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JOSE CLAUDINO DA NOBREGA MEMORIAS DE UM VIAJANTE ANTIQUARIO Preficio P. M. BARDI PREFACIO Conheco 0 Nobrega depois de sempre, como amigo e como institui¢do no setor no qual me aventuret, o antiquariato, uma profissdo de muitas emogées. Vocagdo? Nao sei. Pode ser que se tome aquele caminho por acaso, gosta-se, e por ali se vai, buscando e farejando, descobrindo topesando, procurando entender obras de arte e ndo quinquilharias, curiosidades, memérias vultosas on rainimidades. Diftal explicar. Se 0 antiquério nao se interessa por tudo, é um pernbstico que se restringe ao circulozinho de uma ou outra 6poca, drea geogrifica e, até, restrita a um setor de objetos ou talvex de um 36. Sao, estes, colegas dificeis, exclusivistas, ndo antiquérios, como entendo, Cada um de nbs, soja des grandes ou dos que mexem no ‘‘bric-d-brac’’, tem sua bagagem de andangas, espertezas, vantagens, iusdes e muatas desilusbes, segredos e tudo quanto partilba uma profissio. Quando fui chamado de Roma pelo Sr. Assis Chateaubriand, para dar a Sdo Paulo o Museu de Arte, era antiquario e, devo dizer, combinei com o fundador que aceitava 0 convite com a condigao de continuar a exercer minha atividade, como, de resto, continuo. Vicio? Pode ser. Mais antiquério de gabinete do que de campo, ou de campo em raras circunstincias, No meu “Studio Palma". om Roma, tinha sadas de exposigoes penbdias, rea biblioteca, laboratsiio de resiauro de pinturn, eculsurd ¢ mobili, gabunete ck andlive qutmica, fotografia e radografi, pode-se diter: um antiquirio executvo. Vindo ao Brasil, as primeiras visitas, naturalmente, foram para meus colegas. Em Sao Paulo eram poucos, para nao dizer raros: 0 Francisco, 0 Moités, algumas lojas de ‘‘ferro-velbo”’. Para mim, veterano de auténticas faganhas, como a da compra da Colombia de Luca della Robbia, 0 bronze dourado do cibério da Igreja de Peretola, desaparecido no fim do século XIX, obra que, logo depois da compra, levei ao chefe do Patriminio de Hlorenca, e que esté agora com meu nome de doador no “Museu del Bargello"’; para mim, entio, vindo de fatos deste género, 0 que encontrava na futura metropole era de uma diversidade tal que ndo digo me assustasse, mas obrigava a me entrosar com um ambiente novo, de uma antiga arte que precisava estudar, entender e justificar. Pouco se sabia do Barroco brasileiro na Wtdlia, por falta de documentagao, relegado & simplista formula “arte colonial”, genericamente definida, eco e remanejamento das reformulagoes plasticas da Europa setscentista, Como a Pinacoteca do Masp era projetada para a “arte ocidental”’, a “arte local" tomou-se uma diversificagito, Comprava Rafael, Ticiano, El Greco, Bosch, Velazquez, Delacroix, Manet, Picasso, Max Emst etc. para o Museu e, ao mesrao tempo, comprava para mim duas esculturas do ‘Aleijadinho no casarto de José Horestano, na Consolagao. Fregiientemente, em seus leilbes, adquiria objetos curiosos para os quais ninguém dava lances, tanto que Hlorestano, indignado por ninguém dar lances para o retrato do poeta Alberto de Oliveira, de Belmiro de Almeida, doou-me a espléndida pintura para a Pinacoteca em formagao. Poderia me alongar mestes contatos come os raros antiquirios ¢ 0 interesse que atribuk seja a arte como a vida brasileira, que tratei em varios volumes, entre os quais, me parece justo lembrar, a “Historia da Arte Brasileira’ edivada pela ''Melhoramentos”’ Estes breves acenos ao meu curriculums sto agui inscritos para um dizer autorizado a apresentar as Memirias do colega Nobrega. Por ouiro lado, ele se dirigie ao Bardi porque com ele transacionow mutts votes, com a cordiidade ca aizade que € uma des sua qudiledes. Nobrega é, antes de tudo, 0 que apelidamos de companheiro, franco, incapas dle contar uma historia por outra, Se, as vezes, afirma um caso gue pode ser dative, seu rato se orma com um dos seus sorrisos profissionats, participando da diivida, Uma vex descubro na sua loja uma papeleira de jacarandé de nenbum estilo Joao on Dona Maria: forma severa, volumosa, pingentes de ferro nas gavetas. O namoro é ‘ fulminante, certo de descobrir um m6vel do Seiscentos, nordestino, maravilhoso. Compro na hora. O Nobrega me contou entio, a crénica do encontro numa aldeia do Rio Tocantins, ‘Mas quantas coisas comprei do Amigo, ¢ também o que -sprendi no se conta ose vir incansivel pela: regibes mats antigas da Coldmia que ele descreve neste loro. E tama junedo & Meméria, de alguem que salvou intimeras partlhas da arte nacional, e ndo sei quarica documenagao preciosa, também paul, pot, quando as fails se desfazem das “onutilidades, chamane 0 Nébrega. Ft dele que compre bloco dos paps até tntimos, do Conseleio nt6nio Prado, Acabo escrevendo uma relazdo de negécios e nao uma apresentagto, confiando que o Nobrega me substitua no descrever sua perso O que transparece na sua prosa simples, acontecimentos de um antiquinio que, mostrando sua vids, decifra perfetamente seu carter inveftvel, seu talento e sua honestidade, P.M. Bardi 2 Bus relict, Sata Usul, terra, Sto Pao, 1630 Coles do aoe POR TERRAS DE MATO GROSSO ‘Apés alguns anos de experiéncia no campo da compra ¢ ven- de aetigidades, er pecrtido as dades lewines co ciclo da cana-de-acicar no nordeste e palmilhado as famosas vilas historicas de Minas, viajei finalmente, em 1951, para a capital de Mato Grosso — Bom Jesus de Cuiaba. Confesso {que estava um pouco amedrontado, porque o Amado, velho antiquirio de Santos, por conta de quem cu viajava, me aconselhata a no olhar com brejeitice para as mulheres, no nadar nos rios devido as sucuris ¢ no me afastar das cidades ra nfo set atacado por indios Einbarquet num DC-3 as sete horas da manha, em Congo- has. Ao cruzar o rio Parani, atrasei o meu telégio uma hora, Depois de pousarmos em Campo Grande, Corumbé e Aqui- ddauiana, chegamos 2s dezessete horas a velha cidade, O hotel principal estava lotado, mas havia um novo, de pro- riedade do cearense Ardo Bezetra, na rua Coronel Pedro Ce- Fexino, antigo prédio dos Correios ¢ Telégrafos; af instalei-me no 12 andar. Um antiquario, chegando uma velha cidade, tem Sempre Gtima impressio e esperancas. Ap6s 0 jantar, dei tuma volta pela Praga Alencastto; zo vi indios ¢ sim belas mulheres, fumando cigarros ameticanos. Povo risonho ¢ aco- Ihedor, parecido com 0 catioea, 60 cuiabano, Ali mesmo, no jardim, fui aprescntado a uma senhorita cujo pai, Salomao ‘Nunes Ribeiro, era neto do Baro de Poconé. No dia seguin- te, fui levado & presenga dele que me conduziu as casas das familias mais antigas. Fui comprando coisas preciosa: loucas “Cia. das Indias”, moveis, pratasia. Lembro-me da casa do ‘Odorico Tocantins, procurador do Marechal Rondon, ali bem ‘no centro, no inicio da rua 13 de Maio. Aluguei um depésito para guardar mesas de cancela e dos es- tilos D. José, D. Jogo Ve D. Maria. Dias depois, telegrafei a0 Sr. Amado pedindo mais quinhentos mil ctuzeiros. Vascu- Thado o centro, no precisava mais da ajuda do amigo Salo- mao. ope mais humilde, da periferia, vinha 4 minha pto- cura no hotel porque cortera a noticia de que cu havia com- ado uma mes velha pot 10 contos de ris “iquei logo muito simpatico aquela gente, porque a maioria dl vajanes alt vender tiulonecapaliona segura is sugar o povo. E eu era um viajante maravilhoso! Levava di- taheizo 20 povo, em troca de objetos velhos, imprestaveis a0 vet da maioria. Colheita grande fiz eu nos baittos do Bati, do Porto e da Prai- tha. Estou escrevendo trinta ¢ um anos depois eno posso es- 4quecer certos epis6dios. Chamado ao baitto do Ba, uma se hora foi comigo, contando-me que possuia uma cémoda bi- secular e precisava vender a peca por necessidade premente — ‘sua mle, com noventa anos, estava enferma ¢ nao havia di- saheito nem para a farmicia... Vi a pega e fiquei encantado. ‘Tratava-se de cémoda do meado do século XVIII, com gran- de influéncia holandesa; almofadées de 15 centimettos de al- tua ¢ feita dentro da propria casa; precise mandar chamat ‘um carpinteiro e um pedreito para tirarem os portals, a fim de poder ira pep da casa. © move em questo fi vendo a Exma. Sra. Stella Ramenzoni, em Sao Paulo, Outta passagem muito curiosa: no Porto, uma velhinha cha- mou-me para mostrar um orat6rio; nfo podia vendé-lo por ser uma recordagio de familia, mas “trocava’” uma das ima fens, desde que o pres lhe conviese. No primeir olhar eu livisei uma santa freira com resplendor ¢ palma de outo! Pe- gando a imagem em minhas méos, vi que a pintura era de €poca e pelo peso s6 podia set marfim, e marfim de Goa! Dei pela imagem seis contos de réis pois eu ia vendé-la, na cerca, t dez, Era uma Santa Rita dos Impossiveis. Poss afar que, em cats de clase media e alta, havia pr tatia; pelo menos iuma pequena bandeja e copinhos de prara para ‘servi o guarand, que cta ralado em lingua de pirarucu, O dinheito estava acabando eo suprimento nao chegava. To- dos os dias comprando 30 a 40 mil cruzeitos, passava no Ban- «0 do Brasil ¢ nada da ordem de pagamento chegar. Patel um pouco de andar pela cidade e plantei-me no hotel. No dia se- fuinte 3 tarde apatece-me um filho do amigo Saloméo: = '"Trago aqui duas peyas de D. Aquino para voce ver o que as cle quet por escrito. Um copo de prata ¢ uma . Examinei 0 copo de prata, vi que eta todo batido a imo, sem contraste e a asa tinha sido aplicada posteriormen- tc. A salva, muito bonita, era francesa, com cabeca de Miner- va, do fim do século passado ou principio deste. Escrevi entio pata D. Aquino: "*Copo de prata regional brasileira, asa pos- sivelmente aplicada. Salva de fino lavor, marca francesa, ca- beca de Minerva, fim do século XIX” © rapaz. era funcionsrio dos Correios © Telégrafos e pessoa de confiana dos padres, Nao demorou uma hora'e D Aquino fazia questio de conhecer “o sibio antiquatio”” na linguagem que a mim foi transmitida pelo portador. Segui acompanhando 9 fapaz. D. Aquino, sacerdote modesto, ‘io morava no lindo Palicio Episcopal. Estava instalado no velho seminério, numa sala e quarto. Bu sabia diversos so- netos de D. Aquino, de cor. Sabia ser ele o grande orador do Estado Novo, ex-Presidente de Mato Grosso ¢ pertencer a Academia Brasileira de Letras, mas no podia imaginat ue fosse um homem to modesto. Depois de cumprimen- ilo, beijando-lhe a mfo, foi logo dizendo que comprara a bandeja em Paris eo copo fora de seu pai, natural da ant ‘a Meia Ponte, em Goiis, ¢ que mandara um prateito co- car a asa ha anos, porque era mais fécil usi-lo com agua ara escovar os dents. ssc a0 gtande prelado que morava em Santa Catarina, justamente em Sao José, terra do Cardeal Cimara. Pedi: ‘me, entio, um favor: — “Eu ocupo, na Academia, a ca- deira de Lauro Miller ¢ queria que o distinto amigo colhes- & pata mim, em Ita loranSpols, auavés da uadigio oral, dados sobre 0 grande estadista’” sy ot apuardar, D. Aquino, que sua vontade sert cumprida fielmente’'. Foi servido um ché e em seguida D. Aquino chamou o pa- de-sectetatio para trazet umas j6ias para serem avaliadas. Tratava-se de uma pesada cruz pastoral com grossa corrente © mais uma tiquissima caixa contendo um colar de ouro ¢ auténticas esmeraldas, com os seguintes dizeres: “'A D. Aquino Correia, lembranga do sempre amigo, Atrojado Lis- boa — Roma, 1922". Depois da avaliacio, fui apresentado 2o distinto Padre Nel- son Pombo, diretor do seminatio, e, desde entio, todas as portas estavam abertas para mim, No dia seguinte, recebi a ordem de pagamento ¢ fui vistar a Igreja de S40 Goncalo, no Porto, Vi as sepulturas dos pais de 1D. Aquino ¢ falando com o vigitio, um simpatico padre po- Jones, este manifestou desejo de vender.me uma limpada de ‘pata e uns casticais também de prata, alegando que a kimpa- da hd muitos anos nao era acesa, porque comprara uma pe- 9 quena, com luz vermelha, pata iluminar 0 Divino Espitite Santo.’ Portanto, a limpada no era mais votiva. Comprei o pac de castcais "Império” c também a limpada colonial est- lo D. José I. O padre polonés ficou muito eufotico em pegar aquele dinheito pata aplicar num mével para a sacristia ¢ dis- se-me que na hota do almoco ia falar com seu compatriota, Padre Wasiki, que era o vigicio-geral e certamente devia tet muita coisa fora de uso, na Mattiz do Bom Jesus. Efetivamente, as quinze horas estava na sactstia da Matriz, com 0 bom Padre Wasiki. Muito cauceloso ¢ falando em ‘montar um museu, como de fato o fez anos depois, vendeu- ‘me apenas um gomil ¢ lavanda de prata (existiam diversos), tum belo crucifixo e uma banqueta de estanho do século XVI Padre’ Wasiki cra um professor salesiano, alto, magro e de olhar penetrante. Incrivel 0 poder da Fé! Esses salesianos, acostumados 20 conforto curopeu, altamente preparados, deixaram suas tertas, seus entes quetidos ¢ vieram pata o cen: two da América do Sul catequizar indios selvagens, fundar igtcjas e colégios, realizando 0 sonho de D. Bosco! Dei ao Padre Wasiki uma orientacio no sentido de escolher as cas tas raras para o futuro Museu de Cuiaba. Material nfo Bitava, Hava aquela grande e pesada eampainha das Mis s0es, datada de 1788 com 0 nome do fundidor por extenso. Havia aquela matavilhosa imagem de Santo Elesbao, impera- dot da Eri6pia. E um par de casticais datado de 1803. Alem dos gomis, lavandas, tocheiros de prata em quantidade ¢ ‘mais os lampaditios ““Sabara’” ¢ as famosas lanternas “'D. Jogo V". Era, portanto, uma grande variedade de pecas de primeitissima linha que, arrumadas com gosto ¢ bom senso, se ttansformariam num’belo Museu de Arte Sacra, Despedi-me do Padre Wasiki ¢ rumei para o Rositio, Neste local, depois da descoberta da regio por Pascoal Morcira Ca- bral,'o sorocabano Miguel Sucil garimpou arrobas e artobas de ouo! Aventurirossurgtam de todos os tecantos¢ logo cm seguida, em 1729, foi construfda a Igreja N.S, do Rosé- tio, dedicada aos homens pardos. O atual vigétio, um lusitano delicado € cerimonioso, mos- trowme aguas peas da fundago do_ temple: um peque no lampaditio de prata, cujas correntes pateciam fitas, cu comprei, Depois, cedeu-me alguns castigais de madeira tica- ‘mente entalhados ¢ dourados do século XVIII. Adquiri tam- bém alguns paramentos antiqlissimos Recebi outro chamado para comprar méveis na rua Bato do Melgaco e, a0 passat ao lado da Matti, vi a csinha humilde ‘onde nasceu 0 General Dutra. Uma placa de bronze lembra: "Nesta casa nasceu o Gal. Burico Gaspar Dutra, em 1884 Homenagem do povo.”” © Gal. Ducra insigne Ministro da Guerra ¢ benemérito Presidente da Repablica (1946-1950) cra de familia humilde. Seu pai, otiundo de Pilar de Gotis, veio para Cuiaba tentar a vida ¢ conseguiu um emprego de fiscal da prefeitura, O menino Eurico, muito inteligente, es {gra tetminando os preparattos np Ginn Cuiabano quan- do 0 Coronel Pedro Celestino, chefto politico da 1* Repabli- cae homem de acrisoladas virtudes, deu uma passagem ao ta- paz c um cartdo de recomendacio para seu amigo, Bardo do Kio Branco, no Rio, a fim de que Fosse 0 tapas matricaad tna Escola Militar; essa era de fato a vocacao de Eutico. Palavra dde um Cotonel nao vol atts e foi o moco cuiabano matricu- lado mesmo, fazendo brilhante e hontada carreita militar. 0 Em vista do cumprimento da promessa, o fiscal bandeou-se pata o partido do Coronel Celestina, dando assim um exem- plo de obedigncia e gratidio. ‘Mas, voltemos 20 assunto das antigiidades. Quando regressei a0 hotel, tive longa conversa com Argo Bezerra, um bravo fi- Iho de Baturité, homem dircito, mas muito violento. Ao lado do hotel morava um yelho médico qui vinha sempre nos dar um dedo de prosa. Comprei na rua Baro do Melgaco uma linda sala ‘Luiz Felipe” (os antiquatios chamam esta mobilia de Pé de Cachimbo). Visitei, na parte alta da cidade, o Sr Lulu Cuiabano, homem de muita idade, mas Itcido, que me ‘mostrou uma mesa vinda de Vila Bela, segundo ele, em lom- bo de burro, Linda mesa de encosto com boa saia, Mas 0 sen- sato velhinho jamais a venderia, alegando ser heranga dos avs. Outra familia importante que possuia muitas obras de arte eta, no Porto, a dos Matos. Outro homem que gostava de conservat 0s objetos antigos era o Coronel Baringa — mas 2 maioria vendia, porque a ctise de dinheito era grande e obje- tos de ate nao se comem, Voltei a trabalhat no bairro do Bad ¢ um senhor vendeu-me lum outzo gomil ¢ avanda “D. Maria” e uma grande colegio de moedas de cobre, sendo uma rarissima (catimbo primitivo de Pedio 1) © muitas cunhadas em Cuiaba, Letra Ce outras oriundas de Goits, letra G. Sempre tive uma sorte inetivel ‘no Bai! Voltei muito alegre para o hotel ¢ nova surpresa me expetava, O fazendeito Albernaz, que era vizinho, chamou- ‘me para vender uma linda pratatia. Um coco de cabo mui comprido, um defumador, pecas extremamente raras ¢ mais tum arsenal de copos, salvas e casticais de prata, O nome Al- bernae é muito comm na antiga capital de Gols eo coco de pprata, usado para tirar gua do pote e encher os demais copos de prata ou vidro, cheitava-me a prata de Goiis. Conheci uma filha do Sr. Albernaz na Igreja do Rositio, Eta professora € muito ligada aos padres. Dias depois, passei na Casa Larain comprei um lito de agua-de-coldnia para oferecer a distinta professora; mas tive o cuidado de pedir licenga ao St. Albet- raz. Por falar em Casa Lataia, devo dizer, de passagem, que fui procurado por este senhor e esposa, esta, filha de um de- sembargador de Pernambuco lotado no Superior Tribunal de Mato Grosso. O casalcolecionava antigiidades. Laraia faleceu muito moco ¢ a vida transferiu-se para o Rio de Janeiro. ‘Continuei mais uns dias em Cuiab comprando coisas mais comuns que, no entanto, hoje valem “‘uma nota’: compo- teitas de cristal e opalinas, manguitos em quantidade (Man: guito € um castical de 25 om. de altura com uma pequena ‘manga oval na parte de cima. Na parte alta desta, um metal tim fzado pata sir a fiumaga, Tnkwae fora a manguinia ¢ punha-se a vela no castigal; & proporcao que fosse a velagasta, luma mola do fundo empurrava-a pata cima), Cuiabi, cidade muito catdlica, possufa em quase todas as ca sas pequenas ¢ preciosas imagens. As que eram do século XVIII, nfo deixet escapat uma 36! Adquiti todas, Visitei uma senhora inglesa que fora companheita de um sobrinho do Ba- so de Poconé — Sr. Manuel Nunes Ribeiro. Possufa pouca coisa, mas assim mesmo vendeu-me uns pratos brasonados. No dia seguinte, hospedou-se no hotel um senhor gaticho que comprara uma grande gleba de terra em Diamantino e ia tomar posse dela. Atgo Bezetra aconselhou-me a nao perder a gportanidade que e me ofereciaem conheceraquela cidade norte, pois era antiquissima. Amuf a vontade do hoteleizo 5 Coles de orate de vagem, sdguisida cm Gols e Mato Gross, Vendida 30 St Joao Mes, € parti com o gaticho. Passando por Rositio Oeste, paramos ‘num cartbtio ¢ 0 serventusrio necessitava de duas horas para fazer busca nos livtos, a fim de obter as certiddes que meu companheiro de viagem necessitava, Resolvi, entao, visitat a igreja local ¢ af conheci o vigétio, um velho padre alemao. Disse-lhe o motivo de minha vista e 0 homem foi abrindo ar- ‘itis da sactstia e tirando coroas, cflices e uma tica salva de esmolas. Acondicionei tudo numa caixa e levei para 0 cami- nhio, Toda a pratatia de Mato Grosso, principalmente a cha- ‘mada teligiosa, € do século XVIIL, Somente a prataria de adorno como salvas, casigais, pratos, paliteiros, € que tem a ‘marca 10 dinheiros, do Porto ou Lisboa. a Rumei para Diamantino ¢, a0 chegar, tive a impressfo de tet voltado a viver dois séculos atrés. Tudo exatamente como eta na Col6nia, Casario muito velho! Todo antiquirio adquire 0 mau habito de olhar Lap dentro das casas dos outros... ¢ na passagem cu fui vendo coisas incrivels!... Mesas ¢ oratétios ‘monumentais, cbmodas e arméios, todos de €pocal O cami ‘ohio ia passar trés dias em Diamantino ¢ eu jt havia combi- ‘nado com 0 gaticho a viagem de volta com 0s méveis. Fica- mos hospedados numa penslo, tinica existente no lugar, ¢ dduas horas depois cu ja era disputado por todos os habitantes da cidadezinha. Encontrei-me com um negociante paulista, 0 maior da cidade, e este avisou-me: — ‘*Nao tome égua sem ngar uma gota de iodo, Repate que Diamantino € a cidade fos papudos”. De fato, nunca vi tanto papudo, Hivia cida- do com tts papos dependurados 1Na igreja local, nada de antigo consegui, pois um incéndio, em 1906, queimara tudo, Travei conhecimento com o dele- gado de policia que, nao tendo o que fazer, dedicava-se 3 ca. a de ongas. Levou-me 3 casa de um escrivao e Ii comprei uma linda papeleira de jacarand Diamantino dew oto em pena no culo XVII principio do XIX, mas depois veio a decadéncia das minas e foi desco- berta oultra riqueza na regio — o diamante — ali perto, em Alto Paraguai No segundo dia de compra, 2 tarde, resolvi parar, com medo de nao caber a mercadotia no caminhao. Fiquei adquitindo somente moedas ¢ santinhos lindos, No terceito dia 0 gaticho chegou com o caminhio, deixara alguns homens de sua con- fianca & testa da grande propriedade. Dormimos. No dia se- guinte recothemos toda a pesada mefcadoria e voltamos para Cuiaba. CChegando ao hotel, Ardo Bezerra, ao ver o caminhao nas nu- vens, exclamou: —“Eu nao Ihe disse?””. Descarteguei no de- pésito que ficava na rua de baixo, ''Anténio Joao”, em ho. menagem a0 her6i de Dourados. Os eniabanos chamavam Rua de Cima, a do hotel. Mas nas placas, era Pedro Celestino, iprande chefe’politico da 1* Repiiblica e av’ do grande ho: ‘mem pitblico de Mato Grosso — Fernando Correia da Costa, Naquele dia atendi ainda a um chamado do diretor do Gind- sio Salesiano, um padte alto, bonito, que ja deve ser bispo porque além de set uma personalidade matcante, era culto, ttabalhador e muito envolvente. Certa vez, viajando comigo entre Aquidauana ¢ Corumba, 0 avido entrou num vicuo violento ¢ uma pasta pesada cait sobre sua cabeca; foi preciso tecorrer a socottos de urgéncia. Este padre vendeu-me varias caixas de azulejos, daqueles policromados e em alto relevo. Fui a0 Expresso Cuiabano e contratei dois caminhdes para levar-me a Santos com a mercadoria, mas & tarde recebi outro chamado, agora para a Prainha, a fim de comprar da familia Valladates uim banco "de orelha’”” bem colonial, uma atca ¢ alguns lampides. No dia seguinte parti para Santos, cheio de saudades daquela terra hospitaleta, tortio bendito do Brasil caboclo, terra de tum povo sem maldade, de um patriotismo sadio, que dew a ‘nossa Patria homens de grande valor como Joaquin Murti- ‘ho, Anténio Azeredo, Anténio Joao, Paula Nei, Eutico Gaspar Dutra, D. Francisco de Aguiino Correia eo ineompa- tivel Candido Mariano da Silva Rondon, Ne atual_ geracio: Jinio da Silva Quadros, Felinto Miiller ¢ Roberto Campos. © caminhao da frente, em que eu viajava na boléia, aptoximavase de Rondon6polis e na minha mente rondava ‘uma pergunta: “"Voltarei a Cuiaba?”, De conformidade com a tenes popular, devetel volar porque com pau, bebi gua tna Prainha e fiz outras travessuras Passamos pot Rondonépolis, Jataf, Rio Verde, Uberaba, Ri- beisi Preto, Campinas, Sio Paulo ¢finalmee Santos, de pois de cinco dias de viagem; saindo as sete ¢ parando 3s vinte duas para dormir. O St. Amado tremia de emogiio ao ver 0s ‘gtandes caminhdes lotados. A miudeza ele j havia recebido pela Cruzeito do Sul, como carga. Levamnos dois dias acertando 4s contas da viagem ¢ no final Tucrei cento e sezenta e sete mil cruzcitos, quantia razoavel para a época. Missio cumprida 9, Atoras do século XVII Reliuias de Cuabs (Golesio: Faia Pies Marts 1s NOVAMENTE MATO GROSSO Um ano depois voltei 2 Mato Grosso, Desta vez, pelo sul Desci do avigo em Campo Grande e rumei para a'velha Mic randa, cidade que abrigou as tropas do Exército Imperial, an- tes da invasto do territ6rio paraguaio. Fiquei bem instalado no Hotel do Comércio. Cidade pobre, comegava a progredit devido & exuberincia das suas tertas pa: ta pecutria, Rodando pela cidadezinha, comprei do antigo prédio da maconatia alguns lampises com as armas da Socte- dade ¢ dois consoles de jacarand e mérmore. Adquiri tam- bem alguns santinhos , ds pousss negociants, consepu patactes de 960 e 640 r€is. Comprei ainda varios potes de Far- mécia, daqueles de palmeirinhas, desenho de um padre bra- sileito' que morou em Patis. Passei somente trés dias em Mi- randa, Viajei a seguir para Nioae, onde comprei muita louga “borrio"” ¢ armas antigas, ineusive aquelas de boca de sino fuzil de pedra. Segui depois para Guia Lopes ¢ Bela Vista Nesta, adquiti nova colegao de potes de farmacia, agora com desenhos alusivos a Hipécrates, Pasteur... Atravessei 0 tio ‘Apa € passci ao Paraguai. $6 vi pobreza. Juntei todo o material encontrado e demandei Aquidauana, ‘cidade de mais riqueza, mas escassa de antigtiidades. Cobri as despesas com a aquisigo de moedas. Despachei tudo para o Sr. Amado pela Cruzeiro do Sul e fui a Corumba. Corumbal Bela e hist6tica cidade & margem do indolente rio Paraguai. Cidade ocupada pelas tropas paraguaias no princi- pio dz guetta, as retornada pelos brascito sob o commando do Gal. Ant6nio Maria Coelho. Hospedei-me no Hotel Veni- zellos, 0 melhor da cidade na época proptierério do hotel possufa outra casa cheia de antiguida- des, Vendeu-me todas as pecas: mesas vtorianas, opalinas, cadeiras inglesas “Sheraton” e pecas “Cia, das Indias”. Pedi utra ordem de pagamento, pois comprei também da familia Mangabeira mOveis ricos, pratatiae ctstais “Baccarat” Fui 2 Base Naval de Ladatio onde adquii extenso lote de gar- ruchas de cartegar pela boca, em varios formatos: de um, dois, és © até quatro canos. Belissima colegio de armas. Pedi ao dono do hotel, Venizellos, que me indicasse um ra- pr de boa familia que conhecess bem a cidade eo poro, a fim de facilitar o meu trabalho. Falou com um mogo do Cea- 14, que trabalhara na portaria de seu hotel, casado, com dois filhas. O ceatense foi-me apresentado e gostei do tipo, princi- ppalmente da maneita delicada com que se ditigia &s pessoas, Gomecamos a trabalhar. Descobrimos, nas familias mais ti- ‘as, até mesmo quadros com pinturas histricas. Nas casas po- bres compramos muitas imagens. De um velho ourives, oito rmocdas brascis de outo do lmpétio e da Repablica Ea. contramos areas, algumas de tremidos” Mas o dinheiro acabou ¢ fiquei tr dias & espera da ordem. Tamos 20 Banco do Brasil ea resposta era sempre negativa, No dia seguinte, a tatde, fazia muito calor ¢ eu tinha saido do banho quando cntrou correndo o cearense: — ‘“O dinheiro chegou". Vesti-me e cotti ao Banco do Brasil: $00 mil eruzei- ‘Repattio dinheito pelos bolsos e rumei para o hotel, pe- indo 20 cearense que me procurasse no dia seguinte as oito da manha, Chegando ao hotel, s6 enconttei a mala de rou- pe pois ns das de flg tink despachado tudo, bem em balido. Abri a mala, tirei dela toda a roupa e coloquet um jomal no fundo; por baixo, guardei o dinheiro, ficando 36 ‘com uns vinte e poucos mil cruzeiros no bolso. Fechei a mala a chave. O jantar esperava-me, No refet6tio, jf na sobreme- sa, eis que entra o cearense com um rapaz novo ¢ moreno, ti po boliviano. Mandei que o garcio lhes servisse 0 café. O cea- bi estava muito apressado com um negécio do outro lado 0 to. AA familia do rapaz ia mudar-se no dia seguinte cedo e pred saya vender um orat6rio com santos ¢ coroas de ouro. Negécio tentador, pois havia também moedas de ouro! Mandei-os es- perar, fui 20 quarto pegar mais dinheiro, mas, no sei por ‘qué, peguei também o tevilver. Ao sair do hotel, outro cle- mento, dizendo-se dono da canoa, acompanhou-nos. Seis ¢ meia, 0 sol prestes 2 despedir-se e eu descendo a ladeira are- rnosa que dava para a praia, em companhia daqueles desco- tnhecidos. O cearense foi logo dando ordens ao canoeizo para desamarrar a canoa, As iltimas lavadeiras estavam indo em. bora e o grandalhao da canoa no dava volta ao 6! O rio ali tem tezentos metros de largura e precisava ser atravessado ainda com o dia claro. Vitei-me para o cearense e disse-lhe: — "'Nao vou mais, nio faco negocio de noite’’. E, num im- peto, comecei a subir a rampa de arcia, Quando olhei para tras, os dois rapazes vinham de faca, como loucos, aleangar-me, Mesmo andando depressa, saquei o 38 ¢ dei rés dlisparos para o chio... A areia cobtiu os vultos dos dois ma- Jandros, que fugiram atettotizados. Corti 20 hotel, paguei a conta, dizendo que ia aproveitar um caminhio para Albu- quetque. Fui a pé aré uma pobre pensio. Alegando doenga, ‘paguei o quarto adiantado e pedi ao dono o favor de comprar para mim uma passage aétea para Caceres, no primeiro avito da manha. De posse da passagem, deitei-me, mas no pude dormir. O golpe era bem bolado: quando a canoa che- fassean centro do seta noite, O grandalho me daia uma pordoada com o remo € 0 outro tomava-me o dinheito. Joga- iam meu corpo no rio e, de volta ao hotel, diriam ao dono: — "'Viemos buscar a mala do viajante e pagar a conta do ho- tel. Ele esté.no caminhao esperando’’. Ninguém iria descon- fir, pois 0 cearense eta tido como pessoa honesta pelo dono do hotel. Dormi regularmente ¢ no dia seguinte, as quinze horas, chegava a Caceres, antiga Vila Maria. Instalei-me no hotel e a0 sair 3 noite vi que era uma cidade média, com vida, rnotuina, sede do 2° Batalho de Fronteira ¢ residéncia de présperos fazendeiros, Passando pela tua principal vi uma enotme placa: “Ao Anjo da Caridade"" Informando-me, soube que a casa comercial era muito antiga € que importava tudo da Europa. O dono falecera de ha mui- to. Um dos filhos, Dr. Tomas Dulce, tocava a casa. No dia se- inte certfiquei-me de que, de fato, a casa devia tet sido indada no fim do séculopacado, pols havia muita mers. doria da época, como globos de todo tipo para lampides de oe fechaduras para arcas, dobradicas, camas de lato, filtros antigos, mangas, lougas inglesas. Outro fato importan: te: a casa estava liquidando toda a mercadoria, tida como fora de moda. Comecci bem... Percorrendo depois a cidade, nfo deparei com nenhum mével antigo, Nas casas ricas, dos Drs, Hum- berto, Tomis ¢ Alfredo Dulce, filhos do fundador de 'O Anjo da Catidade’’, havia muitas pecas de Sévres, Murano, Limoges, coisas do fim do século passado, que fui compran: do. Adquit de um faractutio, depos deputado estadual¢ que tinha um filho moco muito simpatico de nome José, di- versos pores de farmicia, Logo tive que solictar mais dinkei- 10. Bu ia despachando tudo, como carga, pela Cruzeiro do ” Sul. Aguardei uns ués dias pela ordem de pagamento e, co- ‘mo nao tinha o que fazer sem dinheiro, jogava xadrez no bar do bom amigo Davi, sito na praca principal e freqilentado pela elite local. Davi'convidou-me para almocar quibe e co- sheci Dom Miguel, seu pai, palestisio que viera mogo tentar a vida em Santa Cruz de la Sierra, Bolivia, L4 se casou mudou-se em 1924 para o Brasil, pois a vida da Bolivia es- quentava, Montou uma padaria e foi progredindo, Consti- tuiu uma familia admirével, Recebi a ordem de pagamento ¢ continuei a trabalhar. Um ‘moco chamado Marino, filho do Dr. Tomés Dulee, vendeu- ‘me uma peca curiosa: um pequeno canhio de bronze que servia para dar salvas, avisando & populaclo a chegada de na- vios. Consegui também joias antigas. Tive a satsfacio de co- nbecro St. Alfedo Dulce, pessoa amavel, grande fazende- 10, homem de proa na cidade Passando pelo Correio, uma senhorita loira chamou-me as- sim: —"O campeio de xadtez””. Havia na teparticio um legrama do amigo Amado: “Nao compre mais potes vg néo sou boticério". Fiquei contrariado, pois viaje por todo 6 pais € nunca tinba visto potes tao bonitos! Meu velho amigo Antinio Frutuoso Amado provinha de Coimbra. Oriundo de familia modesta, foi matticulado num seminario mas no chegou nem 20 cusso de teologia. Arre- iow carreira Jogo no inicio da filosofia e veio aventurar no il, em Santos. Trabalhou afanosamente até conseguir montium pequena cas de esos e molhados,Intligente€ ‘rabalhador, foi comprando agdes do café, Dentro em pouco cra bom cottetor. Foi comprando propriedades. Um dia, sou- be de um leilio de objetos antigos na alfindega, por faita de recolhimento de impostos em tempo habil. Na hora do lilo 1g estava o portuguesinho a arrematar tudo, sem entender na- da! Foi o maior comprador do leilio. Levou 2 mezcadoria para © esctit6rio, enfeitou a parede com pratos € com as demais adomnou os méveis: vas0s, relégios de porcelana... Os com- pradores de café, homens de posse, comecaram a interessar-se pelas pegas, mas o Amado nao queria vende-las! Ofertas ab- surdas foram surgindo até que, um ano depois, seu capital, de acordo com as ofertas, tinha dobrado trinta vezes! Entdo 0 hhomem deixou o café e nao quis mais outro negécio, $6 anti- siiidades, Eo telegtama? Quando cheguei a Santos, nio vi senao dois bonitos pores. — “'Seu’ Amado, onde esto os potes? Mandei-lhe cento © cingitenta ¢ 56 vejo dois?” — "O Nobtega, vieram antiquiios europeus e compraram- ‘mos. Fiquei com estes de lembranga, mas tu vais-me aumen- tar 0 estoque’” — “Para qué? O senhor nao € boticétio”... Seu Amado nao péde deixar de tr. Mas, yoltemos 2 Ciceres. Conheci 0 convento dos francisca- nos, fades franceses que, como educadores, ligaram-se de perto a populacio. Igreja e convento eram de uma pobreza apropriadamente fancicana, Asim. 0 negcio era Cua Ti chegando, comecei a ser chamado novamente. Numa fol- ‘a, ful a Poconé. Um frade meu conhecido de Ciceres levou- me ao convento que tinha um lampizo a venda. Julguci tare de um lampito de eto, de querosene, do piicpio do século, Quando f& cheguei, tratava-se de um enorme lam- padtio de prata do século XVIII, “D. Joao V", pesando on- ze quilos! — ‘Quanto o vigitio pede por esse lampio?”" — perguntei, — ‘Tem que valer, pelo menos, quatro mil cruzeiros” — respond o vigitio. — "Nic, fii, vale mais. Tem onze quilos de prata. A 600 cruzeiros 0 quilo, jA sio seis mil ¢ seiscentos cruzeitos, Mas tem a mao de obra, a antighidade. Dou-lhe onze mil cruzei- — ‘‘Entio, passe o dinheiro, Se o chamei para vendé-la é porque vi seus negécios em Caceres ¢ j sei que € pessoa ho- nesta’. Paguei os onze mil e saf om aquela raridade debaixo do bra- 6. Insisto na necessidade de as autoridades eclesisticas introdu- item em seus scmingtios um curso de arte. Nao € possivel ue um patriménio como o da Igreja fique a mercé de pes- Soas completamente legs! Ceta feta, num subi de 820 Paulo, um aventureito principiante perguntou a0 vigitio se ‘do havia metais velhos para vender. O pétoco levou 0 ho- ‘menzinho a um cémodo em cima, no coro. La havia um monte de casticais de metal e de bronze no meio muita coi- sa de prata de lei, que foi vendida a cem cruzeitos o quilo! Voltei a Cuiabi e'visitei Guia e.Coxipé da Ponte. Comprei, ‘em Guia, um pequeno e lindo orat6rio de viagem, Mas eu ti ‘nha em mira vistar a velha Chapada dos Guimaries. Voltan- do 20 hotel, enconttei a minha espera o bom amigo Salomio. Morava lino alto, adiante do hospital, Ai, um seu vizinho, homem de muitz idade, vendeu-me um maravilhoso par de donzclas ¢ mais um oratStio mineito de pedra-sabio. Na yol- ta, perto da Prainha, fui abordado por certo professor Félix, que me vendeu um’Sio Félix e moedas de prata. Dias depois, travei conhecimento com um desembargador, ‘Lenine Povoas. Falando-Ihe sobre a Chapada dos Guimaries, disse-me que possufa muitas propriedades Ii, e que dentro de alguns dias viajaria para esolver um problema ¢ poderia dar- me transporte de ida, pois voltaria logo. Accitei o convite c, 1a espera, continue. no Porto e no Bati, comprando saatinhos gjumascadeiinas de topeito, que muitos chamam “adeta Finalmente, fomos & Chapada. Encantaram-me os painéis de azulejos. A Vimpada votiva do Divino Espitito Santo, belissi- ‘ma. E havia de ter coisas lindas nos gavetdes do areaz, mas na- da consegui da igre, pois o vigirio estava em férias ¢0 bispo da prelzia tambem ausente. Vagueei pela cidadezinha, onde s6 consegui arcas coloniis, santinhos e "“bancos de ofelha’’, alguns trabalhados. Voltei ‘num caminhao, trés dias depois. Nao havia material para car- fe completa, mis mesmo asim despucelsetecents gulls le matetial pelo Expresso Cuiabano. Despedi-me de Dom ‘Aquino, Agradeceu muito os dados que eu obtivera em Flo- tianépolis com o historiador Henrique Fontes, asim como de esoas de iad, em Ita, sobre a vida do etadia Tauro Saindo do seminavio, fui despedis-me do bom amigo Padre Wasiki, na Mattiz. La deparei com personalidades conheci- das, como 0 académico Gustavo Bartoso, 0 historiador Marcos de Mendonca e 0 Almirante Gago Coutinho. Também o jor- nalista, meu conterinco, Assis Chateaubriand. Depois das aptesentacies de praxe, 0 académico chamou-me de lado € lisse-me que, sendo coiega de D. Aquino na Academia Bra- sileira de Letras, no podia, ¢ Ihe ficava mal, tratar com 0 grande prelado da aquisigio daquela imagem que lt estava na sactistia, abandonada — Santo Elesbao, Eu, como antiquitio profissional, poderia comprar a imagem ¢ revendé-la 20 Mu: seu Histotico. Neguei-me. Ja falara com 0 Arcebispo ¢ este ‘manifestara-se contta a verida por haver muitos devotos do Santo. Despedi-me de todos ¢ tumei pata a tesidéncia do Amigo Salmo. Na pasagem pelo Plicio Episcopal, tee- io munhei uma reunio de D, Antinio Campelo, bispo auxi liar, com os operirios de Cuiaba. Vi trabalhadotes chupando picolé e a vor de D. Campelo interrogando: — “Quem € 0 homem?” Os operitios em coro: — "“Adhe- mat de Batros” Embarquei no dia seguinte para Goiania, Palmilhei todo 0 gtande tetritétio do Anbangtiera, enquanto lia nos jornais ‘que dois avides, lotados, partiam de Cuiabit para festejaro se- undo centendrio da fundaglo de Vila Bela da Santsima findade do Mato Grosso. & repartigio dos Cotteios emitia sclo com a efigie de Luis de Albuquerque de Melo Percira ¢ Cicetes —o mais famos0 ¢ o mais dinamico Capitao-Genetal do Mato Grosso. 1 Santsima Trindade e Coroato de Nass Seahors, ‘Made e mati, Fen do solo XVII (Colegio Pot. Claudio Sadr Lembo, 32 VIAGEM A MATO GROSSO ‘Ap6s alguns anos, voltei novamente a Cuiabé. Meu bom amigo Padre Wasiki j& havia falecido. O novo vigatio-geral cra agora o Padre Osvaldo Ventoruzo. Homem de quarenta e tantos anos, bem apessoado ¢ acima de cudo muito comet- ciante, manifestou desejo de vender objetos, inclusive pecas do Mase Sacro deiado pot seu antecesor, in yez qu nin- sguém visitava a exposicio. D. Aquino, disse-me ele, fora con- ttatio 2 fundacio, como fora também contririo ao tomba- ‘mento de obras de arte pelo governo federal. Mandou que ‘eu voltasse no dia seguinte: precisava reflect. Comecei a visitar a tesidéncia de velhos conhecidos. Nio se capotavam os negécios. Havia, no principio do século, em Cuiaba, um museu particular com 0 nome de D. José, em ‘homenagem ao primeito bispo de Mato Grosso, O propricti- fio dese muscu fora um desembacgador do Tribunal de Jus: tiga do Estado que, a0 falecer, deixara todo o acervo para'um filo, gue também atingio aro poso do pai no Tibunal. Mas achou aquilo um capital parado. O prédio, prptio, fica. v2 lotado com aquelas antigiidades, sem poder ser alugado. Tinha que fazer seguro anual, pagar empregados para zelat.. Resolveu yender tudo para 0 Rio e So Paulo, Assim, ficou tudo liquidado, com excecio de pecas que nfo puderam ser vendidas ¢ que ficaram depositadas na casa de pessoa da sua confianga, na Prainha, Aposentando-se o desembargador, que se mudou para o Rio de Janeiro, ficaram ali guardadas pegas de pouco valor, mas mesmo assim obtive armas, gravu- fasde indos de Rugendas e alguns manguitoseacolhiles Pa. ‘uci c levei mado para o depésito. ‘No dia seguinte, fui & presenga do Padre Osvaldo Ventoruzo Nasala do Muscu de Arte Sacra, 3 diteita da nave, erguia-se a sande imagem de Sio Jorge montado em seu catalo, com a fanca na mao, bem comio outras pecas. Mas o Padre Osvaldo ‘do queria dispor senfo de pequenas pegas que nao desfalcas- sem 0 museu. Pela manha, disse-me ele, mandara avaliat a campainha no seu ourives de confianca: ito mil cruzeitos novos. — “Foi ‘uma avaliagio corteta, pois a peso de prata ela vale eés mil, dise-lhe eu, — “Bem, se 0 senhor quiser dar 0s oito mil” pode levi Meu coracio deu alguns pulos e confesso que tive de apoiar ‘me no Sao Jorge para néo cair, enquanto o padre ia & porta que dava para a nave ver se no havia alguém que me vise suit com a peca. [4 estavam umas solteironas rezadeitas ¢ © bom padre artumou um modo pritico da peca saie sem ser vista, Pegou um jornal, amassou-o entre as méos e encheu a parte de baixo da campainha com aquele chumaco, a fim de ‘0 badalo ficar imovel... Emi seguida, levantou a batina e me- teu 2 mio no bolso segurando o cabo da campainha. Assim, atravessamos a nave e entramos na sactista, Ai, paguei o pro: metido, exigindo um recibo pela compra. S6 que os outros padres davam o recibo: “"Vendi, ao Sr. Fulano de Tal...” 0 ‘nosso amigo Padre Osvaldo, no gostava da palavra “vendi ficava mal. Dava-me os recibos sempre assim: “Cedi defini vamente, ao Sr. Fulano de Tal... Saf dali témulo e até ofe- gante! Tinha em minhas maos, talvez. a maior tatidade que lum antiquério sul-americano almejasse obter, Os dizeres da pega dancavam no meu cérebro: “Colénia do Sacramento, 1788". Portanto, na espléndida época das Misses, Naquele mesmo instante cheguei 20 hotel e arrumei tudo. Part para Séo Paulo no dia seguinte. Quando cheguei a San- 20 tos, disse a0 Sr, Amado que a mercadoria vinha chegando pe- Jo Expresso Cuiabano, mas que trouxera para ele a peca maxi- ‘ma que um antiquitio podetia sonhar em obte. Abrindo a mala, saquei a campainha ¢ a depositei em suas miios. Colocando 0s éculos, 0 Amado cxaminou a peca ¢ sentouse para nio cait! Como habil negociante no deu mui- ta demonstracao de agrado, dizendo-me apenas: — ‘E uma boa peca, mas € fundida, tu no me vais explorar, pois 30?”". Acertamos o prego na base de cem por cento de hucro, embora o dinheiro fosse dele, havia as despesas de ho- tis, passagens aéreas etc. Num impeto, 0 Amado levantou- se, gmbralhou-s pecs em papel bom e chamou o cunhado, dizendo: — "“O Francisco, leva esta peca 4D. Maria e manda coloci-la debaixo da minha cama’’ Passei alguns dias como Amado. Bu tinha um quarto reserva- do em sua residéncia. O antiquétio era na Av. Ana Costa, ‘numa esquina, em casa propria, e bastava atravessar a ia pa- ta chegar a residéncia do outro lado, também na Ana Costa. Chegando mercadotia, tratei de fazer contas e comprar pas. sagem pela TAC — Transportes Aéreos Catarinenses — c eis- ‘me outta vez em Florianépolis. Dai a alguns dias, recebi uma carta do St, Amado, comunicando-me a sua viagem a Portu- gal. Que cu me vitae pelo interior de Sanca Cataina sté-a Volta dele, que deveria ocomrer dentro de dois meses, Passei a trabalhar em Enscada de Brito, Laguna ¢ Imarui, cidades an- tigitssimas. Nao dispunha de mais de cento e vinte mil cru- ‘zelos; mas era uma quantia regular para a época. Em Enseada de Brito comprei lampides, um lustre holandés © uns casticais de madeira. Em Laguna, cidade historica de Abita Garibaldi, eu havia comprado, noutras viagens, precio- sidades, inclusive 2 colegio da saudosa Sra, D. Josefa Cabral ‘Mas havia um senhor, de familia muito rica, que possufa uma papeleira. Os pais ¢ avés mantiveram uma companhia de na- Vvegacio entre Laguna e Rio de Janeiro. Abordei o homem pe- la tetceira vez, justificando aquele ditado “Agua mole cm ppedra dura, tanto bate até que fura’”. O homem, muito ruim de negécio, foi logo me dizendo: — “Voce sabe que eu ni reciso vender... $6 se voce me pagar trinta mil cruzeiros pe- es duns pesis!", Negocio fechato. Meti a mo no hols tes tata milcuzeos. A outa peter uma ene bura de ferro com tachas grandes, usada pelos piratas nos séculos XVIl ¢ XVIII, originatia de Marselha. Despachei tudo para casa em Sao José ¢ segui pata Imaruf, Ali chegando, procurei © prefeito, St. Pedro Bitencourt, que comprara, ha anos, um catélogo de moedas antigas numa livtatia de Flotianopolis Em 1949, publiquei esse catilogo, que eta de precos para compra, Fiquei amigo do prefeito e comptei alguns objetos come louca “borrio” inglesa e um bom lote de moedas anti- as. Quando voltei para casa, soube que um estrangeiro, com sotaque espanhol, me procutava ineessantemente, Soube de- po que eta um veteran antquato pauls, que form esa elecido na Av. Angélica com a ‘Casa Ouro Preto” © que ‘noutros tempos trabalhara com pedras preciosas em Londyes € Vars6via. Vindo para o Brasil, casou-se com uma senhora também aca © montaram & "Casa Ouo Preto”. Os e- {86cios progrediram, mas ap6s alguns anos, jé ticos, resolve- Faun vetanear em Pogos de Caldas ¢ ambos petderam uma for tuna nos cassinos. Venderam a casa e Jaime Waissman, ja ve- tho, foi para Buenos Aires, onde tinlia um filho do primeiro ‘matriménio que eta estabelecido com famosa casa de j6ias 12 Mesa ecadeiza “D, Jose”, com imagens bests (Golesio: Eng. Pascioal Carmine Geo Re Ali passou dois anos consertando rel6gios. Nao quis mais sa- bet da Aagentnacvolto para So Paul, Sua segunda espo- sa, D, Adélia, motreu na Santa Casa de Florianopolis e foi se- pultada no Cemitétio do Itacorobi. Uma noite, Jaime Waissman apareceu em minha casa e disse- ‘me que, depois da sua volta da Argentina, tinha procutado a ‘protecao do velho amigo, Ibrahim Boabaid e que este puseta 4 sua disposigéo dois milhdes de cruzeitos novos ¢ que, com a sua comprovada competéncia no campo de antigtidades ¢ pedras pteciosas,jé havia pago € multiplicado o capital mui- {as vezes, em apenas dois anos. Que vinha acompanhando, de perto, a minha trajet6ria através das ratidades que eu ‘mandava para o Amado e ele as via em Santos ¢ que nao po- dia comprar, devido aos ptegos altos que o Amado pedia. ‘Veio um café e depois levei-o a ver as pecas que eu havia ad uitido na diltima viagem ao sul. Ficou entusiasmado ¢ foi lo- {go me provocando: = “Quanto 0 Amado te paga por este lustre holandés?"” — “Bor volta de seis mil cruzeis.” ‘Aig homenzinho berrou com toda a forga dos seus pulmdes: — “Escé chupando o teu sangue!”” Em resumo: deu-me vin- tee cinco ma pol Juste, setenta mil pela papel, txinta mil pela burra dos piratas ¢ limpou-me a sala, comprando-me ‘no total trezentos e tantos mil cruzeitos, 2 vista. No dia ime- diato, recebeu-me no Hotel La Porta ¢ disse-me: — "Dentto de quinze dias, voce teté uma casa digna em Sio Paulo, toda ‘mobiliada’” Mudei-me, entio, pata S40 Paulo e fizemos uma sociedade, apenas com uma condicéo: as compras eu fazia ¢ 0 Jaime era © vendedor. a PERCORRENDO O CENTRO DA BAHIA Napoca em que trabalhava para o Amado, fui vatias vezes & Bahia. Fiz mais de dez viagens pelo Séo Francisco ¢ levei pre- ciosidades daquela regio pata Santos, inclusive muitas "car- rancas”, procuradas pelos milionatios paulistas. A casa, para ser “chic”, precisava ter uma figura de proa na decoracio, ‘Agora cu jé estava trabalhando por conta propria. Precisava ‘mostrar toda a minha capacidade. Comprei um jipe Willys e rumei pata Vitéria da Conquista. Subi para Brumado e dai para Caetité, Havia na cidade um negociante chamado Edgar Villas-Boas, que mexia com antigthidades, mas sem muito ¢o- anhecimento. Guiou-me alguns dias na cidade e nas velhas fa- zendas. No primeiro dia de trabalho comprei duas mesas de encosto € maravilhosas imagens. Continuamos varios dias a adquitir mesas de pé-de-lia, cémodas “Sheraton”, todas fi- Jetadas, moedas de ouro e uma infinidade de cadeiras,feitas com engenho e arte. Fui a Guanhambi, sede de uma fizenda tradicional, onde residira uma tia de Castro Alves que I pro- tutata fig com seu uipot probe, inspirando AGO Peixoto na elaboragio de “'Sinhazinha’’. Comprei a casa in- teica, inclusive a capela completa, no primeiro andar, toman- do todo o grande salto. Chamei marceneitos, desmontei tudo cc embalei a capricho. Mandei tudo para Cactité ¢ rumei para Livramento, municipio de terra fer. A frente da igeeja de- ppatei com um padre cearense, de quem logo me fiz amigo. Moco novo ¢ inteligente, nao se cansava de louvar o politico ‘Adherar de Bans, com quem se eeonttava petiodamen- te em Si0 Paulo. : Comprei muita louca “borrao" ¢ até “Companhia das In- dias”, em Livramento, Mas 0 padre advertiu-me que aquilo ra usha insignificincia em vista do que me aguardava n0 Rio das Contas € no Distrito de Mato Grosso, lugares em que também mandava como vigério e onde ia celebrar um do mingo por més. Deu-me carta para o Sr. Jalio, negociante € zelador da igreja da cidade de Rio das Contas, bem como um ‘arto apresentando-me ao chefe da Irmandade de um disti- to de Rio das Contas, chamado Mato Grosso, Gheguei Rio dis Conta depois de gga em pimeia cs gunda toda uma serra ttemenda! Valeu a pena. Um powo bo- nissimo, mas pobre demais. Comecei a ser disputado por uns ¢ pot outtos, que alegavam terem me chamado em primeiro ugar; no me deixavam descansat! $6 faltava ser rsgado por aquele pobre povo, carente de tudo, Da Matriz, comprei uns casticais riquissimos de madeira e ués confessionsrios do sécu- Jo XVIII. Conversando com um velho historiador local, afir- ‘moucme ter sido Rio das Contas a mais antiga comarca do scr- to da Bahia. Consegui, petto da cidade, na casa de uma tiga missio religiosa, uma mesa muito boa, depois adquirida «1 Si Paulo pelo St. Jo2o Alcantara Gomes e sua esposa D. Stlvia. Ao que consta, 0 casal gosta muito da mesa e dela nao abre mao, apesar das reiteradas ofertas. ‘Mas, voltemos ao Rio das Contas. Ao cabo de uns cinco dias na cidade, localizei tudo que era antigo, e s6 nao fiz compra nna Mattiz, porque o homem que a guardava, um preto zelo- 50, ignorou a carta do vigatio e nfo liberou uma s6 peca de rata. Lampaditios, em nimero de seis, tocheiros de prata em quantidade, navetas, tutfbulos, um’grupo de lancernas sp Jote V" po a afr Ea gteja mais tea do serio da ia ‘Arrumei bons cavalos ¢ fui com um amigo ao distrito de Mato Grosso, Outra subida que me obrigava a agarrar-me & crina 2 do animal, para nfo rolar serra abaixo. Fomos bem recebidos, Visitamos a velha Matriz, Fiquel pasmado ante as proporcdes do arcaz da sacrstia, Uma verdadeira beleza! Mas como trans- ntéclo? Nem em catro de boi... Comprei entao um arqui- anco da Tmandade de Santa Ifigénia, datado de 1757, € sa nave do clo XVII em formato de pomba que des- loca 0 pesog para que sano colhe tial on censo. Representa o Divino Espitito Santo, Tenho até hoje 0 recibo da peca. Dei uma volta pelas casas da vila e deparei com imagens e magnificos oratitios de viagem. Mévels que, infelizmente, nfo pude comprar. Dormimos em Mato Grosso. Ao amanhecer, parti com doze homens conduzindo o banco. A peca devia tet cem quilos Dois homens de todilha 20 ombto andavam dez minutos com o banco, revezando-se com outtos ¢ assim por diante, dezoito quilémetsos descendo aquela ingreme serra de pedra, até Rio das Contas. Paguei dez etuzeiros a cada homem e ain: da 0 almogo para todos. Um deles, mais afoito, chamou-me de lado ¢ pediu-me uma camisa, Achei que era uma injustiga dar camisa 2 um 36, quando todos tinham feito 0 mesmo es- forgo. Uma camist de algodéo para roceito custava quatro cruzeiros. Tiei do bolso quatenta e oito cruzciros ¢ comprei camisas para todos. Voltatam na santa paz de Deus. Revelo quem comprou o arquibanco: foo distinto coleciona- dor Herminio Lunardelli. Anos depois, quando o saudoso “Atrobas Martins fundou 6 Museu da Casa Brasileira no Pala- cete Fabio Prado, foi o banco cedido pelo Herminio ¢ i esti, velho de dois séclos, para ser visto e admirado por toda a po- pulacgo de So Paulo. ‘A naveta despachada de avo para Sao Paulo foi entregue ppelo Jaime a Sta. Zez€ Botelho, que por sua vez cedeu-a 20 Hetihinio Lunardeli CCheguei da Bahia com dois caminhdes. © Jaime ficou radian- te de alegria, advertindo-me: — "Quem vende sou eu!" Gam os meus buts, ulguet que cl ose convocar em pi- ‘meita mao 0 ilustre colecionador Octales Marcondes Ferreira (ou outro colecionador de gabarito como o Dr, Heitor Portu- al, ou ainda o Sr. Hélio Leite. Nada! Chamou o Dr. Fernan- lo Millan, grande negociante da rua Augusta. Em seguida, veio 0 Sr, Joio Aledntara Gomes, que comprou, como disse, a ‘mesa das Missbes do Rio das Contas, Depois, 0 Koltai, que comprou a melhor mesa “D. Jogo V"", com i respectiva ca- deira ¢ 0s melhores castigais dé madeita. Apareceu em se aout comercante, oS, Saul Katap, que, ao vet a excl cia da mercadoia, mostou nervosio, fumpando um eigatro atris do outro... Bor fim, despenden mais de quinhentos mil cruzciros, a prazo, € certo. Homem corretisimo, pagava na vépera do vencimento, Veio depois D. Zezé Borelho, que adquitiu os ts confessiondrios ¢ algumas imagens preciosas Jaime nao queria chamar mais ninguém, Disse-me que preci- Sava de estoque e que a ebmoda ‘Sheraton, as cadeiras, al- uns santos ¢ a bela louca ficavam para ornamentacio da ca- sa, Proclamou que cu jé era milionatio, sem precisat vender a casa de Santa Catarina, Revebi a visita do escrtor-antiquatio José de Almeida Santos e senhora. Em 1944, como verdadeito pioneito, publicou ele 0 “"Mobiliétio Artstico Brasileiro”, obca indispensével aos anti- itis ¢ colecionadores. Confesso que esta obra, muito bem ilustrada, aumentou bastante os meus conhecimentos. Anos depois, publicaria 0 “Manual do Colecionador de Antigiiida- des", que se esgorou em pouco tempo. Outro casal que marcou época com grandes compras: Francis- co Schwartz e sua digna esposa D. Magdalena, meus velhos conhecidos do tempo do Amado. O casal mantinha bem sor- tida casa de antighidades na rua Augusta, com grande fe- guesia O arquitero-decorador Antdnio Rodrigues Foz adquitiu linda mesa “D. Joio V", comprada pot_mim em Cactité, ¢ colocou-a na residéncia do saudoso Joao de Souza Dantas. 18. Coleg de pesos, medias esos e ines do tempo dos baneizants, 14 Mea francicana das Mises de Rio de Cones, Babi, Colegio: Jono Adora Gomes a 42 VIAGEM A MATO GROSSO Fiz outras viagens & Bahia; depois passarci a descrever. Quero, agora, contar a aventura que tive levando o velho Jaime Cuiaba. Ele tina terrivel medo de indios ¢ no me adiantava assegu- rarthe que ji estava tudo civilizado e as tibos de indios per- ‘maneciam bem distantes de Cuiabé. Embarcamos em Séo Paulo, num Scania ¢, 3s 13:30, pousamos em Campo Gran- de. Apés vinte minutos, decolamos eo Jaime, que lia a revis- ta “O Cruzeiro”, apesar de haver muita curbuléncia, leva cou-se furioso ads trancos veio até a minha poltrona e mos- ttou-me o retrato do Presidente da Repsiblica condecorando 0 ‘Che Guevara. — “*Veja uma coisa incrivel!”” disse, — “O Presidente do Brasil condecorando ese comunistal Dou-the ‘um més de prazo! Precisa set posto fora... E um desaforo!"” Proféticas palavra! Depois de uns quinze minutos, uma vor no alto-falante avi- sava: — "'Senhores e Senhoras: devo dar-lhes uma noticia gue acabo de receber pelo ridio. Renunciou & Presidéncia da Eepablio Se. Jno da Siva Quads Fo um aero no ayido ¢ nfo se falou de outro assunto até Cuiabé. Ficamos bem instalados no novissimo Hotel Centro Amética, No dia seguinte fui apresentar Jaime, meu novo s6cio, 20 Vi- gitio-Geral. Ele conversou basiante ¢ disse que, depois do al- ‘moo, aparecessemos. Ia caleular sobre o que poderia dispor. Almogamos numa chutrascara ¢, na hora marcada, li estava: tao Pate Osvaldo, hava cl ecolhido as peas transacionaveis: as lanternas “D. Joao V"", 0 par de castigas datado de 1803, uma banqueta’“D. Joao V’" completa, in- clusive as sacras, e um pequeno lampadétio "‘Império’” (este {itimo para ser copiado ¢ devolvido). Um milo de eruzei- tos! Encaixotamos tudo ¢ levamos para 0 hotel. Jaime, satis feitissimo com a compra, devetia voltar a S40 Paulo. Quei- xou-se de cansago. Eu que seguisse de avizo para Vila Bela, comprasse coisas boas € nio tivesse cuidado: dentro de dois dias voltatia. Bu sabia que Jaime estava ainda com um milhéo ¢€ pouco, pois jé me fornécera seiscentos mil para Vila Bela Despedi-me dele no aeroporto c, 2 tarde, jf estava na casa do Marcelo Profeta da Cruz, meu velho conhecido, o mandi de Vila Bela e que, na viagem antetior, me vendera uma esplén- dida banqueta de prata, pesando vinte e poucos quilos, Agora estava ali, em plena seca, e podia comprar méves anti Alissimos, pois o proprio caminhao da prefeitura encatregar- se-ia de levi-los até Cicetes, onde havia uma agéncia do Ex- preso Cuiabano, Compre uma cémoda que pertecera 20 alicio dos Capitaes-Generais, uma mesa pé-de-ra (seis pés) que estava na prefeitura, uma bela mesa “D. Joio V"", de lum particular, ¢ fui, dias depois, a Casalvasco, antiga residén- cia de repouso dos Capities-Generais, Comprava as peces desmontando-as em seguida pata poder transporté-las de cx- roa pelo rio. Trabalhei empenhadamente ¢, em oito dias, peguei um aviao milicar, lvando um viitico, muitos ex-voros € uma Sant’ Ana um tanto danificada pelo cupim, mas ratissi- ma, Pertencera 2 capela de um antigo distro do’ mesmo no- me, onde no século XVII se extraiti muito ouro, vistico, pequeno, € de uma beleza sem par. Obra de fino lavor, servia para o Sacerdote levé-lo sob a umbela, no sacrae mento da extrema-uncto, Chegando 2 Si0 Paulo, tive uma grande surpresa. Jaime, ap6s a minha safda de Cuiaba, comprara também © maiot Iampadério da Matti e jo transacionara, juntamente com as Ba belas lanternas ““D. Jofo V'", com o saudoso colecionador € Dropritrn ca Era Nacional, Octaes Marondes Feria, femos 2 Sant’ Ana ao antiquitio polonés Estanislau Herstal € 0 vitico ao Eng® Joao Marino. Os casigais do Museu de Ar- te Sacra foram adquitidos pelo médico Julio Kieffer. Como no chegasse a mercadoria de Vild Bela, resolvemos ita Goi. Fomos por terra, de jipe. Dotmimos em Goinia e no dia seguinte jé estévamos instalados na velha Vila Boa, no Hotel Municipal, bem perto do Rio Vermelho. Comegamos a ttabalhat primeito com os padres do Rositio, que nos vende- tam um belo arcaz de trés metros de comprimento, todo poli- cromado, com motivos de caca. Negociamos depois com par- ticulates num lugar distance cinco léguas, chamado Santa Ri- ta, Um padte do Rosirio, que nos acompanhava, incentivou © pessod di tern a vende toda a pearls, algando que a igteja precisava de reforma, Além do mais, se a prataria a fi- cass, sctia roubada com certeza. Pagamos oitocentos mil cru- zeitos pelos objetos, inclusive uma madona exttemamente bela tara, que o meu amigo Dr. Pedro Sérgio Morganti, re- cém-casado, pelejou pata comprar, mas o Jaime estava em Santa Catarina ¢ eu nao podia vender devido a cléusula con- tratual. Voltei novamente & Bahia, subi para Pernambuco Paraiba, revi patentes e fui 3 velha cidade de Mamanguape, compran- do das lanternas de procissio simplesmente fantasticas. Nao cram de cabo comprido. Eram levadas nas méos durante a procissfo ¢, apds esta, ficavam sobre o altar, uma de cada la do. Descendo para a'Bahia, encontrei em Serrinha um belo ‘exemplar de meia c6moda "D. Joao V". Despachei esta peca por um caminhao particular. Ja havia comprado em Porto Calvo, a cidade de Calabar, uim arcaz de sacistia que, che- gando a Sio Paulo, foi vendido incontinenti ao antiquirio Br. Fernando Millan, que, por sta vez, 0 tepasou 20 Eng? Roberto Pacheco Fernandes que até hoje o conserva como vet- dadeira teliquia, Cheguei do norte ¢ nada das pecas de Vila Bela aparecerem. ois meses se passaram sem gue essa mercadoria chegusse. O Jaime andava mal; nao era s6 0 peso da idade, serenta e seis ‘anos. Tornara-se impertinente ¢ insociavel mesmo. Minha so- ciedade com ele, contudo, ia muito bem. Eu lhe votava gran- de admiragio e também ao amigo Ibrahim, com quem Jaime descontava os titulos. Notei, entretanto, certa preocupacio Wt parte de ambos para comigo, porque o Ibrahim era sécio io Jaime no negécio dos brilhantes da Caixa Econ6mica. Jai- ‘me nfo podia mais viajar sozinho para longe, como no princi pio fazia, razendo muita coisa do Rio Grande, cujo hucro era tepartido comigo. Ta a Santa Catatina, vendia os brlhantes ¢ voltava a Sao Paulo para dividir o lucto com seu amigo Tbra- him... Eeu, num trabalho insano, pelos set6es, para depois reparti com o outro, que ficava no conforto! E, além diso, cu notava que havia certa desconfianca porque a mercadoria de Vila Bela, onde havia empatado, na época, mais de qui- ‘nhentos mil, nio chegava nunca, Rescindimos a sociedade. Fiquei com a mercadoria de Vila Bela, com o jipe e metade das pecas depositadas em casa, Jai- ‘me retirou parte da mercadotia estocada e a levou. Figuci live como um passarinho! Desfeta a sociedade, mios obra; precisava trabalhar e s6 para mim. Possufa um aparta- mento de dois quartos na rua Guarari, comprado pot oito milhdes e meio, dinheiro este obtido em parte com a venda da minha casa em Santa Catarina, por cinco. Mas, confesso set um homem de sotte por nifo ser ambicioso e gostar de di- Vidir o que € meu com os outros. Quinze dias depois do rom- pimento da sociedade, chegou finalmente a mercadotia de Vit Bela, © Jaime e o Ibtahim souberam e vieram 2 minha casa felicitar-me. Na ciktima viagem que fizemos a Cuiabé, havia no lote uma banqueta de prata “D. Joao V"", que o Jaime vendeu a Sra D. Maria Ferreira Gelpi: Esta distinta senhora, no querendo recorret 30 marido Dr. Gelpi, um dos construtores de Bras lia, pagou em libras estetlinas, que foram trocadas, postetior- ‘mente, por cruzeiros e com lucto, devido & alta do ouro. A mercadoria de Vila Bela foi vendida, parte ao Dr. Fernando Millan, outra 20 Koltai. Restaram.o$ mochos, maravilhosos Finalmente, comprou-os Sr, Estanislau Herstal. O mochinho alto, que setvia para colocar 0 chapéu do capitao-general, pas- sou para as mAos do Dr. Julio Kieffer. 16 rata antigas, Mato Grosso ¢ Goi (Colegio: Mercedes de Arruda Borel 17 Papelera. “D. Jos. Sobre a mesma um Sip Gono, de autora de Alejadinho e matine de Goa, (Coles: Mercedes de Atrada Borelio A MORTE DE D, AQUINO CORREIA Uma dor grande e muda e um clario multicolor, seguidos de tum retumbante tro Mato Grosso. Bo clario foi s¢ alastrando ¢ 0 trovdo ribombando por ros, vales e monta- nnhas, tazendo-nos a dolorosa notieia da morte do faclito bra. sileiro, grande homem de letras e pastor de almas, D. Francis- co de Aquino Cotteia, Atcebispo de Cuiabé, Homem de al- ‘ma pura, dedicou toda a vida ao seu belo tortio natal e ao seu bravo povo. Orador notabilissimo, um émulo de Monte Al- vere, sem divida, foi escolhido para discursar nas grandes datas civicas, durante o Estado Novo, Certa vez, assisti a um_ sgtande desfile da nossa glotiosa Marinha, num dia 11 de ju- nho, no Rio. Homenagem tocante ao Almirante Marqués de ‘Tamandaré. D. Aquino era o orador-oficial. Eu jé ouvita Joao Neves da Fontoura, Epiticio Pessoa, Iinew Machado, Joa0 e Otivio Mangabeira e Roberto Moreita; se todos esses ofadores cstivessem em eleigio meu voto seria de D. Aquino. Embora houvesse em Cuiaba um verdadeiro Palacio Episco- pal, D. Aquino continuow morando em seu quattinho e uma pequena sala, no velho seminario, Quem morava no palicio ‘cta.o seu bispo auxiliar, D. Ant6nio Campelo. Quando, em 1958, D. Aquino comemorava seus cingtienta anos de orde- nasio sacerdotal, figutas eminentes compareceram 20 ato, clusive o Eng? Lucas Nogueira Gatcez, governador de’ Sio Paulo. Outro grande vulto de S20 Paulo que admirava pro- fandamente B. Aguino cla o digno DiAlsno Aras Gustavo Barroso disse-me uma vez, em Cuiabé, que D. Aquino era o Papa da Academia! Expressivo depoimento colhi no baitro do Porto, de uma ve- Ihinba, qeando D. Aquino ainda viva: "Minin seahors, qual foi, na sua opiniio, o maior governador de Mato Gros. s02”" —'"*Todos eles foram bons, nas costas de D, Aquino. Quando eles nao conseguem uma coisa do Governo Federal, podem aD. Aquino... E qual €0 Governo que vai contatiat ‘um santo como ele?” D. Aquino morreu como oral Eo que € a morte para um pocta? E a aurora boreal da Gléria! Viajei novamente do. Rio para. a cidade de Barta, que fica exa- tamente no local onde o Rio Grande desemboca no Sto Fran- cisco, Da Batra segui por tetra para o Piaui c fui comprando miudezas boas, pos no havi meio de transport moves grandes, a ndo ser que aparecessem pesas vetdadeiramente ra- fas, Estive em Parnagua, cidade muito simpatica, situada 2s ‘margens da lagoa do mesmo nome. Adquiri mocdas, ima- gens e copos de pest. Havia na cidade de Pioos grandes pra- teiros que além de copos e savas, faziam muito santo de pra- ta, ocado. Fui a Santo Anténio de Gilbués, cidade boa que nnasceu de um gatimpo de diamantes no século XVII. Em Gilbués havia muita imagem de madeira com rosto de mat- fim. Em Parnagud, desci de una jardineira e pedi a um rapa- zola para levar 2 minha mala ao hotel, ao que ele respondeu: Rito senhor, eu nao sou ganador” “Depols veguel Pe, ganador para eles € 0 nosso carregador. ferra boa, o Piaut! Ganbar dinheiro ¢ desonra! Soube depois que aquele mocinho de chinelo era bisneto do Bario ¢ Mar- qués de Paranagua... Em Sao Paulo Rio, eles trabalham em alauer servigo... Mas na tetra deles, nao sio ganhadores, mmptei em Oeitas, antiga capital, duas pecas de primeira li nha que, pelas informagdes que obtive, ‘ram de bom palicio ali existente no século XVIII. Se alguém no Brasil quiser montar um museu vetdadeiro de mobiligtio nacional, tem 30 que comegar a coletar peras, como essas do Piauf, que sio, sem daivida, genunas. As vezes, um mével bonito, muito claborado, nos deixa titubeantes... pode perfeitamente set ‘uma criagdo de cem anos atris sem, entretanto, set de época. attstainspirou-se no antigo. Foi uma remeridade trazet essas peas desmontadas, no rebo- que do jipe até a cidade da Barra. Despachei-as até Januaria >t navio do. tio Sao Francisco c, j& em tertitério de Minas, 9 facil o transporte até Sao Paulo. O primeito a ver foi o Dr Fernando Millan, que em seguida saiu apressado ¢ trouxe 0 S¢,Ortales Macondes, que comprou a cdmoda, Em seuida, veio o Dr. Cesar Kieffer, que adquiriu a mesa ‘Anos depois, Dr. Cesar vendeu a casa em que residiu, a rua Alaska, € no apartamento nao havia lugar para a mesa” Man- dou vendé-la; ¢ quem a comprou foi o Dr. Jodo Matino. Mais tarde, com muita insisténcia e sendo o Dr. Joao muito amigo do Sr, Octales Marcondes, conseguiu reuiair as duas pecas, ue ja estiveram expostas na grande exposigao do “'Barroco go Bra”, orgunizada pelo Museu’ de Are de Sto Paul Ness époc, ree um telgrama de Guia exigndo a mi tha presen naguel capil 6 sabia do que se atava. Eo dinheito, onde est 0 dinheifo? $6 quem sabia era o meu contetrinco, José Amético, Mas nao disse a ninguém! Procu- tei, entio, o Sr, Joao Més, proprietatio da Galeria D. Pedro TI ¢ antigo funcionitio do St. Geremia Lunardell, 0 "Ret do cafe" 20 Ghmoda, madeira, amocita (limotana ou tide), ‘com puxadoes de bronze fundido, Segunda metide do seulo XVI, Oeras,anciga capital do Compyimento 166 cm, profundidade 91,3 em, altura 95cm. (Coleg Joso Marino. 52 VIAGEM A MATO GROSSO De telegrama em punho, chamei o prezado amigo Joo Més ¢ dei-the um verdadeiro ulkimato! Ou ele nos arranjava o di- toheiro, ou eu ira atrumé-lo com outra pessoa. Jodo Més re- fletiu ¢ me disse: — "Nobrega, vocé € um visionatio! Cinco milhies de cruzeiros € quanta que di para comprar dez apar- tamentos de dois quartos, aqui em Séo Paulo”. Fiz-lhe ver gue nosso comum amigo, Dr. Hetminio Lunardelli, grande interessado em objetos de arte, podia nos endossar um ““pa- pagaio"” e nds tirarfamos o dinheiro do banco. ‘Més pegou o telegrama e foi dietamente ao Escritétio Lunar- deli alt na rua dos Ingleses Feiso 0 pedido, Dr, lemminio tomou conhecimento do telegrama ¢ nao teve davida. En- cheu um “papagaio" ¢ assinou pediu para o seu itmmao Dr. Santo endossar. Més foi 20 Banco de Sao Paulo ¢ nem chegou 4 pegat no dinheiro; transferiu-o para Cuiabi, em seu nome. No dia seguinte chegamos a velha cidade, Hospedamo-nos to Fiotel Centro America e, Jogo ela man engontamos 0 Padre Osvaldo na porta do prédio dos Corrcios. Fomos & Ma- triz , Santo Deus, o que eu vi! Os padres estavam consttuin- do uma igreja g6tica, no lugar daquela j6ia colonial! Os alta- {cs ji tinham sido retirados para a Igreja de Sao José Operitio. Si rstava praticamente a fchada da Matiz. & planes era do ‘meu distinto amigo, Benedito Calisto de Jesus Neto, que construiu, também, a Basilica de Aparecida.”Mas, a igteja g3- tica no meio daquele casario colonial? Esta ccrto que a parte trascira do templo era irtecuperivel... Mas, nio haveria meios de derrubar 96 a parte posterior ¢ reconstrut-la com mais am- pliddo, conservando o estilo ¢ deixando intacta a parte dian- tcita? SANTA MISERIA! SANTA IGNORANCIA! SANTA ESTUPIDEZ! Os oss0s de D. Aquino, que fora sepultado ali em frente 20 altar-mor, foram tirados ainda recentes para uma una! Lem- bici-me do célebre terceto de Bilac: “Tu golpeada c insultada, eu tremerei sepulto: E 0s meus oss0s no chao, como as tuas ratzes, Se estorcerio de dot, soffendo o golpe € o insulto!"” ‘Mas, voltemos 20 negécio, Subimos ao coro e compramos os quatto lampadatios Sabari, a grande naveta "D. Joao V", tts banquetas de prata completas, a famosa imagein de San: to Elesbioe os emalhes tors, Fcaram os santas que cram ‘onservados em seus altaes. As colunas grandes foram retira- clas da Igreja de Sao José Operatio e despachadas no Expresso Cubano. No mestno instante em que fechamos o negocio, eu, Més € 0 Padre Osvaldo, fomos ao banco e transfetimos di- fetamente 0s cinco milhdes para a conta da Diocese. Perguntei a0 Padte Osvaldo que destino tinham dado 20 belo colar de esmeraldas ofertado aD. Aquino pelo Atrojado Lis- boa, c 0 Vigério-Geral fez. questio de levar-me & presenca de um Monsenfor talano que me deu pouea aengio, cizcado- me apenas que as pecas do finado Arcebispo haviam sido doadas 20 Museu de Mariana Exava rudo consumado! Quando voltamos a Sao Paulo, os meios artisticos ja sabiam da compra e do volume da mesma, razao pela qual ficaram alvorocados! Tiramos tudo do avigo e, em primeito lugar, tra- amos com a maior brevidade da venda das pecas, para pagar quanto antes a nossa divida. Os Drs. Hetminio ¢ Santo La- ‘ardelli fcaram com as duas mais bonitas lampadas de Sab 1, A banqueta média, ficou também com o Dr. Hemi ‘na primeira noite, em minha casa, comparecetui pessoas di 2 tintas cligadas as artes, como D, Zulmiza Martins Lunardelli Dr. Edmundo Vasconcellos ¢ esposa, Dr. Julio Kieffer © os éengenheitos Roberto Pacheco Fernandes ¢ julio Pinoti, assim como os colecionadores Heitor Portugal, Octales Marcondes Ferreira e D. Maria Ferreira Gelpi © caminhio do Expresso Cuiabano chegou somente oito dias depois ea dsubulinos pelos vaio mods da casa a ima gens menores ¢ os entalhes dourados. Lembro-me de que a imagem de Santo Elesbio, da mais alta raridade, foi adquiti- da pelo ilustre médico e escritor, Duilo Crspim Farina, Mew amigo Jozi Més fez questao de ficar com a avantajada naveta “D. Joao V". Uma senhora da familia Freitas Valle ficou com outro lampaditio Sabard, e, por fim, mais uma banqueta de pata, a maior delas (2 do altar-mor) foi vendida ao Dr. Placi- do Gutierrez, do Rio de Janeito, que levou também 0 belo par de lanternas de Manianguape, que era s6 meu, s entalhes foram vendidos aos poucos, enquanto a éiltima banqueta foi picada e comprada por diversas pessoas. Desctevi aqui, embora suscintamente, todas as compras efe- tuadas por mim no grande estado de Mato Grosso, faltando somente citar duas cidades onde fiz também boas colheitis, ‘mas nada de excepcional: Livramento ¢ Santo Anténio de Le. verger. Lamento a demoligio da igreja colonial; fiquei mesmo revol- tado, ndo com o Padre Osvaldo, porque exe foi apenas tim instrumento que ia aos poucos executando um plano da ca- ula, adrede preparado, desde o falecimento do grande cat6- roc homem de aus vitudesconsevadors,decnbarador do Tribunal de Justca do Estado e notavel histoiador: Dr. José Barnabe, ‘Como catélico praticante, beijo conttito as maos generosas dos abnegados padres, itmaos, professores leigos ¢ demais ‘membros da grande grei Salesiana, que vieram 20s confins de ‘Mato Grosso realizar 0 sonho de D. Bosco; mas nego o meu simples cumprimento a0 autor da extravagante idéia de trans- fotmtar aquela ja colonial brasleica num templo ftio, de arte pasudigt que se adapta melhor aos holanesese alemaes, «aso da Basilica de Aparecida foi diferente. Ela foi construt- da fora do centro da velha cidade. A primitiva igreja da Pa- drocira do Brasil If ficou, no alto, no meio do casario velho, ‘como um matoo da Fé inquebrantavel de um povo. Desculpem-me os reverendissimos Salesianos de Cuiabé; de- viam seguir o exemplo dos padres de Aparecida, VILA BELA DA SANTISSIMA TRINDADE As tr vilas do ouro que serviram de sede de governo ds capi- tanias do Brasil central sto muito minhas conbecidas Vila Ri- a, Vila Bog e Vila Bela, capitais, respectivamente, de Minas Gerais, Gotés e Mato Grosso. As duas primeiras, quase intatas ¢ constantemente visitadas, foram fi descritas com nana mes- ‘ia por nosios homens de letras. Prefiro, poi, reportar-me & terceira; ndo s6 por estar prestes a extinguir-se com todo 0 seu (precioso patriménio artitico e histérico, mas, principalmen 1, pelo ato de situar-se em regio longénguae de dificil aces- so: Vila Bela da Santissima Trindade. Jia colonial ao Gusporé engastada, sentinela vigilante dos “herbicos capities-generats do Mato Grosso que “Blatanom as nossa fronteinas, cidade outrora rica e Inxuosa, Vila Bela da Santiitma Trindade é, hoje, um montio de ruinas! Comprometo-me, embora singelamente, a focalzar aqui as suas construcbes barrocas, of seus rartsimas objetos de arte, os costumes do seu povo, as wradicionais festa religiosas e profa- nas. Para tal desempenbo, recor aos documentos antigos existentes nos arguivos de Cuiaba, Vila Bela e Diamantino; consultei obras indispensiveis. O restante &frato das minbas observagoes pessoats. FUNDAGAO Depois da descoberta de Cuiabé, por Pascoal Moreira Cabral, 0 sorocabano Miguel Sutil, ena 1722, no Rosario, arrancava, «quase da flor da tera, quatrocentas arrobas de our! Com es fe impulzo econémico, Cuiabi povoon-se rapidamente, para ‘estactonar em seguidla — orgie outras minas surgiram mais 40 norte, em Diamantina e Alto Paraguai. ‘A noticia dessa fabulosa riqueza atraia aventureivs de todos 0s quadrantes, inclusive negociantes do Gréo-Pari, que subi- ram 0 Madeira e 0 Guaporé, transportando em botes suas ‘mercadorias. Aos paraenses uniram-se os espanhéit e alguns indios Chiquitos da Bolivia ¢ fundaram um araia de ranchos Ge pa-a-pigue, cobertos de capims, na margem direita do rio ponto de facil parti para alcancaro Jauru, afluen 0 do Pardguai, dial navegar ao norte pelo rio Cutabi, ou de- mandar Sio Paulo, pelo Parana. Os bandeinantes, recebendo a visita dos mercadores, seguinam (0s seus rastose aportaram no armaal do Guaporé, dando-the 0 sugestivo nome de Pouso Alegre. Nas vizinbancas, descobri- ram as minas do Brumado, Chapada de Sant'Ana, Lavrinhas, Sao Francisco Xavier e Séo Vicente, entre 1732 e 1734, Empolgado, el-Rei D. Jodo V, com a prosperidade aurifera de ‘Mato Crow, iemend 0 avango tminente des espanbély, re. solve, por decreto de 1748, desmembrielo da Capitania de ‘Sao Paulo, dindo-the governo priprio, no seu pri. ‘meiro drigente D. Aniénio Roline de Moura Tavares, depois Conde de Azambuja, com o titulo de Governador e Capttao- General das Minas do Mato Grosso e Cutaba. O povo do amaial fundado por Pascoal Moreira Cabral vibrow de entusiasmo ao chegar a Guiaba, no domingo do dia 12 de janeiro de 1751, 0 sen novo governante, na convicsto de ser “insialada ali a nova capital; mas tal ndo aconteceu. D. Ant nnio Rolim, irazendo do seu Rei e Senbor “recomendarbes ‘mai sigilosas”, examtinon o local, tomou posse, nomeow al- gumas autonidades e, para total decepedo dagueles babitan- es, seguiu com toda a sua grande comitiva para a beira do Guaporé! Mais tarde, tormaram-se pitblicas as seoretas recomendagbes: “"Pelo que toca aos confins deste governo... deveres estar na imteligéncia de que nao hi raxdo que deva fazer escripulo de excesso da vossa parte; antes ao conitario... e deverei, nio s6 impedir que os espanhois se adiantem, mas promover novos descobrimentos e apossar-vos do que puderdes”. Era muito natural, pois, que D. Anténio Rolim rumasse para oeste e to- ase d pasar dos expan. Chegada a comitiva 3 bela povoagao de Pouso Alegre, 0 capi- io-general elogion muito 0 local, achando-o risonbo e apra- Ziv mas of seus Weoncor _frzeram-lhe ver que 0 terreno era muito baixo, razto pela qual estava sujeito as inundagoes, ao que S, Exc. retrucou com auionidade, dizendo-thes que ha- via meio de evité-la... E, instalando-se sem orgulho numa pabhoga, iniciou, imediatemente, a consiruga0 da cidade, tnaugurada solenemente no dia 19 de marco de 1752, com 0 nome de Vile Bela da Santitsima Trindade do Mato. Grosso Foi escolbido um braido herildico para 2 nova cidade: um triangulo — em homenagem & Santissima Trindade, Pelos relevantes servigas prestados a frente do governo da Ca- pitania, durante catorze anos, D. Antonio Rolim de Moura, Gd no reinado de D, José 1, ¢ por interferéncia direta do Mar (qués de Pombal, foi nomeado vice-Rei do Brasil. PALACIO DOS CAPITAES-GENERAIS Mais de dois séculos rodaram na ampulheta do tempo. Transportemo-nos, agora, para a imensa regito do Brasil oes. 4, ¢ fsemo-nos em Vila Bela da Santissima Trindade, Visite- ‘mos 0 palicio dos capitdes genenats, ainda perfeitamente con servado, com os seus sales grandiosas, suas mesas riisticas nos egies boondés¢ D Joao 1 de propervaes giantess, enter Uhadas em madeira de let, que 0 flhos da tema chamam "co ragao de negro”, e nds outros, jacarandé da Babia... Observe- moi o madeirame do telbado, de nase tras qe, desde las, se multiplicriam por quatro; os eaibros que hoje ser tam pare segurar nba. Boss slbes ford 1 end destinddo aos despachos; 0 outro, menor, ent a alcova dos ca- ities genera, As portas, com dobradigas de mais de uma ‘robe, dio-nos a impressto de que foram feitas para a eterni- dade. A mesa'"D, Joo V", com quatro metros de compri- ‘mento e am metro'e dex centimeiros de largurs, coms seis és bem arqueados, todos com abas nos lados, que representam (05 babados das saias (D. Joao V era mulherengo), termina- dos, no chao, em pé de galo... Duas gavetas com puxadores ‘de mera no merino esto; ris, se obserarreos Bom, ven caremos que é apenas um simuacro de gavetas, Se sum ladda a cheats, in id ara gateta io aria, por aque, de fato, elas nto se abrem: Fxiste um segredo: todas as vezes que se precisa de alguma coixa das gavetas, em-se que Jevantar 0 timpio de cima da mesa, que por sua vez ficard suspenso por dois foros laerais concave; para fechar, basta ‘afastcdos para dentro. palicio foi onside por D. Antonio Rolim; as mesas ho- Jandesas também sto da mesma época. Quanto @ mesa "'D. Jodo V", conbecida como a mesa dos a despachos, ou ainda, de recepgdes, diz a tadizdo oral que a mesma fot fet po encomenda do famoso estadista Luis de Albuguterque dle Melo Pereira e Ciceres, obedecendo as fi nbas de uma outra que se encontra na Casa da Insua , bergo do grande homem. QUARTEL DOS DRAGOES Penetramos no palicio dos capitaes-genents pela parte poste- rior; & que 0 sete alto muro esti em ruinas. Mas, agort, vanros sair pela frente: observemos, acima da porta principal, a placa (que ainds existe com as quinas lusitanas a inscrizdo em: le- tras quase apagadas — Governo da Capitania, Estamos na calzada e nao precisemos pisar no chio para nos dinigir ao Quartel dos Dragoes, a com metros da frente; existe um pas Seto de pedra-canga de um metro e méio de largura e um de ‘altura, em toda a extenido, Penetremos nas ruinas do Quartel dos Dragies. Restam apenas as paredes de adobes enormes, de um covado de largura. ses paredbes 830 perfurados na ‘parte de cima, um pouco abaixo dos cachoros, para a intro- ddusao das armas de fis de peda, usidas contra os espanbéis ‘e contra os indoméveis Guaicurus.... Os pesados canboes bra sonados de D. José e D. Maria I, estto semi-soterrados; al- ‘guns, reclbides do Forte de Coimbra, foram disparados con- ina os expankSis pelo intrépido engenheiro tenente-coronel Ricardo Franco de Almeida Serra, cuja passagem pela Capita nia é um exemplo de arrojo heroismo. Comandando o For- 12 de Coimbra, com uma guarmicio de 110 homens apenas viu-se cercado por uma poderosa exquadra espanbola de 600 homens, que pretendia esmagar aguele baluarte para tomar depois Cuiaba. Ricardo Franco resistiu herotcamente e, num dado momento, o fogo espanhol cessou. Foi igada uma ban= deita branca e surgit tm emissiro com a seguinte intimagao “A bordo de la goleta Nuestra Settora del Carmen, 17 de Se- tembro de 1801. Ayer a la tarde tuve el honor de contestar el fuego que V. S, hiso de ese fuerte; y habiendo reconocido ‘que las fuerzas con que inmediatamente voy a atacarlo son muy superiores alas de V. S., no puedo menos de vaticinarle 1 thhimo infortunio; pero, como los vasllos de S. Majestad Gatélica saben respetar las leyes de la bumanidad, afin en ‘medio dela guerra, portanto pido a V. S, se rindaa las armas delrey mi amo, pues de lo contrario, acation ya espada deci- dire de la suerte de Coimbra, suftiendo su desgraciada guar nici todas las extremidades de la guerra, de cuyos esiragos se veri libre V. 5. si conveniere con mi propuesta, contestan- do-me categonicamente esta el término de una hora. D. Léza- 10 de Ribera” A resposta ndo se fox esperar; e-la “Forte de Coimbra, 17 de setembro de 1801. Tenho a honra de responder a V. S., categonicamente, que a desigualdade de forcas foi sempre um elemento que muito animou os portugueses a ndo desamparar o seu posto e defen- elo até a thima exiremidade: a repel o inimigo ow sepul- tarse debaivo das ruinas do forte que lbes foi confiado, Nesta resolugio est toda a gente deste presidio que tem a distinta onra de ver em frente a excelia pessoa de V. Bea. a qual Deus guarde, Ricardo Franco de sida Serra”’, A batalha travou-se encarnicadamente... ED. Lézaro de Ri- era, com grandes perdas, foi obnigado a retirarse. IGREJA DA SANTISSIMA TRINDADE O maior monumento de arte barroca no Mato Grosso é, sem divide, a igreja da Santisioa Trindade, de Vila Bela. Esta completamente em ruinas. Esa fabulosa consirugdo fot feita com grossos paredbes de adobes em alicerces de peda canga. A base projeta-se doit metros acima da tera; os paredes tera um metro e vinte de largura, com trés fiadas de adobes. Os rnichos sdo todos embutidos na parede, @ alguns ainda conser vam a sua ingénua pintura. Pelo dispositivo das vigas que se projetam dos paredoes, concluise facilmente que bavia ali ‘umm coro na parte alta, diantein, ¢ continuava uma seqiténcia «de camarotes de um lado ¢ outro. Descobn, no depésto, um ‘mocho alto ¢ esguio; um perolado de marfim em torno da ‘parte do assento fex-me identifcar 0 seu estilo: Maria; pots 0 ‘perolado representa o rosirio de que jamais se separou aquela ‘ainba, Mas ew estava deveras intigado com as dimensoes do ‘macho... Como sentar-se ali uma dama num assento tdo pe-

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