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Afroperspectivas filoséficas para pensar o samba Organizacao: Wallace Lopes Silva Coordenagio: Renato Noguera Marcelo Moraes Sylvia Arcuri Wy Hexis MINISTERIO DA CULTURA Fundacio BIBLIOTECA NACIONAL _ ere tear BRASIL Rio de Janeiro, 2015 INTRODUGAO CONCENTRANDO E ESQUENTANDO OS TAMBORINS! Simbora povo! Esquentando os tamborins. A antiga Pequena Africa, um complexo geogréfico localizado na cidade do Rio de Janeiro, tal como nomeou Heitor dos Prazeres, incluia os atuais bairros Gamboa, Praca Onze, Estdcio. Nessa area que faremos a concentracdo. H4 um burburinho no ar, uma apoteose de afetos, uma multidao de cores e credos se retine para atravessar a grande avenida do pensamento. Que a filosofia seja cantada pelo samba, nao é nenhuma novida- de para ninguém, agora, é chegada a hora da filosofia cadenciar o seu corpo no samba. Em geral, a filosofia é tida como um modo sofisticado de pen- samento, nascido na Grécia por volta do século VI da Era Comum. O samba é descrito muitas vezes como um “género musical” de origem negro-africana, afto-brasileiro e certidao brasileira. Um género tocado de modos variados tocado com instrumentos de percussio ¢ base no violdo e/ou cavaquinho. O samba também é uma danga e, porque nao dizer, um modo de vida. Um dos maiores simbolos do reconhecimento da identificago nacional, algo que remete as identificacées de brasilei- ras e de brasileiros fora do pais. Este livro retine diversas pessoas que, de algum modo, tém tra- balhado numa dupla injuncdo. De um lado, o interesse filoséfico. Por outro, a vivéncia do samba. Ou ainda, a vivéncia filoséfica somada ao interesse pelo samba. O livro pretende pensar o samba através de con- ceitos filosdficos. Pois bem, considerando que o samba é um signo negro, importante bastido da cultura afro-brasileira e que fornece parte indispensavel da identificagao nacional, se faz necessario pensar uma filosofia afroperspectivista. O que significa deseuropeizar a filosofia para fazer dela uma aliada do compasso bindrio do samba. As articula- sées, 4 primeira vista, inusitadas, so desafios permanentes que o gru- po tem enfrentado desde seus primeiros encontros em rodas de filosofia. Pensar o samba a partir de conceitos filoséficos significa fazer alguns a argumentos dangarem, tocar conceitos, abrir alas para que as ideias percorram a avenida com seus enredos e alegorias. O que pretendemos com este livro é fazer partido alto; trabalhar como as carnavalescas ¢ os carnavalescos das escolas de samba, encantando o povo na arte de contar uma hist6ria ricamente ilustrada com fantasias; criar e solidifi- car rodas de filosofia ~ encontros em que as relages entre o samba e a filosofia sao estabelecidas insistentemente. Diante desse quadro, o nosso recorte é intercultural, interdisci- plinar, com carater antirracista e em favor da equidade étnico-racial, configurando um panorama fértil para florescimento das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educagdo das Relagées Etnico-Raciais e para o Ensino de Histéria e Cultura Afro-Brasileira e Africana (2004). O sul’ deste trabalho est4 em perfeita harmonia com a proposta das Diretrizes pu- blicadas em 2004, assim como as regulamentagées do Plano Nacional de Implementado das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educagio das Relagées Etnico-Raciais e para o Ensino de Histéria e Cultura Afro-Brasileira e Africana (2008), “O ensino de Cultura Afro-Brasileira destacaré 0 jeito proprio de ser, viver e pensar manifestado tanto no dia a dia, quan- to em celebracées como congadas, mocambiques, ensaios, maraca- tus, rodas de samba, entre outras” (BRASIL, 2004, p. 22) ?. No campo da filosofia é recomendado o “estudo da filosofia tradicional africana e de contribuicdes de filésofos africanos e afrodescendentes da atualidade” (BRASIL, 2004, p. 24). Nosso trabalho tem relacdo direta com esses aspectos, incluindo leituras multiculturais e interculturais da filosofia ocidental e as proposi¢ées antirracistas advindas das escolas filoséficas europeias e estadunidenses. Além de trabalhos de filésofas e filésofos ocidentais conhecidos como Nietzsche e Deleuze, vamos transitar num campo multidiscipli- nar que envolvem pensadores de varias Areas, inclusive filésofos (as) africanos (as) e da América latina. Nomes como Kabengele Munanga, 'Nés usamos os termos sul e sulear no lugar de norte e nortear por razdes pollticas e epistemolégicas. 0 terma foi usado pelo educar brasileiro Paulo Freire. Os estudos sobre colonialidade tm feito um debate muito prficuo sobre os sos politicos do norte como metéfora da orientagéo adequada para a produgéo de conhecimento, 0 que aparece, por exemplo, na bissola e nas cartagrafias do globo au insistem em colocar o hemisfério norte na parte de cima. O que esta longe de ser uma imposi¢g0 cartografica; mas, to somente uma escolha geopolitica com muitos desdobramentos no campo da exploragao e dominagao simbolica 2 Grito nosso. 3. Grifos nossos. 12 Abdias Nascimento, Muniz Sodré, Ana Célia da Silva, Gislene Apa- recida dos Santos, Lélia Gonzalez, Mogobe Ramose, Dismas Masolo, Marimba Ani, Molefi Asante, Ama Mazama, Santiago Castro-Gomez, entre outros (as). O mais importante vai ser trazer a luz, filésofas africanas, filésofos africanos, fildsofas (os) afrodiaspéricas (os) ou afrodescendentes que na maioria do caso sao desconhecidas (os) do grande piiblico, seja por parte de pessoas “leigas” ou com formasao académica. A filésofa indiana Gayatri Spivak que nasceu em 1942 e trabalha na Universidade de Columbia e tem um belo texto que da a dimensao de nossas inquietacdes, Pode o subalterno falar? (1988). Ela faz uso das leituras de autores como Foucault, Deleuze e Derrida. Mas, critica os dois primeiros pela auséncia de envolvimento politico, denunciando que a violéncia epistémica do ocidente em relacdo aos “outros” nao é problematizada devidamente. Derrida é um filésofo africano, um judeu-argelino de nacionalidade francesa, porém, visto por muito tem- po como um estrangeiro na academia francesa; mas, politicamente se ocupa mais, de algum modo, da desconstrugao do status quo ocidental. Nao quer dizer que Foucault e Deleuze nao o facam; afinal, so dois grandes filésofos que tecem muitas das parcerias deste livro; mas, em certa medida, permanecem alinhados ao logos grego. Spivak questiona 0 siléncio imposto aos outros pela ordem eurocéntrica. Ora, as mulhe- res so outros, incluindo em menor proporsao as brancas em relacao as mulheres nao brancas, pouco falam. Os homens nao brancos so outros que pouco falam. Ainda que mulheres e homens nao brancos falem, dificilmente so ouvidos, e quando sao, recebem criticas mais duras, muitas vezes alegando que a sua razao nao é universal. Por fim, as leituras filoséficas permanecem privilegiando auto- res brancos do sexo masculino. Os departamentos de filosofia, assim como as aulas de filosofia no ensino médio tem um dream team que se mantém intacto e nao aceita substituig6es. Ora, nao estamos queren- do abandonar o legado ocidental. Porém, deixar que a filosofia fique restrita a esse universo é muito empobrecedor. Outro aspecto impor- tante é a critica 4 “universalidade”, conceitos como universo e universal merecem especial atengao. O filésofo sul-africano Mogobe Ramose, nascido em 1945, professor da Universidade da Africa do Sul, esmit- sa 0 conceito de pluriversalidade sem se opor a universalidade; mas, a inclui como um conceito de menor extensdo dentro da perspectiva pluriversal. Para Ramose (2011), universal é a reducdo das alternativas 13 (versus) a uma possibilidade. Enquanto, pluriverso é 0 reconhecimento de varias possibilidades, de muitas perspectivas. A pluriversalidade é o reconhecimento das diferengas, da diversalidade radical, do mun- do como um vasto conjunto de interpretagSes e perspectivas, siste- mas e teorias. Tal como, algumas leituras do cosmos como multiverso por algumas pessoas do campo da fisica quantica no lugar de universo. Dentro das Ciéncias Humanas e Sociais, a pluriversalidade é 0 reco- nhecimento de muitos sujeitos, diversas culturas, de quesitos como género, cor/etnia/raca, sexualidade, geopolitica, colonialidade etc. na produco de conhecimento. Sem dtivida, trazer o samba para os “laboratérios” das investi- gacdes filos6ficas como objeto pode ser muito enriquecedor e isso nao pode ser feito sem que “subalternas (os)” falem, sem considerarmos que a pluriversalidade é mais rica como “paradigma” ao invés da uni- versalidade e que o pensamento deve ser encarado como polirracio- nal como nos diz o filésofo ugandense Dismas Masolo. Diante desse quadro, nés vamos fazer um passeio por nomes do samba como Leci Brandao, Jovelina Pérola Negra, Dona Ivone Lara, Bezerra da Silva, Zeca Pagodinho e Almir Guineto. A ideia é promover afroperspecti- vas filoséficas, Ou seja, exercicios perspectivistas que levam em conta os protagonismos africanos e afrodiaspéricos ou ainda, o afro no seu significado de restaurasio, o sentido de estimulante da satide, elixir para vitalidade. Para enegrecer* o samba é preciso afroperspectivizé-lo filosoficamente. A palavra “enegrecer” tem um sentido muito positivo, usando 0 radical niger do termo ngr, nés temos o significado de res- tauragdo, o poder regenerativo “da agua em trazer vida a terra arida” (FORD, 1999, p. 38). Enegrecer quer dizer elucidar, revitalizar, recu- perar o sentido. Com efeito, enegrecer os mistérios do samba a luz da filosofia precisa ser feito por meio de conceitos muito peculiares. O que pode, em termos deleuzeanos, ser cumprido pelo exercicio cria- tivo de produzir conceitos para problemas. Com Nietzsche podemos fazer uma genealogia do samba. Com Dismas Masolo é possivel pensar modelos de racionalidade em que o samba pode ser entendido como um conjunto de enunciados filos6ficos presentes na musicalidade tal como na letra. 4 Oconceita de enegrecer é usado no lugar da ideia de esclarecimento, Porque nés chamamos atencao para fontes etimoligicas de linguas bantufonas e linguas de ralzes niléticas em que negro significa revitalizagao 14 A respeito do titulo do nosso livro, sambo logo penso, nossa pre- tensao nao é produzir uma axiomatica, uma sentenga verdadeira e co- erente, clara e distinta, assegurada pelo rigor légico do principio de identidade e de nao contradi¢io. Apesar da aparente formulacio se- mintica se pretender a isso. Ora, sabemos que a contradi¢do exprime a forca de um desejo, é uma forca propulsora. A estrutura seduz quando nao mais se tem a forca, nesse sentido, a express4o produzida como titulo desse livro, é uma expressao guiada pelas forcas ¢ pelos desejos. Deste modo, pretendemos um possivel golpe na metafisica, na filosofia dita ocidental, um golpe na histéria e na tradicao filoséfica que sempre manteve 0 corpo, o desejo e a paixdo num plano secundario e inferior. O titulo do nosso trabalho exprime, por exemplo, a forca e uma tentativa de ataque 4 estrutura classica da filosofia. Assim, pretende- mos operar uma certa inversao hierarquica, desorganizar 0 corpo es- trutural e organizado da filosofia. Além de abrir a partir de um deslo- camento, uma nova possibilidade de se pensar a filosofia ou de deixar © pensamento filosdfico acontecer. Acreditamos poder promover esse abalo no momento em que invertemos os elementos expostos na estrutura, ou seja, se antes 0 corpo, o samba, a carne, a terra, a poesia, o mito ocupavam um lugar secundario na hierarquia, sendo rebaixados, recalcados e reprimidos pelo pensamento racional, pela ideia, pela alma ou pela razfo, agora podemos pensar essa hierarquia desorganizada, desorientada e sem seguranca. Invertemos os valores para agora acabar com a hierarquia e promover uma horizontalidade dos elementos em quest&o. Assim, todos elementos acabam por nao possuirem valores que excluem ou diminuem o outro. Todos passam a ter uma relacdo de suplemento e de agenciamento. Portanto, o samba deixa de ser e de estar preso simplesmente e somente a uma histéria ou a um lugar definido, com uma origem de- terminada, nao se reduzindo mais a uma representagao cultural, uma cultura artistica e musical de segundo plano que expressaria somente a alegria e tristeza de um povo, um tipo de misica comprometida com os valores do corpo, da carne e da paixdo. Para o grupo, o samba é tudo isso e mais. Deste modo, sambar é pensar, samba é pensamento. E 0 pensamento samba. Nesse sentido, o deslocamento se da no momento em que consi- deramos os afetos e as forcas produzidas pelo samba como modo ope- rante, de estratégias e meios de se produzir pensamento. Em outras pa- 15 Javras, para o nosso grupo, afeto, paixdo, forca, corpo e pensamento sao elementos fundamentais, se colocam como nosso imperativo categérico. Liberar o samba a partir da filosofia, retirando-o de um ponto fixo de origem, pensando fora de um historicismo classico, deslocan- do-o para o pensamento e para a filosofia, pensando a partir das forsas, nosso projeto est alinhado com as perspectivas da escola de espaso- logia, que procura pensar a partir de estratégias desconstrutoras, de modo rizomatico. Se ao longo da histéria da filosofia, da filosofia ocidental, se re- primiu e excluiu do campo do pensamento o samba, a cultura negra, 0 corpo, a carne, a terra e o sangue, esse livro seguindo numa linha afro- perspectivista, nao se preocupa se por vezes operar ao mesmo tempo com centrismos ou com deslocamentos. O que esta em jogo é trazer para o campo de batalha, para o pensamento, o que ficou excluido por séculos: 0 pensamento negro. Se por vezes caimos num centrismo ou numa exaltagao daquilo que estava rebaixado é porque por muitos séculos 0 subalterno nao pode falar e para que se faca justica é preciso que o processo de inversao na hierarquia nao passe tao depressa. Apesar da nossa preocupacdo ser com um pensamento que re- flita na pratica onde nao haja mais hierarquia, nossa proposta é que o samba nao fique rebaixado diante das outras mtisicas, como por exem- plo, a misica classica, como também, que 0 corpo ndo seja inferior a alma, que a raz4o nao se sobreponha ao mito e que o homem, o bran- co, o hetero, europeu, ou seja, o pensamento eurofalogocentrismo, nao seja o tinico modo de fazer filosofia. E que, portanto, o subalterno posso falar. Nao pretendemos e ndo queremos destruir a filosofia, a metafi- sica, sabemos que é quase impossivel de um golpe sé, destruir ideias amadurecidas durante tantos séculos. A metafisica constituiu um sis- tema de defesa exemplar contra as ameagas de fora. Portanto, nosso trabalho é apenas uma tentativa e pensar a diferenga, de conseguir respirar dentro dessa estrutura sufocante chamada de filosofia. Uma das questdes-chave que atravessa o nosso trabalho é a circulacao de uma filosofia brasileira, de uma filosofia negra, de uma filosofia afrodiaspérica, de uma filosofia do samba. Ou ainda, uma filosofia sambista. Para isso, precisaremos algumas vezes mergulhar na polissemia da “filosofia” sem querer esgotar ou nos estendermos nas especulagées acerca do sentido da filosofia. Mas, ficando com a formulagao que funciona como um conceito guarda-chuva. Filosofia 16 afroperspectivista ou afroperspectivas filoséficas é uma atividade de pensamento que reivindica a pluriversalidade da filosofia, o seu carater intercultural ¢ pluralista, a necessidade de pensarmos as cartografias politicas da produ¢ao e visibilidade das diversas filosofias que existem, principalmente as que tém sido silenciadas. Por outro lado, a filoso- fia afroperspectivista pretende trazer temas como civilizagées antigas como Kemet (Egipcia), Maia, Asteca, Inca, loruba, Fon, Senegambia na antiguidade, entre outras, a cultura Batwa, o pluriverso bantufono, o pluriverso guarani, a capoeira, o samba, 0 jongo, o maracatu, 0 frevo, © futebol, o candomblé, a umbanda, a malandragem, o antirracismo, o antissexismo, a discrimina¢ao positiva e afins como intercessores. Ora, Deleuze (1988) nos diz que os intercessores s4o todos os en- contros que fazem com que o pensamento saia de sua inércia. Neste registro, a filosofia afroperspectivista vai se ater a pensar 0 ser e 0 espago, pensar a futuridade, pensar “personagens conceituais melanodérmicas (...) eriar conceitos afroperspectivistas” (NOGUERA, 2011, p. 3) Os personagens conceituais melanodérmicos sao diversos, como por exemplo: o griot, a mae de santo, o pai de santo, o (a) angoleiro (a), a (0) feiticeira (0), a (0) bamba, o (a) jongueiro (a), o 2é malan- dro, o vagabundo, orix4s (Exu, Ogum,Oxéssi, Oxum, Iemanjé, Oxald etc.) inquices (Ingira, Inkosi, Mutacalambé, Gongobira etc.), voduns (Dambir4, Sapaté, Hevioss6 etc). Entre os conceitos afroperspectivis- tas, cito alguns: denegrir, vadiagem, drible, mandinga, enegrecimento, roda, cabeca feita, corpo fechado etc. Esses conceitos dizem respeito a muitos problemas. Os problemas sao de varias ordens e clivagens, tais como: (a) Por que 0 Ocidente é o berco da filosofia?, (b) O que uma filosofia incorporada e dangarina tem a dizer para uma proposta de educag&o que se orienta a partir de uma desvalorizagao do corpo?, (c) Como conceber 0 “direito” de uma filosofia afroperspectivista, se os cAnones seriam estrangeiros? (NOGUERA, 2011, p. 4) A agenda filoséfica afroperspectivista tem no samba uma par- ceria muito cara (como se fossem duas comadres). Porque o samba é um exercicio de resisténcia negra. A histéria do samba brasileiro foi a reuniaio de mulheres e homens que pensavam e criavam condigées de intervencao a partir da musica cantada, dancada em eventos que pri- mavam pela fartura de comidas e bebidas. Neste sentido, uma filosofia (afropersperctivista) do samba sé pode ser escrita como um exercicio de resisténcia, um exercicio de fartura de povos que cultivam ideias e criam conceitos em ambientes festivos. O espaco do debate é sem- 7 pre muito sério, muito hospitaleiro, com belas iguarias da culinaria afro-brasileira e bebidas de varios tipos, as pessoas cantam, dancam e festejam. Pois bem, é sobre esse territdrio que a filosofia afroperspec- tivista vai se debrucar. O modo de “escrever” leva em consideragées fontes que nao sao grafocéntricas. A oralitura é levada em conside- ra¢4o quando se estuda uma filosofia (afroperspectivista) do samba. Vale mencionar de maneira genérica que, oralitura é o conjunto de obras registradas e transmitidas oralmente, tal como aponta o linguis- ta ugandense Pio Zirimu. Com efeito, vamos trabalhar com oralitura, com as prosas de bambas. E, faremos uma roda de filosofia em que os versos servem para criar argumentos e conceitos pouco usuais que fa- zem da encruzilhada, considerando que a “cultura negra é uma cultura das encruzilhadas” (MARTINS, 1997, p. 26) a rota em que passam conceitos de uma filosofia que tem género e estilo bem distintos dos que estamos acostumados a ver circular nos departamentos de filoso- fia, nas universidades, nas escolas e nos manuais que sao usadas para ensinar filosofia. Porque a filosofia afroperspectivista brota de territé- rios epistémicos interculturais, africanos, afrodiaspéricos e, portanto, nao se filia a ideia de que a filosofia seja invengao grega. O que a tor- na capaz de auscultar partideiros, passistas, sambistas, compositores, velha guardas como fontes legitimas de exercicio filos6fico. Por isso, comegamos esquentando os tamborins! Na composi¢do de Monsueto e Arnaldo Passos ouvimos: “para qué rimar amor e dor”. Ou seja, nao se trata de clichés. E com Candeia se ouve Filosofia do samba: “Para cantar samba nao preciso de razio/Porque a razio esta sempre com os dois lados”. Ou seja, nao se trata de razo, de universalidade; mas, de algo que é de outra ordem. Porque se “mudo é quem sé se comunica com palavras”. As camadas de racionalidade que o samba faz desabrochar podem ser maravilhosas fontes para um outro modo de filosofar. Um modo de filosofar em que “sambar” é um verbo filoséfico que faz par perfeito com “pensar”. O que faz deste livro um ensaio de coreografias de um pensamento sambista... leitoras e leitores, nés desejamos um excelente show! Wallace Lopes Renato Noguera Marcelo Moraes 18

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