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oo WNalts) “— ‘América — Hist6ria, Delrio @ Outras Magias ~ Lean Pomer (0 Controle do Imaginério — Luiz Costa Lime Paginas Cutanas — Nicolés Guillén (0s Pobres na Literatura Brasileira — Diversos Autores Colegio Primeiros Passos © que é Cultura — José Lure dos Santos 0 que 6 Histbria — Vavy Pacheco Borges O que 6 Ideologia — Marlene Cheui (0 que & Inddstrla Cultural — Tezxeire Coelho (O que sao Intelectusis — Hordcio Gonzélez O que é Literatura — Marisa Lejofo + O.que é Poesia — Fernando Paixéo + O.que ¢ Politica Cultural — Martin Cezar Fei Colegio Tudo 6 Historia «+ As Independéncias na América Latina — Leon Pomer 2/0 Populisma na América Latina — Maria Ligia Prado Colegio Encanto Radical «Alejo Carpentior — Em Busca do Real Maravilhoso — Jorge Quiroga + Georg Lukéos — 0 Guerreiro Sem Repouso ~ José Paulo Netto + Roland Barthes — 0 Saber com Sabor — Leyla Perrone- Moisés + Walter Berjamin — Os Cacos da Historia ~ Jeanne M. Gagnebim Angel Rama DEDALUS - Acervo - FFLCH-HI 208 ‘A cidade das letras / RIN 21200021865 A cidade das letras Introdugao: Mario Vargas Llosa Prologo: Hugo Achugar Traducao: Emir Sader TOMBO. . 52793 A SBD-FFLCH-USP ¢ z 4 oY 2 353 1985 npg BLTOTECR Usp FPLCB —— Copyright © Ediciones dl Norte, 1984. Titulo original: La Ciudad Letrada, Copyright © da traduedo: Editora Brasiliense S. A., para edicio e comercializagao somente no Brasil Capa: Ettore Bottini Revi Suzana Lakatos Lenilda Soares R. General Jardim, 160 “1223 — So Paulo — SP Fone (011) 231-1422 Angel Rama: a pai siti : mee ae critica — Mario Vargas Llosa Agradecimentos . Acidade ordenada . A cidade letrada . ~ A cidade escrituraria . Accidade modernizada . A pilis se politiza . .. A cidade revolucionada . .. 7 B 19 23 41 54 76 102 126 Angel Rama: a paix4o e a critica Os congressos de Literatura serto mais entediantes agora que Angel Rama nao pode assisti-los. Vé-lo polemizar era um espetéculo de alto nivel, 0 desenvolvimento de uma inteligencia que, confrontando-se com outras, alcancava seu brilho maximo e seu prazer. Coube-me discutir com ele algu- mas vezes e, de cada vez, mesmo no ponto mais conflitante das argumentacées, mesmo quando nos dévamos golpes bai- x05 e rasteiras, admirei seu brilho e sua elogiiéncia — esse redemoinho de idéias em que se convertia nos debates — sua aixdo pelos livros, e sempre que li seus artigos senti um res Peito intelectual, que prevalecia sobre qualquer discrepanci Talvez por isso, nem nos momentos em que nossas conviegdes nos distanciavam, deixamos de ser amigos. Alegro-me por ter dito, na tiltima vez que Ihe escrevi, que seu ensaio sobre A ‘guerra do fim do mundo, entre todas as criticas @ minha obra, ¢ra.0 que mais me havia impressionado. Desde que eu soube de sua morte, no pude deixar de recordé-lo associado ao seu compatriota, colega e polemista de toda a vida: Emir Rodriguez Monegal. Todo organizador de simpésios, mesas-redondas, congressos, conferéncias e conspiragées literdrias, do Rio Grande a Magallanes, sabia ‘que conseguir a participagdo de Angele de Emir era assegurar © sucesso da reunido: com a presenca deles, haveria quali- dade intelectual e pugilismo vistoso. Angel, mais sociolégico € politico; Emir, mais literério e académico; aquele mais @ es- 8 ANGEL RAMA querda, este mais d direita. As diferencas entre os dois uru- guaios foram providenciais e originaram as disputas intelec- tuais mais estimulantes que jé pude assistir, conjrontos em que, gracas @ destreza dialética, a elegancia e @ cultura dos ‘adversérios, ndo havia nunca um derrotado, e salam ga- nhando, sempre, 0 piiblico e a literatura. Suas polémicas transbordavam da sala de reunies para os corredores, hotéis ¢ paginas dos jornais e se enriqueciam com manifestos, fofo- case intrigas barrocas, que dividiam os assistentes em grupos irreconciliveis, transformando 0 Congresso — palavrinha que com alguna razio evoca bocejos — numa aventura fra- gorosa e vital, como sempre deveria ser a literatura, Para Angel Rama foi. Ainda que parega absurdo, a pri- meira coisa que se deve dizer como elogio @ sua obra é que ele foi um critico que amou os livros — que leu vorazmente — quem a poesia e a novela, 0 drama e 0 ensaio, as idéias ¢ as palayras propiciavam um gozo, que era, ao mesmo tempo, Sensual e espiritual. Entre os que hoje exercem a critica na ‘América Latina abundam os que parecem detestar a litera- ‘ura. A eritica literdria tende em nossos paises a ser um pre- texto para apologias ou invectivas jornalisticas, e a chamada critica cientifica, um jargdo pedante e incompreensivel, arre- ‘meda pateticamente as linguagens (ou jargoes) de moda, sem éniender sequer 0 que imita: Barthes, Derrida, Julia Kristeva, Todorov. Ambos os tipos de critica, seja pelo caminho da t vializacdo ou da ininteligibilidade, trabalham pela desapari- (do de um género, que, entre nds, chegou a figurar entre os mais ricos e criadores da vida cultural, gracas a figuras como Henriquez Ureiia ou Alfonso Reyes. A morte de Angel Rama é como uma funesta profecia sobre o futuro de uma disciplina intelectual, que vem declinando na América Latina de forma inguietante. "Apesar de, na juventude, haver escrito novelas e peas de teatro, Angel Rama foi um critico — nesse dominio, desen- volveu uma obra original, abundante e vigorosa — que logo depois de travar suas primeiras polémicas no Uruguai — onde se hayia formado, sob a orientagao de um ilustre crtico e his- toriador da literatura rio-platense, Alberto Zum Felde — foi crescendo e se diversificando em interesses, temas e ambicdes, ~~até se movimentar com perfeito dominio por todo 0 universo latino-americano. Em seu tiltimo livro, A novela latino-ameri- [ACIDADE DAS LETRAS ° cana (Bogoté, 1982), recompilagde de uma diizia de ensaios ‘panorimicos sobre a narrativa continental, se evidencia a de- ‘Senvoltura historica e a solvéncia estética com que Rama podia ‘avaliar, comparar, interpretar e dissociar ou associar 08 pro~ ‘cessos soviais ds obras literdrias da América Latina, extrapo- Tando suas fronteiras nacionais e regionais. Nessas visoes de conjunto — onde trajetdrias, evolugses e influéncias foram ‘experimentadas por escolas ou gerapoes de um ou outro lugar ee provavelmente ninguém — desde a ousada sinopse elabo- rada por Henriquez Ureria, Histéria da Cultura na América Hispanica (1946) — superou Angel Rama. Nao é estranko, ‘portanto, que fosse ele quem concebesse e dirigisse o mais “ambicioso projeto editorial dedicado a reunir o mais represen- tativo da cultura latino-americana: a “Biblioteca Ayacucho”, patrocinada pelo Estado da Venezuela, que tomara nao seja desativada agora com a morte de seu inspirador. ‘7 0 melhor do trabalho critico de Rama néo foram os li- ros, em relago aos quais, durante muito tempo, alimentou uma euriosa resisténcia: quase todos os que ie animou a pu- blicar foram compilacoes de textos aparecidos em revistas ou prologos: O tinico livro orgdnico que escreveu, Rubén Dario e ‘© modernismo (Caracas, 1970), é uma andlise penetrante do frande nicaragiense e do movimento modernista. Nesse e ‘aio, Rama mostra a maneira complexa como as diversas cir- cunstincias hist6ricas, culturais e sociais contribuiram para (que surgisse a corrente literdria que “descolonizou"” nossa Sensibilidade e, alimentando-se com audécia e liberdade de tudo 0 que as vanguardas européias ofereciam e das nossas proprias tradigGes, fundou @ soberania poética do continente. 1A perspectiva sociologica e histérica, @ maneira de Lukics ¢ de Benjamin, foi a predominanie nas pesquisas e andlises de Rama, E, se as vezes ele incorreu nas generalizagoes que esta perspectiva pode provocar, quando aplicada de maneira ex- ‘hudente ao fendmeno artistico, no seu livro sobre Darto ela the permitiu, gracas a um equilibrado contrapeso entre o social € (1) Obviamente, Mario Vargas Llosa desconhecia A cidade ltrade 20 ceserevr este argo, que salu em £ Comercio, de Lima, pouco depois (2 de ‘Sezombro de 1983) da morte de Angel Fama, e que ceproduzimos aqui com sua ‘autoreaglo ecolaboracao. 10 ANGEL RAMA 0 individual, o contexto hist6rico, o caso espectfico e a influén- ‘ia do fator psicolégico, esbogar uma imagem nova e convin- cente da obra de Dario e do meio em que ela nasceu. No en- tanto, a critica em que Rama se sobressaiu, como poucos em nosso dias, foi naquela em que, nas paginas de um jornal ow revista, na mesa de uma sala de aula ou no preféicio de um livro, se procura encontrar wma ordem, estabelecer uma hie~ rarquia, descobrir chaves para seus recintos recdnditos, para alliteratura que estd nascendo e fazendo-se. Bo que se chama critica de atualidade, que alguns jul- ‘gam a rebaixar ao qualificé-la de “jornalistica", como se a alayra fosse sinénimo forgoso de superficial e efémero. Na verdade, foi dessa linha que sairam os criticos mais influentes sugestivos, aqueles que converteram o género numa arte equiparével ds demais: um Sainte-Beuve, um Ortega y Gasset, tum Arnold Bennett, um Edmund Wilson. A esse grupo ilustre > pertenceu Angel Rama. Para ele, como para esses outros, es- ‘rever sobre os acontecimentos literdrios imediatos; dirigindo- Se, constantemente, a um vasto piblico, ndo significa um es- ‘forco menor, pressa irresponsavel, engano ou frivolidade, ‘mas sim, exigéncia redobrada de rigor, obrigagao de racioct hnar com lucidez, analisar com profundidade e encontrar uma Tinguagem em que as idéias mais dificeis resultem acessiveis aos leitores mais simples. (Os dez anos em que Angel Rama dirigiu a secao cultural do Marcha, em Montevidéu, coincidiram com uma eferves- ‘téncia na atividade literéria latino-americana. Das paginas desse semanério, Rarna foi um dos animadores mais entusias~ mmados do fendmeno eum de seus analistas mais s6lides. Mui- tos dos artigos que escreveu, primeiro no Marcha e, depois, em iniimeras publicacdes do Continente, constituem verda- deiros modelos de condensagao, inteligéncia e perspicécia; mesmo nos momentos de maior arbitrariedade ou ardor polé- mico, seus textos resultavam sedutores. E, muitas vezes, fas- ‘cinantes. Quero citar um, que li com prazer tao vivo que se conserva intacto em minha meméria: Uma chama na ald explosiva reconstrugao biogréfiea de um poeta e dandy, Ro ‘berto de las Carreras, que Rama, com pinceladas magis- ~trais de humor e afeto, ressuscitaya como pano de fundo, ‘meio provinciano, meio frivolo, dos anos novecentos em Mon- tevidéu. ACIDADE DAS LETRAS un Jornalista, professor, editor, compilador, antologista, ci- dadao das letras... Um intelectual, a quem suas convicgoes de esquerda custaram exilios e milziplos eontratempos, mas nao © converteram num dogméatico, nem no porta-voz de algum partido ou poder. Sua obra deixa uma marca fecunda em ‘quase todos os paises latino-americanos. No meu, por exem- lo, teremos sempre de agradecer-Ihe por ter sido 0 compila- ‘lor e editor de dois tomos de artigos de José Maria Arguedas (que, se nao fosse por sua iniciativa, os peruanos jamais teriam Tido. Todos os que amam a literatura nestas terras somos seus devedores. Os escritores, sabemos que sua morte empobrecett de algum modo nosso oficio. Mario Vargas Llosa Lima, dezembro, 1983 SN ee ee ee Prologoo A crescenteespecilizagio de elticas professores eté conduzindo a uma compreensao fragmentada da cultura la- tino-americana e, em alguns casos, a uma leitura provinciana — no duplo sentido de local e de isolamento — dos demais aspectos da sociedade. Inclusive, ultimamente, a leitura ato~ ‘mizada parece surgir como 0 modo vélido por exceléncia de Prestar contas do produto cultural. Leituras orginicas, que assumam a complexidade, a riqueza ea variedade do processo hist6rico-cultural da América Latina, sao escassas e, em al- ‘uns casos, evitadas, por serem entendidas como racionaliza- $8es irreais ou atentatérias contra a “especificidade” literéria, estética ou cultural. A prépria compartimentagdo do conheci- ‘mento contemporaneo contribuiu para essa espécie de balea- nizagdo do esquivo objeto do desejo académico, a América Latina. Por sorte, a visio totalizante ou de conjunto, existe. Existe e, no que se refere a nossa América, ndo se apresenta como a somatéria de unidades politico-geograficas, mas como uma concepeao cultural vinculada a um projeto de patria grande, 0 qual, é claro, implica a consideragao da atividade cultural latino-americana como fruto da agao do homem his- t6rico vivendo em sociedade. Essa visao totalizante tem pouco ver com o survey, ou com o panorama tipo sightseeing turts- tico, ou com o briefing, cobicado pelos executivos da cultura, Refere-se, em compensacdo, dquela visao que assume a Amé- rica Latina como um corpo vivo, provocador de tensGes e lu- “ ANGEL RAMA tas, as quais configuram uma identidade cultural particular. Um corpo trabalhado por contradisées e paradoxos, pelo fato de ser considerado 0 espaco de uma luta ideolégica, cultural e social. E-a esse tipo de visio e a essa crenca em um determi- nado projeto de pétria grande, que pertence o grosso da obra de Angel Rama e, em particular, A cidade das letras. Livro péstumo, este ensaio se soma ao ininterrupto traba- tho latino-americanista que Rama desenvolveu até sua morte. Nesse sentido, e de forma similar a Marti, a Romero, a Her riquez Ureiia, a Quijano e a tantos outtos em diversas dis. plinas e épocas diferentes, o trabalho de Angel Rama foi o de um mestre latino-americano que pensou e imaginou a cultura dos nossos paises como uma totalidade. Um todo hetero- éneo, de dificil reducdo em termos de cliché. Um todo com histérias particulares, com énfases e ritmos diferentes, mas nunca alienados, nem totalmente desmembrados ou atomi- zados. Seguramente, para quem vé a historia e a cultura da periférica América Latina, é dificil aderir as teorias desmem- brantes e fragmentadas, postuladas nas metrépoles cada vez que voltam a descobrir a localiza¢ao do Onphallus nas suas universidades. Nao, Rama nao aderiu ao desmembramento, ¢ A cidade das letras é mais um exemplo de sua prética inte- lectual nessa direciio. E dificil nao explicitar, a esta altura, a situagao em que fomos obrigados a ler este novo ensaio de Rama: sua morte foi ‘fora da pétria pequena, durante um v6o para uri congresso na itria grande, é demasiado recente. Permitam-me entio re- Produzir parcialmente 0 que escreremos — ainda comovidos ela noticia de sua morte — sobre o signifioado de seu magis- tério latino-americano. Angel Rama — diziamos — é um mes- tre. Eum mestre, € 0 digo no presente, porque os mestres nao morrem. Um mestre nao s6 para os uruguaios de fins dos anos cingiienta e comeco dos sessenta, mas para os latino-ameri- anos em geral. Mestre em Montevidéu, o foi também em Porto Rico, em Caracas, no México e, ultimamente, em Prin- ceton, Maryland e Paris. Nao vamos falar de Angel Rama como homem: seu sor- riso fica para sempre na meméria. Queremos evocar e desta- car sua importancia cultural; isso étambém o homem. Rama é um corpo cultural, um trabalhador da cultura nacional ¢ continental que soube animar 0 Marcha, Arca e também 0 A CIDADE DAS LETRAS 1s Escritura e a Biblioteca Ayacucho e, sobretudo, soube incen- tivar 0 trabalho das jovens. O desprendimento, a lucidez e a atengao intelectual esti- veram presentes em sua aproximagdo com os jovens. Apostava na juventude por sua condicéo de mestre. Somos muitos os que, de uma forma ou de outra, aprendemos a crescer gracas @ sua lucidez e ao seu entusiasmo. E 0 somos — é preciso insistir — inclui, além de seus compatriotas uruguaios, seus alunos caraquenhos, argentinos, colombianos, porto-rique- nhos e norte-americanos. O trago que define sua condigao é a paixdo. Escreve-se e ensina-se por paixao, dizia ele. Paixto que alenta essas duas espadas, de que fala no final de A ci dade das letras: as espadas dos dois poderes do mundo. Pai- xdo que encarnou tantos homens desde o Renascimento até os nossos dias e que Rama assume com lucidez e conse~ giténcia. Por isso mesmo, néo escreveu obras de teatro e narragées elo simples prazer hedonista da palavra, mas por paixto. Nao escreveu sobre Arguedas, sobre os novos narradores la- tino-americanos, sobre a tarefa do intelectual exilado, sobre a literatura norte-americana, nem sobre o sistema cultural dos nossos paises por diversio ou exigéncia académica: ele o fez or paixdo. Por paixdo, tomou posicées nem sempre partilhé~ veis e, por paixdo, escolheu o caminho do magistério. Elep6de dizer, como Gérgias, de Rod6: “Por quem me venga em honra”. Paixao, generasidade, latino-americanismo e, sobre- tudo, fidelidade a um corpo de idéias, que sabia mais dura- douro do que seu invélucro material. A paixio levou-o a mais de uma polémica. Levou-o tam- ‘bém a conflitos com andes intelectuais e com burocratas. Al- guns desses andes intelectuais e desses burocratas sentiram-se ‘mal com seus escritos e com suas idéias. Houve andes tanto ‘em Montevidéu como em Caracas, burocratas especialmente nos Estados Unidos. Mas no final das contas, andes intelec- tuais e burocratas acabam sendo termos intercambiéveis. Po- lemista por paixdo, Angel Rama nunca fugiu @ dis dos que acreditam que o siléncio, em aigumas ocasiées, ofen- de mais a quem cala. Nao acreditava nos mitos que tentam ‘manipular consciéncias, nem nos mitos que mentem sobre a vealidade, mas naqueles e sé naqueles que sao fundamento de nossa realidade cultural. A realidade, com toda sua carga ACCIDADE Das LeTRAS v Oferece diariamente, Paixdo que, para um intelectual, significa a entrega a um ideério e a uma conduta, independente do sicg ‘ou do prego uimo de autoctonismo, Ser latino-americano'é mor tarefa his- {rica e social e supoe a exigéncia de nao vos Permitirmos 0 simplismo e, menos ainda, 0 conformisms, 1 ur que a heterodoxia e a ortodoxia sto formas do Fiigma latino-americano, E saber que ndo exis uma Amé- "fon fatina de quena, marimba e neeros desealees ss uma América Latina variada, contraditonia ering Jpilioteca Ayacucho, como antes Arca, foi um modo Cortézar e Lezama sao 0 desenho de uma heranca cultural, é Tee Set matistério. Bernardo de Balbuena ce gauchipo- Uiticos, Marti, Arguedas, Blanco Fombone Salvador Gar- mendia, Onetti, Dario, a heterogeneidiade cultural de nossa América, 0 sistema cultural do séeulo XI trou ample eae y dob sian ¢motivou ampla discussie, ¢ / Se dime deteerstgh ge funciona atrés dela e assegura ay ¥ Sai aes do-alto para baixo, da Espanha A Ave, Social que ele ¥,, Hea, da cabeca de poder — através da se "se impde — itwictio fisic i fa = eo do esparo ur re ainda mais importante é princis ra entorpecendo-as ou destruin antes de que a cidade tura desordem, o que alude lanecerem inalterdveis no ima cidade, previamente & sua Panis enue representacax abstr ee hee, lade de edificd-la na aplicagao de normas: ¢, subsidiariamente, Giagramas araticos, que as desonhaven ne planos, ainda Be fommals feaiéncia, na imagem meng oe desses pI ‘Ros tinham os fundadores, os que iam sofrer cor Geivadas do lugar ou de prdtcas ingest SOUT coments competia a esses instrumentos sin anes S que tindo sua pronta autonomia, que os ade s pla- Pensar a cidade estavam adqui- aquaria ainda melhor es que Ihes reclamava o poder absolute, Apesar-de que se Continuou aplic a iplicando um nad na in acini sand um reclamaramy a participag ritual impreg- as ordenangas 0 de um seri expresstes dog cript (em qualquer de suas = um escriva ‘0, um escrevente ou até eorisieg a ANGEL RAMA, que a fala procedia da escritura, numa percepgdo anti-saussu- riana, A escritura possuia rigidez e permanéncia, um modo auténomo que arremedava a eternidade. Estava livre das vi- cissitudes e metamorfoses da historia, mas sobretudo, conso- lidava a ordem por sua capacidade de expressé-la rigorosa- mente ao nivel cultural. Sobre esse primeiro discurso orde- nado, proporcionado pela lingua, se articulava um segundo que era proporcionado pelo desenho grafico. Este superava as, virtudes do primeiro, porque era capaz de eludir 0 pluri- semantismo da palavra e porque, além disso, proporcionava conjuntamente a coisa que representava (a cidade) e a coisa representada (0 desenho) com uma maravilhosa independén- cia da realidade, tal como trasluzem com orgulho as descrig&es das épocas. Da fundagao de Lima por Pizarro, em 1535, que tantas criticas motivou no pensamento peruano da Republica, nos dizem com candura que “foi assentada e tracada a cidade conforme a planta e o desenho que se fez para isso no papel”, Q plano foi desde sempre 9 melhor exemplo de modelo cojrntal operative. Aras de-seu_aparenis registro neutro do eal, insere 0 marco ideologico que valoriza e organiza essa realidade, autorizando todo tipo de operagdes intelectuais a partir das suas proporydes, proprias de modelo reduzido. Eo ‘exemplo a que recorre Clifford Geerts quando busca definir a ideologia como sistema cultural,” mas inicialmente, assim o estabelebeu a Logique, de Port Royal, em 1662, quando esta- beleceu a diferenca entre “as idéias das coisas ¢ as idéias dos signos”, codificando jé a concep¢o moderna. Também ape- lou para o modelo privilegiado de signos que representam os mapas, os quadros (¢ 0s planos), em que a realidade € absor- vida pelos signos: Quand on considere un objet en lui-méme et dans son propre tre, sans porter la vue de l'esprit & ce qu'il peut répresenter, Vidée qu'on en a est une idée de chose, comme 'idée de-la terre, du soleil. Mais quand on ne regarde un certain objet que ‘comme en représentant un autre, U'idée qu'on en a est un idée de signe, et ce premier objet s'appelle signe. C'est ainsi qu'on (13) “Ideotogy as a Cultural System” em: David E. Apter (ed), deo- logy and Discontent, Nova lorque, Free Press, 1964; The Interpretation of Cul tures, Nova lorque, Basic Books, 1973, aS A CIDADE Das LETRAS a regarde dordinaire les cartes et les ta enferme deux idées, une de la chose gu Ja chose représentée; Par la premiére,®* ibleaux. Ainsi le signe i répresente, Vautre de et sa nature consiste d exciter la seconde preeet ime ta Sta argumentacto, Arnauld-Nicoe devem @ primeira opcdo, que consiste em perceber o Sbisto como signo, tipiea operacto intelectina que ain sore vepapalo ue os diagramas, os quais, ao mesmo tempo que representam, como nfo imitam, adqui n iste est asse- ainda que a coisa que repre- ‘gurada sua propria permanéncia, Sente possa haver sido destruidayDesse mod s th : lo, fica consa; 2 inalterabilidade do universo dos signos, pois eles moet submetidos ao decaii i fuba *caimento fisico, mas somente hermenéu. Lion peut conclure que la nature du si ¢ que la nature du signe consistant a exciter dans lessens par lidée de la chose figurante celle de Men a ee que cet effet subsiste, c'est-a-din "4 ‘dée est excitée, le signe subsiste, suc + chose serait drute en sa propre nature eehend OME ete A partir dessas condigdes, em vez de representar a coisa € possivel inverter 9 Proceso: 44 existente mediante signos, ia da coisa figurante a ds : cs oo trade OU Sia, enquanto sea dpi Sis sa eam ee asa console Boon aa” on hy Antoine Anau, Pare Nese, La p P-U.F. 1965 Pere Car. Prange Gia e474" depen, Pa, (48) doidem, , 54. Pi _ a ae PRESEW TACK ANGEL RAMA estes se encarregam de representar o sonho da coisa, tao dentemente desejada nessa época de utopias, abrindo 0 cami- Fordneos. Osonho de uma ordem servia para poretaes 0 po- der e conservar a estnutura sécio- \émica e cultural queesse poder garantia. E, além disso, se i SISO Sbositor_desse poder, obrigando-a a ‘transitar, previa- De conformidade com esses, Procedimentos, as cidades americanas foram Temetidas desde as suas -origens a uma du- Plavida. A correspondente a ordem fisica quer Por ser sens vel, material, esta Submetida aos vaivéns destruicao, da insta impulsos da invencao ciret segundo seu_ momento e dente a ordem dos signos que atuam a nivel simbélico, desde antes de qualquer. Tealizagio, e também durante e depois, ois dispdem de uma inalterabilidade a que pouco concernem os cvatares materiais. Antes de ser umu realidade de tose casas Bo treats Gus $6 podem existir ainda assim graduatncees Ro transeurso do tempo histérico, as cidades emergiam ja completas por um parto da inteligéncia RaS_normas que as teorizavam, nos atos fundacionais qu Tos que as de S fatal que espreita aos sonhos da raziio e que depararia um Principio que para Thomas More era motivo de Blorificagio, quando dizia em sua Utopia (1516): “He who knows one of the cities, will know them all, so exactly alike are they, except Ughere the nature ofthe grounds prevents" * A mosginnen dos sonhos da raziio fica ‘aqui consignada. Dos sonhos dos arquitetos (Alberti, Filarete, Vitruvio) ou dos utopistas (More, Campanella) pouco encarnou na reali- pack, mas em compensacdo fortificou aordem dos signa Peculiar capacidade Teitora, quando foi assumido pelo poder absoluto como o instrumento adequado 4 condugdo hierar- tins gis a48 conhace ume das cidedos conhece-e8 toes, de tl Nes sBo exatamente igual, exceto no que a matress do cat pede,” A CIDADE Das LETRAS 33 guica de impérios desmesurados. Ainda que se tratou de uma citcunserita e datada forma de cultura, sva influéneia desbor- daria esses limites temporais por alguns tracos Privativos de seu funcionamento:/a ordem dos signos imprimiu sua Poten- cialidade'sobre o re; fixando m Seno perenes, pelo meta ovigursat para que ainda sis Pe cnet Contemos em nossascidadesr mals at ee ming. cia de ver espotada sua meniaoen meememt assombrosa capacidade para Tearticular uma ‘nova, sem is nar sua primazia hierarquica e ainda se diria que robuste- cendo-a por outras circunstancias histéricas, aoe : das sus operaciones consistiu na evaporagio ¢ dé efetuar ent ‘fansportacdo ao universo das formes’ dem dos si beleceram o prim world, reliable knowledge of the past and freed’ from the Pervasive domination of myth” Cada vez mais, historiadores, economistas, filbsofos, Gontecem a incidéncia capital que & descaberte colonizagao Timon Hot IE Do desenvolvimento, nto somente aoe nomico mas também cultural da Eun na formulaco de ‘Sua nova cultura barroca. Se poderia di tio foi 9 campo de expetimentacio dessa f wultural, A Primeira aplicacto sistematica do sabe: barroco, instrumen. eBrelsnonia trates ~° Pela monarquia absolutay ’ 1 sc7a StEN Lm conte acon! do mundo, um contacinem Conti do passe elbeagso do dora ei Nowa ee EMtphtenent: a interpretation, The Rice of Modern Pagy. ‘nism, Nova lorque, The Norton Library, p. 36, ee ® i MM ANGEL RAMA fez no continente americano, exercitando seus rigidos prine‘- ios: abstracdo, racion: (0, sistematizacio, opondo-se A © individualidade, imaginagfo, inven¢&o local. De todo o conti- nente, foi no segmento que mito mais tarde terminaria ch: mando-se Latino, que se intensificou a fungdo prioritaria dos signos, associados e encobertos sob o absoluto chamado Espi- rito. Foi uma vontade que desdenhava as constrigbes objetivas da realidade e assumia um posto superior ¢ autolegitimado; desenhava um projeto pensado ao qual se deveria curvar a realidade. Essa concep¢ao nao surgiu, obviamente, da neces- sidade de construir cidades, ainda que estas tenham sido seus los privilegiados, os enclaves artificiais em que seu artificioso ¢ auténomo sistema de conhecimento podia funcionar com mais eficdcia. As cidades foram aplicagdes concret marco geral, a cultura barroca, que infltrou culminante na Monarquia espa- "A esses tragos se deve acrescentar as surpreendentes caracterfsticas da conquista de Terra Firme, “reperée, explo- rée et grossiérement saisie au cours des trois premiéres décen- nies du XV siécle a un rithme insensé, jamais égalé”.*"” Nas antipodas do critério de uma frontier progressiva, que regeria a colonizagao dos Estados Unidos" e a primeira época da gonquista do Brasil pelos portugueses, a conquista espanhola_ foi i ‘continente imenso, atré Yazio americano, 36 percorridas por aterrorizadas populagBes _ indigenas. Com uma mecanica militar, foram inicialmente os fortes que permitiram 0 avanco e seriam depois as correias de ‘transmissio da ordem imperial. Da fundagao do Panama por Pedrarias Davila (1519) & de Concepefon no extremo sul chi- (+) “Localizade, explorads e grosseiramente conauistada durante as és rimeras décadas do século XV num ritmo insensato, nunca igualade,” (17) Pierre Chaunu, L’Amérique et les Amériques, Pars, Armand Colin, 1964, p12. (18) Ver, no entanto, a obra de um discipulo de Frederick Jackson Tur er, aplicando suas tases & Américe Latina: Alistair Hennessy, The Frontier fy Latin America History, Albuquerque, University of New Mexico Press, 1978, ACIDADE DAs LETRAS as = Mais do que uma fabulosa conquista, ficou comprovado 0 triunfo das cidades sobre um it sconheci¢ Ho, reiterando a concepedo grega que opunha a sefitcey zada a barbarie dos nfo urbanizados, smunicagBes Q a, & claro, mi sentada As ve le propicio que dispunha de égua, ese rando. que ela_gerasse 0 desenvolvimento agricola, “sens eat ire fasciné — disse um historiador — par Uhistoire de Teiilles américaines qui poussent avant les campagnes, pont Je moins en méme temps qu'elles” *" Parte-se de instauragio do povoado, conforme normas preestab freqiient mente se transforma violentamente os que haviam sido cann Poneses na Peninsula Ibéri panizados, sem ir ica que Volto eee urbanizados, sem conseguir munea que voltem as suas tarefas primitivas: serio todos jz daleos, se atribuirdo o don nobilidrquico, desdenharie tea, Eat Gomi suas mios e si Sorat ea £1 mins América que crescem antes do cams ° See soe i er es San 1B et ewe Pies ean iormngrrene soln societies ce rena =H tat gd ee tg a ot te ESmrand Braudel, Chitzstion matérete, économie et capt Ave Xe site, 3, eterpedumende, Pate, Rinne Coan foros rieos sio fatores concomitantes, a paris ‘de que se vera o des; es (Sobretudo minciros), que nas eapitais dare yesdent 28 kites reais prolbindo o uso de career alos, estidos de seda, sem conseguir frear um apetie que, fixado Goma modelo na cabega dos povos pelos rice conquistadores, femtornitado arrasadoramente por toda a socicdase ines es. Fab tis baixos, tal como o viu Thomas Gage ain pito- resco Livro.” lato que as cidades barzocas da intempestiva conquista Brayfunelonario num vazio total. Como acinus Fernand Braudel em seu notével liv, quando deena a regras da cocrinteny minds, “le capitalisme et Uoonomie de Srercit coexistent, s'interpénctrent, sans toujours se confondre”*™ Ae tal forma que estas cidades irreais, desligadas das necessi- dades do meio, verdadeiros bareos, se nao extraterrestres, pelo menos, extraconti rao em seu beneficio as preexistentes redes indigenas, suas conas de cultivo, seus miereados € sobretudo a forga de trabalho que proporci Han A sbrupta insereao capitalista nao destay nomia de mercai 4 rants sul a come durante sécul dius ferocidade que patenteia a violencia da ay duzida na vida das comunidades indigenss, Se 40s campos, onde » opond via engendrada a barbérie. Para ele, # cidade era o tinico re- cr gaacaptalimo © a economia de mercado coexstem, so interpene- ‘tram, sem que por isso se I A CIDADE DAS LETRAS a Gravtculo possivel das fontes culturais européias (apeser de ‘We aeora ieriam passado de Madri a Pare) a partir das uais se construiria uma Sociedade civilizada. Para consegui- tana Gates det eee ibmeter 0 vasto territorio selvager onde se encontravam assentadas.{ A primeira delas, no obsessivo pe farmientiano, era as. Viveu para vé-lo e para pé-lo em pri. puderam Ser mais sivos, recinios amurados dentro do 0 esp Tito da polis e se ‘ideologizava limite o superior lestino Mizar que he avia sido assignado. Nao Bi oop ee text i iy texte lerdtios o transpusesse “para 0 divino”. como ier es se transformaram em nada menos que 9, 08 sete sacramentos da religiio catélies £ 9° Ainda que isolada dentro da imensidao espacial ¢ cul. S75) tural, alheia e host, competis ae ‘dominar e civilizar tural, alheia ¢ ho {sau eontomo, o que primeira se chames "oe liz pois “educar” “Ayeoroe ou “evangelizar” e de- B primer sera for cong lo espirito religioso e 0 segundo pelo leigo ¢ \Sstico, tra- fae sforeo de bans da ligao européia. Para esses fins, as cidades foram sedes de Vice-reis, Lac :, Audiéncias, Arcebispados, Universidades ¢ até Tribunais de Inquisigao, antes que fossem, depois da In- dependéncia, de Presidentes, Congressos, sempre Universi- abies eu 38 [ANGEL RAMA, dades e sempre Tribunais.« As instituic ir - ‘sobretudo desde il comecam a circular ‘oro- minas: subordinar einsubordinar =e ,@. Por definigio, toda ordem implica em uma hierarquia 2S¥ perfeitamente disciplinada, de tal as cidades ameri- Sy , Ss comecaram, desde o inicio, a ter uma estratificaco jue, apesar de suas mudangas, foi consistentemente rigida e {nspirada pelos maiores ou menores vineulos com o poder ‘ttansocefinico. Ocupavam o primeiro nivel as capital awinado (apesar de que 0 México, Lima e o Rio de Janeiro + confinuavam sendo as primeiras dentre elas); eram seguidas pelas cic fo circuito_da frota e depois pelas ca-_ z it escalonando as restantes_ ‘© somente em _hierarquia des- crescente, mas em subordinaeao directa 4 imediata anterior da dual devendiamAs cidades construfam uma pirimide, em gue cada uma rava tirar riquezas interic e€ ao ‘esi tempo propordonar lis nora ee seu servigo. Todas sabiam ‘que-acima delas estavam Sevilha, Lisboa ¢ Madri, mas praticamente ninguém pensou que ainda mais acima destas se encontravam Génova ou Amsterdam. Qs conflitos de jurisdicio foram incessantes ¢ simples epifenémenos da competicéo_dos diversos micleos urbanos para se colocar preferentemente na pirfimide ierarquica. Se, como sfimmanr provocadoramente or Sti” ¢ baesstand estava em decadéncia no momento da descoberta da América em 1492, e portanto, economicamente Madri constituia a peri- feria das metrépoles européias, as cidades americanas consti- .. tuiram a periferia de uma periferia. E dificil imaginar situa- ‘go mais rarefeita, em que um vasto conjunto urbano se or- dena como um expansivo racimo a partir de um ponto extra- continental que retine todo o Poder, ainda que aparentemente 0 exerga por delegagto a servigo de outro yedee eee que nosso assunto é a cultura urbana na America Latina, na Mmedida em que ela se assenta sobre bases materiais, nio ‘Po- (24) Stanley ¢ Barbara Stein, The Colonial Heriage of Latin Americe, ‘aus lorque, Oxford University Press, 1970, ACIDADE DAS LETRAS » demos deixar de consignar essa obscura trama econémica que estabelece poderosas dependéncias ‘Sucessivas, ao ponto de que numerosas agées decisivas que afetam as producées cul- turais, correspondem a operaces que quase chamariamos de inconscientes, que se tragam e resolvem fora do conhecimento € da compreensto do que sio apenas passivos executantes de longinquas ordens, os quais parecem agir fantasmagorica- mente como se efetivamente tivessem sido absorvidos Por essa. ordem dos signos que j4 ndo necesita da conjuntura real para se articular, pois deriva sobre seus encadeamentos internos, somente capazes de se justificar dentro deles. Falando de uma coisa t&o conereta como a servidio e a escravidio, Braudel aponta que “elle est inhérente au phénoméne de réduetion d'un continent la condition de périphérie, imposée par une force lointaine, indifférente aux sacrifices des hommes, qui agit selon la io- ique presque mécanique d'une économie-monde”.*"> estrutura cultural flutuava sobre a econémi FO indg-a sutilmente, dai que os espfritos mais licidos, os que mais freqtientemente foram condenados pelo ditado constitu- cional que se reyestia de ditado popular, se esforcavam para desvendé-la, indo além do centro colonizador para recuperar a fonte cultural que o abastecia obscuramente. Ja é evidente no desenho de El Bernardo que ocupa a vida inteira de Ber- nardo de Balbuena e que se torna explicito no prélogo de 1624, onde elege a fonte italina (o Boyardo, 0 Ariosto) apesar de que ainda para um tema espanhol. Como igualmente acon- tece, mais de dois séculos depois, na proposta de Justo Sierra Para evitar o “aqueduto espanhol”.¢ trabalhar a partir das fontes literdrias francesas que propiciaram, mais do que o modernismo, a modernidade, oscilantemente a servico do tema francés ou, com mais freqiéncia, do nacional. (+) “ela @inerente 20 fendmento de redugio de um continente 8 cond- (ede pariferia, imposta por uma forca dstante, inciferente aos acrficios dos omens, que age de acordo com a logica quase mecanica de ume econo, ‘mundo, ~ (25) Fernand Braudel, ob. cit, p- 398

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