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PROVA ESCRITA DE DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL Via Profissional CENTRO DE ESTUDOS JUDICIARIOS 38.2 CURSO DE FORMACAO PARA OS TRIBUNAIS JUDICIAIS AVISO N.2 15618/2021, PUBLICADO NO DIARIO DA REPUBLICA N.° 162/2021, 2.2 SERIE, DE 20 DE AGOSTO DE 2021 4 DE NOVEMBRODE 2021 14H15M 2.2 CHAMADA A PROVA INICIA-SE DECORRIDOS 15 MINUTOS APOS A HORA DESIGNADA (ARTIGO 12.2, N.2 1, DO REGULAMENTO INTERNO DO CENTRO DE ESTUDOS JUDICIARIOS) DURACAO DA PROVA: 4 HORAS PROVA ESCRITA DE DIREITO PENAL E DIREITO PROCESSUAL PENAL Via Profissional ~ 2.? Chamada 1- Para a presente prova disponibilizam-se as partes relevantes do seguinte conjunto de pecas processuais do processo com 0 NUIPC 2346/21.4TALSB: 1~Elementos existentes no Inquérito: 1. Dentincia 2. Auto de declaracdes de Assistente 3. Auto de Inquirigao de Testemunha 4. Auto de Inquiricao de Testemunha 5. Relato de Diligéncia Externa 6. Despacho de Validacao de Apreensao 7.Auto de Interrogatério nao Judicial de arguido detido 8. Relatério Veterinario 9. Auto de Declaracao de Testemunha 10. Certificado de Registo Criminal I Acusacao Particular e Acusa¢ao do Ministério Publico I= Requerimento de Abertura de Instrucao 2 Deve considerar-se que: I - Apés a apresentacdo de queixa, adiante referida em | 1., foi a denunciante regularmente admitida a intervir nos autos na qualidade de assistente pelo JIC, vindo o MP a delegar competéncia investigatoria na PSP, tendo sido realizadas as diligéncias documentadas nas seguintes pecas processuais: ~ _ Relatorio de Diligéncia Externa de 09.07.2021, contendo anexos Auto de Apreensdo, Auto de Constituicio de Arguido e TIR - Auto de Apreensdo de vergasta, lata e placard e de trés canideos datado de 09.07.2021 ~ Auto de Exame Direto de vergasta, lata e placard datado de 09.07.2021 - Despacho do MP de valida¢ao de apreensao de 09.07.2021 = Auto de Interrogatério nao Judicial de Arguido Detido a 09.07.2021 - _Relatorio Veterinario de 2021/07/14 - Autos de Inquiricio de testemunhas e Auto de Declaragées de Assistente I= Na data de 09.07.2021, no decurso de uma diligéncia externa realizada no local de ocorréncia dos factos denunciados, a PSP deteve o arguido em circunsténcias reputadas de flagrante delito de crime de resisténcia e coagao sobre funcionario, p. € p. nos termos do artigo 347.2, n.2 1, do CP, na sequéncia do que, na mesma data, foi o arguido — assistido por defensor oficioso nomeado para 0 ato ~ sujeito a interrogatério ‘no judicial de arguido detido no termo do qual o MP determinou a sua libertacao por entender inexistirem exigéncias cautelares que impusessem a aplicagdo de medida de coagao diversa de TIR Ill - Findo 0 inquérito foi requerida a abertura de instrucao pelo arguido, a qual foi admitida, n3o tendo sido realizados atos de instruc3o para além do debate instrutorio, que decorreu com observancia do formalismo legal, concluindo o MP e a Assistente pela prontincia do arguido e este pela procedéncia dos argumentos que fez constar do requerimento de abertura da instrucao e, a final, pela no pronincia IV = N30 houve oposicao dos sujeitos processuais nem foi solicitado prazo suplementar (no caso de entender que da instrugao resulta alteracao da qualificago juridica dos factos ou alterac3o nao substancial destes) devendo considerar-se que o arguido se opés a qualquer eventual proposta de alterago substancial dos factos que possa haver sido suscitada na fase de instruc. 3 - A presente prova consiste na elaboracdo de uma Decisdo Instrutéria a ser proferida nos Autos de Instrucdo com 0 NUIPC 2346/21.4TALSB, devendo ser apreciadas todas as questdes juridicas suscitadas no Requerimento de Abertura de Instruc3o ou que sejam de conhecimento oficioso, ainda que a procedéncia de quaisquer questées suscitadas no RAI prejudicasse, na pratica, 0 conhecimento subsequente de outras. 4- Caso se entenda pronunciar 0 arguido, a descri¢ao dos factos a imputar-the pode ser feita, sempre que possivel, por remissao para os textos das acusaces particular e/ou piiblica Exemplo 1 Artigo 1.2 da acusagao publica 2+ Artigo 2.2 da acusacao particular 3+ Artigo 3.2 da acusacao particular Ete 5- Apesar de a prova consistir na elaboragao de uma Decisao Instrutéria, no poderd conter qualquer assinatura, ainda que ficticia, pelo que, no final da peca, as/os candidatas/os sé deverao escrever as palavras seguintes: “Data” “Assinatura”. 6— Cotacdo: 20 valores A Cotacao reporta-se as questdes suscitadas no Requerimento de Abertura de Instrucdo que deverdo ser objeto de decisio: © A-Svalores * B-4 valores © C-3 valores * D-4,5 valores * Componentes estruturais da decisdo ~ 3,5 valores. 7- A atribuigao da cotagao maxi ja nesta prova pressupde um tratamento completo das varias quest6es suscitadas ou de conhecimento oficioso, que deverd ser coerente e corretamente fundamentado e com indicacao dos preceitos legais aplicaveis. 8- Na apreciacdo da prova relevario, nomeadamente, a pertinéncia do contetido, a qualidade da informacao transmitida em relacao questo colocada, a organizaca0 da exposigio, a capacidade de argumentaco e de sintese e 0 dominio da lingua portuguesa. 9- 0s erros ortogréficos sero considerados negativamente: 0,25 por cada um, até um maximo de 3 valores (Ponto 6.3.1 do Aviso n.2 15618/2021, publicado no Diario da Republica,2® série, n.2 162, de 20 de agosto). 10 - A incorrego linguistica (sintaxe e pontuagio) do texto redigido pelo/a candidato/a sera penalizada com uma reduc¢ao da nota atribuida até um maximo de 3 valores, para o total da prova (Ponto 6.3.3 do Aviso n.2 15618/2021, publicado no Diario da Republica, 2? série, n.2 162, de 20 de agosto), 11- As/os candidatas/os que na realiza¢do da prova nao pretendam utilizar a grafia do “Acordo Ortogréfico da Lingua Portuguesa" (aprovado pela Resolugo da Assembleia da Republica n.2 26/91 e ratificado pelo Decreto do Presidente da Republica n.° 43/91, ambos de 23 de agosto), deverao declaré-lo expressamente no quadro "Observacoes" da folha de rosto que Ihes sera entregue, escrevendo "Considero que o Acordo Ortogréfico aprovado pela Resolucdo da Assembleia da Republica n.° 26/91, nao esta em vigor com cardcter de obrigatoriedade", sendo a prova corrigida nesse pressuposto. 12 = As folhas em que a prova é redigida néo podem conter qualquer elemento identificativo da/o candidata/o (a identifica¢ao constard apenas do destacavel da folha de rosto), sob pena de anulacao da prova ELEMENTOS CONSTANTES DO INQUERITO 1. Denuincia Data: 2021.07.01 Extrato: “A Associagao Criagao Feliz, com o NIPC n.2 500000001, com sede na Avenida Almirante Reis, n.° 178, Freguesia de Arroios, em Lisboa, vem, por este meio, apresentar denuincia contra Manuel André Adio, maior de idade, sem ocupacao conhecida, que usa pernoitar nas arcadas do prédio sito n.° 180 da Avenida Almirante Reis, porquanto: O referido individuo é um “sem-abrigo” que, pelo menos desde Abril de 2021, costuma permanecer na morada acima referida, local onde amontoou varios caixotes de cartio, normalmente usados para o acondicionamento de grandes eletrodomeésticos onde guarda os seus haveres (malas, cobertores, colchao, entre outros objetos pessoais), usando tal estrutura improvisada e precaria que montou na via publica como abrigo e resguardo, ali pernoitando e ali permanecendo, a maior parte do dia, no seu interior. No referido local encontram-se outros sem-abrigo, os quais, desde o inicio da pandemia, ali montaram tendas de tipo “iglo” ou estruturas semelhantes as usadas pelo denunciado. © denunciado encontra-se sempre acompanhado de, pelo menos, trés cdes de pequeno, médio e grande porte, respetivamente. Sendo o mais pequeno de raca “chihuahua”, o de porte médio de raca “cocker spaniel” e 0 de porte grande de raga “castro laboreiro”. Os referidos animais dao-se pelo nome de “Canito”, “Cio” e “Canzarrao”. © denunciado, desde, pelo menos, meados de abril deste ano, faz uso do cio ‘mais pequeno (“Canito”) para a atividade de mendicidade, tendo ensinado o animal a manter presa na boca, por um cordel, uma lata de salsichas na qual os transeuntes vio depositando moedas. Para ensinar 0 animal a permanecer com 0 referido objeto na boca, 0 denunciado usa uma vergasta de vime com a qual o chicoteia no dorso sempre que 0 mesmo larga a dita lata. ‘Também 0 co de grande porte é usado na referida atividade de mendicidade pelo denunciado que o obriga a envergar dois cartazes de contraplacado presos ao dorso com os dizeres: “Abaixo 0 Covid, viva a Co-Vida: em casa improvisada no hé pao nem hd razdo, ajudem 0 meu dono para que o canito possa ser um canzarrao”. Este Ultimo animal é obrigado pelo denunciado a usar as placas mesmo em dias, de extremo calor 0 que, aliado ao seu tipo de pelo abundante, o deixa muitas vezes prostrado. Quando o animal da mostras de cansago e se deita, sucumbindo ao calor e a0 peso dos cartazes, 0 denunciado (normalmente deitado no chao) cutuca o animal ‘com pontapés na zona ventral para que este permaneca em pé a fim de os cartazes se manterem legiveis. 48 0 cocker (0 “Cdo”) parece ser, de entre os trés, 0 mais protegido pelo denunciado que passa o dia agarrado ao referido animal, usando-o como uma espécie de almofada, subjugando-o ao seu peso corporal. Todos os referidos animais passam o dia inteiro junto ao denunciado, sem qualquer atividade fisica, muitas vezes sob um sol intenso e sem que thes seja dada ‘gua ou comida por aquele, fazendo o denunciado uso das moedas que vai recebendo, no para comprar comida para si e para os animais, mas antes para comprar vinho. Por vezes, 0 denunciado chega mesmo a partilhar vinho com os animais, e sé a noite recebe de uma associagao que trabalha com “sem-abrigo” uma merenda composta de uma sandes, uma peca de fruta e sopa, merenda que come integralmente sem partilhar com os animais, ndo procurando qualquer solucao nutricional adequada aos seus companheiros animais Na sequéncia de tais atos, os animais encontram-se com evidentes sinais exteriores de desidratacdo e subnutri¢ao, apresentando feridas e falhas na pelagem causadas por parasitas e pelos atos de violéncia que Ihe sao infligidos pelo denunciado. A ora denunciante, através dos seus voluntarios, ja por diversas vezes deixou no local amostras promocionais de comida para cdo que angaria junto de empresas patrocinadoras e amigas da “causa animal”, tentando, por diversas vezes, abordar 0 denunciado a fim de o sensibilizar para a necessidade de cuidar dos caes, oferecendo- se para os recolher para adocao, o que este sempre negou, de forma muito agressiva, dizendo que os cdes so dele. Como culminar de todo este processo, no passado dia 28 de junho, numa dessas abordagens feitas pela presidente da associac3o denunciante, Alice Carneiro Urbano, abaixo indicada como testemunha, e referindo-se 4 Associacao denunciante, 0 denunciado proferiu as seguintes expressdes: “deixem-me em paz, essa associacao Criagdo nao sei das quantas é completamente nazi, tanto amor animal e andam com sapatos de pelica, pode ser que ainda Ihes tenham que comer a sola como o Charlot se tiverem o azar de cair na rua como eu”. A referida expressao foi ouvida por varios transeuntes e comerciantes locais que logo a associaram a Associagao denunciante, porquanto a voluntéria envergava o colete identificativo respetivo. Tal expresso, associando a atividade da denunciante 20 partido nazi ¢ objetivamente ofensiva da pretensio de respeito e honorabilidade e do bom nome da denunciante, associag3o que nos seus estatutos tem por missao defender todos os animais, sejam eles racionais ou irracionais, bem como qualquer criatura viva, nao discriminado entre seres vivos, em nada se assemelhando a sua atividade a politica discriminatoria na: Por entender que os factos acima referidos itegram crime de maus tratos animais, p. e p. nos termos do artigo 387.2, n.° 1, do CP e crime de caliinia, p. e p. nos termos dos art®s 1872, 1812, n®1 e 1832, n21, vem a denunciante manifestar desejo de procedimento criminal contra o denunciado. Desde jé requer a sua constituicdo como assistente, juntando procuragao a favor do mandatério signatario e comprovativo do pagamento de taxa de justica devida. Assinatura: Geraldo Rato, Advogado Junta: Prova + Alice Carneiro Urbano, presidente da Associag3o denunciante, e com domicilio profissional no n.2 178 da Avenida Almirante Reis, em Lisboa; - Gabriel Serafim Pardal, com domicilio profissional na mesma sede; ~ Raj Manoj Singh, com domicilio profissional na Avenida Almirante Rei: 182, em Lisboa; - 5 registos fotograficos do local, onde se retrata o denunciado, as estruturas de cartao e tenda ali montadas e os trés animais, sendo visivel 0 uso dos referidos animais na atividade de mendicidade nos termos acima descritos. - Estatutos da associacao denunciante (...) wuto de declaragdes de assistente Data: 2021/07/05, Legal representante da assistente: Alice Maravilhas Carneiro Urbano Extrato: “E Presidente da Direcdo da associacéo denunciante. Confirma na integra a dentincia oportunamente apresentada, por si e em representagdo da associagdo, mantendo a intengdo de proceder criminalmente contra 0 denunciado (...)” \uto de Inquiricdo de testemunha Data: 2021/07/05 ‘Testemunha: Gabriel Serafim Pardal Foi informado que, caso declare ou ateste falsamente a autoridade publica ou a funcionério no exercicio das suas funcdes identidade, estado ou outra qualidade a que a lei atribui efeitos juridicos, préprios ou alheios, 0 podera fazer incorrer em responsabilidade penal Verificam-se as condig6es do artigo 134.2, n.2 1, do CPP? - Nao Extrato: “E membro da direcdo da associagéo denunciante, exercendo os fungées de tesoureiro. E amigo da Dra. Alice Urbano hd mais de 20 anos, quando entGo se conheceram numa outra associagdo de defesa dos direitos dos animais. Ambos tém uma vida dedicada 4 causa animal. Passa numa base praticamente didria junto ao local onde o denunciado costuma pernoitar e permanecer na companhia dos canideos, dedicando-se a mendicidade, e péde constatar, assim, a veracidade dos factos denunciados dado que a eles também assistiu em diversas ocasiées. A Dra. Alice ficou muito agastada com a situa¢Go, ndo s6 pela crueldade com que 0 denunciado trata os animais mas também pelas palavras que aquele Ihe dirigiu, principalmente apelidando a associa¢Go de nazi. Somos uma associagao com pergaminhos na defesa dos direitos dos animais, com muito esforco e 0 empenho desinteressado de todos os membros, a titulo absolutamente gratuito, sentindo-se revoltado com a associacao feita pelo denunciado 4G ideologia nazi (..)”. Testemunha: Raj Manoj Singh Foi informado que, caso declare ou ateste falsamente a autoridade publica ou a funcionério no exercicio das suas fungées identidade, estado ou outra qualidade a que a lei atribui efeitos juridicos, préprios ou alheios, 0 poderd fazer incorrer em responsabilidade penal Verificam-se as condigdes do artigo 134.2%, n.2 1, do CPP? - Nao Extrato: ‘Explora o minimercado Nova Deli, sito na Av. Almirante Reis, n.? 182. Desde 0 inicio do corrente ano e particularmente a partir da Péscoa, varios individuos sem-abrigo passaram a pernoitar e a permanecer durante o dia debaixo de umas arcadas do prédio vizinho aquele onde se situa 0 seu estabelecimento. Sao individuos que se dedicam 4 ociosidade, passando os dias a beber e a incomodar os transeuntes. Alguns vivem em tendas e outros numa espécie de quartos feitos de caixotes. Entre aqueles hé um que se destaca pela negativa, 0 Manuel André Adéo, individuo muito falador, hostil e arrogante, e que até com os outros sem-abrigo dé ‘mostras de superioridade, tendo o depoente assistido a algumas discussées deste com ‘05 outros sem abrigo por ser muito cioso do seu espa¢o, nao permitindo que outros entrem no seu caixote que mantém sempre isolado e fechado, local onde quarda o colchGo velho onde dorme, as suas roupas, malas, livros e até molduras com {fotogrofias. Anda sempre na companhia de trés ces. O mais pequeno trata-o como se fosse um animal de circo, com uma lata na boca para que as pessoas ali coloquem moedas. Se 0 bicho se cansa, 0 mencionado Manuel André bate-lhe com uma vergasta, para que permaneca em duas patas e faca macacadas para as pessoas se condoam ou encantem e coloquem a moedinha na lata. O céo maior parece um condenado, a carregar umas placas de madeira com dizeres revoluciondrios que agora ndo recorda ‘mas que mencionam a COVID e que faz parelha com o pequenito. Se o bicho arreia, 0 denunciado da-Ihe pontapés para que se levante e as pessoas possam ler os placards. Odo meio é a almofada de servigo. Nao sabe como os bichos sobrevivem jd que nunca os vé comer ou beber. Quando muito bebem vinho, que é sempre a bebida que 0 denunciado tem mais 4 méo. 0 depoente jé tentou dar qualquer coisa aos animais mas 0 denunciado néo deixa, Em dia que no consegue precisar mas que situa no final do passado més de junho, 0 denunciado maltratou uma senhora de uma associagao de defesa animal, que estava a chamé-lo @ atencdo pela forma vergonhosa como trata os animais e ele ofendeu a associa¢ao, chamando-Ihe nazi, ou coisa do género. Entretanto, aquela zona onde eles estdo esté uma vergonha, cheia de lixo e de dejetos dos bichos. J6 folou com os funcionérios da cémara que fazem a recolha do lixo a ver se déo ali umas mangueiradas. Como aquele grupo, onde estd o André, é muito insistente e incomodativo para as pessoas, a permanéncia dos mesmos naquele espaco prejudica o seu negécio. Hé pessoas que até mudam de passeio para ndo passarem ali e serem abordadas e, por causa disso, deixam de passar junto do seu negécio. (...)” 5. Relatério de diligéncia externa Data: 2021/07/09 Entidade: Policia de Seguranga Publica Local da diligénci: : Avenida Almirante Reis, junto ao n.2 180 Extrato: “Aos nove dios do més de julho de 2021, pelos 10h00, por determinagdo superior, eu Agente Jodo Tiago Rato, na companhia do Agente Berto Barata, desloquei-me ao local indicado na deniincia que deu origem aos presentes autos como local da pratica dos factos investigados, designadamente as arcadas do prédio com 0 n.2 180 da Avenida Almirante Reis nesta cidade de Lisboa. No referido local foi localizado e devidamente identificado 0 suspeito como sendo Manuel André Adgo, nascido a (...) Mais foram localizados e identificados os referidos trés canideos, conforme descri¢do e reportagem fotogréfica anexa ao presente Relatério. © local consiste numa espécie de acampamento improvisado onde se encontram montadas duas tendas tipo iglé e varias estruturas de cartdo no interior das quais se encontravam cobertores, almofadas, sacos e malas contendo os pertences dos referidos individuos. O suspeito e os seus trés cdes encontravam-se junto a umas destas estruturas de cartdo instaladas na via publica, a qual se encontrava protegida e acondicionada por um cobertor florido preso com molas 4 estrutura do prédio. No local inexistiam quaisquer recipientes do tipo comedouro ou bebedouro para animais, ndo foram localizados quaisquer alimentos para canideos, ou de qualquer outra espécie, exceto varias embalagens de vinho — tipo tetra pack — vazias. Junto ao local onde se encontravam os canideos e o suspeito foi possivel identificar vérios dejetos humanos e de cds, bem como identificar um forte cheiro acidulado a urina. Os referidos animais encontravam-se com um ar subnutrido e desidratado, opresentando-se pouco reativos ao contacto humano, sendo visiveis varias feridas vivas e sem tratamento na pele e abundantes falhas na pelagem. Usavam coleira com 05 respetivos nomes e um nuimero de telefone que o suspeito referiu ter sido seu em tempos. Nao tém “chips”. O suspeito nao apresentou qualquer documentagao relativa a0s referidos canideos. No decurso da presente diligéncia, 0 ora arguido, cerca das 10H35m, a fim de obstar a que 0 autuante examinasse o interior do caixote com as caracteristicas acima referidas e que havia instalado na via publica, no momento em que o autuante se encontrava a descerrar a entrada para o mesma, levantando o cobertor que o vedava, e introduzindo-se no seu interior, agarrou o autuante pelos ombros e, com fora, projetou-o para longe do caixote, na sequéncia do que 0 ora autuante se desequilibrou € apenas néo caiu porque foi prontamente amparado por um cidadéo que por ali se encontrava, Raj Manoj Singh, testemunha ja identificada e ouvida nos autos. Na sequéncia do que, cerca das 10H40m, por se entender a referida conduta integradora de crime p. e p. nos termos do artigo 347.2, n.2 1, do CP, e com vista d sua imediata apresentacéio @ Autoridade Judiciéria, foi o suspeito constituido arguido, sujeito a TIR (tendo indicado a morada de casa dos pais para efeitos de notifica¢ao), sendo-lhe dada voz de deten¢ao nos termos do artigo 254.2, n.? 1, al. a), 255.2, n.2 1, al. a), 256.2, n.2 1, todos do CPP — tudo conforme TIR e Auto de Constitui¢do de Arguido Anexos. Foram ainda localizados e cautelarmente apreendidos, ao abrigo do disposto no artigo 249.2, n.° 2, al. c), do CPP e 2512, n® 1, al. a), todos do CPP, por se revelarem de interesse para a prova a realizar nos autos, no interior do caixote onde se encontravam outros haveres do arguido: 2 placards de contraplacado com caracteristicas iguais aos placards referidos na queixa; uma vergasta de vime; e uma lata de salsichas marca “Toneca” contendo aposto um arame preso com o formato e funcdo de “alga” ~ cfr. auto de apreensao anexo. Considerando o estado dos referidos animais, e com vista 4 sua sujei¢éo a exame veterindrio, foram os mesmos cautelarmente apreendidos, ao abrigo do artigo 249.2, n.® 2, al. c), do CPP, os trés canideos identificados, conforme auto de apreensGo anexo. Do “caixote” foi feita a seguinte fotografia: Fotograme 1 Despacho do Ministério Puiblico que validou a Apreensao (2021/07/09) “Nos termos conjugados dos artigos 178.2, n.2s 1, 4, 5 e 6, todos do CPP, valida- se a apreensdo dos (3) objetos e (3) animais efetuada nesta data pela PSP e ora comunicada juntamente com a apresentacao de arguido detido, porquanto os referidos objetos consubstanciam instrumentos de crime de Maus Tratos a Animais de Companhia e o objeto da pratica dos mesmos. ‘Ao abrigo do disposto do artigo 185.2, n.2 1, do CPP, e por se considerarem, para os presentes efeitos, os animais apreendidos como “coisa de natureza perecivel”, desde ja se determina a sua imediata entrega a Associacao Zo6fila Rainha Vitéria, NIPC 500000002, com sede em (...), a qual desde ja se nomeia fiel depositaria nos presentes autos, autorizando a mesma a proceder a afetaco dos referidos animais a fim socialmente util, designadamente a adocao.” wuto de interrogatério nao judicial de arguido detido Data: 2021/07/09 ‘Arguido: Manuel André Adao Extrato: “(...) Admite ter agarrado e empurrado o agente da PSP que no dia de hoje entrou no local onde habita, 0 que fez quando 0 mesmo, sem a sua autoriza¢ao, abriu 0 cobertor que vedava a entrada para 0 caixote de cartdo onde dorme e guarda todos os seus pertences e colocou a cabega e parte do tronco no seu interior. Fé-lo porque lhe disse para Ihe mostrar 0 mandado de busca, e este ainda se riu dizendo que 0 arguido estava na via publica e que néo hé mandados para a via publica. Quando empurrou o agente para fora da sua habitagao, foi logo detido pelo outro agente mais baixo que também ali também se encontrava. A PSP vasculhou as suas coisas todas e foi no interior da estrutura que construiu com caixotes de frigorificos, onde dorme todos os dias hé mais de dois meses, que encontraram a vergasta, a lata e 0 placard apreendidos. Também lhe aprenderam de seguida os seus cdes que se encontravam consigo na rua. Foi parar 6 rua por no poder pagar a renda da casa onde habitava depois da empresa de produgéo cultural onde trabalhava ter encerrado na sequéncia da Estado de Emergéncia; ainda viveu durante uns tempos na casa dos seus pais na Avenida da Igreja, n.° 73, 1.° Esquerdo, Alvalade, Lisboa, mas acabou por sair dali, em principios de Abril de 2021, por desavencas com os mesmos. Desde entdo reside na rua, costumando permanecer na Avenida Almirante Reis numas arcadas de um prédio onde se encontram outros sem-abrigo. Nao se recorda do niimero do prédio, mas é proximo da agéncia da Caixa Geral de Depésitos, antes do restaurante “Portugdlia”; frequentou 0 1.2 ano de Filosofia na UL; neste momento nao usufrui de qualquer apoio da Seguranca Social e néo é elegivel para apoios & cultura porque descontava com o CAE errado; assume ter problemas de dependéncia de dlcool que se agravaram apds ter ficado sem atividade laboral; nega a intengéo de maltratar os animais... tém todos a mesma vida... n@o tem dinheiro nem para a sua alimentacao nem para cuidados médicos; também tem pulgas e come mal... dé vinho aos ces porque alimenta e é bom para a satide; no compra comida para os cées como néo compra para si proprio; admite ter chamado nazis aos da associa¢ao mas era sé para que o deixassem em paz, porque o andavam a incomodar todos os dias desde hd uns tempos atrés. Refere que Ihe choca como ser humano a excessiva preocupagéo que estes manifestam pelos animais e o total desprezo e indiferenca que parecem nutrir pelos sem-abrigo. Referiu a palavra “nazis” com espirito critico e nunca ofensivo uma vez que é sabido que Hitler era vegetariano apesar de ter feito o que fez a judeus, ciganos e outros. Entende que nada mais fez sendo exercer a sua liberdade de expresso, ainda que, admita, de forma algo contundente. Numa outra ocasidio em que a denunciante entabulou conversa com ele até Ihe contou, em jeito de provocagdo, a seguinte anedota pora the manifestar incoeréncia das suas atitudes: “Era uma vez um czar naturalista que cagava homens. Quando Ihe disseram que também se cacam borboletas e andorinhas ficou muito espantado e achou uma barbaridade”. A partir desse dia a denunciante e os voluntérios da associagGo ainda o passaram a chatear mais. Nega bater aos seus animais. A vergasta que Ihe foi apreendida usa-a para brincar com os cdes e, muito roramente, para os educar sempre que ladram as pessoas que passam ou fogem para a estrada; as ferides que os mesmos apresentam séo causadas por alergia as pulgas. 8. Relatério veterindrio Data: 2021/07/14 Entidade emissora: Clinica Médico-Veterinaria Patudos e Latidos Extrato: “Procedi ao exame de trés canideos nas instalagées desta clinica. (..) os animais apresentam-se em mau estado geral, magros, imunodeprimidos, subnutridos e desidratados. Foi constatada, em todos eles, a existéncia de pequenas pustulas, com halos avermethados e um quadro descamativo geral com evidentes e extensas perdas de pelo, sendo notadas escoriacdes dispersas com origem provével em auto-traumatismo provocado pela intensificacdo do prurido associado. Foi observado 0 reflexo Pinnal-Pedal sugestivo de infestacéo Sarcoptes Scabiei, pelo que foram efectuadas raspagens cuténeas para comprovacéo da suspeita, sendo ao exame microsedpico confirmada a presenca dos dcaros em suporte do nosso diagndstico de sarna sarcéptica. (...) Em todos os animais foi igualmente confirmada a presenca de pulgas e carracas. (...) é igualmente notada a presenca de parasitas intestinais. (...) Nenhum dos animais foi vacinado. (...) 0 mais pequeno e o de porte maior revelam sinais evidentes de ansiedade. O de porte médio é um co com postura prostrado, ndo reativo e ausente. (..) Sd0 animais evidentemente negligenciados. Por ser verdade assino (...) Altino Carqueja - Médico-Veterindrio. Auto de Inqui de testemunha Data: 2021/09/05 Testemunha: Altino Carqueja Foi informado que, caso declare ou ateste falsamente a autoridade publica ou a funcionario no exercicio das suas fungdes identidade, estado ou outra qualidade a que a lei atribui efeitos juridicos, préprios ou alheios, 0 podera fazer incorrer em responsabilidad penal 2, 0, Extrato: “£ médico veterindrio, exercendo as suas fungdes na Clinica Médico- veterindria Patudos e Latidos, tendo contratada uma avenca com a Associa¢Go Zodfila Rainha Vitéria. Confirma o teor do relatério por si elaborado em 14/07/2021 e junto 0s autos. Os animais que observou terdo sido retirados ao denunciado e estavam, efetivamente, muito maltratados, conforme fez notar naquele documento. Nao encontrou marcas fisicas que possa, com certeza, atribuir a agressées, designadamente de vergastadas ou de pontapés, jé que os animais tém zonas de pelada e piistulas por infecdes oportunistas que naturalmente mascaram essas evidéncias de agressies, se existissem. Ndo exclui que possam existir tais agressdes, tendo em conta o estado fisico geral dos animais por si examinados, bem como o seu estado animico, de desconfianca para com os seres humanos € o receio que demonstram quando se procura a interacdo. (J 10. Certificado de Registo Criminal Data: 2021/10/01 Entidade emissora: Ministério da Justiga — Dire¢do-Geral da Administracio da Justiga ~ Sistema de Informacao de Identificagao Criminal Extrato: “Manuel André Addo (..) Noda consta acerca da pessoa acima identificada” eats ve ely Vala e et ACUSACAO do MINISTERIO PUBLICO Em Processo Comum, perante Tribunal Singular, vem a assistente “Criac3o Feliz”, associa¢o com o NIPC n.° 500000001, mais bem identificada nos autos, deduzir acusagao contra: Manuel André Addo, nascido a 09/05/1971, natural de S. Domingos de Benfica, filho de Maria Eugénia Teixeira Ad3o e de Anténio Alberto Freitas Addo, com ultima residéncia conhecida em Avenida da Igreja, n.° 73, 1.2 Esquerdo, Alvalade, Lisboa, sem ‘ocupagao conhecida, titular do cartao de cidadao n.2 09871822, porquanto se indicia suficientemente nos autos que: 1. © arguido é um sem-abrigo que, desde abril de 2021, reside, juntamente com outros sem-abrigo, nas arcadas do prédio sito no n.2 180 da Avenida Almirante Reis, nesta cidade de Lisboa, numa espécie de acampamento improvisado. 2. Ali vivendo com trés ces, aos quais nao dispensa quaisquer cuidados alimentares ou veterinarios. 3. Batendo-Ihes em varias ocasiées e usando-os na atividade de idade. men 4, Na sequéncia da relagdo anémala que estabelece com os animais, desde abril de 2021, varios voluntarios da assistente, cuja sede se situa préximo do local onde o arguido usa permanecer, abordaram em variadas ocasides 0 ora arguido no sentido de o sensibilizar para a necessidade de prestar um tratamento condigno aos referidos animais. 5. No dia 28 de junho, pelas 10h30m, Alice Maravilhas Carneiro Urbano, Presidente da Direcao da assistente “Criagao feliz”, envergando o colete identificativo da mesma, e atuando na prossecucao do respetivo escopo social, abordou o arguido Manuel Aires Coelho junto ao n.2 180 da Avenida Almirante Reis, procurando convencé-lo a entregar os referidos animais para adocao e sensibilizando-o para a necessidade de prestar cuidados de saude e alimentares aos mesmos. 6. Ao que o arguido Manuel André Adao reagiu de forma irada proferindo em tom de voz elevado, com foros de seriedade, as seguintes expressdes: “deixem-me em paz, essa associagdo Criagdo néo sei das quantas é completamente nazi, tanto amor animal e andam com sapatos de pelica, pode ser que ainda Ihes tenhham que comer a sola como 0 “Charlot” se tiverem o azar de cair na rua como eu”. 7. As referidas palavras foram ouvidas por varios transeuntes e comerciantes locais. 8. A expressao utilizada, proferida nos moldes em que 0 foi pelo arguido, numa artéria. da cidade muito movimentada, _revelou-se particularmente lesiva da honra e do bom nome da assistente porquanto ouvida por varios transeuntes e comerciantes locais. 9. Incorporando, ademais, uma inveracidade, porquanto totalmente oposta ao escopo coletivo e estatutario da assistente: promover uma convivéncia intra-espécies fraterna e igualitdria, no. discriminando quaisquer seres vivos. 10.0 arguido atuou bem sabendo da inveracidade das imputacées realizadas contra a assistente. 11. Atuando nos referidos moldes apesar de saber proibida por lei a referida conduta. ‘Assim incorrendo na pratica, como autor material, e a titulo doloso, de um crime de Ofensa a Organismo, servico ou pessoa coletiva, p. € p. nos termos dos artigos 14.2, n.2 1, 26.8, 187.2, n.2 1 n® 2, por referéncia aos artigos 1819, £1, al. a) eb) do CP. 183.2, e1e PROVA: ‘TESTEMUNHAL: Alice Maravilhas Carneiro Urbano, com domicilio profissional na sede da assistente, sita non. 178 da Avenida Almirante Reis, em Lisboa; Gabriel Serafim Pardal, com domicilio profissional na mesma sede; Raj Manoj Singh, com domicilio profissional no minimercado “Nova Deli”, sito no n.2 182 da Avenida Almirante Reis; DOCUMENTAL: Estatutos da Assistente — folhas... ; # (5) Registos Fotograficos — folhas... © Ministério Publico acompanha a acusacao particular e deduz acusa¢ao publica para julgamento em proceso comum e perante Tribunal Singular, ao abrigo do artigo 16.2, n.2 3, do CPP, contra: Manuel André Addo, nascido a 09/05/1971, natural de S. Domingos de Benfica, filho de Maria Eugénia Teixeira Addo e de Antonio Alberto Freitas Adao, com ultima residéncia conhecida em Avenida da Igreja, n.° 73, 1.2 Esquerdo, Alvalade, Lisboa, sem ocupacéo conhecida, titular do cartao de cidadao n.° 09871822 porquanto indiciam suficientemente os autos que: 1. O arguido desde abril de 2021, na sequéncia de uma situacao de desemprego, passou a residir na rua, mais precisamente na Avenida Almirante Reis, em Lisboa, nas arcadas do prédio com 0 numero de policia 180 (cento e oitenta) daquela artéria. 2. Mantendo consigo trés ces, de sua pertenca, a que deu o nome de “Canito”, “C40” e “Canzarrao”. 3. Usando, desde meados de tal més, os referidos animais na atividade de mendicidade a que passou a dedicar-se. 4. Obrigando o canideo de nome “Canito” a segurar, através de uma corda presa na boca, uma lata destinada a recolher as moedas dadas pelos transeuntes. 5. Batendo-lhe, por diversas vezes, sempre que 0 mesmo largava a lata, golpeando-o no dorso, com uma vergasta de vime com cerca de 60 cm de comprimento. 6. Como consequéncia direta e necesséria de tais vergastadas, resultaram dores para 0 “Canito” assim como diversas feridas na pelagem. 7. Na mesma ocasido de tempo e lugar, 0 arguido obrigou o "Canzarréo” a envergar no dorso duas placas de contraplacado, com cerca de 50 cm de 10. 1. 22. 13. 14, 15. comprimento e 20 cm de largura, e uma espessura de 2,5 mm, com o peso total de 4 Kg e com os seguintes dizeres: “Abaixo 0 Covid, viva a Co-Vida: em casa improvisada ndo hd pao nem hd razdo, ajudem 0 meu dono para que o canito possa ser um cdozarréo” Na sequéncia do que, em diversas ocasides, 0 referido canideo veio a sucumbir 20 peso das placas, caindo prostrado no chao, altura em que o arguido the desferiu varios pontapés na zona ventral para que o mesmo se levantasse permanecesse em pé a fim de que os dizeres das placas fossem visiveis a quem passasse, Como consequéncia direta e necessaria de tais pontapés, resultaram dores para o “Canzarrao”, o qual gania em tom elevado sempre que tal sucedia, arguido, durante o periodo de tempo compreendido entre abril e 09 de julho de 2021, nao dispensou quaisquer cuidados de alimentagdo e veterinarios aos referidos c&es, fazendo uso das esmolas que recebia na atividade de mendicidade acima descrita para a aquisicao de vinho. Dando a ingerir, em diversas ocasides, vinho aos referidos animais como se de um alimento adequado para caes se tratasse. Deixando os trés ces, muitas vezes, ao sol, sem Ihes dar dgua Limitando-se a providenciar-Ihes, de quando a quando, alguma comida que Ihe era dispensada pelos voluntarios da Associa¢ao “Criagao Feli2”, assistente nos presentes autos. Como consequéncia direta e necessaria de tal conduta do arguido, os referidos ces apresentavam-se a data de 09.07.2021 num estado grave de subnutri¢do e desidratagao. Nao curando, igualmente, de Ihes dispensar cuidados de higiene e saude, apresentando-se os referidos animais, como consequéncia direita e necessaria de tal conduta, a data de 09.07.2021, infestados de parasitas como pulgas e carragas. 16. 17. 18. 19 20. 21, 22 23. ‘Adotando tais condutas por motivos egoistas e de posse sobre os referidos animais, recusando a sua entrega aos voluntérios da Associagao “Criaturas Felizes”, os quais, por diversas ocasiées, entre abril e julho de 2021, Ihe propuseram recolher os referidos animais a fim de serem entregues para adocdo a candidatos capazes de thes dispensarem os adequados cuidados de alimentacao, sadde e higiene. Ao adotar as referidas condutas o arguido agiu livre, voluntaria e conscientemente. Querendo e sabendo molestar fisicamente os seus trés caes, atuando movido por interesses egoistas e de posse e animado por espirito de malvadez. © arguido atuou sabendo proibidas por lei as respetivas condutas. As referidas condutas revelam uma incapacidade pessoal para providenciar os cuidados devidos aos animais e uma séria probabilidade de repeticao no futuro de condutas similares. No dia 28 de junho, pelas 10h30m, Alice Maravilhas Carneiro Urbano, presidente da Associagao “Criagao feliz”, ora assistente, envergando o colete identificativo da referida associagao, e atuando na prossecugdo do escopo social da mesma, abordou o arguido Manuel André Adio junto ao n.2 80 da Avenida Almirante Reis, procurando, uma vez mais, convencé-lo a entregar os referidos animais para adocao e sensibilizando-o para a necessidade de prestar cuidados de sade e alimentares aos mesmos. ‘Ao que o arguido Manuel André Adao reagiu proferindo em tom de voz elevado @ irado e com foros de seriedade as seguintes expressdes: “deixem-me em paz, essa associacao Criagdo no sei das quantas é completamente nazi, tanto amor animal e andam com sapatos de pelica, pode ser que ainda Ihes tenham que comer a sola como 0 ‘Charlot’ se tiverem o azar de cair na rua como eu”. A referida expresso foi ouvida por comerciantes locais que a associaram a aco da assistente ali corporizada na pessoa e atuacao de Alice Maravilhas Carneiro Urbano devidamente identificada com a denominacao e simbolo grafico da assistente bordados no colete que entao vestia 24. 25. 26. 27. 28. 29, 30. 31. A referida expressao, associando a atividade da denunciante ao partido nazi, revelou-se, no contexto referido, objetivamente ofensiva do bom nome, cred jade e reputacao da assistente ‘Ao adotar a referida conduta o arguido agiu livre, voluntaria e conscientemente representando o sentido e alcance das expressées por si utilizadas, atuando com o propésito de lesar o bom nome, credibilidade e reputagdo da assistente O arguido atuou sabendo proibida por lei a referida conduta No dia 09.07.2021, pelas 10H35m, junto ao n.2 180 da Avenida Almirante Reis, no ambito da investigacao levada a cabo nos presentes autos de inquérito, 0 arguido Manuel André Adao foi abordado pelos agentes da PSP Jodo Tiago Rato e Berto Barata que previamente se identificaram e que, na referida ocasido, se encontravam devidamente fardados. No referido contexto, o arguido, num momento em que o agente Jodo Tiago Rato examinava o caixote instalado na via publica onde o arguido guardava os seus pertences, entre os quais a lata, a vergasta e os placards acima referidos, agarrou-o pelos ombros e projetou-o com forca para fora do referido caixote. Ao adotar a referida conduta o arguido agiu livre, voluntaria e conscientemente. Querendo, através do uso da forca fisica que sabia e queria empregar, obstar a pratica de atos de exame e de apreens3o cautelar levados a cabo no ambito de processo penal por agente policial cuja qualidade e minus funcional representou, arguido atuou sabendo proibida por lei a respetiva conduta Incorreu, assim, 0 arguido na pratica, como autor material (artigo 26.°), a titulo doloso (14.2 do CP), e em concurso efetivo (artigo 30.2, n.2 1, do CP), de: * Tras crimes de Maus Tratos a Animais, p. e p. nos termos do artigo 387.2, 1.2 3, 388.2-A, n.2 1, al. a), por referencia ao artigo 389.2, n.° 1, todos do CP; * Um crime de ofensa a organismo, servico ou pessoa coletiva, p. € p. nos termos do artigo 187.2, n.2 1, do CP. Um crime de resisténcia e coacao sobre funcionario, p. e p. nos termos do artigo 347.2, n.2 1, do CP. Prova: Testemunhal Alice Carneiro Urbano, Presidente da Direcao da associagdo denunciante, com domicilio profissional no n® 176 da Avenida Almirante Reis, em Lisboa; Gabriel Serafim Pardal, com domicilio profissional na mesma sede; Raj Manoj Singh, com domicilio profissional no minimercado “Nova Deli’, com estabelecimento sito no n.? 82 da Avenida Almirante Reis; Joao Tiago Rato, agente n.° 12234 da PSP, identificado a folhas Berto Barata, agente n° 5678 da PSP, id. a folhas Documental: Material Registos Fotograficos de fls... e de fis. Relatorio de Diligéncia Externa de fis. Auto de Apreensao de fis... Exame de fis. Relatdrio Veterinario de fis. CRC de fis. Vergasta Lata Duas placas MDF Estatuto Processual: Nada a promover atento o Termo de Identidade e Residéncia ja prestado nos autos e o disposto no artigo 204.2 do CPP a contrario sensu interpretado. Il- REQUERIMENTO DE ABERTURA DE INSTRUCAO © arguido Manuel André Adao, melhor identificado nos autos, notificado das acusagées da assistente e do Ministério Publico deduzidas nos autos, vem, ante 0 Mm. JIC junto do Juizo de Instruc3o da Comarca de Lisboa, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 286.2, n.2 1, e 287.2, n.2 1, al. a), do CPP, requerer a Abertura de Instrugo, o que faz nos termos e com os fundamentos seguintes: |. DOS CRIMES DE MAUS TRATOS A ANIMAIS DE COMPANHIA e DO CRIME DE RESISTENCIA E COACAO A FUNCIONARIO ‘A. Nulidade das Buscas realizadas e suas consequéncias: ALL. Pre ‘Jo de valoragao da prova; ‘A.2. Levantamento da Apreensao e devolucdo dos objetos e animais apreendidos; A.3. Inexisténcia de Crime de Resisténcia e Coacao a Funcionario 1) Vem o arguido acusado pelo MP, entre outros, da pratica de trés crimes de Maus Tratos a Animais de Companhia; 2) Tendo 0 MP indicado, como meios de prova,os objetos e animais alvo de apreensao realizada na data de 09/07/2021 no local onde reside o arguido, mais precisamente na estrutura amovivel de cart3o por este instalada nas arcadas do n.2 180 da Avenida Almirante Reis; 3) Local onde o arguido, entre abril e julho de 2021 e até a presente data, tem instalado e guardado todos os seus pertences pessoais e, de forma continua e estavel, pernoita, realiza as suas refeices, confraterniza com amigose centraliza toda a sua atividade existencial; 4) O qual se encontrava espacialmente delimitado e isolado através de cobertores molas que cobrem a entrada do paralelepipedo cartonado construido pelo arguido e por si continuamente habitado ha cerca de trés meses, conforme fotografias juntas aos autos pela denunciante e PSP; 5) Arreferida apreensao foi realizada pelo OPC a quem o MP delegou competéncia investigatoria, no caso a PSP, nos termos melhores descritos no Relatério de Diligéncia Externa de fls..., ndo tendo sido precedida de qualquer mandado de busca e apreensdo emitido pelo MM.2 JIC; 6) Omissao esta que viola o disposto nos artigos 174.2, n.°s 1a 3, 177.2, n.2 1, do CPP eo artigo 34.2 da CRP; 7), Encontrando-se tal busca ferida de nulidade, no podendo, consequentemente, ser valorada a prova obtida através de tal diligéncia, nomeadamente avergasta, lata apreendidas e placard apreendidos a fis..., bem como os animais apreendidos a fls..j 8) Nao podendo, ademais, os animais ser objeto de apreensdo, porquanto nao se tratam de coisas face ao atual enquadramento civilistico e penal que Ihes é dado, pelo que nao podem ser considerados, nos termos do artigo 109.2 e ss. do Cédigo Penal (que apenas se referem expressamente a coisas e a direitos) suscetiveis de serem declarados perdidos a favor do Estado no ambito do Processo Penal, inexistindo qualquer fundamento valido para a respectiva apreensao; 9) Devendo, assim, todos os referidos objetos e animais, porque ilegalmente apreendidos, serem oportunamente devolvidos ao seu legitimo proprietario que dos mesmos foi indevidamente desapossado: ou seja, ao ora arguido; 10} Como consequéncia da referida nulidade, e atento o disposto no artigo 122.2 do CPP, deverao igualmente ser declarados nulos os atos posteriores e da mesma dependentes,nomeadamente 0s exames __realizados aos referidos objetos eo relatério veterinario que recaiu sobre os caes apreendidos, elementos de prova inquinados pela nulidade origindria de que enferma a busca; 11) Alias, a0 considerar os animais “coisas fungiveis”, em expressa violacgo do principio da unidade da ordem juridica, o MP entregou-o a uma Unido Zoofila e permitiu que fossem por esta dados em doco, 0 que constitui um ato ilegal (porque no previsto pelos art?s 1092 e ss. do CP) e mesmo inconstitucional de verdadeiro confisco; 12) Face a ilegalidade da busca acima referida nao se poder, ainda, haver 0 ato imputado ao arguido - e cuja pratica e autoria 0 mesmo assumiu ~ como integrando um crime de Resisténcia e Coacao sobre funcionario; 13) Porquanto a tal se opdem consideracées atinentes a tipicidade, ilicitude e mesmo culpa pressupostas por uma ponderada andlise das condutas tidas como criminosas. B B.1 Inexisténcia de Crime Maus Tratos a Animais B2. Inexisténcia, @ fortiori, de qualquer concurso de crimes de Maus Tratos a Animais 14) Ainda que se entendesse como indiciada a atuacao do arguido descrita na acusacao ~ no que nao se concede — a mesma nunca integraria, face ao direito vigente, a pratica de qualquer crime de Maus Tratos; 15) Desde logo porque os animais nao esto detidos ou destinados a serem detidos num “lar” como exige a lei, uma vez que é coisa que o arguido nem sequer tem, apesar do que acima se referiu quanto a0 domicilio, ndo se verificando, assim, integrado, no caso, do art? 3892, n° 1 do CP; 16) Por outro lado, apesar de conclusivamente alegado pelo MP, inexistem quaisquer factos ou prova dos quais decorra uma atuacao subjetivamente ancorada numa atitude interna de malvadez ou egoismo ou, num plano objetivo, uma qualquer atuacao reiterada ou grave; 17) Ora se é este 0 padrao usado pela jurisprudéncia dominante para densificar 0 elemento tipico “maus tratos” do artigo 152.2, n.2 1 - mesmo apés as alteragdes de 2007, com a eliminacdo da exigéncia de reiteracdo ~ nao se vé como nao possa ser esta mesma medida-padrao aquela que deverd ser tida em conta para densificar igual elemento tipico empregado pelo legislador no tipo do artigo 387.2 do CP; 18) Por outra banda, e ainda que tal nao se entenda, nao poderia nunca a conduta imputada reconduzir-se a trés crimes de Maus Tratos a Animais de Compan 19) Devendo considerar-se, em tese, a atuacao descrita como decorrente de uma nica e mesmissima resolug3o convocadora de uma situac3o de unidade criminosa, face 8 melhor tradi¢ao doutrinaria; 20) Ou, quando muito, como uma pluralidade de acées levadas a cabo no quadro de umcontexto de indigéncia humana convocador de um juizo de acentuada diminuigo da culpa e, logo, de uma unidade de tratamento ao nivel da imputagao; 21)Entendimento este que no colide com a capacidade de sofrimento dos animais, a qual, salvo melhor opiniao, e por si s6, nao lhes bastara para que se Ihes possa atribuir o estatuto de pessoas; 22)Conclusdo, alids, concordante com a opgdo (errada, como acima referido) realizada nos autos de apreender os mesmos: medida cautelar de obtencdo de prova esta que incide, nos termos do artigo 178.2, n.2 1,€ por definiggo legal, sobre “objetos” e nunca sobre “pessoas” ou “seres aparentados”. C- Inconstitucionalidade do tipo do artigo 387.° do CP: 23)Acresce que o referido tipo legal de crime se encontra enfermo de inconstitucionalidade material por violagao dos artigos 18.2, n.2 2, 27.2 e 62.2 da CRP; 24) Nao ha suporte axiolégico a respetiva incriminacao e 4 consequente restri¢do dos direitos constitucionalmente consagrados como 0 sao a liberdade (artigo 27.2 da CRP) e a propriedade privada (artigo 62.2 da CRP), o que se revela contrério ao principio expresso no art? 402, n° 1 do CP; 25) Ademais, e tratando-se da mera tutela dos “animais de companhia”, a referida incriminagao nao tutela, afinal, sendo as “afinidades eletivas” de certa humanidade (urbana, eurocéntrica, de classe média/alta) para com certos, animais, pelo que a incriminagao discrimina quer os animais quer os humanos (portadores e nao portadores das referidas afinidades eletivas tabeladas) 0 que integra, igualmente, a violacao do artigo 13.2, n.2s 1 e 2, da CRP, bem como. 0 principios da proporcionalidade e adequacao do artigo 18.°, n.° 2, da CRP; 26) Inconstitucionalidade material que ora se requer seja reconhecida pelo Mm? JIC que devera recusar a aplicacao da referida norma ao abrigo dos poderes- deveres fiscalizadores da constitucionalidade conferidos pelos artigos 18.2, n.2 1, e 204.2 da CRP. Ml. DO CRIME DE INJURIA ou CALUNIA IMPUTADOS: D. Inexisténcia de Crime. Inexisténcia de indicios. Alteracdo factico- juridica ilegal da acusa¢ao particular operada pelo MP. 27) € uma impossibilidade factica que as pessoas coletivas, como é 0 caso da ora assistente, se possam arrogar titulares de um direito a honra, valor imanente condigao onto-antropoldgica de que nao pode gozar uma ficco juridica como 0 6 uma pessoa coletiva; 28) Logo no podem estas ser ofendidas e quelxosas por factos suscetiveis de integrar crime contra a honra, excetuado 0 caso do artigo 187.2 que tutela realidade diversa da honra; 29) Além do mais, a expressdo em causa, apelidando a assistente de nazi, ndo consiste na imputacao de qualquer facto, violando, assim também, a acusacao © principio da legalidade e tipicidade, face ao tipo de crime imputado ao arguido. 30) Violando o pri io da legalidade (artigo 1.° do CP) qualquer interpretagao extensiva do elemento do tipo do artigo 181.° “pessoa” para nele fazer conter a pessoa juridica ou coletiva, como, alias, desde logo resultaria cristalino de um argumento interpretativo de ordem sistematica como aquele que decorre, @ contrario, da necessidade que sentiv o legislador penal de expressa autonomizagao do artigo 11.2 do CP e da criagdo de um tipo como o do artigo 187.2 do CP; 31)Sendo certo ainda. que, atento 0 rente recorte (ou "aprimoramento") factico e o diferente enquadramento juridico dado pelo MP a narrativa da acusagao particular ~ a qual no integra o crime imputado~ se operou no caso, através da acusacao publica, uma alteracdo aos factos descritos pela assistente na acusa¢do particular bem como quanto ao crime putado,nem sabendo o ora arguido de que imputacdo, em concreto, se devera defender: se a da assistente se a do MP, 0 que, por si so, se revela igualmente violador das garantias legais e constitucionais de defesa do arguido; 32) Sendo nulas, também, nesta parte, ambas as acusagdes deduzidas nos autos; 33) Por outro lado, ainda que assim nao se entenda, a acusa¢ao, quanto a tais factos, assenta, apenas, no depoimento testemunhal de Alice Maravilhas Carneiro Urbano, 0 quale revela totalmente refutado pelo depoimento do arguido; 34) O depoimento da testemunha Raj Singh nao se revela isento, objetivo, nem, tampouco, esclarecedor dos factos alegadamente ocorridos e imputados a0 arguido, atento o seu teor e a expressa manifestacao de animosidade contra 0 arguido e restantes sem-abrigo que, segundo afirma, Ihe prejudicam 0 negécio e que pretende ver expulsos do local onde se encontram; 35) Acresce que, como bem parece entender o MP, nao foi colhida prova nos autos de que o arguido haja praticado os factos em contexto que facilitem a sua divulgagao; 36) Pelo que, também face ao disposto no artigo 283.2, n.2 1, do CPP, nao deveriam a assistente e o MP, por falta de suficiente indiciac¢do e 0 respeito devido ao principio in dubio pro reo, terem deduzido acusacao contra 0 ora arguido, ndo devendo, também com tal fundamento, o mesmo ser pronunciado quanto a tais factos pelo Mm.2 JIC. Raz6es pelas quais, em suma, entende o ora arguido que, quer por falta de prova validamente colhida, quer por falta de crime a que se reconduzam as condutas imputadas ao arguido, quer por falta de indicios, no poderé o mesmo ser pronunciado nos presentes autos. Desde ja se requer a V Ex? seja admitido, por tempestivo, legitimo e bem fundado, o presente requerimento e declarada aberta a fase de instruco, bem como, caso seja esse 0 entendimento do Mm? JIC, desde logo marcada data para o debate instrutério, prescindindo o arguido da sua audicao nesta fase. 0 Defensor Oficioso, Hildebrando Gato

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