora o artigo insinuasse críticas a outras pessoas da Corte, inclusive a
princesa real. “Como eu desejo, e com que força, que o tempo [de Bismarck] acabe durante o
reinado do imperador, ou mesmo neste preciso momento!”, escreveu esta à Rainha Vitória
naquele sábado404. Mas Guilherme tomou sua decisão no fim de semana. Não aceitaria a
demissão de Stosch, tampouco deixaria sair Bismarck. O imperador recomendou ao chanceler
que tomasse outra licença Bismarck viajou para Friedrichsruh no domingo seguinte e só
reassumiu suas funções na capital dez meses depois.

“Que coisa mais sem nexo! Que palhaçada! Desta vez ele fez todo mundo de bobo”, escreveu o
deputado progressista Ludwig Banberger em seu diário405. Houve muita gente abismada
com o fato de, mesmo depois do escandaloso artigo de Busch, o velho imperador não se tomar
de coragem e mandar embora o chanceler. Berlim, qual Paris em 1630, vivera um“Dia dos
Tolos”; e Bismarck qual Richelieu, não perdoava inimigos. Os ataques de Moritz Busch à
imperatriz, e à “política das saias” em geral, não cessaram por dez semanas após a retirada
de Bismarck para Friedrichsruh. A crise no governo, opinião geral, não fora resolvida, fora
adiada.
Bismarck passou os meses restantes de 1877 no rodízio costumeiro de estadias:
Friedrichsruh, Kissingen, Gastein, Varzin. Como sempre, foi difícil distinguir a doença
verdadeira da hipocondria nervosa, mas ele estava com o moral bem mais abatido que o
normal, em Varzin. No terceiro domingo de outubro, por exemplo, mostrava-se acabrunhado,
cheio de remorsos: “Não há dúvida que causei mal a um grande número de pessoas”, admitiu
a seus convivas, após o jantar, “não fora por mim, três grandes guerras não teriam ocorrido,
oitenta mil homens não estariam mortos, hoje chorados por pais, irmãos, irmãs, viuvas”406.
Naquele inverno, ainda recusou-se a tomar qualquer iniciativa em política externa. Estava em
negociações complicadas com o líder nacional-liberal, Bennigsen: pretendia trazê-lo para o
governo; no Natal, levantou para Bennigsen a possibilidade de tornar-se vice-chanceler. Mas
esse esquema, que teria cindido os nacional-liberais, deu em nada por duas razões: Bennigsen
queria pastas ministeriais para dois outros membros proeminentes de seu partido; e, mais que
isso, porque o imperador aborreceu-se extremamente com o fato de o chanceler estar
propondo modificações na estrutura de governo “sem dizer-me uma sílaba sequer, a respeito”.
Na mais cortante mensagem de Ano Novo que jamais mandara a seu primeiro-ministro,
Guilherme sublinhou que não queria Bennigsen em ministério nenhum e que, “sobretudo”,
desejava que seu chanceler “gozasse de boa saúde no Ano Novo”407. Já estava mais que na
hora de voltar a Berlim. Infelizmente, a carta de Guilherme jogou-o de cama com outro
colapso nervoso.

Na segunda semana de fevereiro de 1878, quando reabriu o Reichstag, Bismarck recobrara


forças suficientes para tomar seu lugar na Câmara. Poucos dias antes falecera Pio IX no
Vaticano; portanto, ao retomarem os deputados suas sessões em Berlim, convergiam cardeais
a Roma para o primeiro conclave de eleição papal em um terço de século. Suas deliberações
eram de suma importância para Bismarck e para Windthorst. Ambos desejavam uma
reconciliação entre a Igreja Católica e o Estado, na Alemanha, e apreciaram a eleição do
Cardeal Pecci (Leão XIII), que se mantivera em silêncio durante os debates sobre a
infalibilidade, no Conselho do Vaticano, oito anos antes408. Mas naquele preciso momento a
questão oriental tinha importância imediata. Tropas russas, combatendo para libertar os
eslavos balcânicos do domínio otomano, chegaram aos arredores de Constantinopla no último
dia de janeiro, e lá concordaram num armistício com os turcos; os ingleses, que de forma
nenhuma aceitariam ver os estreitos sob controle russo, mandaram um esquadrão de seis
belonaves cruzar os Dardanelos no dia 13 de fevereiro; parecia iminente a guerra entre
Rússia e Grã-Bretanha. Qual devia ser a atitude da Alemanha? No dia 19 de fevereiro,
Bennigsen perguntou, no Reichstag, se o chanceler propunha-se a arbitrar a questão oriental.
“Não vejo a negociação da paz como uma situação na qual, confrontados com pontos de vista
divergentes, devamos atuar como juizes e sentenciar ‘Será de tal maneira’, e depois enforçar
a sentença com o poderio do Império Alemão”, respondeu Bismarck, "Tenho em mente um
papel mais modesto... algo mais parecido com um honesto corretor, que realmente deseja
fechar um negócio”409.

A tirada foi recebida com “risos na Câmara”. Mas o fato é que Bismarck definira sua
verdadeira posição. Se pretendia continuar tendo voz decisiva na Europa era impossível
ignorar a crise oriental. Não que estivesse mais inclinado que em 1876 a optar claramente
entre “nossos três amigos” num Congresso Europeu, mas a situação mudara, em dezoito
meses. Parecia, agora, fora de cogitações que Gorchakov chefiasse a delegação a qualquer
congresso: estava com oitenta anos e naquele inverno raramente saiu da cadeira de rodas.
Beaconsfield era também um frágil septuagenário: andara muito doente de asma e bronquite
e já fazia vinte anos que se arriscara a atravessar o Canal pela última vez. Bismarck já estava
em termos amistosos com o provável chefe de uma delegação russa, o Conde Pedro Shuvalov,
embaixador do Czar em Londres, e não duvidava de sua habilidade em haver-se com que
membro da Câmara dos Lordes viesse a representar a Inglaterra.

As coisas também estavam diferentes em Paris. A Direita monarquista já não era mais
governo e o Duque de Decazes passara o Ministério do Exterior para William Henry
Waddington. Até hoje foi o francês mais anglicizado que chefiou o Quai d’ Orsay, um
numismata educado em Repton e Rugby e que remara pela equipe de Cambridge na Regata
Universitária de 1848. Bismarck, presumindo que a formação de Waddington tomava-o menos
sensível ao destino da Alsácia-Lorena, chegou a insinuar que se pudesse reunir um congresso
em Paris, com Waddington à cabeceira. Ninguém concordou, menos ainda Waddington.
Andrassy, herdeiro de Metternich, fez uma tentativa em favor de Viena como a cidade mais
natural para um congresso; mas os russos recusaram qualquer outra capital que não Berlim.
Conseqüentemente, no dia 3 de março, ainda com certa hesitação, Bismarck autorizou
Andrassy a convidar as Potências para um congresso na capital alemã, na primavera ou no
verão410.

A princípio tudo indicava uma guerra entre a Inglaterra e a Rússia antes que 0 congresso se
pudesse reunir: no mesmo dia em que Bismarck concordou com Berlim para sede do
encontro, o general Ignatiev impôs aos turcos um tratado, assinado em San Stefano, pelo qual
o Império Otomano entregava o controle direto da maior parte da península dos Bálcãs. O
tratado criava uma “Grande Bulgária”, dependente da influência russa para sobreviver e
desenvolver-se. Nem a Áustria-Hungria nem a Grã-Bretanha estavam dispostas a aceitar esse
desvio tão grande no equilíbrio de poder do sudeste da Europa; nem, para bem da paz do
continente, aqueles russos que não aprovavam o pan-eslavismo, notadamente o Conde
Shuvalov. Em março, abril e maio houve grande movimentação diplomática entre Londres,
Viena e S. Petersburgo, muitos negociadores, todos interrompendo suas viagens em Berlim, o
próprio Shuvalov tendo feito duas visitas ao oráculo de Friedrichsruh. Somente depois que
Shuvalov garantiu ao novo ministro do exterior inglês, Salisbury, que a Rússia não insistiría
numa “Grande Bulgária” foi que Beaconsfield anunciou que aceitava o convite para o
Congresso de Berlim. Era o dia 3 de julho, e fixou-se a abertura do congresso para dez dias
depois411.

O Congresso veio num momento difícil da vida política da Alemanha. No dia 11 de maio, Max
Hödel, um encanador na miséria, atirou no imperador, que escapou sem qualquer ferimento.
Bismarck aproveitou o fato de que Hödel um dia pertencera ao Partido Social Democrático e,
do seu retiro em Friedrichsruh, mandou ordem aos funcionários em Berlim para prepararem
outra “lei contra os socialistas e sua imprensa”. Um projeto apressado, muito malfeito, foi
apresentado ao Reichstag menos de uma quinzena após a tentativa de assassínio de Hödel. A
oposição tenaz dos nacional-liberais fez com que fosse imediatamente rejeitado. Nove dias
depois, em 2 de julho, Guilherme foi gravemente ferido por um tiro quando descia em
carruagem a Unter den Linden. Desta vez, o quase assassino foi Karl Nobiling, um intelectual
da classe média, doutor em economia pela Universidade de Leipzig. Nobiling suicidou-se
antes do interrogatório e não há provas de que se tratasse de um socialista, mas Bismarck
outra vez apelou para o perigo vermelho. Esperava desmoralizar não somente os socialistas,
mas também os nacional-liberais que haviam impedido o chanceler de contrabater o desafio
da esquerda por meio de legislação repressiva. Bismarck solicitou ao príncipe herdeiro,
interinamente nas funções do pai, que dissolvesse o Reichstag e convocasse novas eleições
para o fim de julho412. É quase incrível que Guilherme, com oitenta e um anos, não tenha
morrido dos ferimentos. Teve, é bem verdade, que passar suas funções cerimoniais ao
príncipe real, mas não ficou incapacitado a ponto de tornar necessário o estabelecimento de
uma regência, e assim o príncipe não recebeu encargos que envolvessem formulação política.
Constitucionalmente, o ataque de Nobiling ao imperador removeu por algum tempo o
contrapeso do chanceler. De 2 de junho a 5 de dezembro, quando Guilherme pôde reassumir
todas as suas prerrogativas, Bismarck exerceu o máximo de autoridade de governo, sem
paralelo em qualquer autocrata na história da Alemanha. Durante aqueles seis meses, a
vontade de Bismarck era decisiva em Berlim, não a do príncipe herdeiro. Não houve, portanto,
durante o congresso, oportunidade para acertos dinásticos, nenhum momento em que os
representantes do Czar pudessem deter a política de Bismarck pela via de um apelo direto ao
palácio, onde o idílio Hohenzollern-Romanov subsistia, ainda que em declínio, por sete
sentimentais décadas.

O Reichstag foi dissolvido em 11 de junho. Naquela noite, terça-feira, o Conde Beaconsfield


chegou a Berlim como chefe da delegação britânica ao congresso. Bismarck surpreendera-se
ao saber que ele viajava para Berlim, sobretudo porque Salisbury também vinha e jamais
haviam o primeiro-ministro e o ministro do exterior comparecido juntos a um conclave
internacional. Para desagrado de Bismarck, a notícia de que Beaconsfield preparava-se para
transferir-se a Berlim induziu também Gorchakov a vir, ainda que tivesse de abandonar o leito
de doente para viajar. “Não desejo extinguir-me como uma vela apagando, quero afundar no
horizonte como uma estrela”, disse o velho413. Com tudo isso, não aconteceu o que Bismarck
temia, que o congresso degenerasse numa exibição de vaidades temperamentais. Gorchakov
teve seus momentos de insolência e de fingimento, atirando com raiva uma espátula sobre a
mesa, ou deliciando-se com morangos na varanda de um hotel quando, por “doença”,
declarava-se impedido de comparecer a uma sessão vital. O senso teatral de Beaconsfield
levou-o a dar ordem - ou dar a impressão de que dava ordem - para a formação de um trem
especial para a volta a Calais, interrompendo assim o congresso, num momento de grande
teimosia russa. Mas gestos e truques desses, os dois senhores podiam muito bem ter
aprendido com o próprio Bismarck. O trabalho nas minúcias do congresso foi realizado pelos
segundos violinos, particularmente Salisbury e Shuvalov. “Todas as questões são levantadas
publicamente e acertadas em particular”, escreveu Beaconsfield à Rainha Vitória, ao fim da
primeira semana414. Nunca houvera antes um encontro das Grandes Potências administrado
tão rápida e eficientemente.

O Congresso de Berlim foi aberto oficialmente às duas da tarde da quinta-feira, 13 de junho,


hora em que as delegações deram entrada no salão de festas do antigo Palácio Radziwill. Mas
a primeira sessão, de fato, ocorreu na segunda-feira seguinte. Muitas das objeções a San
Stefano já haviam sido removidas em conversações privadas. Sobraram, porém, questões
importantes de detalhe em número suficiente para reacender agravos ultrapassados, se
Bismarck não tivesse, como presidente, exercido um estrito controle sobre o congresso.
Permaneceu tão imparcial quanto permitiam os acontecimentos. Se apoiou as pretensões
russas no litoral do Mar Negro na Europa e na Ásia, também secundou a política de Andrassy
de estabelecer uma presença militar austríaca na Bósnia, na Herzegovina e no Sanjak de
Novi-Pazar (o corredor que separa a Sérvia do Montenegro). Nem os delegados austríacos
nem os russos mostraram-se contentes com Bismarck, uns julgando que favoreceu os outros;
exatamente o que ele esperava e temia. Repetidas vezes tentou fazer do “admirável Monsieur
Waddington” o mediador-em-chefe, honra, porém, de que o francês declinou com discrição.

Bismarck conduziu o congresso em marcha batida, tiranizando, intimidando, cativando os


delegados, da mesma forma como tanto tempo agira na Dieta de Frankfurt. Os turcos
sofreram barbaridades de sua linguagem, e os representantes da Grécia, Sérvia e Montenegro
tiveram tratamento apenas um pouco melhor. Nada o exasperava mais que longos discursos
em prol de alguma das pequenas nacionalidades que buscavam livrar-se da dominação quer
russa quer turca. Irritou-se, especialmente, com o patrocínio, por Salisbury, dos lazes, tribos
muçulmanas que viviam entre Trebizonda e Batum, um povo cujo nome exato o secretário do
exterior inglês tinha certa dificuldade em lembrar, mesmo quando fazia em seu favor o mais
eloquente discurso. Bismarck recusou-se a admitir que existissem Kutzu-Vlachs, quando viu
esse nome em uma lista de povos cujos direitos mereciam proteção numa Bulgária autônoma:
“Kutzu-Vlachs?" exclamou, “Eis aí uma palavra que só tem o direito de ser eliminada”; e com
seu lápis riscou fora o nome da lista415. Os búlgaros passavam pouco melhor: “Ele nunca
perde uma oportunidade de informar-nos que tanto se lhe dá a felicidade daquela gente” (le
bonheur de ces gens là-bas), anotou um delegado, na época416. Ficou decepcionado com
Andrassy, provavelmente porque a autoconfiança aristocrática do magiar punha em destaque
a vulgaridade brusca de suas maneiras; não gostou de Salisbury, por demais individualista
para encaixar-se em sua noção preconcebida da nobreza rural inglesa; e continuou a tratar
Gorchakov com fria civilidade. Para Bismarck, somente houve, no congresso, dois homens
cujas qualidades admirava e respeitava: Shuvalov, a quem coube tomar nos ombros todas as
responsabilidades de que Gorchakov fugia; e, acima de todos, Disraeli, Lord Beaconsfield, “o
judeu velho”, um estadista com que era fácil resolver problemas. “Em quinze minutos, você
sabia exatamente se estava ou não nas boas graças dele”, recordava Bismarck, mais tarde417.

Pode ter sido Lord Beaconsfield quem falou de política com o chanceler alemão; mas foi
Benjamin Disraeli, “o fantástico romancista”, quem gozou desembaraçadamente das ocasiões
de gala do congresso, captando com sua pena exata a personalidade de seu presidente e dos
demais à sua volta. “Pessoa extremamente corpulenta, com um rosto corado no qual está
agora a cultivar uma barba de prata”, assim foi Bismarck descrito à Rainha Vitória. “Sentei-
me à direita do P. Bismarck, e já que não gosto muito de comer em público, fiquei a ouvir seus
monólogos rabelaisianos: infindáveis revelações de coisas que ele não devia nem mencionar”,
contou a Vitória, após jantar com o chanceler poucos dias depois. “O contraste de sua voz,
afável e fraca, com sua aparência de ogro, surpreendente. É palpavelmente bem lido, íntimo
da literatura moderna” [Coningsby, Sybil e Lothair estavam nas livrarias de Berlim naquele
verão]. “Suas descrições de grandes personalidades são sempre mordazes. Imprudentemente
franco”; e a rainha ficou sabendo que Joana von Bismarck “não é uma beleza de se olhar, já
sua influência doméstica é tida como irresistível”.

“Perguntou-me ele, hoje”, escreve Beaconsfield em 5 de julho, “se as corridas ainda têm
grande estímulo na Inglaterra. Respondi que nunca tiveram tanto. ... ‘Então’, exclamou o
príncipe, veemente, ‘jamais haverá socialismo na Inglaterra... Lá, quanto mais cavalos tem um
nobre, mais popular ele é. Enquanto os ingleses forem dados às corridas, o socialismo não
terá chance entre os senhores’ ”418 Surgiu entre os dois estadistas uma amizade com base no
dom de cada um de entender o caráter do outro, separando o fictício do sincero. Beaconsfield
estava longe de assustado com o “ogro”. Duas semanas e meia depois da abertura do
congresso ele escreveu para casa, com oportuna ironia, “O P. Bismarck, com uma das mãos
cheia de cerejas, e a outra de camarões, reclama que não consegue dormir e precisa ir a
Kissingen”419. Era um retrato tão preciso do presidente do congresso quanto o melhor que
Werner, o artista oficial, colocou na tela.

Bismarck, com certeza, estava ansioso por escapar do calor de Berlim e ir para Kissingen e
Gastein. Seus subordinados ficavam a imaginar, com alarma, o que sucedería se a saúde e o
controle nervoso do chanceler cedessem antes de assinado o Tratado final. Mas o congresso
terminou em 13 de julho, bem antes do que temiam, e com um acordo que resolveu a crise
imediata, se bem que ficassem dificuldades sobre a maneira de executar-se o que se
propunha. O Tratado de Berlim, de forma geral, satisfez os austríacos e os ingleses [2]. Os
russos ganharam o reconhecimento de sua influência na Bulgária, juntamente com garantia
de terras no Cáucaso e o estabelecimento de uma posição forte no delta do Danúbio. Não
havia nada ideal nesses arranjos; e muitos importantes russos aborreceram-se, decepcionados
com os resultados. Mas, como disse Bismarck no discurso de despedida aos estadistas e
diplomatas reunidos, “Dentro dos limites do possível, este congresso foi útil à Europa, por
manter e salvaguardar a paz”420. Declaração modestamente realística.

É fora de dúvida que o congresso elevou o prestígio de Bismarck, internamente. Que melhor
abertura para as eleições a realizarem-se uma quinzena após o encerramento do congresso?
No entanto, o próprio Bismarck não tinha intenção de esperar em Berlim pelo teste de opinião
pública. Nervos mortificados, dos quais exigiu o máximo durante o congresso, não
agüentaram mais. Uma irresistível erupção da pele com inflamação espalhou-se por seu corpo
todo e ele fugiu para Kissingen, com aquela exultação de fim de período escolar que
conhecera no trem postal de Stettin, mais de meio século antes421.

[1] O Acordo de Reichstadt, de 8 de julho de 1876, (tal qual as conversações de Bismarck em


Biarritz com Napoleão III) constituiu um entendimento puramente verbal e sobre ele houve
grande discussão entre os contemporâneos e entre historiadores. Gorchakov e Andrassy
acordaram em não interferir na guerra que a Sérvia e Montenegro travavam com a Turquia.
Se os turcos vencessem, as Grandes Potências não lhes concederíam vantagens pela vitória e
haveria mudança no status da Bósnia-Herzegovina (autonomia, segundo Gorchakov; reformas
com garantia, segundo Andrassy). Se os turcos perdessem a guerra, haveria um amplo
retraçado do mapa balcânico, a Rússia expandindo-se até o estuário do Danúbio, a Áustria-
Hungria recebendo compensação nos Bálcãs ocidentais; porém havia fortes discrepâncias
entre as regiões previstas como compensação aos austríacos por Gorchakov e por Andrassy. O
mais completo exame do assunto, em inglês é a obra clássica de B. H. Sumner, Rússia and the
Balkans,Capítulo IV, e Apêndice II.

[2] Os pontos básicos estipulados, ou confirmados, pelo Tratado de Berlim foram os


seguintes: criou-se um principado autônomo da Bulgária, formalmente sob a suserania do
Sultão da Turquia; uma província da Rumélia Oriental, nominalmente turca mas com um
governador cristão, instalou-se ao sul da Bulgária; a Sérvia e o Montenegro receberam
território adicional e a confirmação expressa de sua independência; a independência da
Romênia foi confirmada, recebendo os romenos a Dobrudja setentrional em troca da cessão
da Bessarábia à Rússia; a Áustria-Hungria recebeu o direito de ocupar e administrar a Bósnia-
Herzegovina e de aquartelar tropas no Sanjak de Novi-Pazar; a Grécia recebeu a garantia de
futura retificação de limites na Tessália e no Épirus; e a Rússia foi confirmada na posse do
Cáucaso. O Sultão da Turquia comprometeu-se a executar reformas, sob a vigilância das
Grandes Potências, nas províncias européias de seu império. Uma “Convenção de Chipre”, em
separado, assinada em Constantinopla no dia 4 de junho, deu à Inglaterra o direito de ocupar
a ilha de Chipre, que permaneceu, tecnicamente, no Império Turco até 1914.
13. O APOGEU DO SISTEMA
BISMARQUEANO

As eleições para o Reichstag deram a Bismarck o que desejava, um aumento das bancadas dos
partidos conservadores, com queda dos liberais e socialistas. O chanceler podia contar com
uma maioria de sessenta deputados para qualquer disputa em que tivesse o apoio dos
conservadores e do Centro. Em setembro, Bismarck apresentou um terceiro projeto de lei
anti-socialista, bem melhor articulada que a anterior, apresentada no verão, e que não
proscrevia o Partido Social Democrático, como tal. Até certo ponto, esta “Lei Extraordinária”
experimentaria o ambiente da nova assembléia422. Se passasse pela Câmara sem problemas,
razões não haveria por que, no ano seguinte, Bismarck não recebesse apoio parlamentar para
mudanças políticas de maior escopo. Impostos indiretos, não sujeitos à aprovação
orçamentária anual do Reichstag, reforçariam o poder e a independência do governo central.
Agradariam, também, muito, aos industriais e aos produtores agrícolas, que desde tanto
tempo desejavam proteção contra a competição estrangeira.

A lei anti-socialista teve tramitação fácil. Bismarck interessou-se ao notar que vários liberais
proeminentes aprovaram a “Medida Extraordinária” com a ressalva de consciência de que ela
só seria aplicada contra os agitadores da sociedade e não contra qualquer partido político em
funcionamento. Se liberais davam-se a distinções tão casuísticas, ficava evidente para
Bismarck que seu magnetismo pessoal era suficientemente forte para dobrar e fracionar o
partido, caso seus líderes resolvessem aferrar-se a princípios noutras questões. Em outubro,
mais de duzentos deputados assinaram um manifesto concitando o chanceler a abandonar o
livre comércio e adotar tarifas protecionistas. Tal posicionamento terminou por decidir
Bismarck. Em 15 de dezembro ele anunciou que pediría ao Reichstag a aprovação de uma
reforma tarifária, criando impostos sobre bens manufaturados e gêneros alimentícios
importados423.

Ninguém se surpreendeu com o anúncio. Mesmo Bismarck, por mais desinteressado que
sempre parecesse em doutrinas econômicas, não podia ignorar os sinais de recessão que se
multiplicavam constantemente desde 1873. Tarifas, mostrou-lhe um dos seus conselheiros,
não só ofereciam meios para taxação indireta como ajudariam a deter a onda de socialismo
pela melhoria da economia. Bismarck motivou-se mais por outras considerações: seu
banqueiro pessoal, Bleichroeder (que já salvara numerosas famílias importantes de
especulações temerárias em ferrovias romenas) estava expandindo as atividades de sua Casa;
especialmente no complexo industrial de Hibérnia, no vale do Ruhr, e o chanceler tinha bom
olho sobre seus investimentos pessoais424. Além disso, era naturalmente simpático às
queixas dos companheiros junkers, alarmados pelo aumento da importação de grãos da
Hungria, da Rússia e dos Estados Unidos, onde as estradas de ferro e o cultivo maciço das
pradarias causara uma queda espetacular nos preços de cereais. Embora a maior parte de sua
fortuna proviesse de madeiras - “florestas decíduas... comparáveis aos títulos da Dívida
Pública Consolidada prussiana”, descreveu ele, certa vez425 - ele próprio havia plantado em
nove anos dificílimos, durante a última grande depressão agrícola. Falava, portanto, a mesma
língua dos proprietários.

O projeto tarifário foi transformado em lei, sem problemas, em julho de 1879. As alíquotas
eram moderadas e, cortando embora as importações de bens manufaturados, não aliviaram a
depressão agrícola. Mas os junkers ficaram satisfeitos. O chanceler demonstrara
determinação em proteger-lhes os interesses com sua corn law inglesa adaptada. Industriais e
ruralistas juntaram-se em apoio a ele, após 1879. O “ferro e sangue” dos primeiros anos
cedeu lugar à aliança menos teatral de “ferro e milho”, na última década da vida política do
chanceler.

Em última análise, a evolução para o protecionismo, em 1879, afetou profundamente a


economia da Alemanha, as tarifas permitindo às indústrias pesadas do Ruhr, do Sarre, da
Alsácia-Lorena e da Silésia arrancarem da Inglaterra e da Escócia o direito de proclamarem-
se “as oficinas do mundo”. Mas certamente Bismarck não previu as conseqüências a longo
prazo de sua ação. Estava mais interessado nos resultados imediatos da mudança para o
protecionismo e, ainda mais, no efeito sobre o alinhamento partidário no Reichstag. Ficou
claro que os nacional-liberais, tão confusos sobre o certo e o errado de uma tarifa quanto
sobre a repressão dos socialistas, constituíam uma força desconceituada, quebrada. Naquele
verão foram expostos ao ridículo, na Câmara, pelo chanceler que apoiaram por uma dúzia de
anos. Ao mesmo tempo, a questão fiscal ajudou a estabelecer boas relações com o Centro.
Quando um deputado do Centro apresentou emenda ao projeto tarifário, determinando que a
renda da taxação indireta devia ser repartida com eqüidade entre os estados federados do
Reich, Bismarck, aceitou a idéia. E na primeira semana de maio de 1879, quase exatamente
seis anos após as drásticas leis de cultos públicos, Ludwig Windthorst foi recebido pela família
Bismarck numa festa na Wilhelmstrasse. Não foi mera coincidência de tempo que no dia 18 de
julho, dois dias antes da tarifa converter-se em lei, Adalbert Falk apresentasse seu pedido de
demissão como ministro de cultos. A Kulturkampf não era mais uma luta: era um estorvo426.

Bismarck presumiu que o conflito entre igreja e estado estava superado. Ele não o queria
formalmente acabado, pois significaria admitir a derrota. Acreditava que a disputa se poderia
resolver pelos canais diplomáticos e que Leão XIII participava dessa opinião. O novo papa não
demonstrava a intransigência do antecessor; inclusive enviara mensagem de simpatia a
Guilherme I após o atentado de Nobiling. Em julho de 1878 Bismarck manteve conversações
exploratórias, em Kissingen, com o núncio apostólico da Baviera, mas pareceu-lhe que a
Igreja queria formalmente revogadas as Leis de Maio, pretensão que julgou excessiva.
Manteve a esperança de que a aplicação moderada e judiciosa das Leis terminaria por
granjear o apoio católico. O papa e seu núncio estavam dispostos a admitir o definhamento
gradual dos dispositivos repressores, mas não Windthorst. O Partido do Centro, mesmo
disponível para apoiar Bismarck em outros assuntos, insistiu em que gestos limitados de
reconciliação não bastavam. Por fim, em julho de 1880, Bismarck apresentou a primeira das
chamadas “Leis da Paz” (Friedensgesetze) no Landtag prussiano, diminuindo os poderes dos
tribunais de casos eclesiásticos, criados por Falk. Seguiu-se mais legislação nessa linha, em
1882 e 1883, até que, em meio à década, os bispos católicos novamente tinham autonomia e
autoridade sobre suas congregações iguais às do tempo da criação do Reich. Na Kulturkampf
nem houve vitória decisiva nem derrota. As ordens religiosas não recuperaram sua antiga
posição e a Igreja teve de reconhecer o direito do estado de proteger aqueles que não tinham
religião ou que se houvessem afastado da fé tradicional de seus pais. Tais concessões estavam
de acordo com uma época de fermentação intelectual e de mudanças. Bismarck não teve de
humilhar-se em alguma Canossa atualizada; não foi sequer ao Vaticano, preferindo mandar o
príncipe herdeiro em missão de boa vontade ao Papa Leão XIII; mas aceitou uma barganha
alta com Windthorst, em troca do apoio do Partido do Centro no parlamento. Os nacional-
liberais, em sua época áurea, nunca se venderam tão caro.

Havia outra razão por que ele desejava conquistar o Centro. Pretendia substituir o que
Windthorst chamava “a era liberal falida” por uma era conservadora que desse solidez à
sociedade alemã. Os deputados do Centro, assim como os conservadores, eram homens de
recursos e propriedades. Em 1878, mais de um terço de seus representantes no Reichstag era
de grandes proprietários rurais. A Bismarck parecia mais do que razoável que tais homens se
juntassem a ele para perpetuarem a estrutura da velha Alemanha, impondo padrões de
qualidade de serviço à burocracia e à indústria. Ele divisava uma comunidade patriarcal
modernizada, basicamente feudal em suas lealdades, na qual as igrejas, fossem católicas ou
protestantes, cumpriríam o papel de instrumento obediente de autoridade secular. A Igreja
Católica Romana interessava-se pelos males sociais da sociedade industrial desde antes da
fundação do Reich. O Bispo Wilhelm von Ketteler, de Mainz, um aristocrata ordenado em fase
adiantada da vida, publicou em 1864 um breve estudo, imaginoso, do relacionamento entre o
Cristianismo e os trabalhadores, e continuou, até sua morte (1877), concitando o Centro a
adotar uma política de reforma social427. Também Bismarck preocupava-se com o bem-estar
dos operários das fábricas: procurou informar-se sobre o assunto em conversações com o líder
socialista Lassale, durante seu segundo ano como ministro-presidente da Prússia428. Só que,
enquanto Bismarck via o estado como benfeitor paternal das massas, o Partido do Centro
suspeitava tanto quanto os Liberais da interferência do estado, e desejava atribuir a
responsabilidade pelo bem-estar social aos industriais e a associações de trabalhadores
afiançadas pela Igreja. Essa diferença de ângulo tornou impossível ao Centro ajudar Bismarck
a criar a sociedade patriarcal que sua mente elucubrara nas solitárias caminhadas em Varzin
e Friedrichsruh. Por outro lado, os deputados do Centro não tinham o espírito de opôr-se a
cada projeto que visasse a dar aos empregadores consciência de suas obrigações sociais para
com os trabalhadores. Por vezes, o meio-apoio do Centro irritava Bismarck tanto quanto a
oposição dos Liberais.

Quando Bismarck preparou a fala do trono para a abertura do Reichstag em 12 de fevereiro


de 1879, inseriu uma referência paternalística à imperiosidade de leis que minorassem os
males sociais da industrialização. Essa “promessa de que algo se fará de positivo para
remover as causas do socialismo" lançou o mais amplo programa de seguridade social
empreendido por qualquer governo no século XIX. Em abril de 1881 o chanceler apresentou
um projeto de lei introduzindo o seguro contra acidentes de trabalho, providência desde
muito sugerida pelo Bispo Ketteler e considerada pelo próprio Bismarck mais de uma década
antes. O chanceler alimentava esperanças de que legislação corretiva desse tipo conquistaria
a massa de trabalhadores urbanos, destruindo assim os atrativos do que era, para ele,
socialismo subversivo. Contudo, seus projetos causaram grandes protestos dos liberais e
progressistas defensores do laissez-faire: benefícios ao trabalhador com ajuda do estado “não
eram socialismo, mas comunismo”, declarou um de seus líderes. “Se isto é comunismo e não
socialismo, como afirma o orador que me antecedeu, então tudo é a mesma coisa para mim”,
replicou Bismarck, no curso do debate, “chamo-o de Cristianismo prático na sua conformação
legislativa”429.

O Centro não pensava assim. Windthorst insistiu em que o princípio de um esquema de


seguro apoiado no governo era errado e juntou-se a oposição Liberal para derrotar a
proposta. Um projeto de seguro-doença, que não incluía a participação do estado, foi
aprovado pelo Reichstag, em junho de 1888, e o dispositivo original de seguro de acidentes
foi, por fim, transformado em lei em julho de 1884, quando o chanceler concordou em deixar
os detalhes de sua administração aos empregadores e a associações corporativas de
trabalhadores. A oposição do Partido do Centro fez, então, com que esta proposta de grande
visão de Bismarck correspondesse, no fim, mais diretamente à doutrina social católica que a
seu próprio conceito de “Cristianismo prático”.

A experiência de Bismarck de colocar o Reichstag em “nova linha” durante a sessão de 1878-


79 foi apenas parcialmente bem-sucedida, portanto. Ele criou tarifas de proteção para a
indústria e a agricultura alemãs; trouxe para o tesouro mais rendas provenientes de impostos
de importação, reduzindo sua dependência dos orçamentos votados pelo parlamento; deu aos
estados federados o poder de combater o socialismo subversivo; e conseguiu desvencilhar-se
do conflito com a Igreja. Mas não conseguiu montar qualquer nova e duradoura combinação
política de forças. O rumo que traçou pode ter dado com os nacional-liberais nos arrecifes e
colocados o Centro de vento em popa, mas deixou o próprio chanceler bordejando em
ziguezague entre expedientes momentâneos e princípios habituais de governo. Nunca teve de
improvisar tão freqüentemente em assuntos puramente internos, montando agrupamentos
temporários de bancadas no Reichstag com a finalidade de fazer passar uma medida ou outra.
Não teria sido necessário Bismarck dar tanta atenção aos problemas internos. Em março de
1878 uma lei complementar especial criara o cargo de vice-chanceler. Mas Bismarck não
demonstrava vontade de abrir mão de qualquer parcela de autoridade. O Conde Otto von
Stolberg-Wernigerode, vice-chanceler de 1878 a 1881, não foi mais que um chefe nominal de
alto bordo. Bismarck tinha esse posto em tão pequena conta que, quando Stolberg demitiu-se,
articulou as coisas para que o secretário de estado do interior, Böttiger, acumulasse a função
de vice-chanceler com seu posto normal. Já que não aceitava preparar alguém para operar
sua máquina constitucional, Bismarck foi forçado a dedicar tempo aos assuntos
parlamentares. Esteve muito mais presente ao Reichstag entre 1879 e 1887 que antes, ou
depois, em sua carreira, e os volumes impressos de seus discursos mostram quão
freqüentemente julgou necessário dirigir-se aos deputados, tentando - nem sempre
conseguindo-derrotar emendas a seu programa legislativo. Tanta atividade não lhe melhorou
a saúde. Sentava-se nervosamente à beira das bancadas, a longa barba patriarcal ocultando-
lhe os músculos crispados da face. Observadores que assistiram aos debates do seguro de
1881, olhando lá de cima aquele gigante irado, de cento e quinze quilos, impaciente para
subir à tribuna, trêmulo de desagrado, talvez lhe dessem apenas um ou dois anos mais de
vida. Como sempre, no que se refere a Bismarck, as aparências eram enganadoras.

"A única recreação em minha vida cheia de trabalho é conversar sobre política externa”, disse
a Odo Russell, no início daquele ano430. Esse oblíquo comentário tinha fundamento.
Enquanto a cena interna continuava obscurecida, a situação internacional mostrava-se cada
vez mais satisfatoriamente estável, após as tensões e o conflito da crise oriental. Isso era,
porém, recente. Os dezoito meses que se seguiram à assinatura do Tratado de Berlim foram
marcados por uma modificação na abordagem de política externa de Bismarck, pelo menos
tão importante quanto a adoção da “nova linha” na política interna. O ano de 1879,
particularmente, assistiu ao entrelaçamento dos primeiros fios de uma rede de alianças que
deu a forma das relações internacionais por um terço de século.

Essa transformação da diplomacia foi, em larga parte, acidental. O legendário sistema


bismarqueano de alianças foi bem mais um produto das circunstâncias que um plano
deliberado. Ele jamais decidiu criar um mecanismo rígido de controles, balanceamentos e
harmonias. A estratégia de manobra livre estava demasiado implícita em sua ação de estado
para que a abandonasse inteiramente. Ele sempre acreditara em levar à frente políticas
paralelas alternativas, retardando sua opção até o último momento, quando se tomasse difícil,
a rivais ou adversários, improvisarem um lance eficiente; e até o fim de sua permanência no
poder continuou a contrapor, a cada feito de sua mão direita, um gesto de independência da
mão esquerda. Como ideal, continuava desejando ser o “honesto corretor”, depois do
Congresso como antes dele, ocupado apenas de interesses essenciais e desprezando a
diplomacia de prestígio. Reconhecia, porém, que se permanecesse tão pouco afirmativa como
nos primeiros anos da década, havia o perigo de a Alemanha ver-se diplomaticamente isolada,
frente ao “pesadelo” de uma combinação de França e Rússia, talvez até de uma coalizão
neokaunitziana da França com a Áustria, tendo a Rússia como imprevisível terceiro associado.
A melhor linha de ação para evitar semelhante desastre seria dar substância à nebulosa Liga
dos Três Imperadores. Estava, portanto, no propósito de reforçar os laços entre Berlim e
Viena e, ao mesmo tempo, de convencer os estadistas da Rússia e da Áustria-Hungria a
esquecerem seus diferendos e trabalharem juntos.

As perspectivas não eram brilhantes, Bismarck sabia. Muitos russos, entre eles o Czar
Alexandre II, haviam-se desapontado com os termos do Tratado de Berlim. Também a posição
de Andrassy na Áustria-Hungria era menos segura que no início da crise; em parte, devido à
influência antimagiar em Viena, mas também por um sentimento de que ele andara por
demais inclinado a apaziguar seu sócio russo na velha Dreikaiserbund. Bismarck depositava
suas esperanças em Shuvalov, que passou boa parte do final do verão de 1878 em S.
Petersburgo, antes de voltar à Embaixada Russa em Londres. Gorchakov sentira-se tão
enfraquecido pelo trabalho do congresso que tirou cinco meses de licença de saúde, tempo
que passou principalmente na Suíça. Teoricamente, portanto, Shuvalov tinha uma
oportunidade de firmar-se em sua posição de S. Petersburgo. Pareceu fora de dúvida, a
Bismarck, que Gorchakov, já nos oitenta, jamais voltaria a assumir a direção dos negócios
exteriores russos; e nunca ocultara o fato de que Shuvalov seria o sucessor mais aceitável a
Berlim.431

Teve uma decepção, porém. Alexandre II estava predisposto contra Shuvalov, e na verdade,
contra seu padrinho alemão. Afirmava o Czar que o Congresso havia sido uma “coalizão
européia contra a Rússia e sob a liderança do Príncipe Bismarck”. O mais a que se permitiu
foi uma abordagem a Andrassy, em Viena, para ver se algumas cláusulas do Tratado de Berlim
poderiam ser modificadas por negociação direta entre os membros da Liga dos Três
Imperadores. Bismarck apoiou a iniciativa russa, mas Andrassy tomou-se de suspeitas e
firmou posição a favor dos termos do tratado. No Natal, Gorchakov estava de volta a S.
Petersburgo. Embora os detalhes de política externa fossem deixados para outros, recobrou
influência suficiente para vetar novas aproximações com Berlim ou com Viena e para inspirar
à imprensa russa artigos hostis a Bismarck432. Assim sendo, em começos de 1879 o acordo
dos Três Imperadores tornara-se tão história do passado quanto a Santa Aliança. As relações
entre Berlim e S. Petersburgo estavam mais tensas que em qualquer outra ocasião desde
antes da subida de Bismarck ao poder.

O próprio chanceler só mui lentamente percebeu o quanto se deteriorara o relacionamento


especial com Petersburgo. O que lhe abriu os olhos foi a campanha de imprensa que começou
em fevereiro de 1879 em Moscou e ecoou logo. O agravo imediato da Rússia foi a tarifa
proposta sobre produtos agrícolas, que a imprensa de Moscou apontou como causa da queda
de exportação dos cereais russos, mas logo surgiram outras queixas - regulamentos de
quarentena» postos em vigor na fronteira russa devido a uma possível peste no Astrakan,
comentários desairosos de Bismarck sobre Gorchakov reproduzidos no Times de Londres, e
uma evidente parcialidade em favor dos austríacos nas comissões de limites criadas pelo
Tratado de Berlim. Bismarck ficou atento às manobras militares russas na fronteira polonesa
e às estórias de passos secretos dos russos na direção dos italianos e dos franceses. Já na
primeira semana de abril de 1879 ele mencionava a possibilidade de aliança com a Áustria-
Hungria, numa conversa com o general Schweinitz, embaixador na Rússia, que estava de
visita em Berlim. Relatórios subseqüentes de Schweinitz, durante o verão, mencionavam com
destaque a crescente fúria do Czar com a política alemã, e com o chanceler, em particular. Na
segunda semana de agosto Bismarck havia resolvido empregar sua visita anual a Gastein
como oportunidade para discutir o problema russo com os austríacos. Notícias que recebeu
em 12 de agosto indicavam que Andrassy estava à beira de demitir-se433. Era evidente que
não havia tempo a perder, se Bismarck desejava ficar com a iniciativa.

Bismarck lera com grande atenção os detalhados relatórios sobre a expansão do exército
russo, fornecidos pelo serviço de informações militares, em março, abril e maio. Mas não se
perturbou muito. Ele sabia que a economia russa não poderia agüentar uma guerra. Seu
primeiro objetivo ainda era a saída de Gorchakov e sua substituição por um ministro que
quisesse ajudar a Alemanha não criação de uma segunda e mais eficaz Liga dos Três
Imperadores. Em Gastein, no entanto, viu que não contaria com o auxílio de Andrassy para a
ressurreição da Liga. O ministro do exterior austro-húngaro vivia um desencanto, não
somente com os russos, mas com a política internacional em geral; decidira largar tudo e
retirar-se para suas propriedades na Hungria. Dispunha-se, porém, a permanecer no cargo
algumas semanas, se pudesse consolidar as relações austro-germânicas por meio de uma
aliança que protegesse a monarquia Habsburgo (e a Alemanha) do ataque russo. Bismarck
saudou a proposta como boa maneira de manter a continuidade da política austríaca. Mais
que tudo, julgou que uma mostra bem ostensiva de amizade austro-prussiana levaria os russos
a mudarem de atitude. Após os encontros de Gastein ambos os ministros do exterior, o alemão
e o austro-húngaro, preparam minutas de acordos para servirem de base para negociação434.
O mais sério obstáculo aos cômputos de Bismarck foi a atitude do Imperador Guilherme. Pois
o Czar Alexandre agora detinha uma vantagem negada aos delegados russos no congresso do
ano anterior, quando o imperador permanecera sob cuidados médicos como resultado do
atentado de Nobiling contra sua vida. Em 15 de agosto, Alexandre enviou uma carta pessoal a
Guilherme, reclamando da “hostilidade sistemática” demonstrada pelos alemães à Rússia435.
Perplexo pelo que Bismarck descreveu como “um sopapo no ouvido” que lhe dera o sobrinho,
Guilherme viajou até a fronteira da Polônia russa, no início de setembro, e encontrou-se com o
Czar em Alexandrovo. Tio e sobrinho saudaram-se calorosamente, em meio a lágrimas de
remorso e de reconciliação. Guilherme voltou a Berlim luzindo de sentimentalismo sublimado.
Não estava em espírito de receber de Bismarck uma proposta de tratado com Áustria-Hungria
que levava um preâmbulo especificamente anti-russo. Semelhante aliança, declarou sem
meias palavras, refletir-se-ia de maneira terrível sobre “sua consciência, seu caráter e sua
honra”436.

Seguiu-se o costumeiro drama de confrontação, embora desta vez a longa distância, e com os
acessos de cólera em tom menor. Bismarck (de Gastein) insinuou pedir demissão, Guilherme
insinuou abdicar. Holstein, que estava com o chanceler, assustou-se com os antagonismos
pessoais acessos pela proposta de aliança. Sugeriu que o Príncipe Hohenlohe, o aristocrata
bávaro que sucedera Arnim como embaixador em Paris, atuasse como intermediário.
Hohenlohe, um liberal e católico romano, gozava de alta estima do imperador, quando mais
não fosse, porque sua formação e sua personalidade destacavam-no de qualquer outro
servidor do estado. Não tinha entusiasmos por uma aliança com a Áustria mas
disciplinadamente fez o papel de emissário do chanceler. “Encontrei o imperador bastante
receptivo à argumentação”, escreveu em seu diário em 22 de setembro “mas o tempo todo
receoso de que pudesse parecer desleal para com seu sobrinho e amigo”437. O mais com que
Guilherme concordaria era um “acordo em princípio” sobre um entendimento com os
austríacos. Chamava atenção, porém, se era essencial para a Alemanha assinar um pacto
militar com os austríacos, que, pelo menos, o acordo devia ter como alvo tanto os russos
quanto os franceses sedentos de vingança.

Havia pouca chance de induzir Andrassy a entrar em compromissos contra a França, ao que
Bismarck suspeitava. Quando visitou Viena, em fins de setembro, encontrou Andrassy
reticente. Tampouco fez progressos com o Barão Haymerle, o diplomata profissional nomeado
sucessor de Andrassy - “um burocrata vienense, feito de pau, sem cor, sem brilho”, como o
descreveu Bismarck. Andrassy estava determinado a manter os alemães adstritos ao acordo
anti-russo inicialmente esboçado em Gastein; e Haymerle, de um ódio quase patológico à
Rússia, adotou a mesma posição. Bismarck comoveu-se com a calorosa recepção que
pessoalmente teve em Viena. Os russos, também, não podiam ter deixado de notar
demonstração tão evidente de concórdia austro-prussiana, e quando Bismarck chegou de
volta a Berlim, encontrou um enviado especial do Czar, Pedro Saburov, ansioso por melhorar
as relações entre os dois impérios[1]. Bismarck ainda fez uma última tentativa de obter apoio
austríaco para uma rediviva Liga dos Três Imperadores, antes que Andrassy passasse o
ministério a Haymerle438. Mas em 1.° de outubro Andrassy afastou de vez a iniciativa de
Bismarck: desejava uma aliança militar com a Alemanha, nem mais, nem menos. O mais que
concedería seriam discretas modificações no preâmbulo do tratado secreto, que o Imperador
Guilherme achara tão perturbador. No dia 3 de outubro, ante a ameaça de perder não apenas
seu chanceler, mas todo o governo prussiano, Guilherme capitulou. “Que aqueles que me
forçaram a dar este passo respondam por ele aos céus, na vida futura", anotou,
implacavelmente, ao lado de sua assinatura, quando finalmente autorizou que se concluísse o
tratado439. “Uma só coisa que seja, não posso fazer, nesta atual administração”, queixou-se
alguns dias depois; porém, aos oitenta e dois anos, não se animava a procurar substitutos.

A aliança austro-alemã foi firmada em Viena, no dia 7 de outubro de 1879. Estipulava ajuda
mútua em caso de ataque russo, e neutralidade benevolente se o atacante fosse outra
potência, a menos que esta fosse apoiada pela Rússia, caso em que a aliança aplicar-se-ia
contra ambos os combatentes inimigos. A aliança tinha a duração inicial de cinco anos. Na
prática, embora isso estivesse longe das intenções de Bismarck, a aliança foi renovada
regularmente, até o Império Alemão e a monarquia austro-húngara afundarem juntos, trinta e
nove anos depois.

Na terceira semana de setembro, quando as negociações entre Bismarck, em Gastein, e


Andrassy, em Viena, estavam em seu ponto crucial, houve uma virada pouco normal da
diplomacia alemã, uma tentativa evidente de entendimento com a Grã-Bretanha440. Em 16 de
setembro, o Conde Munster, embaixador alemão em Londres, recebeu instruções de sondar
Beaconsfield sobre “a atitude da Inglaterra caso a Alemanha fosse obrigada a “resistir à
pressão russa” em conseqüência de “um apreço muito especial pela amizade que dedicamos à
Áustria-Hungria e a Grã-Bretanha”. Munster avistou-se com Beaconsfield em Hughenden, a
26 de setembro; porém, ou o embaixador ou o primeiro-ministro, alguém entendeu mal a
inquirição de Berlim. Beaconsfield assegurou a Munster que via a Alemanha e a Áustria
“como os mais naturais aliados para a Inglaterra” e declarou que sempre fora a favor de um
bom entendimento com a Alemanha; mas definiu que a discussão de uma aliança anglo-
germânica só era possível com o ministro do exterior, Salisbury. O episódio todo é meio
confuso. A versão do encontro de Hughenden passada por Munster a Bismarck é
marcadamente diferente, em tom e substância, do relato bem mais extenso remetido por
Beaconsfield à Rainha Vitória. Pelo menos um ponto fica evidente: em Londres foi entendido
que Bismarck propunha uma aliança; em Berlim, o Ministério do Exterior tinha em vista
relacionamento menos preciso. Provavelmente, o aproche alemão, tendo origem principal na
deterioração das relações russo-alemãs, foi parte do que Bismarck chamava ‘‘campanha
publicitária” para convencer o Czar de que a Alemanha procedia para valer, ao buscar um
clima de estreitas consultas com Viena sobre política russa; pois Bismarck bem sabia que a
gestão anterior junto aos ingleses (em fevereiro de 1877) chegara ao conhecimento dos russos
em questão de dias. Os ingleses não entenderam o fato de não se haver mais tocado no
projeto de aliança esboçado em Hughenden. Se Bismarck não queria que sua consulta
tomasse tanto vulto, seu silêncio posterior, na realidade, não é de surpreender[2].

Havia outra razão, ainda, por que Bismarck não desejava, nestes meses finais de 1879,
relações mais chegadas com Beaconsfield. O primeiro ministro inglês nunca escondera a má
vontade com o que chamava de “ Kaiser-Bund”; mas Bismarck sempre preferia uma
associação dos Três Imperadores a qualquer outro alinhamento. Em S. Petersburgo (mais
precisamente, em Livádia, pois Alexandre II estava passando o verão na Criméia), aos
rumores da aliança austro-alemã seguiram-se relatórios de grande atividade diplomática em
Londres: saber que Munster estivera a portas fechadas com Beaconsfield em Hughenden, e
com Salisbury em Hatfield, já por si era inquietante. O Czar começou a apaziguar os
alemães441: asseverou a seu tio compreender a necessidade que tinha a Alemanha de boas
relações com a monarquia Habsburgo; nomeou o ativo Pedro Saburov embaixador em Berlim;
e, malgrado fosse impossível mover cuidadosamente Gorchakov para fora do ministério,
providenciou para que as decisões de políticas passassem a ser tomadas por seu segundo,
Nikolai Giers, um protestante descendente de suecos, que Bismarck tinha em alta conta[3].

Alexandre II instruiu Saburov a que encontrasse para a Rússia “o necessário apoio em uma
firme entente com a Alemanha”. Era uma inversão total de política, mas Bismarck aceitou-a
muito bem. De início, Giers e Saburov desejavam um simples tratado de aliança bilateral.
Bismarck não apreciou muito o arranjo. “O único sistema que realmente oferece o máximo de
estabilidade à paz na Europa” era o restabelecimento da Liga dos Três Imperadores, disse ele
a Saburov em outubro442. E afavelmente explicou ao embaixador que seu principal propósito,
ao formalizar um entendimento com a Áustria-Hungria, fora “cavar um fosso entre ela e as
Potências ocidentais”. Eram boas novas para Alexandre: em janeiro de 1880 ele autorizou
Saburov a propor um novo tratado de aliança entre os Três Imperadores, melhor especificado
que os acordos políticos de 1873 sobre os quais descansara tão desconfortavelmente a liga
original443. Pareceu que a tortuosa política de Bismarck estava coroada de sucesso.

Mas ainda não. Passaram mais dezoito meses até que se completassem as negociações. As
primeiras dificuldades foram criadas por Haymerle, que declarou preferir um acerto em que
Áustria-Hungria controlasse a Turquia européia, e a Grã-Bretanha dominasse a Turquia
asiática. Porém Bismarck jamais subscrevería uma política que não levasse em conta o
interesse da Rússia nos Estreitos. “Um império como a Rússia não se pode deixar engaiolado
pela Inglaterra no Mar Negro”, havia dito a Saburov, e neste caso pensava assim, mesmo.
Convinha-lhe ter a Rússia ameaçando os interesses ingleses e franceses no Mediterrâneo
oriental e no Levante.

Logo, porém, surgiu um obstáculo muito maior à política de Bismarck, que poucos haviam
previsto. A vitória de Gladstone, nas eleições gerais britânicas de abril de 1880, ameaçou
virar pelo avesso o balanceamento do sistema diplomático. Nos discursos de sua campanha no
condado de Midlothian, na Escócia, Gladstone trovejara contra os “objetivos egoístas” de cada
Potência, na Europa. Aí estava, agora, um primeiro-ministro que enunciara princípios de
política externa antes de subir ao poder: necessidade de bom governo, internamente; paz;
manutenção do “Concerto da Europa”; abstenção de “compromissos desnecessários e
intricados”; igualdade de direitos entre as nações; amor à liberdade. Gladstone pregava “a
consecução de um comum acordo na Europa, corporificando num só órgão a voz da
humanidade civilizada”. Tal linguagem colidia frontalmente com a Realpolitik bismarqueana.
Ninguém podia prever no que a entrada de Gladstone e Lord Granville em lugar de
Beaconsfield e Lord Salisbury iria importar para a Grã-Bretanha e para a Europa. Gladstone,
seis anos mais velho que Bismarck, era membro júnior do governo de Peel durante a primeira
visita deste a Londres, em 1842. Mas os dois não se conheciam, e através dos anos Bismarck
formou em sua mente uma impressão hostil ao estadista Liberal, a quem tinha na conta de
vacilante e ineficiente. Disse a colegas, em 1880, que Gladstone cavilava com as palavras até
ser vitimado por elas; que tencionava empreender uma “política revolucionária”, perigosa
para todo o continente; e que sua incapacidade de governar a Inglaterra deixaria a nação
“dividida e republicanizada”. Alguns anos depois, Bismarck perguntava retoricamente como
era possível esperar-se “alguma coisa da amizade de um homem que Lord Palmerston dizia
estar convencido de que ia morrer num manicômio”444. Para Bismarck o primeiro-ministro
inglês foi sempre “Herr Professor Gladstone”, título que empregava com estudado desprezo.
Não houve outro estadista que Bismarck entendesse tão mal.

Essa antipatia de origem intensificou-se com os esforços de Gladstone de cooperação com a


Rússia para compulsar os turcos a cumprirem as obrigações resultantes de tratados sobre os
Bálcãs. A princípio Bismarck preocupou-se seriamente com os indícios de um entendimento
anglo-russo. Fez tentativas escancaradas de apresentar Gladstone a Saburov e Alexandre II
como o apóstolo da revolução radical. Quando nada resultou desta manobra, ele pareceu
aceitar a premissa de Gladstone de que a questão oriental só se resolvería pela ação conjunta
das Grandes Potências. No início de maio, concordou em convocar uma conferência em
Berlim, onde os embaixadores acertariam as relações entre a Turquia e seus vizinhos, Grécia
e Montenegro. Bismarck não tomou parte, em pessoa, na conferência de embaixadores, que
foi presidida por Hohenlohe, mas acompanhou suas atividades com um distanciamento cínico,
notando logo que os delegados mostravam-se tão preocupados com as relações uns com os
outros quanto deviam estar com os problemas da Turquia-na-Europa. O Concerto da Europa
começava a apresentar tons desafinados. No fim de julho, Saburov e Giers já queriam que
Bismarck tranqüilizasse Haymerle e retomasse as negociações para uma aliança dos Três
Imperadores.

Os austríacos também mostravam-se desorientados com as posições de Gladstone em política


externa, pois durante a campanha de Midlothian ele denunciara violentamente as atitudes
passadas da Áustria como Potência Européia. No início de setembro, Bismarck convidou
Haymerle a Friedrichsruh, para conversações em particular445. Achou-o perfeitamente
acorde na maneira como as autocracias poderiam cooperar independentemente do Concerto
Gladstoniano. Mas para uma aliança dos Três Imperadores, Haymerle insistia em que a Rússia
teria de reconhecer a primazia austro-húngara nos Bálcãs ocidentais, inclusive o direito de
estabelecer (se necessário) um protetorado sobre a Sérvia e de anexar, no devido momento,
os territórios já ocupados da Bósnia-Herzegovina e do Sanjak de Novi-Pazar. Essas condições
surpreenderam Bismarck e, por instantes, o desagradaram; porém, durante o início do
inverno, continuou a dar esperanças a Saburov sobre a aliança, tomando os cuidados para que
os russos não descobrissem a exata natureza das exigências de Haymerle. Foi a vez de
Saburov ser convidado para uns dias em Friedrichsruh. “Nossos interesses nos dizem que a
Áustria não deve ser destruída, mas ela não está garantida contra um ataque”, informou-o
Bismarck. Compreensivelmente, Saburov interpretou esse comentário como garantia da
inexistência de uma aliança austro-alemã especificamente dirigida contra a Rússia, e
informou Giers do comportamento conciliatório de Bismarck. Seguiram-se algumas difíceis
trocas de idéias entre Giers e Kalnoky, o embaixador austro-húngaro em S. Petersburgo, mas
enfim, na primeira semana de março de 1881, Haymerle aprovou uma minuta de tratado de
aliança. Bismarck estava convencido de que esta solução de meio-termo asseguraria
colaboração durante muitos anos. Mas não levava em conta o ponto fraco fundamental de
qualquer autocracia. Poucos dias depois, em 13 de março, Alexandre II foi feito em pedaços
pela bomba de um assassino, a oitocentos metros do Palácio de Inverno. Nada garantia que
um novo Czar prosseguisse na linha política de seu antecessor.

O assassínio do Czar alarmou Bismarck. Achou que seria seguido de revolução na Rússia e
instruiu o embaixador a telegrafar diariamente, pela manhã e à noite, até segunda ordem; não
chegando o telegrama, estabeleceu ele, concluiría que S. Petersburgo estava em revolta. Ao
mesmo tempo solicitou relatórios sobre agitação socialista no interior da Alemanha,
especialmente na Saxônia, por julgar que a fúria se espraiaria em várias direções446. Mas
logo percebeu que os grupos anarco-socialistas fora da Rússia eram muito divididos entre si
para adotarem uma linha de ação comum. Além disso, demonstrou-se injustificado seu temor
de que a acessão de Alexandre III aumentaria a influência dos socialistas anti-austríacos e
poria um fim no projeto de aliança (temor compartilhado pelo Imperador Guilherme).
Alexandre III era menos inteligente que seu antecessor e não se comovia com os laços
dinásticos que arrancavam lágrimas de seu pai e de seu tio-avô; mas, no momento, não queria
mudanças na política externa. Em poucos dias de sua subida ao trono, autorizou Giers a
continuar nas negociações. Para irritação de Bismarck, Haymerle agora queria discutir
detalhes do texto de certas cláusulas; o chanceler ameaçou desinteressar-se do projeto.
Chegou até a descobrir que “uma dolorosa inchação das veias” tornava inadiável uma viagem
a Kissingen, onde isolou-se de todos os negócios447. Esse desgastado truque diplomático deu
resultado. Sumiram as objeções austríacas; e em 18 de junho de 1881 a Aliança dos Três
Imperadores foi assinada em Berlim por Bismarck e pelos embaixadores da Rússia e da
Áustria-Hungria.

O tratado, secreto, e válido, inicialmente, por três anos, era um documento especialmente
complexo, embora definisse claramente cada uma de suas disposições. Se um dos membros
da liga entrasse em guerra com uma quarta Potência (exceto a Turquia) os outros dois
membros observariam neutralidade benévola. Basicamente as demais estipulações
reconheciam que os Bálcãs orientais eram esfera de influência russa e os Bálcãs ocidentais
predominantemente austríacos, Não haveria modificações territoriais no Império Turco sem
prévio acordo entre os três signatários, mas dispunha-se que não se levantariam objeções à
eventual anexação da Bósnia-Herzegovina pela Áustria-Hungria ou à união da Bulgária e da
província artificialmente criada da Rumélia Oriental, “caso esta questão surgisse por obra das
circunstâncias”. O tratado reafirmava o princípio da oclusão do Bósforo e dos Dardanelos a
navios de guerra estrangeiros (gesto antibritânico) mas adiava qualquer solução dos
aborrecidos problemas do Sanjak de Novi-Pazar, o corredor estrategicamente importante, que
separava Sérvia e Montenegro, e que a Áustria aspirava a anexar.

Apesar de o tratado dizer respeito a uma região onde tradicionalmente a Alemanha não tinha
interesses diretos, Bismarck considerou essa consolidação da Liga dos Três Imperadores um
grande triunfo diplomático. Explicou a Guilherme I que o tratado “manterá a paz entre os
nossos dois vizinhos durante anos” além de afastar completamente “a ameaça para a
Alemanha, que seria uma combinação franco-russa”448. A aliança ainda apresentava, a seus
olhos, uma vantagem menos tangível: ela desfazia, em S. Petersburgo e em Viena, as
movimentações de Gladstone para reviver o concerto de seis Potências Européias. Se paz e
concórdia houvesse na Europa - e a estabilidade era do mesmo interesse para a Alemanha
Imperial e para a Grã-Bretanha Liberal - Bismarck preferia comandar ele próprio os
acontecimentos, em vez de depender da sabedoria coletiva de embaixadores convocados para
conferências de improviso. Ele era por demais realista para crer que o tratado resolvería de
forma definitiva a questão oriental, mas ao menos permitia prever com antecedência
problemas que se avizinhassem, evitando, assim, avultarem até crises agudas.

A Aliança dos Três Imperadores, garantiu Bismarck a Guilherme I, “tiraria o tapete de baixo
dos pês do grupo belicista antialemão, na Rússia”. Acreditaria ele no que escreveu? Sem
dúvida, durante três meses, permaneceu feliz com seu feito. Em setembro, Guilherme recebeu
o Czar Alexandre III e seu ministro em Dantzig (Gdansk) e o chanceler teve oportunidade para
longas conversações com Giers, a quem encontrou em boa disposição para com a Alemanha.
Mas por volta do Natal bateu-lhe a dúvida sobre se teria, de fato, exorcizado o duende do
Leste. Não surgiam os sinais de reconciliação entre a Rússia e a Áustria-Hungria: Haymerle
faleceu subitamente em outubro e, como gesto de boa vontade dirigido à Rússia, Francisco
José nomeou seu sucessor o aristocrata magiar, Conde Kalnoky, embaixador muito popular em
S. Petersburgo por tantos anos. Mas longe de retribuir o gesto de confiança, o Czar deu sua
aprovação ao lançamento de novas ferrovias estratégicas na Polônia, que ameaçavam tanto a
Galícia Austríaca como a Prússia Bismarck também ficou aborrecido com a nomeação, para
chefe do Estado-Maior Geral Russo, de Nikolai Obruchev, que encabeçara uma missão
especial à França no auge da agitação antialemã de imprensa, em 1879. Ainda viria pior; no
início de 1882, o general Skobelev, legendário comandante do exército cujas tropas haviam
chegado a Constantinopla quatro anos antes, foi a Paris e, no dia 17 de fevereiro, fez um
discurso a estudantes sérvios no qual apontou a Alemanha como o inimigo da Rússia e de toda
a condição eslava. Embora Giers se desdobrasse em explicações da inconveniência de
Skobelev, Bismarck continuou assaltado de suspeitas. Na primavera de 1882 ele se havia
convencido de que tão-somente o estado caótico das finanças russas dissuadia o Czar de
empreender uma guerra.

Sem dúvida, Bismarck exagerava o perigo. Skobelev era um touro bravio correndo de um lado
para outro; proferiu um inflamado discurso aos poloneses em Varsóvia, voltando de Paris,
recebeu uma repreensão de Alexandre III e morreu de um ataque do coração três meses
depois. Mas suas atividades causaram interessante inflexão na política alemã. Nas últimas
semanas de 1881, o governo italiano abordara a Alemanha e a Áustria-Hungria com uma
proposta de aliança e com uma insinuação de que as boas relações tradicionais entre a Itália e
a Inglaterra poderiam servir para ligar Londres a Berlim e Viena, pela via de Roma. Bismarck
não se interessou, inicialmente. Sabia que o ato italiano era, em parte, conseqüência de suas
próprias manobras, pois ele havia, secretamente, estimulado a França e a Itália a tomarem
Túnis, e quando os italianos perderam a corrida (em maio de 1881) voltaram-se a seu
padrinho em Berlim para o apoio futuro contra a vencedora. Foi fácil a Bismarck esquivar-se e
endereçar os italianos a Kainoky, em Viena, que também jogava por tempo. Mas as
declarações de Skobelev em Paris levaram Bismarck à ação: passou um telegrama a Viena
sugerindo a Kainoky que desse vida às negociações com a Itália449.

Bismarck buscava uma garantia comum de fronteiras contra um ataque da França. A Kolnoky
isso parecia falta de senso geográfico e estratégico. Qual Andrassy em 1879, recusou-se a
comprometer Francisco José na defesa da Alsácia-Lorena alemã contra uma invasão
puramente francesa. Seu principal interesse estava em manter a Itália neutra em caso de uma
guerra no leste, contra a Rússia. Bismarck aceitou a maior parte de seus argumentos. Mas fez
uma cena de insistência em que havia real perigo para a Áustria-Hungria na França, criando a
imagem de uma situação em que o exército francês repentinamente atacasse a Alemanha e a
Áustria quando as forças destas já estivessem engajadas num conflito com a Rússia.
Concordaram, finalmente: a Itália observaria neutralidade simpática se a Rússia, sozinha,
atacasse a Alemanha e a Áustria-Hungria, e entraria ao lado delas na guerra, caso fossem
atacadas por mais de uma grande potência. A Alemanha e a Áustria-Hungria prometiam à
Itália ajuda na resistência a um ataque não-provocado da França, obrigação reciprocicada
pela Itália em relação à Alemanha. Bismarck estava satisfeito. Tinha em mau conceito o valor
militar dos italianos - “Um enorme apetite, dentes muito ruins”, sintetizou, certa ocasião -mas
sabia que qualquer ameaça partida da Itália limitaria o tamanho de um exército francês que
entrasse em posição na fronteira alemã. “Um cabo italiano, com a bandeira de Itália e um
taroleiro ao lado” bastava, declarou ele450. O tratado não mencionava as ambições italianas,
fosse na África, fosse nos Bálcãs, mas um protocolo em separado afirmava que a aliança não
deveria “considerar-se contra a Inglaterra”, concessão ao sentimentalismo e ao bom senso
italianos. Significativamente, o preâmbulo falava da intenção das três Potências de “reforçar o
princípio monárquico” e de “manter a ordem política e social”. Com o anarquismo republicano
às soltas na Itália, estas palavras foram bem-vindas em Roma, muito além do que seria uma
fórmula convencional.

A formação da Tríplice Aliança Secreta em maio de 1882 marcou o zênite do sistema


bismarqueano na diplomacia européia. Em três anos, a Alemanha fizera acordos formais com
a Áustria-Hungria, com a Rússia e com a Itália. Através da conexão austríaca, os alemães
estavam em contato com os governantes da Sérvia e da Romênia, enquanto o liame com a
Itália continha uma possibilidade de cooperação com a Grã-Bretanha, ao menos no
Mediterrâneo e no Mar Egeu. Cada um desses empreendimentos, para Bismarck, era
destinado a enraizar a paz na Europa, impondo comedimento a seus vizinhos e isolando a
França, em sua opinião a principal Potência revisionista do continente. Havia, contudo, graves
defeitos no sistema. A diplomacia de Bismarck não descansava quer sobre o segredo completo
quer sobre a revelação total: o conhecimento impreciso causava receio e suspeita, levando os
governos a buscarem novos aliados, dentro e fora do sistema. Além disso, e embora Bismarck
sempre considerasse a diplomacia um exercício constante, ministros menos talentosos
tendiam a acreditar que acordos assinados e ratificados eram irrevogáveis. Na base, os
pontos fracos da obra diplomática de Bismarck correspondiam a idênticas falhas na
Constituição Imperial Alemã. Eram feitos da mesma pessoa, no apogeu de seu poder e de sua
engenhosidade mental. Enquanto Gladstone anelava compor um Concerto da Europa, o
sistema bismarqueano continuava sendo o som de um só músico.

[1] Saburov, nos últimos nove anos enviado russo em Atenas, deslocara-se, por sua própria
iniciativa, até Kissingen, em agosto, tendo obtido duas audiências com Bismarck. Depois
viajou para S. Petersburgo, onde seu relato favorável sobre a atitude de Bismarck quanto à
Rússia chamou muito atenção de Alexandre II.

[2] As instruções de Munster para sondar Beaconsfield não partiram diretamente de


Bismarck (como teria sido o caso, se a gestão se pudesse classificar como um lance sério para
abrir negociações de uma aliança) mas sim de Radowitz, o mais graduado funcionário a tratar
dos assuntos balcânicos, naquele momento, no Ministério do Exterior em Berlim. A
importância que alguns historiadores diplomáticos alemães e ingleses dão a essa chamada
“oportunidade perdida” de criar uma base firme para a amizade anglo-alemã, parece
exagerada e equivocada.

[3] Gorchakov só foi, enfim, pedir demissão na primavera de 1882, e então, Alexandre III,
formalmente, nomeou Giers ministro do exterior (cargo que exerceu até sua morte em 1895).
Gorchakov morreu por intoxicação em Baden-Baden, no ano de 1883, aos oitenta e seis anos.
Bismarck acreditava que ele morrera ao fazer, sob os cuidados de um charlatão, um
tratamento rejuvenescedor (cf. A. Brauer, Im Dieste Bismarcks, p. 187).
14. OS ÚLTIMOS ANOS DE GUILHERME I

Em março de 1882, Guilherme I festejou seu octagésimo quinto aniversário. Ninguém


esperava que ele se recuperasse do ferimento sofrido no atentado de Nobiling; entretanto,
quase quatro anos depois, estava, sob muitos aspectos, em melhores condições fisicas que o
chanceler, dezoito anos mais moço que ele. Guilherme parecia infatigável: treze meses antes
havia permanecido seis horas e meia sentado, sufocantemente vertido, durante as cerimônias
do casamento de seu neto mais velho, o futuro Guilherme II. Ainda montava a cavalo, e
divertia-se numa caçada: “Apanhei boa caça, quatro veados, embora um fosse pequeno, e
vinte e um porcos-do-mato”, informou, exultante, a Bismarck no outubro seguinte451.
Negava-se a ser figura decorativa e discutia política detalhadamente com Bismarck quase
todos os dias, sempre que soberano e chanceler estavam juntos em Berlim. Suas cartas
denotam-no bem consciente do gênio político de Bismarck e das mudanças que ele trouxera
para o destino dos Hohenzollerns. A dinastia, sob ameaça de extinção revolucionária na sua
juventude, hoje estava segura. Quando, em maio de 1882, nasceu um bisneto - o tão difamado
“Willyzinho” da Primeira Guerra Mundial - o velho imperador escreveu cheio de
contentamento a Bismarck “Portanto, logo terei diante dos olhos meus três sucessores no
trono!”452

No entanto, embora Guilherme já não se perturbasse com o pesadelo de uma guilhotina do


lado de fora do palácio, ainda sonhava com cenas de pavor no parlamento. Pelo menos uma
vez, contou seu sonho a Bismarck: uma manifestação de grande ferocidade, na qual os
deputados resolviam nunca mais pronunciar o nome do monarca na Câmara. Bismarck foi da
maior simpatia com o soberano -e bem tinha de sê-lo, pois naquela noite ele informara o velho
de suas dificuldades no Reichstag453. Que nunca chegaram a ser tão sérias quanto no sonho
do imperador, mas era aflitivas o suficiente. As eleições de outubro de 1881 constituíram
virtualmente uma derrota de Bismarck: os partidos Conservadores e os Liberais Bismarckistas
perderam cerca de noventa cadeiras para os Liberais Progressistas, os Socialistas e o Partido
do Centro. Durante a campanha, os Conservadores haviam dito ao eleitorado que Bismarck
era a favor de um monopólio do fumo exercido pelo estado como nova fonte de renda indireta;
e os fumantes da Alemanha decididamente rejeitaram essa idéia. De seu feitio, Bismarck
obstinou-se em conseguir o monopólio do fumo no Reichstag, durante o início do verão de
1882. Continuou se recusando a tomar conhecimento do sentimento do público no que quer
que se referisse a aumento de rendas. Porém não houve argumento que levasse o Centro a
apoiar o monopólio do tabaco. O projeto de lei que o formulava foi definitivamente rejeitado
pelo Reichstag454. Um “Ministério Gladstone”, Bismarck bem o sabia, teria caído, após
derrota tão devastadora, mas pela Constituição Alemã o Reichstag não podia retirar o
chanceler do cargo, ainda que a maioria de seus deputados derrubasse uma providência da
qual ele fizesse absoluta questão.

Em seis meses, enfrentou novas dificuldades. Era janeiro de 1883, os partidos de oposição
lançaram um ataque totalmente inesperado às despesas do exército. Já era péssimo ter que
ouvir Windthorst a escarnecer dos regimentos de cavalaria de elegante bom gosto e outros
deputados ridicularizando a quantidade de dinheiro destinado a manter as bandas militares.
Mas o Progressista Eugen Richter foi ainda mais longe: pediu que o período de serviço militar
fosse reduzido de três para dois anos, e propôs a abolição do que chamou de “tropa de
parada”. O imperador ficou quase apoplético de cólera e Bismarck assustou-se: nada fazia
subir a temperatura política tão rapidamente quanto um ataque no Parlamento aos privilégios
militares455.

Nos tempos de Roon, o ministro teria abafado as críticas afirmando que tais matérias estavam
além da competência do Reichstag, e sua palavra teria sido aceita. Mas Roon deixara o
Ministério da Guerra em 1873 e seu sucessor, o General von Kameke, não tinha o mesmo
prestígio e autoridade. Bismarck já estava enfadado com Kameke, a quem julgava inclinado
demais para o príncipe real e seus amigos liberais. A solução natural do problema, para
Bismarck, era induzir Kameke a demitir-se, deixando o lugar para um ministro da guerra mais
resoluto, procedimento que o próprio Imperador apoiava. Mas onde iria Bismarck encontrar
um general ao mesmo tempo aceitável a Guilherme e não disposto a conspirar com o Estado-
Maior para solapar a própria posição do chanceler? No passado ele tivera disputas em
demasia com os chefes militares. Já não se dava mais com Moltke, o qual, aos oitenta e dois
anos, continuava nominalmente chefe do Estado-Maior; sempre guardara suspeitas tanto do
vice de Moltke, o quartel-mestre geral Conde von Waldersee, como do chefe do gabinete
militar do soberano, general von Albedyll. No entanto, era evidente para Bismarck, se
quisesse deter essa nova tentativa de impor controles parlamentares ao exército, teria de
associar-se ou com Moltke e Waldersee ou com Albedyll. As perspectivas não o agradavam e
ele passou várias noites sem dormir. Holstein, estando com o chanceler em meados de
fevereiro de 1883 pela primeira vez em seis semanas, tomou nota em seu diário “Nunca o vi
tão marcado dos sinais da velhice”456.

Ainda relutante, Bismarck concluiu que seria melhor para ele colaborar com Albedyll, que não
tinha ambições pessoais pelo cargo. Com aprovação de Guilherme, os dois convenceram
Kameke a demitir-se. Mas Albedyll cobrou um preço ao chanceler. Queria uma redução nos
poderes do ministro da guerra. Dai em diante a administração do pessoal coube
exclusivamente ao gabinete militar do soberano, chefiado por Albedyll. Concomitantemente,
ao chefe do Estado-Maior foi dado acesso direto ao imperador, na paz e na guerra, privilégio
que lhe permitiría gerir os negócios militares com o soberano, sem conhecimento nem do
ministro da guerra nem do chanceler. Tais mudanças significavam que o ministro da guerra
deveria, no futuro, negar ao Reichstag qualquer possibilidade de debater questões detalhadas
de organização militar. O exército e seus assuntos eram colocados, assim, fora da
competência do Reichstag, exceto durante a tramitação de um orçamento militar, uma vez
cada sete anos457. Foi um acontecimento extra-constitucional de grande importância política
para o futuro da Alemanha.

Ostensivamente, Albedyll salvaguardava os poderes de comando do imperador; na realidade,


reforçava o corpo de oficiais como um independente Estado do Reich, recuperando a mão que
tivera sobre as decisões políticas e que lhe fora tirada pelo chanceler nos últimos meses da
Guerra Franco-Prussiana. Como para realçar sua vitória, Albedyll conseguiu a nomeação, para
ministro da guerra, de um “semideus” do Grande Estado-Maior, o general Bronsart von
Schellendorff, que ainda como coronel fora um constante crítico de Bismarck durante a
campanha de 1870. O único consolo de Bismarck foi ter obtido não apenas a queda de
Kameke, mas a remoção, do Almirantado, do preferido do príncipe herdeiro, o general von
Stosch, contra quem tentara em vão na primavera de 1877458. Mas ao desaparecer um rival
potencial para cargo de chanceler, surgiam agora mais dois: o prestígio do chefe do Estado-
Maior, aumentado, certamente beneficiaria o ambicioso Waldersee, já destinado a suceder
Moltke; e se Bronsart fosse capaz de enfrentar um rebelde Reichstag, seria também candidato
à chancelaria. Ninguém esteve especialmente interessado, àquela altura, no sucessor de
Stosch no Almirantado, outro general de gabinete, o Conde Leo von Caprivi.

Todas essas manobras destinavam-se a tirar Bismarck ou eram o início de uma luta pela
sucessão no posto, quando vagasse por morte? No verão de 1883, com certeza, a aparência
era de que Bismarck estaria no túmulo antes de seu senhor imperial. Pesava cento e quinze
quilo s e vivia atacado de dor na perna e nevralgia. Sua esposa, que sempre tendera a mimá-lo
e a deliciar seu extraordinário apetite, ficou alarmada. Os médicos aventavam a hipótese de
câncer no fígado e no estômago. Joana insistiu em mudar de médico. O segundo filho do
chanceler, Guilherme, nos últimos dois anos tratara-se de gota e de excesso de peso com
Ernst Schweninger, médico judeu de trinta e poucos anos, que se desentendera com as
autoridades médicas em sua nativa Baviera e montara uma clínica da moda em Berlim.
Schweninger conseguiu resultados tão animadores com seu filho, que Joana convenceu o
marido a mandar chamá-lo na primeira semana de novembro de 1883459. O doutor revelou-se
um autocrata tirano à altura de seu paciente. Colocou Bismarck em dieta, consistente
sobretudo de arenques, proibiu-lhe vinhos pesados e ensinou-o a relaxar para dormir
profundamente.

As conseqüências foram notáveis. Perto do Natal daquele mesmo ano, Bismarck começava a
perder peso; disse a visitantes que estava livre da dor e caminhava, novamente, longas
distâncias. No dia de Natal, como sempre, enviou saudações ao Imperador Guilherme e
informou-o de que ‘‘ontem pude montar algumas horas, em companhia de meus filhos, pela
floresta”, surpreendente avanço para um homem que não sentara numa sela por quase uma
década460. Bismarck perdeu vinte e cinco quilos em quatro meses. Recuperou sua energia e
persistência; ganhou uma nova perspectiva de tempo de vida, coisa para mais quatorze ou
quinze anos de trégua com a morte. Não é de admirar que Schweninger tenha-se tornado
membro do círculo fechado da família, nem que boatos ferinos hajam acusado o médico de
enfraquecer o coração do velho com o uso excessivo de estimulantes. Mas há uma grande
diferença entre as fotografias do barbudo e venerável gigante da primavera de 1883 e o
septuagenário lesto, bem barbeado, de dois anos depois. Qualquer que fosse o segredo do
tratamento de Schweninger, ninguém podia negar seu sucesso.

A mudança física refletiu-se numa súbita capacidade de trabalho. Uma vez mais fez notarem,
o Reichstag e a administração, que ele estava no controle dos assuntos. Holstein,
intensamente enciumado do Dr. Schweninger, queixou-se de que os defeitos de caráter de
Bismarck estavam tomando magnitude com a velhice, que ele era “incapaz de aguentar que o
contradigam” e que “sua vaidade avulta à medida em que seu talento diminui”461. Outros,
porém, estavam impressionados. Parecia, de novo, haver um propósito no que ele fazia, que
desaparecera um ano antes.

O trabalho a que Bismarck se atirou com tanto vigor dizia respeito a assuntos que até então
ignorava. Durante toda sua carreira pública ele afirmou que colônias eram caríssimos artigos
de luxo, sem qualquer valor para uma grande Potência continental como a Alemanha. No
verão de 1883, disse a Guilherme I que “havia seguido coerentemente uma política de não
querer territórios fora da Europa porque tais possessões inevitavelmente seriam, para a
Alemanha, fonte de debilidade, muito mais que uma usina de força”462. Embora aplaudindo a
iniciativa comercial de homens de negócios de Hamburgo e de Bremen, ele ignorou a
propaganda da “União Colonial” que o Oberburgermeister de Frankfurt fundou em 1882. Foi,
portanto, para surpresa da imprensa e do público que, na primavera de 1884, soube-se que o
chanceler era um “convertido ao colonialismo”. Em menos de doze meses, a Alemanha
adquiriu territórios que, somente na África, cobriam quase seiscentos e trinta mil quilômetros
quadrados. Longe de deixar o colonialismo parecer uma linha lateral de sua política, Bismarck
fez dele assunto chave para o patriotismo alemão, por si mesmo tão importante que mereceu
a convocação de uma conferência colonial em Berlim e até facilitou uma reconciliação com o
inimigo tradicional de oeste do Reno. Em fevereiro de 1886, o chanceler perdera o gosto pelas
colônias. Mais adiante - em janeiro de 1889 - estava em condições de dizer ao Reichstag
“Jamais fui homem do tipo colonial”463; mas enquanto durou, sua experimentação em
colonialismo de Ultramar foi da maior importância para a Alemanha, na verdade para a
diplomacia européia.

Os motivos que levaram Bismarck a seu fugaz entusiasmo pelas colônias têm intrigado os
historiadores tanto quanto os contemporâneos464. Houve três razões econômicas e sociais:
outonos de muita chuva em 1882 e 1883 deixaram â Alemanha em crise agrária crônica e
frente à ameaça de depressão industrial, tornando necessário um estímulo governamental ao
comércio; o colonialismo já excitava a geração mais nova, estimulada pela “União Colonial”; e,
sobretudo, estava ficando cada vez mais difícil para o chanceler manter sua posição ideal de
uma política comercial de porta aberta, na África, quando os compromissos imperiais em
expansão de outras Potências ameaçavam os interesses alemães, Cada um desses motivos
ajudou a enformar a linha de ação política de Bismarck; assim como dois outros. O estímulo a
empreendimentos coloniais franceses na África, secundado por um redelineamento do mapa
político do continente, diminuiría a tensão franco-alemã na Europa. Além do mais, naquele
particular momento, Bismarck não fazia quaisquer objeções a uma contenda com o governo
Gladstone em Londres, em parte devido a seu temor obsessivo de um primeiro-ministro com
princípios Liberais, porém ainda mais porque percebeu a oportunidade de desmoralizar os
políticos anglófilos que cercavam o herdeiro do trono, e na verdade, até mesmo de cortar a
influência da própria princesa real. O envolvimento com a África alimentava o preconceito
antiinglês de Bismarck.

No começo de 1884, Bismarck estava mais exasperado que nunca com a política inglesa. Um
ano antes ele dera garantias, em particular, à comunidade comercial de Bremen e Hamburgo
de que ofereceria salvaguardas aos estabelecimentos comerciais que o negociante de Bremen,
Adolf Lüderitz, criara na África do sudoeste, entre a pequena possessão britânica de Walfisch
Bay e a fronteira da Colônia do Cabo. Na primeira semana de 1883 Bismarck consultou o
governo de Gladstone se os ingleses tinham qualquer pretensão sobre a região de Angra
Pequena[1]. Granville, o ministro do exterior, não viu urgência nessa consulta, nem a viram,
tampouco, a bem da verdade, o embaixador inglês em Berlim ou o embaixador alemão em
Londres. Bismarck recebeu a informação de que o governo central teria de consultar o
governo da Colônia do Cabo. Não houve qualquer outra manifestação de Granville durante
nove meses, quando, então, veio a informação de que os ingleses consideravam-se entitulados
por legítima reivindicação, e com direito, a todo litoral do sul da África, de Angola ao Cabo,
mais de mil quilômetros de costa. Bismarck aborreceu-se, com razão: não entendia a demora;
e não via base para a reivindicação. Na véspera do Ano Novo, Bismarck enviou protesto
formal a Granville e pediu explicações. Novamente responderam que Londres teria de
consultar Capetown.

Mas nos primeiros meses de 1884 Bismarck sofreu a pressão das comunidades comerciais do
norte da Alemanha e das casas bancárias de Berlim com às quais tinha chegadas relações, o
Berliner Handesgesellsckaft, de Bleichroeder, e o Disconto Gesellschaft, de David
Hensemann. No dia 24 de abril, Bismarck telegrafou a seu cônsul-geral em Capetown
instruindo-o a informar as autoridades coloniais britânicas de que Angra Pequena fora
colocada “sob a proteção do Reich”. No mesmo dia, sugeriu ao embaixador francês que a
Alemanha, a França e outros países neutros deveríam juntar-se numa liga destinada “a
defender-se contra as irritantes usurpações da Marinha Inglesa”. A hostilidade do chanceler
ao governo britânico surpreendeu o embaixador: “Para a Europa manter sua confiança na
Inglaterra”, informa o embaixador ter dito Bismarck, “a sugestão mais útil seria a remoção
desse inepto gerente de seus negócios, o sr. Gladstone”. “Porém”, acrescentou com tristeza
evidente, “não se pode dizer uma coisa dessas”465.

No começo de junho de 1884, os ingleses estavam irremediavelmente confusos quanto ao que


queria Bismarck. Muito além do protetorado de Angra Pequena, surgiram a notícia da
“missão” comercial no Camerum, informações sobre grande atividade de colonos alemães nas
ilhas Fidji e alarme considerável na Austrália porque os dois bancos haviam fundado um
consórcio para fomentar o comércio alemão na Nova Guiné e nas ilhas adjacentes
(rebatizadas “arquipélago Bismarck”, no fim do ano)466. O governo inglês estava a braços, na
época, com os problemas financeiros da administração do Egito e engajado numa disputa com
a França sobre os territórios da foz do rio Congo. Ninguém desejava, em Londres, ainda mais
um conflito com a Alemanha. A fim de explicar seus atos aos ingleses, Bismarck enviou a
Londres o filho mais velho, Herbert, que já servira quatorze meses como primeiro-secretário
na embaixada do Carlton House Terrace, mas era agora, estritamente, ministro alemão em
Haia. Em menos de uma semana, após a chegada de Herbert a Londres, Granville informou-o
de que os ingleses reconheciam o protetorado alemão sobre a África do Sudoeste; e estavam
dispostos a discutir as pretensões alemãs no Camerum, na Togolândia, nas ilhas Fidji, enfim,
em qualquer lugar467. Ainda que Granville pudesse ter resolvido o assunto, sem problemas,
com o Conde Munster, se o embaixador estivesse devidamente instruído, o crédito do acordo
foi para o jovem Herbert, em seus trinta e quatro anos de idade.
Bismarck fez grande alarde do sucesso do filho, não deixando dúvida no Imperador Guilherme
quanto aos talentos de Herbert. Porém Bismarck não queria uma Inglaterra passivamente
aquiesciente. Queria uma falsa briga. Desde o começo de maio os jornais sob sua influência -
a chamada “Imprensa Réptil” -agitava o colonialismo como tema eleitoral contra os Liberais-
Progressistas e os Radicais (agora reunidos num novo “Partido Liberal Alemão”) e contra o
Centro. Durante o verão os companheiros políticos do chanceler perceberam que, por mais
que ele forçasse uma pose imperial perante o Reichstag, as vantagens eleitoreiras de uma
política colonial avançada ocupavam importante lugar em sua mente. No fim de julho,
explicou ele a Lucius von Ballhausen ter esperanças de que toda aquela excitação sobre as
colônias aumentasse o apoio para o que restava dos Nacional-Liberais (pró-Bismarck), à custa
dos Liberais Alemães, que ele insistia em classificar como o “partido do príncipe herdeiro”; e
quando Bismarck encontrou-se com Alexandre III, chegou a dizer ao Czar que “o único
objetivo da política colonial alemã é meter uma cunha entre o príncipe real e a
Inglaterra" [2] 468.

Essa super-simplificação impressionou Alexandre III pelo seu ar de sutileza: ele não gostava
da Inglaterra, e não gostava do príncipe herdeiro. Porém Bismarck estava muito longe de
vencer no seu jogo de faz-de-conta. Gladstone e Granville sabiam, ambos, que ele “está a usar-
nos com propósitos eleitoreiros” e os Liberais ingleses não iriam servir de whipping-boys, os
meninos criados com um príncipe para receberem os castigos em lugar dele. No décimo
quarto aniversário de Sedan, Guilherme I prestou homenagem à “grande coragem... em duas
guerras” de Bismarck, conferindo-lhe a condecoração militar mais alta, a ordem Pour le
Mérite com folhas de carvalho; mas a satisfação do chanceler durou pouco, pois logo
chegaram notícias de um discurso proferido no mesmo dia por Gladstone. É que, em vez de
atacar as ambições coloniais dos negociantes de Hamburgo e Bremen, o primeiro-ministro
manifestou ao eleitorado escocês de seu distrito sua “grande satisfação, simpatia, alegria
mesmo”, pela “expansão da Alemanha naquelas desertas paragens”469. Ficava difícil
apresentar Gladstone como um demônio revolucionário quando ele demonstrava tal
virtuosismo em dar a outra face.

A imprensa alemã atacou a atividade colonial inglesa no delta do Nilo e no Camerum, e


Bismarck tentou provocar uma reação hostil em Londres ao destacar seu perfeito
entendimento com os franceses nos assuntos africanos. Finalmente, em 15 de outubro de
1884 - menos de quinze dias antes da eleição do Reichstag - ele proclamou o estabelecimento
da soberania alemã no sudoeste da África (do sul de Angola à foz do rio Orange), em
Togolândia e no Camerum. Houve algum agitado comentário editorial nos jornais britânicos,
mas nenhuma explosão colérica de parte do governo, engolfado demais em problemas no
Egito, no Sudão e na Irlanda para comprar ainda uma suspeita questão eleitoral germânica.

O gambito eleitoral antibritânico de Bismarck não lhe valeu uma bancada forte. Quando os
alemães foram às, urnas, em 28 de outubro, de fato os Conservadores e os Nacional-Liberais
remanescentes cresceram às expensas do “partido do príncipe herdeiro”, os Liberais-
Alemães; acontece que os socialistas dobraram sua bancada e o centro continuou a ser o fiel
da balança entre os partidos. A massas urbanas não se motivaram com as colônias nem se
comoveram com as denúncias patrióticas de perfidias políticas por parte da Inglaterra. As
eleições mostraram que o operariado alemão estava tão indignado com a legislação anti-
socialista quanto os católicos romanos com os restolhos da Kulturkampf. Já a segunda
vantagem indireta da política colonial de Bismarck, uma reconciliação com a França, prometia
melhores resultados. No fim de junho de 1884 o chanceler concedeu aos franceses algumas
frases de encorajamento protetor, num discurso no Reichstag: louvou a sensatez do governo
de Jules Ferry, destacando que, enquanto a França não tentasse “restaurar a situação
antinatural proveniente do reinado de Luís XIV”, não haveria obstáculo à amizade franco-
alemã470. Quatro meses mais tarde, disse ao embaixador francês, “Gostaria que os senhores
perdoassem Sedan, da mesma forma como, após 1815, perdoaram Waterloo”. Os franceses,
porém, desejavam mais que belas palavras e alusões históricas. Jules Ferry, o radical
imperialista que se tornara primeiro-ministro e ministro do exterior em fevereiro de 1883, foi
cauteloso. Durante a conferência de três meses sobre a África ocidental, aberta em Berlim no
dia 15 de novembro, os franceses reivindicaram menos liberdade de competição para
comerciantes na Bacia do Congo do que desejavam a Alemanha e a Inglaterra. Bismarck
começou a reclamar das “dificuldades que tenho para dobrar a França”, e mencionou o
quanto lamentava que os franceses não estivessem “dispostos a esquecer o passado”471.

A verdade é que Ferry necessitava de uma concessão - pelo menos de um gesto conciliador -
sobre a Alsácia-Lorena. Não havia outra maneira de salvar seu ministério ante os ataques dos
patriotas radicais tipo Clemenceau. Mas Bismarck não estava em condições de discutir
assuntos da Europa ocidental, muito menos a matéria potencialmente explosiva das
“províncias perdidas”. Uma séria derrota das armas francesas em Tonkin (Vietnã), no fim de
março de 1885, derrubou Ferry e desmoralizou os empreendimentos coloniais. Por alguns
meses, Bismarck tentou cooperar com o sucessor de Ferry, Freycinet, com quase nenhum
resultado472. Era o Reno que interessava, agora, à França, e não o Nilo ou o Congo. Com
eleições marcadas para aquele verão, nenhum político desejava parecer muito nas boas
graças de Bismarck.

Entrementes, a tensão colonial com o gabinete Gladstone amainou após a eleição do


Reichstag. Agora, Bismarck tendia a explorar o problema colonial para atender a objetivos
relativamente insignificantes. A publicação, pelo governo Gladstone de papéis oficiais sobre
questões africanas num livro azul, publicação oficial do parlamento inglês, causou uma
extraordinária explosão de Bismarck no Reichstag, em 2 de março de 1885, que se refletiu
adversamente no controle de Granville sobre os acontecimentos, bem como nas críticas que
ele havia feito à Alemanha na Câmara dos Lordes473. Essa crise, em boa parte artificial, bem
pode ter sido engendrada pelo chanceler com o fito de dar força às pretensões de promoção
de seu filho mais velho. Pois, novamente, Herbert viajou a Londres e executou seu truque de
prestidigitação. Hospedou-se com um velho amigo, o Conde de Rosebery (que recém entrara
no ministério de Gladstone como Lord do Selo Privado) e, com apenas cinco dias de
conversações, retornou a Berlim com todos os problemas resolvidos e uma reafirmação de
que o governo inglês bem compreendia as necessidades alemãs tanto na África quanto na
Nova Guiné. Dois meses depois, o imperador aprovou a nomeação de Herbert como
subsecretário-geral. A posição do secretário-geral titular, Hatzfeldt (que passara um quarto de
século no serviço diplomático), era desconfortável: “Um senhor que fica entre os dois
Bismarcks, pai e filho, é metade ridículo, metade digno de pena”, comentou Holstein,
impiedosamente474.

Ninguém tinha dúvidas de que Herbert Bismarck, em pouco tempo, assumiría inteiramente o
lugar de Hatzfeldt [3]. Seu pai, tudo indicava, preparava-o para ser o próximo chanceler.
Possuísse Herbert as qualificações do pai e a elas adicionasse um conhecimento próprio da
geração que amadurecera após 1870, muito havería em favor desse projeto. Herbert, porém,
sempre copiara as atitudes mais brutais do pai, sem o encanto pessoal compensador que
tantas vezes surpreendeu os antagonistas do velho. Frustrações na vida particular agravaram
os erros e defeitos de Herbert Bismarck475. Em 1881 o chanceler criara um imenso caso
contra a idéia de Herbert casar-se com a divorciada Condessa Carolath-Beuthen, chegando a
dizer, dramaticamente, que se suicidaria. Herbert curvou-se ao veto de seu pai, mas buscou
consolo na bebida. Hábito em que teve como colega seu cunhado, o Conde Rantzau, que se
casara com a filha de Bismarck Marie, em 1878. Era alarmante ver o filho e o genro do
chanceler a dispararem uma espingarda de pequeno calibre das janelas do Ministério do
Exterior. Ocorria, também, freqüentemente, a inconveniência de diplomatas estrangeiros
darem com o subsecretário-geral acometido de “excitação alcoólica, à noite”, “de uma certa
ressaca pelas manhãs” e, “depois do almoço”, a tirar “uma soneca reparadora, tendo um
jornal sobre os joelhos”476. Herbert não era nada popular. A princesa real dizia, em
particular, ter desejos de que alguém achasse o jeito de embarcá-lo para a China. Quatro anos
antes ela o descrevera à Rainha Vitória como “estreito de inteligência, violento e vingativo”.
Não achou motivos para mudar de idéia: repensar melhor era-lhe alheio ao caráter. Olhando
para trás, simpatiza-se com o Conde Herbert. De fato, uma longa estadia na China poderia ter
sido benéfica. Na época, era um aspirante, já não tão moço, tentando igualar-se à
personalidade de seu pai. “Quatsh nicht, Herbert” (Não diga bobagens, Herbert) replicava o
chanceler quando o jovem companheiro emitia uma opinião, na mesa de reuniões. Não era
bem a maneira de granjear, para o filho favorecido, o respeito da equipe do Ministério do
Exterior que já reagia aos modos com que ele exercia a autoridade. Os atos do chanceler para
acelerar a carreira de Herbert provocaram críticas de toda a família. Dizia-se que o critério
“do chefe” estava decaindo; que sua vida era regulada por seu banqueiro, Bleichroeder, e por
seu médico, Schweninger; e que, sob a influência deles, tornara-se num megalomaníaco
avarento obsecado por uma suspeita patológica das ambições de outros homens477.

A legenda de Bismarck ainda encantava a maior parte de seus compatriotas, mas houve um
sinal de alerta de desilusão logo após as festividades de seu septuagésimo aniversário. O povo
havia feito uma subscrição para um presente de 1 200 000 marcos (mais de duzentos e
cinqüenta mil libras esterlinas) que ele podia usar como quisesse “para um fim público” em
celebração da efeméride. Com parte do dinheiro ele criou um “Schönhauser Fund” para
ajudar cientistas e acadêmicos a prepararem-se para altos postos no sistema educacional, mas
o restante foi destinado à recompra de terras ou de arrendamentos em torno de Schönhausen,
áreas de que a família fora obrigada a se desfazer na difícil década de quarenta. Já sendo ele
um grande proprietário de terras, beneficiário de privilégios fiscais especiais, achou-se que o
montante todo da subscrição devera ter sido usado para fins de benemerência e não
apropriado pela família Bismarck. Holstein, que até a fulminante elevação de Herbert
mantivera-se um caloroso admirador, jantou à mesa de Bismarck naquele Natal, após dezoito
meses de distanciamento e anotou com tristeza em seu diário, “Ele ainda vê tudo com clareza,
mas tem a atenção voltada para considerações e interesses ainda mais pessoais do que
sempre foram”478. Houve até mesmo o rumor de que ele esperava poder casar Herbert com
uma das netas do imperador, a despeito da inaplacável hostilidade dos pais da princesa.

Mas quaisquer que sejam as críticas a sua conduta pessoal, não havia sinais de queda da
capacidade do estadista. Nada abalou a Aliança dos Três Imperadores durante seus primeiros
três anos de existência e ela foi renovada por mais três anos em março de 1884. Seis meses
depois, Bismarck acompanhou Guilherme I a Skierniwice, na Polônia russa, para um encontro
com Alexandre III e Francisco José479. Num sentido negativo, Skierniwice foi um
acontecimento histórico: a última das reuniões dos autocratas da Europa-centro-oriental,
iniciadas em Teplitz, em 1813, durante a grande cruzada contra Napoleão I. Naquela ocasião,
Metternich havia aglutinado Áustria, Rússia e Prússia por meio de declarações altissonantes
que habilmente ignoravam as grandes diferenças entre as Potências. Setenta e um anos
depois, Bismarck, em Skierniwice, quis aplicar uma técnica parecida, embora não pretendesse
tornar público nem mesmo o pouco sobre o que os três impérios concordavam. Ninguém se
enganou com Skierniwice, exceto, talvez, o único sobrevivente de Teplitz, Guilherme I,
aliviado por encontrar Alexandre III exteriormente disposto a trabalhar em conjunto com a
Alemanha. Tanto Giers quanto Kalnoky sabiam que a aliança havia sobrevivido principalmente
porque ainda não houvera problemas balcânicos para pô-la à prova. Mesmo Bismarck temia
que a questão búlgara fosse logo reaberta, fosse por iniciativa de um dos “aliados” rivais,
fosse por Alexandre de Battenberg, o governante que as Grandes Potências haviam imposto
ao Principado da Bulgária em 1879.

Alexandre de Battenberg - tio de Lord Mountbatten e tio-avô do Príncipe Philip, Duque de


Edinburgo - pertencia a uma dinastia que sempre exasperara Bismarck. Seu pai, o Príncipe
Alexandre de Hesse-Darmstadt, combatera como general austríaco na batalha de Solferino,
em 1859, e comandara um dos exércitos sul-alemães contra a Prússia, em 1866. O próprio
Alexandre, sobrinho do Czar Alexandre II pelo casamento, combatera no exército russo contra
a Turquia, em 1877. Foi esse alinhamento de conexões alemãs, russas e austríacas que
conduziu à sua proclamação, sob apadrinhamento do czar, como Príncipe da Bulgária, em
abril de 1879, aos vinte e dois anos de idade. Bismarck recebera o moço pouco antes de sua
partida para a Bulgária e explicitou-lhe que a Alemanha não tinha interesses diretos no
principado; aconselhou-o a observar estritamente o Tratado de Berlim e a não tentar a
restauração da “Grande Bulgária” dos agitados pan-eslavos480. Alexandre foi
entusiasticamente apoiado pela Rainha Vitória, que apreciava a aparência elegante e as
maneiras polidas de toda a família Battenberg. Não causou, porém, boa impressão em seu
primo, Alexandre III da Rússia, e de 1882 em diante passou a mostrar uma tal independência
que Bismarck assustou-se com a impetuosidade do príncipe. Alexandre, estando em Sofia, era,
para Bismarck, um aborrecimento potencial, mas distante. Em abril de 1884 Bismarck ficou
sabendo que já iam doze meses completos de noivado secreto entre o príncipe e a Princesa
Vitória da Prússia, a filha de dezoito anos do príncipe herdeiro (a qual, muitas vezes se disse,
era tida por Bismarck como a mulher ideal para Herbert). A princesa real era forte defensora
de um casamento Hohenzollern-Battenberg. Seu marido não se entusiasmava muito com a
perspectiva e seu filho mais velho fazia aos Battenbergs a objeção de serem descendência de
uma união morganática, já que o pai se havia casado com uma condessa polonesa. A objeção
de Bismarck era tão-somente política: julgava instável o trono do príncipe na Bulgária e não
desejava ligação real prussiana com uma região em que a Rússia e a Áustria-Hungria já eram
ciosas competidoras pela supremacia. Em 12 de maio de 1882, teve uma tensa entrevista com
o Príncipe Alexandre, na qual avisou-o de que o Governo alemão era obrigado a opor-se ao
anúncio formal de seu noivado com uma princesa prussiana. Bismarck aconselhou-o a “casar-
se com uma milionária ortodoxa”, pois estaria reforçando sua posição na Bulgária e teria
dinheiro para gastar em suborno, o maior auxiliar do sucesso em governo no que o chanceler
chamava “Oriente Próximo”. O Príncipe Alexandre não se comoveu.

No início de 1885, a princesa Beatriz, filha mais moça da Rainha Vitória e irmã da Princesa
Real da Prússia, ficou noiva de Henrique de Battenberg, irmão de Alexandre. Este romance
real arruinou os humores de Bismarck. Os Battenbergs, reclamou ele, inglesavam-se: o
projetado casamento berlinense não passava de uma conspiração entre a viúva de Windsor e a
princesa real com o fito de aumentarem a influência inglesa na Corte alemã. Tão grande foi o
temor que, em março, ele levou Guilherme I a informar o Príncipe Alexandre de que o
casamento com a Princesa Vitória seria contrário às tradições da Casa de Hohenzollern. O
casamento Battenberg foi suspenso: parecia ter pouca chance de voltar a ressurgir, a menos
que Guilherme falecesse e seu filho subisse ao trono antes que Vitória ou Alexandre
encontrassem um consorte. Como Guilherme andou tendo seguidos ataques de tontura
naquela primavera, a possibilidade não era afastada.

Em setembro de 1885, o Príncipe Alexandre, já um problema dinástico para Bismarck, tornou-


se, da noite para o dia, importante figura na política internacional. Nacionalistas búlgaros na
província nominalmente turca da Rumélia Oriental repudiaram a autoridade do sultão e
declararam-se pela união com a Bulgária, debaixo da soberania de Alexandre. O czar, já
irritado com o príncipe, condenou a atitude búlgara, quebra do Tratado de Berlim; Áustria-
Hungria e Alemanha acompanharam a Rússia, como também a Turquia. A maior preocupação
de Bismarck era evitar que as atividades do Príncipe Alexandre levassem a Europa à beira da
guerra, e atuou desesperadamente para manter em harmonia a Liga dos Três Imperadores.
Foi auxiliado pela mesma conexão inglesa dos Battenbergs de que tanto desconfiava. O
gabinete Conservador de Salisbury, que estava no governo desde o verão de 1885, apoiou
calorosamente a postura independente de Alexandre e chamou sobre si boa parte das iras
que, doutra forma, cairiam sobre a Áustria-Hungria. A Aliança dos Três Imperadores
continuou existindo durante o inverno de 1885-86, mas considerável marca deixou sobre
Bismarck o esforço de sua atuação como intermediário.

No fim, foi o grupo militar russo que agiu com violência. A maioria dos búlgaros apoiava
calorosamente o Príncipe Alexandre, especialmente depois que o exército búlgaro havia
rechaçado uma invasão sérvia na batalha de Slivnitza (novembro de 1885). Mas havia
dissidentes em Sofia e as suspeitas russas contra o príncipe chegaram a um ponto tal que em
agosto de 1886 um grupo de conspiradores, organizado pelo adido militar russo, tomou o
palácio e prendeu Alexandre. Seguiram-se três semanas de caos balcânico: o príncipe foi
sequestrado e forçado a abdicar; depois, voltou a Sofia, reassumiu o poder e contrariou
muitos de seus súditos pela evidente colaboração com os russos; mais adiante, cansou-se do
caso todo, assinou uma abdicação definitiva e, no dia 9 de setembro deixou a Bulgária para
sempre481. Tudo parecia indicar que, em coisa de semanas, a Rússia marcharia para o sul e
ocuparia o país. Nesse caso, como reagiría a Áustria-Hungria? O primeiro-ministro húngaro,
Tizza, declarou ao parlamento, em Budapest, que governo nenhum tinha direito de
“empreender a intervenção armada por conta própria ou estabelecer algum protetorado na
região da península balcânica”. Em S. Petersburgo, como em Berlim, as palavras de Tizza
foram interpretadas como a marca do fim da Liga dos Três Imperadores. Apenas Bismarck
negava-se a reconhecer o colapso completo da aliança de 1881. “Temos que continuar girando
a Liga dos Três Imperadores enquanto houver nela um fio”, insistia ele, pouco antes do
Natal482. Nenhum de seus funcionários teve coragem de dizer-lhe que a roca de fiar já estava
vazia.

Para sorte de Bismarck, remanescia em S. Petesburgo uma facção firmemente a favor da


tradicional política de cooperação. O próprio Giers ainda esperava poder operar em conjunto
com os alemães, da mesma forma Pedro Shuvalov, que tão boas relações estabelecera com o
chanceler durante a crise oriental dos anos setenta Em janeiro de 1887 Pedro Shuvalov veio
de novo a Berlim, onde seu irmão, Paulo, agora era embaixador. Os Shuvalovs, em conversa
com Bismarck, discutiram os meios de substituir a Liga dos Três Imperadores por uma
entente russo-alemã. Mas essas preliminares não deram grande resultado, pois Alexandre III
negou-se a aprovar qualquer acordo com a Alemanha. Somente quando Giers demonstrou os
perigos da posição isolada da Rússia, o Czar autorizou Paulo Shuvalov a avançar nos contatos
com Bismarck; mas não podia fazer concessões.

Um entendimento com a Rússia, mesmo nos termos do czar, era preferível a uma separação
entre Berlim e S. Petersburgo. Pelo menos daria a Bismarck a opção adicional de política, tão
característica de sua arte de estado. Estava decidido a ceder a Paulo Shuvalov tudo que este
desejasse. No início de junho ambos haviam forjado um acordo que seria a base do notório
“Tratado de Garantia” (18 jun. 1887), um entendimento secreto, válido inicialmente por três
anos. A Rússia e a Alemanha comprometiam-se com a neutralidade em qualquer guerra maior,
exceto se a Rússia atacasse a Áustria-Hungria ou se a Alemanha atacasse a França. Os
alemães reconheciam a influência dominante da Rússia na Bulgária, aceitavam jamais
“consentir na restauração do Príncipe de Battenberg” e apoiavam o princípio de manterem-se
os Dardanelos e o Bósforo fechados a navios de guerra estrangeiros em tempo de guerra.
Nove anos depois, quando já não se julgava peado pelo compromisso de segredo, Bismarck
começou a vender a lenda de que o Tratado de Garantia fora um golpe de mestre que
reconstruira a supremacia alemã na diplomacia da Europa Mas o Tratado de Garantia era um
feito negativo, uma improvisação que mais limitava a liberdade de ação de Bismarck que a
Aliança dos Três Imperadores, seis anos antes. O Tratado de Garantia propunha problemas,
não resolvia nada; era tudo que, em 1887, Bismarck desejava. Pois se o tratado não aliviava as
tensões da Europa, pelo menos mantinha a continuidade, por três anos, das relações russo-
alemãs, independentemente da política que, eventualmente, um novo governante em Berlim
quisesse adotar.

Pelos anos de 1886 e 1887 a possibilidade de uma mudança de soberano dominou a vida
política alemã. A saúde de Guilherme deteriorava-se e havia um ar geral de incerteza e
apreensão. Bismarck ainda se perturbava só em pensar no príncipe real querer criar um
“ministério Gladstone” após subir ao trono. A expulsão de Alexandre de Battenberg da
Bulgária em setembro de 1886, fizera renascer um antigo receio na mente do chanceler. Para
muitos dos compatriotas de Bismarck, o Príncipe Alexandre era uma figura popular - vencedor
de Slivnitza, um bom alemão escorraçado por russos e austríacos, um belo ídolo de vinte e
nove anos. A princesa real escrevia, entusiasmada, a ele e sobre ele; e agora que não estava
mais envolvido nos negócios da Bulgária, voltou a pensar nele como pretendente à mão da
Princesa Vitória Uma das irmãs da princesa real disse mesmo à mãe, em Windsor, que
“Sandro” de Battenberg “lembra-me Papai”, e para a filha preferida do príncipe consorte não
poderia haver melhor distinção. Bismarck aborreceu essa onda de idolatria de Battenberg na
Corte e alterou-se com a popularidade do príncipe, o suficiente para incomodar Guilherme I,
no início de outubro de 1886 com um extenso catálogo dos defeitos de Alexandre483. O
imperador foi, então, informado de que ele era politicamente perigoso, fraco e irresponsável
e, se fixasse residência na Alemanha, seria o candidato a chanceler de todos os inimigos
internos do Reich - Liberais progressistas, Sociais-Democratas, Católicos irreconciliáveis.
Com essa tática de jogo duro, Bismarck desacreditou de vez o infeliz príncipe. Assegurou-se
de que não se levantaria de novo a questão do casamento, não havería um cargo para
Alexandre na Corte alemã, nem comissionamento no exército alemão - enquanto Guilherme I
vivesse.

Essa vingativa campanha contra Alexandre de Battenberg mostra o pior lado de Bismarck-
ciumento, egoísta, mesquinho e morbidamente receoso de intrigas palacianas. Era o estilo
com que combatera Harry von Arnim. No entanto, ao mesmo tempo, aplicava sua costumeira
sagacidade para garantir-se de que o primeiro Reichstag do novo imperador estaria
firmemente sob seu controle. Assim, no outono de 1886, ele deliberadamente confrontou os
deputados com o tema constitucional ao qual eram mais sensíveis: naquele setembro, enviou à
Camara, doze meses antes do prazo obrigatório, as estimativas de gastos militares para o
Setenato seguinte. Pedia aprovação do Reichstag a um aumento da força do exército da
ordem de dez por cento, a fim de reequilibrar o acelerado programa de instrução dos
franceses. O projeto chegou às mãos dos deputados num momento de real preocupação com o
desejo francês de uma guerra de desforra. Em janeiro de 1886, Freycinet nomeava Georges
Boulanger ministro da guerra. Se Boulanger não existisse, para inflamar o patriotismo dos
franceses, Bismarck teria de inventá-lo. Mas aí estava, pronto e acabado, um general do tipo
herói-cavaleiro, que deu ao desfile militar do Quatorze Juillet daquele ano um pavoneio
provocador como não se via desde Sedan. Até mesmo a oposição parlamentar na Alemanha
concordou com o fato de que, o povo francês saudando em Boulanger um redentor neo-
bonapartista, nenhum cidadão do Reich, patriota, poderia negar a Bismarck o exército
ampliado que ele pedia na Lei Setenal.

Mas ainda que o centro e os Liberais aceitassem um exército maior, não estavam dispostos a
dar a Bismarck um cheque em branco com validade de sete anos. Então, os partidos de
oposição no Reichstag sugeriram que o Setenato fosse mudado para Triênio. No dia 11 de
janeiro de 1887, o chanceler proferiu um potente discurso no Reichstag, tranqüilizando os
deputados sobra a situação internacional em toda parte, exceto no Reno. “Terá ou não
acabado a era da guerra de fronteiras com a nação francesa?”, reptou ele. E sombriamente
deu sua própria resposta, “A essa pergunta só posso manifestar minhas suspeitas pessoais e
dizer que não, não acabou - que para tanto teria de haver uma completa mudança no caráter
dos franceses e em toda a situação ao longo da fronteira”484. Tão empenhado estava
Bismarck em despertar a Alemanha para a pretensa ameaça de parte da França chauvinista,
que discursou de novo no dia seguinte, e no outro. Até Moltke, já com oitenta e sete anos, foi
ao Reichstag em seu uniforme de marechal-de-campo e declarou aos deputados que se o
projeto fosse rejeitado “a guerra era certa”. Os deputados não se deixaram intimidar. Votaram
as verbas para três anos e nada mais. Imediatamente, Bismarck subiu à tribuna e leu um ato
imperial, que já obtivera de Guilherme I devidamente assinado, declarando a dissolução do
parlamento. Havería novas eleições - a sexta eleição para o Reichstag em dezesseis anos - no
início da segunda semana de fevereiro.

Durante a campanha eleitoral, os Conservadores e os Nacional-Liberais realçaram o


significado, para a Alemanha, da ameaça boulangista vinda de além-fronteira oeste. No dia 31
de janeiro, o Post de Berlim, que em abril de 1875 alarmara a Europa ao interrogar se “havia
guerra à vista”, tentou outro sensacionalismo por meio de um artigo intitulado “Sobre o Fio
da Navalha”. Desta vez, a Europa não deu grande importância, mas o eleitorado alemão
cerrou com Bismarck, o que não fizera durante a agitação colonial antiinglesa de 1884. A
eleição de fevereiro de 1887 deu aos partidos conservadores e aos Nacional-Liberais 220
cadeiras num Reichstag de 397. Esse grupo, então, formou o Cartel (Kartell), que
proporcionou a Bismarck uma tranqüila maioria no Reichstag pela primeira vez em seis anos.
A Lei do Setenato foi normalmente aprovada quando se abriu a sessão parlamentar, na
segunda semana de março. Embora o Centro perdesse uma cadeira só, os Liberais-Alemães- o
“partido do príncipe herdeiro” -sofreram sérias perdas, não se reelegendo mais de metade de
sua bancada. O susto dá guerra boulangista causara uma grande vitória na política interna
para Bismarck.
Porém de certa maneira foi uma vitória no vazio. Em março de 1887 a Corte soube que o
príncipe herdeiro estava seriamente enfermo. Envelhecera celeremente no último ano e meio
e uma inchação nas cordas vocais tornava-lhe difícil falar de maneira audível. Em maio, os
médicos diagnosticaram câncer e propuseram uma traqueotomia, operação que quase
certamente o teria matado. Bismarck foi contra a operação, em conversas com o nonagenário
Guilherme I e com a princesa real, e de início aprovou a sugestão de que o doente se tratasse
com o especialista escocês Sir Morrell Mackenzie. O príncipe real melhorou o suficiente para
comparecer às celebrações do Jubileu de Ouro da Rainha Vitória, em Londres, naquele mês de
julho, depois desceu para San Remo, para o que esperava fosse uma convalescença485.
Independentemente da terrível enfermidade, Bismarck começou a ponderar se não teria
exagerado o perigo que significava Frederico Guilherme. A verdadeira ameaça ao sistema não
provinha dos Liberais clássicos que haviam buscado o apoio do herdeiro do trono, mas da
geração mais nova e de seu desprezo pela cautela, de seu arrogante orgulho da superioridade
nacional. O filho do príncipe real, o Príncipe Guilherme, moldara seu caráter nas virtudes e
nos vícios dessa geração; e seus desejos, seus modos, seus rumos não eram do agrado de
Bismarck.

“Que chegue logo o dia em que a Guarda de Granadeiros limpe aquilo com baionetas e
tambores”, escreveu a um amigo o Príncipe Guilherme, aos vinte e oito anos de idade, no
auge da discussão no Reichstag a respeito do Setenato486. Era o tipo do arcaísmo
irresponsável que o próprio Bismarck poderia ter pronunciado, naquela idade; mas em 1887,
a perspectiva de um golpe militar contra o parlamento era tão malvista pelo chanceler quanto
a formação de um “ministério Gladstone”. Mas muito mais provável.

Restavam tensões na política externa: a crise Boulanger teimava em não esfriar, depois de ter
servido a seu propósito eleitoral alemão; cada vez ficava mais difícil para Bismarck reconciliar
a lealdade à aliança austríaca com os compromissos secretos com a Rússia sobre problemas
búlgaros. E tais assuntos não constituíam a única preocupação do chanceler. Ao buscar o
apoio de Moltke em seu conflito com o Reichstag, Bismarck havia estimulado o exército a
aumentar sua influência nas decisões políticas. O general von Waldersee, sucessor certo
quando Moltke deixasse o cargo, era um pertinaz politiqueiro, tão à vontade em agir
subterraneamente que colegas mais irreverentes no Estado-Maior chamavam-no “O Texugo”;
e Bismarck observava com desconfiança a amizade que o Príncipe Guilherme fizera com
Waldersee e sua esposa de origem americana487.

Estava nas intenções de Waldersee modificar as funções dos adidos militares às principais
embaixadas, transformando-os num serviço diplomático em separado, respondendo
diretamente e apenas ao chefe do Grande Estado-Maior e, através tão-somente deste, perante
o imperador488. Esta concorrência ao controle do chanceler sobre a diplomacia provocou
uma séria crise nos últimos meses de 1887, quando os chefes militares julgaram iminente
uma aliança franco-russa e que a Alemanha devia coordenar planos com a Áustria-Hungria
para uma guerra preventiva no leste. Bismarck era totalmente contrário a uma guerra com a
Rússia. Mandou o embaixador alemão em Viena segurar os austríacos e não deixar em dúvida
que a aliança de 1879 era de caráter defensivo, não criando obrigações para a Alemanha caso
a Áustria-Hungria provocasse a guerra sobre negócios balcânicos. O chanceler ficou
indignado com Waldersee por dizer ao embaixador austríaco que o Estado-Maior era favorável
a um ataque à Rússia; e tomou-se de fúria ante a revelação acidental de que o adido alemão
em Viena examinava, com Francisco José e com o chefe de Estado-Maior austríaco, possíveis
movimentos de tropas no leste e meios de aperfeiçoar as ligações de Estado-Maior entre
Berlim e Viena de forma a facilitar o preparo da agressão à Rússia. Jamais, na era de
Bismarck, o Estado-Maior Geral fizera um lance tão decidido para assumir o controle da
política externa

Bismarck reagiu rápida e vigorosamente. Em 7 de dezembro, repreendeu Waldersee por


permitir que “influências contraditórias, autorizadas”, se exercessem sobre diplomatas e
governos estrangeiros. Também falou duramente com Moltke, Albedyll e Bronsart mostrando-
lhes que a Alemanha não podia arriscar-se a uma guerra numa hora em que uma mudança de
imperador era iminente e quando os próprios chefes do exército tentavam obter a extensão do
tempo de serviço militar. O desventurado adido em Viena foi punido e o Ministério do Exterior
Austríaco devidamente lembrado do quão importante era evitar que o privilégio de prestar
assessoramento político ao soberano “escapasse das nossas mãos para o Estado-Maior’.
Finalmente, escavando de maneira astuta, digna do próprio “Texugo”, Bismarck alvejou
indiretamente uma das principais fontes da influência de Waldersee. Um artigo soprado, no
Norddeutsche Rundschau, criticou 0 Príncipe Guilherme por haver comparecido a um almoço
no apartamento de Waldersee no qual houve discursos pregando a criação de um novo
movimento político protestante489. Pelo momento, ao menos, Bismarck conseguiu deter as
ambições de Waldersee e avisar o jovem Príncipe que não se metesse naqueles assuntos.

No entanto, como em 1883, é questionável se Bismarck conseguiría manter o controle do


poder se não estivesse, naquele instante, disposto a ceder nas reformas do exército. Veja-se
que em 16 de dezembro de 1887, em plena crise Waldersee, Bismarck apresentou no
Reichstag um projeto de Reorganização Militar, o qual, mudando os prazos de serviço na
reserva, acrescia 700.000 homens ao efetivo do exército quando mobilizado para a guerra. A
eficácia do Cartel garantiu que houvesse pequena oposição a esse projeto, na câmara. Mas a
imprensa bismarckista deu enorme destaque ao debate da segunda tramitação do projeto, de
maneira a fazê-lo parecer um importantíssimo voto de confiança nos princípios de política
externa do chanceler. O discurso com que participou do debate, em 6 de fevereiro de 1888, foi
um de seus mais intensos exercícios de persuasão verbal490. A Alemanha, afirmou ele, queria
paz com a Rússia e com a França. Essa paz, só a fazia perigar o tom irresponsável e
ameaçador dos jornalistas estrangeiros. “Podemos ser facilmente influenciados pelo amor e
pelo carinho”, declarou, “mas, certamente, jamais por ameaças. Nós, alemães, tememos a
Deus e a mais nada no mundo; nosso temor a Deus é que nos faz amar a paz e dar-lhe o valor
que tem”. Em meio aos aplausos que se seguiram a essa peroração, Moltke atravessou o
plenário até onde estava o chanceler e cumprimentou-o, lágrimas descendo pelo rosto. Uma
multidão de partidários de Bismarck acompanhou sua carruagem na volta do Reichstag para a
Wilhelmstrasse, naquele anoitecer e continuou a manifestar ruidosamente seu apoio noite a
dentro, junto às janelas da chancelaria. Dois dias depois, o Projeto de Reorganização Militar
era transformado em lei; mas era do discurso que o povo lembrava e não da ocasião em que
fora pronunciado.

Um mês depois, na sexta-feira, 9 de março de 1888, a bandeira que drapejava sobre o


Reichstag foi arriada a meio-pau. De manhã cedo Guilherme I sucumbira à pneumonia,
falecendo a apenas dezesseis dias de seu nonagésimo primeiro aniversário. Logo após o meio-
dia “cada deputado estava em seu lugar, as galerias apinhadas de espectadores”, escreveu o
correspondente do Times de Londres, “Um silêncio solene tomava todo o espaçoso salão, cada
um mergulhado em seu pensamento de dor, no máximo olhando para o companheiro ao lado
para compartilhar de sua triste meditação”. Bismarck, com o uniforme de general e usando o
colar da Pour le Mérite, deu entrada no plenário tendo Herbert a seu lado. Anunciou que “o
Imperador Guilherme I foi juntar-se a seus pais às oito e meia da manhã de hoje” e que “a
coroa prussiana, juntamente com a Elevação Imperial, passou para Sua Majestade Frederico
III”. Se mais disse, ninguém lhe ouviu claramente as palavras. Soluços embargaram-lhe a voz,
as pernas cederam e ele deixou-se cair em sua cadeira, alquebrado. Observadores do
momento acharam que o sentimento do chanceler era “um tributo mais expressivo... que
qualquer oração fúnebre491”. Era também um presságio?

[1] Angra Pequena, posteriormente, foi redenominada Lüderitz, em homenagem ao homem


de negócios que ali fundara o entreposto comercial. Mapas modernos mostram Lüderitz como
o principal porto da África do Sudoeste, território que é motivo de freqüentes debates nas
Nações Unidas.

[2] Herbert Bismarck ampliou este aspecto da política de seu pai, em conversa com o general
von Schweinitz, logo após a queda do chanceler em 1890: “Quando iniciamos nossa política
colonial, tínhamos a esperar, no futuro, um longo reinado do Príncipe Real, durante o qual
predominaria a influência da Inglaterra. Para impedi-lo, tivemos de lançar uma política de
colonialismo, que é popular e tem a força de produzir conflitos com a Inglaterra a todo
momento”. W. von Schweinitz, Briefwechsel... Schweinitz, p. 193.

[3] Herbert tornou-se formalmente secretário-geral do Ministério do Exterior em maio de


1886. A condução da política, naturalmente, era atribuição do ministro do exterior, seu pai.
15. DERRUBANDO JUPITER

Teria sido melhor para a reputação de Bismarck se ele também tivesse morrido em março de
1888, o discurso de projeto do exército seu canto de cisne. Porque, embora haja permanecido
no poder mais dois anos, nunca mais foi o dono dos acontecimentos; e sua mente já estava
fixada sobretudo no passado, muito antes que ele se retirasse da política ativa. Ainda era
capaz de pontilhar sua conversação de expressões vividas e de sóbrias indiscrições, ou de
maquinar uma crise em assuntos internos ou externos. Porém palavras e ações cada vez mais
voltavam-se para a sucessão pacífica na chancelaria, seu filho mais velho ocupando seu lugar.
Não percebia que funcionários que o haviam servido lealmente não se dispunham a queimar
os dedos pelo inepto e grosseiro Conde Herbert. Sobretudo não soube levar em conta o amplo
sentido de entrada numa nova era que, com a morte do primeiro imperador Hohenzollern,
tomava conta da Alemanha.

Essa mudança de espírito não foi, evidentemente, imediata. A gravidade de estado de saúde
de Frederico III já não podia ser escondida e houve um interlúdio de luto frustrado entre
muitos dos velhos críticos de Bismarck, naquela primavera Frederico ainda estava em San
Remo quando seu pai faleceu. Antes, era sua intenção ficar no Mediterrâneo até a chegada do
tempo mais quente, mas vinte e quatro horas depois do emocional anúncio de Bismarck seu
trem especial partiu para Berlim. Bismarck embarcou no trem em Leipzig. Levou um choque
com a aparência de seu novo soberano, sem poder acreditar que aquele trágico esqueleto de
gigante, mudo, inerte de cansaço, fosse reinar mais de algumas semanas. Na realidade,
Frederico fugiu ao nevoeiro do misericordioso oblívio por mais noventa e sete dias. Bismarck,
segundo escreveu Herbert, foi profundamente afetado pela tragédia da doença final de seu
antigo adversário. Mas estava permanentemente em guarda contra qualquer tentativa de
melhorar a sorte dos Liberais, na Corte perturbaram-no os rumores de que o imperador
preparava uma Proclamação de Regência, confiando as responsabilidades da soberania não a
seu herdeiro mas à “Imperatriz inglesa”. Correu em Berlim ter o Príncipe Guilherme
declarado -com revelador senso de ordem das prioridades - que “os Hohenzollerns, o Reino da
Prússia e o Império Alemão jamais permitiríam que uma mulher os governasse”. Nem
tampouco Bismarck.

No sábado, 31 de março, o chanceler foi oficialmente informado de que o imperador


convidara o Príncipe Alexandre de Battenberg para vir a Charlottenburg, onde residia a
família imperial, na segunda-feira seguinte. Bismarck soube que Alexandre seria agraciado
com uma alta condecoração e comissionado general no exército alemão. Presumiu, também, a
iminência de um anúncio do noivado de Alexandre com a Princesa Vitória da Prússia. O
chanceler disse a Frederico, sem meias palavras, que tal visita seria interpretada como “uma
demonstração anti-russa e uma alteração na política que seguimos até aqui”: se Alexandre
viesse a Charlottenburg ele pediría demissão. O Príncipe Guilherme implorou a seus pais que
mudassem a idéia e passou-se um telegrama a Alexandre cancelando a proposta visita492. A
crise da ameaça de demissão durou apenas algumas horas, mas deixou a imperatriz mais
decidida que nunca pelo casamento Battenberg, que constituiu uma atividade obsessiva para
a pobre mulher durante as semanas terríveis da doença de seu marido.

Bismarck bem sabia que os russos não estavam mais interessados em Alexandre de
Battenberg. Estavam, sim, por demais preocupados com as ambições do novo Governante da
Bulgária, Ferdinando de Saxe-Coburgo, para incomodarem-se com o príncipe da véspera. A
hostilidade do chanceler baseava-se na convicção de que o casamento “havia sido inspirado
pela Rainha da Inglaterra”. Buscando liquidar o projeto, Bismarck acreditava estar
exorcizando o fantasma da influência anglófila na Corte, coisa que o preocupava desde 1857.
Mas a Rainha Vitória já sabia que Alexandre não se interessava mais no casamento com sua
neta Hohenzollern, pois estava apaixonado por uma atriz. O embaixador inglês o confidenciou
a Bismarck no dia 3 de abril e informou que a Rainha Vitória visitaria Berlim na volta de umas
férias em Florença493.

A rainha chegou, portanto, a Berlim no dia 22 de abril; desejava estar com o genro enfermo,
de quem era especialmente amiga; mas também queria consolar a filha e varrer os mal-
entendidos a respeito do projeto de casamento. Mui sensatamente, a rainha aconselhou a
imperatriz a não insistir no noivado da filha, em parte pela mudança nos sentimentos de
Alexandre, em parte para atenuar as tensões na Corte, onde o Príncipe Guilherme continuava
firmemente contra os Battenbergs494. Como etapa de sua política geral de acertar
desavenças, Vitória concordou em receber Bismarck em audiência. Não se avistavam desde o
grande baile de Versalhes, a um terço de século de distância. Enquanto ela não tinha a menor
dúvida de que sabería como tratá-lo, Bismarck, por seu lado, esperou a audiência
desconfortavelmente nervoso, o que não conseguia ocultar dos observadores. Não havia razão
para preocupações. Tudo correu bem. Nada foi dito sobre o casamento, diretamente, pois
partia-se de que o projeto estava ultrapassado. Bismarck disse a Vitória julgar que “seria
cruel” estabelecer uma regência aquela altura e ela concordou. Mais tarde ela contou a
Salisbury que encontrara o chanceler cordial, encantador. Diz-se que ele emergiu do breve
encontro enxugando a testa, mas tomado de admiração. “Que mulher!”, exclamou. “Com ela
seria possível negociar!” Foi Lothar Bucher - não o próprio Bismarck - quem depois disse aos
funcionários do Ministério do Exterior “Vovó se houve com muito juízo em Charlottenburg”. O
chanceler divertiu a família descrevendo Vitória alegremente como “uma criaturinha muito
animada”495.

Não houve desses momentos de descontração na Corte, naquele verão. No início de junho,
Frederico foi levado num barco, pelo rio Havei, para Potsdam, pois desejava findar seus dias
no Palácio Neues, onde nascera fazia cinqüenta e sete anos. Lá, no dia 13 de junho, ele
recebeu Bismarck pela última vez, na presença de sua mulher. O chanceler garantiu-lhe que
jamais esquecería que a infeliz e profundamente agitada imperatriz “é a minha rainha”. Dois
dias depois Frederico morreu. Bismarck não compareceu ao funeral; nem, até sentir que o
poder lhe fugia das mãos, fez qualquer gesto de boa vontade para com a imperatriz viúva.
Solidariedade, para ele, era parte de um calculismo, a ser usada - como a bajulação -
raríssimas vezes.

Guilherme II, o terceiro imperador da Alemanha em quatro meses, estava com trinta anos ao
subir ao trono. Bismarck observara-o a cada estágio de sua maturação. As crianças da família
Bismarck foram às suas primeiras festas de aniversário; e o velho sabia tanto a respeito do
moço que podia enriquecer, naquele outono, sua conversa à mesa do jantar contando dos
tempos em que a preceptora do novo governante fora obrigada a aplicar-lhe boas palmadas
por detrás496. Sua tendência era ver Guilherme como um oficial subalterno de Potsdam que
se recusava a ser adulto; em conseqüência, subestimava-lhe seriamente a inteligência Em
1886 Guilherme I permitira que o príncipe trabalhasse alguns meses no Ministério do Exterior
e ficou evidente que, malgrado sua aguda percepção intuitiva, ele tinha dificuldade em
concentrar-se num estudo minucioso ou em analisar logicamente uma situação. Da mesma
forma, nas duas visitas oficiais que fez a S. Petersburgo, Guilherme exibira um palavreado
extravagante e mostrara-se rudemente opiniático, mas não se saiu de todo mal. Consciente ou
inconscientemente, Bismarck aceitava o fato de que Guilherme II pertencia a um grupo etário
que ele só compreendia em parte. Por isso, a partir de 1885, estimulou Herbert a cultivar o
relacionamento com o príncipe, vantajoso ter um Bismarck da segunda geração junto ao
futuro governante, alguém que pudesse compensar a influência dos Waldersees e do
companheiro predileto de Guilherme, o Conde Phillipp zu Eulenburg, que era doze anos mais
velho que Guilherme.

Durante sua meninice Guilherme admirava Bismarck. Como estudante, em Bonn, criticara a
decisão de reunir o Congresso de Berlim e mais tarde discordou da adoção do protecionismo;
mas o que dizia era simples eco das idéias de outros, logo esquecido. Houve até bem pouca
discordância entre o príncipe e o chanceler até os últimos meses de 1887, quando Bismarck
desaprovou as ligações políticas de Guilherme com os Waldersees e o protegé destes, o pastor
luterano anti-semita, Adolf Stöcker. Este incidente, trivial em si, deve ter deixado
ressentimentos em Guilherme. No septuagésimo terceiro aniversário de Bismarck, quando já
estava evidente que Guilherme ascendería ao trono em questão de semanas, ele próprio
convidou-se ao jantar na chancelaria e ergueu um brinde “ao nosso grande chanceler”.
Bismarck, disse o príncipe, “é o porta-bandeira para o qual se voltam, solícitos, quarenta e
seis milhões de leais corações alemães”; e acrescentou, numa exaltação final, “Que ele nos
guie. Nós o seguiremos. Muitos anos de vida!” Pensaria Guilherme, realmente assim? Como
outros descendentes do Czar Paulo ele sabia ser, quando queria, um grande dissimulador.
Pouco mais de um mês após a subida de Guilherme, Adolf Stöcker citava-o, em particular,
como “tendo dito, recentemente, ‘Darei seis meses ao velho para recuperar o fôlego; depois
reinarei eu mesmo’ ”497.

A maior parte desse período, o “velho” permaneceu em Varzin e em Friedrichsruh. Não se


importou muito com a atitude do novo imperador e não viu razão para permanecer na capital
naquela estação do ano, já que não havia qualquer crise maior em política externa. Bastava-
lhe deixar Herbert cuidando da situação internacional e do próprio Guilherme. No começo,
pareceu que Herbert dava bem conta do recado. No verão, ele acompanhou o imperador na
primeira das muitas viagens do vapor imperial Hohenzollern, navegando ao Báltico norte, com
uma escolta de dez belonaves para visitar Peterhof, Stokolmo e Copenhague. Em outubro, o
imperador partiu outra vez; desta vez o trem real - doze vagões em azul, dourado e creme -
levou-o a Viena e a Roma. Uma vez mais Herbert Bismarck era um assistente chegado,
reportando fielmente o que ocorria a Friedrichsruh e avisando seu pai que Guilherme já
planejava uma viagem marítima a Atenas para assistir ao casamento de sua irmã com o
herdeiro do trono grego498. O imperador, resmungou o velho, “é como um balão; se não for
seguro firmemente pelo fio ninguém sabe onde vai parar”; mas não criticava com seriedade
nada que Guilherme dissesse ou fizesse. Somente o malicioso Holstein admitia que os
sucessos de Guilherme deixavam Bismarck num constante mau humor: “Ele segue de longe a
marcha triunfal do jovem Kaiser com a sensação de uma irascível coquette envelhecida”,
escreveu Holstein numa carta particular em outubro499. Por certo havia dificuldade para
Bismarck em acostumar-se a um governante que demonstrava tamanha vitalidade.

Contudo, durante esses meses da lua-de-mel do reinado, não houve colisões entre o chanceler
e o soberano. A dupla mudança de imperador reduzira a sessão parlamentar, sendo o único
importante ato legislativo de 1888 (votado pouco antes da morte de Frederico) uma extensão
do mandato que teria todo futuro Reichstag a ser eleito, de três para cinco anos. Bismarck
não se apressava em apresentar novas reformas ao Reichstag em funcionamento, a despeito
da segura maioria que lhe assegurava o Cartel. Avaliava Guilherme II e os homens a quem ele
se voltava em busca de conselhos. Não se tratava, também, apenas de uma questão de
personalidades em conflito político. Ambos os Bismarcks estavam inquietos com a atitude
arrogante de Guilherme com relação ao protocolo da administração, já ocorrera um episódio
significativo, na primeira semana de julho, quando 0 general von Caprivi pediu demissão da
chefia do Almirantado porque 0 imperador teimou em tratar pessoalmente com o diretor de
construção naval, sem antes avisar o próprio Caprivi500. Todo mundo ficou a imaginar o que
aconteceria se Guilherme orientasse o imprudente entusiasmo demonstrado pela construção
naval para a direção da política externa e começasse a ultrapassar a exclusividade da família
Bismarck.

Com Guilherme II, tal qual sob Guilherme I, Bismarck estava decidido a manter laços fortes
entre Berlim e S. Petersburgo. Alegrou-se, portanto, ao saber, pelo embaixador alemão, da boa
impressão causada pelo imperador durante seu aparecimento naval um tanto espetaculoso em
Peterhof. Pelo menos esse cultivo dos Romanovs parecia indicar que Guilherme não seguiría
às cegas Waldersee e a escola de pensamento da guerra preventiva. Era difícil, porém, para
qualquer dos Bismarcks, entender os sentimentos de Guilherme com relação aos ingleses,
aquela estranha, fortemente emocional mistura de admiração, inveja e desprezo, que não se
alteraria durante todo seu reinado e exílio. Tampouco tinham certeza quanto a sua atitude
com a França. No ano de 1888 o General Boulanger, embora relegado a um comando regional
na província, continuava a despertar entusiasmo popular pelo seu programa neobonapartista.
Bismarck tendia a considerar o boulangismo mais um mito que ameaça, mas Guilherme II
prestava a Boulanger a homenagem de levá-lo a sério, talvez porque no fundo o general era
um exibicionista como ele próprio. Até certo ponto, Bismarck foi vítima de sua própria
engendração: exagerara o espantalho boulangista, nas eleições de 1887; ainda cinco semanas
antes da acessão de Guilherme, ele lhe chamara a atenção para a ameaça boulangista de
além-Reno como forma de desapegá-lo de Waldersee e dos russófobos do Estado-Maior Geral.
Se Guilherme aprendeu a considerar os franceses inimigos naturais da Alemanha, não há
dúvida quanto a quem foi o tutor.

Apesar disso, quando Bismarck voltou às pressas para Wilhelmstrasse em janeiro de 1889,
não foi devido às atividades do imperador. Herbert havia, desastradamente, lançado confusão
nas relações anglo-alemãs no exato momento em que seu pai pretendia reforçar os contatos
com Londres. Num discurso ao Reichstag, em 14 de dezembro, Herbert fez uma referência,
com ligeiro tom de superioridade, à maneira prestativa com que os ingleses estavam a
cooperar com os alemães para evitarem disputas na África oriental: “Fui vigorosamente
aplaudido quando elogiei a Velha Inglaterra”, escreveu Herbert, em inglês, a seu amigo
Rosebery, dois dias depois501. Mas os benefícios desse gesto foram logo descompensados por
uma esquisita briga que Herbert decidiu tornar pública pouco antes do Natal. Ele trouxe à
tona uma antiga acusação contra Sir Robert Morier, embaixador inglês em S. Petersburgo;
afirmou que Morier, quando servia em Darmstadt, em agosto de 1870, usara de canais
diplomáticos em Londres para revelar deslocamentos militares alemães ao marechal Bazaine
e que essa informação capacitara os franceses a montarem a ação de Mars-la-Tour, na qual
Herbert Bismarck foi seriamente ferido. Morier trabalhara na embaixada de Berlim por
muitos anos, antes de seguir para a Rússia e o chanceler via com maus olhos sua influência
sobre Frederico e esposa, mas nada havia de vantajoso numa discussão com Morier agora que
Guilherme II estava no trono. As afirmações de Herbert Bismarck, feitas em particular nove
meses antes, eram tão fantásticas que tanto Salisbury como o próprio chanceler alemão
preferiram abafá-las502. Elas lançavam dúvidas, não tanto sobre Morier quanto sobre o
cavalheiro que Salisbury não resistia a chamar de “o abominável Herbert”. O incidente
confirmou as suspeitas, havia muito circulantes em Berlim, de que o filho do chanceler não
era suficientemente capaz para desincumbir-se das responsabilidades que seu pai lhe
atribuira; e não contribuiu em nada para aumentar, em Londres, o respeito pela forma como
os Bismarcks dirigiam a diplomacia alemã. Isso foi lamentável para o chanceler, naquela etapa
dos acontecimentos.

Antes de deixar Friedrichsruh, Bismarck tivera uma longa conversa com Hatzfeldt, agora
embaixador em Londres. Remeteu-o de volta a seu posto com reiterações de boa vontade a
serem transmitidas a Salisbury. Dois anos antes, Bismarck dera todo apoio aos governos
italiano e austro-húngaro para que firmassem os “acordos do Mediterrâneo” com Salisbury, de
forma a associar a Inglaterra, indiretamente, na Tríplice Aliança. Agora, em janeiro de 1889, a
possibilidade de um golpe boulangista levou Bismarck a propor uma aliança anglo-alemã
formal. Queria um tratado de caráter aberto, não apenas um entendimento secreto. Em fins
de janeiro Bismarck, qual seu filho seis semanas antes, enalteceu os ingleses num discurso ao
Reichstag: “Vejo a Inglaterra como velha e tradicional aliada, cujos interesses não colidem
com os nossos”, declarou. “ É meu desejo manter as amistosas relações que temos tido com a
Inglaterra nestes últimos cento e cinqüenta anos, e também nas questões coloniais”.
(“Aplausos e ‘bravo’ dos deputados à Esquerda”, diz o registro da sessão do Reichstag.)503
Raridade, o chanceler referir-se tão calorosamente a outra Grande Potência.

Salisbury considerou durante dois meses a abordagem de Bismarck. Compreendeu que a


publicidade que Bismarck desejava para um tratado anglo-alemão não significava apenas uma
concessão conciliadora à praxe parlamentar britânica. Tinha sua lógica presumir-se que os
franceses, sabedores da existência de laços formais comprometendo a Inglaterra e a
Alemanha, fossem dissuadidos de qualquer imprudência militar. Mas já em março de 1889 o
perigo boulangista (se é que existiu) não era mais visível, pois a popularidade do general
entrara em declínio. Daí, quando naquele mês Herbert Bismarck veio a Londres, encontrou
Salisbury em ótima disposição com a Alemanha, disposto a trabalhar “lado a lado” com os
aliados da Alemanha no Mediterrâneo, porém o Governo Britânico rejeitava a proposta de
uma aliança formal. Não lhe era possível, disse Salisbury a Herbert, concluir tal acordo,
porque não se sentia capaz de garantir sua maioria parlamentar. Essa indiferença foi um
golpe na posição pessoal do chanceler. Um tratado anglo-alemão, anunciado ao público, teria
sido tanto um estímulo ao prestígio cadente da dinastia Bismarck como um dissuasor para os
chauvinistas franceses. Na primavera de 1889 o chanceler necessitava de algum tipo de
sucesso. Acabara a lua-de-mel do reino e seus inimigos em Berlim já tramavam sua queda. Um
deles, Adolf Stöcker, era tão abertamente hostil que Bismarck não teve dificuldade em
conseguir uma proibição formal das atividades políticas do pastor, mas subestimou a
influência de Stöcker na sociedade de Berlim. Ele parece ter, também, suposto que Waldersee
- enfim substituto de Moltke como chefe do Grande Estado-Maior - desistira da idéia de criar
um serviço exterior militar, que o enfurecera tanto em 1887. Mas a subida de Guilherme II
acirrou as ambições de Waldersee e afastou as inibições que a reclamação do chanceler havia
criado504.

Na primavera de 1889 Waldersee entregava regularmente ao imperador os relatórios dos


adidos militares no exterior que contrariavam as informações do Ministério do Exterior.
“Tenho a possibilidade de, a qualquer momento, fazer chegar informações políticas às mãos
de Sua Majestade”, disse ele ao attaché em Roma; mas vinham do Leste as notícias que ele
estudava com maior interesse505. Afirmava, em suas conversações com Guilherme II, que a
Rússia estava a rearmar-se rapidamente, comprando armamento na França e concentrando os
novos depósitos militares na Polônia, justamente a mais vulnerável fronteira alemã. Foi fácil
para Waldersee convencer o imperador de que a política de amizade com a Rússia era
irrealística e de que o chanceler ocupava-se em preparativos para as campanhas já
empreendidas e vencidas vinte anos atrás. A tendência de Bismarck, em seus últimos
discursos, de andar para trás, para os 1860s e mesmo antes, dava peso às afirmações de
Waldersee. Quando o embaixador na Turquia foi recebido pelo imperador em Berlim, naquele
mês de abril, notou as crescentes suspeitas de Guilherme sobre os russos: “Se Bismarck não
nos acompanhar contra os russos" disse ele, “será necessário que nossos caminhos se
separem”.

Logo após a acessão de Guilherme os conservadores da cabala anti-Bismarck decidiram não


fazer quaisquer acusações diretas contra o chanceler na presença do imperador. Parecia-lhes
melhor tocar à frente certas políticas especialmente calculadas para aborrecerem Bismarck,
provocando-o e talvez levando-o a pedir demissão. O primeiro emprego dessa tática para tirar
Bismarck parece ter ocorrido na segunda semana de maio de 1889. Embora Holstein, no
Ministério do Exterior, e Waldersee, no Estado-Maior, estivessem cientes do esquema, o
campo do conflito escolhido não foi diplomático ou militar, mas social. Naquela primavera, o
grande cinturão industrial da Vestfália sofreu ameaça de paralisação por uma greve nas minas
de carvão de Ruhr. As condições de trabalho, ali, eram quase tão primitivas e duras quanto
nas minas inglesas quarenta anos antes. Malgrado sua visão aberta no caso do seguro de
trabalho, Bismarck tinha uma atitude curiosamente antiquada no que tocava a disputas
decorrentes de condições e horários de trabalho. Limitar a duração da jornada de trabalho de
um operário, e evitar que sua mulher e seus filhos trabalhassem também, significaria limitar a
quantia de dinheiro disponível cada semana para o trabalhador e sua família, argumentava
ele; e nunca admitira criar restrições aos empregadores. Os mineiros, por conseguinte,
estavam em greve pelos mais elementares direitos. Embora sem terem atrás de si nenhum
sindicato mais organizado, seus líderes conseguiram parar entre 150 e 200 mil homens.
Bismarck tinha um certo interesse na disputa, uma vez que o complexo de minas Hibérnia
fora originariamente financiado por seu banqueiro, Bleichroeder, e vinha sendo, nos últimos
sete anos, o principal comprador da madeira de suas propriedades. Sua inclinação, portanto,
politicamente, era ignorar o que ocorria no Ruhr; os proprietários das minas, achava ele,
tinham apenas de agüentar firmes até que a fome e a miséria forçassem os grevistas a ceder.

Guilherme II era de outra opinião. Na mocidade, ele visitara as fábricas e minas do Ruhr
muitas vezes. Quase sempre acompanhado de seu tutor principal, Georg Hinzpeter, um
vestfaliano de nascimento. Guilherme continuou a aconselhar-se com seu ex-tutor depois de
subir ao trono. Hinzpeter era um rigoroso calvinista que apoiava os pontos de vista “Sociais
Cristãos” de Adolf Stöcker, não gostava de Bismarck, e menos ainda de Bleichroeder. No dia
14 de maio, por sua própria vontade ou por incitação de Hinzpeter, Guilherme
repentinamente interrompeu uma sessão do conselho ministerial prussiano, presidido por
Bismarck. O imperador- no caso, agindo como Rei da Prússia - deu instruções aos ministros
para tomarem providências que acabassem imediatamente com a greve do Ruhr. Se
necessário, deviam compelir os mineradores a atenderem às exigências dos grevistas. Dito o
que, saiu altivamente da reunião, ficando Bismarck a lamentar publicamente que seu
soberano fosse um jovem tão perigosamente impetuoso, tendente a impor despóticas
ordenações à vida prussiana como se fora Frederico Guilherme I. A greve dos mineiros foi
resolvida em questão de dias506.

Bismarck aborreceu extremamente o descaso de Guilherme pelo protocolo constitucional.


Mas não mordeu a isca da tática, e não pediu demissão. Em vez disso, retirou-se para
Friedrichsruh no fim de maio e passou fora da capital a maior parte dos cinco meses
seguintes. Não foram, porém, meses de inatividade. Deu jeito para que o Norddeutsche
Allgemeine Zeitung, influente jornal de Hamburgo começasse a publicar artigos de ataque a
Waldersee507. A série, que chegou ao máximo no dia 7 de julho, teve o efeito de obrigar o
chefe do Estado-Maior Geral a pisar com cuidado até o fim do ano, mas não de fazê-lo
reconciliar-se com os Bismarcks. Ao mesmo tempo o chanceler passou a estudar
cuidadosamente a situação política no Reichstag, planejando a maneira como iria conduzir-se
nas eleições seguintes, marcadas para fevereiro de 1890. Apoiaria ele o Cartel, na esperança
de que os partidos Conservador e Nacional Liberal repetissem a vitória de 1877 e lhe dessem
o esteio substancial no Reichstag? Ou deveria basear sua futura política numa combinação
diferente, por exemplo, os Conservadores moderados e o Partido do Centro? O imperador já
se pronunciara diversas vezes no sentido de que considerava o Cartel a base natural do
governo. Waldersee, ainda que mais relutante que seu soberano em dar a público suas
opiniões, assegurava aos lideres partidários, em particular, que também era favorável ao
Cartel. Mas Bismarck tinha que chegar a uma conclusão não apenas sobre quem eram seus
aliados políticos, mas também identificar seus inimigos internos - a Igreja Católica, como
sempre, os trabalhadores, o Grande Estado-Maior, ou, novo nos cálculos, o palácio? Houve
bastante em que meditar e muito o que avaliar, naquelas semanas em Friedrichsruh e Varzin.

Mas a decisão do chanceler de ausentar-se de Berlim no fim de maio foi um erro tático. Ele já
causara o início de uma disputa política externa, potencialmente tão séria que demonstrava a
insensatez de governar pelo telégrafo. Em abril, um inspetor de polícia alemão, de nome
Wohlgemuth, foi detido pelas autoridades suíças em resultado da desastrada maneira pela
qual estava investigando as atividades socialistas e anarquistas dos exilados em território
suíço. Bismarck protestou junto à Suíça e instruiu o embaixador em S. Petersburgo a
providenciar uma gestão conjunta russo-alemã em Berna, com o objetivo de obter dos suíços a
repressão dos grupos que estariam tramando revoluções em suas pátrias. Mas, com a
ausência de Bismarck, os funcionários do Ministério do Exterior permitiram que o caso com a
Suíça escapasse do controle. Tomaram-se medidas alfandegárias na fronteira e pelo menos
uma via de acesso foi fechada. Os liberais sul-alemães, que nunca haviam tido problemas com
a Suíça, indignaram-se; e o comércio em Baden, Württemberg e Baviera sofreu
consideravelmente. O Grão-Duque Frederico de Baden, casado com uma tia do jovem
imperador, sempre fora favorável à política de Bismarck, mas afastou-se totalmente do
chanceler com o Caso Wohlgemuth e a subseqüente guerra de nervos com a Suíça. O Grão-
Duque era pessoa respeitada por Guilherme II; seu representante pessoal em Berlim,
Marschall von Bieberstein, era o mais considerado e capaz enviado de um dos estados
pequenos. Bismarck não podia permitir-se o luxo de transformar em inimigo figura tão
influente na Corte como o Grão-Duque de Baden508.

Num dado momento, em julho, Herbert Bismarck admitiu ao Grão-Duque que julgava
incompreensível a atitude de seu pai. O Caso Wohlgemuth já era ruim o bastante, mas antes
que se resolvesse, os críticos do chanceler encontraram novo motivo de queixa. O Governo
Russo desejava colocar certas apólices na bolsa de valores alemã a fim de levantar dinheiro
para completar o sistema ferroviário estrategicamente tão importante, na Polônia e na
Ucrânia. O agente principal desse negócio era Bleichroeder, já longamente especializado em
transações russas. Ao saber desse negócio, Waldersee protestou ao imperador, este também
inquieto com as grandes quantidades de ações russas em poder de bancos e de investidores
privados alemães. Guilherme enviou mensagens a Friedrichsruh determinando a Bismarck
providências para que o público alemão fosse alertado contra as ações russas e Bleichroeder
suspendesse a operação de colocação. Bismarck, no entanto, sustentou que os russos
considerariam esse tipo de pressão econômica um ato hostil e se voltariam para a França em
busca de apoio financeiro que abriría caminho a um entendimento político e militar franco-
russo. Guilherme, impêrvio, não se convenceu. Após consultar Bleichroeder, Bismarck
informou o imperador que, embora fosse impossível evitar a colocação de títulos russos na
Bolsa de Berlim, autorizaria uma campanha não-oficial de imprensa para desestimular os
investidores alemães de comprarem ações russas. Guilherme deu-se por satisfeito: sentiu que
vencera de novo seu chanceler, desta vez num assunto que atingia Waldersee e o Grande
Estado-Maior; e estava especialmente feliz por haver frustrado maquinações de tão
tradicionais espíritos do mal, os banqueiros judeus. O episódio deixou-lhe profundas suspeitas
sobre Bleichroeder e suas atividades509.

Seguiram-se outras causas de dissenção entre o chanceler e seu senhor. As autoridades


eclesiásticas da Baviera pediram permissão para o retomo à Alemanha de uma das ordens
religiosas, os Redentoristas, expulsas com os Jesuítas no auge da. Kulturkampf. O chanceler
não se opunha ao regresso, em princípio: mencionou a Herbert a possibilidade de apoio papal
nos assuntos poloneses e desejava compensar as péssimas conseqüências do Caso
Wohlgemuth por meio de um gesto que fosse bem recebido no sul da Alemanha. Mas a idéia
da volta dos Redentoristas, não só à Baviera mas às regiões católico-romanas da Prússia,
acendeu o zelo protestante de Guilherme. Apoiado por Hinzpeter, opôs-se firmemente à idéia.
Ponderou que se os Redentoristas pudessem voltar num ano, no ano seguinte os Jesuítas
também se esgueirariam de volta. Guilherme não via lógica em que um chanceler dependente
do Cartel no Reichstag fizesse concessões aos católicos - a menos, é claro, que se estivesse
preparando para abandonar a coalizão governamental existente. Guilherme não tinha dúvida
de qual devia ser sua posição em tais assuntos: no dia 2 de outubro, o diário oficial, o
Reichsanzeiger, saiu com uma proclamação formal de que Sua Majestade Imperial apoiava,
sem reservas, o Cartel510. Três dias depois, o Conselho de Estado prussiano, reunido em
Berlim a despeito da continuada ausência de seu presidente, decidiu que os Redentoristas não
teriam permissão de regressarem à Prússia.

Era ridículo para Bismarck demorar-se em suas propriedades num momento daqueles e na
primeira semana de outubro ele, enfim, reapareceu na capital. Não porém, devido à política
interna. Em 11 de outubro o czar iniciou uma visita de três dias a Berlim. Bismarck julgou
essencial tranqüilizar os russos, bem-informados da hostilidade da panelinha de Waldersee em
relação a eles. Guilherme II não esteve na melhor de suas atuações. Levantou um brinde à
longa duração da centenária amizade entre os Romanovs e os Hohenzollerns. Naquele
instante ele estava tomado de espírito militar - indulgente, Waldersee permitira que ele
vencesse, nas manobras de outono - e ficou satisfeito ao ser convidado por Alexandre III para
ir à Rússia no ano seguinte, estudar os exércitos russos no campo. Bismarck ficou menos feliz
com a visita. Notara a fria recepção que o povo de Berlim dera aos hóspedes russos. Tão aflito
estava Bismarck por que o czar fixasse uma impressão favorável que, pela primeira vez em
vinte anos, foi à Ópera e agüentou uma apresentação de gala da Rheingold, malgrado sua
falta de simpatia pela música de Wagner. Atenuou as apreensões imediatas do czar sobre a
atitude belicosa de Waldersee e sobre a intenção de Guilherme II de fazer, em novembro, uma
visita de grande pompa a Constantinopla. Mas nem Alexandre nem seus acompanhantes
voltaram com ilusões quanto à capacidade de Bismarck controlar os acontecimentos por
muito tempo. Notaram como envelhecia rapidamente. Parecia tão abatido que Alexandre, ao
recebê-lo em audiência, ofereceu-lhe uma cadeira, permanecendo ele próprio em pé.
Cortantemente, Alexandre perguntou-lhe se contava continuar como chanceler nos anos à
frente. Pergunta desconcertante, mas Bismarck deixou claro que pretendia morrer na sela - e
não muito em breve. O czar talvez não estivesse tão interessado na saúde dele quanto
Bismarck preferiu inferir ao dar-lhe a resposta.

Alexandre deixou Berlim no dia 13 de outubro. Guilherme, com Herbert de assistente, partiu
para Atenas e Constantinopla cinco dias depois. O chanceler disparou de volta para
Friedrichsruh na manhã seguinte: semana e meia em Wilhelmstrasse foi o suficiente para ele,
que não voltou à capital, naquele ano. Quando desejava ter consultas com líderes partidários
e embaixadores, estes tinham de pegar o Expresso de Hamburgo e passar uma ou duas noites
em Friedrichsruh como hóspedes do chanceler. Kalnoky - em seu nono ano de ministro do
exterior austríaco - ao pretender discutir a situação da Tríplice Aliança, naquele novembro,
teve, também ele, de fazer a viagem do norte a fim de avistar-se com Bismarck. O estilo de
governo do chanceler nunca foi tão furtivo quanto nos últimos meses, até o colapso.

Ninguém em Berlim tinha dúvidas de que o incorrigível ilusionista ia fazer um dos seus
truques, de novo. Em 1887 ele havia engendrado uma ameaça externa, espectralmente
suspensa do outro lado do rio Reno, um ato que ficava a dever à crise da “Guerra à Vista” de
vinte anos antes. Parecia, agora, que as eleições de 1890 deviam seguir o modelo de 1887, o
chanceler entrando em cena com sua segunda fantasia favorita, a de defensor da igreja e da
família contra o socialismo vermelho e a anarquia. Durante a greve dos mineiros do Ruhr de
maio de 1889 ele solicitara ao Reichstag a aprovação de um dispositivo pelo qual o estado
contribuiría para um fundo de pensão para a velhice, e este último item de seu programa de
seguridade social foi devidamente votado com a maioria assegurada pelo Cartel, no verão,
ainda que com muitas abstenções. Mas, como sempre, com Bismarck o bem-estar social e a
repressão andavam de mãos dadas, e em outubro ele aprovou um anteprojeto de lei anti-
socialista destinada a tornar permanentes as “Medidas Excepcionais”, que eram revalidadas a
cada três anos desde sua aprovação no Reichstag em 1878. O projeto continha um artigo que
estatuía a expulsão de agitadores socialistas, proposta a que se opunha com vigor o resto de
nacional-liberais pertencente à coalizão do governo. Os Conservadores queriam medidas anti-
socialistas fortes. Também o Centro, desde que o chanceler fizesse concessões na política
religiosa. Enquanto o imperador estava em Constantinopla, Bismarck afirmou aos líderes do
Partido do Centro ser favorável à legislação isentando os padres do serviço militar e foi bem
longe na intimidação de seus colegas prussianos para que aceitassem essa isenção. Por mais
que dissesse, em público, que desejava manter funcionando o Cartel, poucos observadores
davam-lhe crédito. Ao chegar o fim do ano era largamente admitido que o Cartel podia ser a
“Coalizão do Kaiser”, mas não de Bismarck511.

Quando voltou da Turquia, Guilherme atirou-se à política com um empenho que chegava à
indiscrição. Sugeriu que se preparasse anteprojeto de lei regulando a jornada e as condições
de trabalho em minas e fábricas, com vistas, principalmente, a proteger mulheres e crianças.
Heinrich von Bötticher, secretário-geral de estado do interior, surpreendeu-se com o súbito
interesse do imperador por legislação social. Sendo ele, nominalmente, o vice-chanceler,
achou de seu dever deslocar-se a Friedrichsruh para colocar Bismarck a par do quadro.
Segue-se um episódio obscuro, que bem pode ser o resultado de incompetência e confusão em
Friedrichsruh, mas pelo qual Bismarck culpou o próprio secretário de estado. O secretário
particular de Bismarck recomendou a Bötticher que não fizesse a viagem, pois o chanceler
não estava passando bem. Era verdade: nessa ocasião ele escreveu à irmã queixando-se da
asma, de nevralgia e de reumatismo. Mas não existe explicação para não haverem mostrado o
papel ao chanceler, quando Bötticher remeteu a Friedrichsruh um memorando sobre a
questão social. Herbert mantinha o pai bem a par dos assuntos diplomáticos e militares.
Parece, entretanto, ter-lhe passado desapercebida a importância da mais recente obsessão do
imperador. Foi então, a 7 de janeiro de 1890, quando Bötticher, afinal, viajou a Friedrichsruh,
que Bismarck ficou sabendo quão interessado se tornava Guilherme em legislação trabalhista,
Não se tocou: esse “embuste humanitário” só serviría para aumentar o descontentamento nas
massas urbanas, disse a Bötticher512. Tão logo voltasse a Berlim abriría os olhos do
imperador para toda essa tolice. Mas recusou-se a ir logo: Herbert disse-lhe que sua presença
não era necessária; e repetiu-lhe o conselho de permanecer no campo quando veio vê-lo no
fim da semana seguinte.
Guilherme II impacientava-se. Não queria Bismarck de volta em Berlim, onde ele entraria em
contato com os líderes dos partidos rivais no Reichstag, mas estava decidido a impor seu
programa trabalhista ao governo antes das eleições, marcadas para fevereiro. Em vista disso,
foi passado um telegrama para Friedrichsruh na manhã da quarta-feira, dia 23 de fevereiro,
informando Bismarck de que sua presença era solicitada e necessário seu comparecimento à
sessão do Conselho da Coroa às seis horas da tarde seguinte. O imperador calculava que
poderia apresentar suas idéias ao conselho antes que Bismarck tivesse a oportunidade de pôr
todo mundo em forma atrás dele.

O chanceler estava pronto para o combate. Chegou de volta a Wilhelmstrasse, no mais


agressivo dos humores, no início da tarde de quinta-feira. Entre os ministros houve, como
sempre, “uma aterrorizada agitação só em pensar na chegada de Júpiter” (para empregar a
clara metáfora de Eulenburg); e o chanceler imediatamente convocou uma reunião. Foi
acertado que o Conselho da Coroa aceitaria quaisquer propostas feitas por Guilherme,
reservando-se julgamento sobre elas até que os detalhes ficassem mais nítidos. Os ministros,
disciplinados, seguiram Júpiter até o palácio513.

O Conselho da Coroa não transcorreu conforme Guilherme pretendia. Ele fez uma eloqüente
exposição em favor de melhores condições nas fábricas e solicitou, especialmente, a
publicação de um manifesto imperial, antes das eleições, que fizesse saberem seus súditos
que o soberano “tinhacomo algo de seu peito o bem-estar dos trabalhadores e aspirava a
poder ajudá-los, embora determinado a mantê-los na estrita obediência da lei e a punir atos
de violência”. Foi lido, então, para o conselho, um programa de reformas que incluía
limitações ao trabalho aos domingos e ao emprego de mulheres e crianças. Bismarck, falando
inicialmente com moderação, apenas pediu tempo para examinar as propostas, mas, à medida
em que Guilherme começou a insistir em ação imediata, a ira do chanceler subiu e ele expôs,
de maneira mais vivida, os perigos contidos em se inflamarem os operários às vésperas de
uma eleição. Nesse ponto, Bötticher perguntou quando seria dissolvido o Reichstag.
Guilherme estava disposto à dissolução no dia seguinte, mas esperava que, então, o
parlamento já houvesse concluído a terceira leitura do Projeto Anti-Socialista. Na opinião do
imperador, o polêmico artigo que permitia a expulsão de agitadores devia ser retirado a fim
de manter no Cartel os Nacional-Liberais e os Conservadores moderados. Bismarck,
entretanto, não cedeu: nada de acomodação, nada de apaziguamento, nada de “arriar a
bandeira”. O Projeto Anti-Socialista permanecería como estava. Se o Reichstag o rejeitasse,
ele apresentaria à nova câmara um projeto ainda mais drástico, após as eleições, trazendo os
dissidentes para debaixo do controle. Ou o imperador se aprestava a uma prolongada luta
contra o socialismo subversivo ou teria de achar outro chanceler514.

Guilherme, por enquanto, perdia a parada. Ainda não estava pronto para aceitar a demissão
de Bismarck; mas mesmo assim, fez questão de declarar, não desejava manchar o início de
seu reinado com o sangue de trabalhadores. Em desespero, Guilherme apelou para os
ministros do Conselho da Coroa. Cada um deles, como de costume, apoiou Bismarck. O mais
observador dos ministros, Lucius von Ballhausen, anotou em seu diário, “Retiramo-nos com
todas as divergências sem solução. Sente-se que uma brecha irreparável abriu-se entre o
chanceler e o soberano. Evidentemente, Sua Majestade tentou mostrar bom humor com
relação ao chanceler, mas estava fervendo por dentro. Pelo menos ele é dotado de um
inacreditável autocontrole”515.

A brecha cresceu nas quatro semanas seguintes. A primeira reação de Guilherme foi iniciar a
busca de um possível sucessor. Waldersee era politicamente reacionário demais e muito
ostensivamente ambicioso. Cinco dias apenas, depois da reunião do Conselho da Coroa, o
Grão-Duque de Baden foi informado por seu representante, Marschall, que o general Caprivi
seria o próximo chanceler do Reich; de fato, no dia 1º de fevereiro, Caprivi chegou de
Hanover, convocado ao palácio, e ouviu do imperador que estava sendo cogitado para o
posto516. Havia muito bom senso nessa idéia. Caprivi era um homem íntegro, respeitado
tanto pelos bismarckistas como pelos chefes militares. Demitindo-se, em 1888, por uma
questão de procedimento administrativo, provara a Guilherme que não era um simples
autocrata militar, mas um ministro imbuído de crença na observância da forma constitucional.
Daí em diante, embora Caprivi não se quisesse considerar candidato, Guilherme passou a
julgar-se em condições de pagar para ver, a qualquer momento, quando Bismarck jogasse no
velho blefe de ameaçar demitir-se.

Bismarck desconhecia o contato com Caprivi. No começo, os acontecimentos seguiram o


curso que ele previra. O Projeto Anti-Socialista foi rejeitado pelo Reichstag em 25 de janeiro.
Guilherme dissolveu a assembléia e convocou eleições para o dia 20 de fevereiro. Houve,
entretanto, um estranho incidente, no dia 31 de janeiro, quando o imperador interrompeu
inesperadamente uma reunião do ministério prussiano (tal como fizera por ocasião da greve
do Ruhr) e quis saber se Bismarck estava providenciando o que ele desejava a respeito da
questão trabalhista. O chanceler afirmou-lhe que supervisionava pessoalmente a redação dos
dois manifestos que Guilherme pretendia lançar: não esclareceu, porém, que sua pena os
estava editando e adaptando de forma tão livre como o fizera com o Telegrama de Ems. A
gazeta oficial de 4 de fevereiro publicou duas proclamações: uma afirmava ao povo alemão o
desejo do soberano de promover uma legislação trabalhista; a outra tinha a forma de um
convite do imperador alemão a todos os governantes da Europa para que enviassem
representantes a uma conferência internacional do trabalho, em Berlim, no mês de março
seguinte. Nenhuma das proclamações era referendada com a rubrica de Bismarck, conforme
o hábito desde a fundação do império; e ninguém, fora do Governo Prussiano, sabia que o tom
incisivo, quase radical, de ambos os pronunciamentos imperiais se devia muito mais a
Bismarck que a Guilherme. Estranhamente, o próprio imperador não parece ter feito objeções
nem à editoração nem à ausência da assinatura de endosso517.

As eleições para o Reichstag foram uma derrota para o Cartel, com todo o apoio de Guilherme
a suas linhas políticas. A maior bancada singular foi a do Centro, enquanto os Social-
Democratas tiveram o maior número total de votos. A legislação trabalhista do imperador
aumentara a “respeitabilidade” do socialismo, embora os limites dos distritos fossem
desenhados de tal forma que o milhão e meio de eleitores que votaram nos Social-Democratas
fizeram, pelo voto distrital, apenas trinta e cinco deputados. Bismarck não considerou o
resultado derrota sua. Ele já se mostrara com tendências para uma coalizão Conservadora-
Centro e o veredito das umas confirmou suas previsões. Mas o imperador opunha-se a
concessões aos católicos. Cinco dias após a eleição Guilherme II e Bismarck mantiveram uma
longa conversação a respeito do futuro programa legislativo do recém eleito Reichstag518.
Um não entendeu o outro. Bismarck achou que o imperador estava tão alarmado com a
ameaça do socialismo que lhe permitiría medidas repressivas e um projeto de orçamento
militar acrescido, contanto que, em primeira prioridade, anunciasse alguma legislação sobre o
trabalho industrial. Guilherme II concluiu que o chanceler estava atendendo a suas duas
principal exigências: reforma social e exército maior. Ambos partiram de que não havería
“rendição” ao socialismo; Bismarck porque tencionava proibir sua propaganda. Guilherme
porque confiava em que um aumento no padrão de vida do operariado destruiría o encanto do
dogma revolucionário.

A reconciliação não durou mais que alguns dias. Guilherme percebeu que Bismarck cabalava
contra ele. Quando o chanceler visitou a imperatriz viúva, na véspera das eleições, Guilherme
fez um gracejo irônico em vez de aborrecer-se, mesmo sabendo que dele não falariam bem.
Mas foram as tentativas visíveis do chanceler de torpedear sua conferência internacional do
trabalho que realmente o encheram de raiva. Ele descobriu que Bismarck estimulava os
embaixadores em Berlim a recomendarem que seus governos declinassem do convite de
Guilherme, usando como desculpa o fato de se haverem comprometido com uma
representação a conferência similar na Suíça[1]. Pior, no próprio dia seguinte ao da aparente
reconciliação, Bismarck expediu um memorando insistindo em que nenhum anteprojeto
corporificando as idéias sobre proteção dos trabalhadores deveria ser apresentado até que
acabasse a conferência, no fim de março. Finalmente, Guilherme ficou sabendo,
aparentemente por Bötticher, que Bismarck, no dia 2 de março, relembrara aos membros do
governo prussiano que eles estavam circunscritos, por uma ordem do gabinete imperial ao
ministério, emitida por Frederico Guilherme IV, em 1852, a somente tratarem de seus
negócios com o soberano através do chefe do governo. Dois dias depois, o imperador remeteu
a Bismarck uma ordem do paço proibindo-o de apresentar qualquer legislação anti-socialista.
Para surpresa sua, Bismarck obedeceu imediatamente. Mesmo com sua pouca experiência no
trato com o chanceler, Guilherme percebeu que ele deveria ter uma política alternativa já
engatilhada, ou não teria concordado tão prontamente com a exigência do soberano.

Ambos os filhos de Bismarck agora estavam preocupados com a tática do pai. O mais moço,
Guilherme, achava que não havia reconciliação possível entre o senhor e seu chanceler: “Cada
vez receio mais estar certo em minha previsão de que eles não chegarão juntos ao fim do
verão”, disse a Holstein em 2 de março519. Entrementes, Herbert tentava dirigir a política
externa alemã, em especial avaliar o ar estranho dos russos, que repentinamente chamaram
de volta seu embaixador em Berlim, a 27 de fevereiro, e pareciam em vias de obter a
colocação, no mercado de Paris, dos títulos de um considerável empréstimo. Andava tão mal
de saúde que dependia do Dr. Schweninger quase tanto quanto seu pai; exausto das
exigências do cargo, faltava-lhe a volúpia do poder, aquela estranha, demoníaca energia que
possuía o chanceler. No dia 5 de março, Herbert enviou um bilhete triste a seu cunhado, o
Conde Rantzau, valendo-se do idioma inglês, presumivelmente cautela contra a curiosidade
dos criados: “Estamos perdendo terreno em todas as frentes porque agora é inútil tentar
consertar os erros fatais já inapelavelmente cometidos”520, escreveu ele.

Em particular, também o pai começava a ter dúvidas sobre o futuro. No fim de semana de 8-9
de março, esteve em constante contato com seu banqueiro, Bleichroeder. Nos primeiros
quatro dias da semana seguinte, Bleichroeder liqüidou toda a considerável posição de
Bismarck em títulos do governo alemão, comprando Obrigações Estatais Egípcias a bom
preço521. Mas o chanceler ainda estava na luta, e usou seu banqueiro para fazer contato com
os líderes do Partido do Centro. Em 12 de março, Bismarck recebeu Windthorst em sua
residência oficial e tentou estabelecer, por fim, uma coalizão Centro-Conservadora. Porém
Windthorst exigiu privilégios para a Igreja Católica Romana que Bismarck, mesmo no
presente espírito aguerrido, sabia impossível conceder. A conversa foi inútil. “Acabo de ver um
grande homem no seu leito de morte política”, disse Windthorst, pouco depois.

Quando soube do encontro, o imperador realmente chegou ao máximo furor. E não foi o
encontro a causa única. O chanceler prosseguia deliberadamente não cooperativo sobre a
conferência internacional do trabalho, e no dia 13 de março aprovou uma ordem diretiva,
preparada pelo Ministério da Guerra, para prender agitadores socialistas nas celas dos
quartéis do exército e um plano para a eventualidade de emprego de tropa contra rebeliões e
levantes socialistas. Não pareceu impossível a Guilherme que chegassem à tentativa de
provocar uma manifestação de trabalhadores durante o funcionamento da conferência. Esta
devia ter sua sessão de abertura no sábado, 15 de março, no mesmo Grande Salão onde se
realizara o Congresso de Berlim. O imperador não tencionava deixar que Bismarck o
enganasse. Sexta-feira, tarde da noite, enviou uma nota a Bismarck informando-o de que iria
pessoalmente à chancelaria no sábado de manhã522.

A nota não chegou a Bismarck antes que se deitasse; e ele ainda estava na cama, quando o
imperador chegou, na manhã seguinte. Ao terminar de vestir-se, já estava de pavio curto.
Guilherme também. Exigiu saber com que direito Bismarck havia recebido Windthorst sem
consultar, previamente, o soberano. Por que estava a ligar-se com “judeus e jesuítas?” Por que
fizera reiterar e circular a ordenação ministerial de 1852? Deve ser imediatamente tornada
sem efeito, pois o soberano precisa ter o direito de discutir assuntos com seus ministros, “já
que o senhor passa um largo período de cada ano em Friedrichsruh”. Bismarck tentou
esconder alguns papéis que estavam sobre sua mesa. Guilherme exigiu vê-los. Bismarck
hesitou. Guilherme apanhou um dos documentos, uma mensagem confidencial de S.
Petersburgo e leu - como queria Bismarck - um comentário a seu respeito, feito pelo czar:
“C'est un garçon mal élevé et de mauvaise foi!”. O rapaz mal-educado e desonesto voltou para
o palácio. Seu último comentário, ao sair, foi uma reiteração de que a ordem ministerial de
1852 fosse anulada523.

Naquela tarde, o imperador recebeu Waldersee em audiência. O chefe do Estado-Maior


queixou-se da constante política do chanceler de apaziguamento dos russos. Guilherme
solicitou a Waldersee que ampliasse melhor suas idéias. Constavam de um longo ataque a
Bismarck por este não apoiar os chefes militares; e no fim, Waldersee disse ao imperador,
francamente, que parecia não haver razão por que o chanceler não fosse exonerado do cargo.
No dia seguinte, o imperador estudou informações sobre movimentos de tropas russas na
Ucrânia, remetidas a Berlim pelo cônsul alemão em Kiev. Pareciam corroborar as alegações
de Waldersee. Uma apressada nota foi enviada ao chanceler protestando por ter ele deixado
de chamar a atenção de seu imperador “para esse perigo terrível que nos ameaça”. No
mesmo dia um dos ajudantes-de-ordens do imperador foi mandado a Bismarck para perguntar
se já havia cancelado a ordem ao ministério de 1852. Bismarck explicou que não podia ceder
neste ponto pois ele solaparia os poderes do chefe do governo. Na segunda-feira de manhã, o
ajudante-de-ordens retornou à presença do chanceler: ou Bismarck recolhia a ordem
ministerial ou devia apresentar sua demissão. À noite, sem notícias do chanceler, Guilherme
enviou um assistente civil a perguntar por que a carta de demissão ainda não chegara ao
palácio. Por fim, na terça-feira, 18 de março, Bismarck remeteu formalmente ao imperador
seu pedido de demissão, vazado num manifesto cuidadosamente redigido, no qual não havia
menção à lei anti-socialista, ao direito de receber Windthorst quando o desejasse ou a seus
pontos de vista sobre relações de trabalho. A carta de demissão realçava a necessidade de
preservar as praxes constitucionais (como demonstrado por seu apego à ordem ministerial de
1852) e, acima de tudo, à necessidade de manter a paz na Europa e não ser levado a atitudes
de pânico por um Estado-Maior belicista. Dois dias depois, a demissão de Bismarck foi
formalmente aceita. A Alemanha e o mundo foram informados pela gazeta oficial na noite de
quinta-feira, 20 de março: publicava a carta cortês de Guilherme II aceitando “com profunda
emoção” e “com coração contristado” a decisão de seu chanceler de deixar o cargo. A gazeta
não publicou a carta do chanceler.

Seguiram-se nove dias de interregno político. No salão de festas do Palácio Radziwill, o


ministro prussiano do comércio presidiu a conferência internacional do trabalho. As atenções,
porém, estavam noutras paragens. Depois de dominar o palco diplomático por vinte e oito
anos, Bismarck tinha direito a uma série de aparições finais, ao baixar o pano, e ele as
executou com uma combinação de dignidade e patos. A última visita para depositar três rosas
no túmulo de Guilherme I; uma visita de cortesia para receber a solidariedade da viúva de
Frederico III; e, na companhia do general Caprivi, que tomava as rédeas do poder, uma
grande procissão até o palácio, onde Guilherme II fê-lo Duque de Lauenburgo (“Usarei esse
título quando quiser viajar incógnito”) e promoveu-o a Coronel-General com honras de
Marechal-de-Campo. “Meu pai diz que é tudo muito estranho”, escreveu Herbert a Rosebery,
“o imperador nomeia seu melhor general Chanceler e faz do seu melhor chanceler um
Marechal-de-Campo”524.

Telegramas de manifestação de simpatia, cartões de visita, buquês de flores chegaram à


Chancelaria durante vários dias e a semelhança a um funeral não escapou a Bismarck. Foi
difícil encontrar tempo para cada visitante. Nem todos foram bem recebidos: um pastor
luterano com uma homília sobre o tema “Amai Vossos Inimigos” foi mandado à vida por Joana
com uma sem-cerimônia religiosa digna da Rainha Elizabeth I. Pequenos príncipes alemães,
líderes partidários e embaixadores foram tratados mais respeitosamente. Como foram dois
visitantes totalmente inesperados: o Príncipe de Gales e seu segundo filho (o futuro Eduardo
VII e o futuro George V) estavam de visita em Berlim. O Príncipe de Gales foi levado a ver o
chanceler caído, segundo seu biógrafo, por “ardente curiosidade”. Interessou-o notar como
ele lutava para conter sua raiva de Guilherme, ao mesmo tempo em que, com naturalidade,
previa desastres para uma Alemanha e para uma Europa privadas de sua liderança. O
Príncipe George, por sua vez, não notou nada disso: seu único registro no diário foi, “Ele fala
inglês perfeitamente”525.
No sábado 29 de março, Bismarck deixou a residência oficial pela última vez e foi de
carruagem, em meio à multidão que o saudava, até a estação de Lehrter, onde se postava uma
guarda de honra e uma banda militar de seu próprio regimento. Muitos grandes personagens
estavam na multidão, dando adeus à saída do trem, com Bismarck em pé junto à janela do
vagão. O imperador, evidentemente, não esteve presente526. Mas a Bismarck não seria dado
esquecer seu jovem senhor. Na terça-feira seguinte ele comemorou seu septuagésimo-quinto
aniversário, com serenatas das bandas locais, em Friedrichsruh. Chegou um presente do
palácio; e Bismarck descobriu que para seu consolo, na forçada aposentadoria, ele agora
possuía um retrato enormemente ampliado do seu soberano. Desta vez, faltaram-lhe as
palavras.

[1] A fim de frustar o golpe baixo de Bismarck, Eulenburg foi mandado à Legação Suíça em
Berlim com uma solicitação para que a conferência na Suíça fosse cancelada. Os suíços
cederam e receberam de Eulenburg a garantia de que poderiam contar, daí em diante, com a
eterna gratidão do imperador. De outra forma não teria havido conferência do trabalho em
Berlim. (Eulenburg, Aus 50 Jahrey pp. 231 -32).
16. DEPOIS DA QUEDA

“Não posso deitar-me feito um urso a hibernar”, queixou-se Bismarck, logo após sua volta a
Friedrichsruh527. Ele apreciava andar pela propriedade, a cavalo, de carruagem, a pé;
divertia-se com as brincadeiras das crianças de sua filha Marie; interessava-se pela situação
dos serviçais e de suas famílias nos vilarejos vizinhos. Mas sentia- se por demais agastado e
ainda vigoroso para aceitar a aposentadoria de bom grado. Quando estava no poder, escapava
para Friedrichsruh com um certo sentido de falta ao trabalho, de vadiagem, e embaixadores,
ministros, personagens de estado, seguiam-no até o Sachsenwald, o “Bosque dos Saxões”,
junto à residência, a ponto de parecer que a mansão de dois pisos e arquitetura irregular,
junto a estrada de ferro de Flamburgo, era o posto de comando central dos assuntos da
Europa. Agora, porém, no verão de 1890, nem um só político veio visitá-lo. Os trens expressos
já não recebiam pedidos de parada na estação de Friedrichsruh. Por vezes, sentia-se muito,
muito entediado.

Teria sido melhor que viajasse. Lord Rosebery convidou Herbert para visitar a Inglaterra e
esperou que seu pai o acompanhasse. Mas aos setenta e cinco anos o velho já não tinha ânimo
para atravessar o Mar do Norte e Herbert fez a viagem sozinho528. Bismarck, aliás, viajou
para Kissingen em agosto, como de hábito, e recebeu o tratamento normalmente dado a
visitantes da realeza, mas não tinha desejo de ver novos lugares ou de exercitar a mente em
novos prazeres intelectuais. Tudo que desejava era vingar-se dos "intrigantes ambiciosos e
incapazes” que, afirmava, haviam envenenado o soberano contra ele.

Ao voltar de Kissingen, Bismarck começou a trabalhar em suas memórias. Lothar Bucher, que
servira no Ministério do Exterior vinte e dois dos vinte e oito anos em que Bismarck esteve à
testa dos negócios, chegou a Friedrichsruh em setembro. Durante todo o inverno tentou pôr
em ordem o estilo de narrativa de seu chefe. Bucher desesperava com freqüência;
reminiscências não constituíam refrigério para o espírito perturbado de Bismarck. Ao ditar
certas passagens a Bucher, velhos agravos vinham colocar-se ao lado de acontecimentos mais
recentes, em sua mente. Às vezes caía em profundo silêncio, deitava-se no sofá por meia hora
e curtia sua cólera com ressentimento do passado. Bucher teve dificuldade em fazer coincidir
algumas estórias contadas por Bismarck com a massa de documentos que o chanceler
demitido retirara da Wilhelmstrasse nos dez dias que se seguiram a sua queda. Não que
deliberadamente falsificasse a história: a memória pregava peças, vendo acontecimentos pelo
telescópio e convencendo o narrador de que ele estivera presente a ocasiões nas quais as
evidências eram claras de que se encontrava noutro lugar. Depois de mais de vinte anos ele já
não conseguia separar, mentalmente, a versão oficial de certas ocorrências do que realmente
havia sucedido. Pelo menos uma vez, Bucher viu-se na embaraçosa situação de ouvir o ex-
chanceler negando uma iniciativa diplomática, referente à candidatura Hohenzollern, em que
ele próprio, Bucher, fora o executante da gestão529. Foi necessário todo o tato e a experiência
de Bucher para evitar que a narrativa degenerasse numa distorção dos fatos paralela à das
famosas memórias de Talleyrand, publicadas justamente nos meses em que Bucher ajudava
Bismarck a escrever as dele.

Ainda que quisesse, Bucher não conseguiría induzir Bismarck a demonstrar objetividade. Teve
de aceitar a versão do chefe de que a unificação alemã seguira um grande roteiro
preestabelecido. Da mesma forma, foi-lhe impossível diluir no texto o rancor de Bismarck para
com aqueles que considerava seus inimigos na Corte. Uma que outra vez até o fiel Bucher
empacou em sua tarefa: “Ele conta um caso de certa maneira, hoje, e de maneira
completamente diferente amanhã”, queixou-se a Moritz Busch; e ainda mais ilustrativamente,
“Ele jamais admite ter tido algum papel nas coisas que saíram erradas”530. O esforço de
tratar com seu temperamental “chefe” foi demais para Bucher, especialmente em Varzin.
“Durante meses”, conta ele a Busch, “a temperatura de meu quarto, lá, esteve dez graus
abaixo de zero e isso me liqüidou”531. Depois de fazer um terço do trabalho, Bucher adoeceu
gravemente. Em outubro de 1892, faleceu. Bismarck perdeu o interesse pelo projeto original
da obra, que era de larga escala. Embora revisasse cuidadosamente as provas de Gedanken
und Erinnerungen, criando uma obra-prima literária como ainda não houvera em
autobiografia, ele nunca procurou outro amanuense para substituir Bucher. Remendou o
manuscrito incessantemente, até o mês de sua morte, reorganizando a ordem dos capítulos,
atenuando algumas referência a pessoas, tentando tornar mais coerente sua filosofia política,
diferenciando o que era possível do que era ideal. Mas o modelo básico do trabalho - um
registro pessoal de fatos passados, refletidos no espelho de insatisfações presentes -
permaneceu o mesmo de quando o pobre Bucher trabalhava para decifrar suas notas
taquigráficas, nas correntes de ar da mansarda em que morou, em Varzin.

Bucher lamentou muitas vezes que o “pensamento (de Bismarck) ainda está no presente, que
deseja influenciar”. O comentário era justo. Em março de 1891 Bismarck escreveu a
Waldersee (agora, também caído em desgraça): “Uma paixão sempre consome a outra. A
política foi a última de minhas paixões e absorveu todas as demais. Eis-me aqui, parado, sem
poder acompanhá-la, e isso é duro para mim”532. Tinha ímpetos de criticar muitos aspectos
da política de Caprivi: tentativas de apaziguamento dos trabalhadores; concessões coloniais à
Inglaterra em troca da Heligolândia; más relações com a Rússia. Sem porta-vozes no
Reichstag, Bismarck encontrou uma alternativa para tornar públicas suas opiniões. Aceitou
uma proposta dos donos e dos editores do Hamburger Nachrichten para escrever-lhes
regularmente um comentário sobre a cena política interna e internacional. Os artigos de
Bismarck, ditados às pressas e mal revisados, não estão à altura de seus anteriores ensaios de
jornalismo. A idade endurecera-lhe o estilo e tornara-o professoralmente obscuro, às vezes
aborrecidamente repetitivo. Mas se as expressões eram menos brilhantes, havia sempre uma
agradável sensação de expectativa sobre que segredo revelaria ele, a seguir, em sua coluna.
Logo, seus artigos estavam também nos jornais de Munich e Leipzig. Era muito, e
extensamente, citado na imprensa estrangeira. Também recebia jornalistas simpáticos a ele,
em Friedrichsruh, Varzin e Kissingen: uma entrevista exclusiva saiu no Le Matin, dizendo ao
povo francês o quanto ele sempre se esforçara por manter a paz; já os leitores do Daily
Telegraph foram tranqüilizados de que uma guerra anglo-alemã era impensável, não
parecendo provável que jamais fosse haver quaisquer desentendimentos mais sérios entre as
duas nações. Em março de 1891, quando Bismarck utilizava o Hamburger Nachrichten para
desabonar seu ex-vice Bötticher, os ministros em Berlim consideravam o ex-chanceler um
poderoso adversário. É de notar que, embora ele sempre se tomasse de cuidados para não
atacar seu soberano pessoalmente, Guilherme II ficou tão irritado com as campanhas de
imprensa que deixou de enviar cumprimentos a Bismarck em qualquer dos aniversários
pessoais ou datas nacionais de 1891. Em julho daquele ano, Guilherme comentou com seus
oficiais generais que Bismarck estava sistematicamente em oposição a ele. “Qualquer dia
desses o príncipe acaba na prisão de Spandau”, avisou os comandantes, e eles deviam pensar
na forma como explicariam a detenção a suas tropas. “Deus meu! Bismarck em Spandau!"
exclamou um deles, em conversa privada. “Seria uma bofetada no povo alemão”533.

Mas seria Bismarck, de fato, um sério perigo para o imperador e seus ministros? Em abril de
1891 ele foi convencido a candidatar-se pelo Partido Nacional-Liberal, numa eleição
complementar para o Reichstag, pelo distrito hanoveriano de Gessetemunde. Não fez uma
campanha muito ativa; mesmo assim, aborreceu-se ao constatar que seu nome não era o
suficiente para uma vitória por maioria absoluta no primeiro turno. Teve de concorrer ao
segundo turno e seu opositor, pelo partido Social-Democrata, foi um operário de uma pequena
fábrica de charutos. Bismarck, então, elegeu-se, mas somente pelo apoio do Partido do Centro
local534.

Houve um grande interesse na aparição do ex-chanceler como deputado comum, na Câmara.


Semanas se passaram e ele não ia a Berlim; semanas, meses e anos. Posteriormente, no
outono de 1892, explicou a um jornalista francês, porque não tomara posse em sua cadeira de
deputado. “Não tenho residência em Berlim e detesto hotéis, sobretudo camas de hotéis”, foi
sua justificativa, não muito convincente. “Em Berlim, ser-me-ia impossível atravessar uma rua
sem causar um espetáculo... Cada palavra minha seria comentada, explorada e contraditada.”
E acrescentou, mais reveladoramente, “a autoridade que advém da ocupação de cargos já não
seria minha. Eu ficaria como simples soldado na bancada, e talvez constituísse até um
estorvo”535. Para sossego de Guilherme II ele nunca penetrou no edifício do Reichstag depois
de sua queda. É muito provável que, consciente da quase humilhação das eleições de
Gessetemunde, não se quisesse expor ao ridículo que lançariam sobre ele os
experimentadíssimos táticos parlamentares que tratara com tanto desprezo durante sua
hegemonia.

Na primavera de 1892, a posição de Caprivi estava abalada por uma longa disputa, no
Reichstag e em todo pais, em torno de um projeto sobre educação. Também desagradara seus
companheiros generais (principalmente Waldersee) e muitos influentes industrialistas, que
reagiram a sua política social. Foram os industrialistas e Waldersee que tomaram a iniciativa
por uma reconciliação entre o imperador e Bismarck. Em 4 de maio de 1892, os jornais
participaram o noivado de Herbert Bismarck com a Condessa Marguerite Hoyos, filha de uma
família aristocrática húngara que vivia em Fiume (Rijeka). O imperador Guilherme II
imediatamente enviou um efusivo telegrama de felicitações a Herbert, ignorado desde sua
demissão do Ministério do Exterior, após a queda do chanceler. Os jornais alemães e
austríacos começaram a especular que o casamento de Herbert seria aproveitado por
Guilherme II como oportunidade de reconciliação com o “leão ferido” de Friedrichsruh536. O
imperador, porém, fazia questão de que a iniciativa partisse de Bismarck. No fim do mês
enviou o Barão von Stumm a Friedrichsruh, na esperança de que este persuadisse Bismarck a
fazer o gesto de boa-vontade. Não se pode dizer que a missão foi um sucesso. “Ele veio pedir
que eu me rebaixe”, disse Bismarck a sua futura nora, ao partir Stumm537. Quinze dias
depois, o trem imperial passou junto à propriedade de Bismarck, vindo de Berlim: não parou
em Friedrichsruh.

Herbert casou-se em 21 de junho de 1892, não na relativa obscuridade de Fiume, mas em


Viena, ao pleno brilho da publicidade. Assim, longe de servir para uma reconciliação entre seu
pai e o imperador, a cerimônia levou ao auge essa briga mesquinha. Pois, tão logo soube que o
casamento teria lugar na capital austríaca, Guilherme escreveu pessoalmente a Francisco
José pedindo-lhe que não recebesse seu “desobediente súdito” Bismarck em audiência; e
Caprivi deu instruções ao pessoal da embaixada em Viena para de forma alguma aceitarem
convites para o casamento. A notícia dessa baixa atitude ganhou as ruas e foi explorada por
Bismarck e pelo Hamburger Nachrichten. A simpatia popular em Viena ficou toda do lado dos
Bismarcks, pai e filho. Aonde quer que fosse, o ex-chanceler era saudado e aplaudido.
Ninguém parecia lembrar mais a tragédia da Guerra Entre Irmãos538.

E não foi apenas em Viena que o povo lhe demonstrou solidariedade. Ele seguiu até Kissingen,
via Munich e Augsburg, proferindo discursos de improviso para os agrupamentos de gente
nas estações ferroviárias, simples declarações de patriotismo da parte de um idoso senhor de
sobrecasaca negra e gravata, tão difícil de identificar como o Chanceler de Ferro à paisana.
Após a estância de águas em Kissingen, viajou a Schönhausen via Iena. Lá também fez
discursos. Na velha praça do mercado, falou principalmente a professores, formandos e
estudantes da antiga universidade. Temia, disse ele, ter feito por demais forte a Coroa ao
redigir a Constituição Imperial e lamentou ter “diminuído, assim, a influência do Reichstag ’.
Os parlamentares precisam de liberdade para “criticarem construtivamente, alertarem, e, em
certas circunstâncias, dirigirem o governo”. “O povo não deve achar que está obedecendo a
Deus, quando, na realidade, está a obedecer um funcionário público de alto nível”,
declarou539. Ele nunca fizera discursos em comícios, pelo país, naquele tom. Estranho, para
quem sempre verberara a possibilidade de um “ministério Gladstone”, começar a pregação da
soberania do parlamento em idade tão avançada.
A extemporânea descoberta da oratória popular, pouco adiantaria a Bismarck: fez com que o
público lesse com maior interesse seus artigos de jornal; trouxe jardineiras lotadas de
peregrinos de Hamburgo a Friedrichsruh; criou embaraços para Caprivi e convenceu
Guilherme II de que, mais cedo ou mais tarde, teria de silenciar Bismarck, ou de cortejar-lhe a
vaidade. Mas não havia a menor possibilidade de sua volta ao ministério. Tempos atrás, ele
dissera a Napoleão III que, na Prússia, eram os reis que faziam revoluções, agora o aforisma
valia para o conjunto da Alemanha. Por mais que lamentasse o sistema autocrático, aquele ele
mesmo criara; e nele não havia espaço para um eficiente líder da Oposição. Nos doze meses
seguintes, Caprivi despertou cada vez maior hostilidade, mas não se uniu a Bismarck. Quando
este viajou para Kissingen, em agosto de 1893, já aceitara, pela primeira vez, o caráter
terminante de sua exclusão do ministério. No início de agosto, Bismarck fez uma visita de
cortesia a outro veranista de Kissingen, Lord Randolph Churchill (cujo filho mais velho
acabara de entrar na academia militar de Sandhurst como cadete de cavalaria). Lord e Lady
Randolph jantaram com os Bismarcks no dia seguinte: saíram impressionados com a
vivacidade mental do ex-chanceler e Lord Randolph descobriu que tinham algo muito forte em
comum, ambos detestando a atuação parlamentar de Gladstone. Lady Randolph deliciou-se
com a galanteria do tipo antigo de Bismarck - ele mencionou-lhe a beleza dos olhos - mas
achou sua esposa distante e muito enfraquecida540. Na verdade, o próprio Bismarck não
estava nada bem de saúde: chegara a Kissingen com herpes-zoster e Schweninger alarmou-se
com uma evidente inflamação dos pulmões. A notícia da doença só foi liberada para os jornais
na terceira semana de setembro, quando já não havia maior perigo. Guilherme II mandou a
Bismarck um telegrama com votos de pronto restabelecimento e ofereceu-lhe um castelo real
para a convalescença. Com Schönhausen, Varzin e Friedrichsruh à disposição, a generosidade
do imperador era desnecessária, mas ensejou a Bismarck enviar-lhe um agradecimento
cortês541. Sendo essas trocas de correspondência invariavelmente publicadas, os jornais de
novo especularam sobre uma reconciliação.

Guilherme II não possuía uma clara mentalidade política. Era, porém, sensível a cambiantes
de popularidade, e a doença de Bismarck tocara os sentimentos do público. O imperador
avaliou que, se seus súditos pudessem assistir ao soberano tratar Bismarck como o Grande
Ancião da Alemanha, tal gesto viria em favor de seu prestígio, num momento em que o
chanceler que ele nomeara como sucessor de Bismarck estava em desfavor com todo mundo.
Em 18 de janeiro de 1894, Herbert Bismarck foi convidado para uma recepção na corte, pela
primeira vez desde a demissão de seu pai. Quatro dias depois chegou um ajudante a
Friedrichsruh com uma garrafa de Steinberger Kabinett e um convite para as comemorações
do aniversário do imperador no fim da semana. Bismarck reagiu a esta aproximação do
palácio com cautelosa desconfiança: sua saúde, justificou, não lhe permitia comparecer a
solenidades formais, mas teria imenso agrado em poder agradecer pessoalmente as
solicitudes do imperador542. Desta forma evitou aparecer na capital apenas como mais um
entre muitos leais súditos a celebrar o aniversário de seu soberano. Se fosse a Berlim,
decidira ser homenageado e não prestar homenagens.

Guilherme foi consentâneo. Convidou Bismarck à capital em 26 de janeiro, véspera do


aniversário; e tornou a visita uma ocasião de grande estilo. Quando o trem chegou à estação
de Lehrter, o Príncipe Henrique da Prússia recebeu o ex-chanceler como um alto personagem
real e ele foi escoltado até o Schloss pela Cavalaria de Guarda. Estava acompanhado dos
filhos, Herbert e Guilherme. Enquanto os Bismarcks estiveram no palácio, uma multidão, do
lado de fora, cantava, intermitentemente, canções patrióticas. Dentro, a conversa foi banal,
cordialmente superficial, sem menção à política. À tarde, quando o imperador saiu
cavalgando, foi vivado com raro entusiasmo, e os Bismarcks receberam outra calorosa
recepção ao serem escoltados de volta à estação543. Três semanas depois, enfim, o trem do
imperador parou em Friedrichsruh, e houve mais uma conversação entre os dois, “conversa
de salão de baile”, classificou Joana, inflexivelmente. Bismarck sabia que a reconciliação era
apenas superficial, mas entendeu que facilitaria a vida de Herbert. Tinha esperanças de
tornar-se um “estadista mais antigo”, algo como Metternich fora nos últimos oito anos de sua
vida, uma força respeitada, por detrás do trono. Tal não era, porém, a intenção de Guilherme.
“Agora podem erguer-lhe arcos-do-triunfo em Viena e Munich”, sumarizou Guilherme, após a
visita do ex-chanceler a Berlim, “estou sempre um passo à frente dele”544.
Oito meses depois, Caprivi demitiu-se e Guilherme nomeou seu sucessor o Príncipe
Hohenlohe, um católico bávaro, apenas quatro anos mais moço que Bismarck. Hohenlohe
viajou a Friedrichsruh logo ao início de seu período de chanceler mas não fez qualquer
convite a nenhum dos Bismarcks, nem expurgou da administração os que estes consideravam
seus inimigos - Bötticher, o Barão Holstein e Marschall von Bieberstein (que sucedera Herbert
no Ministério do Exterior). Hohenlohe apoiou-se mais em Bötticher e Marschall que em
qualquer outra pessoa, e Holstein havia tido um papel preponderante, favorável a sua
candidatura ao cargo. Com esses homens indispensáveis na Wilhelmstrasse, não havia espaço
para qualquer Bismarck.

Se o velho decepcionou-se, não demonstrou. Em pouco tempo ficou de luto. Durante meses
Joana vinha passando mal, enfraquecida pela asma, com a mente turvada e confusa. No dia 27
de novembro de 1894, faleceu durante o sono. Bismarck chorou como uma criança, como lhe
acontecera quase cinqüenta anos antes, quando Marie von Thadden morreu tão moça. Joana
não era bela, ou intelectualmente brilhante, mas era leal. Se não se alçou facilmente às
eminências de seu marido, pelo menos amparou-o nos passos em falso de sua carreira. No dia
seguinte ele escolheu uma rosa branca de uma das coroas de flores mandadas em tributo a
Joana, retirou um livro de história da estante de sua biblioteca e começou a ocupar sua mente
com o passado da Alemanha545. Descobriu que a leitura era a única distração de suas
tristezas.

Pouco depois, deixou Varzin para sempre. A maior parte dos seus restantes três anos de vida,
passou em Friedrichsruh. Recebia mais visitantes que na era de Caprivi, mas às vezes sentia-
se intensamente solitário e com tendência à melancolia. Poucos dos antigos amigos estavam
vivos: Kathy Orloff falecera em 1875; John Motley, dois anos depois; seu colega de escola,
Blanckenburg, em 1888; o talentoso companheiro dos dias universitários, Alexander von
Keyserling, em 1891; e seu irmão Bernard pouco antes de Joana. Apenas tinha a companhia
da irmã, Malwine, com filhos e netos. Pateticamente, tentou encorajar o marido de Malwine,
Oscar von Arnim, a visitá-lo546. Haviam estado juntos no Gynmasiun da Friedrichstrasse e ele
recordou como bebiam cerveja, às escondidas, na escola, mas essas reminiscências não
motivaram o “ruivo Oscar”. Ainda persistia muita tensão entre o ex-chanceler e o clã dos
Arnims, para permitir a retomada de velhas amizades. Bismarck teve de contentar-se com o
apoio prestativo de Malwine e com a admiração de sua sobrinha e nora, Sibylle, de quem
gostava muito. Outros visitantes, que vinham às pressas de Hamburgo para umas poucas
horas de conversa ou para a pousada de uma noite em Friedrichsruh, ficavam com a
impressão, às vezes, de que ele tinha mais satisfação com os enormes mastins da casa do que
com os hóspedes. Bem possivelmente tinham razão. Na véspera do octagésimo aniversário de
Bismarck, o imperador anunciou que desejava visitar Friedrichsruh. Desta vez, trouxe com ele
um esquadrão de cavalaria e mandou prestar continência ao coronel-general com todas as
formalidades de apresentar armas a cavalo. O velho meteu-se uma vez mais no uniforme, mas
teve de abandonar qualquer veleidade de também aparecer montado e contentou-se em sair
ao pátio apoiado numa sólida bengala, um cão negro ao lado, tão empertigado quanto a
guarda do imperador. Waldersee, de há muito desiludido com Guilherme II, observou esse
encontro entre o imperador e o estadista a que um dia aspirara suceder, com cínica isenção:
“Permanece a frieza de ambos os lados”, anotou em seu diário, “Usam da mais amistosa
linguagem e o imperador concede-lhe toda atenção, mas jogam um jogo um com o outro. A
quem não conhece, parece tudo muito satisfatório; mas não passa de fingimento”547.
Guilherme II passara a considerar Bismarck uma legenda viva, politicamente inofensiva. Foi,
portanto, com a maior consternação e fúria que leu, em outubro, que o ancião incorrigível
havia revelado a existência do Tratado de Garantia com a Rússia, num de seus artigos para o
Hamburger Nachrichten. Foi tamanha a ira de Guilherme que, mais uma vez, falou em alta
traição. No entanto, sabia que sua popularidade não poderia sobreviver a uma ação contra o
gigante caído. Havia, na entourage do imperador quem achasse a bênção de Bismarck
essencial a qualquer novo acometimento do Reich. O almirante Tirpitz buscou seu apoio para
uma Esquadra de Alto Mar, mas sua atitude foi de perplexidade ao tomar conhecimento do
plano, pois este, achou ele, enfraquecería inevitavelmente a posição relativa de força do
exército. Bismarck de forma alguma entendeu por que motivo a Alemanha havia de precisar
de uma marinha maior que a da Holanda: um grande programa de construção naval parecia-
lhe luxo desnecessário, e ele sacudiu negativamente a cabeça, descrente, ante os argumentos
de Tirpitz548.

Houve muita coisa, naqueles últimos anos de sua vida, que o deixou perplexo. Em junho de
1896, o mais importante estadista da China, Li Hung-Chang, ao voltar da coroação do Czar
Nicolau II, veio a Friedrichsruh e pediu-lhe conselhos sobre a maneira de modernizar o
Império Chinês. Era assunto para muito além dos limites das idéias de Bismarck. “Não posso
formar um juízo sobre problemas tão distantes”, respondeu a Li. O máximo que chegou a
recomendar foi a criação de “um exército pequeno mas eficiente”. Li Hung-Chang mostrou-se
grato, mesmo por essa vaga e imprecisa sugestão. Com a tradicional cortesia dos chineses,
fez a Bismarck a observação: “O senhor olhará para trás e verá sua vida com satisfação”. Mas
Bismarck foi pessimista: “Aqui, como na China, o velho provérbio grego é válido”, respondeu,
“tudo está em movimento: no fim, tudo passa”549. Esse desalento dominou os últimos meses
de Bismarck. Em dezembro de 1897, recebeu Guilherme II em Friedrichsruh pela última vez.
Guilherme pretendia que a conversa fosse amena, cordial, irradiando o espírito natalino. Aos
acompanhantes do imperador pareceu que Bismarck tinha algo importante a dizer. Cada vez
que ele tentava levar o diálogo para um nível sério, Guilherme conseguia baixá-lo de novo
para caçoadas de camaradagem. Entre os presentes encontrava-se o general von Moltke,
sobrinho do grande soldado, ele próprio futuro chefe do Grande Estado-Maior, em 1914. Ficou
chocado com o tom brincalhão do imperador. “Isto está horrível”, cochichou a Tirpitz, ao seu
lado. Mas Bismarck não se deu por achado. “Majestade”, disse por fim, “enquanto existir o
atual corpo de oficiais, podereis agir como quiserdes. Mas quando já não for esse o caso, tudo
vos será muito diferente”550.

Foi o último aviso de Bismarck. Pouco mais podia fazer. Praticamente não saía mais de uma
cadeira de rodas, nem conseguia enxergar os bosques e os campos de sua propriedade sem
óculos fortíssimos. Ao avançar o verão, contraiu uma inflamação pulmonar e Schweninger
raramente deixava a casa. Durante semanas Bismarck lutou contra a doença e pareceu
melhorar, mas teve uma recaída em 30 de julho. A família reuniu-se à volta de seu leito,
tentando compreender o que ele balbuciava. Era uma noite quente e ele sofria terrivelmente
de sede. Súbito, reunindo suas forças conseguiu segurar um copo de refresco, tomou-o todo,
gritou “Vorwarts” (“Para a frente”) e afundou de novo no travesseiro. Minutos depois das onze
da noite, sua filha notou que ele não mais respirava551.

Moritz Busch imediatamente liberou para a imprensa o texto da carta de demissão de


Bismarck, de 1890. Ele acusava Guilherme II de querer mudar a política externa da
Alemanha, de destruir a amizade com a Rússia, que fora a primeira e essencial condição para
a Prússia desvencilhar-se da subserviência à Áustria, na Alemanha, e à França, na Europa. A
carta, firmemente, colocava sobre os ombros do jovem imperador a responsabilidade de
preservar o Reich. A atitude de Busch ia revivendo a acrimônia entre a família Bismarck e a
Corte. Não era, absolutamente, do interesse de Herbert, perpetuar antigos desentendimentos,
e ele impôs uma terminante proibição à publicação de quaisquer documentos ou
reminiscências de seu pai relativas ao soberano reinante.

Guilherme navegava pelo litoral na Noruega no iate imperial quando foi noticiada a morte de
Bismarck. Mandou o navio voltar imediatamente para Kiel e passou um telegrama a
Friedrichsruh sugerindo um funeral de estado em Berlim. Sabiamente, decidiu ignorar a
revelação de Busch; se possível, desejava incorporar a lenda de Bismarck para que refletisse
sua própria glória, e era melhor manter silêncio sobre os acontecimentos de 1890. No dia 2 de
agosto, Guilherme desembarcou na estação de Friedrichsruh, recebido afetuosamente por
ambos os filhos de Bismarck, e dirigiu-se em companhia deles para a casa, onde o esquife do
pai jazia no que fora seu dormitório. O quarto já estava repleto de flores, coroas e tarjas: só a
homenagem do banco de Bleichroeder era tão grande que ocupou toda uma carruagem. O
imperador depositou outra enorme coroa de flores junto ao caixão e seguiu-se breve
encomendação rezada por um pastor luterano. Guilherme tentou persuadir Herbert a
concordar com um funeral em Berlim, porém Bismarck já deixara os planos de um mausoléu a
ser construído numa clareira entre as coníferas da propriedade e Herbert o convenceu de que
o pai decidira que seus restos não deviam sair de Friedrichsruh552. O imperador estava
amargurado: o status de Grande Potência da Alemanha exigia solenidades pelo menos tão
espetaculares quanto as que haviam marcado o sepultamento de Gladstone na Abadia de
Westminster, nove semanas antes. Com menos de meia hora em companhia da família
Bismarck, Guilherme retornou a seu trem e partiu para Berlim.

No dia seguinte, a gazeta oficial publicou que “Sua Majestade Imperial” visitara Friedrichsruh
a fim de homenagear “o homem em quem o Senhor Deus corporificara o instrumento da
realização da idéia imortal da Unidade e Grandeza da Alemanha"553. A esmerada redação
era característica de um governante que tinha a si próprio na conta de ajudante-geral do
Todo-Poderoso. Não menos característica veio a resposta de além-túmulo. Bismarck deixara
instruções de que em seu jazigo não se inscrevessem postos e títulos concedidos por
Guilherme II. Quando o mausoléu foi consagrado, o túmulo ostentava a mais simples das
inscrições: Fürst von Bismarck... Ein treuer, deutscher Diener Kaiser Wilhelms I (“Um leal
alemão, servo do Imperador Guilherme I”).

Se Herbert, o novo Príncipe von Bismarck, imaginava ter algum ativo papel na política alemã,
após a morte do pai, foi um desapontamento. Ninguém o considerou para o ministério, nem
lhe ofereceu uma embaixada, como ele desejava. Foi eleito para o Reichstag e, durante alguns
anos, pronunciou-se à miúde sobre política externa, pregando a importância de boas relações
entre a Alemanha e a Rússia. Mas o hábito da bebida, e seu desânimo, impediram que
conquistasse adeptos no Reichstag, e sua saúde declinou rapidamente. Faleceu em 1904, aos
cinqüenta e quatro anos de idade. Seu filho mais velho, nascido no último ano de vida do
velho chanceler e batizado com o nome dele, serviu nas embaixadas alemãs em Londres e em
Roma durante o período de Hitler; um segundo filho foi preso pelos nazistas após o complô de
20 de julho de 1944 e acabou a guerra no campo de concentração de Sachsenhausen.

Guilherme Bismarck, durante muitos anos doente com terrível excesso de peso, malgrado o
tratamento de Schweninger, sobreviveu a seu pai apenas três anos. A mais forte da geração
foi a primogênita, Marie, Condessa von Rantzau, que viveu além do Reich criado pelo pai e
faleceu em 1926, com setenta e oito anos. A mais longa sobrevivente do círculo familiar foi a
viúva de Guilherme, Sibylle, filha da irmã de Bismarck, Malwine. Sibylle viveu em
Schönhausen durante toda a república de Weimar e a era nazista. Em abril de 1945, ao saber
que o Exército Vermelho aproximava-se do rio Elba, vindo do Leste, a condessa de oitenta e
um anos suicidou-se com um tiro, para evitar um internamento pelos russos. Horas depois de
sua morte, os invasores incendiaram o lugar de nascimento do Chanceler de Ferro, não
deixando pedra sobre pedra554.

A destruição de Schönhausen pelos russos, foi, militarmente, um ato sem sentido; mas
simbólico. Pois se o Império Alemão deixara de existir ao fim de uma guerra mundial foi a
própria Prússia que sumiu do mapa, no fim da outra. A cidade da coroação dos Hohenzollerns
tornou-se Kaliningrado, cidade soviética; os velhos nomes provinciais desapareceram; logo a
própria Berlim foi dividida, mais efetivamente que a Alemanha da mocidade de Bismarck.
Também as propriedades rurais dos junkers foram, finalmente, despedaçadas, muitas delas -
inclusive Varzin e Kniephof- absorvidas nas novas fronteiras da Polônia. Cinqüenta anos após
a morte de Bismarck, nada restou de seu trabalho no coração da Prússia. Tampouco é muito
grande seu legado à República Federal: a bandeira preta, vermelha e dourada sobre Holstein
e o sul de Schleswig; um limite permanente a separar a Baviera da Áustria independente; uma
tradição de previdência social; e alguns aglomerados de árvores em Friedrichsruh. Richelieu,
Napoleão I, mesmo Napoleão III, deixaram, todos, muito maior efeito sobre a França, que
Bismarck, sobre a Alemanha. Ele não foi, como tantos contemporâneos acreditaram, uma
estrela fixa no firmamento, marcando a orientação do segundo Reich; foi, antes, um meteoro,
de brilhante incandescência e por um curto período, caído à terra pedaço disforme de dura
siderita. Os homens relembram ainda melhor o brilho do cometa porque não deixou luz
remanescente, tornando de novo à escuridão.

Ficou na moda retratar Bismarck o derradeiro expoente da diplomacia de gabinete do século


XVIII, como os estadistas que planejavam a paz na Europa no ano em que ele nasceu555.
Exatamente o que não foi. Metternich, Casdereagh e o Czar Alexandre I, foram, em certo
sentido, ideólogos: inspirados, embora, em fontes diferentes, acreditavam todos na
conveniência de estabelecer-se uma sociedade ordeira e equilibrada num mundo em mutação.
Bismarck afastou-se dessa tradição clássica. Para ele a política nunca foi ciência exata ou
lógica; era uma arte, que ele praticava inteiramente destituto de restrições doutrinárias. Seu
domínio das minúcias e a habilidade em usar e criar oportunidades permitiu-lhe, em nove
anos, fazer uma Grande Prússia e dar-lhe o nome de Alemanha. A partir daí, sua capacidade
de abarcar e manter um emaranhado sistema de alianças e alinhamentos impôs a paz do
equilíbrio, que os diplomatas clássicos perseguiram em vão.

No interior da Alemanha, Bismarck fracassou num importante aspecto: jamais tentou criar a
forma segura de governo para o Reich. Este defeito é ampliado por seu desinteresse na
formação de um sucessor, além de seu filho, ou pela instrução de quem quer que fosse nas
artes e limitações de sua ação de estadista. As razões dessa omissão situam-se nas
profundezas da personalidade de Bismarck. Na juventude, não se tomou de entusiasmo por
nenhum credo político, embora adotasse, da boca para fora, as posições de momento da
classe junker. Em última instância, a impulsão inicial de sua carreira foi o desejo de poder
pelo poder, pelo controle dos mecanismos da máquina do estado. Uma vez no topo, ocupou-se
tanto de sua sobrevivência quanto da criação de uma ordem suportável; e em seus últimos
anos como chanceler, pensou demais na dinastia dos Bismarcks e não o suficiente na
Alemanha e na Europa. Perpetuou, então, um sistema artificial baseado numa constituição
que improvisara em torno de sua própria autoridade: impôs ao eleitorado alemão uma
revolução vinda de cima, sem raízes naturais no passado do país. Embora, a partir de 1871,
ele buscasse manipular o eleitorado a cada três anos, o Reichstag que trouxe à vida política
era pouco mais que uma válvula de segurança para a opinião pública alemã. Os deputados
podiam questionar, criticar, censurar, mas não podiam governar. A única instituição
respeitada, com tradições próprias, independentes, era o exército.

Triste comentário sobre a obra de Bismarck, o fato de que, no fim, a Alemanha Imperial foi
obrigada a buscar liderança junto àquela mesma casta militar que dominara a Prússia desde
muito antes do seu nascimento. O marechal-de-campo Paul von Hindenburg, veterano de
Königgrätz e vencedor de Tannenberg quase meio século depois, era o arquétipo do herói
militar prussiano, na forma como Bismarck jamais conseguira ser, por mais que aparecesse
em público de pickelhaube à cabeça e envergando um casacão de general. E foi Hindenburg,
o representante de confiança da velha oficialidade, que despediu com mesuras os
Hohenzollerns, em 1918, e que estendeu sua mão a Hitler, quinze anos depois. Roon, como
fazedor-de-chanceler, tinha melhor critério sobre o valor dos homens que Hindenburg.

Não há ligação de origem entre a técnica bismarqueana da política de poder e o recurso


demagógico à conquista mundial da era nazista. Os mais recentes defensores de Bismarck
entre os historiadores acadêmicos têm demonstrado exaustivamente a que ponto as práticas
de Hider colidiam frontalmente com todos os seus preceitos556. Com precisão, apontam o
caráter limitado das ambições de Bismarck para a Alemanha, seu desgosto pelo fanatismo
nacionalista, sua aversão a guerras preventivas, e sua batalha sem fim para manter o Estado-
Maior refreado. Três semanas antes do atentado contra Hider em 1944, um dos principais
conspiradores, Ulrich von Hassel, visitou Friedrichsruh e anotou em seu diário, “tudo parecia
pequeno ante a memória do grande homem... estive à beira das lágrimas ao pensar no
trabalho destruído”557. Porém, muito embora Bismarck haja-se tornado, tarde demais, o
herói símbolo da resistência conservadora ao nazismo, não é possível exonerá-lo inteiramente
da responsabilidade pela rápida expansão da anarquia diplomática no século XX. Sua
manipulação da imprensa, sua deliberada inflação de uma ofensa menor em grave crise, seu
recurso astuto a estratagemas no sentido contrário de compromissos assumidos, seu emprego
das meias-verdades, das explosões temperamentais e da intimidação - esses aspectos todos de
seu sistema haviam de tornar-se lugar comum numa época em que a política externa passou a
ser formulada por homens pequenos, destituídos de sua capacidade de evitar guerras. A
suprema qualidade da ação de estadista de Bismarck foi sua admissão de que política alguma
podia aplicar-se além de certo limite de perigo, e que era preciso ter sempre alternativas à
mão, para um recuo honroso e uma reorganização da frente. Pouquíssimos políticos, na
Alemanha e noutras terras, têm demonstrado essa flexibilidade mental.
FOTOS
REFERÊNCIAS

Melhores especificações sobre livros e artigos citados nesta seção de notas de referência do
texto podem ser encontradas na bibliografia selecionada. Para facilitar, usei as seguintes
abreviaturas:

Am. Hist. Rev.: American Historical Review APP: Die Auswartige Politikpreussens, 1859-71

Busch, Secret Pages: Moritz Busch, Bismarck, Some Secret Pages ofhis History

DDF: Documents diplomatiques françaises, 1871-1914

Eyck: Erich Eyck, Bismarck, Leben und Werk

GP: Die grosse Politik der europaischen Kabinette, 1871-1914

GW: Bismarck,.Diegesammelten Werke (Friedrichsruher ausgabe) 1924-1935

HZ: Historische Zeitschrift

JMH: Journal of Modern History

Keudell: R. von Keudell, Fürst und Furstin Bismarck

Kohl: Horst Kohl, Die politischen Reden des Fursten Bismarck

Lucius: Lucius von Ballhausen, Bismarck-Erinnerungen

Marcks: Erich Marcks, Bismarck, Eine Biographie, 1815-1851

Orig. dipl.: Les origines diplomatiques de la guerre de 1870-71

Orloff: Nicolai Orloff, Bismarck und Katharina Orloff

Pflanze: O. Pflanze, Bismarck and the Development of Germany, vol. I

Reiners: Ludwig Reiners, Bismarck

Srbik, Quellen: Heinrich Ritter von Srbik, Quellen zurdeutschenPolitik Osterrtichs 1859-66

1. Marcks, pp. 3-23.

2. Busch, anotação no Diário, 10 de jan. 1871, GW VII, n.° 362, p. 468.

3. Vide as cartas de Wilhelmine von Bismarck a seus dois filhos, publicadas (com um
comentário de apresentação por Charlotte Sempell) em HZ, n.° 214 (1972) pp. 557-79.

4. Marcks, relatório referente a 1822, p. 48; relatório de 1826, p. 49.�

5. GW XV, p. 14; cf. Keudell, p. 161.


6. Bismarck à esposa, 18 fev. 1851, GWXIV, n.° 300, pp. 195-96 (cf. Bismarck a Harnisch, 16
fev. 1849, Rothfels, Bismarck Briefe, p. 121).

7. Artigo de H. Holborn no Joumal of History of Ideas XXI, (1960), p. 85. Vide também carta
de Bismarck a Puttkammer, 23 fev. 1847, GW XIV, n.° 85, p. 67, e sua conversa com Ludwig
von Gerlach, 26 mar. 1865, GW VII, p. 100.

8. GW XV, p. 5; Lucius, p. 492.

9. Modey, Morton’s Hope, I, pp. 172, 173, 205 e 210; Marcks, pp. 77-84.

10. GW XV, pp. 7-8.

11. Idem, p. 11; Marcks pp. 118-20; Bismarck a seu irmão, 10 ago. 1836, GW XIV, n.° 17, p.
8.

12. Quanto às famílias Loraine e Loraine-Smith vide o Register of members of Cambridge


University (Christ’s College); há referências ao Dr. Loraine-Smith na Victoria County History
de Northamptonshire e no Gentleman's Magazine do ano de 1857 (pp. 98-99). As relações
eclesiásticas do período nâo contêm nenhum outro ministro de nome Loraine, isolado ou
composto com outro nome. Devo maiores informações sobre os Loraine-Smiths à neta de
Isabella Loraine-Smith, a senhorita Katherine Bevan. Ver, ainda, Marcks, p. 120, e as cartas
para Savigny e Scharlach em GW XIV, citação abaixo.

13. Marcks, p. 122-24; Bismarck a K. F. von Savigny, 30 ago. e 3 set. 1837, GW XIV, n.°s 19 e
21, pp. 8 e 10; Eyck I, pp. 27-29.

14. Bismarck a Scharlach, 13 set. 1837, GW XIV, n.° 22, p. 11.

15. Bismarck a Savigny, dezembro de 1837, GW XIV, n.° 24, p. 11.

16. Bismarck a seu pai, 25 jan. 1838, GW XIV, n.° 25, p. 12.

17. Marcks, pp. 129-34; cartas ao pai, 29 set. 1838; a Savigny, 21 dez. 1838; ao chefe de
polícia de Griefswald, 25 mar. 1839; GWXIV, n.°s 27, 28, 29, pp. 13-18.

18. Marcks, pp. 134-35; Bismarck ao pai, GWXIV, n.° 27, p. 15.

19. GWXV, p. 14.


20. Eyck I, p. 32; Werner Richter, Bismarck, p. 34.

21. Reiners I, pp. 27-31; Marcks, pp. 157-59,

22. Bismarck a Puttkammer, 21 ( ) dezembro 1846, GW XIV, n.° 71, p. 46.

23. Sobre a viagem inglesa, vide carta de Bismarck a seu pai, 28 de julho 1842, GW XIV, n.°
30, pp. 18-19; Busch Secret Pages /, pp. 241-42; e outras cartas de Bismarck, GW XIV, n.°s 34,
35 e 47.

24. Marcks, pp. 217-29.

25. Bismarck a sua irmã, 4 dez. 1844, GW XIV, n.° 46, p. 29.

26. Vide cartas de Bismarck ao pai e à irmã, ago.-set 1844, GW XIV, n.°s 44-45, pp. 26-29.

27. Bismarck a Puttkammer, dezembro de 1846, GW XIV, n.° 71, p. 47; quanto ao “estético
grupo de chá” de Kardemin, vide carta de Bismarck a sua irmã, 27 abr. 1845 GW XIV, n.° 50,
p. 34.

28. Bismarck a seu irmão, 31 jan. 1847, GWXIV, n.° 76, p. 50; tb. Marcks, pp. 300 e 403-4.
Sobre Joana, ver ibid., pp. 272-74; e Sell, Fürst Bismarcks Frau (especialmente pp. 12-36
quanto a esse período de sua vida).

29. Ibid, pp. 277-78; vide, também, três cartas de Joana para sua mãe, julho 1846,
Marguerite von Bismarck, Braut-Briefe der Furstin Johanna von Bismarck, pp. 11-13.

30. Artigo de Meinecke, HZ 90 (Neue Folge 54) (1903), pp. 56-92, A. O. Meyer, Bismarcks
Glaube, pp, 2-3 e a carta a Puttkammer já citada, GW XIV, n.° 71, pp. 46-49.

31. Bismarck a Joana von Puttkammer, 17 fev. 1847, GWXIV, n.° 81, p. 59.

32. Bismarck a Joana, 17 fev. e 4 mar. 1847, GW XIV, n.°s 81 e 88, pp. 59 e 73.

33. Idem, 8 maio. 1847, GW XIV, n.° 99, p. 86.

34. GW XV, p. 17, Kohl I, pp. 8-10.


35. Bismarck a Joana, 18 e 21 maio. 1847, GWXIV, n.° 102, 103, pp. 88-90.

36. Valentin, 1848, Chapters in German History, p. 48.

37. GWXV, p. 17.

38. Metternich, Memoires, VII, p. 382.

39. Bismarck ao irmão, 5 abr. 1847, GW XIV, n.° 94, p. 83.

40. Bismarck a Joana, l.°jul. 1847, GWXIV, n.° 115, pp. 96-97; Marcks, pp. 369-73.

41. Bismarck à irmã, 24 out 1847, GWXIV, n.° 123, p. 100; Marcks, pp. 373-79.

42. Bismarck ao irmão, 24 out 1847, GW XIV, n.° 122, p. 100; vide também a carta ao irmão,
de Innsbruck e Vicenza, ibid., n.°s 119 e 120.

43. Marcks, pp. 378-83.

44. Bismarck ao irmão, l.° mar. 1848, GW XIV, n.° 127, p. 102.

45. GWXV, pp. 18-19.

46. Idem, pp. 19-21; Marcks, pp. 426-27.

47. GW XV, p. 22; Craig, Politics of the Prussian Army, p. 100.

48. Bismarck ao irmão, 28 mar. 1848, GWXIV, n.° 138, p. 102.

49. Kohl, I, pp. 45-46.

50. Bismarck à esposa, 3 abr. 1848, GWXIV, n.° 133, p. 104; e seu artigo no Kreuzzeitung de
11 jul. 1848 reproduzido em Bismarck Jahrbuch I, pp. 478-80.

51. Conversação de 9 jun. 1848, registrada por Wagener, GW VII, n.° 7, p. 13.
52. Vide cartas de Bismarck a Wagener e a Ludwig von Gerlach, 5 jul., 7 jul.,25 ago. 1848,
GW XIV, nº 142, 143 e 148, pp. 109-11; Pflanze, p. 63.

53. GW XV, pp. 47-48; Bismarck a Scharlach, 4 jul. 1850, GW XIV, n.° 238, p. 161; Marcks, p.
467.

54. GW XV, p. 84; Petersdorff, Friedrich Wilhelm IV, pp. 13-14; Marcks, p. 452.

55. Esboço de petição a Frederico Guilherme, agosto de 1848, GW I, n.° 1, p. 1.

56. Bismarck a Puttkammer, 21 ago. 1848, GW XIV, n.° 146, pp. 110-11 (e outras cartas nas
páginas imediatamente seguintes).

57. Marcks, p. 467.

58. Bismarck à esposa, 10 nov. 1848, GW XIV, n.° 160, p. 116.

59. Marcks, p. 472; GW XV, p. 39 (com comentários).

60. Marcks, pp. 480-81; Bismarck a seu irmão 10 fev. 1849, GW XIV, n.° 173, pp. 123-24.

61. Carta ao irmão, 2 fev. 1849, GW XIV, n.° 171, pp. 122-23.

62. Marcks, pp. 488-89.

63. Kohl, I, pp. 81-96; Eyck I, p. 125.

64. Bismarck à esposa, 23 jul. 1849, GW XIV, n.° 186, p. 131.

65. Kohl, I, pp. 103-15.

66. Bismarck à esposa, 19 abr. 1850, GW XIV, n.° 230, p. 155.

67. Kohl, I, pp. 228-41.


68. Bismarck a Wagener, 7 nov. 1850, GW XIV, n.° 265, p. 180.

69. GW XV, pp. 52-53; Bismarck à esposa, 18 nov. 1850, GW XIV, n.° 268, p. 181; Srbik, op.
cit, II, pp. 44 e 55; Roon, Denkwürdigkeiten, I pp. 261-62.

70. Kohl, I, pp. 257-79.

71. Pflanze, p. 194; Marcks, p. 601.

72. Cartas de Bismarck a sua esposa, 20e23jan., 3 e28fev., 3e5mar. 1851, GW XIV, n.°s 288
(p. 189), 290 (p. 191), 295 (p. 193), 302 (p. 196), 303 (pp. 196-97), 304 (p. 197).

73. Leopold von Gerlach, Denkwürdigkeiten, pp. 737-38; Ludwig von Gerlach,
Auszeichnungen, II, p. 124; Bismarck à esposa, 25 abr. 1851, GW XIV, n.° 317, p. 205.

74. Bismarck à esposa, 28 abr. 1851, GW XIV, n.° 319, pp. 206-207.

75. Bismarck à esposa, l.° de maio 1851, GW XIV, n.° 320, p. 207.

76. Diário de Marie de la Motte-Fouqué, maio de 1851, citada por Meyer, Bismarcks Kampf
p. 505.

77. Bismarck à esposa, 18 maio 1851, GW XIV, n.° 238, p. 213.

78. Bismarck a O. Manteuffel, 26 maio 1851, GW I, n.° 4, p. 3; Bismarck a Wagner, 5 jun.


1851, GW XIV, n.° 334, p. 217.

79. Bismarck a O. Manteuffel, 29 jun. 1851, GW I, n.° 9, p. 17.

80. Bismarck à esposa, 18 maio 1851, citada; ver também cartas a ela em 4 e 26 jun., GW
XIV, n.°s 333 e 343.

81. Bismarck à esposa, 3 jul. 1851, GW XIV, n.° 346, p. 229.

82. Diário de Melanie Metternich, agosto de 1851; Metternich, Mémoires VIII, pp. 105-106;
Srbik, Metternich, der Staatsmann und der Mensch, II, pp. 414-15; Palmer, Metternich, p.
326; Bismarck à esposa, 5 ago. 1851, GW XIV, n.° 354, p. 235 (e carta à esposa, 11 ago., ibid.
355, p. 236). Vide Também oi comentários gerais de Bismarck após sua segunda visita a
Metternich em Johannisberg no dia 5 de julho de 1857, GW II, n.° 261, p. 246.
83. Busch, Secret Pages, I, p. 370 (cf. GW VII, p. 437).

84. Meyer, Bismarcks Kampf pp. 41-42; Reiners I, pp. 208-209; Wertheimer, Bismarck
impolitischen Kampf, pp. 9-10; GW VII, p. 354; Bismarck a sua sogra, 4 abr. 1852, GW XIV, n.°
390, p. 258.

85. Bismarck à esposa, 23 jun. 1852, GW XIV, n.° 408, p. 268.

86. Idem, p. 269; Bismarck a O. Manteuffel, 25 jun. 1852, GWI, n.° 176, p. 195; Bismarck a
Gerlach, 25 jun. 1852, GW XIV, n.° 409, p. 269.

87. Reiners, I, p. 205; Eyck I, pp. 210-11.

88. Bismarck a O. Manteuffel, 15 fev. 1854, GW I, n.° 473, pp. 425-27.

89. Pflanze, pp. 97-100; artigo de S. A. Kaehler, HZ, Vol. 174 (1952), pp. 436-78; GW XV, p.
73.

90. Bismarck a Leopold von Gerlach, 11 maio 1857, GW XIV, n.° 648, p. 469.

91. Bismarck a sua irmã, 28 jun. 1854, GW XIV, n.° 518, p. 361.

92. Bismarck a O. Manteuffel, 13 abr. 1855, GWII, n.° 45, pp. 40-42; Bismarck a Leopold von
Gerlach, 27 abr. 1855, GW XIV, n.° 566,,pp. 397-99.

93. Bismarck à esposa, 2 set 1855, GW XIV, n.° 580, p. 414.

94. Rainha Vitória, Leaves from a Journal, pp. 125-26.

95. Corti, The English Empress, pp. 20-26; Elizabeth Longford, Victoria R. /., pp. 326-28.

96. Bismarck a Leopold von Gerlach, 19 mar. 1856, GW XIV, n.° 603, p. 436.

97. Bismarck a O. Manteuffel, 26 abr. 1856, GW II, n.° 152, pp. 138 e seg.; Bismarck a
Leopold von Gerlach, 28 abr. 1856, GW XIV, n.° 608, pp. 440-41; Taylor, Struggle for Mastery
in Europe, p. 86.
98. Bismarck à esposa, 6 abr. 1857, GW XIV, n.° 637, p. 459.

99. Idem, 9 abr. 1857, GW XIV, n.° 639, p. 460.

100. Bismarck a O. Manteuffel, 13 abr. 1855, GW II, n.° 45, pp. 40-42.

101. Bismarck a Leopold von Gerlach, 2 maio 1857, GW XIV, n.° 647, pp. 464-69; Eyckl, pp.
270-71; tb. Bismarck a O. Manteuffel, 29 abr. 1857, GW II, n.° 236, p. 207.

102. A Leopold von Gerlach, 2 maio 1857, GW XIV, n.° 647, p. 465.

103. A O. Manteuffel, 18 maio 1857, GW II, n.° 246, pp. 217-22; Taylor, Struggle..., p. 97.

104. Memorando de fins de março, 1958, GW II, n.° 343, pp. 302-22.

105. Eyck I, pp. 305-306; Pflanze, p. 122; Hamerow, Social Foundations, pp. 38-48.

106. Bismarck à esposa, 15 jan. 1859, GW XIV, n.°s 689-90, pp. 496-97.

107. GW XV, p. 142; Bismarck a seu cunhado, 6 fev. 1859, GW XIV, n.° 691, pp. 497-98;
Bismarck a G. von Wethern, 6 fev. 1859, ibid., n.° 692, p. 498; Bismarck a Gustav von
Alvensleben, 8 fev. 1859, ibid., n.° 694, p. 500; Bismarck à esposa, 29 mar. 1859, ibid., n.°
712, pp. 507-508; Bismarck à irmã, 10 dez. 1858, ibid., n.° 686, p. 495.

108. Bismarck à esposa, 4 abr. 1859, GW XIV, n.<> 715, p. 510.

109. Idem, 19 abr. 1859 (descrevendo S. Petersburgo), GW XIV, n.° 719, pp. 513 e seg.; e 6
jun. (descrevendo Moscou), ibid., n.° 738, pp. 525 e seg.

110. Muitas das cartas de Bismarck de S. Petersburgo em GW XIV tocam nesse ponto: para a
esposa, 5,6 e 7 maio 1859, n.° 725-27; para a irmã, l.° maio, n.° 723; para o irmão, 8 maio, n.°
728. Vide também sua carta a Alvensleben, de 5 maio, em Rothfels, Bismarck Briefe, p. 246.

111. Schlõzer, Petersburger Briefe, pp. 122-23; Gooch, Studies in German History, p. 322.

112. Bismarck a Schleinitz, 4 maio 1859, GW III, n.° 27, p. 28; Bismarck a Alvensleben, 5 maio
1859, Rothfels, Bismarck Briefe, n.° 128, pp. 244 e seg. (extratos em GW XIV, n.° 724).
113. Nolde, Petersburger Mission, pp. 67-68; Pflanze, p. 127.

114. Bismarck à irmã, 29 jun. 1859, GW XIV, n.<> 744, pp. 530-31.

115. GW XV, pp. 158-59; Keudell, pp. 71-72; Bismarck à esposa, 22 out. 1859, GW XIV, n.° 772,
p. 542.

116. Bismarck a Otto von Wentzel, 3 fev. 1860, GW XIV, n.° 776, p. 544; Bismarck a Moritz von
Blanckenburg, 12 fev. 1860, Rothfels, Bismarcks Briefe, n.° 141, p. 266.

117. Pflanze, pp. 131-32; Nolde, op. cit., p. 204, Kohl, Bismarck Jahrbuch 7F(1897), pp. 154-
57.

118. GW XV, pp. 161-62; Bismarck a Wentzel, 10 abr. 1860, GW XIV, n.° 778, p. 545.

119. Bismarck a Schleinitz, 6 abr. 1861, GW III, n.° 176, p. 207.

120. Idem, 10 dez. 1860, ibid., n.° 127, pp. 147-48.

121. Rich e Fisher, Holstein Papers 7, p. 5.

122. Bismarck à irmã, 26 mar. 1861, GW XIV, n.° 815, pp. 567-68.

123. Sobre E. von Manteuffel vide: Ritter, Sword and Sceptre /, pp. 180-81; Craig, Politics of
the Prussian Army, pp. 148-54; e o artigo de Craig no Political Science Quarterly LXVI (1951),
pp. 1-36, transcrito em Craig, War, Politics and Diplomacy.

124. Memorando de Bismarck 11-16 jul. (revisto em outubro) 1861, GW III, n.° 234, pp. 266-
70.

125. Rich e Fischer, Holstein Papers, I, p. 21; Bismarck à irmã, 17 jan. 1862, GW XIV, n.° 836,
p. 581.

126. Bismarck à esposa, 23 maio 1862, GW XIV, n.° 848, p. 587.

127. A Rainha Vitória à princesa herdeira, 11 jun. 1862, Fulford, Dearest Child, p. 72.

128. Bismarck à esposa, l.°jun. 1862, GW XIV, n.° 854, pp. 89-90; Bismarck a Bemstorff, 6 jun.
1862, GW III, n.° 323, p. 363.

129. Idem, 28 jun. 1862, GW III, n.° 354, p. 380; Mitchell, Bismarck and the French Nation, p.
23.

130. Vide, especialmente, as cartas de 2, 8 e 22 jun. 1862, GW XIV, n.°s 855, 858 e 864.

131. Bismarck a Bernstoríf, 28 jun. 1862, GW III, n.° 354, p. 380; Bismarck a seu filho
Herbert, mesma data, GW XIV, n.° 867, p. 597.

132. Bismarck à esposa, 5 jul. 1862, GW XIV, n.° 872, p. 599.

133. Robert Blake, Disraeli, p. 430; Vitzthum von Eckstaedt, St. Petersburgand London, II, p.
176; Bismarck à esposa, 30 jun. 1862, GW XIV, n.° 870, p. 598.

134. Bismarck à esposa, 25 jul. 1862, GW XIV, n.° 882, p. 604.

135. Orloff, pp. 38-39; Bismarck à irmã, 20 ago. 1862, GW XIV, n.° 897, p. 613; Bismarck à
esposa, 11 ago. 1862, GW XIV, n.° 894, p. 611.

136. Bismarck à esposa, 19 ago. 1862, GW XIV, n.° 896, p. 612.

137. Keudell, p. 96.

138. Bismarck a Roon, 12 set. 1862, GW XIV, n.° 908, p. 619.

139. Busch, Secret Pages I, pp. 244-45.

140. Orloff, pp. 65-66; (tb. nota de pé-de-página 3, em GW III, p. 399).

141. GW XV, p. 177.

142. Bismarck à esposa, 21 set. 1862, GW XIV (ii), n.° 911, p. 620.

143. Promnitz, Bismarcks Eintritt, pp. 67-99 e pp. 117-54; Pflanze, p. 167; artigo de Ludwig
Dehio, HZ 144 (1931), pp. 31-47; e vide o artigo de Michael Howard, “William I and the
Reform of the Prussian Army” em Martin Gilbert (prep.), A Century of Conflict, pp. 91-103.
144. Corti, English Empress, pp. 92-93; Frederico III, Tagebncher 1848-66, pp. 494-97.

145. Corti, op. cit, pp. 93-94; Pflanze, pp. 167-68.

146. GW XV, pp. 177-80; para a versão do rei, ver o Tagebucher de Frederico III, pp. 497-500.

147. Bismarck à esposa, 24 set. 1862, GW XIV, n.° 916, p. 621; Keudell, pp. 110-12.

148. Promnitz, op. cit, pp. 99-101; Hamerow, Social Foundations, pp. 158-62; Eyck, Bismarck
and the German Empire, p. 58; Marx e Engels, Briefwechsel, III, pp. 125 e 134; Reiners, I, p.
354.

149. Kohl, II, pp. 15-18; Reiners I, p. 356; Eyck I, p. 428.

150. Kohl, II, pp. 19-20; GW X, pp. 140-41; Bismarck ao rei, 3 out 1862, GW XIV, n.° 916, pp.
622-23; GW XV, p. 194.

151. Treitschke a Wilhelm Nokk, 29 set 1862, citada em Gooch, Studies in German History, p.
275; vide também Simon, Germany in the Age of Bismarck, p. 118.

152. GW XV, p. 194 (tb. Pflanze, p. 175 e nota).

153. Schlõzer, Petersbwrger Briefe, p. 261.

154. GW XV, pp. 194-95; Poschinger, Bismarck und die Parliamentarier, III, p. 209.

155. Pflanze, pp. 194-95; GW X, p. 158.

156. Bismarck à esposa, 31 out. e 2 nov. 1862 GW XIV, n.°s 926 e 927, p. 626; Bismarck ao
Príncipe Reuss, 29 nov. 1862, ibid., n.° 932, p. 629.

157. Circular às embaixadas em Londres, Paris e Viena, 8 nov. 1862, GW IV, n.° 6, pp. 10-11;
Bismarck a Reuss, 18 nov. 1862, GW XIV, n.° 929, p. 627.

158. Karolyi a Rechberg, 5 dez. 1862APPIII, n.°60, p. 100; Bismarck a Werther, 13 dez.
1862,APPIII, n.° 71, pp. 114-18; Drouyn aTalleyrand, 25 dez. 1862, APP III, n.° 88, pp. 140-43.
159. Pflanze, pp. 184-85.

160. Bismarck a Kathy Orloff, 28 Jan 1863, Orloff, pp. 141-42.

161. Bismarck à irmã, 14 Mar 1861, GW XIV, n.° 815, p. 568; Pflanze, p. 186.

162. Alvensleben ao rei Guilherme, 6 Fev 1863, APP III, n.° 164, pp. 231-32; Bismarck a
Alvensleben, 7 Fev 1863, APP III, n.° 165, pp. 232-33.

163. Mosse, The European Powers and the German Question, p. 115.

164. Bismarck a Redern, 27 fev. 1863, GW IV, n.° 45, p. 69 (e notas); Rei Guilherme a
Alexandre II, 17 jun. 1863, APP III, n.° 557, pp. 626-29; Mosse, op. cit., p. 119; Srbik,
Deutsche Einheit, III, pp. 480-84.

165. A princesa real à Rainha Vitória, 11 maio 1863, Corti, op. cit., p. 102; Fulford,
DearestMama, p. 211.

166. Frederico III, Tagebucher, p. 198; Anderson, Social and Political Conflict, pp. 205-208;
Pflanze, pp. 204-205; Corti, op. cit, pp. 103-104; Eyck I, pp. 502-507.

167. Francisco José a Guilherme I, 31 jul. 1863, APP III, n.° 610, pp. 683-84; Memorando
austríaco sobre a reforma federal, 3 ago. 1863, APP III, n.° 617, p. 688; Bismarck ao
Ministério do Exterior prussiano, 4 ago. 1863, APP III, n.° 623, p. 701. Vide Também a
Declaração Ministerial preparada em Viena a 9 jul. 1863, Srbik, Quellen III, n.° 1.163, p. 229
e seg.

168. Reiners, I, p. 441, Hohenlohe-Ingelfingen, Aus meinem Leben, II, p. 354; GW XV, p. 234.

169. Grant Robertson, Bismarck, p. 153, Busch, Secret Pages I, pp. 175-76.

170. Orloff, pp. 141-43.

171. Richter, Bismarck, p. 141; Keudell, p. 126.

172. Busch, Secret Pages (20 out 1877) II, p. 337. Para o problema geral dos ducados, vide
Steefel, The Schleswig-Holstein Question.

173. O Rei Leopoldo à Rainha Vitória, 2 fev. 1864, Queen Victvria’s Letters (2.a Série), vol. I,
p. 155.
174. Vide, por exemplo, Bismarck a Manteuffel, 27 maio 1856, GW II, n.° 158, p. 155; e
Bismarck a Schleinitz, 28 jun. 1861, GW III, n.° 231, pp. 263-64; conferir em Eyck I, pp. 553-
54 e Steefel, op. cit, pp. 48-52.

175. Blanckenburg a Ludwig von Gerlach, 4 dez. 1863, Gerlach, Aufzeichnungen II, p. 259.

176. Bismarck a Goltz, 24 dez. 1863, GW XIV, n.° 999, pp. 658-59.

177. Fleury a Napoleâo III, 24 dez. 1863, Orig. dipl. 7, pp. 2-4; Geuss,Bismarck und Napoleon
III, pp. 97-98.

178. A princesa real à Rainha Vitória, 25 dez. 1863, Fulford, Dearest Mania, p. 283.

179. Srbik, Deutsche Einheit, IV, pp. 126-33; Craig, Politics of the Prussian Arrny, pp. 185-87.

180. Steefel, op. cit, pp. 227-36; Eyck I, pp. 618-25; Mosse, European Powers and the German
Question, pp. 187, 193-95 e 201-202.

181. Karolyi a Rechberg, 14 jan. 1864, Steefel, op. cit, pp. 311-14; vide tb. Srbik, Quellen III,
p. 621,

182. GW XV, p. 254; Steefel, op. cit., pp. 108-109; Friedjung, Strugglefor Supremacy, p. 51.

183. Talleyrand a Drouyn, 9 fev. 1864, Orig. dipl., p. 282.

184. GW VII, p. 85.

185. Memória sobre o encontro com Augustenburgo, 3 jun. 1864, GW IV, n.° 394, pp. 448-50j
Schüssler e Buchner, Bismarck, Werke in Auswahl, III, apresenta extratos de um memorando
do Príncipe (n. 265, p. 299).

186. GW XV, p. 256; vide a longa análise crítica sobre o encontro de Schõnbunn feita por
Srbik, na HZ, vol. 153 (1935-36), pp. 43-88, especialmente, quanto a esta questão, a página
53; Clark, Franzjoseph and Bismarck, apêndice B, pp. 573 e seg.; Steefel, op. cit, p. 258.

187. Orloff, pp. 145-46; Bismarck à esposa, 7 out 1864, GW XIV, n.° 1.059, p. 681.

188. Bismarck a Rechberg, 4 out 1864, GW IV, n.° 481, pp. 565-66; memorandos de Bismarck,
10 out. e 16 out. 1864, GW IV, n.°483 e486, pp. 569-72; Bismarck a Roon, 16 out. 1864, GW
XIV, n.° 1.064, pp. 683-84.

189. Bismarck a Kathy Orloff, 25 out 1864, Orloff, pp. 146-47,

190. Oubril a Gorchakov, 9 nov. 1864, APP V, n.° 382, p. 474.

191. Bismarck à esposa, 30 out. 1864, GW XIV, n.° 1.071, p. 687.

192. Oubril a Gorchakov, 21 nov. 1864, APP V, n.° 346, p. 498.

193. Bismarck a Werther, 25 nov. 1864, APP V, n.° 355, pp. 509-10; Bismarck a Ladenburg, 13
dez. 1864, APP V, n.° 401; pp. 557-61.

194. As condições de Fevereiro, Bismarck a Werther, 22 fev. 1865, GW V, n.° 62, pp. 96-103
(tb. publicadas em APP V, n.° 471, pp. 687 e seg.); Clark, op. cit, p. 197.

195. Conselho da Coroa de 29 maio 1865: ata em APP VI, n.° 100, pp. 174-79; vide tb. a
anotação separada de Moltke em APP VI, n.° 101, pp. 179-80.

196. Craig, op. cit, pp. 172-73; Ritter, Sword and Sceptre, I, p. 182; Stadelmann, Dasjahr
1865, pp. 39 e 79-81.

197. Ata do Conselho da Coroa, APP VI, n.° 100, p. 179, Pflanze, pp. 256-57.

198. Taylor, Strugglefor Mastery, p. 157; vide especialmente as cartas de Bismarck a Roon, de
Carlsbad, 3 e 7 jul. 1865, GW XIV, n.° 1.104, pp. 697-98 e GW V, n.° 131, pp. 223-25.

199. Eyck, II, p. 79; Friedjung, op. cit, p. 75.

200. Reiners, II, pp. 91-95; Clark, op. cit., p. 190.

201. Vide, p. ex., cartas de Bismarck, datadas de 28 jun., 17 de jul., I.°e21 ago. 1865, a sua
esposa, e de 12 jul. à irmã, GW XIV (ii), n.°s 1.101, 1.111, 1.117, 1.123, 1.107, pp. 696-703,
passim.

202. Bismarck a Kathy Orloff, 21 out e 30 out 1865, Orloff, pp. 148-50; Joana von Bismarck
não parece ter achado tão ruim: Sophie von Sell, Fürst Bismarcks Frau, pp. 142-47.
203. Lefebvre a Drouyn, 27 set 1865, Orig. dipl. VII, n.° 1.590, pp. 89-91.

204. Bismarck ao rei, 5 out. 1865, GWV, n.° 188, pp. 306-7 (tb. em APP VI, n.° 313); Bismarck
ao rei, 11 out, idem, n.° 190, pp. 307-11. Sobre as conversações de Biarritz, vide artigo de
Paul Bemstein na Revue d’Histoire diplomatique, vol. 78 (1964), pp. 330-39.

205. Bismarck a Thile, 23 out. 1865, GW XIV (ii), n.° 1.129, p. 707.

206. Bismarck a Werther, 26 jan. 1866, GWV, n.°s 229 e 230, pp. 365-69.

207. Craig, Politics of the Prussian Army, pp. 143-44; Eyck, I, p. 362.

208. Moltke, Gesammelte Schriften ///, p. 427, citado por Craig, Battle of Kõniggrátz, p. 15.

209. Corti, English Empress, p. 145; atas do Conselho da Coroa prussiano, 28 fev. 1866, APP
VI, n.°s 499 e 500, pp. 611-19.

210. Karolyi a Mensdorff, 14 abr. 1866, Srbik, Quellen V (i), n 2545, pp. 486-87.

211. Roon, Denkwürdigkeiten II, pp. 400-402 e p. 421.

212. Karolyi a Mensdorff, 21 mar. 1866, Srbik, Quellen V (i), n.° 2.418, pp. 336-37.

213. O Rei Guilherme I a Alexandre II, 29 mar. 1866, APP VI, n.° 662, pp. 780-81; Clark,
Franzjoseph and Bismarck, p- 398.

214. Anotações de 4 abr. 1866, William I and Bismarck Lctters I, p. 60; Clark, op. cit., pp. 374-
76.

215. Sobre o plano Gablenz, vide especialmente Clark, ibid., p. 414 e Apêndice 18, p. 568 e
seg.; Eyck II, pp. 174-79; Friedjung, Strugglefor Supremacy, pp. 170-75; Becker, Bismarcks
Ringen, pp. 121-59; Taylor, Struggle for Mastery in Europe, pp. 162-63.

216. Reiners, II, p. 135; Clark, op. cit, p. 346 (citando as Memórias do General Gavone).

217. Vide conversação de Bismack com Karl Schurz, no fim de janeiro de 1868, GW VII, p.
231.
218. Eyck II, p. 183; Keudell, pp. 261-62 (cf. GW VII, n 105, pp. 116-117).

219. Eyck II, pp. 185-88; Hamerow, op. cit, p 273; Frederico III, Tagebucher, p. 424.

220. Narrativa de Gerlach sobre aentrevista, GW VII, pp. 119-22; Keudell, p. 263.

221. Bismarck a Goltz, 30 mar. 1866, GW V, n 283, p. 430.

222. Taylor, op. cit, p. 164.

223. Bismarck a E. Manteuffel, 2 jun. 1866, GW V, n.° 365, pp. 519-20; Circular de Mensdorff,
29 maio, Srbik, Quellen V (2), n.° 2.828, pp. 800-801; Kubeck a Mensdorff, l.° jun. ibid., n.°
2.828, pp. 815-16.

224. Bismarck a Manteuffel, 4 jun. GWV, n 372, pp. 526-27, e 9 jun. 1866, GWXIV, n 1149, p.
714.

225. Clark, op. cit, pp. 346-51; Friedjung, op. cit, pp. 190-94; Pflanze, p. 297.

226. Loftus, Diplomatic Reminiscences /, p. 60.

227. Bismarck a Kathy Orloff, 29 jun. 1866, Orloff, p. 151.

228. Craig, Politics of the Prussian Army, pp. 195-97.

229. Cartas de Bismarck à esposa, de l.° e 2 jul. 1866, GW XIV, n.°s 1.155-56, pp. 716-17; e
reminiscências orais suas em 1892, GW IX, p. 268.

230. A melhor descrição da batalha de Kõniggratz-Sadowa em inglês, encontra-se em Battle of


Kòniggrãtz, de Craig, pp. 99-175; Bismarck à esposa, 9 jul. 1866, GW XIV, n 1157, p. 717.

231. Craig, Battle..., p. 122; Keudell, pp. 288-92.

232. Craig, Battle..., p. 206 (citando as memórias de Wartenleben, Ein Lebensbild, p. 44).

233. Craig,Battle..., pp. 174-75; Bismarck à esposa, 11 jul. 1866, GW XIV, n.° 1.158, pp. 171-
78; Bush, Secret Pages, I, pp. 494-95.
234. Napoleão III ao Rei Guilherme, 4 jul. 1866, Orig. dipl. X, n 2861, pp. 314-15; Keudell, p.
191; e conversação do dia 5 jul. registrada em GW VII, pp. 137-38.

235. Bismarck à esposa, 9 jul. 1866, GW XIV, n 1157, p. 717.

236. Bismarck a Redern, 10 jul. 1866, GW VI, n 465, pp. 48-49.

237. Drouyn a Benedetti, 14 jul. 1866, Orig. dipl XI, nP 2980, pp. 30-32.

238. GW XV, pp. 271-73; Keudell, pp. 296-97; Craig, Politics of.., pp. 200-203.

239. Idem; Drouyn a Benedetti e Benedetti a Drouyn, 19 jul. 1866, Orig. dipl. XI, n.°s 3048 e
3053, pp. 106-108 e 112-15.

240. Corti, loc. cit., p. 154.

241. Bismarck ao Rei Guilherme, 24 jul. 1866, GW VI, nP 498, pp. 78-80.

242. Vide a nota do rei no documento acima, com data de 25 jul., ibid., p. 81; sobre o
desespero de Bismarck, vide GW XV, p. 279 (conferir, na mesma página, sua versão dos
comentários do rei com a anotação citada acima).

243. Vide GW VII, n 122, p. 140; Corti, op. cit., p. 155.

244. Vide artigo de G. R. Mõrk sobre Bismarck e o liberalismo alemão, JMH, vol. 43 (I), mar.
1971, pp. 59-75.

245. Frederico III, Tagebucher, p. 454; Corti, English Empress, pp. 155-56; Pflanze, p. 322.

246. Vide extrato dos artigos de Treitschke em Simon, Germany in the Age of Bismarck, pp.
120-22.

247. Eyck II, p. 305.

248. Eyck II, pp. 298-99; Becker, Bismarck Ringen, pp. 200-10.
249. Bismarck a Goltz, 31 jul. 1866, GW VI, n 515, pp. 92-93; Bismarck a E. Manteuffel, 7 e 9
ago. GW VI, nP s 535 e 543, pp. 103-104 e 114-15.

250. Bismarck a Goltz, 5 e 8 ago. 1866, GW VI, nP 530, p. 101, e n 538 pp. 106-10.

251. Idem, 20 ago. GW VI, nP 579, pp. 135-37; Pflanze, pp. 373-75.

252. Bismarck a Goltz, 7 set 1866, APP VIII, nP 20, pp. 61-62; Goltz a Thile (Ministério do
Exterior francês), 20 e 27 out 1866, APP VIII, n s 58 e 65, pp. 110-121.

253. Keudell, pp. 309-10 (cf. GW VII, p. 160).

254. Shell, Bismarcks Frau, pp. 155-57; Keudell, pp. 319-42.

255. Memorandos ditados por Bismarck, 30 out., 19, 21 e 26 nov. 1866, GW VI, nPs 615, 617-
18 e 620, pp. 167-72.

256. Eyck II, pp. 325-26; Pflanze, pp. 337-38; Grant Robertson, Bismarck, p. 226.

257. Minuta do texto constitucional, GWVI, n 629, pp. 187-96. Análise detalhada em Becker,
op. cit, pp. 241-75.

258. Conversação com Friesen, início de janeiro, 1867, GW VII, n 147, pp. 173-77 (citação àp.
174),

259. Becker, op. cit., pp. 273-77 e 359-63.

260. A mais completa discussão do problema constitucional, em edição inglesa, está em


Pflanze, pp. 348-63. Vide também Hamerow, Social Foundations... Struggles, pp. 322-34.

261. Kohl III, pp. 167-80.

262. Bismarck a Goltz, 15 fev. 1867, APP VIII, n 243, pp. 393-94; vide também Goltz a
Bismarck, mesma data, ibid. n 245, pp. 395-98.

263. Bismarck a Eichmann, 19 fev. 1867, GW VI, n 689, p. 273; circular de Bismarck às cortes
germânicas, 20 fev. ibid. nP 690, pp. 273-74; Bismarck às missões diplomáticas na Alemanha
do Sul, 8 mar., ibid., n 704, pp. 296-97.
264. Ritter, Sword and Sceptre, I, pp. 219 e 311.

265. Conversação com Bethusy-Huc, mar. 1867, GW VII, nP 156, pp. 186-87.

266. Kohl III, pp. 263-65.

267. Ritter, op. cit, p. 219.

268. Keudell, pp. 365-66; Grant Robertson (op. cit, p. 250) cita os comentários de Madame
Calette, bem como os de Leboeuf e Vaillant.

269. Bismarck a Rosenberg, 20 ago. 1867, APP IX, nP 128, pp. 181-82.

270. Bismarck a Reuss (relatando conversa com o embaixador russo), 22 mar. 1868, APP IX, n
680, pp. 799-803 (também GWVI (a), n 1108, pp. 318-22).

271. Idem, 18 jan. 1868, GW VI (a), n 1024, pp. 214-15; Bismarck às missões diplomáticas da
Alemanha do sul, 1 fev., ibid n 1037, pp. 227-28.

272. Stehlin, Bismarck and the Guelph Problem, passim; e sobre o Fundo Guelfo,
especificamente, vide pp. 194-211.

273. Pflanze, pp. 391-94 e 399-401; Eyck II, pp. 391-92 e 401.

274. Bismarck a Werthern, 26 fev 1869, GWVI (b), n 1327, pp. 1-2.

275. Busch, Secret Pages I, p. 4.

276. Becker, op. cit., pp. 612-24; circular de Bismarck, 10 jan. 1870, GW VI (b), n 1469, p.
201; Bismarck aWerther, 11 jan., GWVI (b), nP 1470, pp. 201-202.

277. Bonnin, Bismarck and the Hohenzollern Candidature, p. 28.

278. Telegrama de Bismarck, procedente de Varzin, ao Ministério do Exterior, 3 out. 1868, GW


VI (a), n 1186, p. 412.

279. Bismarck a Solms, 11 maio 1869, GW VI (b), n 1389, p. 78.


280. Lord, Origins of the War, pp. 14-16.

281. Bonnin, op. cit, pp. 62-65.

282. Eyck II, p. 445; Keudell, pp. 430-32.

283. Memorando de Bismarck, 9 mar. 1870, GW VI (b), n 1521, pp. 266-68.

284. Anotações tomadas por Carlos Antônio, 16 mar. 1870, Bonnin, op. cit., pp. 291-94. Vide
também a interessante carta de Carlos Antônio a seu filho, o Príncipe da Romênia, em 20 de
março, da qual há extratos traduzidos para o inglês em Medlicott.e Coveney, Bismarck and
Europe, pp. 68-69.

285. Bismarck a Arnim, 25 mar. 1870, GWVI (b), n 1540, pp. 301-302; Bismarck a Bernstorff,
25 mar., ibid. n 1541, pp. 302-305.

286. Relato de Bucher, 14 abr. 1870, Bonnin, op. cit., 114-18; Diário de Versen, ibid., pp. 261-
62.

287. Bismarck(Varzin) aThile (Ministério do Exterior), 18,20,27 abr., Bonnin, op. cit, pp.
122,131-34 e 139-43; Diário de Versen, ibid., p. 264.

288. Bismarck a Carlos Antônio, 28 maio, ibid., p. 158; Carlos Antônio a Bismarck, 31 maio,
ibid., pp. 162-63; Thile à Legação Prussiana, Madrid, 11 jun., ibid. p. 178; Bismarck a Versen,
11 jun., ibid., p. 179; Bismarck ao príncipe real, 11 jun. ibid., pp. 180-81.

289. Idem, pp. 196 e 233-34; Pflanze, p. 452 (citando VEmpire liberal, de Ollivier); Lynn Case,
French Opinion.pp. 244-51; Keudell, p. 429.

290. Fritz Stern, “Gold and Iron”, Am. Hist. Rev., vol. 75 (i), 1969, p. 43 (publica extratos dos
arquivos de Bleichroeder).

291. Bismarck (Varzin) ao Ministério do Exterior, 11 jul. 1870, GWVI (b), n.° 1591, p. 354.

292. Bonnin, op. cit, pp. 244, 248 e 250.

293. Idem, pp. 248-49; vide artigo de Langer sobre “Bismarck as a Dramatist” em Sarkissian,
Studies in Diplomatic History, p. 202. A. J. P. Taylor, Bismarck, pp. 116-22 oferece interessante
interpretação da política do chanceler em 1870.
294. Bismarck a Abeken (Ems), 12 jul. 1870, GWVI (b), n 1601, p. 360; Langer, loc. cit., p.
203.

295. Langer, loc. cit., pp. 202-204; C. W. Clark, “Bismarck, Rússia and the War of 1870H, vol.

XIV, n 2 (1942) publica relatórios de Gorchakov a Alexandre II, um enviado em 12 jul. (pp.
200-201) e dois em 13 jul. (pp. 201-202).

296. Langer, loc. cit., p. 208; Lord, op. cit, n s 159 e 181.

297. A lenda do “Telegrama de Ems” é analisada criticamente por Langer, loc. cit, pp. 210-11.
Há muitas versões bismarqueanas, culminando com a famosa narrativa contida em suas
memórias, GW

XV, pp. 307-11. Vide também a estória conforme contada a Lucius von Ballhausen (set. 1876,
em Lucius, pp. 91-92) e duas vezes aMoritz Busch, dez. 1870 (SecretPages I, pp. 404-405)
eout. 1877 (ibid. II, pp-340-41).

298. Steefel, Bismarck, the Hohenzollern Candidacy... War of 1870, pp. 208-209 sobre os
acontecimentos em Paris e p. 216 sobre a declaração de guerra; Case, op. cit., pp 254-57;
Frederico III, War Diary, p. 9.

299. Busch, Secret Pages, I, p. 64; Bismarck à esposa, 16 ago. 1870, GW XIV (ii), n.° 1321, p.
785.

300. Busch, Secret Pages, I, pp. 88-89 e 95; Howard, Franco-Prussian War, pp. 144-66;
Bismarck à esposa, 16, 17 e 19 ago., GW XIV(ii), n s 1320-25, pp. 784-86.

301. Frederico III, War Diary, pp. 64-65; Howard, op. cit., pp. 162 e 167-82.

302. Ibid., pp. 212-23; Busch, Secret Pages, I, pp. 140-43; Keudell, p. 455; Bronsart,
Kriegstagebuch, pp. 58-59.

303. Howard, op. cit., pp. 218-21; Bronsart, op. cit., p. 61; Frederico III, op. cit, pp. 90-93;
Busch, Secret Pages, I, pp. 143-47.

304. Bismarck à esposa, 3 set 1870, GW XIV (ii), n 1374, p. 789.

305. Bismarck, op. cit, p. 65; Busch, Secret Pages, I, p. 159.


306. Bismarck a Bernstorff, 16 set 1870, GWVI (b), n 1805, pp. 497-98; Bismarck a Bernstorff
et al., 16 set 1870, ibid. n 1808, pp. 500-502.

307. Circular de Bismarck, 27 set. 1870, GWVI (b), n.° 1835, pp. 519-21; Busch, Secret Pages,
I pp. 191-94.

308. Ibid., p. 194.

309. Frederico III, op. cit., p. 215.

310. Home, Fali of Paris, p. 144; Busch, Secret Pages, I, pp. 215, 246 e 250.

311. Ibid., p. 246 (sobre o que disse Keudell); Keudell, pp. 458-60.

312. Frederico III, op. cit., pp. 150-51 e p. 181 (lançamentos de 9 out. e 6 nov. no diário).

313. Craig, op. cit., pp. 204-209; Feder (compil.) Bismarck grosses Spiel, p. 207; Ritter, Sword
and Sceptre I, pp. 219-22.

314. Bismarck à esposa, 20 out. 1870, GW XIV (ii), n 1350, p. 796; Bismarck ao Rei
Guilherme, 5 dez. GW VI (b), n.° 1950, pp. 615-17; Busch, Secret Pages I, p. 254.

315. Craig, op. cit, pp. 209-11; Howard, op. cit., pp. 350-57.

316. Busch, Secret Pages I, pp. 293, 306, 315, 325, 332 e 336; Bronsart, op. cit, p. 212 (7 dez.
1870).

317. Bismarck a Bernstorff, 24 nov. 1870, GWVI (b), nP 1928, pp. 597-98; Taylor, Strugglefor
Mastery, pp. 214-15.

318. Há uma perfeita impressão da tensão reinante em Versalhes nas memórias de Holstein:
Rich e Fisher, Holstein Papers, I, pp. 49-52.

319. Bismarck a Roon, 7 nov. 1870, GWVI (b), n 1910, pp. 583-84; Becker, Bismarcks Ringen,
727-29.

320. Vide a contribuição de Wilhelm Schõssler em Gohring e Scharf (eds.) Geschichtliche


Krafte, pp. 206-209, especialmente a carta de Bismarck a Ludwig da Baviera, 27 nov. 1870 (p.
207); vide, também, Acton, Historical Essays, pp. 204-205. Entre os trabalhos recentes,
Stehlin, Bismarck and the Guelph Problem, pp. 206-207 é preferível à versão
superdramatizada em Noll v.d. Nahmer, Bismarcks Reptüienfondspp. 150-65.

321. Frederico III, op. cit., p. 212.

322. Ibid., pp. 180, 224, 251, 253, 257-59 e 263; Bronsart, op. cit., p. 301.

323. Ritter, op. cit, I, pp. 222-23 e 310; Bismarck ao Rei Guilherme, 14 jan. 1871, GWVI (b), n
2005, pp. 665-69; general Stosch ao príncipe real, mesma data, em Hollyday, Bismarck’s
Rival, pp. 85-86.

324. Frederico III, op. cit., pp. 261-62, 265-68; GW XV, p. 327.

325. Ibid., pp. 328-29; Frederico III, op. cit., pp. 268-74; Bronsart, op. cit., p. 298; Rich e
Fisher, Holstein Papers I, p. 79. A proclamação, escrita por Bismarck consta de GW VI (b), n
2007, pp. 671-72. W. H. Russel escreveu uma fulgurante descrição da cena ocorrida na
Galeria dos Espelhos. Está em seu livro “My Diary during the last Great War” (1874), porém é
menos conhecida na Inglaterra que outros escritos anteriores de Ussel. Há um trecho em
Home, Fall of Paris, p. 301.

326. Bismarck à esposa, 21 jan. 1871, GW XIV (ii), n 1389, p. 810.

327. Eyckll, pp. 563-64.

328. Craig, op. cit., pp. 213-14; Bronsart, op. cit., pp. 309-11.

329. Howard, op. cit., pp. 438-43; Busch, Secret Pages I, pp.486-87; Frederico III, op. cit., p.
282.

330. Howard, op. cit., pp. 446-49

331. Frederico III, op. cit., p. 317; Bronsart, op. cit., pp. 270-73.

332. Frederico III, op. cit., pp. 319-22.

333. Bismarck à esposa, 5 mar. 1871, GW XIV, n 1410, p. 816; Bronsart, op. cit., p. 372;
Busch, Secret Pages, I, pp. 563-64.

334. Fredrico III, War Diary, pp. 336-37; Imperador Guilherme a Bismarck, 21 mar. 1871,
William I and Bismarck Letters I, p. 130.

335. Schmidt-Volkmar, Der Kulturkampf p. 24.

336. Bismarck a Amim, 20 jul. 1870, GWVI (b), n 1689, p. 409.

337. GW XV, p. 330; Busch, Secret Pages I, pp. 294-95; Kent, Amim and Bismarck, p. 42;
EycklII, pp. 83-84.

338. Atas do Conselho de Ministro prussiano, 1 nov. 1871, A. Constabel, Die Vorgeschichte
des Kulturkampfes, n 119, pp. 136-41.

339. Stehlin, Bismarck and the Guelph Problem, p. 101.

340. Schmidt-Volkmar, op. cit., pp. 77-79; Ruhenstroth-Bauer, Bismarck und Falk, pp. 23-31.

341. Schmidt-Volkmar, op. cit., p. 119.

342. Ibid., p. 79.

343. Eyck III, p. 100 e seg.; vide os discursos de Bismarck perante os deputados prussianos
em janeiro e fevereiro de 1872, Kohl V, pp. 225-81, e na Câmara Alta, 7 mar. 1872, ibid., pp.
305-307.

344. Kohl V, pp. 336-37.

345. Odo Russel a Granville, 18 out. 1872, Knaplund, Letters from the Berlin Embassy, p. 71.

346. GW XV, p. 333. Para comprovação contemporânea da importância do aspecto polonês,


vide comentários de Russell em março de 1872; Taffs, Ambassador to Bismarck, p. 13. Falk
destacou a importância da Polônia ao escrever a Guilherme I em 5 mar. 1872, Constabel, op.
cit, n 153, pp. 187-89.

347. Bismarck a Reuss, 22 ago. 1872, GWXIV(ii), n 1462, pp. 836-37; Wertheimer, Andrassy, II,
p. 71; Langer, European Alliances and Alignments, pp. 21-22.

348. Gorchakov a Brunnow, 11 set. 1872, citado em Sumner, Rússia and the Balhans, p. 89;
Schweinitz, Denkwürdigkeiten I, p. 299.
349. Bismarck à esposa, 3 maio 1873, GW XIV (ii), n 1486, p. 849.

350. Convênio de 6 maio 1873, GP I, n 127, pp. 203-204.

351. Protocolos de 6 jun. e 22 out. 1873, GP I, n 129, pp. 206-207; Pribram, Secret Treaties of
Áustria-Hungary I, apêndice A, pp. 184-87.

352. Bismarck ao Imperador, 14 out 1872, GP I, n 91, pp. 153-54 (conf. também GP I, n 95);
Kent op. cit., pp. 70-72 e 92.

353. Amim a Bismarck, 3 out. 1872, GP I, nP 90, pp. 150-53; Kent, op. cit., pp. 187-88.

354. Bismarck a Arnim, 20 dez. 1872, GP I, n 95, pp. 157-62.

355. Kent, op. cit., pp. 91-94 e 96-106.

356. Ibid., pp. 93-94.

357. O Imperador Guilherme I a Bismarck, 12 dez. 1872, ibid., p. 101.

358. Bismarck a Arnim, 19 jun. 1873, GP I, nP 115, pp. 189-91; Kent, op. cit., pp. 116-21.

359. Nota de página em GP I, 191; Kent, op. cit., pp. 121-22.

360. Lucius, pp. 35-36; Sell, Fürst Bismarcks Frau, p. 196; BismarckaE. Bulow, 7 jul. 1873,
GWXIV(ii), nP 1494, pp. 852-53.

361. Kent, op. cit., pp. 124-27.

362. Lucius, p. 46; Eyck III, p. 70; Craig, Politics of the Prussian Army, pp. 220-21.

363. Kent op. cit., pp. 129-40; Lucius, p. 64.

364. Kent, op. cit., pp. 144-49 e 194-97; Rich e Fischer, Holstein Papers I, pp. 95-96.

365. Snyder, Blood and Iron Chancellor, pp. 237-39, publica interessantes recortes do New
York Times narrando a tentativa de assassínio de Bismarck; Bismarck a Reuss, 30 jul. 1873,
GW XIV (ii), n 1521, p. 862; Guilherme I a Bismarck, 17 jul. 1874, William I-Bismarck Letters I
n.° 197, p. 155.

366. Kent op. cit., pp. 152-53; extratos das memórias de Hohenlohe, out. enov. 1874, GWVIII,
n.°s 88 e 89, pp. 123-26; Lucius, pp. 60-61.

367. Discurso em 4 dez. 1874, Kohl VI, pp. 214-26; outros discursos no Reichstag, nesse
período, ibid., pp. 190-239.

368. Taffs, op. cit, pp. 45-46. Sobre o Julgamento Arnim, em geral, Kent op. cit., pp. 163-70.

369. Rich, Friedrich von Holstein I, pp. 81-83. O depoimento de Holstein ao tribunal está em
Rich e Fisher, Holstein Papers III, pp. 31-36.

370. Memórias de Tiedemann’s, 25jan. 1875, GWVIII, n 97, pp. 138-39. A tradução das
observações de Bismarck em Eyck, Bismarck and the German Empire, p. 205, é mais
epigramática, porém mais desorientadora.

371. Bismarck a Nicolau Orloff, 10 fev. 1875, Orloff, pp. 162-163.

372. Bismarck a Hohenlohe, 26 fev. 1875, GP I, n.° 155, p. 245.

373. Andreas Hillgruber, artigo sobre a crise da “Guerra à Vista”, Schulin (editor),
Gedenkeschrift Martin Gohring, pp. 239-53.

374. Hillgruber, loc. cit, especialmente pp. 247-48; Mitchell, Bismarck and the French Nation,
p. 86. Vide também nota de página em GP I, n 160, pp. 253-54.

375. Eyck III, p. 161; o Imperador Guilherme I ao Ministério do Exterior, 11 abr. 1875, GP I,
162, p. 255; Bülow (por instruções de Bismarck) ao imperador, 12 abr., GP I, n 163, pp. 255-
57.

376. Ibid., p. 85; Rich e Fisher, Holstein Papers I, p. 94; Gontaut-Biron aDecazes, 21 abr.
1875, DDF I, n 395, pp. 415-21; versão de Radowitz, 12 maio 1875, GP I, n 177, pp. 275-77.

377. Circular de Decazes, 29 abr. 1875, DDF I n 399, pp. 426-33; Taffs, op. cit., pp. 85-86.

378. Bismarck a Munster, 12 maio 1875, GP I, nP 176, pp. 273-75. Bem como Taffs e
Hillgruber, loc. cit., vide o exame geral de Taylor, Stmgglefor Mastery, pp. 225-26; Sumner, op.
cit, pp. 95-99 e Seton-Watson, Disraeli, Gladstone and the Eastem Question, pp. 11-14.
379. Conversação de Bismarck com Aegidi, maio 1875, GWVIII, n 104, pp. 144-45; Sumner,
op. cit., p. 98; Eyck III, pp. 173-74 (comparar, porém, com Berchem ao Ministério do Exterior,
14 maio, GP I, n 182, p. 295).

380. Eyck III, p. 181; Russel a Robert Morier, maio 1875, Medlicott, Bismarck and Modem
Germany, p. 117.

381. Wertheimer, op. cit, II, p. 243.

382. Bismarck ao Imperador Guilherme I, 4 maio 1875, GW VI (c), pp. 58-59 (também William-
Bismarck Letters I, n.° 207, pp. 162-63); Guilherme a Bismarck, 11 maio, ibid. I, n.° 208, p.
164.

383. Bismarck a Modey, 6 jul. 1872, GW XIV (ii), nP 1458, p. 835.

384. Comparem-se, especialmente, os dois discursos de 22 nov. e 3 dez. 1875 (Kohl VI, pp.
291 e seg. e 309 e seg) com os provocantes discursos de 4 dez. 1874 (Kohl IV, pp. 214 e seg.).

385. Eyck, pp. 191-96.

386. Sumner, Rússia and the Balkans, pp. 137-52.

387. Russel a Derby, 29 nov. 1875, Taffs, op. cit., pp. 112-15.

388. Kohl VI, pp. 446 et. seg.

389. Wertheimer, Andrassy II, pp. 271-73.

390. Taffs, op. cit., pp. 118-22; Bulow a Munster, 4jan. 1876, GP II, n.° 227, pp. 29-31.

391. Ensaio de Medlicott sobre “Bismarck e Beaconsfield” em Sarkissian (editor), Studies in


Diplomatic History, p. 228; Monypenny e Buckle, Disraeli V, p. 420.

392. Taffs, op. cit, pp. 122-26; Monypenny e Buckle, op. cit., VI, pp. 18-21; Medlicott em
Sarkissian, op. cit., p. 229.

393. Oubril a Gorchakov, 5 jan. 1876, Goriainov, La Question d'Orient, pp. 65-66, citado
originalmente em Le Bosphore et les Dardanelles, do mesmo autor, com base em documentos
obtidos quando era arquivista no Imperial Ministério do Exterior russo.

394. Wertheimer, op. cit, II, pp. 295-99; Sumner, op. cit, p. 164; Schweinitz, Denkwürdigkeiten
I, pp 329-30.

395. Blake, Disraeli, pp. 588-90; Monypenny e Buckle, op. cit., VI, pp. 22-23; Seton-Watson,
Disraeli, Gladstone and the Eastem Question, p. 33.

396. Medlicott em Sarkissian, op. cit., pp. 233r36.

397. Disraeli a Derby, 4 set 1876, Monypenny e Buckle, VI, pp. 52-53.

398. Quanto ao Acordo de Rechstadt e suas conseqüências, Sumner, op. cit, pp. 173 e seg. e
583-8ÍI quanto à proposta do.Congresso, ibid., p. 199 e a nota editorial à p. 32 de GP II;
correlacionando sugestões transmitidas por Schweinitz em 6 e 7 de agosto à carta citada
imediatamente aqui abaixo.

399. Bismarck a Bulow, 14 ago. 1876, GP II, n 228, pp. 31-34.

400. Sobre a missão Manteuffel vide Sumner, op. cit, pp. 201 -207; Schweinitz, Bnefwechsel,
pp. 115-16 ü Denkwürdigkeiten I, pp. 348-50; diretriz de Bismarck, 30 ago. 1876, GP II, nP
229, pp. 34-37; Manteuffel a Guilherme I, 6 set, GP II, nP 231, pp. 38-44. Sobre o episódio
Werder, vide Werder ao Ministério Exterior, 25 set. GP II, n 237, p. 52 e 1 out., ibid., nP 239,
p. 53. Quanto à abordagem austríaca (l “Missão Munch”), vide Sumner, p. 210 e respectiva
nota de página. O aborrecimento de Bismarck, sobretudo com Werder, está evidente em seu
memorando de 2 out., GP II, nP 240, p. 54.

401. Schweinitz, Denkwürdigkeiten I, pp. 355-56 e 359-64; Schweinitz, Briejwechsel, p. 120;


Schweinitz ao Ministério do Exterior (de Yalta), IP e 2 nov. 1876, GP II, n 252 (pp. 80-81) e n
253 (pp. 82-84).

402. Medlicott, em Sarkissian, op. cit., p. 242; Taffs, op. cit., pp. 177-79. Vide extrato de carta
de Shuvalov a Gorchakov, 20 fev 1877, publicada (da Slavonic Review, IV, pp. 746-47) em
Medlicott e Coveney, Bismarck and Europe, pp. 100-101.

403. Quanto a Stosch em geral, vide sua biografia, Bismarck’s Rival, escrita por Frederick
Hollyday. A crise de 1877 está nas pp. 164-70. Sobre a hostilidade de Bismarck a Stosch em
1874 vide Lucius, p.57.

404. Busch, Secret Pages II, pp. 269-72; a Princesa Real à Rainha Vitória, 7 abr. 1877, Corti,
English Empress, p. 201.

405. Feder (ed.) Bamberger, Bismarcks grosses Spiel, p. 322.


406. Busch, Secret Pages II, p. 328.

407. Eyck III, pp. 204-207; GW XV, p. 368-70: o Imperador Guilherme I a Bismarck, 30 déz.
1877, William I - Bismarck Letters I, n 229, p. 185.

408. Schmidt-Volkmar, Der Kulturkampf, pp. 219-36.

409. Discurso de 19 fev. 1878, GW XI, pp. 520-29; sobre a expressão “honesto corretor”, e seu
recebimento na Câmara, p. 526.

410. BulowaStolberg, 3 mar. 1878, GPU, n 332, p. 207; Wertheimer, op. cit., III, p. 86; Saint-
Valliera Waddington, 2 mar. 1878, DDF II, n 256, pp. 261-63.

411. Sumner, op. cit, p. 493; Munster a Bismarck, 2 jun. 1878, GP II, n 425, p. 323.

412. GWXV, p. 372; Eyck III, pp. 220-29; Lucius, pp. 139-40; telegrama de Bismarck a Bulow,
11 maio 1878, GW VI (c), n.° 119, p. 109; vide também comentário de Bismarck a Busch sobre
a dissolução do Reichstag, Secret Pages III, p. 32 (15 nov. 1881).

413. Sumner, op. cit., p. 501; sobre o aborrecimento de Bismarck com a decisão de Gorchakov
de vir a Berlim, vide suas manifestações a Shuvalov, citadas por Waller, Bismarck at the
Crossroads, p. 75.

414. Beaconsfield à Rainha Vitória, 17 jun. 1878; Monypenny e Buckle, op. cit., VI, p. 322;
Taffs, op. cit, pp. 236-40.

415. Cecil, Salisbury, II, pp. 286-87.

416. Caratheodory Paxá (delegado turco), citado por Sumner, op. cit., p. 511.

417. Medlicott, em Sarkissian, op. cit, p. 250.

418. Beaconsfield à Rainha Vitória, 17 jun. e5jul. 1878, Monypenny e Buckle, op. cit, VI pp.
322 e 335.

419. Beaconsfield a Tenterden, 2 jul. 1878, citado em Sumner, op. cit, p. 505.

420. Eyck III, p. 264.


421. Sobre a combalida saúde de Bismarck, vide Medlicott, Congress of Berlim, p. 71; cf.
Richter, Bismarck, p. 244.

422. Eyck III, pp. 237-38 e 278-79; Lucius, pp. 142-45.

423. Eyck III, p. 282. Ofício ao Conselho Federal (datado de Friedrichsruh), 15 dez, 1878, GW
VI (c), n 138, p. 128.

424. Vide dois artigos de Fritz Stern: sobre “Money and Morais in Bismarck’s Society”,
Central European History III, pp. 55-56, e sobre Bleichroeder e Bismarck, em Am. Hist. Rev.,
vol. 75 (I), p. 42.

425. Artigo de Vagt sobre “A Fortuna de Bismarck”, Central European History I, p. 210.

426. Poschinger, Bismarck und die Parliamentarier I, p. 144; Schmidt-Volkmar, Kulturkampf


pp. 249-53; Ruhenstroth-Bauer, Bismarck und Falk, pp. 82-83.

427. Vide extrato de ‘‘O Cristianismo e o Problema dos Trabalhadores”, do Bispo Ketteler
(1864), em Simon, Germany in the Age of Bismarck, pp. 185-186, juntamente com os
comentários editoriais do Professor Simon, ibid., pp. 71-72.

428. Eyuck I, pp. 295-97 e 599-600; Taylor, Bismarck, p. 60; Pflanze, pp. 227-29.

429. Discurso de Bismarck em 2 abr. 1881, Rothfelds, Bismarck und der Staat, p. 358; extrato,
em tradução inglesa, em Simon, op. cit., pp. 200-202; conf. Busch, Secret Pages II, p. 483.

430. Russell a Granville, 17 Jan. 1881, Knaplund, Letters from the Berlin Embassy, pp. 188-89.

431. Sumner, Rússia and the Balkans, pp. 489-90 e 555-56; Waller, Bismarck at the
Crossroads, pp. 80-83.

432. Ibid., pp. 82-83; a análise detalhada do Dr. Bruce Waller sobre esses acontecimentos
supera todas as narrativas anteriores.

433. Schweinitz, Denkwürdigkeitn II, p. 60; Waller, op. cit., p. 190; Windelband, Bismarck und
die europaischen Grossmachte, p. 66.

434. Windelband, op. cit., pp. 66-89; Waller, op. cit., pp. 192-93.
435. Alexandre II a Guilherme II, 15 ago. 1879, GP III, n 446, pp. 14-16.

436. Radowitz (Berlim) Bismarck (Gastein), 9 set. 1879, GP III, n.° 463, pp. 59-60 e resposta
de Bismarck, ibid., nP 464, pp. 60-61; memorando do Imperador Guilherme, 9 (P) set. 1879,
ibid., n 465, pp. 62-64.

437. Hohenlohe, Memoirs III, pp. 245-47 (22 set. 1879).

438. Bismarck a Andrassy, 29 set. 1879, GW XIV (ii), n.° 1619, pp. 908-9; extratos em inglês
(junto a comentários de Andrassy, de uma versão preservada nos arquivos de Viena) em
Medlicott e Coveneyi Bismarck and Europe, pp. 116-17.

439. Windelband, op. cit, p. 83; Guilherme I a Bismarck, 2 e 4 out. 1879, GP III, nP s 495 e
496,

pp. 111-16.

440. Medlicott, em Sarkissian, op. cit., p. 249; conf. Medlicott Congress of Berlin and after,
pp. 385-98 Taylor, Struggle for Mastery, p. 263; Beaconsfield à Rainha Vitória, 27 set 1879,
Monypenny e Buckle, Disraeli VI, p. 386, Munster a Bismarck, 27 set. 1879, GP IV, n 712,
Cecil, Salishury II, p. 373.

441. Windelband, op. cit, 71-74; Waller, op. cit, p. 215.

442. Simpson, Saburov Memoirs, pp. 70-92; Medlicott, Congress... and After, pp. 390-92.

443. Sobre este parágrafo, vide, além das referências precedentes, a conferência feita por
Medlicott sobre Bismarck e a Aliança dos Três Imperadores, Transactions of the Royal
Historical Society (4 série, vol. 27), 1945 especialmente as pp. 66-70.

444. Bismarck, a Schweinitz, 26 fev. 1884, citado (dos arquivos do Ministério do Exterior
Alemão) por Medlicott, Bismarck Gladstone and the Concert of Europe, p. 343.

445. Ibid., pp. 178-86; Bismarck a Rantzau, 8 set. 1880, em Windelband, op. cit, pp. 195-97;
conf. ibid., pp. 173-74.

446. Medlicott, Bismarck..., pp. 283; Lucius, p. 205.

447. Medlicott, op. cit., p. 300.


448. Bismarck ao Imperador Guilherme I, 15 jun. 1881, GP III, n 531, pp. 173-76

449. K. A. Busch a Reuss, 28 fev. 1882, GP III, n 548; pp. 211-12.

450. Langer, European Alliances, p. 244; Taylor, Bismarck, p. 212.

451. Guilherme I a Bismarck, 30 out. 1882, William I - Bismarck Letters I, n 269, p. 213.

452. Idem, 10 maio 1882, ibid. I, n 266, p. 210.

453. Idem, 18 dez. 1881, e Bismarck a Guilherme I (mesma data), ibid., n.°s 261 e262, p.
207;GWXV, pp. 276-77.

454. Discurso de 12 jun. 1882, GWXII, pp. 343-66; discurso de 14 jun. ibid., pp. 366-98;
Lucius, pp. 330-32.

455. Bismarck a Guilherme I, 24 fev. 1883, GW VI (a), n 264, pp. 274-76 (comentários
editoriais de Werner Frauendienst, pp. 273-74).

456. Lucius, pp. 249 e 258-59; Rich e Fisher, Holstein Papers II, p. 35 (18 fev. 1883).

457. Craig, Politics of the Prussian Army, pp. 228-30; Weldersee, Denkwürdigkeiten I, pp. 224-
25.

458. Hollyday, Bismarck’s Rival, pp. 210-11.

459. Vide o diário do Dr. Eduard Cohen dos dias 1 e5nov. 1883, GW VIII, n s 354 e358, pp. 480
e 484; Lowe, Bismarck’s Table-Talk, pp. 276-79.

460. Bismarck a Guilherme I, 25 dez. 1883, GW XIV (ii), n 1709, pp. 945-46.

461. Rich e Fisher, op. cíl, II, p. 167 (diário de Holstein, de nov. 1884).

462. Bismarck a Guilherme I, 2 jun. 1873, citado por Wehler em seu artigo “Bismarck’s
Imperialism”, em Past and Present, n 48 (ago. 1970), p. 129.

463. Discurso no Reichstag, 26 jan. 1889, GW XIII, p. 384.


464. Além do artigo de Wehler, já citado, vide seu detalhado estudo Bismarck und
Imperalismus (1969) e o artigo de Hartmut Pogge von Strandmann sobre as origens internas
da política colonial de Bismarck, em Past and Present, n 41 (fev. 1969), pp. 140-59; vide,
também, a contribuição de H. A. Turnersobrea “aventura imperialista” de Bismarck em
Gifford e Louis, Britain and Germany in África (1967), pp. 47-82. Estudos mais antigos
incluem A. J. P. Taylor, Germany’s First Bidfor Colonies (1938) e M. E. Townsend, The Rise and
Fali of Germany’s Colonial Empire (1942).

465. Courcel a Ferry, 25 abr. 1884, DDF V, n 249, pp. 267-71.

466. Taylor, Germany’s Bid, pp. 66-67; Wehler, Bismarck und Imperialismus, pp. 393-94.

467. Herbert Bismarck a Bismarck, 16, 17 e 22 jun. 1884, GPIV, nPs 745, 746 e 747, pp. 64-
74; Taylor, Germany’s Bid, pp. 40-44.

468. Lucius, pp. 297-98 (22 jul. 1884); RicheFisher, op. cit.,II,p. 161. O Próprio Holstein
admitia que a questão colonial tinha fortes ligações com a campanha eleitoral; vide Rich,
Friedrich von Holstein I, pp.

145-46; e também a interessante carta de Guilherme Bismarck a Holstein, 27 ago. 1884, Rich
e Fisher, op. cit, III, pp. 128-29.

469. Ramm, Political Correspondence... Gladstone e Granville II, pp. 242-43 e 251.

470. Discurso de 25 jun. 1884, GW XIII, pp. 4-5.

471. Courcel a Ferry, 12 nov., e 3 dez. 1884, DDF V, n.° 450 (pp. 469-70) e n.° 475 (pp. 501-
503).

472. Vide, por exemplo, Courcel a Freycinet, 11 abr., e 10 maio 1885, DDF VI, n.° 6, p. 6 e n.°
23, pp. 21-27; e, em contraste, Raindre (Berlim) a Freycinet, 6 ago. 1885, DDF VI (2), n.° 2,
pp. 5-9. Ver também Windelband, Bismarck und die europãischen Grõssmachte, pp. 640-56.

473. Discurso no Reichstag,, 2 mar. 1885, GW XIII, pp. 4-5.

474. Rich e Fisher, op. cit., II, p. 237 (ago. 1885).

475. Eulenburg, Aus 50Jahre, pp. 81-107; artigo de Snyder sobre “The Political Implications of
Herbert von Bismarck’s Marital Affairs”,J M H XXXVI, n.° 2 (jun. 1964), pp. 156-61.
476. Rich e Fisher, op. cit, II, p. 200 (maio 1885); sobre o incidente da espingarda, ver ibid.,
pp. 288-

84. Holstein era, porém um observador parcial e rancoroso. Lord Randolph Churchill, ao
visitar Berlim dois anos depois, mencionou a “gostosa” companhia de Herbert von Bismarck,
em carta para casa, comentando sua franqueza e honestidade; e Lady Randolph descreve
Herbert como um conviva encantador; vide Ralph Martin, Lady Randolph Churchill, vol. I, pp.
205-206.

477. Richeter, Bismarck, p. 263; Eyck sobre “Holstein as Bismarck’s critic”, em Sarkissian, op.
cit., pp. 255-57.

478. Rich e Fisher, Holstein Papers II, pp. 272-73 (29 dez. 1885).

479. Bismarck ao Imperador Guilherme I, 29 set. 1884, GWVI (c), n.°295, pp. 304-306; vide
também a nota editorial, GP III, p. 369.

480. Corti, English Empress, pp. 208-209; Corti, Alexander of Battenberg, pp. 88-92; diário da
Rainha Vitória referente ao dia 8 jun. 1879, Letters of Queen Victoria, 2.a Série, III, p. 26;
Langer, European Alliances and Alignments, p. 337.

481. Corti, Alexander of Battenberg, pp. 203-49.

482. Vide memorandos de Bismarck, minutados por Rantzau em Friedrichsruh, 14 e 16 dez.


1886, GP V, pp. 96 e 149, com notas editoriais; Lucius, p. 359.

483. Eyck, III, pp. 447-48; Lucius, p. 359 (sobre os receios de Bismarck em dezembro de
1886); Rich e Fisher, op. cit., II, pp. 388-93 e III, p. 188.

484. Discurso do Reichstag, 11 jan. 1887, GW XIII, p. 213.

485. Corti, English Empress, pp. 235-49.

486. Príncipe Guilherme a Eulenburg, 8 jan. 1887, citado dos arquivos de Potsdam por Rõhl,
Historical Journal, vol. 9 (1966), p. 68; conf. Rõhl, Germany without Bismarck, p. 29.

487. M. Balfour, The Kaiser and his Times, pp. 91-92 e 114; Rich, Friedrich von Holstein I, pp.
228-29.

488. Craig, Politics of the Prussian Army, pp. 268-70.


489. Balfour, op. cit., p. 115; Rich e Fisher, op. cit., II, p. 87; artigo de Rõhl, loc. cit., p. 70.

490. Discurso no Reichstag, 6 fev. 1888, GW XIII, p. 347.

491. The Times (Londres), 10 mar. 1888.

492. Corti, Alexander, pp. 287-94.

493. Corti, English Empress, pp. 273-74.

494. Corti, Alexander, p. 294.

495. Lucius, p. 450; Busch, Secret Pages III, p. 1887; Rich e Fisher, Holstein Papers I, p. 142;
Longford, Victoria R. I., p. 634.

496. Busch, Secret Pages III, p. 231.

497. GW XV, pp. 458-71; Waldersee, Denkwürdigkeiten I, pp. 338-39, 343-44 e 353-55.

498. Balfour, The Kaiser and his Times, pp. 125-26.

499. Carta de Holstein, 15 out 1888 citada (da biografia de Holstein escrita por Rogge) por
Rith, Friedrich von Holstein I, p. 246.

500. Nichols, Germany after Bismarck, p. 31; Waldersee, Denkwürdigkeiten II, p. 4.

501. Herbert Bismarck a Rosebery, 16 dez. 1888, Bussmann, Staatssekretar Graf Herbert von
Bismarck, n.° 374, p. 533.

502. Sobre o Caso Morier, vide artigo de F. B. M. Hollyday na Central European History I, n.°
1 (mar. 1968), pp. 56-79.

503. Extrato do discurso de Bismarck, 26 jan. 1889, GW XIII, p. 380; Bismarck a Hatzfeldt, 11
jan. 1889, GP IV, n.° 943, pp. 400-402.

504. Waldersee, Denkwürdigkeiten II, pp. 42 e 48; Craig, Politics of the Prussian Army, p. 270.
505. Ibid., (citando Waldersee a Engelbrecht, 13 fev. 1889); Rich, Friedrich von Holstein I, pp.
249-50.

506. Eyck III, p. 560; Lucius, p. 496; Nichols, op. cit., p. 13; Balfour, op. cit., pp. 76-79.

507. Waldersee, op. cit, II, pp. 54-56; artigo de Rôhl, “The Disintegration of the Kartell”,
Historical Journal, vol. 9 (1966), p. 73.

508. Rich, op. cit., pp. 250-54; Waldersee, Denkwürdigkeiten II, pp. 58-63; Eulenburg, Aus
50Jahren, p. 284. Em 1972, o Dr. RenkHansjõrg publicou um minucioso estudo da Crise
Wohlgemuth, colocando-a no contexto da política geral de Bismarck com relação à Suíça,
Bismarck Konflikt mit der Schweiz (quanto à crise em si, vide pp. 128-358).

509. GW XV, p. 559; Waldersee, op. cit., II, pp. 54-56 e 65-66; Rich, op. cit., I, p. 251.

510. Artigo de Rõhl, loc. cit., pp. 77-79; Lucius, pp. 502-503; Herbert Bismarck a Rantzau, 27
jun, 1889, Bussmann, op. cit., jun. 1889, n.° 380, p. 538.

511. Artigo de Rõhl, loc. cit, pp. 81-83; idem, Germany without Bismarck, pp. 47-50.

512. Rich, op. cit., I, pp. 264-65.

513. GW XV, pp. 490-91 e 592-93; Lucius, pp. 506-507. Sobre o uso, por Eulenburg, da
expressão “Júpiter”, vide Craig, op. cit, p. 271.

514. Há extratos, traduzidos, das minutas do Conselho da Coroa em Simon, Germany in the
Age of Bismarck, pp. 224-27; a versão de Bismarck vide em GW XV, pp. 491-94; a narrativa de
Herbert von Bismarck (datada de abril de 1890) vide em ibid., pp. 593-94.

515. Lucius, p. 509;

516. Nichols, Germany after Bismarck, pp. 32-33. Vide também excerto do diário de Marschall
referente a 29 de janeiro, publicado por Rôhl em seu artigo de crítica na Historical Review IX,
p. 383.

517. Eyck III, pp. 573-79; GW XV, pp. 499-502; Lucius, p. 515.

518. Quanto à eleição, vide o artigo de Rõhl sobre o Kartell, loc. cit., pp. 85-86 e Nichols, op.
cit., pp. 18-19. Vide também GW XV, p. 508; Waldersee, op. cit., II, p. 106; Eulenburg, op. cit.,
pp. 293-94.
519. Willy Bismarck a Holstein, 2 mar. 1890, Rich e Fisher, op. cit., III, n.° 307, pp. 329-30.

520. Herbert Bismarck a Rantzau, 5 mar. 1890, Bussmann, op. cit., n.° 403, pp. 562-63.

521. Artigo de Fritz Stern sobre Bleichroeder e Bismarck, Am. Hist. Rev., vol. 75 (i), 1969, p.
43.

522. Rõhl, Germany without Bismarck, p. 89; sobre a irritação crescente do imperador, vide
Waldersee, op, cit., II, p. 115; e sobre a nota de Bismarck na noite de sexta-feira, vide Eyck III,
p. 589.

523. Narração de Bismarck sobre o encontro, em GW XV, pp. 512-15. A versão de Guilherme II
está em K. F. Nowak, Kaiser and Chancellor, pp. 204-208. Vide, também Eulenburg, op. cit.,
pp. 223-35; Lucius, pp. 521-22.

524. Herbert Bismarck a Rosebery, 30 mar. 1890, Bussmann, op. cit., n.° 407, p. 567.

525. Nicholson, George V, p. 75. O Príncipe George estava em Berlim para ser investido
Cavaleiro da Ordem da Águia Negra.

526. The Times (Londres), 30 mar. 1890.

527. Gooch, Studies in German History, p. 380.

528. Herbert Bismarck a Rosebery, 30 mar. 1890, Bussmann, Staatssekretar... Bismarck, n.°
407, p. 567.

529. Bucher a Busch, l.° set 1891, Busch, Secret Pages III, pp. 373-74.

530. Ibid., p. 377.

531. Ibid,, p. 374.

532. Waldersee, Denkwürdigkeiten II, p. 202 (mar. 1891).

533. Nichols, Germany after Bismarck, p. 107, citando as memórias do Conde Wedel.

534. Ibid., pp. 105-106.


535. Entrevista concedida a Henri de Houx, nov. 1892, GW IX, n.° 92, pp. 292-99, citação da
página 293.

536. Nichols, op. cit, pp. 190-95.

537. Vide artigo de Louis Snyder “The political implications of Herbert von Bismarck’s marital
affairs”, J M H, vol. XXXVI, n.° 2 (jun. 1964), pp. 162-66; Nichols, op. cit, p. 194.

538. Meyer, Bismarck, Mensch und Staatsmann, pp. 691 -93; Bismarck ao editor do Neue
Freie Presse (Viena), 23 jun. 1892, GW IX, n.° 76, pp. 215-19.

539. Eyck III, pp. 620-21; artigo de Snyder, loc. cit., p. 167.

540. Churchill, Lord Randolph Churchill, II, pp. 477-81; Ralph Martin, Lady Randolph
Churchill, vol. I, pp. 263-65.

541. Bismarck a Guilherme II, 19 set 1893, GW XIV (ii), n.° 1891, p. 1.011; Nichols, op. cit., p.
298.

542. Ibid., p. 299; Eulenburg, op. cit, pp. 256-58; Hohenlohe, Memoirs II, p. 451.

543. Nichols, op. cit, p. 301; Eulenburg, op. cit, p. 268; GW IX, pp. 383-88.

544. Hohenlohe, op. cit., II, p. 452; sobre a visita de Hohenlohe a Friedrichsruh, ver ibid., pp.
461-62.

545. Sobre os últimos dias de Joana, vide Sell, Fürst Bismarcks Frau, pp. 252-53; Eyck III, p.
633; Bismarck à irmã, 19 dez. 1894, GW XIV (ii), n.° 1908, p. 1017.

546. Bismarck a Oscar von Amim, 18 maio 1895, ibid., n.° 1918, p. 1020.

547. Waldersee, Denkwürdigkeiten II, pp. 341-42 (28 mar. 1895); Gooch, op. cit., p. 388.

548. Conversação com Tirpitz no verão de 1897; GWIX, n.° 161, pp. 477-79; Tirpitz,
Erinnerungen, pp. 88-90.

549. Conversação com Li Hung-chang, 25 jun. 1896, GW IX, n.° 157, pp. 465-69; a citação
está na página 468.
550. Conversação com Guilherme II e seu séquito, 15 dez. 1897, GW IX, n.° 166, pp. 488-89;
Tirpitz, op. cit., pp. 93-95.

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552. Snyder, Blood and Iron Chancellor, pp. 401-403; Eulenburg, op. cit., pp. 276-79.

553. Waldersee, op. cit, II, p. 418; Eulenburg, op. cit, p. 280.

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(preparada por H. von Petersdorff, F. Thimme, W. Frauendienst, W. Schüssler, W. Andreas, W.
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homem e sua obra. Foi publicada em Berlim, entre 1924 e 1985, com quinze volumes
numerados, mas o Volume VI tem quatro partes e 0 Volume XIV duas partes. O Volume XV é o
texto definitivo das memórias de Bismarck, inicialmente editadas em 1898 com o título
Gedanken und Erinnerungen; nesta edição, levam o nome que preferiu o próprio Bismarck,
Erinnerung und Gedanke (“Memória e Pensamento”). Os Gesammelten Werke não são,
todavia, absolutamente completos: os discursos dos Volumes X, XI, XII e XIII podem ser
suplementados por Die Politischen Reden, de Horst Kohl (organizador), Berlim, 1892-95; as
cartas do Volume XIV, por The Correspondence of William I and Bismarck with other letters
(tradução inglesa, Londres, 1903), pela seleção feita por Herbert von Bismarck das cartas de
seu pai para sua mãe (uma tradução inglesa em dois volumes, impropriamente chamada The
Love Letters of Prince Bismarck, foi publicadl em Londres, em 1900) e por outras coleções.
Em 1962, comemorando 0 centenário do convite a Bismarck para assumir o governo, a editora
alemã Kohlhammer Verlag iniciou a publicação de uma nova série, Bismarck, Werke in
Auswahl. Esse projeto de obra abrange trechos de importantes documentos diplomáticos
alemães e complementa substancialmente os Gesammelten Werke, malgrado algumas
omissões surpreendentes. Em fins de 1973 já haviam saído cinco volumes de Werke in
Auswahl, com a Seleção chegando aos últimos meses de 1876. Uma nova edição crítica de
Erinnerung und Gedanke foi publicada como Volume 8 (a) de Werke in Auswahl, no início de
1975.

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