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HENRI LEFEBVRE

A REVOLUQ/:\O URBANA
TRA0u¢Ao
SéRc|o MARTINS
REv|sAo TECNICA
MARGARIDA MARIA DE ANDRADE
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Edltora UFMG
2002
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P R E F A c | 0

E de se admirar como, ins vésperas dc completar trinta anos


dc sua publicagio, La Révolution Urbaine é um livro que se
mantém atual, senio vejamos. V
Como compreender a1Q_2;1idad.e4§Qcial-queFnz1ws»ee..daé_'u1g_1g§_-
u'iuJizzu;;€u;> e a sucede? Hoje a formulagio dessa questfio nio
cuusa estranheza, sobretudo se considerarmos que no atual
contexto, flagrantemente anémico de capacidade critica, cria-
Livu e investigativa, parte dos intelectuais tem considerado a
industrializagizo desimportante na explicagfio da realidade
social a ponto de se desincumbirem de analisé-la. Naquele
zmo de 1970, contudo, essa questio nfio deixaria de causar
nlguns inconvenientes ao seu formulador. Afinal, com que
ousnclia se poderia sugerir que a industrializagio de algum
modo vinha perdendo forga na determinagfzo da sociedade
cuntcmporfinea? N510 se estaria com isso também indicando
que o pensamento devotado 51 industrializagio deixava de
scr suficiente, senfio equivocado, para compreender e atuar
nu sociedacle? Até que ponto aquele g_§;Q_§;u11§nMtQ qy;§”5_‘q§1Ai_A>z'__i_;1
dc Mzux clesde sempre e para sempre, embora cada vez mais
dl:~:l:mciaclo clas proposigées marxianas,, poderia suportar
1l|):l]0S As certezas dogmaticamente sustentadas quanto 'aos
p|'0t1lgonistas previamente definidos para ocupar 0 centro dos
ucontccimentos em fungfio da missio histérica jé prescrita de
que supostamente seriam os portadores?
A ousudin lefcbvriana, no entanto, remonta 21 momentos
unlurlorcs. Scus questionamentos incisivos ?1s__r_g.g_g_gQ_¢_s e
;n11lsc.l111@mos_c_lo n¢11§flm§:n.;ov111a.12<i_§t.a 1116 Cusmmm H Periferifl
(Ins pnntcbcs institucionais lnstreados por um “pensz1ment6”
Cnda vez mnis clrcunscrlto ao cconomicismo e aos dQgmé1_t_1js_mQ§
legltlmnclorcs claw relugbes enu-c Estaclo c socigcllaclsi.ni.ti&kl@$?11EF?
deseqnnllllamclas em favor do primeiro, das necessi¢l;1;les_ef_
clan lnteresses deflnldos e gerlclos.:1n seu £11nbito,..oss1fica<;,i1o
amplmnente acolhlda pelns ubordagcns est1'utura1istz1s..,in1p§1'-
meflvelu an penlsunente dlnlétlco. A perlferlzu;,:ao, pox-ém,

_ 1. .
pode ser considerada como uma condigao e uma situagao curso do aprofundamento dc sua elaboragao te6rica,g
privilegiada, senao imprescindivel, para que Lefebvre abor- imi2<>rr€u1§.ia,,_<1¢¢i§iva_,da, produgao. QQ. csrpa.<;.Q \ na i.f€.I?.FQdU9§1.Q
dasse aspectos da realidade social tidos como secundarios, ou Y-l_€l_§0_ci.Qdad@~contemporan_ea. As transformagoes operadas no
simplesmente banais, para compreender a reprodugao da for- campo pelo desenvolvimento do mundo da mercadoria, acom-
magao economico-social capitalista no século XX. panhadas da decomposigao da cidade na qual esse mesmo
De fato, estudos como os que produziu sobre a vida cotidiana mundo, através da industrializagao, se aninhou e expandiu,
c 11 produgao do espago (momento de seu percurso intelectual lcvando-a a oxplosao-imploksao, como denominava Lefebvre,
a que pertence este livro), dificilmente teriam guarida no interior nao mais p€I‘l'I’1i[i2lI'I'l que se continuasse pensando em termos
do um “pensamento” embotado por exigéncias correspondentes dc cidadedéwnoanlipo, pois se tratava de um outro processo,
E1 sua transformagfio em ideologia de partidos e Estados, que mais amplo, rico, pr<5F£1}{Ei<'> e dialéticoz a urbanizagaoMda_
\\ ~-’9@_/{'f¢<'i-*<
rcservava o abandono, quando nao o desdém, a processos sociedade, processo desconcertante para o pensamento e a t\i¢ V\
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que, por sua importancia, exigiam do conhecimento critico argflo, ao qual o autor se refere n’O Direito 51 Cidade, bem
rctira-los do atoleiro teorico dO~,_Q1§;lI}§iS_I110_iI1§Ii[uC.iOn21liZ2l£lQ_. como na admiravel antologia Du Rural d l’Urbain (ainda sem Gd!‘ ;€r- @"U’“ Pa!
I\/\’fl\/3 ) /I“ 1,.)

Foi em 1968, através de seu Le Droit d la Ville [O Direito 21 lrac ugao para o portugués), embora o formule e o exponha I" \,,,),/r.,:;r /is . 4'
I
rnclthor neste A Reuolugdo Urbama. Aqui, a avnaliso da urbani- nag)L,544' ./"I “\
Cidade], que Lefebvre formulou de modo mais consistente ,» /,' 1 1

suas preocupagoes e proposigoes a respeito do fenomeno zzlgfio como sentido e finalidade da indust1"ializagfZ1_o prossegpe
urbano. Nao se tratou, porém, de nenhum raio em dia de céu :\ ponto de se poder afirmar que tal formulagao é ao mesmo
azul. Lefebvre chegou as questoes pertinentes ao espago por qcmpo essgin_giaAl¢_¢ _in_suficiente_.
vfrrios caminhos. Um dos mais promissores teve a ver com A P1"obl¢mani¢a u_rb.fl_nfl (11510 _p.o.de ser entendida, qsui_<;A='\-
sou interesse pela realidade agraria francesa. Esse interesse, vonhccida, enquanto for considerada como subproduto da
posterior-mente estendido para outros paises, o conduziu imlL|st1"ializagao.f Desse modo, para Lefebvre, sequer é possivel
durante os anos 40 6 50, a estudar longamente as questoes ruconhecer a problematica urbana. O maxi_rn_o que resultou
implicadas pela renda fundiaria e, em conseqfléncia, a vasta clcsszl redugao do urbano foi ogrlqanismo! isto é, Ma tpepntaptjpva
lcorizagfio a esse respeito. Em meados dos anos 70, num dc submeter a realidade urbana a racionalidade industrial,
lmlissimo relato autobiogrfifico, Lefebvre lembrou, com certa as cxig_én_cias do mundo siapostamente logico,_sen3ponLradig§§§
amargura, que nesse percurso chegou a escrever um livro ncm c_onflitos, da mercadoria, Sem nenhuma condescendéncia
sobrc o assunto, mas nao houve na ocasiao quem se interes- oil comiseragfio, Lefebvre considera criticamente (isto é, cien-
sassu cm publica-lo sob a simples e tosca alegagao de que sc lificamcnte) o urbanismo, identificando-o_ comod__}gha_rA§e_~_§r}n§1a-
l"="=l\'=1 1"-‘ §1¥1@$.I§.@rQ§_1}?§Q.Q[§$.I1€ll111 Q..!31§Y.15i$¥P9- R@f@1'in<'°-W inunlzll das tentativasde estender ao conjupnto das atividades '3-
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lumhém £1 sua oferta para discutir a chamada questao agr{u"ia, socizris os pressupostos, intencionalidades, representagoes
lncquivocamcnte relevante, cm paises como Cuba c Argélia que govornam a divisao manufatureira do trabalho, com suas 0‘:
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(c<>nlri|>ui<;ao que fora rcsolutamentc recusada pclas csqucrdas urclcns c coagocs. Seria preciso lembrar Marx e suas inflmeras
<|uu untfio assomuvam no podcr dc Estado), o autor chcgou :1 :m.’|liscs sohrc o processo de \1a_l_oriz_agao das COi$6l,S, nas quais
conclulr aprcssadaincntc que cssc pcriodo dc sua vida, dc incruslou-so a “alma do capitalf’, as custas da §_1§:_s\_/_a_l_or_ip;a_g__2fro
dcv. 1| quinzc unos dc trabulho, fora pcrclido.' /\I.|t<>-avaliag;:\<> do homcm, que vé sua aggflo confinada :1 expansao da riqueza
Imslunlc conlcstflvcl, uma vc'/. que cm scus cstuclos subsc- mmo capital, como um mundo alheio e estranho que c'ad.a
c|Ucnlcs, inicialmcntc cstiinulados pclu l'or|n:\g"flo dc umu nova vez nmis o domina u o arrasta para o seu empobrecimento?
vlclude urn sua rcgiflo dc orlgcm, 0 suclucslc l'1':\nc0s (uncle, lfligks-5.4: Cunslclumr o urbanismo, afirma Lcfcbvrc impicdosa-
vorno clc prdprlo ulirmuvai, |10<.lc c.~rludur In vim), In .\'/um mvnlc, como Marx consldcrava an cconomia politica vulgar,
ur!s¢‘um/I, u irrupg'x1o do urlmno numu rvulklxrdc |'C|sl|cu tradi- lulu é, ml) jJE1lB£l11\L‘|llO (para HG!‘ gcncroso) dcgradudo porquc
vlumnl), l,cl'c|wrc rctuunuu uuun |n*c*uc\||mg~<‘>e.~r, L'|\Uflill1£|U, no buvl|\un1en1c' nuLlu1’c:lLo-- palm !'al:u' como Marx — com as 1'orm:m

8 9
assumidas pelas condicoes de producao da Vida neste momgntg determinagoes econornicas transformam-se em determinismos
cspccifico da Histéria que é a formacao economico-social econ6micos,.que pesam sobrero homem, sobre o seus.pro.ces§,0
ca pitalisnta, Trata-se de um pensamento limitado e conformadp de humanizagaof‘ Em segundo lugar, e ern decorréncia disso,
1| tomar como curso inevitavel da Histéria a danca fantas- a,socLedac,Le_u1i1ana,ainda_nao,_eXisLeaeaquamotrealizafio Plenar-
magorica das coisas Por isso nao lhes resta senao constata-lacs Ela existe por estar inscrita, enquanto possibilidade, na reali-
c cnumera-las.2 dade, no “real”, cuja definicao fica assim consideravelrnente
Em verdade, o que o urbanismo acaba promovendo e legi- ampliada e enriquecida. A sociedade atual encontra-se a meio
limando é uma redugao da vida urbana ao minimo, _pesando caminho do urbano, e é nessa transicao, nesse amplo e rico
solarc ela. No entanto, a fragmentacao pratica e teorica a que dominio das lutas (de classes) para tornar possivel o que se
o urbano é submetido, permitindo que cada “pedacinho” possa cncontra no terreno do impossivelf que se pode compreendé-1a..
scr cntregue aos especialistas, confinados eles proprios a uma Ademais, as diferentes sociedades chegam de maneiras distintas
dctcrminada divisao do trabalho, e que no final das contas a esse periodo de revolucao urbana, vivendo-o de acordo
pouco ou nada deliberam, nao é apenas expressao de suas com suas diferencas, a exemplo do que ocorrera e ainda ocorre
diliculdades em enxergar a realidade que se forma para além com a industrializacao. O fato, porém, é que tanto sociedades
do que as barras das jaulas de suas especialidades permitem. altamente industrializadas, como as da América do Norte e
'l'rata-se de uma cegueira. @_cLue__consiste talacegueiraifergupnta da Europa, quanto as que se devotaram visceralmente ao cresci-
0 lilésofo. No fato dgoluharmos o urbano com os olhos mcnto economico através da industrializacao valendo-se do
(dc)l’ormados pela pratica e teoria da industrializagao, pelas socialismo como ideologia de Estado, ou ainda as que, como
rcprcsenta<;oes (ideologicas, institucionais) engendradas nesse :1 nossa, convivem com as implicagoes do periodo industrial
vasto processo através do qual o capital se pos de pé na Historia. scm terem resolvido problemas precedentes, nao conseguiram
lissas formas de consciéncia e de acao (das quais o urbanismo responder 21 problematica urbana por uma transforinacfio capaz
Cr caso exemplar) criaram raizes fundas no conhecimento cien- tlc colocar em primeiro plano a sociedade urbana. Esta continua
lilico a ponto de também se poder falar de cegueira quanto Z1 sufocada pelo Estado que, por sua vez, tem reiteradamente
lndustrializagao. Senao, como explicar a prioridade que lhe cxpropriado a sociedade civil de suas iniciativas e prerrogativas
lcm sido concedida por quase dois séculos? Quanto ao urbano, para atuar em favor da industrializagao, do mundo da merca-
cssc olhar redutor nao permite vé-lo enquanto campo de tensoes rloria tornado como fim em si, como razao suprema capaz de
0 conllitos, como lugar dos enfrentamentos e confrontagoes, lornar ininteligiveis os questionarnentos nao devotados :1 sua
unitladc das contradigoes. E nesse sentido que a formulacao corlsagracfto.
clcssc conccito por Lefebvre retoma vivamente a dialética, Numa sociedade como a nossa, onde prevalece essa aridez
rrtlclco dc toda a sua obra? (I0 dcmocracia concreta, onde as possibilidades de superacao
/\o pcnsamcnto, Lefebvrc propos explicitamcntc com cstc por nos mesmos engendradas sao parcamente realizadas, ou
livro o conhccimcnto darcviravolta pcla qual a socicdadc mt-smo tornadas impossiveis em nome de uma devocao cega
ta 1' _<lila industrial so transforma cm socicdadc urbana. Jsso significa v nauscantc ao mundo da inercadoria, é flagrante a atualidade
cnlao que os l’cn<“>mcnos ligaclos =1 inclt1sti‘i:1liz:|<;a<> ccdcram rlv um livro como cste, propondo estratégias para fazer a pro-
lugar complctamcntc aos l'cn<“)mcnos urhanos? Quc aquclcs lalcrnfrtica urhana cntrar nao apcnas no pensamento, mas sobre-
lu|'n:lram-sc dcsimportantcs, ou cntflo pcrclcram sua uspccll'l- lutlo na prftlica, pela l'ormag;;"1o consciente de uma praxis urbana,
clrlaclc c sua l’org,'a na dctu|'mlnag‘:"\0 do conjunto social? Nada mm sua racionalidadc propria, para quc a Historia exista de
mals cqulvocaclo. Em prlmclro lugar, Lcfchvrc scmprc aclvcrtlu lulu ccmm produto dc nossa ag;z"1c> concrcta, como campo de
an longo dc: sua olvra que a |'c|mslg':1o continua das tlclvr|nl- |1U.~lHlV0lH sohru 0 qual clulllauramos c fa:/.cmos nossas cscolhas.
mlcovs ccun(ln\lcu.~a tlC'Hl:l l'ormu l\l.~lt<‘>r|t':\ dc sn<*|ctI:|c|c- rccalca l’:msatlus quasc lrlnta anus dc sua pul1llc:|<;:‘l<>, lal /mg/0/0
an |mssIl>l||tl:\r|c~s tlc t|'u|1nl'u|'|uag,'i1o (la prt'>|1rlu lllsldrlrt. All tlv lru|ml‘o|'|m\glto tlu snclccltttlc, pela r'vlnv<:rs:1o dvssc mundo

10 11
invertido, nao encontra lugar numa vida politica caricatural e se estendeu por mais de 70 livros, Lefebvre salientou: “u1n fluido unico
sem substancia. Podemos nos lamentar quanto a isso? Talvez. percorre o conjunto; [AQ_1fh\O/ll\_1_5,QQ.(lQ.IfiSIi£11i£-2LI€1O£l2L..d€..M2L£X..€1I1-[OC121 ,.SL1€J_
integridade e anlplitude. €_lI1p1'_(l€f1.d€.fL(.l.Q..2LO_1ll€Sl110...[€11lpO.$€.Ll....6lggi1)1fflfll,:
Entretanto, a inversao so ganhara sentido quando comegannos
1IL@..n_t0; depois de um séc.u.lo,de grandes transformacoes, o materialismo
a tirar dai as consequéncias. g _l1_i_st_orico,e odialético tao poderosos no plano teérico nao podem se sustentar
dogmaticamente”. (LEFEBVRE. Tiempos equivocos, p.9.)
KKK " Ha poucos meses de sua morte, em 1991, Lefebvre encerrou com a seguinte
Nao posso deixar de mencionar aqui a participacao crucial observagao o que talvez tenha sido sua ultima longa entievista. Afinal de
dc Margarida Maria de Andrade. Esta tradugao foi feita origi- contas, a questao é a seguinte: o futuro esta determinado ou ele e contingentef
nalmente no ano de 1995. Desde entao, tive o privilégio de Isto é dependente de nossas decisoes. De fato, ele nao esta determinado. O
1

que nao quer dizer que nao existam deterininacoes. H21 determinacoes, mas
contar com seu trabalho paciente e minucioso, acompanhado
nao determinismo. E preciso considerar que a historia continua..." (COMBES,
dc seu rigor intelectual aliado it intimidade com a obra Francis, LATOUR, Patricia. Conversation az/ec Henri Lefebvre. Paris: Messidor,
lcfebvriana. Seu envolvimento integral em todos os momentos 1991. p.113.)
nccessarios para que esta traducao saisse do terreno do impos- ‘ Segundo Lefebvre, as lutas de classes ultrapassam em muito as relagoes ao
sivel foi, portanto, imprescindivel. rés-do-chio da fabrica, assim como nao se circunscrevem a disputa entre
classes sociais por maiores fragoes da riqueza social, como foram tematizadas
Por fim, a pronta acolhida oferecida pela Editora da_ UFMG, pelo marxismo. Essa nocao se refere ao embate em torno da abertura e
que escolhi em virtude do trabalho sério e criterioso que nela rcalizagao dos possiveis. Cf. LEFEBVRE, I-Ienr1. Unepensee devemre morzde:
vcm sendo desenvolvido, também foi decisiva para ampliar faut-il abandonner Marx? Paris: Fayard, 1980.
cntre nos as possibilidades de conhecimento da realidade
urbana que este livro propicia.
Sé1gi0Mar1fz'ns

NOTAS

' (If. l.l€|<‘l<1BVRI-Z, Henri. Tiempos equiuocos. Trad. José Francisco Ivars, Juan
lsluriz 1'/.co. Barcelona: Editorial Kairés, [1975] 1976. p.224-226.
‘ (') que fa’/. o cconomista politico vulgar, transformado nao so em intérprctc,
mus princlpalmcntc cm apologista dcsta sociedade? Num outro livro dcdicado
an urbano, l.cl'cl.>vrc rclcmbra :1 ironia fina dc Marx: “Coloca-sc na accpgflo
rustrlta com :1 consciéncia pcrfcitamcntc cm ordcm, ou scja, com uma ccrtc'/.:|
que nao sc dlsllnguc da trivialidadc do bom scnso 0 :1 si mcsma so loma por
vvrdadu t‘icnlil'ica. Constata, conla, dcscrcvc. Tanlo contara ovos como tone-
laclas dc ago, gado ou u':|l)all1adorc-s, com :1 mcsma pcrrnancnlc, lr:|nc|illl:l c
lrmlmlrlvcl eerie‘/.a." Cl‘. l.l'.l<‘l~Zl'»VRlE, Henri. O/10r1su/Memo rm1!'.x'l.sru0¢1 clrl:/du.
'l‘r:td. Marla ldallna Furtado. Povoa dc Var"/.Im: Ullssé-la, l1‘)72l, ls.d.|. p.82-8.1.
" Nu mcsmo rclalo que cllcl anlcrlormcnlc, l,cl'uhvrc manll'usl0u seu t|cemc'o|'r.l<>
quunln ml lcllunnl |'|':|;4|ncn|m'l:m dc sua obra, que vl.~unn coniprccndé-la aos
"|wtlm;<m" vm lunqflo dus cum.-t~lr|llz:\g'0cs n que supuslumcntc ac rcl‘c|'cn\. Hm
vordudv, vudn ll1()|11t'l’llUt|t! seu |wrvu|'un lnlclvcltlnl an pudv erc*1'up|'c;-nrllclo.
lulu 6, npruprlmlo nela cmnp|'ec~|1nllu, ac: llvvrmcm vlurev.u com |*clng'flu ll
t‘ul|t'e|15'flu do mundu que llm 6 l'unt|unw. Plnlzre n cunlumu dc nun ulmr, que

ll 15
CAPlTULOl

DA CIDADE A
SOCIEDADE URBANA
Partiremos de uma hipotese: a n‘ ” co
Sflfllvdélde. Hipotese que posteriormente sera sustentada por
llrgumentos, apoiada em fatos. Esta hipotese implica uma defi-
nleflo. Denominaremos “s_ociedade.uxha.na” a_sQci_e,dade__que
l‘¢5ulta da urbam mtuflT.amanha....mfl.
Essa definicfio acaba com a ambiguidade no emprego dos
lcrmos. Com efeito, frequentemente se designa por essas pala-
vrns, “sociedade urbana”, qualquer cidade 0_Ll..Cil‘é:1 a cité grega,
It Cldade oriental ou medieval, a cidade com.er:cial_.ou industrial,
ll pcqucna cidade ou a megalopolis, Numa extrema confusao,
Btlquccc-se ou se coloca entre parénteses as relacoes sociais
(M rclagtoes de producao) das quais cada tipo urbano é soli-
cltlrlo. Compara-se entre si “sociedades urbanas" que nada tém /

(JG Comparaveis. Isso favorece as ideologias subjacentes: o


Driqmllcismo (cada “sociedade urbana”, em si mesma, seria um‘K
"toclo" orgilnico), o continuismo (haveria continuidade his-
I6l'l¢l1 ou permanéncia da “sociedade urbana”), o evolucionismo
la..-
(O8 perlodos, as transformacoes das relagoes sociais, esfu-
mnnclo-ac ou desaparecendo).
Aqul, reservaremos o termo ‘§_Qgiedad§_urbanaf_’_a_s_Qg_i_gg_la_glg_
Essas vpalavras designam, por-
IMIO, at socleclacle constituida por esse processo que domina e
lblorve :1 procluc,;:‘lo agricola. Essa sociedade urbana so pode
IQ!‘ Gflflfifiblfllil _€_1_Q_fl11£lLLl£LLl111.pmcesso.ndcurso»-do.quaL.explo-
Ila nl_nn.tlgn5-¢E01111flB--u~FlJfl'1’1l*$» .1l§.1'Sl€1€l§}§_L1e-t£ansforn1ag:oes
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absolutas sem..continu.idades..subjacentes, semisuporte e_sem st-ta preciso insistir demoradamente que a producao agricola
processo inerente? Reciprocamente, como existiria continui- pertlcu toda autonomia nos grandes paises industriais, bem como
dade sem cris.es.,. sem. o aparecimento deelementos ou de ll uscala mundial? Que ela nao mais representa nem o setor
relacoes nova-s-? principal, nem mesmo um setor dotado de caracteristicas
tllsllntivas (a nao ser no subdesenvolvimento)? Mesmo conside-
As ciencias especializadas (ou seja, a sociologia, a econo-
rnndo que as particularidades locais e regionais provenientes
mia politica, a historia, a geografia humana etc.) propuseram
tlus tempos em que a agricultura predominava nao desapare-
numerosas denominagoes para caracterizar a “nossa” sotcie;
\'c*r:||n, que as diferengas dai emanadas acentuam-se aqui e ali,
dade,,realidade e tendéncias profundas, atualidade e virtuali-
lulu é menos certo que a producao agricola se converte num
dades. Pode-se falar de sociedade industrial e, mais recente-
actor da produgao industrial, subordinada aos seus imperati-
mente, de sociedade pos-industrial, de sociedade técnica, de
vns, submetida as suas exigéncias. Crescimento economico,
sociedade de abundancia, de lazeres, de consumo etc. Cada
lnduslrializacfio, tornados ao mesmo tempo causas e razoes
uma dessas denominagoes comporta uma parcela de verdade
nu|>|'cmas, estendem suas consequéncias ao conjunto dos terri-
cmpirica ou conceitual de exagero e de extrapolacao. Para
7
|(‘1|'lns, regioes, nagoes, continentes, lfiesultadoz go agrupamento
denominar a sociedade pos-industrial, ou seja, aquela que... lmtllci-onal proprio a vida camponesa, a saber, a aldeia, trans-
nasce cla industrializacao e a sucede, propomos aqui este con- l'n|'|na-se; unidades mais vastas o absorvem ou o recobrem;
ccito: sociedade urbana, que designa, mais que um fato con; vlu su integra a industria e ao consumo dos produtos dessa
sumado, a tendéncia, a orientacao, a virtualidade. Isso, por lmlt'1st1'ia._A concentracao da populacao acompanha a dos meios
conseguinte, nao tira o valor de outra caracterizagao critica tlv p|'<)tlt|g;f1o. Q_tggg1giQ;_rJ;IgozJ1o p1;o1ifera,,es_ten_de.:.s_e.,_corroios-
da rcalidade contemporanea como, por exemplo, a analise l'L‘HlLlllt).s‘ dc vida. agrfiria. _listas_palayras,. “o tecido. urbano”,
da “§9_Ci€clade burocratica de consumo dirigidQ”. ltflu dcsignam, de maneira.-Lestrita, o dominio edificado nas '(..;'l<~.=r-~5'
l ‘Q Ur‘ ' “ l r
Trata-se de uma bzpotese teorica que o pensamento cientifico Ultludus, mas o conjunto das-manifestacoes do predominio da
tem o direito de formular e de tomar como ponto de partida. Tal cltlatlu sobrco <;ampo. Nessa acepgao, uma,segL1nCla..residénCi?l,
procedimento nao so é corrente nas ciéncias, como é neces- ulna rodovia, um supermercado...em_ipleno...camp.o,.fazemparte
sario. Nfio ha ciéncia sem hipoteses teoricas. Destaquemos klu lvuldo urbano. Mais ou menos denso, maispu 1116195 6513,6550 a'dM~e’l"“ .
(fig/K‘/)ay1’\fi"/.%
dc-sdc logo que nossa hipotese, que concerne as ciéncias ditas t‘ ullvo, ulc poupa somente as regioes estagnaclas. _.ou arrLli-
“sociais”, esta vinculada a uma concepgao epistemologica e lmtlus, devotadas it “nature2a”,, Para os produtores agricolas,
mctodologica. O conhecimento nao é necessariamente copia rm "c:|n1poncscs”, projeta-se no l1ori_zo,nte a agrovila,,de,sa-
ou rellexo, simulacro ou simulacfto, de um objeto joi real. Em pllltccndo a vcll1a...aldeia. Prometida por N. Khrouchtchev
contrapartida, ele nao constroi necessariamente seu objeto em mm t‘:l|H|)(>neses soviéticos, a agrovila concretiza-se aqui e
nomc dc uma teoria prévia do conhecimento, de uma teoria do till nu mundo. Nos Estados Unidos, exceto em algumas regioes
olajcto ou de “modelos”.glljara nos, aqui, o objeto sc inclui na tlu Hul, us cztmponeses virtualmente desapareceram; apenas
hlpotese, ao mesmo tempo em que a hipotcsc referc-sc ao |w|'slstmn ilhotas de pobreza camponesa ao lado das ilhotas
ohjc-to. Sc esse. “objeto” se situa além do constatfivcl (cmpirico). (Iv |ml>|'c‘/.:t urbana. Enquanto esse aspecto do processo global
nem por isso clc é ficticio. Enunciamos um 0&/clo ulrlual, a (llttlt|.~rt|'la|l'/.aq: 0 c/ou urbanizagao) segue seu curso,(a grande
sociedade Lu-bana, ou scja, un1_o(2_/cloltzossfr/¢'l, do qual tcrcmos L'ltlu<.lv cxplodlu, dando lugar a duvidosas_e§crescenpias: §tl?1lr"—
que mostrar o nascimcnto c 0 descnvolvlmcnto rclacionando-05 blus, cunluntos l‘CSlLlL!1lClLll5.,,QLl....CQl1111lLIXO.S_l_11(.lLLflQ§l§J..._P§.Q}l§'
a u 111 pmcasso c a uma pntxts (uma acito .pn1tlca)_.l null uglotnctatlos satélltcs pouco dil1'erentes. dc burgos urba-
tnmglgg, AH cltlzrdcs p<:<1LlCl1t\s c tnétllgts tornam-so dcpendC*ncias,
Que essa hlpotcsu dc-va ser lcgltlmada, rlflo dclxarctnmt
Qtéllllfiulfitlltld slit t11t:u'Gp0lc*. ll ttsslm que nossa hipotese lmpt‘>e-se,
do reltcrar c tcntatr. Os argumcnloa c provas cm seu favor‘
nflu fultnm, dam mats slmplcn an muls sutls. llu mcmnu tctnnu como ponto dc vlwgatlu dos conliuclrnunlos

t; Ht‘ 1| lg r ‘ll nun "P" /1 nu a gflgggfl vw 17


adquiridos e como ponto de partida de um novo estudo e de Do mesmo modo, em seguida, utilizando-se as palavras
novos projetos: »a_guArl;a,ni;a,g_ao completa. A hipotese a antecipa. "gevolu¢fio urbana”,_.Q§;5i.gn3Y§?I.Il9§.._9i....S2.Q}1iHQI.Q1§las-tr.ans£or—
‘_7Cot\<?s-“*5 5%
Ela prolonga a tendéncia fundamental do presente. Através e liittqocs que a sociedade contempmanea...atravess.a para passar
_ . - ~ - '1 lut -‘,-
no seio da “sociedade burocratica _de_,Qonsumg_ d_ir_i_gi_cl_QQ do pcrtodo em que predominam as questoes de crescimento t<’\/9 *
sociedade g.e.s_tacf1a.... u\~\/mt Ni
e dc lndustrializacao (models. nm ) ao
Argumento negativo, demonstracao pelo absurdo: nenhuma pfifludo no qual a problematica urbana prevalecera decisiva-
outra hipotese convém, nenhuma outra abarca o conjunto dos mentt:, em que a busca das solugoes e das modalidades pro-
problemas. Sociedade pos-industrial? Coloca-se uma questao: prlus it socieclade urbana passara ao,,primeiro plano. Entre as
o que vem depois da industrializacao? Sociedade de lazeres? ll‘tl|tHl'0r1nacoes, algumas serao bruscas. Outras graduais, pre-
Contenta-se com uma parte da questao; limita-se o exame das Vlflltls, concertadas. Quais? Sera preciso tentar responder esta
tendéncias e virtualidades aos “equipamentos”, atitude realista que~u\<> lcgitima. De antemao, nao é certo que, para o pensa-
que deixa intacta a demagogia dessa definicao. Consumo mttnlu, at resposta seja clara, satisfatoria, sem ambiguidade.
macico aumentando indefinidamente? Contenta-se em tomar M palavras ‘irevolucao urbana” £1ilQ_deS_ig11flmT--PQf-¢55énCifl,
os indices atuais e extrapola-los, arriscando-se assim a reduzir tt§‘0t'H vlolcntas. Elas. nao as excluem. Como separar anteci-
realidade e virtualidades a um (mico de seus aspectos. E assim pmlulncnlc o que se pode alcangar pela acao violenta e o que
por diante. aw pode produzir por uma agao racional? Nao seria proprio
A expressao “sociedade urbana” responde a uma necessi- tlll vlul€‘ncia desencadear-se? E proprio ao pensamento reduzir
dade teorica. Nao se trata simplesmente de uma apresentagfto tl vlul£‘nci:t ao minimo, comegando por destruir os grilhoes
litcrftria ou pedagogica, nem de uma formalizacao do saber nu |wnsa|ncnto?
adquirido, mas de uma elaboracao, de uma pesquisa, er mesmo Nu <|uc concerne ao utbanismoaieis duas balizas no caminho
dc uma formagao de conceitos. Um movimento do pensamento qua at-r-(1 |>e|'/corriAc|l§)._: R E(M_/),}l4,q,,,Z,>’.;,<..£~\ A _ gb
cm direcao a um certo concreto e talvez para o concreto se esboga ll) tnultas pcssoas, esde alguns anos, tem visto no U1 a-
c se precisa. Esse movimento, caso se confirme, conduzirft a
fllllllu uma pratica social com carater cientifico e técnico. Nesse
uma pratica, a pratica urbana, apreendida ou re-apreendida.
(Win, n rcl'lexf1o teorica poderia e deveria apoiar-se nessa
Scm duvida, havera um umbral a transpor antes de entrar no
|1l'tlllvu, vlcvando-a ao nivel dos conceitos e, mais precisa-
concreto, isto é, na pratica social apreendida teoricamente.
mcvntv, an nivel epislernologico. ,Ora, a auséncia de Lm1a..ta1,.
N110 so trata, portanto, de buscar uma receita empirica para
Ipltllutltulogia urbanistica é.flagrante...Iremos aqui nos esforgar
lahricar este produto, a realidade urbana.,I}_If1'o é isso_..Q que
Ptltll |v|‘t't*|tt'l1ut' tal lacuna? N510. Com efeito, essa lacuna tem
frcqt'1entemente se espera do “urbanismo” e o que m_uitas
Ufil Hi‘l\lltlu. N110 seria porque o carater _,i1_1,.5tilaciQna_le_id@0l5-
‘f9’/_<¢$ <25,.f.!l,1'bz1nistas’.’ .p1'o111e,ten3_?_,l_§_ont1"a o empirismo que Ml tllrmo :1 que so chama urbanismo prevalece, até nova or-
constz1t_a_,,_contt‘;1_,as extrapolacocs. que se aventuram, cQnl1'1l,
fillll, l1lQl)l't: 0 Ca1'{ttc1' cientifico? Supondo que esse procedi-
unfim, 0 saber em migzllllas. pretensamcnte comcstivcis, é_ uma
fi1€I1lt> pussu sc gencralizar, e que o conhecimento sempre
luorla que se anuncia a partir de u111:t~Q_(QQre_se[_c;c_1rl_cq£. A essa
flilllv pela eplslctnologia, o _u,rbanismo contemporaneo parece
pesquisa, a essa elaboracfto, associam-sc proccdimentos dc
/11¢?/m1<».'1><‘>.~ cxcmplo, a pesquisa conccrncntc a um 013/(‘I0 illlnnte
=
tllssu. F1 preciso
,1“, _, , .-
saber
-l.,,\:,.r-. r.
por dtle e diraé-lo; ’_
.l\ "1~~'~-..-_ \---‘ '\“""‘
/lllr//val, para dcfini-lo c rcalizfi-lo a partlr dc um projcto, jtl ll) tal CUIIK; ulu su aprescnta, ou scra, como polmca (com
lcm um nomc. A0 lado dos procedlmentos c ops.-ra;;ocs clftsslcas, HIDE tlupln uspccto lnstltucional c idcologico), o urbanismo
a alcalz/gala c a ln¢1u;:a2o, 11:1 a trur;,g¢lug:do(1'c11cx:'1o solar-c o objuto Eémllcltma-sc a uma dupla critica: _uma critica de direita e
[Jr1.s‘.\‘Il'lJ(’/). B11111 ertttca dc csqucrda.
O concclto dc "soclcc|adc' urbana" t\|1t‘C'HC‘l1ltlt|U anlc|'lo|'1nc*nlc: A er!‘/lea ela rllrvlla, nlnguém a lgnora, é dc born grado
lmpll<.'a, portanto, allnult:|:1eun1cmte, unm lilpotc-ac e uma tlvllrrlgrfio. Eilusttlluta, nao ruru hurmmlsta. Ela oculta c justlllca. dlrcru
O11 indifétflmenffi Q1113 i§l6019gi€1._neQl_iberal,,.0u.seja, a “livre lfltiltllncnte secretado.a~realidade..urbana, correspo.n.de .8 uma.
§‘l‘I1..1_.I;2..f_§§_,21.Z..Ela abre o caminhoa todas. as iniciativas “‘pr;iya_<;liS” lgleologia. Ela generaliza o que se passou na Europa por oca-
dos capitalistaS..._e. de_.s..e..us capitais. ill-‘lo da decomposicao da romanidade (do Império Romano)
A critica ole esqaerda, muitos ainda a ignoram, nao é aquela 9 (lit tcconstituicao das cidades na Idade Média. Pode-se muito
pronunciada por esse ou aquele grupo, agremiacao, partido, lien: sustentar o contrario.[_A agricultura somente superou a
aparelho, ou ideologo.classificados “a esquerda”,_E aquela fittlvlzt e sc constituiu como tal sob o impulso (?1Ul0fitHr10) C16
vi‘;
que tenta abrir a via do possivel, explorar e balizar um terreno &'t*l\lrt>s urbanos, geralmente ocupados por conquistadores
que nao s___e_ja__simp,1_e,smente aquele do “real”, do reali_zad_o, ltillwls, que se tornaram protetores, exploradores e opressores,
ocupado pelas forgaseconomicas, sociais e politicas existentes, lflln C", administradores, fundadores de um Estado ou de um
E, portant0,,uma critica a-topica, pois toma distancia emrelacao aglmgo dc Estado_.[ A_,_cj_rj_c_zg'e Q0liticaa_go_mpanha, ou, segm-:..d.e
pgrlo, 0 estabelecimento de uma vida social organizada, da
ao “real”, sem, por isso, perdé-lo de vista.
flfll‘lL‘tlltura e da aldeia.
Dito isso, tracemos um eixo:
I7. vvldcntc que essa tese nao tem sentido quando se trata
film lmunsos cspacos onde um seminomadismo, uma miseravel
O > 100% Rfl|'lt‘t|llura itinerante sobreviveram interminavelmente. E certo
que vla st: apoia sobretudo nas analises e documentos relativos
que vai da auséncia de urbanizagzao (a “pura natureza”, a terra an "modo dc produgao asiatico”, as antigas civilizagoes cria-
cntregue aos “el<—:-mentos”) _a culmingacao do processo. Sggnifi- tltl|'m¢, no mesmo tempo, de vida urbana e de vida agraria
‘cante desse significado — o urbano (a realidadeurhana.) (Mqmp(,1;1|ni;t, Egito etc.2). A questao geral das relacoes entre
we §i?_<.Q.._é__.?1.9.....ll1§Z§lT119.I911?-.129. .._@.spa9i.=.1l_ 6 temporal: cspacial, I Qltlutlt: c 0 campo esta longe de ser resolvida.’
r><>r<1u¢ °._P,1iQ?f-T.§.§.9...§.¢.¢§F§.!1Q§.11Q_?§P%§9 qu¢ ¢1@.m<>Qfi¢?1; A|‘t‘ls(|t|e|no-nos, entao, a colocar agidadepolitica no eixo
l,'c3mpo1*al,, umi1..ve,_z qL_1Q__5_@ desenvolve no ten1po,__aspeCt_Q.Ll<i Qpptlqt>-temporal perto da origem, _Q_uem povoava essa cidade
inicio menor, depois predominante,,pratic,a,,e_da his,tovi;i_a_,_
Esse esquema apresenta apenas um aspecto dessa historia, fifllllllurr Saccrdotes e guerreiros, principes, “nobres”, chefes
lfllllltltws. Mas também administradores, escribas. A cidade
um recorte do tempo até certo ponto abstrato e arbitrario, pnllllvu nao pode ser concebida sem a escrita: documentos,
dando lugar a operacoes (periodizacoes) entre outras, nao Ofllflltfl, lnvcntftrios, cobranca de taxas. Ela é.int6iI‘€1m@11Y@
implicando em nenhum privilégio absoluto, mas numa igual Qftlfillt v <>|'clc|1:\g;:"\(>, poder. Todavia, ela também implica um
nccessidade (relativa) em relacao a outros recortes. lflllflllltttlti c lrocas, no minimo para proporcionar os materiais
No caminho percorrido pelo “fenomeno urbano” (numa lflllllpvlisavels a gucrra e ao poder (metais, couros etc.), para
palavra: o urbano), coloquemos algumas balizas._No inicio,__o Ilitliufll-lus c conscrvai-los. Consequentemente, ela compreende,
que lift? Populacoes destacadas pela etnologia, pela antrop0.- ‘I I11:-tltclra subordinada, artesaos, e mesmo operarios. A
1og,i,a__. Em torno desse zero inicial, os primeiros grupos humanos
(coletorcs, pescadores, cacadores, talvez pastores) marcaram c
1JUllLlCa adtninistra, protege, explora um territorio fre-
vasto, ai dirigindoos. grandes. .UT€l,l32Lll1OS..21g1T1.C.Ol2l$I >(--‘\

nomcaram o espaco; eles o exploraram halizando-o. Indicaram lrrlgacao,. consu:uga.o.tleidiq_u 6.S_,,Z1L‘IQL€.211I1.€.11LQs.etc.


us lugarcs nomeados, as topias fundamentals. Topologia e graclc golwc um dctcrminado gnfrmero de aldeias_.,_Ai,m1_1;>,r_o__-__
cspaclal que, mais tardc, os camponeses, scdcntarizados, aper- L10 @010 |;Q1'n;\g5_Q 1)l‘Q]r1lE.Q£l.d_¢.,2111111131133.£10
l'clqo:tr:un e prccisaram sem pcrturhar sua trama. O que lmporta Q11 grgl;.:t11.c.d:1 acilo. Entretanto, os camponeses e as
6 saber que cm multos lugarcs no mun 0, c sem dtivlclu cm L‘onscrvttm a posse efetiva mediante o pagamento
todos us lugares uncle al1lst6|'l:1 aparcce, ciglaglc tl§‘Qlnptllj_l1()llq- Erllwtou.
op scgulu dc pcrto at t\lcl’¢1b,l A t'ept'enentaql'to uegundo at qual Q. Nunea aunentes, a troca c o comérclo dcvcm aumcntar. Dc
ctunpo cultlvrulu, at aldela e at elvlllzacao cninpunesa, tcrlttm seiafladaa at peasant: uuupeltas. 0" "°"l""’13¢lI‘<>H". r-'1t~'H
se fortflllecem fancionalrnente. .Os,.lu.gar.es destinados atnoca . -j Qudocste, na F1‘flI1§a, Pflmelms _C1d9-de_5 if 'f‘e Conslltufrem
C 210 Cornéfcio S510’ de inicio, fOI'[en'1ent€ marcados por Signgs ; l€)l‘l1() Clll. pllflga C10 m€1‘Ca<.lO. IrOn12. (121 l11StO1‘1a. f€t1Cl11S1T1O

de /oeterotopia. Como as pessoas que se ocupam deles e os ‘ mercadoria aparece corn o reino da mercadoria, com sua
ocupam,_esse,s,__1ugaressao, antes de mais nada, excluidosgla sua ideologia, com sua lingua e seu mundo. No seculo
ci_dade politica: caravangaras,,pra<;as de mercado, fanb0urgs~”' edita-se ser suficiente estabelecer um mercado e cons-
etc..O processo de integracao do mercado e da mercadoria IS, porticos e galerias ao redor da praca central, para
(as pessoas e as coisas) a cidade dura séculos e séculos. A mercadores e compradores afluam. Senhores e bur-
troca e o comércio, indispensaveis a sobrevivéncia como a vida, :dil'icam, entao, cidades mercantis nas regioes incultas,
suscitam a riqueza, o movimento. A_'g,i,cl._21.,(.l.6:..politica--resistecom csérticas, ainda atravessadas por rebanhos e semino-
toda a sua forca, com toda a sua coesao; ela sente-se, sabe-se ransumantes. Tais cidades do sudoeste francés perecem,
ameacada pelo mercado, pela mercadoria, pelos comerciantes, le terem os nomes de grandes e ricas cités (Barcelona,
por sua forma de propriedade (a propriedade mobiliaria, \, I’/aisance, Florenca, Granada etc.). De todo modo,
movente por definicao; o dinheiro). Inumeraveis fatos testemu- .' Ul(flfCQI]1.lil tem seu lugar, no percurso, depoisda cidade
nham a existéncia, ao lado da Atenas politica, tanto da cidade . Nessa data. (apr.oximadam.e.nte...no1€é§_fEo. Xl.\/Z, na
comercial, o Pireu, quanto as interdigoes em vao repetidas a Ocidcntal), _a lroca comercizll torna-sé‘l'%lanc ;
disposicao de mercadorias na agora, espaco livre, espago do can ll."/. surgir uma f0_rm_a (ou formas: arquiteturais e/ou
cncontro politico. Quando Cristo expulsa os mercadores do lcas) e, em decorréncia, uma nova estragara ,do,_,espaco.
tcmplo, trata-se da mesma interdicao, com o mesmo sentido. l As lransformagoes de Paris ilustram essa complexa
Na China, no Japao, os comerciantes permanecem durante 0 entre os trés aspectos e os trés conceitos essenciais:
longo tempo na baixa classe urbana, relegada num bairro
l'u1'ma, cstrutura. Os burgos e fauboargs, inicialmente
“especializado” (heterotopia). Em verdade, é apenas no Ocidente lals c artcsanais — Beauboarg, Saint-Antoine, Saint-
europeu, no final da Idade Média, que a mercadoria, o mercado
--, lolnam se centrais, disputando a influencia, o pies-
c os mercadores penetram triunfalmente na cidade. Pode-se t : cspago com os poderes propriamente politicos (as
conceber que outrora os mercadores itinerantes, um pouco
'00s), obrigando-os a compromissos, participando com
guerreiros, um pouco saqueadores, escolheram deliberada-
vu|1stltt|i<,,?:1o de uma poderosa unidade urbana.
mente as ruinas fortificadas das cidades antigas (romanas)
para levar a cabo sua luta contra os senhores territoriais. Nesta 1 dctcrminado momento, no Ocidente europeu, tem
hipotese, a cidade politica, renovada, teria servido de quadrp_ In "acontccimcnto” imenso e, entretanto, latente, se
I dl'/(er, porquc despercebido. O peso da cidade no con-W7 ~
a agao que iria transforma-la. No curso dessa luta (de classes)
contra os senhores, possuidores e dominadores do tel-mot~1¢>f" llll Lorna sc tal que o piopiio COI1]Ll1’1[O desequilibra-se
luta prodigiosamente fecunda no Ocidente, criadora de uma. U entre alctdttdc e campo aindaconferia a primazia a
historia e mesmo de historia tout court, a praca do mercado, lmo Z1 iiqucm tmobiliaiia, aos produtos do solo, as
torna-_se central. Ela sucede, suplanta, a praca da rcuniao (:1

0ult\I>clu,ltl.\s
|\
tcuttotialmente
1 \ K -~'- -'1
(possuidores
'
de feudosI
ftgora, o forum). Em torno do mercado, tornado csscnclalw itulua nul)lllfitlos_). A cidade conservava, em relagao aos
7
agrupam-sc a igreja e a prefeitura (ocupada por uma ollgarqula , um L‘a|'t’tlet' hctcroto '>ico marcado tanto pelas muralhas,
dc mercadores), com sua torrc ou seu campan.’1rio, simbolo de pill“ ll‘ttl15l¢ilQ dos /aLLb0m'gs/ Num dado momento,
lihcrdadc. }?_,<:.\' '- ' ’ ' ' ue a arcr__rl/._e,_l_tr_rar segue c traduz :1 I lilqfitm mtlltlplas sc invertcm, ha uma reviravolta. No
@_<_>_\_/itconccpgzilo._da_,gidaclc. -' - urbafialtorna-se o lugar F ve net‘ lndlcado 0 momcnto privilcgiado dessa revira-
glo €'nCQl‘l.lLQ..Cl.tS ¢QlStm.¢..§.L15..pessoilfl-._§l§_,t_1'ocfl. Elc sc orna Efiliil lnverano da ltctuotopit Dude cntao, 1 cidade
magma dQs,,sl5;nQ§__gLg:,§.qa__ltl9,_e1'cl:1cle cor1qu1smcla,- que. .par.ecan l recs maln, nem memao para si mesma, como uma ilha
Lllacrdaclga Luta grancllosa ea u~mm~m. Nesse sentido, lmuve fitlln oemlno ¢an1|atméa; ela nao aparecc mais para si
razao era estudar, clando-llmes um valet‘ all-abéllca,._as "bras/I¢1e.w"‘ (491118 palaelaxu, monstro, 1|1Fer'11o ou paratso oposto
try
t

it natureza aldea ou camponesa. Ela entra na consciéncia e olbar, ao mes_II1Q,E§IIlp.Qide_al. e,..reamsLa —— §lQ..pfi1nS.amento, do
no conhecimento como um dos termos, igual ao outro, da poder —-—, situa—se na dimensao vertical, a do conhecimento e
oposicao “cidade-campo”. O campo? Nao é mais — nao é nada da razao, para dominar e constituir uma total_i,g1_;;Q'§: a cidade;
mais -— que a “circunvizinhanca” da cidade, seu horizonte, Essa _inf_le_xao da 1'e__alida_de,sQ_c_ial para ogurbagngo, essa des-
seu limite. As pessoas da aldeia? Segundo sua propria maneira continuidade (relativa) pode perfeitamente ser indicada no ttt
l
de ver, deixam de trabalhar para os senhores territoriais. ,1?r_Ao_- eixo espaco-temporal, cuja continuidade permite justamente
duzem para a cidade, para 0 mercado urbano. E, se sabem que situar e datar cortes (relativos). Bastara tragar uma mediana
os mercadores de trigo ou madeira os exploram, encontram entre o zero inicial e o nomero final (por hipotese, cem), Low".
porém no mercado o caminho da liberdade. Essa inversao de sentido nao pode ser dissociada do cres-
O que se passa proximo a esse momento crucial? As pessoas cimento do capital comercial, da existéncia do mercado. E a
que refletem nao mais se véem na natureza, mundo tenebroso cidade comercial, implantada na cidade politica, mas prosse-
atormentado por forcas misteriosas. Entre eles e a natureza, guindo sua marcha ascendente, que a explica. Ela precede
entre seu centro e nflcleo (de pensamento, de existéncia) e 0 um pouco a emergéncia do capital industrial e, por conse-
mundo, instala-se a mediagao essencialz a realidade urbana. guinte, a da cidagrLe__incin_s_t,,1fz;al. Este conceito merece um
Desde esse momento, a sociedade nao coincide mais com o comentario. A...i!1§li1_SI_ria estaria vinculada a cidade? Ela, estaria,
campo. Nao coincide mais com a O Estado os subjuga, antes de mais nada, lig_a_da“_a__mn_ao-_c_taacte,Mauséncia ou ruptura
os refine na sua hegemonia, utilizando suas rivalidades. Para da realidade urbana. Sabe-se que inicialmente a inditstria se
os contemporaneos, entretanto, a majestade que se anuncia implanta — como se diz — proxima as fontes de energia
lhes aparece velada. A quem se confere a Razao por atributo? (carvao, zigua), das matérias-primas (metais, texteis), das
/\ Rcaleza? Ao divino Senhor? Ao individuo? Contudo, é a razao reservas de mao-de-obra. Se ela se aproxima das cidades, é
da Cite que se restabelece apos a ruina de Atenas e de Roma, para aproximar-se dos capitais e dos capitalistas, dos mercados
apos o obscurecimento de suasobras essenciais, a logicage e de uma abundante mao-de-obra, mantida a baixo preco.
o direito.__O Logos renasce; mas o seu renascimento nao lé Logo, ela pode se implantar em qualquer lugar, mas cedo ou
atribuido ao renascimento do urbano, e sim a uma razao tarde alcanca as cidades preexistentes, ou constitui cidades
transcendente. O racionalismo que culmina com Descartes novas, deixando-as em seguida, se para a empresa industrial
acompanha a inversao que substitui a primazia camponesa ha algum interesse nesse afastamento. Assim como a cité politica
pela prioridade urbana. Ele nao se vé como tal. Durante esse resistiu durante longo tempo a agao conquistadora, meio paci-
periodo, entretanto, nasce a jimag_e__1_n__aacid&LQ'§l A Ciditde jfl fica, meio violenta, dos comerciantes, da troca e do dinheiro,
dctinha a escrita; possuia seus segredos e poderes. Ela jft a cidade politica e comercial se defendeu contra o dominio
t
’ .
opunha a urbanidade (ilustrada) a rusticidade (ingénua e t da industiia nascente, contra o capital industrial e o capita-
brutal). A partir dc um determinado momento,,,.e,la tem sua lismo tout court. Por que meios? Pelo corporativismo, a imo-
propria escrita: o plat/zo._ Nao entendamos por issofa p1anifi- bilizagao das relagoes. O continuismo historico e o evolucio-
cacao —- ainda que ela também seesboce — mas ,a_,plam'me— nismo mascaram esses efeitos e essas rupturas. Estranho e
lrlu. Nos séculos XVI c XVII, quando ocorre precisamente essa admiravel movimento que renova o pensamento dialético: a
invt-rsao dc sentido, aparecem, na Europa, os planos de cida- n;1<>-¢i<l;L<l9 =1 lmticidade vfio COHQUiSI;Uf...ét..§.i§l.£1d€, penetré-la,
<lc=1' v. -swbrctudo, as pl'i111¢i.ros planos de Paris. Ainda nao l'a'/.Cr-la cxplodir, e com isso estendé-la desmesuradamente,
sao planos ahslratos, projcq;z"to do <:sp.a§;.o,_u1‘ban_o__num...§§pa- levando it Lt1'bai1izag;ao da sociedade, _ao tecido urbano. reco-
yo dc uoordunadas p,uo1t1él1'iC.as. (Zomhinacao entre a visao e brindo as remancsci-ncias da cidade anterior it indL'1stria., Sc
at t'u|1('t'|)g‘:l(), ohras dc artc t: dc cléncia, os planos mostram a cssu 1.-xtraot'dl|1tlt'io movimento cscapa a :ttent;ao, so elc foi
t'|tl:\<|t* a partlt do alto t‘ dc luttptv. vta perspectiva, ao mesmo dcsrrlto apt-nas l'r:tgn1cntarlatncnte, 6 porquc os itlcologos
tempo plntada. l‘£‘1)l't.'HL‘l1ll-ltltl, descrlta gcontcltlctttnctttc. llnt qttl.-wt':ttt\ ullntlttar o pvnsatnvnlo dl:tlC~tl<.'o 0 a anallsc das

1'1 I5
mm ii hi mm ml-land:
enatatneltc das eoerénelal e we-somente du B ll confirm: como dominante, isso so ae
F§ease movimento, :1 renliclncle urbana, no mesmo tempo
flcuclu c estlllialggmlai, pcrde as tragos que :1 épocu tlflEEl‘lQ1'll1I
fin prablamdtica llrbarm. Que fazer? Como constrL1l|'
an “ulgunm colsu” que succdu 0 que outrora lol :1
utrlhufa: totulldade orgfinlcu, sentido do pen-tencer, lmngem pensar 0 fcnémeno urbane? Como l"'ormulur, clas~
cnultccedora, cspaco dc-marcado e dominaulo pelos esplen- l1lel'urqulv.ur, |’)ill'2l resolve-las, as inumer:’1veis questoes
dorcs monumentais. Ela sc povoa com os slgnos do urh:m(> na Q()l()c;l gt que dlllcilmente passam, nao sem mfiltiplas
tllss<>lL|g:"l<> da urlwzmidade; torna-so cstipulagflo, ordum 1'cpres- , no prlmciro plano? Quais os progressos deci-
siva, i11sc1'ig"f1<> por sinais, codigos sumflrios dc ci1'cula;;fl0 (per- H lieleln ru:1ll'/.ados na teoria e na acfio pratica para que
cursos) c dc releréncia. Ela se lé ora como um rascunho, om ulcamcc 0 nivel do real que a ultrapassa e do
como uma mensagem autoritfwia. Ela se declara mais ou memos que lhc cscapa?
impcriosamentg§\Nenhum desses termos descritivos d:'l contn
Mfilm ac lmliza 0 eixo que descreve o processo:
completamente do processo historico: implosito-explosaio
I
(inctftfora emprestada cla ffsicaanuclear), ou seja, _a cnormc
»/ll» 1"’, "J
c0ncent1fac_271.0 §de pessoas,__de ativiclades, de. riquezzls, dc COlSLlS
0 l‘ “ /' a’
c dc objetos, cle instrumentos, de meiose de pensamento) ml l "' r
m‘|m|p - , .
Cid.|dc Cic1 ace
1 _i> z ona
realidade urbana, e a imensa explosao, a projecfio dc frag- |m|"|H| ((,|m,_rc,‘,| rndustrnl crr ica
mcntos mflltiplos e clisjpupntos (periferias, subzirbios, resicléncias I

secundarias, satélites etc.).


A cidade industflal (em geral uma ciclacle.info,r1ne., uma
inflexao
aglomeracao parcamente urbana, um conglomeradQ,__umu do agrario
“conurbacfio”, como o Ruhr) precede e anuncia a z0mLcrit.zTca. para 0 urbano
Nesse momento, a in1pclos p _p,Loduz~-atodas. _aS_§~t_1ast implosdo-explosdo
cocn,s>eq_f1.éncCiiacs.,O cre_scimg1_1_tQ_cla_pifoqgcjo industrial super- (concentragao urbana,
poe-se ao crescimento das trocas comerciais e as multiplica. éxodo rural, extensao
do tecido urbano, subordinacfio
Esse crescimento vai do escambo ao mercado mundial, da
completa do agrzirio ao urbano)
troca simples entre dois inclividuos até a troca dos produtos,
das obras, dos pensamentos, dos seres humanos. A compra e
:1 venda, a mercadoria e 0 mercado, o dinheiro e 0 capital
parecem varrer os obstaculos. No curso dessa generaligagailo, () que se passa durante 2} crzTtzLca__? Esta obra tenta res-
por sua vez, a conseqiiéncia desse processo — a saber: aieali; pundcr :1 esta interrogacao, que situa a problematica urbana
clade urbana — torna-se causa e razao. O incluzido toma-se nu processo geral. As hipoteses teoricas que permitem tracar
dominante (inclutor). A problemdtica urbana impoe-se at escala Um uixo, apresentar um tempo orientado, transpor a zona
munclial. Pode-se clefinir a realidade urbana como uma “superes- t'1'll|c:1 pelo pensamento, indo além dela, permitem apreender
trutura”, na superficie da estrutura economica, capitalista ou n que sc passa? Talvez. Ja podemos formular algumas supo-
socialista? Como um simples resultado do crescimento e das Mlqocs. Da-se — salvo prova em contrario — uma segunda
forcas produtivas? Como uma modesta realidade, marginal lnl'lcxz"1o, uma segunda inversfio dc sentido e de situacao. A
em relacao it producao? Nao! A realidade urbana modifica as lntlustrializacfio, poténcia dominante e coativa, converte-se em
relacoes de producfio, sem, alias, ser suficiente para transfor- rvallldade clominada no curso de uma crise profuncla, as custas
ma-las. Ela torna-se forca produtiva, como a ciéncia. O espaco do uma er-norme confusao, na qual 0 passado e o possivel, 0
e a politica do espaco “exprimem” as relacoes sociais, mas mclhor e o pior se misturam.

26 27
Essa hipotese teorica concernente ao possivel e Z1 sua Q Crescimento das trocas e da producao industrial. Todavia, a
relacao com o atual (o “real”) nao poderia levar a esquecer prnhlctnfltica urbana nao pode abson/er todos os problemas.
que a entrada na sociedade urbana e as modalidades da A llgrlcultura e a indfistria conservam os seus problemas pro-
urbanizacao dependem das caracteristicas da sociedade prlos, mesmo se a realidade urbana os modifica. Ademais, a
considerada no curso da industrializacao (neocapitalista ou [9|‘nl>lc1n:’1tica urbana nao permite ao pensamento lancar-se
socialista, em pleno crescimento economico ou ja altamente fin Oxploracao do possivel sem precaucao. Cabe ao analista
técnica). As diferentes formas de entrada na sociedadeiurbana, {lat-|t‘|'evc1' e discernir tipos de urbanizacao e dizer no que se
as implicacoes e consequéncias dessas diferengas iniciais, i-E)|‘|m|':un as formas, as funcoes, as estruturas urbanas transfor-
fazem parte da problematica concernente ao fendmeno urbana Hilltlus pela explosfio da cidade antiga e pela urbanizacao gene-
ou “o urbano". Esses termos sao preferiveis a palavra “cidade”, ral!’/.ad:\. Até 0 presente, a fase critica comporta-se como uma
que parece designar um objeto definido e definitivo, objeto "fllllxa prcta”. Sabe-se 0 que nela entra; as vezes percebe-se
dado para a ciéncia e objetivo imediato para a acao, enquanto 6 que dela sai. Nao se sabe bem o que nela se passa. Isso
a abordagem teoorica reclama inicialmente uma critica desse flulldcna os procedimentos habituais da prospectiva ou da
“objeto” e exige a nocao mais complexa de um objeto virtual p|‘u|c'g':\o, que extrapolam a partir do atual, ou seja, a partir
ou possivel. Noutros termos, nao ha, nessa perspectiva, uma {IQ uma constatacao. Projecio e prospectiva tem uma base
ciéncia da cidade (sociologia urbana, economia urbana etc.) ilfllvrmlnada apenas numa ciéncia parcelar: na demografia,
mas um conhecimento em formacao doprocesso global, assim pm‘ vxumplo, ou entao na economia politica. Ora, o que esta
como de seu fim (objetivo e sentido). IIH qllvslzlo, “objetivamente”, é uma totalidade.
0-.1/1.rba110_.c(abrevia,cao1. de ..“socied_a_de urbana”) define-se |'n|':\ mostrar a profundidade da crise, a incerteza e a per-
po1ft_antoMni'1o como realidade acabada, situada, em relacflo :1 plvxlclalde que acompanham a “fase critica”, pode-se efetuar
1i.§.1.1.i..<.1.,§@.,<_.lr<:-,a.,t,.t_1..alaidemaneira 1i::c.uad¢1 HQ tempo, mas, no Con- Umu <'o|1l'rontag€1o. Exercicio de estilo? Sim, mas um pouco mais
tr:'1rio, como horizonte, comocvirtualidade ilu.minadora.__Q_ que lrmn. liis alguns argumentos a favor e contra a rua, a favor e
U_1Tl?2Q.Q.,§_9.,D_Q§££I2§l,v.Q§fi.11i;lQ.WpaQr L1,_I11€L dire_c?1.<.>,..no.__£ii11,.<l9_11ql;; Ismlrn n monumento. Deixemos para depois as argumentacoesz
cvu~r§__o_M_g;1_e__vai__Aern__dire.ca_o_i_,aWele. Para atingi-lo, isto (2, para I l't|Vm' 0 contra a natureza, a favor e contra a cidade, a favor e
rcalizft-lo, é preciso em principio contornar ou romper os obs- Onnlrn u urhanismo, a favor e contra o centro urbano...
laculos que atualmente o tornam impossiuel. O conhecimento /l_/rim)!‘ du ma. _Nf1o se trata simplesmente cle um lugar de,
lcérico pode deixar esse objeto virtual, objetivo da acflo, no Qllnugcni c circulagao. _A_inyasaodos.automovei_s_.e..a.pres.s,fio
al>strato? N510. De agora em diante, o urbano é abstrato unlea- fllfllm lndflslria, isto é, do lobby do-automovel, fazem dele um
mcntc sob 0 titulo de abstmgaio cientifica, isto é, lcgltima. O flblfllu-pllulo, do cstacionamen-to uma obsessao, da circulacao
conhecimento teorico pode e deve mostrar 0 terreno c a l)tll-BL‘ L
$111 ubjclalvo prlo1'itz'11‘lo, destruidores de toda vida social 6
4

sohre os quais ele se funda: uma pratica social em marcha, ll Hliillml Aproxim.1-se o dia em que sera preciso limitar os
/nzillca m"bcma em via de constituicfio, apesar dos olwstaculon dlffilltm 2* podcrcs do automével, nao sem dificuldades e des-
que a ela se opoem. Que atualmcnte esta pratica cstcja vclada Iffllyfirn. A run? 131 o lugar (topia) do_encon,t1iQ_i..§§lI!>iQ,_€1}}E1l.9§Q
c dissociada, que hoje cxistam apenas fragmentos da rcullclade t tem outros cncontros pos-$iV@iS nO5_1k18?}1'@$ ¢l¢Y¢¥l11i!1.él£l$l?'
e da cléncia futuras, esse é um aspecto da l’ase crltlca. Que *ll'§!. lemma, salas diversas). Esses lugares privilegikadpos
ncsta orlcnl':1<;ao exlsta uma saida, que cxlstam solug,‘<‘>cs para Elmira Ll rua u 5110 l'av01'ccidos por sua animacao, oup,v_ehntap__Q
:1 prohlemfitlca atual, é o que 6 preciso niostrar. llm sumn, (3 filllalom. Na run, Lcalro espo11tf111eo, torno-me espetaculo
oi;/010 ulr/mil nao é outra colsa que a S()Cl(.!f.ll1(.lU planetzlrlu G iIp:cmc.lor, havczcs ator. Nola clbtua-sc on".111‘ovi111éntO',i_I§L
:1 "cidade mundlul", além dc uma crlsc mundlal c plnnelllrlfl _EHl’ll, nern on quills nao ha vida urbana, mas separz1,9ao,_‘
tla realidade e do penmunenlo, além das vellum l'rontel|'as Iiflféflllgtllu estlpuludu c linoblllzada. Quando so suprimiu a
tiwaclaa desdc 0 preclonilltlo ela agrleulturu, nmnllcluu no curso ‘Ll_g,‘;;|-lmglg-1', mm "novos con]unlo.~:"), vlu-so as
aannqfilnelnul n iitflfi6l9 dz vida, n reeluele ela "eidnele" a 5-uilelue. De tal made que a
clormltérlo, rt nhermnte Funelenallzacno ela exlaténela..A run lr mais longe: a run toma-me o lugnr privi-
eonrém as lllricoes ncgllgencladas por Le Corbualeri at furiqao wrifl rapressllo, posslhllllada pelo carflter "real"
.lnlo_1?111:1tlv:na\ l’ung:'1o slmbollca, a l’-uneflo ltldlea. Nels: 103:1-lie, QHH til ac constltuem, ou seja, no mesmo tempo
nela aprende-se. A rua é a desordem? Certamente. Todos on A passageln na rua, espago dc
l elemcntos da vida urbana, noutra parte congelados numa Q it uma so vez obrlggalcirla e raj;/Wniclal. Em caso
ordem imovel e redundantc, llberam-so c afluem as runs c por I Pl'll1\@ll'u ltnpofilcto do podcr é a interdicfto Z1 A ~ “-
elas em direcfio aos centros; ai se encontram, arrancados do Q Q reunlao na rua. ‘ea rua 11Q¢l<?._!QT.9§se _s.en-£i¢l0+ A
seus lugares fixos. Essa desordem vive. Informa. SL|l']')l‘L‘Ul1(.lL‘. pcrdcu, c naocpode senao l°@1'¢l-@191 Con‘ E‘
Além disso, essa desordem constroi uma ordem superior.Os l11c.l1spei1say_<;1_ ‘Q_,p£1ss;.Lgen1..solit;1lTi?1,
L£.lbfllhQsacle. l.ane. JacO.bs Amos.traram -que-lnos-_Es.tados U n id os ' _du-.pcdest1"_es.(encurralados)
a rua‘_(mQ.\aiment.a.§l;1.».£re,q.Llentadia)“.£omece..a {mica seg,u|fan<;a Sf? rua converteut-se_.en1 rede.
wpossi'v__eplcontraA__a violéncia criminal (roubo, estupro, agressflo). 10‘ A velocidade da circulacao
Onde qumerlque a rua.desap_ar_eca, a criminalidade aumenta, Sc nlnda lolclada, c a1 determinada e demarcada
pr_ganiVp_za.i_1\Ia rua, e por esse espago, um grupo (a propria dc p__er<:ebe1". as...yitrinas, de comP£;L1‘.r./O5
cidade) se manifesta, aparece, apropria-se dos lugares, realiza O tempo torna-se o “tempo-mercadoria”
um tempo-espago apropriado. Uma tal apropriacao mostra que Compm c vcnda, tempo comprado e vendido). A
o uso e o valor de uso podem dominar a troca e 0 valor dc 0 lclnpo alcmG
do tempo de trabalho; ela 0 submete r

troca. Quanto ao acontecimento revolucionario, ele geralmente llflttmtrl, 0 do rendimento e do lucro. Ela nao é
ocorre na rua. Isso nao mostra também que sua desordem H trnnsl<;ao obrigatéria entre o trabalho forcado, os
engendra uma outra ordem? O espaco urbano da rua nao é 0 c a habitacfio como lugar de consumo.
lugar da palavra, 0 lugar da troca pelas palavras e signos, 1icoc;\pim1ista.do4 9§§
assim como pelas coisas? Nao é o lugar privilegiado no qual se é. so a_do_poder _.(rpo1ai_c.cz)i,11.en1_=1.cq1.2_1_re19@?l§>_-
escreve a palavra? Onde ela pode tornar-se “selvagem” e inscre- vclada). A rua, .S.é1'i»€.__C_l_€ayiI1ZiI121_S,aQ§QQ§i§_5l_Q,,_€l€
ver-se nos muros, escapando das prescricoese instituicoes? nlostra comora logica da mercadoria é acom.pa_-at
Contra a ma. _Ltigar_de__encontro?1 Tal_ve.z,__mas_qJ.1a.is-e.r1con- contenilflrugio (ptassiva) q.ue.,.adquire o aspecto e
dc uma estética e de uma étical A acumulacao
Lr_Q.§2j_up§:LfiQi.ais. Na rua, caminha-se lado a lado, nao se
acompanha a da populacao e sucede a do capital;
encontra. E 0 “se” que prevalece. A rua nao permite a consti-
Ebnvertc numa ideologia dissimulada sob as marcas
tuicao de um grupo, de um “sujeitvo”, mas se povoa de um
E do visivel, que desde entao parece ser evidente. E
mg amontoado de sereps em busca._rDe qué?_‘Q mundo da merca-
,,.. ldoria desenvolve-se na rua. A mercadorial/‘que? £156 Ede
He pode falar de uma colonizagdo do espaco urbano,
flfflllltl na rua pela imagem, pela publicidade, pelo
¢6HFi1EEe?5§“1't?g:i}E§“<%15€6iauzaaos, os mercados (pracas,...),
dos objetos: pelo “sistema dos objetos” tornados
invadiu a cidade inteira. Na Antigiiidade as ruas eram apenas
e_ <_;-_t~y9_c»r=1_;;tg_<_>. uniformi;ac_a_o_.docenanio,azisiy,QLQa_
anexos dos lugares privilegiados: 0 templo, 0 estadio, a agora, * antig-2.15,, reserva aos, Mobcjeto.s.c.c(n;1.ers;a-
0 jardim. Mais tarde, na Idade Média, 0 artesanato ocupava as rmasaquie .Qs.tt_om1atI11_§tLr.a::n.te_st-
ruas. O artesao era, ao mesmo tempo, produtor e vendedor. Em ltaudel apropriag:5\.Qa§:aQL¢_.L¢ZH42llQ-
seguida, os mercadores, que eram exclusivamente mercadores, poder autoriza ,quando_W1;;,e_>rmn3_ Q
tornaram-se os mestres. A rua? Uma vitrina, um desfile entre as
lojas. A,,n1erQ3_€lQ_ria, vtornadacespetaculo (provocante, atraente),
la5*
,carnaval,-tbailnes,..._f<:,$Li}L€ti§.,_,,1-
Quanto at verdadeira apropriacao, a da “manifestacao”
.tra11SfQ¥__IT1_3?l$ p@s$9;1§.tc11n.e§p_¢tf€1tc_u1o_umas.paraicasaoQI§@lal§ é combatida pelas forcas repressivas, que comandam 0
arnaiscque gares,..a
tqrocave o valor de.t1¢oca..pr_e:,\_/‘21l\ec_c§ii1 E 0 esquecimento.

50 51
l

Gena-a -a monuments. a

Ela é Cl sede cle uma lnstltulello (:1 Igrelei, o Estndo,


a Llnlvei-slclacle). Sc ele omnnlza erri torno ele Ell um esp:-iqo, é
para coloniza-lo e oprlml-lo. Os grandes monumentos Forum
erguidos a gloria dos COflqLllSE2l(.lOl‘¢.‘H, dos poderosos. Mills
raraniente a glorla dos mortos e da beleza morta (0 'l"nd]
Mahall...). Construiram-se palacios e tfimulos. A inl’ellcld:ldc*
O CAMPO CEGO
da arquitetura é que ela quis ergucr monumentos, ao pzirmo
que 0 “habitar” foi ora concebido a imagem dos inonumcntml,
ora negligenciado. A extensao do espaco monumental no lllzndo nesta cxposigflo nao e historico na
habitar é sempre uma catastrofe, alias oculta aos olhos (l()H dense lcimo A cnasa arenteinentetomamos
que a suportam. Com efeito, o esplendor monumental é formal. I ' nra dcscievei e analisai sua genese, suas
E se o monumento sempre esteve repleto de simbolos, clc os IR! l|'unsloiinu,,oes Em verdade, colocamos
oferece a consciéncia social e a contemplacao (passiva) no 2 ob clo viitu il, 0 que nos perniitiu tracar o
momento em que esses simbolos, ja em desuso, perdem seu oral O lutuio iluminou o passado, o virtual
sentido. Tal é 0 caso dos simbolos da revolucao no Arco do I ill c '1llU£ll o iealizado E a cidade industrial,
Triunfo napoleonico. |tlll1u§,‘.lmento da cidade pre-industrial e pie-
A favor do monu1ne12to.~E_WgjiniVco lL_lg21.l1. .d.Q Vida icoletiva ) lmpaclo d1 industria e do capitalismo, que
(SiOCi.21l) q,L1,¢,,.isi.e pode ,,CQ_f1C_€,_3_l3_¢1f,_€3,iI1’l2lgiI1_21If. Se ele controla, 6 'endci su is concicoes, seus antecedentes, a
para reunir. Beleza e monumentalidade caminham juntas. Os Omeicial, esta, por sua vez, permite apieendei
grandes monumentos foram trans-funcionais (as catedrais), c \ it qual se supeipos Como Marx pensava, o
mesmo trans-culturais (os tumulos). Dai seu poder ético c 'ndc, como SLl]€1[O (consciencia), e permite
estético. Os monumentos projetam uma concepcao de mundo objeto ieal, seu ponto de partida, seu esboco,
no terreno, enquanto a cidade projetava e ainda nele projeta L' complcxo que ele proprio, a saber a ciianca
a vida social (a globalidade). No proprio seio, as vezes no l .1 c opaca, e a sociedade burguesa que permite
proprio coracao de um espaco no qual se reconhecem e sc | socicdades mais transparentes, a sociedade
banalizam os tracos da sociedade, os monumentos inscrevem :d.ldc medieval Nao o contrario Um duplo
uma transcendéncia, um allaures. Eles sempre foram u-topicos. soc se ao conhecimento, desde ue existem
Eles proclamavam, em altura ou em profundidade, numa outra ld ide relresswo (do virtual ao atual, do atual
dimensao que a dos percursos urbanos, seja 0 dever, seja o Ogressiuo (do superado e do fimro ao movimento
poder, seja o saber, a alegria, a esperanca. lm, que anuncia e faz nascer algo novo)
oilco pode ser recortado (periodizado) segundo
)6lllgdo asiat1co,escravista feudal capitalista,
recorte tem certas vantagens e alguns incon-
1 do c levado longe demais quando se insiste
cavlcteiisticas internas de cada modo de pro-
fio de cada um como totalidade a passagem
toina-se ininteli ivel, no exato momento em
c se acentua a inteli ibilidade de cada um
lamente Nao ha duvida que cada modo de
LIZIU (nao como uma coisa qualquer, mas como

52
urrm obra privllegineia) urn tipo ale cidade. qua 0 "exprinie" liemla clams palavras — naitireza, iazao -- pode
dc maneira imedials, visivei e legivel no tei'rei1o, iornnrldo sen- e eluddmlu em iiingliu Llii liisiéiiii aqui lncllcudur
sivcis as rclag‘ocs sociais as mails iil)Hll'1iiilH, ]i||'lc|lt'as, poliiirim, i us liti o lelltitlsino d i Naiurewa so iin ti do séeulo
ideologicas. Esse aspccto dcsconlinuo do tempo nao potlv éldios do XIX! O que so cnicndla poi isso? Nao
ser levado até o ponto em que a continuidade so Lorne minio- .i Lipltl
riegtlgao d.\ naturuz 1, uiqu into anteiloi ao
ligivel. Na cidade também houve um processo cumulallvo 8 ii nglio “l1Lim2il1QH"? Dupla negagiio pela cid ide
relativamente continuo: acumulacao dc conhccimcnios, do iiilti que l lea iriinsp.uecci c biilli 11 novamcnte
técnicas, de coisas, de pessoas, de riquezas, dc dlnlielro, Iflnienio, l Lid idc ap iiecc como segunda natuieza
depois de capital. Ela foi o lugar de sua acumulag;ao, cm que ll, mi Ida sobie 1 n ituiezt inicial e fundamental a
pese o capital ter nascido da riqueza criada no campo c suit 5!, ti lctra c o ai, a agua e o fogo Essa segunda
investimento industrial ter se voltado contra a cidade. Ildqulrc seu paiadignia, seu sistema de oposicoes
A teoria marxista da mais-valia distingue a forinagao dii D billlmnic c 0 sonibiio, a agua e a pedia a arvore
mais-valia, sua realizacao e sua distribuicao. A mais-vzllia i’llQi1'~ili'LlO“-O c o paiadisiaco, o rugoso e o polido,
formou-se inicialmente no campo. Essa formagao deslocou-so i o itriilici ll Nos e pelos poetas (Hugo, Baudelaire)
para a cidade na medida em que esta se transformou na sedc i rcmcic aos niitos da cidade, sobie os uais fala-
da producao, do artesanato, depois da industria. Em contra- imdc No cntanto, o ue ocoire com a tentativa,
partida, o sistema comercial e bancftrio das cidades sempre mpago urbano, de ieunir o espontaneo e o artificial,
foi o orgao da realizacao da mais-valia. Na sua distrib11i§z?<>, ti (.l.lllLli i Nao existe cidade, nem espaco urbano,
os niestres das cidades sempre tentaram dela reter uma grandi- sun paique, sem simulacao da natuieza, sem
parte (maior que o lucro médio de seus investimentos). Nos m cvoc icao do oceano ou da floiesta, sem aivoies
trés aspectos da mais-valia, o centro urbano desempenha um 6 iomaicm foi mas estranhas, humanas e inumanas
papel cada vez mais iinportante. O que define uma fungal) it l )Oii£il1[O, dos 1 aidins e P ai <1 ues Cl ue fazem a
essencial e, no entanto, desconhecida (despercebida), da ibana de Paris como de Londies, de Toquio ou
centralidade urbana no modo de producao capitalista. O que que, dt mesma maneira que as pracas e o aiiua-
torna inexata a afirmacao segundo a qual acidade de outrora csp icos seiiam o lugar de uma coirespondencia
e atualmente o centro urbano sao apenas superestruturas, J u quase, entre a cidade e o campo? Seiiam a
nao tendo relacao alguma com as forcas produtivas e o modo i Jo scnsivel de um allow es, a u-to P ia da natureza?
de producao. ll indispensavel para que se situe e se peiceba a
O eixo espaco-temporal permite situar algumasrelacocs l Jan 1' Ou ainda, seriam simplesmente o elemento
entre a cidade e o campo, e suas transformagoes. Ele nao onjunto urbano? O que ocorie com essas funcoes
retém todas, nem as contém totalmente. Por exemplo, ele nao dildes multifuncionais ou transfuncionais) nos
contém nem as condicoes, nem os elementos dos conceitos ii‘ des 9 Sao transformadas? O problema nao foi
ligados a essas relacoes: a natureza (a physis) e 0 logos (a l blliaiiamente e sem consciencia, or essa neutra-
razao). Ele nao mostra a genealogia da idéia de Natureza e ES )1 o nao edificado ilusoriamente voltado a uma
suas aventuras. O esquema indica uma inversao de situacoes, i lcla, o espaco verde 7
na historia européia, no momento do que comumente se ecios da pioblematica urbana (que nao sao menoies
denomina o Renascimento. No curso dessa fase critica, o que cas ima ens banalizadas do meio ambiente ,
exatamente acontece com os conceitos e representagoes que essas s upoem uma analise) nao figuram no esquema
palavras — natureza, razao -— designam? Modificando-se pro- 7cm paite da fase ciitica Ela os contem Seguindo
fundamente a relacao “cidade-campo”, houve correspondéncia empiegada diremos que essa fase comporta uni
ou distorcao entre essas modificacoes e as dos conceitos? A vazio), ou um momento sombrio (uma cawcapreta )

34
'*i 7" — _ _

ou, ainda, que ela designa um campo cego. Na fase ciitica, a de funcoes “reais”, reduz-se a funcao do
natureza aparece no primeiro plano dos problemas. Associadas
e concorrentes, a industrializacao e a urbanizacao devastam l preta. Ora confundidos num duo ambi-
a natureza. A agua, a terra, o ar, a luz, os “elementos” estao irmaos inimigos, ora associados distantes
ameacados de destruicao. Os prazos finais chegarao em datas o urbanista examinam a caixa preta Eles
precisas. Por volta do ano 2000, com ou sem uma guerra nuclear, e nela entra. Surpreendem-se com o que
a agua e o ar estarao poluidos a tal ponto que a vida tornar- 3 que nela se passa. Nosso esquema nao o
se-éi dificil na Terra. Pode-se, desde agora, conceber um “socia- tudo, que a cidade (a cité) foi o lugar das
lismo” bem diferente do que se entende por tal palavra, c :s resultado, simples efeito espacial de uma
daquele que Marx definiu. Os bens outrora raros tornam-so noutro lugar, no Espirito, na Razao Ele
abundantes: o pao e os alimentos em geral (ainda raros numa
E
o pode tornar-se ll Ol)]€[1VO
' ‘ >1
, isto
-
e,
~
criacao
--

grande parte mal desenvolvida do planeta, mas superabun- l'm. Resta demonstra-lo.
dantes na parte desenvolvida). A0 contrario, os bens outrora §s épocas. Trés “campos”, nao apenas de
abundantes tornam-se raros: o espaco, o tempo, o desejo. I-I , mas de sensacoes e de percepcoes, de
depois a agua, a terra, a luz. Nao se impora a gestao coletiva P de imagens e de conceitos, de linguagem
. . I

das novas raridades? A nao ser que se imponha a produgao de teorias e de praticas sociais:
ou re-producao de tudo que foi a “natureza”... iés),
Assim se determina a problematica parcial relativa a “natu-
reza”. Teoricamente, a natureza distancia-se, mas os signos da
natureza e do natural se multiplicam, substituindo e supl:in-
ntcrferéncias, desencontros, avancos e
tando a “natureza” real. Tais signos sao produzidos e vcndidos
lcs dc cesenvo
I 1 vimento e, sobretudo,
em massa. Uma arvore, uma flor, um ramo, um perfume, uma
: , lises
"'1"-Q ciiticas_. Eis,
' portanto,
- o que se
palavra tornam-se signos da auséncia: ilusoria e ficticia pre-
senca. Ao mesmo tempo, a naturalizacao ideologica ohcccu. icnto do eixo espaco-temporal, das hipo-
ts o dc verificacao. Entre duas épocas, no
Na publicidade, a dos produtos alimentares ou téxtcis, coinu
a da moradia ou das férias, a referéncia a natureza é const:mtt*.
ilfi dobras (nos nossos dias: entre o indus-
I que lift? Capas verbais, “significantes
Todos os “significantes flutuantes” que a retorica utill'/.:\ so
llo slgni/[cado (a industria, racionalidade
agarram a sua re-presentacao para encontrar um sentido 0
~| sulicicntc, ainda que permaneca neces-
um conteudo (ilusorios). O que nao tem mais sentido [7l‘()Clll'll
erbais, crrantes acima de seu solo natal,
reencontrar um sentido pela mediacao do fetiche “n:\li|rc7.lt".
Rara, fugidia, devastada, residuo da urbanizacao c da indus-
cl1 nem a um “CSLlj61lO
' ‘
filosofico
' / - Y7
, nem a
trializacao, a natureza é reencontrada por toda a purlc, mi ado " , ncm 2i uma at totalizacao
-
historica
- , . ,,

C onto se contcmpla, do aviao, as camadas


femininidade, como no menor objeto. Quanto aos “csp:tg'ui4 i.lH aqui, multo alto, muito leves, os cirros
verdes”, ultima palavra das boas intcncoes c das dcplo|'rivc'lli
Us nlmbos da racionalidade. E os pesados
representacoes urbanisticas, o que pcnsar scnao que constituent
’lL‘lH|11os. Todos linguagcns ou metalin-
um substituto mediocre da naturc7.a, um dcgradado slmt|lttt'i‘u
ilnho entre o real e o llcticio, entre o rea-
do espaco livre, aquelc dos cncontros c dos jogos, dos ptlrqtiélli
Vfio ii dcriva, escapando dos sortilégios
dos jardins, das pragas? O cspago assim ncutrull'/.:tdo ntllfll
dcgradantc clein<>ci':itl'zag"ao tem por simholo ll ".\‘qilm'9".' Q-l
iros.
urbanista obcdcce passlvaniente its pressocs do ntimero é Gl que niio silo tiprazlvcis, mas campus do
menor custo; it propria funcionnliclncie que 919 cré can Iilllliifli campus cc/gas. Nao somente
u|i.~iciu'os, ll‘i(,‘(‘i‘l()H, mal (,‘X|\lt)l'ilLl()H, mas t*c~gu.~i nu sentido em u urlmno iwscltw.-so an industrial. A k‘C‘HilL‘li'il, 0 nt‘lo~vcvr e o
que lifl, ml retina, uln ponto cego, t‘<.'nli'o d:1 vlszin ti, ('t)|1lll£lU,
tm<i~s:|iic*i', luipllcluu uma itlcuiutgizi. Us t':un|ios i*vp.ios Insta-
lllliilflt‘ ml |'c'-p|‘t'st‘|il:lg':\u. llil, de lnit'lo, :1 (I/)I‘(’.\‘t‘II/(I(_‘(lt) dos
sua neg:i<;:”t<>. Pitradoxos. () ollio nao se v0. lile iit‘(‘t‘H>illii de
ililns e dos cunjuulos de Ililos, o modo do perceive-los e do
uin espellio. O ponto central da visao nao se ve, nem sabe
que é cego. Esses paradoxos nao se estendem ao pensamento, i\ttl‘t||):l-los. llm seguida, ha :1 r'e-/nvsu/1/ucdo, a ii1tei'|>i'eizt<;a<>
dos ililos. lintre esses dois inomentos, e em cada um deles,
a consciencia, ao conhecimento? Assim, ontem, entre o rural
lulerv€*m dcsconliecimenios, mal-entendidos. O cegante (os
e o industrial; hoje, entre o industrial e o urbano, nao existe
t‘t)iillL'L‘lliiUl1l()S que so adotam dogmaticamente) e o cegado
campo que nao se vé?
lo desconliecido) sfio coniplementai-es na cegueira.
Em que consiste tal cegueira? No fato de olharmos atenta-
(lzunpos cegos? Nao se trata de uma imagem literaria, nem
mente o campo novo — o urbano —, vendo-o, porém, com
dc uma metafora, apesar do paradoxo da uniao entre um termo
os olhos, com os conceitos, formados pela pratica e_ teoria da
suhjeiivo, “ccgo”, e um termo objetivo, o “campo” (o qual,
industrializacao, com um pensamento analitico fragmentario
zitlemais, so se imagina iluminado). Trata-se de uma nocao
e especializado no curso desse periodo industrial, logo, redutor
que se encontra ou reencontra por varios caminhos, que
da realidade em formacao. Desde entao, nao vemos essa
emerge ao mesmo tempo filosofica e cientificamente, isto é,
realidade. Opomo-nos a ela, a afastamos, a combatemos;
nu analise dita filosofica e no conhecimento? Nao se trata
impedimo-la de nascer e de se desenvolver.
mais da distincao trivial entre o que fica na sombra e o que
O urbano (o espaco urbano, a paisagem urbana), nao o 6 iluminado, mesmo se acrescentarmos que a “iluminacao”
vemos. N65 ainda nao o vemos. Sera simplesmente o ollio intelectual tem limites, afasta ou menospreza isto ou aquilo,
formado (ou deformado) pela paisagem anterior que nao pode projeta-se aqui e nao ali, poe aquilo entre parénteses e isto
ver um novo espaco? Tratar-se-it simplesmente do olhar cul- em evidéncia. E isso nao é tudo: ha o que nao se sabe e o
tivado pelos espacos aldeoes, pela magnitude das fabricas, que nao se pode elucidar.
pelos monumentos das épocas passadas? Ha isso, como ha
O que existe no campo cego é o insigngficante, cujo sentido
mais e outra coisa. Nao se trata somente de uma auséncia de
sera atribuido pela pesquisa. Antes de Freud, o sexo era signi-
educagao, mas de uma ocultacao. O que olhamos, na verdade,
licante? Sim. De pecado, de vergonlia. Ao menos na cultura
nao enxergamos. Quantas pessoas percebem “perspectivas”,
ocidental (judaico-crista). Ou de sistematizacao ideal, na poesia,
angulos e contornos, volumes, linhas retas ou curvas, mas
para alguns poetas. Atribuir-lhe sentido era um ato. O sexo,
nao podem ver, nem conceber, percursos multiplos, espacos
antes de Freud, era ao mesmo tempo afastado, dilacerado,
complexosl Nao podem saltar do colialz'an0— fabricado segundo
reduzido, recusado (recalcado). Ele se apresentava no campo
as coacoes da producao industrial e do consumo dos produtos
eego, povoado de sombras e de fantasmas, expulso do concreto
da industria — para o urbano, que se libertaria desses deter-
por uma pressao iinpiedosa, por uma alienacao essencial. Nada
minismos e coagoes. Nao sabem construir uma paisagem, com-
mais propicio a um “claro—obscuro mistico”.
pondo e propondo uma idéia da feiura e da beleza especifi-
camente urbanas. A realidade urbana, antes de nascer e de O inconsciente seria a substancia ou a esséncia dos campos
se afirmar, se vé redaziola, de um lado, pelo mral (os subfirbios cegos? Mas esses campos sao campos: eles se oferecem a explo-
compostos por casas ajardinadas, os espacos ditos verdes) e, racao. Eles a aguardam. Sao virtualidade para 0 conhecimento
de outro, pelo cotidiano industrial (as moradias funcionais, e possibilidade para a acao. Por que e como permanecem
as vizinhancas, as relacoes, os trajetos monotonos e obriga- cegos? Ma-fé, mal-entendido, desconloecimento (falso conhe-
torios), cotidianiaade submetida as exigéncias das empresas cimento e, talvez, falsa consciéncia) tem um papel. Portanto,
e tratada conforme a racionalidade empresarial. Trata-se de seria mais exato falar do clesconbecialo que do inconsciente.
uma reducao, ao mesmo tempo social e mental, de uni lado, a Entretanto, esses termos nao bastam. Por que “eu” (ou “nos”,
trivialidade e, de outro, a especialidade. Em poucas palavras: ou “se”) me recuso a ver, perceber, conceber, isto ou aquilo?

58 59
Por que i'azeuios dc roulu que nao esuuium vendti? Coiuo 'l‘r6.~i uiiiiipos. Nao so trutii tie uma pempeeiivti lilslruicii,
cliegzunos :1 isso? Ilxistem '/.on:|s "incultas" (nao :i|>|'u|>rlucias) do on vt'uii(‘uiiit':t, nu .*i<wlolt"'>;.tit‘i|, iuzui do uma millet-|ig:iu glulml,
proprio corpo, inclusive o sexo. No entanto, os cziliipos t't.*;4<>s du|il:uuc*iuc: no que cu|u.'t-|'iiv it succssaio dos |)L‘i'l()Ll().'~i, e no
sao, ao mesmo tempo, mentais e sociais. Para compreen<.ier que c<>iit'e|"iie a cada um deles. () leriuo “c:uupos" nao designa
sua existéncia, é preciso reportar-se ao poder das ideologias apenas vaunadas sucessivas ou superpostas de fatos, do teno-
(que iluminam outros campos ou fazem surgir campos ficticios) tuenos, mas modos de pensamento, de agrao, de vida.
e, por outro lado, ao poder da linguagem. Nao existe “campo () czunpo “camponés-rural" conipreende uma re-presentacao
cego" ora quando a linguagem esta ausente, ora quando ha do espzigri, ou, se quiscrmos, uma grade espacial, implicando
abundancia e redundancia de metalinguagem (discurso sobre at orientagao, a demarcacfio, a capacidade de se apossar dos
o discurso, significantes flutuantes longe dos significados)? sitios e de nomear os lugares (os lugares nomeados, topias em
Voltemos ao contraste entre o cegante e o cegado. O cegante espugos dcfinidos, vinculados as particularidades da “natu-
é a fonte luminosa (conhecimento e/ou ideologia) que projeta o ru'/.:t"). Ele supoe uma espontaneidade fortemente controlada
facho de luz, que ilumina allmres. O cegado é o olhar ofuscado; pela agao incessante de uma comunidade. O que nao ocorre
é também a zona deixada na sombra. De um lado uma via se sem particularidades nientais e sociais, sem originalidades
abre a exploracao; de outro, ha uma barreira a romper, uma devidas a origem dos grupos (etnias, climas, contextos geogra-
sancao a transgredir. licos, producoes “naturais” organizadas pelo trabalho agricola
Trés campos ou dominios, dissemos. Poderiamos também etc.). As particularidades de tais grupos encontram sua expressao
dizer que houve descoberta, emergéncia, constituicao ou criacao privilegiada na combinacao de duas atividades, nao obstante
historicas, de trés continentes: o agrario, o industrial, o urbano. distintas e mesmo opostas tendencialmente: a magia e a religiao.
Por analogia com a descoberta das matematicas, depois da Padres e feiticeiros sao necessarios. Devido a sua dupla ope-
fisica, depois da historia e da sociedade, no processo do conhe- ragfto, os ritmos e os ciclos simples (dias, estagoes, anos) se
cimento, sucessao reconhecida pela epistemologia. Todavia, instalam nos grandes ciclos cosmicos. Um pensamento ime-
nao se trata de “cortes” na acepcao que a epistemologia contem- diato — que também é pensamento do imediato (do que acon-
poranea confere a esse termo. Nao somente existem simulta- lece aqui e agora, do que é preciso fazer hoje ou amanha) —
neidades, interacoes, desigualdades de desenvolvimento, integra-se num pensamento mais vasto e mais amplo, que
pelas quais esses mementos (esses “continentes”) coexistem, compreende vidas inteiras, seus acontecimentos — nascimentos,
nao so uma tal nocao de “corte” lancaria a cegueira as relacoes casamentos, mortes e funerais —, bem como a sucessao das
de producao e de classes, como, de modo mais geral, os paises geracoes. Os feiticeiros encarregam-se do imediato, os padres,
ditos subdesenvolvidos caracterizam-se atualmente por conhe- do mundo. Sera preciso lembrar que 0 “rural-camponés”, apesar
cerem simultaneamentc a era rural, a era industrial, a era dc primordial e longamente dominante, so se formou, indubi-
urbana. Eles acumulam os problemas, sem por isso acumularem tavelmente, sob a acao de conquistadores, de administradores
as riquezas. Pode-se dizer também que esses momentos corres- instalados na cidade politica? Uma tal cidade tem existéncia
pondem a triplicidade que se reencontra, acentuada diferen- tao-somente politica, de dominacao sobre os camponeses,
temente, em toda pratica social: necessidade-trabalho-fruigao. cujas vagas a inundam, a nutrem e, por vezes, a submergem.
A necessidacle corresponderia o periodo agrario, producao A cidade politica ainda nao é o “urbano”. Apenas seu pressen-
limitada, submetida a “natureza”, atravessado por catastrofes timento. Todavia, em que pese o fato de a cidade politica
e fome, dominio da escassez. Ao trabalho, corresponderia o encontrar-se tao enraizada quanto as comunidades campo-
periodo industrial, produtivo até fetichizar a produtividade, nesas e fortemente marcada por essa circunvizinhanca, a
devastando a natureza, inclusive aquela que vive ou sobre- divisao (fundamental) do trabalho entre os dois fragmentos
vive no “ser humano”. A sociedade urbana corresponderia a da sociedade ja tomou forma. A distincao entre a cidade e o
fraigao? Nao basta afirmar, é preciso demonstrar. campo vinculam-se as oposicoes destinadas a se desenvolverem:

40 41
- 7*”

trabalho material e trabalho intelectual, producao e comércio, realizar e encerrar é preenchido por uma multiplicidade de
agricultura e indfistria. Oposicoes inicialmente complemen- objetos, de atividades parcelares, de situacoes e de pessoas
tares, virtualmente contraditorias, depois conflituosas. Ao em situacao, povoamento cuja coeréncia é apenas aparente,
campo correspondem formas de propriedade fundiaria (imobi- ainda que essa aparéncia se fortaleca através de sistemati-
liaria) tribais e mais tarde feudais. A cidade correspondem zacoes imperiosas. Da “cidade industrial”, mostramos o carater
outras formas de propriedade: mobiliaria (no comeco pouco suspeito. Ela existe? Nesse sentido, sim. Noutro, nao. Trata-se
distinta da imobiliaria), corporativa, mais tarde capitalista. de uma cidade fantasma, uma sombra de realidade urbana,
No curso dessa pré-historia reiinem-se os elementos e as formas uma analise espectral de elementos dispersos e exteriores
que farao a historia ao se separarem, ao se combaterem. reunidos pela coacao. Varias logicas se confrontam e por vezes
O campo industrial substitui as particularidades naturals, se chocam: a da mercadoria (levada ao limite de tentar a orga-
ou supostas como tais, por uma homogeneidade metodica e nizacao da producao de acordo com o consumo); a do Estado
sistematicamente imposta. Em nome do que? Da razao, da lei, e da lei; a da organizacao espacial (planejamento do territorio
da autoridade, da técnica, do Estado, da classe que detém a e urbanismo); a do objeto; a da vida cotidiana; a que se pretende
hegemonia. Tudo serve para legitimar, para entronizar uma extrair da linguagem, da informagao e da comunicacao etc.
ordem geral, que corresponde a logica da mercadoria, a seu Cada logica pretendendo ser, ao mesmo tempo, restritiva e
“mundo” realizado a escala verdadeiramente mundial pelo eompleta, eliminando o que nao lhe convém, declarando que
capitalismo e pela burguesia. Pergunta-se, as vezes, se o socia- vai e quer governar o resto do mundo, converte-se em tauto-
lismo pode se afastar desse reino da economia politica. Esse logia vazia. Assim, a comunicagao transmite unicamente o
projeto de racionalidade generalizada constroi literalmente 0 comunicavel etc. Porém, todas as logicas e todas as tautologias
vazio diante de si. Devasta pelo pensamento antes de devastar se encontram. Por um lado, elas tém um lugar comum: a logica
pela eficacia. Cria o campo cego, porque deserto. Em que da mais-valia. A cidade, ou o que dela resta, ou o que ela se
consiste 0 projeto de uma racionalidade universal? Na extensao, torna, serve mais que nunca a formacao de capital, isto é, a
a todas as atividades, de uma experiéncia, a da divisao manu- iormagao, a realizacao, a distribuicao da mais-valia. Por outro,
fatureira do trabalho. Na empresa, os trabalhos sao divididos tais logicas e tautologias negam a natureza. Negacao que nada
e organizados de modo a se complementarem sem que os
'-
tem de abstrata, que nao é especulativa. Rejeitando as particu-
produtos e os proprios trabalhos passem pelo mercado. O laridades, a racionalidade industrial devasta, pura e simples-
grande intento da era industrial é o de estender a divisao mente, a natureza e tudo 0 que é do dominio da “naturalidade”.
social do trabalho a eficacia da sua divisao manufatureira. () que se traduz por uma obsessao, por um estado segundo
Projeto sempre retomado, jamais realizado. A divisao social tins eonsciéncias, do pensamento e da linguagem.
do trabalho se acentua (sem por isso organizar-se racional- () pensamento analitico, que se cré e pretende ser raciona-
mente) até pulverizar-se em atividades separadas, tanto nos lidade integral (integrante-integrada), opera com eficiéncia
trabalhos produtivos materialmente como no trabalho impro- itpenas como 17a/ermecliario. O reino da finalidade racional se
dutivo, mas socialmente necessario (intelectual, cientifico). li'ii|1sl‘o|'|iia, portanto, em importancia dos intermediarios de
A fragmentacao analitica é levada a tal ponto que a unidade iutla espeeie. De fato, essa racionalidade decorre de uma
(sintese) pretensamente proporcionada pela religiao, pela filo- vxieiisiio abiisiva; aquela dos procedimentos organizacionais
sofia, pelo Estado, ou por determinada ciéncia promovida a at u|w|‘:ig_'oes inert-ntes it empresa. Ela confia as tarefas parciais
posicao dominante, superpoe-se artificialinente a pulveri'/iaeao it L‘(HltllllV2liii(‘.'~i sociais que se esl'ore:un para se alirmar e
das “disciplinas”, das leis e dos fatos. A oi"gani'/.;ig‘:‘io geral, i=ilt‘il|ig‘til‘ :l 1llIl()ii()llil2lZ us l)lIi'()(‘l'1ill|.‘~i, Os comerciantes, os
isto 6, espa_c_o-temporal, da prfilica social tem a ap:ir€-nela dc uma plllillelsitis e |1lll)llL‘liill‘lt)H. llina vi-‘/. que :1 re;.;ra 6 o desenr:ii-
racionalidade eomplela porrlue 0 feita dc ordens e i'<>:ig,'(‘it's. flfliiienin i.tvt1t*|‘;tll'/min 0 us st-p:i|':|<,;oes, um |n:tl-eslzir geral
O espaco-leiupo lioitiogiwieo que essa p|':'tlit':t st“ t-sl'urea para lsompunlm ll stttisliwiiii vindu da lt|t*nlo;.tl;l, do coiisiiiuu, do

'12
_ __ _‘_ -__..._ _ -_ . _. -—- A_ - ___ _ 7
precion-iinio do rac1onal.'I“uclo corner-tie cnlculflvel e peevisivei, i alnevado, tepoiagla distinta do espaeo _ tempo iigtriiio
, , (elclleo,,
quantiflcavel e detcrmintivel. Tudo devc lntegriir-se numa que iunttlpoe as pnrtlciilm-itlades locals), como do espiieo-tciiipo
ordem (aparente e fictieia) fortalecida pelas coileoes. Tudo, lt1dtisti'iiil (que icricle pura ii lmmogencldade, para a unidade
salvo um residuo de desordem e de liberdade, as vezes tolerado, rflelontti e planifieatla das coaeoes). O espago-tempo urbano,
as vezes perseguido com uma terrivel ftiria repressora. Trata-se, desde que nao seja mais definido pela racionalidade indus-
entao, do periodo no qual a “historia” se precipita, pondo a trial — por seu projeto de liomogeneidade -—-, aparece como
nu as particularidades e aniquilando quem ou o que tinlia fdi/'0!wiciaI: cada lugar e cada momento nao tendo existencia
privilégio ou eminéncia, tanto obras como pessoas. Trata-se de Ieniio num conjunto, pelos contrastes e oposicoes que o vin-
uma época cle guerras e revolucoes que abortam no momento Cultim aos outros lugares e momentos, distinguindo-o. Esse
em que parecem culminar no culto do Estado, no fetichismo da etipagpo-teinpo se define por propriedades anitarias (globais:
produgao, coroamento, ele proprio, do fetichismo do dinheiro Constltutivas de conjuntos, de grupos em torno de uin centro,
e da mercadoria. cle Centralidades diversas e especificas), assim como por proprie-
Finalmente advém a era do urbano. Aqui, nos limitaremos dades duals. Por exemplo: a rua é uma mptara-satara. Mellior
a mostrar, globalmente, que ha um novo campo ainda igno- iilnda, é preciso distinguir, sem as separar, a localizacao e a
rado e desconhecido. Com esse novo periodo relativiza-se o troca, a transferéncia das informacoes e o transporte dos bens
que passava por absoluto: a razao, a historia, o Estado, o materiais. Para definir tais propriedades do espaco diferencial
homem. Diz-se, entao, que essas entidades e fetiches morrem. urbano (do tempo-espaco), introduzimos conceitos novos,
Ha algo de verdadeiro nessa afirmacao, mas os fetiches nao Como iso-topia e hetero-topia, completados pelo de a-topia.
niorrem da mesma morte. A morte do “homem” so afeta aos Denominamos iso-topia um lugar (topos) e o que o envolve
filosofos. O fim do Estado nao pode ocorrer sem tragédia. (vlzinlianca, arredores imediatos),5 isto é, o que faz um mesmo
Do mesmo modo como 0 fim da moral, o fim da familia. O lugar. Se noutra parte existe um lugar homologo ou analogo,
pensamento reflexivo se deixa fascinar por tais dramas com ele entra na isotopia. Entretanto, ao lado do “lugar mesmo”,
mais frequéncia; ele afasta seus olhares do campo que se abre ha o lugar outro, ou o outro lugar. O que o torna outro? Uma
dlferenca que o caracteriza, situand.o-o (situando-se) em relacao
e que permanece cego. Para explora-lo, para vé-lo, é neces-
sario uma conversao que abandone a otica e a perspectiva ao lugar inicialmente considerado. Trata-se da hetero-topia.
Desde que se considere os ocupantes dos lugares, a diferenca
anteriores. Nessa nova época, as clzferengas sao conliecidas e
pode ir até o contraste fortemente caracterizado, e mesmo até o
reconhecidas, consideradas, concebidas, e ganham significados.
eonflito. Esses lugares sao relativos uns aos outros no conjunto
Essas diferencas mentais e sociais, espaciais e teinporais, desta-
urbano, 0 que supoe a existéncia de um elemento neutro,
cadas da natureza, sao retomadas num plano mais elevado: 0
definido aqui ou ali, que pode consistir na ruptura-sutura dos
de um pensamento que considera todos os elementos. O pensa-
lugares justapostos: a ma, a praca, o cruzamento (de caminhos
mento urbanistico (nao estamos dizendo: 0 urbanismo), isto e percursos), ou entao o jardim, o parque. E agora ha também
é, a reflexao acerca da sociedade urbana, refine os dados
0 alhures, o nao-lugar que nao acontece e, entretanto, procura
estabelecidos e separados pela historia. Sua fonte, sua origem, seu lugar. A verticalidade, ou seja, a altura erigida nao importa
seu ponto forte nao se encontram mais na empresa. Ele nao a que ponto a partir do plano horizontal, pode tornar-se a
pode colocar-se senao do ponto de vista do encontro, da simul- dimensao do alhures, 0 lugar da auséncia-presenca: do divino;
taneidade, da reuniao, ou seja, dos tragos especificos da forma da poténcia; do meio-ficticio meio-real; do pensamento sublime.
urbana. Consequentemente, ele reencontra, num nivel supe- O mesmo ocorre com a profundidade subterranea, verticali-
rior, numa outra escala, apos a explosao (negagao), a comuni- dade inversa. E evidente que, nesse sentido, o a-topico nada tem
dade, a cidade. Ele recupera os conceitos centrais da realidade em comum com o imaginario abstrato. Ele é real. Ele esta no
anterior para restitui-los num contexto ampliado: formas, funcoes, coracao desse real, a realidade urbana, que nao esta, ela propria,
estruturas urbanas. O que se constitui é um espaco-tempo desprovida dessa semente. No espaco urbano, o alhures esta

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45
|-- ---—————-~-

em toda parte, e em nenhuma parte. Foi assim desde que aproximacoes, na atracao pela velocidade “até na cidade”. E
existiram cidades e que, ao lado dos objetos e atos, emergiram a u-topia (real, concreta). Assim se realiza a superacao do
situacoes, sobretudo as das pessoas (individuos e grupos) fechado e do aberto, do imediato e do mediato, da ordem
vinculadas a divindade, ao poder, ao imaginario. Espaco para- proxima e da ordem distante, numa realidade azferencial na
doxal, onde o paradoxo converte-se no avesso do cotidiano. qual esses termos nao mais separam, mas se transformam em
Em toda parte a monamentalidade se difunde, se irradia, se difereneas imanentes. Um pensamento a caminho da uni-
condensa, se concentra. Um monumento vai além de si pro- dade concreta efetua a retomada (seletiva) das particulari-
prio, de sua fachada (se tem uma), de seu espaco interno. A dades, promovidas a posicao de diferencas: locais, regionais,
monumentalidade pertencem, em geral, a altura e a profundi- nacionais — étnicas, lingiiisticas — éticas, estéticas etc. Apesar
dade, a amplitude de um espaco que ultrapassa seus limites dos esforcos da homogeneizacao pela técnica, apesar da cons-
materiais. Nao ha nada, nas cidades antigas, que tenha esca- tltuicao de isotopias arbitrarias, ou seja, de segregaeoes e
pado a monumentalidade, que era plural (pluralidade: edificios Heparacoes, nenhum lugar urbano é idéntico a outro. Esta
sagrados, edificios politicos, palacios, lugares teatralizados tlnalise pode parecer formal. Com efeito, ela corresponde a
de encontros, estadios etc.). Nesse sentido, o que nao tem Nova Iorque, a Toquio, assim como a Paris. E a sociedade
lugar — a divindade, a majestade, a realeza, a justica, a liber- urbana que ela quer esclarecer, com sua dialética imanente,
dade, o pensamento — em toda parte encontra-se no seu lugar. que prolonga, num plano novo, o passado e o futuro. Com
Nao sem contradicoes. esse pensamento unitario e diferencial, talvez penetremos num
‘I periodo que nao é mais aquele da historia, onde particulari-
Esse espaco urbano é contradicao concreta. O estudo de
sua logica e de suas propriedades formais conduz a analise dades se enfrentavam, onde o homogéneo lutava contra 0 hete-
dialética de suas contradicoes. O centro urban O preen- rogéneo. Agrupamentos, encontros, reunioes (nao sem conflitos
chido até a saturagao; ele apodrece ou explode. l>’ors vezes, Gttpeeificos), suplantariam a luta entre elementos separados
invertendo seu sentido, ele organiza em torno de si o vazio, iornados antinomicos. Nesse sentido, isso seria uma po’s-bistoria.
a raridade. Com mais freqiiéncia, ele supoe e propoe a concen- Assim, o urbano, considerado como “campo”, nao é con-
tracao de tudo o que existe no mundo, na natureza, no cosmos: fielildo simplesmente como espaco vazio repleto de objetos.
frutos da terra, produtos da industria, obras humanas, objetos Mt litl eegueira, nao se deve apenas ao fato de nao se ver os
e instrumentos, atos e situacoes, signos e siinbolos. Em que Oliletos e o espaco parecer vazio. O urbano? E um campo de
ponto? Qualquer ponto pode tornar-se 0 foco, a convergéncia, tenant-it altamente complexo; é uma virtualidade, um possivel-
o lugar privilegiado. De sorte que todo o espaeo urbano lmpossivel que atrai para si 0 realizado, uma presenca-auséncia
carrega em si esse possivel-impossivel, sua propria negacao. ]Ii‘ii|5l‘e renovada, sempre exigente. A cegueira consiste em
De sorte que todo espaco urbano foi, é, e sera, concentrado e i'F~ O He ver :1 forma do urbano, os vetores e tensoes inerentes
poli(malti)céntric0. A forma do espaco urbano evoca e provoca ‘ ‘~ Cttmpo, sua logica e seu movimento dialético, a exigéncia
essa concentracao e essa dispersao; multidoes, acumulacoes finenie; no fato de so se ver coisas, operacoes, objetos (fun-
colossais, evacuacoes, ejecoes siibitas. O urbano se define como = milse/ou significantes de uma maneira plenamente consu-
lugar onde as pessoas tropecam umas nas outras, encontram-se lilti). No que concerne ao urbano, ha uma dupla cegueira.
diante e num amontoado de objetos, entrelacam-se até nao '4 _ Vtt7.lo e sua virtualidade sao ocultos pelo preenchimento.
mais reconhecerem os fios de suas atividades, enovelam suas ' flit; Liesse preeneliimento ter 0 nome de zirbanisino ofusca
situacoes de modo a engendrar situacoes imprevistas. Na sua egomills ciuelmente. Ademais, o preencliiinento advém
definicao, esse espaco comporta um vetor nulo (virtualinente); flpoett que eziininlia para seu fim: da industi"ializagao, dos
a anulagao da distancia obceca os ocupantes do cspago urbano. _EO8 e produtos, das operzigoes e téenieas dii industriii. O
E seu sonho, seu iiiiagin:'u'io siinboli'/.:ido, repi'eseiu:ii.io do v 9, velitdo, eseiipa uo pensaiueiilo que se eega e so l'ix:i
iiifiltipliis maiieiras; nos planos, no lrcnesi dos eneontros e 1‘ new lumiriosidticles iitiiisiitiiis em ieliiqiio iio iiiuiil.

46 - 47
I

As cleacontii-iuiclacles (relatives) entre o triclustrial e 6 urbane; ,/sequin-tea, laiinciliisme, bands: da "jii:riciers"*


encontrarn-i-ie, assim, mascaraclas e llusorlameiite secllirientiiclzis por lcieologiiiii CllV€i‘St1S, qtinse sempre mfsticiis.
(assim como estiveram c lreqiientemcnte ainda estao entre o ti eoneentriiqiio dtt propriedade nas maos do scinliores
rural e o industrial). Caso nao tivesse liavido ceguelra no que tuiiioeliidos ou rivals, depois nas dc uma burguesla
concerne a indtistria, as suas possibilidades e exigéncias, ser- préprla iissoelada aos senhores feudais, ou deles rival,
lhe-ia permitido invadir o mundo, devastar a natureza, semear proietos de rq/brma agrarta. A “fome de terra” e 0
o planeta de horrores e de feifiras numa historia sangrenta? vlsando uma vasta transfer€:neia de propriedade
Ter-se-ia confiado sem limites em sua racionalidade? Tais con- movimentos revolucionarios, transformando
sideracoes parecerao utopicas. Mas elas sao utopicasl E, no lOCledade lnteira: revolucao francesa de 1789, revolucao
entanto, o que pensaram, o que projetaram, Saint-Simon, de dc 1917, revolu<,:oes cliinesa e cubana.
inicio, e Marx, em seguida, senao dominare orientaro processo No que concerne ao periodo da industrializacao, ele fez
de industrializacao? Para eles nao se tratava de compreender um paternalismo do cliefe de empresa (patrao), deveras
um processo cego deixando-o na cegueira, nem de se limitar a para que nele nos detenliamos. O que aconteceu,
um simples esclarecimento. Hoje, a propria realidade urbana, lilnda acontece, é a superposicao e consolidacao do patriarca-
com sua problematica e sua pratica, encontra-se oculta, substi- (eamponés) e do paternalismo (industrial) para engen-
tuida por representacoes (ideologicas e institucionais) que tem »§ll‘itt' it figura do Chefe de Estado perfeito. A industrializacao,
o nome de arbanismo. Este tapa 0 fosso, preenche o vao. Tema ,l_lt1do exigéncias muito foites (acumulacao do capital, utilizacao
ao qual teremos que retornarf‘ llfl todos os recursos de um pais, organizacao planificada esten-
A confusao entre o industrial (pratica e teoria, sejam capi- Clendo a racionalidade empresarial ao conjunto de um pais),
talistas ou socialistas) e o urbano leva, numa hierarquia de lava :1 conseqiiencias politicas contraditorias: revolucoes e
acoes, a subordinar este aquele, considerando-o como um ltt.lt0i'ltarismos. Ambos os processos atuando nos paises ditos
efeito, um resultado, ou um meio. Tal confusao tem graves loelalistas. Essas reformas e revolucoes nascidas do processo
conseqiiéncias. Dela resulta um pseudoeonceito do urbano, a dc lndustrializacao confundiram-se, caracterizando o periodo
saber, o urbanismo, isto é, aplicacao da racionalidade inclus- terminal.
trial e evacuacao da racionalidade urbana. Os sintomas da passagem ao periodo urbano ja se mani-
A transigao, dificil, é portanto metodologica e teorica, tanto festani com forca. Um paternalismo urbano, ainda velado pelas
e mais que empirica. flguras das idades precedentes, causa danos; os “notaveis”
A cada era correspondem formas especificas de autorita- Lirbanos que exercem a autoridade ornamentam-se com o
rismo, de reformismo, de revolucao. Poder-se-ia igualmente duplo prestigio do Pai e do Capitao de indiistria. A reforma
dizer que cada periodo, cada era ou “esfera”, teve suas proprias Ut'l)ana, que resgataria 0 solo das servidoes devidas a proprie-
alienacoes e desalienacoes, confrontando-se num processo pro- dade privada (e por conseguinte da especalagao) ja tem um
prio a cada um. No primeiro campo, na esfera da agricultura, flleance revolucionario. Continentes inteiros passam das formas
vimos historicamente crescerem e florescerem a farnilia e a flnteriores de agao revolucionaria a guerrilha urbana, aos
sociedade patriarcais (da qual o escravismo pode passar por Objetivos politicos concernentes a vida e a organizacao urbanas
um desenvolvimento), depois, a familia e as relacoes sociais (sem poder omitir nem resolver, por isso, os problemas da
da feudalidade (ao menos na Europa, onde a feudalidade se organizacao industrial e da agricultura que se superpoem).
estabelece numa base territorial, o senhor sendo mestre “emi- Comeca o periodo das revolucoes urbanas.
nente” de um feudo, chefe de uma ou de varias aldeias). Com a Assim se confirma a concepcao, no tempo historico, dos trés
transformaeao da estrutura agraria, em geral no sentido de uma campos sucessivos. Pode-se acrescentar que o mais novo, o que
concentracao da propriedade, a historia retém as lembrancas emerge, age simultaneamente como catalisaaore analisaaor
de infiimeros movimentos revolucionarios: revoltas locais ou do campo, ou melhor, dos campos preexistentes (o agrario e 0

48 49
inciusii-tal). Ele precisa e preeipita cs iraeos cllfuseii 9 ebnhisos ‘AiIl'ru|.oui
destes. Escliireee os conflitos nao iesolviclos, as CQt1ll'ti(ll§‘.6¢".'fi, ll

numa raalluagelo notavel (por exemplo, nos paises cia Améi'iea


do Sui). Assim, a ascensao da inclustrializagao, com novas
relacoes de producao (capitalistas) revelou as caracteristicas da
sociedade camponesa (e feudal) aos que as “viviam” sem as
conhecer, relacoes veladas no seio de uma [Ul'V21 transparéncia.
0 FE ENO URBANO
Z <D> §
6’ 'l/lfl’l'rtii( A l>:i/\l"iY' ¢é"“'" lilo"
A hierarquia dessa sociedade (vivida como lacos de paren-
M C a,, . $.ti><»' 4,-ii-MAP
tesco e de vizinhanca), a exploragao (vivida como laeo de
protecao, como subordinacao da comunidade ao senhor “justi- Apos ter apresentado o a1"bano(nao dizemos mais: a cidade),
ceiro”) apareceram como tais. Do mesmo modo, hoje 0 urbano M
l ligem e eonceito adquirindo nitidez, virtualidade ascen-
‘I . I I I I

revela 0 industrial, que aparece como hierarquia reforcada lflie, vamos analisar o fenomeno tal como ele se oferece ao
por uma refinada exploracao. Os centros (urbanas) ale decisao Oi'il1eClniento que estuda o “real”. (As aspas na palavra “real”
tornam legiveis, no terreno, essas relacoes complexas. Eles H dlcam
' uma ieseiva
' ‘ e uma precisao
' : o possivel
' faz parte do
as projetam no solo. A atividade organizadora dos “decisores”, I Ill, lhe da o sentido, ou seja, a direcao e a orientacao, a via
apoiada pelos que detém e gerem os meios de producao, berta para o horizonte.)
opoe-se nitidamente a passividade dos “sujeitos” que aceitam Atualmente o fenomeno urbano surpreende por sua enor-
essa dominacao. Poder-se-ia acrescentar (mas isso mereceria n _ , . . .
lciade, sua complexidade ultrapassa os meios do conheci-
uma longa exposicao) que as sociedades que nao atraves- n . , . _
ento e os instrumentos da acao pratica Ele torna quase
saram uma crise quando da industrializacao sem dtivida irao l Vldente a____~%._
teoria da. _-;_=_
c01np_lexjfl_ca§aQ__ segundo
.. _ W __ _- i--- a qual os feno-
-— ~__.._-._..-s__..____
conliecé-la no curso da urbanizacao, as duas ordens de causas Fl @1105 .$Q9_tai.s...\1=?i9..d¢,_uina. Cf;tI?i,_§9lDIfl¢§if?l3§l§.§¥S3l??FlY?1) .21. .unii.a
ou de razoes podendo se superporem, se associarem, ou se 'Q.'l'l1|2-l(:‘Xl§l_21_Cl§l§!,l_l__Q[. ‘Teoria que nasce nas ciéncias ditas '“da
desencontrarem, uma em relacao a outra. Com esses conceitos, iii tuieza
' " e na teoria ' gera 1 da informacao,
' l mas que se desloca
poder-se-ia estudar a situacao atual dos Estados Unidos, da m_ _ . . . t . .
ia a iealidade social e seu conhecimento. As relacoes sociais
América do Sul, da Asia nao “socialista” etc. il.l nca sao simples, mesmo numa sociedade arcaica. O esquema
No curso desse vasto processo de transformacao, o espaco ‘tirtesiano da simplicidade originaria e da complicacao obtida
revela sua natureza, aquilo que ele sempre foi: a) um espaco icla combinacao dos elementos simples deve ser abandonado.
politico, lugar e objeto das estratégias; b) uma projecao do t teoria da complexificacao pode parecer filosofica, e mesmo
tempo, reagindo sobre ele e permitindo domina-lo, e, por ealista (ideologica) De fato, ela se apoia em multiplos argu-
n r / - 44 at I ~
conseguinte, atualmente, explora-lo até a morte. O que anuncia entos cientificos Os elementos encontrados pela analise em
a libertaeao do tempo-espaco. D da realidade, e que constituem sua ordem interna (sua consis-
a..ncia, sua coeréncia), apresentam-se em outros lugares numa
lesordem que fornece uma informacao no que concerne a
e A . . ’ ., .
dundancia (repetigao da ordem do agrupamento 1a consti-
L, . . .
iido e constatado das unidades diseretas ou elementos inventa-
l ados). Quem diz informagao, diz surpresa, vaiiedade crescente,
lesoraem da qual nasce uma nova inteligibilidade, uma nova
edundancia, uma outra ordem momentanea e mais complexa.l
Q fenémeno UPb%.92i<‘;i2@nd§;.-p.tii11.ea.Qi..siQ§.mét9_<;lQ§.£l§§£fl-
LQQ$,_§;l6S proprios variados. A ecologia descreve o “habitat”,
.5 areas habitadas, as unidades de vizinhanca, as formas de

50
Y ~v\
:\.

relngoes (prlmnrlas, na VlZll'll'lE1t‘l¢£1: seeuncldrlas eu darlvaclas, Q llnllililihllo


num cspugro umpllaclo). Mala sutll, a clcscrlgflo Fenomenolm
glca ocupa-sc dos lagos cntrc os clwcllnos c 0 sftlo; ela esulclu l>:u'u dur uma no
o ambiente, as (liSp211'lClZl(lCS do cspago, os monumentos, os 1 pull: nivel, lcmbrcmos uqui urn
fluxos e os horizontes da vida urbana. A descriciio empirica do lnstltuto dc Soclologlu U1'bz1nz1. Esse estudo tcntou
enfatiza a morfologia; ela dfi conta, com exatidilo, do que o l'en(§mcno Ll1'l)2l1'10 cm futorcs, em indicadores e
véem e fazern as pessoas num contexto urbano, desta ou pmtlnclo dos nmls grosseiros (nflmero de habitantes
daquela cidade, de uma megalépolis (cidade que explodiu, hectmc, lclndc dos iméveis etc.) para chegar aos mais
constituindo, entretanto, um conjunto administrativo e poli- (mxns dc l"c1'tilidzicIc, forinacfio da nifio-de-obra qualificada
tico, com fungoes urbanas, mesmo se as antigas formas e estru- O nL'|mc1'o dc indices chegou a 535. Cifra arbitrziria na
turas desapareceram). ac clctcvc uma anfllise que teria poclido continuar, cada
mais Fina. Apés :1 redugfio aos indices mais caracteristicos
Esses métodos evidenciam alguns aspectos e tragos do fen6-
.<:.~, ql.lzu'cntz1), 0 conjunto ainda era pesado para manipular,
meno urbano, sobretudo a enormidade e 21 complexidade jfi
\i G
dc tl‘21tzu', inclusive no computador. Qje_n§>n1_eno u,r,b_ano
T3’ mencionadas. Mas serfi que eles permitem ir mais longe e
conhecé-los? A partir de um certo ponto, a descricfio, mesmo
u111"cs¢11ta_,_l¢l¢ss@ modo, Como lre.ali,da,de global (ou, s<-1., se-__

ll k-»\4L,1.v:§~
apurada, nfio é mais suficiente. _Qs_Alimit_eso_d2l m
€§LCL1.Q8i21_§:LQ..;.1.U_Lh%iQQ5- Q5..£l§§§lri.<;_§1.o..,n:?1ocalca.ng:a_cleLem1inzLclas
assim f_z_1lar: total) implicando o conjunto da przitica social.
glolxlliclade nfio pode ser apreendida imediatamente.
Cbnvém proceder por niveis e patamares, avancando em direcfio
_1:€l’q£Q§_$W§Q_§j6ii§J_ q_9aiente,me_nte abstratas em relacfio.21Q.Ll€1£.1Q
lgjwd 8.0 global. Percurso metodologico dificil. A cada passo é preciso
1" V l We ao “viyido”, Mos quais parecem concretos, mas S.51_.Ql.?.lD<rl1l¢'ls
P
fl1'l'lsc:u"-se, evitando obstziculos e ciladas. Ainda mais Z1 medida
Y; § _Hii_ne_cli;l_tos_, Por exemplo, gas rel%<L%_cdem ,
Q V,;-? que an cada tateamento, 21 cada avango, surge uma interpretacfio
M sl “ .<2.l1l§2£€.3.€\_C.LQ.,v ..Qu melhor, . os merlcadosrsfio rielacéess zLo.n1es_m_o ltlcolégica que imediatamente se converte em praitica redutom
. (5,. ’¢“\
05>gm _,_t€,mp_Q>,_le_giveis e niio Vlegiveisc, visiveis e nfio yisiv.eis._Elas se
I -~\l\J' 0 parcial. Um bom exemplo dessas ideologias totalizadoras,
‘ll!
0,1‘; projetam no terreno em lugares diferentes: 21 praca do mercado,
"zw
.1“, COl'rcspondendo a prziticas mutiladoras, encontra-se nas repre-
J Q1 21 bolsa comercial ou de valores, ou do trabalho etc. Essa
ll llentacoes do espaco economico e do planejamento que, pura e
projegfio permite ref¢.I¢_I1£ii1?_As._.1:el2.g:oes.,-.imas_n210_,permite
ll llmplesmente, fazem o espaco urbano especifico desaparecer, ao
con1Qre§!_1§K3.:las,. Uma-.y.ezcapreendid_a..nesse nivel, zcrealidade
nsslmilar o desenvolvimento social 210 crescimento industrial, ao
;}_§_l;_;_ing1W;ip;i‘§ece d_e outro modo: conjunto esede dc mflltiplos.
Ler"-'c<2__F-pi.g~;/>2 lubordinar a realidade urbana in planificacfio geral. A politica
/-'\ Nniercados, 0 dos produtos agricolas (locais, cregionais,,,n2_1Acg>_-
’5
;,.._ do espaco apenas o concebe como meio homogéneo e vazio,
_nz11is),> o dos produtos industriziis (recebidos,_ fabricados, disg_i-
no qual se estabelecein objetos, pessoas, mélquinas, locais
buidos no local sou .110 territorio circundante), o dos capitaiscroo
lndustriais, redes e fluxos. Tal representacfio fU1'1Cl21lT1€l'1[€1-S6
£§lQ_F_Ifl.b_91.lh9.1_§§_111..§.§ql~1.Q<;,€rcQ da moradia es o do solo 21 .e_c_li_figa\1". numa logistica de uma racionalidade limitada, e motiva uma
6o§\4%3 Sem omitir, enfim, o mercado das obras de arte e de pensa-
'1» i /\
cstratégia que destroi, reduzindo-os, os Q§,tlaQQ§__Qilf§ZTQ2l,C_iéli,&
QQ, . ,2 mento, dos signos e simbolos. Isso nio basta para definir “o
cl
do urbano e do “habitar”.
urbano”. Ele nfio se define tfio-somente por esse aspecto: lugar
~1 de passagens e/ou de trocas. _A_r§_2lli_dade L1_Lb_@gnZLo_se1incula Cada ciéncia especializada recorta, no fenomeno global, um
1 .
C€l"[O “campo”, um “dominio”: o seu. Ela o ilumina in sua maneira.
soap <10nsy11_1Q,_aQ._.iit§;x9i€ariQ.i’.L,asc“i¢;1es.desd1sinbmgao_£l@
N510 se trata aqui de optar entre 21 tese do recorte e 21 da ilu-
Lltéfiéllllla PY°dL_‘,§ELQ£.1?E!§.¥§l.fl2Q§§ l;l¢n.prQldu>§.§1Q:..A§.~§z<_ig_<?_11§.i4i_ lninagfio. Adernais, cada ciéncia parcelar fragmenta-se em disci-
1._ Cl3..._€l.§§Q¥l§§L9__bl9:Q_Q§i§lD. pensamenroinesss:
~11iv¢1- 1i.l9£l§;§f£_ fl plinas especializadas ao segundo grau. A sociologia, por exem-
_P£Qbl€@§ll.i§o1,_n.Qvitélmzse quesiées cruciais o(.po_r_ e_>;e1_11plo_,_z1_s_do
M:'.*><-g\T-
cNent,;_oi e_ da centralidade,,i1I1ploicandQco.ris.cocde-rati£ic2.Ls_eja_a plo, compreende a sociologia politica, a sociologia economica,
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If,C-OJ<7
‘()*f:_;'*;1J/I
degradaciioudos cenpios, seja sua .consolida.<;£io,.iieli.tist2J’\Q_ a rural e a urbana etc. As ciéncias parcelares e especializadas
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¢-»._~¢’2 ‘l\ ” €lc.:,> '\c*.a'v~'¥\~»c=_~.~ - »_ 11.4‘-1 »:_rk_\ >";=’~~ c (cT;<n.¢ 165/ ‘~44 ;_1l\A(,"
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operam, portanto, analiticamente; elas resultam de uma analise cidade e o fenomeno urbano sejam ricos (ou pobres) de signos,
e efetuam analises. No que concerne ao fenomeno urbano consi- de significacoes e de sentido. Que a cidade e o fenomeno
derado globalmente, a geografia, a demografia, a historia, a urbano constituam um sistema (definivel por signos, compreen-
psicologia, sem esquecer a propria sociologia, proporcionam, sivel a partir de um modelo linguistico como o de jakobson,
por conseguinte, resultados oriundos de um procedimento 0 de Hjelmslev, ou 0 de Chomsky), é uma tese dogmatica. O
analitico. Seria injusto deixar de lado os aportes do biélogo, conceito de “sistema de signos” nao da conta do fenomeno
do médico, do psiquiatra, assim como os do romancista e do urbano; se ha linguagem da cidade (ou linguagem na cidade);
poeta. A geografia estuda especialmente 0 sitio da aglomeracao se ha palavra e “escrita” urbanas, portanto, possibilidade de
e sua situacao num territério regional, nacional, continental. cstudos semiolégicos, a cidade e o fenomeno urbano nao se
Associados ao geografo, 0 climatologo, 0 geélogo, 0 especia- reduzem nem a um unico sistema de signos (verbais ou nao),
vi
lista em flora e fauna, também fornecem informacoes indis- nem a uma semiologia.?lA Q7’(1li§g____1_/_t]flM9_&_>ll_’;_@_/11l{v1'ap21§§g1V___§;§§_§;§ <~__.
pensaveis. O demégrafo estuda a populacao, sua origem, a conceit§§__p_ar_cMiai§_V§J, _Q_Q,Il,C.O115,@gLLiIlI€,,s ta teoria. ‘Essa pratica
“sex ratio”, a taxa de fertilidade, as curvas de crescimento etc. nos ens_i_na_,’_en_tre_Q},l_[_I_‘§1$M_VCOiS2lS,,, _,q_ue psignos pe significacoes,
O que estuda o economista, seja 0 especialista da realidade H510 QrQ§l§.}i_dos___para_ awvvepnda, para o consumo (cf. avretorica
urbana, seja o interessado nos fenomenos gerais de crescimento? lP..Lll.?l.lCti.§§1.Ii@..QlQ_ s“iIIl..O,l.3.i,li2iri0.’l). D_§__Q_u_tro_ laclo<,__v__n_avQ _l1{t
Nao lhe faltam objetos: producao e consumo no contexto dc (]LI(§__Il2L§_l_Cl_2l§l_§___¢W_I1l_§)_fCQ§)l'11€11O urbano nao existe_un1(uni_<_;o_)
urbano, distribuigao dos rendimentos, camadas e classes, tipos all-ltema clepsignopspe spignificacées, mas»Ap___;4Ao§Vg'os,Qp em diversos
de crescimento, estrutura da populacao (ativa ou passiva, Hfucls: 0 das..mo.daalida1des.da vida.,§oti@li%nfl (objetos 6 PYOduI<>S,
“secundaria” ou “terciaria”) etc. O historiador preocupa-se com QB119$_QLZLI£O£Z2_£_£1Q,.,LL$Q.,_sQZl,,..§l?L_111§§.EQ?1€l;9Ii€l. es do
a génese de tal aglomeracao, com os acontecimentos e insti- |11c|'cz1clo_,signos_ epuspignificagoes do babitar e do “habitat”);
tuicoes que a marcaram. E assim sucessivamente. Sem os proce- glu sociedade urbana no seu conjunto (semiologia do
dimentos progressivos e regressivos (no tempo e no espago) da §lll,,]),,§2l€tncia§' cl_a77€:"i1ltura considerada globalmente ou na sua
analise, sem esses multiplos recortes e fragmentacoes, é impos- f[llfln1cntac:”1Q); or do espaco-tempo urbano particularizado
x sivel conceber a ciéncia do fendmeno-urbano. Entretanto, os ll§¢!11.lQlQg.i@, das £21,118Ct€:risticas___,prépriasl. atr..determLnadat.cidzlde,
fragmentos nao constituem um conhecimento. F_.'*i'?l.cl?11.i.-i.1.1..gs~>_.1i11,, ¢ ?1.,s,$v?1s_sfi$siOI1Qcmi,=\,_ Q seus t11E1bit%1ntes)l Caso
Cada descoberta no ambito das ciéncias parcelares permite wtlvesse, no espaco urbano, um unico sistema de signos,
rj,~
c"j
uma analise nova do fenomeno total. Outros aspectos ou Vlnculudo aos objetos ou aos atos, ele reinaria e dele nao
elementos da totalidade aparecem, sao revelados. E possivel mos escapar. Entao, como nele teriamos entrado?
que a partir da teoria das interacoes hierarquizadas (homeos- que sejam os limites da semiologia aplicada a reali-
l
urhzmzl, nao é menos notftvel que os recentes avancos de
tases) sejam definidas algumas realidades urbanas, substi- __.e§et*‘ @1.»;l&\
tuindo, assim, o velho organicismo e seu finalismo ingénuo por Clénciu revelem aspectos novos dessa realidade.l\I_tgna__t_a“l
conceitos mais racionais. Pode-se elaborar modelos de espaco u..pesquisaa.apenast..come.cou,_l§,A1Aa,_coloca\ p1'0bl@ma5
S
\_l urbano com base na teoria formalizada dos grafos (firvores e nflo podem se1:ssep.zutados _d,aj‘,probleinatica urbana”, mas
tramas)? Metodologicamente é mesmo recomendado abordzlr dela devemcser distinguidos. l
o fenomeno urbano pelas propriedadesformais do espaco antes CQl\.~lltlel'en10s, dc uma mzmeira :1 partir de agora conhecida
de estudar as contradicoes do espaco e os seus conteudos, ", 0 mo du plll1\V1‘1l, 0 zlcontecimento. A analise (desde
ou seja, de empregar o método dialético. Recentemente, at ) cllslingue, nesse :1t<>, :1 palzlvru como mzmifestacfio
lingilistica fez grandes avancos. O que permitiu deslzlczlr uma llnguu, c ll p|'<’>prl:| lingual como §[,\‘[Q[llQ[_. A n1:tnil’est:1g_'f1<>
nocfio importante, a dc sis/emu do signos (e do signil'ic:|§(‘>es). (Q uc'onlcc|menlo: tllrljo n pzlluvm :1 ulguénnl lem como
Nada impede considerzu" o l'en(3meno urhzmo com esse méloclu :1 exlalénclu do ealstcniizl, sua oxislenwlzl virtual. ()
e segundo esse enloque. Nfio dclxu dc ser lntemsmtnte que at poaalvel :4 ccmtlnlcxuglm, :1 ember, 0 :ll() clc cumunlcug**.'l<>
como sequéncia de operacoes (codificacao, decodificacao), é sistema de elementos diferenciais (estritamente determinados
um conjunto de regras: fonologicas, morfolégicas, gramaticais, e definidos por suas diferengas). Essa teoria declara que toda
‘T14, lexicais, sernanticas. Tais regras permitem construir — pro- significagdo emerge de um processo de diferenciacoes, cujos
duzir — conjuntos (frases) compreensiveis. Esse conjunto é elementos (as unidades discretas constitutivas) recebem tal
coletivo, ao passo que 0 ato (acontecimento) é individual. significacao ao se oporem ou ao se combinarem, embora nao
P’
Ele tem uma forma coerente (sistematizada, inteligivel). Ora, tenham, em si mesmos, uma significacao (senao a de estarem
esse conjunto sistematico, explorado de Saussure a Chomsky, prontos para entrar nesse sistema de oposicoes e combi-
nacoes). Assim acontece com os fonemas (sons, caracteri-
comanda o nivel do ato (do acontecimento) sem jamais ai
zados nas linguas ocidentais por letras) e os signos enquanto
manifestar-se completamente. Haja sequéncia banal de palavras,
o"»1 arbitrarios. Inclusive com as “palavras”. Aqui surge uma difi-
ou encadeamento sutil, 0 sistema é o mesmo. Os locutores 0
culdade consideravel. A teoria resultante dos trabalhos de
empregam sem o saber, contudo sem ignora-lo. As frases
Saussure, de Troubetskoi e de seus discipulos pode se sus-
procluzidas tém qualidades bem diferentes (expressoes, enca-
tentar quando os sentidos se constituem a partir de relagoes
deamento, relacao com os referenciais légicos ou prz’ltico-sen-
entre unidadesjai sigm'ficantes?5 O postulado “saussuriano”
siveis). Cada interlocutor conhece sua lingua, nao tem neces-
Coloca uma regra segundo a qual a analise estabelece ales:/ios
sidade de explicitar as regras e as emprega :1 sua maneira. A
P9,
r-z»/
='["'1/~1-'/»_—_<_
~»<<_4 all/brenciais no interior do objeto, decompondo-o e recons-
eficacia do conjunto sistematico tem como condicao a auséncia
“Y4,
-5s-Q,§4q;-l¢F;_,g
4.;
lruindo-o de maneira inteligivel. Isso é possivel no caso de
do sistema no nivel dos efeitos, do ato, do acontecimento.
Ll nldades jai significantes? Pode-se preencher a distancia (quase
No entanto, sua presenga manifesta-se ai em graus distintos.
"lnstitucional”) entre os dados do “vivido”, isto é, da pratica
£3"’u’
A a<;="1<> do Si$I@ma sercxerceinaxna.2res?n§a:aus@n§€él-Aggw; Social, e 0 discurso que os exprimem? Entre a realidade e sua
¢K.
sf} nica_ga_o__s6Hé possivel nas medida em q.ue-o_“§u1§_1.t9l1Qu€.fala,,o
l 19.9kl£Q,1.T. .C.QEi.d_iano,,, permaneca cego emlrelacao a0 ,q,u§__,gl§L@_,1jm.iml
Llc:~l-cricao ou “trans-cricao”? Talvez, na medida em que os
elementos ja significantes se reagrupem em oposicoes novas,
em;
3/;-
{X
éé
Joiélal l €?..,§.$t,1fL1it_ura, o seu discurso: a lingua, seus aparadigvmas, suas
estruturas sintaticas. Se ele reflete sobre isso, entra na meta-
Onlrllndo em encadeamentos bem determinados. Seria esse o
CLIHO do urbano? Ele reagrupa elementos provenientes do campo
linguagem. E, contudo, a nao-cegueira da a qualidade do
0 Llll indflstria. Ele lhes suscita, lhes impoe, encadeamentos?
discurso. O sistema se esquiva a consciencia, e, nao obstante, a AH oposigoes conhecidas, o centro e a periferia, 0 aberto e 0
ilumina mais ou menos, mal ou melhor. A ocultacao necessaria Féclllldo, 0 alto e o baixo etc. constituiriam paradigmas e/ou
nao pode ser absoluta, e o conhecimento poe fim a ela. Subli- llntzlgmas do urbano? Talvez. Somente um estudo aprofun-
nhemos, aqui como noutros lugares, que 0 mesmo ocorre na tllldo poderfl dizer se a relacao que se estabelece entre perczlrso
mvisica como na linguagem. O efeito, impressflo e/ou emocao, I ¢ll.\'(:lu's0tc111 uma validade, e qual é a importancia e os limites
de nenhum modo implica 0 conhecimento das leis (da har- :1: uma tal perspectiva. Sem duvida, é preciso recuperar e
monia, da composicao). a nocflo de dzferenga, tal como os linguistas e a
Pode-se propor que o urbano seja concebido de acordo com zl elaboraram, para compreender o urbano como
esse modelo? Ele nao seria, nesse sentido, virtualidade, pre- (ll/iwallcial (tempo-espaco).
senca-auséncia? Nessa perspectiva, a linguistica contribuiria para Eflfiil complexidade toma indispensavel uma cooperagao
a analise do fenomeno. Nao porque o urbano seja uma lingual, O lenomeno urbano, tomado em sua amplitude,
ou um sistema de signos, mas porque ele seria um conjunto e |‘>c:llcnLc ll nenhuma ciencia especializada. Mesmo conside-
uma ordem no sentido revelado pelo estudo lingilistico. Cnmu princfplo met<>dol<’>gic0 que nenhuma ciéncia
Perspectiva sedutora, que nao se deve precipitllr para ll Hl propria, mas que, 1l() C()l1ll‘1ll‘lO, cada especialidade
adot:-'1-la, ligando-a El teoria dos “campos cegos" e dll zlnflllele li:Vl\r ll Lltlll'/.:lg;l"l0 dc sells pl'6pl'los reeursos ale 0 limite para
diferencial. De fato, nao se pode esqllecel" os llllliles (dc:»'co- D l'enOmcno gluhlll, nenllllmll llesslls cléncllls pode pre-
bertos em estudos :ll1lCl‘l()l‘CH) dal uullcc:pg‘l\o clll lingual como Nem goverml-lo. Al.lmltlr.lo ou CHllll)<.3lCCl(.lO ls:-lo,
7*

as dificuldades comecam. Quem pode ignorar as decepcoes e relacao as outras pesquisas e disciplinas ja institucionalizadas:
$3 logros proporcionados pelas reunioes ditas “inter” ou letras e artes, ciéncias diversas. Basta conceber uma Faculdade .\_}k
pluridisciplinares”? Em diversas ocasioes as ilusoes e a mito- que reuna em torno da analise do fenomeno urbano todas as ~.‘_‘V.
'1 T
ogia da pesquisa assim denominada foram denunciadas. Ora disciplinas existentes, das matematicas (estatistica, mas também l \i
<5
dialogos de surdos, ora pseudo-encontros desprovidos de ter- :1 teoria dos conjuntos, da informacao, a cibernética) a historia, /Vea-ad
»
reno comum, 0 primeiro problema que surge é 0 da termino- 11 lingiiistica, passando pela psicologia e pela sociologia. Essa /9
‘I x
-.1
logia. Dito de outro modo, é 0 da linguagem. Raramente os Concepcao invoca uma modificacao das idéias aceitas a respeito
participantes se entendem a respeito das palavras e termos do ensino. Uma tal Faculdade instituir-se-ia em torno de uma AQ
§-o..w‘
de seus discursos, mais raramente ainda sobre os conceitos. problemoitica, e nao a partir de um saber adquirido (ou pre- 7; J
~~l
l Ela Quanto as teses e teorias, geralmente se descobre suas incompa- tensamente adquirido) para difundi-lo. Paradoxalmente, uma i ~; ‘M

l
‘3 tibilidades. Confrontos e enfrentamentos passam por sucessos. Certa unidade do conhecimento so pode ser reconstituida atual-
Y

lI Na maior parte dos casos as discussoes situam-se aquém e mente em torno de um conjunto coordenado de problemas.
. ‘I
u xi?" 5;
UV P11‘2*
dissimulam as controvérsias. Supondo que se chegue a definir O saber supostamente adquirido fragmenta-se, cai em migalhas,
“objetos”,
.r B ’_:

substituir o
quase nunca se emprega a regra bem conhecida:
definido pela definicao, sem o enfraquecimento
apesar das boas intencoes dos epistemologos (que tao-somente all \
“,5...

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f= petrificam em “nucleos” os resultados provisérios da divisao ,.
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da logica. A dificuldade metodolégica e teérica aumenta quando do trabalho intelectual). Entretanto, 0 estatuto de uma tal
V./n se constata, no curso de tais discussoes, que cada um busca
a sintese e pretende ser o “homem de sintese”. As vezes, a
lnstituigao —- universidade ou faculdade — nao se discerne
Claramente. O projeto pode seduzir, mas essa seducao nao
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'1?‘ pesquisa dita interdisciplinar permanece aberta, ou melhor, ..
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=1/ poderia ocultar alguns obstaculos. Corre-se o risco de repro- -.3
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t boquiaberta e vazia, inconclusa. Outras vezes, fecha-se numa ._‘ll ,\
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.(A"D
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du‘1.ir, numa instituicao, 0 que ocorre nas discussoes ocasionais. 42¢f__M_,
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"<1 Pll pretensa sintese. Isso tanto é verdadeiro que o fenomeno .l. :
Como conseguir que os especialistas superem suas terminolo- l
“r
*2 7‘ urbano, como realidade global, reclama com urgéncia a reuniao
flllls, seus léxicos, sua sintaxe propria, seu estilo, seu jargao
7-1
§/<,¢.l/,¢4<.1~-1._ _ dos conhecimentos fragmentados, embora a torne dificil ou
€ suas deformacoes profissionais, sua tendéncia ao esoterismo e l
impossivel. Os especialistas so concebem tal sintese no seu
sua arrogflncia de proprietarios de um dominio? O imperialismo
' terreno, a partir de seus dados, de sua terminologia, de seus
pcrmanece a regra. Isso se verifica hoje com a linguistica e a etno-
_ 9 conceitos e teses. Inadvertidamente, eles dogmatizam, e quanto ./~/:-W.-¢Q
,/ mais competentes mais dogmaticos. Regularmente, assiste-se,
567-1 lcglll, como ontem se verificava com a economia politica! Como
l
_,\-~l <T~.,A-fa»
pois, ao reaparecimento do imperialismo cientifico: da eco- filler para que os especialistas nao intentem obter para sua
~. nomia, da historia, da sociologia, da demografia etc. Cada cien- iipeelalidade, isto é, para si proprios, os postos de comando?
9
~ tista representa as outras “disciplinas” como suas auxiliares, suas lithe-se muito bem que quem nao atua com habilidade tatica
\
, _J, >_
;.
criadas, suas servas. Oscila-se, assim, entre o chauvinismo V5-llc subjugado e reduzido ao silencio. O projeto de uma Facul-
,¢ ‘i;..
*~.1
cientifico e a confusao, o “babelismo”. No decorrer dos encon- filildc dc urbanismo (ou de “urbanologia” ou de “politologia”,
Qjl/\/l\.-L
V tros ditos interdisciplinares, rapidamente torna-se impossivel l\O|'l‘lvel:~l neologismos) nao implica ceder aos mitos da interdis-
manter as especificidades sem separacao, ou a unidade sem Glpllnarldade. Nem aos da sintese final. Uma tal pesquisa nao
misturas. Chega-se a compromissos mediocres, por exaustflo: fir! mllagres. Nao basta institui-la para que se tenha uma analise
T
"-‘2)K/‘ porque é preciso interromper, porque as jornadas de coloquios lillllmllva do lenomeno urbano. E, ademais, haverfl analise
ou seminarios, assim como os créditos, sao limitados. A conver- Iiillllmlval clesse l'en(“>meno? Ou de qualquer outra realidade?
géncia, como se diz, distancia-se, a perder de vista... Pode-:-le allrmar que quanto mais cada ciencia particular .1
Q_feQ§_n_1_eg_o_u;l)_1n_Q___n1;lnifesta sua zmiuersalicladu. O que Hllil anl'lllse mais ela poe em evidC~nci;l um reslclu0.- H ~ l-'\Jnllm»~|-I
V ____&i_.i
l ll
bastaria para justificar a criagfto de uma m1i11ers!(/urlu duvolada Que Ht: revela esserlcial; que depende dc‘ 0‘ l \lr| > v "‘
a seu estudo analilico. Desde logo, nolenlos que nao st‘ lrala métollos. l\HHllll, o ecollollllslu encontra-se diante de \"/ "Q, H,H,_
, / l\‘ --
de reivindicar para tal estudo uma pl'lorldac|e lllwollllll cm CEJl!£l!l" que lhe escllpanl; para clc,_l.~l;lo_5:4z_LualLllllll. “ l

58
I,-,_________.? _
IPW

Ora, essas “coisas” concernem a psicologia, a historia etc. Cientifico, comoda e facil, implica uma vontade simplificadora
Frequentemente, os numeros e enumeragoes revelam dramas que esconde, talvez, uma outra vontade; uma estratégia de K
que nao lhes pertencem. O especialista lava as maos. Nem a fragmentacao, visando a proclamacao de um Modelo unitario W‘
l
l psicologia, nem a sociologia, nem a historia, que fixam seus G sintético, logo, autoritario. Um objeto se isola, mesmo se é .»
<1
ll\>§
olhares em tais dramas, os esgotam, nem os reduzem a um Concebido como um sistema de relagoes e se suas relacoes ~
1
saber definido e definitivo, a conceitos conhecidos e classifi- Com outros sistemas sao restituidas. Nao seria a vontade de
cados. Isso ja seria verdadeiro no caso do trabalho social, da sistema que se dissimularia sob o conceito aparentemente loM.»
r
atividade produtiva na indflstria, da racionalidade e da irra- “objetivo” de objeto cientifico? O sistema procurado constitui r ev-I?
cionalidade politicas. Seria ainda mais verdadeiro tratando-se Seu objeto ao se constituir. Em seguida, 0 objeto constituido l
l
do fenomeno urbano, numero e drama. Portanto, a ciéncia legitima 0 sistema. Atitude tanto mais inquietante quanto o Y
desse fenomeno so poderia resultar da convergéncia de todas sistema considerado pode se pretender pratica. Q_c<_>_n_c_ei_t_o ,. *2e<-i;-=eh
as ciéncias. dc cidade nao <;c_>_rre_§ponde...mais-l-a-~urn~-olbjeto-isocial. Portanto, M
r“

Sim, mas se cada disciplina torna manifesto um residual, l_rocig§l9,gjg31_1,n,¢.ute,.traflta;_se de um.pseudo.:.conce.iro_l\Iao obstante, »l~'~‘
prontamente ela se proclama irredutivel em relacao as demais. ll=1 .cidade tem uma
......_i____ existéncia historica que nao se pode descon_si_-
_ __..__.__...__._V.._. We? 2
'é_\<
1“?

A diferenca vai coincidir com a irredutibilidade. O que poe dcrar. Ainda ha”emp_or_,muvitoitempo l12_1V6I‘§.(€Il(.l21Cl€S pequenas e l
~4. .'\r‘
em questao a convergéncia. Ou se afirmara a irredutibilidade média. L,[rr_1a_imagem ou representagao, da cidade pode se pro-M \-3J’\
.1“~J
Y V .,.
do fenomeno urbano em relacao ao conjunto das ciéncias _Qn_gal s(1breVl‘Q§§..§l§....§!J.&S .c,ondi_g:.c72.li:.S,-.iI1S,12.iI%1.f.Uma i9l@Q1°8i.?1..e la
ll‘
fragmentarias, assim como a do “homem”, ou a da “sociedade”, m'<.>i¢t@.S E!.¥l>_?E9..i§Ei.99.5- Dito de-"OuttamQfl9+~~Q-ff9.l?l§.§Q’7._$9F€l9l@8iC9 4.4.?
lu
lj,

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o que nao ocorre sem riscos; ou se identificara o homem (em "[§‘_1.ll'l.J1esLe§.a§Q,_<§ _ali.mageml e. s.obre.t.ud.0, zlideolqgiall --—--~ lo
#2
u\ éee 0
geral), a sociedade (em geral), ou o fenomeno urbano, com 0 Atualmente a realidade urbana aparece mais como um caos
conjunto residual. O que tem seu interesse teorico, mas nao Q uma desordem — que contém uma ordem a descobrir —- do
deixa também de encerrar outros riscos: irracionalidade etc. O que como objeto. Qual é o alcance, qual é o papel, disso que
problema permanece: como passar dos saberes fragmentarios ao It! chama urbanismo? Existem urbanistas, saidos ou nao do
conhecimento total? Como definir essa exigéncia de totalidade? Cur/)0 dos arquitetos. Se ja conhecem a ordem urbana, nao
Pode-se também supor que a complexidade do fenomeno IQI11 necessidade de uma ciéncia. Seu urbanismo ja contém
urbano nao é a de um “objeto”. Pode-se perguntar se essa nocao lime conhecimento; ele se apodera do objeto e o encerra no
de objeto (de uma ciéncia) resiste ao exame rigoroso. Aparente- IOU sistema de acao. Se nao conhecem a ordem urbana, oculta
mente mais precisa e rigorosa que as nocoes de “dominio” ou GU em l'ormacz"lo, tem necessidade de uma ciéncia nova. Mas,
cle “campo”, ela acarreta complicacoes perigosas. O objeto se o que é atualmente o urbanismo? Uma ideologia? Uma
oferece ou é dado como real, diante e para o estudo. Nao ha lncerta e parcial que se pretende global? Um sistema
ciéncia sem objeto, nem objeto sem uma ciéncia, dir-se-a. Entre- lmplica elementos técnicos e que se fia na autoridade
tanto, pode-se afirmar que a economia politica, ou a sociologia, 1-ll: lmpor? Um corpo pesado e opaco, um obstétculo no
ou a historia, exploram, ou detém, ou constroem, um objeto um falso modelo? Ha que se perguntar e exigir uma
isolavel? Pode-se afirmar que a economia urbana tem seu sujeito, clara e solida.
assim como a sociologia urbana e a historia da cidade? A nosso Mills que a dc um objeto dado fl reflexilo, a realidade do
ver, nao. Tanto mais que o objeto “cidade” so tem existéncia lll'l):l|1() seria ll dc um objeto z/irlual. Se existe conceito
historica. Poder-se-ia conceber o conhecimento do fenomeno esse conceito é o da “sociedade urbana”. E, no
urbano -— ou do espago urbano — consistindo numa colegao ele nilo depende somente da sociologia. A sociedade
de objetos, o da economia, o da sociologia, o da llistoria espe- com sua ordem c desordem especificas, se forma. Tal
cializada, sem esquecer a <.lemogral’ia, a psicologia e as clénclll envolve um conjunto dc problemas: a ]3l'()l)lL‘l1lflll(‘:l
da nature'/.;l, tais como a geologlll etc? Nao. A noggao dc: objeto Aondc val esse fenolllellol Para onde o processo dc

60
llrlnanlzaqao slrraatsl El vlda social? Qual ll novel prfltlea global, das méqlllnes -, e que essa traclugflo nae é uma
ou quais as pratlcas parclal.~l que ele lmplica? Como dominar Alélu disso, a nldqlllnll nao pode tornur-ace um instru-
o processo teorlcamcnte e orlenta-lo prallcamcntc? Em cllregao nas lrlélos ele allgllrls grllpoa dc pl'css':lo, dc certo:-l poll-
a que? Tais sao as questoes que se colocam ao urbanista e Elll la nao constitui uma llrma para as pessoas no poder
pflrsl on servlqals dos politicos?
que ele faz aos especialistas, os quais nao podem responder,
ou respondem apenas por abuso de linguagem. 1’°¢'¢"'-‘“=="" -£ a..aln.a.la.@s.qllillal..12??w;!1@¢liui$1»@l-
,3‘
xii »

Para tornar-se global, para transpor suas incoeréncias, a lfltreltlnto, a prospectiva extrapola a partir de fatos, dehlten-if
pratica social exigiria a sintese. Efetivamente, a pratica industrial dc uma ordem jfl conhecida. Ora, ja sabemos que o l
l.ll'l)lll1O C2ll‘ZlC[(;‘l'lZZl-S6 21[L121llT161'1[€ POI‘ Ll1'1'12l Sill/tfl§dO
adquiriu um alto grau de coeréncia e eficacia: a planificacao, a
programacao. A pratica urbanistica pretende segui-la. Ora, a na qual nao se discernem, com evidéncia, nem temlencias :L-<<1».

pesquisa interdisciplinar, procedendo analiticamente, deve nem uma ordem. Onde fundar, entao, a prospectiva,
»

evitar as imprudéncias no caminho da sintese. Em termos mais seja, um conjunto de investigacoes concernentes ao futuro, Y

precisos: as extrapolagoes. Invocam (quem? os teoricos e os dc ter extraido os elementos de previsao? O que uma W“!

praticos, os conceituadores e os utilizadores) insistentemente iml pesquisa acrescentaria a hipotese formulada precedente-
o homem de sintese. Nao se deve perder nenhuma ocasiao .l'l'lel'lte, ll da eventual urbanizacao completa, hipotese que jus-
para reiterar que essa sintese nao pode ser obra do sociologo, lilmcnte designa a fase critica na qual entramos? O que a
nem do economista, nem de nenhum especialista. E certo que podera dizer de mais preciso e concreto que a perspec-
o arquiteto e o urbanista, pretendendo esquivar-se do imperia- Hm que mostra, no horizonte, o encontro das linhas saidas
lismo de uma especialidade enquanto praticos, reivindicam K-lils ciéncias parcelares?
tal titulo e papel. Por que? Porque desenham, porque detém Desses conhecimentos £1;21g_,l'I_1’§_I>1l’2jlI'l‘§_)§,(¢Sp€Cl2lllZ21ClOS), sabe-
0 sav0ir—faz're, porque executam os planos e projetos. Pretensao pflos que.tenden1ao global, que a ele aspit-=mi"££131i'§{{;51£énte é
abusiva. De fato, recaem na situacao precedentemente men- que engendram praticas parciais, as quais também pretendem
cionada. O imperialismo do savoir-faire, do desenho e do ler globais (por exemplo, o urbanismo viario e de circulacao). ll

desenhista, nao deixa nada a desejar ao imperialismo do eco- Ora, tais conhecimentos fragmentarios resultam da divisdo do
nomista ou do demografo, para nao falar do imperialismo ffubalbo. No dominio teorico (cientifico e ideologico), a divisao
dos sociologos. O saber nao coincide nem com um savor?"- do trabalho tem as mesmas funcoes e niveis que a sociedade.
faire, nem com uma soma de técnicas. Ele é teorico, provisorio, Uma diferenca se impoe entre a_l_diyi'sQ7_oi@11ic_;l do trabalho Q

passivel de reexame, contestavel. Ou nao é nada. Ora, ha (rncionalmente legitimada pelos instrumentos e ferramentas, pela t‘
“alguma coisa” e alguém. O saber escapa ao dilemai tudo ou organizacao da atividade produtiva na empresa) e a divisoio
_£Qgj_c_l_l, que faz surgir, dessa organizacao, funcoes desiguais, ii
nada. Quanto a pretensao de extrair uma sintese dessa ou
daquela técnica ou pratica parcial (a circulacao dos veiculos, prlvilégios, hierarquias. Nao sem conexoes com a estrutura de #4711
..»
por exemplo, ou das mercadorias, ou das informacoes), basta Classes, as relacoes de producao e de propriedade, as insti-
formular tal ambicao tecnocratica para que ela se esboroe. tulcoes e as ideologias. A divisao técnica tem seu modelo na f\'l/M1.<\a-3

Vamos, entao, passar para os computadores todos os dados émpresa. ja a divisao social nao pode existir sem um inter-
mediario tornado essencial: o mercado, o valor de troca (a
do problema? Por que nao? No entanto, a maquina tao-somente
utiliza dados oriundos de questoes as quais se responde por
mercadoria).
“sim” ou “nao”. Ela propria so responde as questoes que se poem No conhecimento, a divisao do trabalho tra_n_s_fo_r_11_1_a,-_sQe_ em
por “sim” ou por “nao”. Quem ousara pretender que todos os irlstz'tz_¢_z'g§as_(cier_gficas_,_,culturais) com seus quadros e aparelhos,
dados estejam reunidos? Quem legitimara esse emprego da tota- Etlasinormag valores e hierarquias correspondentes. Essas
lidade? Quem provara que a “linguagem da cidade”, supondo lnstituicoes mantém divisoes e confusoes. Assim, os conheci-
que exista uma, coincide com o algol, 0 syntol ou o fortran — mentos dependem de institutos distintos e também de uma

62 63
l-=-

entidade: a Cultura. Nascidas da/na divisao social do trabalho, produtivo, isto é, as exigéncias cada vez mais imediatamente
isto é, no mercado, essas instituigoes a servem, a adotam coercitivas do mercado? A ciéncia torna-se (como a realidade
adaptando-a conforme o caso. Literalmente, elas trabalham urbana) meio de producao. O que a politiza. Quanto a filo-
para e na divisao social do trabalho intelectual, que dissimulam sofia nascida da separacao do trabalho material e do trabalho
sob as exigéncias “objetivas” da divisao técnica, transformando lntelectual, e mais tarde consolidada, apesar e/ou contra essa
as relagoes “técnicas” dos setores e dominios, dos procedi- separacao, ela ainda pode pretender-se e conceber-se total?
3 mentos e métodos, dos conceitos e teorias em hierarquia de Situacao dificil. O pensamento abstrato parecia ter atraves-
prestigio e de rendimentos, em fungoes de gestao e direcao. Bado as piores provas e saido vitoriosamente de todas. Ele
Essa vasta operacao se funda nas separacoes que ela acentua parecia ressuscitar no conjunto das ciéncias apos a Sexta-feira
ao consagra-las. Em tais condicoes, como atingir e mesmo Santa especulativa (Hegel) e a morte do Logos encarnado na
visar a totalidade? Talvez o funcionamento dessas instituicoes Fllosofia classica. Pentecostes é ainda mais surpreendente; a
cientificas e culturais ultrapasse a satisfacao das necessidades intelligentsia especializada recebe, do Espirito Santo, o dom
imediatas do mercado e da procura (de técnicos, especialistas das linguas; a linguistica faz o papel de ciencia das ciéncias,
etc.), mas sua “criatividade” raramente consegue escapar do papel abandonado pela filosofia que acreditava ter suplantado
l dominio das ideologias ligadas ao mercado. E o que sao tais ll religiao. Sob o abrigo da falsa unidade e da confusao, que
t
ideologias? Como as instituicoes, sao superestrutums, elabo- G111 nada exclui a fragmentacao e os recortes arbitrarios, a pratica
radas ou arquitetadas durante um periodo determinado — a l!'ldllstrial impoe suas coagoes.
saber: a industrializacao — em marcos sociais igualmente Nao é demais salientar que o positivismo opoe-se, ainda,
determinados (capitalismo concorrencial, neocapitalismo, I Fllosofia classica, a seus prolongamentlosnespeculativos. O
socialismo). Anteontem, o capitalismo concorrencial procu- posltlvista adere fortemente aos fatos que concernem a sua
rava adaptar a industrializacao superestruturas marcadas pelo fllérlcla, a sua metodologia. Ele se atém as constatagoes e
longo predominio da produgao agricola, da vida camponesa. lvnrlezl prudentemente em meio aos conceitos; ele desconfia
Ontem e hoje, o neocapitalismo continua esse empenho que {lflll leorias. Ha um positivismo fisico, um positivismo biolo-
/1
»~_-
a urbanizacao da sociedade ultrapassa. Acontece, entretanto, ]lCo, economico ou sociologico, ou, noutros termos, um fisi-
x
que, levando a ilusao e a aparéncia ao limite, determinada um biologismo, um historicismo, um economicismo,
X
ll
O. instituicao queira incumbir-se da totalidade, emboraapenas noeiologismo etc. Nao existe também um positivismo
ratifique as separacoes e as reflna tao-somente na confusao que aceita, que ratifica os fatos consumados? Que
babélica. Atualmente, quanto a sociedade urbana que assoma isto ou aquilo, sem questionar e sem se questionar,
ao horizonte, nao seria esse o papel, a atividade, a funcao do inclusive, se lhe for possivel, o questionamento?
urbomismo? A filosofia classica e o humanismo tradicional flllo se vincula a um tecnocratismo? O pensamento positi-
tiveram essa ambigao ao se manterem aquém da divisao do nflo se pergunta se as constatagoes por ele efetuadas
trabalho (técnica e social), da fragmentacao em saberes parce- de um recorte ou de um ponto de vista, se tem ou
lares, assim como dos problemas inerentes a essa situacao dlanle dc si um “objeto”. Existem fatos, classificados e
teorica. Quanto a Universidade, ela se propos, durante vflrios como concernentes a tal ciéncia ou técnica. Ora,
séculos, a assumir a universalidade, em associacao com a filo- posllivistll jamais impediu a queda do empirismo
sofia classica e o humanismo tradicional. Ela nao pode mais ou a da linguagem rigorosa no jargao (mais ou
conservar essa “funcao” na medida exata em que ela institllcio- c?l-lol€'l'lco)- Ademais, essa corrente, segundo a qual a filo-
naliza a divisao social do trabalho, preparando-a, organi'/.ando-ll, HRO lcm mais, ou nunca leve, sentido, nao é incompativel
inserindo-se nela. Nos dials de hoje, a fungao que lhe eslfl liélldo lmperlallsmo. O especialista alirma a validade
reservada nao <2 a de adaptar a dlvlsao técnica do lrllbzllllo do sua clénclal ell: al’asl':l as olltras “dlsclplinas" ou
intelectual e dos conlluclmcntos El dlvlsilo social do lrlllmlho I Illa. E llsalm que 0 ernplrlsmo loglco-lmllemfltlco
quer lmpcr modelos mlltemfitlees :1 todas as clénelall. riellllancle EGCMQ as "ser ela l1emem". sua reallzagne eu seu Frncassa rm
os conceitos especificas clesslls Clél1ClllH; o ecorlomlclllmo lqlidflde llrhllrlll que ele llnllnclal 13 possivel que nesse tr-ajelo ll
exclui todo nivel ele realidade <.lll’crente claqllelc corlcernentc plln lllosollll e Hull lllslollll llparegllrn dc outro modo, isto 6,
El economia politica, aos modelos de cresclmento. Asslstc-se, mo projeto (dc quem! do ‘ser lluln.mo"f) Assim, Ll lllo~.oll.l
ha algum tempo, a uma exaltacao dos modelos lingllistlcos, IQ l=\pill'eccu
c llumlnada
" pela lndllstril e pell2 pifttlcl lndusulal
n ~ , 7, \
como se houvesse apenas um modelo definitivamente obtido l'orm.lg,Ilo com uma novlZ lLlL?
H
Pol. que L1, me/or/lloso_/ta,
I 7 V .' .‘
ema-
por essa ciéncia, como se esse modelo pudesse ser transposto I nclo da fllosolla como a sociedade urbana emerge da cidade
para fora de seu lugar original a fim de conferir um estatuto I lllllllqada, nao retomaria, superando-o, o sentido que a filo-
epistemologico rigoroso a outras disciplinas, como a psico- l flll tcve em relacao a Cilé e a Cidade? Esta reflexao nao se
logia ou a sociologia. Como se a ciéncia das palavras fosse a EUR aquém da filosofia, nem na filosofia, mas além da filosofia
J
ciéncia suprema, porque tudo se diz e se escreve com palavras! mo 1alivld
- ‘ 1 _
lde ela . .'
propria '_ '
especializada, - ~
constituida - -
e insti-
l ldll. O que define a metafilosofia.
De fato e de direito, uma tal interpretagao situa—se num
terreno preparado pela filosofia. ja é ou ainda é filosofia, Sllllando-se além da filosofia, a meta_fil<ls_o_fia se liberta do
embora nao no sentido da filosofia classica. Quando o positi- l !¢w'S<> l*1§§l§E§@1E1l_XlQ§Q?i§l9....?....fi.1.QS.Q§i.a....CQII1Q-.i1lS.£iIL1.ig€1o
vista quer estender suas propriedades (seu dominio proprio) |_l1lyfley|fsit§l1'ia, cultural). Com efeito, a filosofia, desde Hegel,
e sua atividade operacional, quando ele ameaca ou invade ll tnsli/uida. E um servico publico a servigo do Estado, e
outros territorios, passa da ciéncia a filosofia. Ele utiliza,
EL
I discurso
‘Y ~ ..
so/ pode ser ideologico
- , . ‘
A metafilosofia
. .
liberta-se
.

sabendo ou nao, o conceito de totalidade. Ele deixou o frag- 2 llls


'2" .'SClVlClO6S
' ' N . O que entender por essa palavra que parece
1 lgm’lt1ca
s I. I (e que corresponde, num outro plano, a \ metafzszca,
mentario, o parcelar, numa palavra, o analitico. Desde que se ’ I

invoca a sintese e a totalidade, prolonga-se a filosofia classica rmo aristotélico)? Em primeiro lugar, que o pensamento
divorciando seus conceitos (totalidade, sintese) dos contextos ) nsidera conceitos elaborados por toda afilosofia (de Platao
e das arquiteturas filosoficas nas quais nasceram e tomaram Hegel), e nao conceitos pertinentes a tal filosofia, a tal sistema.
forma. O mesmo ocorre com os conceitos de sistema, de ordem uais sao esses conceitos gerais? Pode-se inventaria-los, enu-
e de desordem, de realidade e de possibilidade (virtualidade), era-los: teoria e pratica, sistema e totalidade, elemento e con-
de objeto e de sujeito, de determinismo e de liberdade. Sem nto, alienacao e desalienacao etc.
esquecer a estrutura e a funcao, a forma e o conteodo. Transfor- O objetivo nao é reconstruir o antigo humanismo, com-
madas pelos conhecimentos cientificos, essas nocoes podem se 'ometido desde quando Marx e Nietzsche o submeteram a
dissociar de toda a sua elaboracao filosofica? Aqui a metafil0- ais dura critica teorica. A questao é saber se a sociedade
sofia tem algo a dizer. A 'bana autoriza a elaboracao de um novo humanismo, uma
A filosofia sempre visou a totalidade. Porém, quando o :2 que a sociedade dita industrial, capitalista ou nao, desa-
filosofo quis alcancar ou realizar a totalidade unicamente por 'editou praticamente o antigo. Nao esta descartado que a
suas forcas, perdeu-a. Ele fracassou ao se perder nas abstragoes terrogacao, posta a partir da filosofia pela reflexao metafi-
especulativas. E, no entanto, é ele que fomece essa visada e essa is ofica, culmine com a constatagao de um novo fracasso. A
visao. E dele que os outros emprestam esse conceito quando 'oblematica urbana nao pode recusar a priori essa eventua-
extrapolam a partir de um saber mais ou menos adquirido, Jade, sem recair nas velhas categorias ditas idealistas da fé
que créem definitivo e do qual querem extrair uma regra para da provocagao.
todo o conhecer. O filosofo e a filosofia nada podem sozinhos. O que o espirito da frlosofia pfOpOI‘ClO1'12l7 Primeiro, o ploprio
F , . , . . . , . .
Mas o que se pode sem eles? Nao conviria interrogar o fenomeno pirito da critica radical. Em seguida, uma critica radical das
urbano partindo de toda a filosofia, mas tendo em consideracao e"ncias fragmentarias enquanto tais. Esse espirito recusa todo
todos os conhecimentos cientificos? Examinar, dessa maneira, D gmatismo, tanto o da totalidade quanto o de sua auséncia,
seu processo, seu trajeto, seu horizonte e, sobretudo no que nto as acoes das ciéncias parcelares e a pretensao de cada

66 67
I

uma de tudo apreender e tudo iluminar, quanto 0 refugio de


/
pela demonstragao transforma-se, aparece e/ou aparecera de
cada uma num “objeto” bem delimitado, num “setor”, num outra forma, incluidos os axiomas e as formas que a reflexao
“campo” ou “dominio”, num “sistema” considerado como pro- lsola na sua pureza. A critica radical desvenda, cedo ou
priedade privada. A critica radical define, assim, um relati- tarde, uma ideologia em cada modelo, como talvez na propria
vismo metodologico e teorico, um plumlismo epistemologico. “cientificidade”.
Os “objetos” (ai incluido o corpus constituido para e por deter- Atualmente o espirito da filosofia permite destruir o fina-
minado estudo particular, ai incluido, consequentemente, 0 lismo. Egresso da filosofia, e mais especialmente da metafisica,
fenomeno urbano considerado como “corpus”) sao afetados por 0 finalismo tradicional esboroa-se aos golpes da critica. Para
esse relativismo. Bem como os modelos, sempre provisorios. 0 devir historico e frente a acao nao ha fim definido, pré-
Nenhum método assegura uma “cientificidade”, teorica ou fabricado, portanto, antecipadamente alcangado por um deus
pratica, absoluta. Especialmente na sociologia (urbana ou Du em seu nome, por uma Idéia ou por um Espirito absolutos.
nao). Nem as matematicas, nem a lingtiistica, garantem um Nao ha objetivo posto como objeto (real desde este momento).
proeedimento metodologico perfeito e definitivamente rigo- Inversamente, nao ha impossibilidade prévia para um fim refle-
roso. Existem “modelos”; nenhum dentre eles é acabado nem tldo, para um objetivo racionalmente declarado como sentido
plenamente satisfatorio; nenhum pode ser generalizado, trans- dll acao e do devir. Nao ha sintese realizada de antemao. Nao
portado, importado ou exportado para fora do “setor” em que ha totalidade original e final em relacao a qual toda situacao
foi construido sem as maiores precaucoes. Afirma-se que a Como todo ato e todo momento relativos seriam alienados-alie-
metodologia dos modelos retoma e apura a metodologia dos mlntes. Inversamente, nao ha nada que negue a exigéncia, a
conceitos. Existem conceitos especificos, proprios a cada vontade e a concepgao do total, nada que bloqueie o horizonte,
ciéncia parcial; nenhum determina completamente um “objeto” ti nao ser a atitude alienante-alienada que decreta a existéncia
tracando seus contornos, apreendendo-o. A r alizacao efetiva Qxclusiva, teorica e pratica, de uma c0z'sa.‘O urbano (a socie-
de um determinado “objeto” comporta grand s riscos. Mesmo dade urbana) nao é o fim pré-fabricado, lolslentidol deuma
se o analista constroi “objetos”, eles sao provi orios e resultam Fllst6l'i'a qlléwal em sua direcao, historiaela propria pré-fabri-
de uma reducao. Existem, portanto, moltiplos modelos, que allclil (por quem?) para realizar esse fim. A sociedade urbana
»"' - - - . . 1 ""'~' .
nao compoem um conjunto coerente e acabado. A construcao pl'oporclona o__f,1m e _o ‘SQ[l>_l1(’l§)MC‘l_2l_>1f1(,ll.lS§I‘1,€ll1Z2l§3.O simplesmente
de modelos, em geral, e cada modelo em particular, nao escapa 'BDl'(]LlC nasce dela, a engloba e a encaminha em direcao a outra
a critica. O modelo so vale se é utilizado, e utiliza-lo consiste, 0Oi.\‘a. Nao se trata mais de uma concepcao metafisica, ingenua-
primeiro, em mensurar a distancia entre os modelos, entre i1enlu historica, da finalidade. De quem e do que a totalidade
cada um deles e o real. Por isso, a reflexao critica tende a pode nascer? De uma estratégia e de um projeto que prolon-
substituir a construcao de modelos pela orientacoio, que abre lklem num novo plano a antiga filosofia. Assim, o filosofo
,
"‘\M. . i-vi “
l:/;_- Iv» ‘\viI
vias e descortina um borizonte. EH0 que propomos aqui: nao (ou melhor, o metazfilosofo) nao mais pretende fornecer a fina-
._.---\,,_<;__<_>\r},@_i__r,_.L.1r.r1 rnodelo do urbanojhzg abfiriuiha’ emlilirecflo :, :1 sintese, a totalidade. Ele recusa a filosofia da historia
Exxp/F.
_a_,e_lwe.qAciéncia, ou melhor,,_as_ ciéncias avangamdo mesmo modo da sociedade na mesma medida em que recusa a metafisica
,\ gu_e__s_e con_stroe_m estradas, ou como se,_,<;on_quistam terrenos it Qnlologla Cl2lSSlC2lS. Ele intervém para lembrar a exigencia
( /flffi 1”
4 Q/“K U1”
. \
. 1:» ao mar. Qomo poderia,haver,u.m f‘corpus” _g;i,e,,nt,1l',_i_co (corjms liollllldade, isto é, ll impossibilidade de aceitar a fragmen-
[dim 47' \v~

o . \<\l/'_ 9 ,,“we V, sciefitWi§;_f_piVm), um finico “corpo” clefinitivainente, adq_ui_rido? Ii l: l'atil'lcar a separagao. Ele critica radicalmente o fina-
. J 2.. nl1cleos,_imutaye,is?_Na_o se pode confundir a formalizaqao e a cm geral, mas também os finalismos particulares: o
aX_iQ111%Li.Zacao. com a pesquisa experimental Q,_l‘CO,lfl(.‘;_l,, empi- o sociologismo, o hisloricismo. A filosofia con-
I
‘e/I 0 1- rica e conceitual, que conseqiientemente utiliza /Jlpdlcsus veri- em metlll’llosol'l:l nao mostra mais o “homem” como
\,.,.\ /my ficflveis, portanto falsil’ic{lveis," portanto revis:'lveis, e que sempre l'elllldadc la concllllda ou perdida. Illa designa llma via,
l ‘¢&>mp<>.~la uma parcellk dc ideologla. O que parece cl-ltahlllmldo Grlantllcao. Sc: l'ornece alglml-l lnstrllmuntos conceltuals
ll
l I‘,
.
68
l
para abrir o caminho em diregao a tal horizonte, ela nao é mais ou as classificam estruturando-as. Aquém das necessidades
o terreno no qual a marcha do tempo se realiza. Ela mostra a situa—se, global e confuso, um “alguma coisa” que nao é uma
amplitude da problematica e suas contradicoes imanentes, e coisa: a impulsao, o ela, a vontade, o querer, a energia vital,
em primeiro lugar a relacao entre uma racionalidade que se ll pulsao, como se quiser chamar. Por que nao enunciar tais
l afirma, desenvolve-se e se transforma, e a velha finalidade dlferengas em termos de “id”, de “ego”, de “superego” social?
l
l que se esboroa. Ora, a racionalidade parecia implicar o fina- O “id” sendo desejo, o “superego” institucional e 0 “ego” um
lismo, e o implicava efetivamente nas concepcoes especulativas Compromisso? Por que nao? Todavia, corre-se o risco de cair na
do universo. Se a racionalidade deve elevar-se da especulagao filosofia da necessidade e na ontologia do desejo. Inutilmente.
a pratica racional global, da racionalidade politica a racionali- De um modo mais proximo da experiéncia e do discurso
dade social, da racionalidade industrial a racionalidade urbana, Cotidianos, constatamos que o ser humano é, inicialmente,
so o fara resolvendo essa contradicao imanente. O objetivo? crlanca, depois adolescente, depois adulto envelhecendo. Esse
O fim? Eles sao concebidos; projetados; declarados e somente prematuro, esse imaturo, tende para a maturidade, que é o
podem ser alcancados se permitem a mais ampla estratégia. lieu fim. E assim e nela que o ser humano acaba. A maturi-
As discussoes atuais sobre o homem, o humano e o huma- dade o interrompe, e se trata de uma interrupgao de morte. A
l nismo retomam, em termos pouco originais, os argumentos de ilntropologia dialética, em elaboracao a partir da reflexao
Marx e de Nietzsche contra a filosofia classica e suas implicacoes. llobre o urbano (sobre o habitar), teria seu ponto de partida
O critério utilizado no curso dessas controvérsias, ou seja, o G seu apoio biologico na teoria da fetalizacao (Bolk). Os seres
da coeréncia racional que substituiria o da harmonia e da Vlvos oviparos deixam sua prole ao acaso; eles poem os ovos,
l
“escala humana”, corresponde, sem nenhuma dovida, a uma llcqllentemente em grande quantidade, de onde sai o filhote,
necessidade. A sociedade atual chegou a um caos tal que reivin- lilrm constituido, capaz de sobreviver sozinho. Enorme desper-
dica insistentemente a coeréncia. Nem por isso sua suficiéncia dlclo. A fetalizacao protege o jovem, mas quando ele nasce
esta demonstrada. O caminho que se abre é o da reconstrucao l lncapaz de sobreviver sozinho. Dai um longo periodo, a
de um humanismo na, para e pela sociedade urbana. E para ll1l"l'll1cia e a adolescéncia, no qual ele é ao mesmo tempo
esse “ser humano” em formacao, portanto, fato e valor, que a ll‘ll"0rme, fraco, educavel. Até mesmo “plastico”. Essa miséria
teoria abre o caminho. Esse “ser” tem necessidades. E preciso Mm sua contrapartida, a educabilidade, que, porém, nao ocorre
uma analitica da necessidade, o que nao significa que se possa 10111 desarmonias. Assim, a maturacao sexual nao acompanha
l
elaborar uma filosofia da necessidade invocando-se o marxismo, Q |'naturagl"lo geral, fisiologica e social; ela as precede. Dai a
a sociologia, a psicologia, a racionalidade industrial. Ao contrario. follslhilidacle de perturbacoes (explorada pela psicanalise). O
Mais que um estudo “positivo” das necessidades visando consta- humano compreende seres informes, dos quais alguns
ta-las e classifica-las, esse conhecimento poderia constituir-se possibilidades infinitas (indeterminadas), e seres maduros,
através da analise dos equivocos, dos fatores inadequados, linitos. Como constituir uma forma, o babitar, que
na pratica arquitetural e na ideologia urbanistica. Um método esse grupo a viver? Antropologicamente formulada, essa
indireto e negativo nao seria mais pertinente que o positivismo qllcstao do /.m!9ilm'_(clzl arqu,itet_ura,). Tal concepgao rejeita /A
sociologico? Se existem necessidades “funcionalizaveis”, também ) dclilveradamente 0 finalismo filosofico da ascensao ie"'lt’”“i
existe o desejo, ou os desejos, aquém e além das necessidades sem contradig,‘oes dilacerantes, da harmonia preestabe- 0 M‘
inscritas nas coisas e na linguagem. Ademais, as necessidades que sohrevive nos dias dc hoje em algumas visoes l
HA t"\1*'
-
sao fixadas, admitidas, classificadas, apenas em lilngao dc o nlarxismo olicial, zl doutrina teilhardiana, a teo-
imperativos economicos, de normas e “valores” sociais. Classi- llulnanlstzl. Sabc-se que a lenta rnatl|r:lg;ao do ser humano,
ficacao e denominacao das necessidades tern, portanto, um G fllz dependcr da familla, da moradia e do “l1ahitar", da
carater contingente, e silo, paradoxalmenlc, inslitlllg,'(‘»es. Aclma e do l'enonlcno urlwano, tem por ilnpllca<,'ao a educa-
das l1CCCSSl(lll(.lCh‘, erlgem-se as lllstltlllqoes que as reglllllrn e por coneleqllénclll uma cspanloaa plaalleldade.
l
Ha nesse “ser”, que cresce e se desenvolve desigualmente, formas, concebidas e desejadas, capazes de modelar tal matéria
necessidades urgentes e necessidades diferenciadas. Ha, nele, segundo postulacoes e possibilidades diversas. Essas formas agem
o que o torna idéntico a seus antepassados, o que o torna em diferentes niveis. No horizonte do possivel, a sociedade
analogo a seus semelhantes, e o que o torna diferente. Sua urbana nao propoe uma nova forma?
X’ miséria é sua grandeza; suas desarmonias e disfuncoes o impul-
l
E Os especialistas, os mais decididos a se proclamarem cien-
l
sionam adiante, em diregao a seu fim. Ele jamais abandona a tlstas com todas as prerrogativas, nao deixam de apelar a
l ambigiiidade. O carater dramatico e conflituoso das necessi- racionalidade. Ignoram que essa nogao geral nao podeser
l
dades e desejos tem um Q_c“an,ce_,antr_opologic_o. Essaciéncia Concebida sem a filosofia, inclusive e especialmente se a razao
.a¢Yl'P"F<-‘ M
ainda incerta so pode se constituir dialeticamente, tendo em fllosofica é apenas um momento ou um elemento da racio-
conta as contradicoes. O ser humano tem “necessidade” de nalidade? Proclamar a racionalidade sem contexto, no absoluto,
‘l acumular e de esquecer; tem necessidade simultanea ou suces- Blgnifica petrifica-la, mutilando-a. Para manter as controvérsias
ti sivamente de seguranca e de aventura, de sociabilidade e de neste ponto decisivo, eis o quadro das formas sucessivas da
solidao, de satisfacoes e de insatisfagoes, de desequilibrio e razao: a razao logica, formulada pelo pensamento grego (Aris-
Q‘ de equilibrio, de descoberta e de criacao, de trabalho e de toteles), sucedida pela razao analitica (Descartes e a filosofia
l
jogo, de palavra e de siléncio. A casa, a morada, a residéncia curopéia), e mais tarde pela razao dialética (Hegel e Marx, e
,$_
133 e o apartamento, a vizinhanca, o bairro, a cidade, a aglome- [1 pesquisa contemporanea). Cada forma critica as precedentes
racao, satisfizeram, ainda satisfazem, ou nao satisfazem mais Dem as destruir, mas nao sem problemas. Da mesma maneira,
a alguns desses apelos. As teses do “meio” familiar, do “meio” it razdofilosofica elaborada por toda a tradicao ocidental foi
. de trabalho, do “quadro funcional” ou do “quadro espacial” lucedida pela razdopratica industrial (Saint-Simon, Marx etc.),
oferecidas a essas necessidades sao, simplesmente, monstruo- luperada, nos dias atuais, pela racionalidade urbana em for-
sidades dogmaticas, que ameacam fabricar monstros a partir mllgfilo. No plano social, nao mais no mental, a racionalidade
das larvas humanas que lhes sao confiadas. dc opiniao cedeu lugar a racionalidade de orgarlizagao, que
A realidade atual (social e urbana) revela algumas neces- Mo pode deixar de colocar as questoes de finalidade e de
'7,.-it
4,;- ‘F, sidades fundamentals. Nao diretamente, mas através do que Ifintldo dependente da racionalidade de realizagdo. Nesse
ll.
as controla repressivamente, do que as filtra, as oprime ou as da finalidade e do sentido, um humanismo abstrato
-4.)
desvia. O que se desvenda retrospectivamente. Conhece-se o e classico) nao pode manter-se como ideologia sem
passado a partir do presente, mais que o presente a partir do pela prova do humanismo critico. Este, por seu turno,
a&<@c~\,3Qhams
¢p<\/at
/'l‘»,Q%fi{ q;'i@;ls,',5¢.&“,»@s.=-Y-=
passado. O que legitima uma historicidade sem historicismo. o humanismo concreto, desenvolvido (que, por
Teoria e método precisamente indicados por Marx. Da'proble- inte, visa o total). A primeira etapa do humanismo
matica urbana, elabora-se uma antropologia dialética. Esse a imagem do ser humano, seu projeto abstrato apre-
l conhecimento fornece, por seu turno, dados a problematica e e representado pelos filosofos. A0 segundo momento
l
a solucao dos problemas a ela inerentes. Ele nao pode pretender a contestacao do fim, do sentido. Durante o terceiro
colocar, nem resolver por si so, 0 conjunto dos problemas. elaboram-se a eoncepcao e :1 vontade de uma pleni-
Ele entra nas disciplinas consideradas sem outro privilégio que (llnlla, relativa, mas “total”).
o de nascer concomitantemente a problematica vislllmbrada.
Uma tal antropologia refine alguns elementos ou aspectos
Ruzzio 0 raciolzaliclade
ligados a antiga filosofia. O que ela ensina? Que ha uma espécic
de “matéria humana”, com leis (biologicas, fisiologicas), mas loglca........................ l'llosol’ica .................. opiniao
sem forma preexistente no nivel da realidade dita social ou
lnlllltlca lnduslrlal .. ........ ..<>l'g:llli'/.:lqi‘l<>
humana, que tem por apanagio uma extraordln.’lrla [7lll.‘-ill(‘lLlll(lC,
uma educahilidade e uma adaptalhllldade nolflvcls. Aparecelrl llrbana........................... l‘Qilll’/.llg‘llU
Hlimanisma Ainda é preelaa determlnslr :1 "perupeellva". Aqui e
,. nao nos orlentlllnos para o "homem" lrlldlclolllll, mas para
lllllnanlsmo abslrato............................lmagelll e projeto humano” l'econl-llllc|'a<.|u e reconstrllldo, 0 da socledmle
humanismo critico contcstaqao que ac l'ol'nla;
ll l humanismo desenvolvido ..............finalidade (projeto) Mlc1gr‘cig,'¢-Ir: (dos fragmentos definidos pelas disciplinas
lI Mas ll que? A uma delas, promovida a dominante?
l Certamente nao é o espago (social, urbano, economico,
/; A uma prcixis? Em tal acepcao, porém, o conceito
l l epistemologico etc.) que pode proporcionar a forma, o sentido,
sucumbe aos golpes da critica radical. Caso nao se
a finalidade. No entanto, vemos essa tese surgir de todos os
1:.
dc uma cstrzltégia de classe, trata-se de um recurso, de
lados: o espago como regra, norma, forma superior, em torno
ffl-‘ prazo protelado. Um verdadeiro fiasco. Sobretudo em
l do qual poder-se-ia realizar um consenso de cientistas, quando
'1
dc deplor:’lveis precedentes; por exemplo, o fracasso
. nao um “corpus” das ciéncias. Qrrgl/,_9_ _€S_Q2\.QD._é..l5\QrS.Q111£i11l.C
=» Uflonomlcisrno, ideologia e pratica baseada numa concepcao
um medium, ,meio e_ mediacao, instrumento e_,,i,nt_e_rnle_,cli;'l_rio,
l mailsll,iou menos apropriado ou seja favoravel, __El§_El111fllS tem
o , 2 \ . .___,____... _-_i_.
c) praqmalisino. Ou seja, utilizacao de dados, de informagoes
At)
existéncia “em si”, mas remete a alguma cois“a_‘_ou_tra,,__A que?
_Ao tempo, existencial e simultaneamentee,s_ser1cial,__u,lt1-apas- aqui e ali, por este e por aquele (sociologo ou outro).
sando tais..de.terminag:_oes f_ilos_ofi_cas, ao mesmo tempo subje- O que ocorre com frequéncia. A cientificidade converte-se em
tivo e objetivo, fato e valor, porque “bem” supremo dos que Contrario: auséncia de critério rigoroso;
vivem, mal ouf.bem;“ porque fim ado mesmo tempo que meio. d) operacionalismo. Variante do pragmatismo, cobre-se de
Contudo, nao é ma-is o tempo dos filosofos, nem o dos cien- ideologia, a da tecnocracia e da burocracia, com seus
l
l
t
tistas — fisicos, biologos, historiadores, sociologos. A arti- la denunciados. Vé-se apenas conceitos operacionais.
culacao “tempo-espaco” ou, se se preferir, a inscricao “tempo Vlllldade dos conceitos nao se demonstra mais. Limita-se a
p no espaco” torna-se objeto de conhecimento.,_Trata-se_de_um pedir uma capacidade classificatoria, isto é, adminis-
objeto na acepcao admitida: um objeto isolavel, dotado de As vezes vai-se mais longe. Operador e manipulador
\l
contornos definidos? Certamente nao. Tratar-se-ia de um objeto juntos;
( sociologico? Talvez, mas, antes de mais nada, negativamente, L) hierarquizagxio. Sim, mas em nome de qual valor? Quem
enquanto fator de inadequacao. A relagao entre o tempo e o que o sociologo vale mais que o geografo ou o
l ,6 l a espago, conferindo absoluta priofidade ao espa(_;o,‘_§:»vel§:sie' As normas serao as das instituigoes e de suas
’i‘ela§ao gséocial inerente a uma sociedader.11a._.qL1.a,L,predomina oltimos vestigios da livre concorréncia. Os cien-
l, _; ll Ill
gmaacerta. forma de racionalidade governando a cl_ura~c__21o.7Q enviarao aos politicos as chaves da cidade cientifica. Esses
1‘ ,,\
. ___.. , ....__ {que r_e_:_cltLz_§_rge_s_,mo,,,no limite, destroiatemporalidade.Assim, decldirao; declararao o normal e seu oposto: o anomico (anor-
a_ideo_l9gia e a_c,ién_cia.se confundem. Essa relacao faz parte patologico), conforme sua vontade e representacoes.
de um mundo invertido, que também tem necessidade de “ser argumentar a favor dessa tese a partir da nogao (meto-
posto sobre seus pés”. de nivel. Mas, se cada especialista ocupa um nivel
Retornemos as relacoes das ciéncias fragmentarias. Como numa hierarquia, as questoes de prioridade e de precedencia
l ‘ lg
8.»
concebe-las? Muitas hipoteses se apresentam: lornam-se essenciais. Isso parece, no minimo, desconfortavel.
‘ R ‘H.
a) convergéncia. Mas onde? Em qual ponto? Proximo?T1ata-se f) experimentalismo. O analista recortaria, provisoriamente,
l
\
da esperanca e do mito dos encontros interdisciplinares. Acre- Objetos “abstratos”. Ele os estudaria com o concurso e a ajuda
dita-se definir a convergéncia num terreno proximo, como de diferentes descricoes, momentaneamente consideradas como
4
v
\
uma confluéncia de rotas. Ora, essa confluéncia nao se define, iluxiliares. Em seguida, ele as confrontaria com as experiéncias

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nem se atinge jamais. Se ha convergéncia, é no horizonte, em (as provas) no terreno. Procedimento possivel, mas abandona-se
/

t 74 75
a totalidade, e com ela o objetivo, senao o objeto, portanto, CAPlTULO|V
o fim e seu sentido. Com a totalidade perde-se a finalidade,
e, sem duvida, a coeréncia e a racionalidade tao procuradas.
A curto prazo corre-se o risco de oscilar como um péndulo,
entre o utopismo abstrato e o realismo, entre a irracionalidade
e o utilitarismo, sem esquecer o risco de abandonar as decisoes
a outros (que nao vem ao caso denominar).
NlVElS E DIMENSCES
Nenhuma dessas opinioes pode passar por satisfatoria, racio-
nalmente falando. Apenas um ponto é incontestavel: é_ impos-
sivel reunir os especialistas (das ciéncias parcelares) em torno O fenomeno urbano, tal como se oferece a analise atual-
de uma mesa na qual se coloque um “objeto” a conhecer ou a mente (ou, se se prefere, tal como resiste a ela) depende de
construir. Os mais competentes serao os mais perniciosos. E nocoes metodologicamente ja conhecidas: dimensoes, niveis.
impossivel apostar num tal encontro. Impossivel somar os conhe- Essas nocoes permitem introduzir uma certa ordem nos con-
cimentos especializados e dispersos, de analises enunciadas fusos discursos concernentes a cidade e ao urbano, discursos
em vocabularios diversos, a partir de “pontos de vista” e de que misturam textos e contextos, niveis e dimensoes. Desses
perspectivas disjuntas, particularizadas e limitadas. Gonceitos, pode-se dizer que permitem estabelecer codigos
Que_fa_;_e_rj_,§1olocamos,,_a...partir. de ago.ra,..a. no.c_ao~d_e_gs1;_ra- distintos, justapostos ou superpostos, para decifrar a men-
lngem (0 fenomeno urbano considerado como mensagem). Ou
.l<§8l.41..?<‘.Z’b€?.._’?€l> .19?!‘§L_?¥...§l.?.1.. ..§¢.lQ.£n.ar. Q_qtle,_i1g}pli_gawc1i$_>_ti__cr1_oes
llnda, que sao léxicos (leituras) do texto e da escrita urbanos,
§.11tr§...i2rali.9aQiaoliiiqa. c. pratica 59°91».§P.E§§_-P.!51.l§£§!.-9_°tidia"3 Saber, do plano, de um lado, e, do outro, das “coisas urbanas”,
.¢ l9..f.%i_t_.i.SE.?L¥._<_?lQ.l.L_1.§;i0fléfifl,....QL1,-.11QuIrQ$.. te.t.1.T.1_9$., uI12a_..§§.Lr&L’1/Fr“ visiveis, legiveis no terreno. Pode-se dizer que ha
_da prdxis. A pratica social _é analisadaenquanto pratiea
leitura no nivel geografico, uma leitura economica, uma
i12£l.ii§.tr.iai..§..12t¢ilica wrbvma Q Prim¢irO..9bi¢:FiY9.da.. leétfirégifl sociologica etc., do texto urbano? Sem duvida. E evi-
seria o de arrancar a pratica social a puragtica i,nd_u,st,rial_,_p_a,ifa
oriventa-la ein direcao a pratica urbana, de, modpopilue esta que o ordenamento dos fatos por tais conceitos nao
transponlialosiobstilculosl ique barram seu caminhol. i outros discursos, outras classificagoes, outras leituras,
seqiiéncias (geopolitica, organizacional e adminis-
tecnologica etc.). Com relacao ao problema da con-
jfl tomamos posicao precedentemente, ao menos

Dlacronicamente, no eixo espaco-temporal, indicamos forte-


(sem ir até o corte absoluto) os niveis alcangados pela
economical e social, ou, como frequentemente se
empregando-se um termo um pouco vago, pela “socie-
. lim resumo, o rural, o industrial, o urbano, sucedem-se
llgora dc um quadro sincronico que se refere a este
lcrmu. Neste quadro, distinguiremos um nivel global
§lHll‘lilllll'L'l'llOS como G; um nivel inislo, que indicaremos
E um nlvcl jzriuaclo (P), o do habltar.
nivel global ac excrcc o poder, o llstado, como vontade
Come vontade: o poder ele lzleltado c os llomcn~lL
que detém esse poder tem uma estratégia ou estratégias 0 espago institucional (com seu corolario: o urbanismo insti-
politicas. Como representacao: os homens de Estado tom uma tucional). O que supoe senao um sistema, ou sistemas de
concepcao politica ideologicamente justificada do espaco (ou ilqoes bem explicitos, ao menos uma acao sistematizada (ou
uma auséncia de concepcao que deixa o campo livre aos que Ileoes ditas “concertadas”, conduzidas sistematicamente). Por
propoem suas imagens particulares do tempo e do espaco). !l So, a existéncia de tais logicas, de tais sistemas unitarios
Nesse nivel entram em acao, com estratégias, logicas, das quais no nivel do Estado, mostra que a velha separacao “cidade-
pode-se dizer, com algumas reservas, que sao “logicas de classe”, Cilmpo" esta a caminho da desaparicao. Isso nao significa que
pois em geral consistem numa estratégia levada as suas oltimas ela esteja superada. Pode-se mesmo perguntar se o Estado, que
consequéncias. Nesse sentido, com algumas reservas, pode-se pretende assumir essa missao, é capaz de leva-la a contento.
falar de uma “socio-logica” e de uma “ideo-logica”. O poder A divisao social do trabalho, a que passa pelo mercado (de
produtos, de capitais e do proprio trabalho), nao parece mais
politico dispoe de instrumentos (ideologicos e cientificos).
Ele tem capacidades de acao, podendo modificar a distribuicao
funcionar espontaneamente. Ela invoca o controle de uma
poténcia superior de organizacao: o Estado. Inversamente,
dos recursos, dos rendimentos, do “valor” criado pelo trabalho
085:1 poténcia, instituicao suprema, tende a perpetuar suas
produtivo (ou seja, da mais-valia). Sabe-se que nos paises
condicoes, a manter a separacao do trabalho manual
capitalistas atualmente existem duas estratégias principais: o
I do trabalho intelectual, como a dos governados e dos gover-
neoliberalismo (que permite o maximo de iniciativa a empresa
flllntes e, talvez, a separacao entre a cidade e o campo. Pode-se
privada e, no que concerne ao “urbanismo”, aos promotores
Inlflo perguntar se aqui nao se insinuam contradigoes novas
imobiliarios e aos bancos) e o neodirigismo (que acentua uma {IO Estado. Enquanto vontade, o Estado nao vai transcender a
planificacao, pelo menos indicativa, que, no dominio urba- cidade-campo? Isso o levaria a fortalecer os centros
nistico, favorece a intervencao dos especialistas e dos tecno- decisao até transformar os nucleos urbanos em cidadelas
cratas, do capitalismo de Estado). Sabe-se também que existem poder. Simultaneamente, ele nao vai representar a urba-
compromissos: o neoliberalismo deixa algum lugar ao “setor” e o planejamento geral do territorio de maneira descen-
publico e as acoes concertadas dos servicos de Estado; o neodi- ‘hill’/.l\da e, desde entao, separa-los em zonas das quais algumas
rigismo apenas prudentemente apodera-se do “setor privado". destinadas a estagnacao, ao deperecimento, ao retorno
Sabe-se, enfim, que setores e estratégias diversificados podem ‘l'latureza”? O Estado organizaria, assim, para utiliza-lo, o
coexistir: tendéncia ao dirigismo, e até a socializacao na agricul- desigual num esforco em direcao a homo-
tura — liberalismo no imobiliario —, planificacao (prudente) global.
na industria, controle circunspecto dos movimentos de fundos O nivel M (misto, mediador ou intermediario) é o nivel
etc. Esse nivel global é o das relagoes as mais gerais, por/anlo, urbano. E o nivel da “cidade”, na acepcao
as mais abstratas e, no entanto, essenciais: mercado de capitais, do teimo. Suponhamos que o pensamento opere
politica do espaco. Ele nao deixa de reagir mais e melhor no (retrrando), do plano de uma cidade (muito grande
pratico-sensivel e no imediato. Esse nivel global, ao mesmo que essa abs/ra_¢a0tenl1a um sentido), de um lado o que
tempo social (politica) e mental (logica e estratégia) projeta-so do nivel global, do Estado e da sociedade, a saber,
numa parte do dominio edificado: edificios, monumentos, édlflclos, tais como ministérios, prédios publicos, cate-
projetos urbanisticos de grande envergadura, cidades novas. ca, dc outro lado, o que depende do nivel P, os imoveis
Projeta-se também no dominio nao edificado: estradas e auto- Reslara, no plano, um dominio edificado e outro
estradas, organizacao geral do tl'?lnsilo e dos lransporles, do Qdlfleadol ruas, praeas, avenidas, edificios pflhlicos, tais
tecido urbano e dos espagos noutros, ]7l‘cSL‘l‘V:l$,‘fl() da "natu- on das prel'eltllrlls, as lgrejas paroqulals, as escolas etc
reza", sftios etc. Esse 6-, portanto, o nivel do que cllamarenlos em pemlllmenlo, clestacllnclc>-ac do global, o que

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Tl i E 7 *

depende diretzimonte das instituigoes e instancias superiores. ' preciso a reflexao metafilosofica, de Nietzsche e de Heidegger,
O que persists sob O olhar da reflexao conserva uma forma para tentar a restituigao desse sentido: 0 habitar. O habitat,
relacionada COITI 0 sitio (0 meio imediato) e com a situacao . ideologia e pratica, chegava inclusive a reprimir as caracteris-
(0 meio‘distante, condigoes globais). Esse conjunto especifi- ticas elementares da vida urbana, constatadas pela ecologia
Cafflente urbano apresenm 3 unidade caracteristica do “real” mais sumaria: a diversidade das maneiras de viver, dos tipos
social, 0 agrupamenro; formas-fungoes-estruturas. A esse urbanos, dos “patterns”, modelos culturais e valores vinculados
respeito, pod€-se falar de duplas fungoes (na cidade e da as modalidades ou modulagoes da vida cotidiana. O habitat
cidade: fungoes urbanas relacionadas ao territorio circundante foi instaurado pelo alto: aplicagao de um espago global homo-
6 fU1"1§5<’iS intérnas), assirn como de estruturas duplas (por geneo e quantitativo obrigando o “vivido” a encerrar-se em
exemplo, as dos “servigos”, do comércio, dos transportes; uns Caixas, gaiolas, ou “maquinas de habitar”.
a “servigo“ da vizinhanga; aldeias, burgos, cidades menores Ainda que nao se possa assimilar 0 hahitar ao inconsciente
e outros a service da vida urbana propriamente dita). dos psicologos e psicanalistas sem reservas nem precaugoes,
Chegamos ao nivel P, considerado (equivocadamente) $1 analogia é certa. A tal ponto que o desconhecimento do
mO<1€StO, Seniio negligenciavel. Aqui, so o dominio edificado lmbitar pode servir de ilustragao a teoria do inconsciente.
pode ser considerado: os imoveis (habitagoes; grandes prédios Para reencontrar o habitar e seu sentido, para exprimi-los, é
l de apartamentos, casas, acampamentos e favelas). Sem medo preciso utilizar conceitos e categorias capazes de ir aquém do
de recair nulna oomrovérsig ja longa, colocaremos fortemente “Vlvido” do habitante, em diregao ao nao-conhecido e ao desco-
l
em oposigio 0 habitare 0 habitat. Este ultimo termo designa flhecido da cotidianidade — e além, em diregao a teoria geral,
um “conceito”, ou melhor, um pseudoeonceito caricatural. filosofia e a metafilosofia. Heidegger assinalou o caminho
No final do séqjulo XIX, um pensamento (se é possivel dizer) restituigao ao comentar as palavras esquecidas ou incom-
urbanistico, raio forte quantO inconscientemente redutor, pos de Holderlin: “O homem habita como poeta.” Isso
de lado e literalmente entre parénteses, 0 hahitar. Ele concebeu dizer que a relagao do “ser humano” com a natureza e
0 habitat, fungao simplificada, restringindo o “ser humano” :l sua propria natureza, com o “ser” e seu proprio ser, reside
alguns atos elementares; comer, dormir, reprocluzir-se. Nem llabitar, nele se realiza e nele se lé. Em que pese essa
ao mCr1OS5e pode dizer que os atos funcionais elementares “poética” do “habitat” e do espago industrial poder ser
sejam animais. A g1ni11'1g,liCl2lCl€ tem uma espontaneidade mais como uma critica de direita, nostalgica, “passa-
complexa.NZ1o se pode lidar com o nivel P opondo sumaria- ”, ela nao deixou de inaugurar a problematica do espago.
mente o “miczrossogigll”, ou o molecular, ao “naacrossocial”, I61‘ humano nao pode deixar de edificar e morar, ou seja,
grandes agregados ou grandes estruturas. Ele nao é somente Uma morada onde vive sem algo a mais (ou a menos) que
o lugar de“agente5” menores, economicos e sociologicos, lals [1|‘t'$pl'io: sua relagao com o possivel como com o imagi-
COmO H ffllnilia, 0 grupo de vizinhos e das relagoes “primari:ls" A l'ilosol’ia la buscar essa relagao além ou aquém do
(termos einpregados pela ecologia e pela escola americalla , do visivel e legivel. Ela acreditava encontra-la numa
dita de “ChicagO”). Precisamente, 0 habitat, ideologia e |7l‘:lllt‘él, ou numa imanencia, uma e outra veladas.
rechagou ou recalcou 0 habitar na inconsciéncia. Antes do é por sua evidéncia que essa relagao é velada. Basta
habitat, ohabitar era uma pratica milenar, mal expmsszl, insu- para que o véu caia. Essa relagfio reside na morada e
fidentemente €levada a linguagem e ao conceito, mais oll , do lemplo e dos pzllacios El choupana do lenhador,
menos viva ou degradada, mas que permaneciu concrela, utl do pastor. A cllsa e zl linguagem sao os dois aspectos
seja, ao mesrno tempo funcional, multil’unci(>nal, transl‘l|n@ do "ser llumano". Acrescentemos: o discurso
clonal, No 1'(3inQ do lmlyitglt, desap:l|'eCeu do pcnsalllcailu E llrbalals, coin suas dlferellgas e l-elllgoes, secrelas
deteriorou-sc fortemente na pratica o que fora C) hahlllll‘. FBi O “ser llunlano" (nao dlzclnos "o homt-.m“) so
pode habitar como poeta. Se nao lhe é dado, como oferenda e enunciados é apenas aparente. A coexisténcia das idades,
dom, uma possibilidade de habitar poeticamente ou de inventar necessaria para que exista grupo e “sujeito” coletivo (familia,
uma poesia, ele a fabricara a sua maneira. Mesmo 0 coti- vlzinhanga e relacoes de amizade), nao é menos indispensavel
diano mais irrisorio retém um vestigio de grandeza e de poesia para que exista percepgao concreta (social) do tempo. Esse
espontanea, exceto, talvez, quando nao passa de aplicagao tempo nada tem de comum com o do relogio. E o tempo de
da publicidade e encarnagao do mundo da mercadoria, a troca Uma prova, a da finitude, que torna cada instante grave e
abolindo o uso, ou 0 sobredeterminando. Sobre essa poesia Cada momento precioso. A crianga nao nasce como uma “tabula
do habitar, o Oriente -—— China e japao -— tem muito a nos rtlsa”, e, no entanto, ela é informe. Ela so pode tender para a
ensinar. Nas casas japonesas, um canto, o “toleonoma”, apre- forma, para a maturidade, que marca seu fim (na moltipla
senta um objeto, somente um, simples ou precioso, flor ou llCep<;ao da palavra: finalidade, sentido, coroamento, perfeigao,
porcelana, escolhido conforme a estagao (o tempo). Os objetos termo, terminagao, conclusao). A maturidade é o acabamento
de bom e de mau gosto, saturando ou nao o espago da habi- G também a morte. O adulto nao deve comportar-se orgulho-
tagao, formando ou nao um sistema, até os mais horrorosos lflmente porque atingiu seu fim. A infancia e a adolescéncia,
bibelos (0 Kitch), sao a irrisoria poesia que o ser humano Como a juventude, pobres de realidade, desajeitadas e preten-
oferece a si proprio para nao deixar de ser poeta. Nao é menos llosas, e mesmo estupidas (cf. os textos de Gombrowitz), sao
verdadeiro que essa relagao do “ser humano” com o mundo, lncomparavelmente ricas da maior e mais decepcionante das
com a “natureza” e sua propria natureza (com o desejo, com seu Jlqtlezas: a possibilidade. Como criar um “habitar” que dé
proprio corpo) jamais foi imersa numa miséria tao profunda forma sem empobrecer, uma concha que permita a juventude
como sob o reino do habitat e da racionalidade pretensa- Gtflscer sem prematuramente se fechar? Como oferecer uma
mente “urbanistica”. "morada" a esse “ser humano” ambiguo que so saira da ambi-
pela velhice, pouco formado e magnifico como tal,
“Was bedeuten diese Haiiser? Wahrlich, keine grosse Seele mas de tal modo que nenhum dos lados da
stellte sie hin, sich zum Gleichnisse. pode vencer o outro sem mutilagao grave, e consi-
Nahm wohl ein blodes Kind sie aus seiner Spielschachtel?... no entanto, que “o ser” deve sair da situacao contra-
Und diese Stuben und Kammern? Desde ja, esses problemas implicam um pensamento
Konnen Manner da aus - und eingehen?..." que derrube o “modelo” de adulto, que abata o
da Paternidade, que destrone a maturidade como “fim”.
“Que significam essas casas? Em verdade, nao foi uma
corretamente, isto é, unindo os conhecimentos
grande alma que as construiu para lhes servir de signo!
Sera que uma crianga idiota as retirou de sua caixa de
e a reflexao metafilosofica, tal é a problematica do
brinquedos?... Esse nivel nao é menos complexo que os outros por
E esses quartos e habitagoes? “mini”. Uma ideologia muito notavel e estranha, oriunda
Como os homens podem neles viver?...”' C:ll'l'cslanismo e de um pensamento analitico degenerado,
o pequeno com o simples, o grande com o complexo.
Ja acentuamos a relacao entre o “ser humano", apreen- lltlbllar nao deve mais ser estudado como residuo, como
dido analiticamente, e a forma que lhe é dada e que l'L‘.CL‘l)L‘ do oll resllllado dos niveis ditos “superiores”. Devera, e
“habitar”. Desse ser humano, o saber acumulado pela l‘i|osol'la HCl‘C()l\Hl(lL‘|'1l(l() como lontc, como fundamento, como
nos diz que ele é contradigrao: desejo e razao, esponl:lneld:lt|l* e transl'uncionalidade essenciais. Teorica e
e racionalidade. A antropologia, apoiada por outros l'onllc*- elbtualnos uma relnvcrsao de situaoao, uma
cimentos parciais, psicologia e/ou sociologia, nos cnslna que dc sentido; o que parecia subol'dln:ldo eleva-so ou
existem idades e scxos clll’ercl1tes. A simplicidade classes so primeiro plano. Q prcdolnlnlo do global, do logleo
e do estratégico, ainda faz parte do “mundo invertido” que é as vezes se espatifam uma contra a outra. O mesmo acontece
preciso reinverter. Tentamos, aqui, uma decodificagdo da rea- com a logica das coisas (objetos) e a do jogo (ou dos jogos).
lidade urbana inversa da habitual, a partir do habitar, e nao As logicas sociais situam-se em diferentes niveis, entre elas
do monumental (este oltimo nao sendo por isso condenado, persistem ou se aprofundam fissuras. Pelas fissuras passa o
mas reconsiderado). Assim, o proprio movimento dialético e desejo. Sem o que, a “matéria humana”, informe, logo seria
conflituoso, ao mesmo tempo teorico e pratico, do habitat e do sujeitada a uma forma absoluta, garantida e controlada pelo
habitar passa ao primeiro plano. Nessa analise, quer se trate de Estado solidamente apoiado na massa dos “sujeitos” e dos
“objetos”. Sem o que, a cotidianidade uniformizar-se-ia inape-
compreender os signos e simbolos nao-verbais disseminados
lavelmente. Até a subversao tornar-se-ia impensavel.
dentro ou fora das “moradas”, quer se trate dos termos e enca-
deamentos nos discursos, monologos ou dialogos dos arqui- Ao lado da distincao dos niveis, podemos introduzir:
tetos e urbanistas, o semiologo tem mais de uma palavra a A. As dimensoes do fenomeno urbano. Esse termo nao de-
dizer. Contudo, a analise critica nao pode limitar-se a semio- signa a magnitude, mas “propriedades” essenciais do feno-
logia e ao emprego dos métodos de origem linguistica. O uso meno, a saber:
de outros conceitos é inevitavel. Nada permite negligenciar 1. A projepao das relagoes sociais no solo. Ai compreendidas
as relacoes (que parecem desconhecidas, e nao somente nao- its mais abstratas, as oriundas da mercadoria e do mercado,
conhecidas) entre Eros e Logos, entre o desejo e 0 espaco, dos contratos ou quase-contratos entre os “agentes” a escala
entre a sexualidade e a sociedade. Se é verdade que durante global. O fenomeno e o espaco urbanos, sob esse angulo,
a época industrial o “principio de realidade” esmagou o “prin- podem ser considerados como “abstragoes concretas”. Ja
cipio do prazer”, nao é chegado o momento da sua desforra, salientamos que essa dimensao contém uma multiplicidade
na sociedade urbana? A sexualidade nao é o “social extra- (os diferentes mercados justapostos, superpostos, em conflito
social”? Social, pois modelada, elaborada, cultivada e alie- ml nao: produtos, capitais, trabalho, obras e simbolos, moradia
nada pela sociedade; extra-social, pois o desejo, tendendo c solo);
ao anomico, se quer e se faz mistério, estranheza, segredo, 2. O fenomeno e o espaco urbanos nao sao apenas projegao
até mesmo delito, para escapar as normas e formas sociais? O this relagoes sociais, mas lugar e terreno onde as estratégias se
amor, conjugal ou nao, busca a “intimidade”. Mais intenso e Ctm,/'ronta1n. Eles nao sao, de maneira alguma, fins e obje-
passional quando se sente culpavel, quando se sabe perse- llvos, mas meios e instrumentos de acao. Ai incluido o que
guido, so é socialidade e sociabilidade contra a sociedade. Qoncerne especificamente ao nivel M, a saber, as instituigoes,
Como exprimir arquitetural e urbanisticamente essa situacao 'Ol'gllnismos e “agentes” urbanos (notaveis, dirigentes locais);
do “ser humano” inacabado e pleno de virtualidades contra-
l 5. Nem por isso, o fenomeno e o espaco urbanos deixam
ditorias? No nivel dito o mais elevado, os “objetos” constituem
ter uma realidade e uma vitalidade especificas, isto é, ha
um sistema. Trata-se do nivel socio-logico. Cada objeto cornu- /2/lcitica urbana que nao se reduz nem as ideologias e
nica a cada agao seu sistema de significagoes, que lhe provénl giohais, concernentes ao espago e sua organizagao,
do mundo da mercadoria, do qual ele é o veiculo. Cada objeto its atividades particulares denominadas “urbanisticas”, que
contamina cada agao, o que é muito exato. Entretanto, esses de meios para fins freqiientemente desconhecidos.
sistemas nao tem o carater pleno e acabado indicado pela
13. l)islln<,‘oes e dil'el"eng,‘:ls concernentes as propriedades
tese de uma logica do espaco ou da coisa. iim toda parlu
lcns do espa<,‘o urbano. l’ropriedades denominadas
existem falhas, vazios, lacunas. E conflitos, inclusive os exis-
tais, constituindo teoricalnente uma rede ou sistema de
tentes entre as logicas e as estl':lt(-gills. A logica do cspaeo,
pertinentes (paradi;.lma):
submetida as exigoncials do crescilnclllo, :l logica do llrllll-
nismo, a do espaco politico e da moradia, c:l1tl'eci1oc‘am-fie, privada cl 0 ptilalico;

84
Tl

\ - o alto e 0 baixo; nao raro, tem posigao ofensiva. Tanto e mais e tanto melhor
ll - o aberto e o fechado; Z1 medida que, no curso da fase critica, os niveis e dimensoes
l
1 ... tendem a se confundir. A cidade explode; o urbano se anuncia;
- o simetrico e o nao-simétrico;
a urbanizagao completa se prepara; e, no entanto, os antigos
- 0 dominado e o residual etc. quadros (instituigoes e ideologias vinculadas as antigas formas,
ll Reencontra-se aqui uma analise, por dimensoes, bem conhe- fungoes, estruturas) se defendem, adaptam-se as novas situagoes.
cida: a dimensao simbdlica, que em geral refere-se aos monu- O segundo nivel (M) pode parecer essencial. Considera~lo
mentos e, por conseguinte, as ideologias e instituigoes pre- como tal nao seria agir no plano teorico como defensor da
sentes ou passadas; a paradigmoitica, conjunto ou sistema realidade urbana? E, porém, ele é simplesmente o intermediario
de oposigoes; a sinmgmdtica, encadeamentos (percursos). (misto) entre a sociedade, o Estado, os poderes e saberes a
A partir da distingao dos niveis, introduzindo as oposigoes escala global, as instituigoes e as ideologias, de um lado, e, de
pertinentes, nao é impossivel construir uma grade do espago outro, 0 habitar. Se o global quer reger o local, se a generali-
urbano. A cada nivel atribuir-se-a um indice das propriedades clade pretende absorver as particularidades, o nivel médio
topolégicas que lhe correspondem. Assim, 0 que concerne ao (misto: M), terreno de defesa e ataque, de luta, pode servir.
global (G) e ao pfiblico, geralmente constmido em altura (h +), Porém, ele permanece meio. Nao pode tornar-se fim, senao
compreende espagos largamente abertos e outros espagos provisoriamente, e através de uma estratégia que devera por
fortemente fechados (O -), os lugares do poder, ou da divin- suas cartas na mesa e mostrar seu jogo. Proteger as insti-
dade, ou ambos reunidos. Ora esse espago da grandiosidade tuiggoes urbanas existentes? Talvez. Promové-las? Toma-las
encontra-se marcado por imponentes simetrias (s +), ora deixa Como critério e modelo? Por que? Para estender as instituigoes
elementos dissimétricos “livres” (s -).2 Nos nao ofereceremos c ldeologias oriundas da cidade (passada) a sociedade urbana
essa grade espacial de modo mais detalhado aqui. Por qué? (virtual e possivel)? Nao. Impossivel. Se a 7‘é_‘fO7’77’l6Z urbana
Porque ela deve figurar numa obra consagrada nao ao feno- pode assim proceder, um pensamento mais profundo, mais
meno urbano em geral, mas a analitica e 21 politica do espago, radical, ou seja, que alcance a raiz das coisas, portanto, mais
a topologia urbana? E também porque, desse modo, correr-se-in !'flvoluci0n2’u"io, afirma 0 primado duravel do babitar.
o risco de mascarar a contribuigao da presente analise e sua Em suma, as duas fases criticas atravessadas pelo urbano
posigao. O essencial, o fundamento, 0 sentido, provém do Itravés do tempo historico podem ser assim definidas. Primeira
habitar. E nao dos outros niveis. Ora, na grade con'siderz1d:\ 0 £lgl'fil'lO (produgao agricola, vida rural, sociedade campo-
isoladamente, todos os niveis aparecem regidos por uma coc- por muito tempo dominante torna-se subordinado. A
réncia geral, por uma logica do espago. Esse ponto dc vislal A uma realidade urbana inicialmente impulsionada e
nao pode se explicitar sem uma critica imediata. dcvzlstada pelo comércio e pela indflstria. Segunda rein-
l Do que foi visto, resulta que a importaincia dos nivcis C- scgunda inversfio de sentido: a indflstria dominante
ll
l relativa. Para os homens do Estado, 0 nivel do Estado 6:, eviden- subordinzlda Z1 realidade urbana; mas, no interior
l
temente, decisivo. Corn efeito, esse é 0 nivel das alccisocs, ocorre uma subversfio: o nivel considerado menor desde
pelo menos no plano burocratico. Essas pessoas tém umzl Drlgcns, :1 sulvcr, o babllm", torna-se o essencial. Ele nao pode
forte tendéncia, isto é, uma tendéncia apoiada nu forgal, :1 Her considerado como cfcito, ou resultado, ou acidente,
conceber os demais niveis e dimensocs do l’cn<“>mcno um 1'cl:lg':lo no nfvcl uspccilico do urhalno, menos ainda cm
relagao ao seu saber (reprcscntag;<3cs) c no seu poder (vontade). uo global, que pcnnanccc sob :1 dcpumléncia do
E nesse nivel que :1 prfltica industrial dn c|np|'cs:l lornzl-.~4c* lndue»'lrl:\l (da ldcologlu produllvislzl, do uspnggo poli-
ideologia (rcprcscnmgalo) c vontade (rcclul'o1':\). () llstndo c‘ lubmclldo ha cxlgé11<:l:m do c1'c.~:vlxm-nl<>). 0 I/rim/In sc
as pcss<_>:\:~; do l-lstaclo silo, a.~\sin1, rcclutoms por esaénclu, e, pelu unidade desses nltlmos nfvels, com pl-edomfniu
L
do ultimo (indice P). A favor da confusao, na fase critica, é acusam o meteorologista quando sobrevém a tempestade.
possivel portanto conceber e projetar essa inversao de sentido. N0 curso da urbanizacao geral e da extensao do terreno
Visa-la nao quer dizer alcanga-la. A confusao é igualmente urbano, pretende-se liquidar a realidade urbana. Nao se trata
favoravel aos empreendimentos adversos, dos quais avalia- de um paradoxo? Uma aposta va? Uma ideologia? Sem duvida.
remos a extensao. Na perspectiva aqui proposta, ha primazia Mas essa ideologia anima numerosos projetos, ou melhor,
do urbano e prioridade do babitar. Essa prioridade exige a esconde-se atras de projetos, com motivacoes muito diversas.
liberdade de invencao e o estabelecimento de relagoes ine- Os ataques contra a “cidade” nao constituem novidade.
ditas entre o urbanista e o arquiteto, ficando a ultima palavra Resumamos os argumentos dos seus adversarios. Por volta
com a arquitetura. Esta responde a uma demomda social de 1925, os teoricos soviéticos ja julgavam severamente a grande
confusa, que até o momento jamais pode tornar-se commarwle cidade, a metropolis que ainda nao tinha recebido o nome de
[encomenda] social. A subversao (teoricamente) consiste nessa Megalopolis. Eles viam na metropolis uma criacao do capita-
proposicao: a alemanda implicita converter-se-a em commando lismo, um resultado das manobras da burguesia para melhor
[encomendal explicita. Até os dias de hoje, a commarzde [enco- dominar a classe operaria. O que nao era falso, mas apenas
menda] social provém do crescimento industrial, ou seja, das uma verdade relativa e momentanea. Eles mostravam, nao
ideologias e instituicoes instaladas no nivel G, o do Estado. sem perspicacia, as falhas da metropolis. Argumentagao muitas
Dito de outro modo, o urbanista obedece as exigéncias da vezes retomada, mesmo nos Estados Unidos. A grande cidade,
industrializacao, mesmo se exprime reticéncias e percebe outra monstruosa, tentacular, é sempre politica. Ela constitui o meio
coisa ou aspira a ela. Quanto ao arquiteto, ele condensa (no mais favoravel a constituicao de um poder autoritario. Nesse
sentido do termo criado pelos arquitetos soviéticos entre 1920 e meio reinam a organizacao e a superorganizacao. A grande
1925, o “condensador social”) as relagoes sociais existentes." Cldade consagra a desigualdade. Entre a ordem dificilmente
Queira ou nao, ele constroi de acordo com as imposigocs fluportflvel e o caos sempre ameagador, o poder, qualquer
dos rendimentos (salarios e outras remuneracoes), das normas que seja —— 0 poder de Estado — sempre escolhera a ordem.
e valores, isto é, segundo critérios de classe que conduzem =1 A grande cidade so tem um problema: o nfimero. No seu ambito
segregagao, mesmo quando ha vontade de integracao c do ncccssariamente se estabelece uma sociedade de massas, o
convivio. Geralmente, o arquiteto se vé aprisionado no “mundo que implica a coacao sobre essas massas, portanto, a violéncia
da mercadoria”, sem sequer saber que se trata de um mundo. Q ll rcprcssao permanentes. O que pensar da oposicao “cidade-
Inconscientemente, ou seja, com toda boa fé, ele subordina o uso €llmpo"? Que é insuperavel, e que as interacoes tornam-se
a troca, e os valores de uso ao valor de troca. A comma/11/0 Gtlttlstrollcas. O campo reconhece que esta a servigo da cidade,
lencomendal social é imperiosa, e so a demanda que st- tt cidade cnvenena a natureza; ela a devora re-criando-a no
explicita é a expressao direta ou indireta dessa com/mun/4' para que essa ilusao de atividade perdure. A ordem
[encomenda]. Se ela aspira a outra coisa, é reprimida cnquunlo contém c dissimula uma desordem fundamental. A
demanda confusa. Isso nao é motivo para abandonar as cid:\dt'.~| cidade nao é apenas vicios, poluigoes, doenca (mental,
antigas e o urbano virtual diante dos ataques dc que sao us social). A alicnacao urbana envolve e perpetua todas
objetos. Ao contrario. Mesmo se o nivel M so sc dclinc como Hl|c|'1:lg,‘<‘>cs. Nclzl, por ela, a segregacao generaliza-se: por
mediador (misto) e nao como essencial c central, clc 6', u Imirro, prol'issf1o, idudc, etnia, sexo. Multidao e solidao.
esse titulo, terreno e motivo da luta. o cspzlggo toma-so raro: hem valioso, luxo e privilégio
Nao vamos assim dc paradoxo cm paradoxo? (lc|‘tu|1\u11tc‘. c conscrvudos por uma prittica (o “centro”) e estra-
Os paradoxos nao ditos pululam, c quem os l'ormul:\ nao on l)cccl'lo que :1 cidade so cnriquccc. Atrai para si todas
cria. lgualmcntc, quem anuncia: <::\t:’\.st|'ol'u.s' nu c.'<>|1vt|lHt‘wl monopollzzt at cultum, como conccntra o poder.
nao as faz surgir. Alguns, lktluu ou vcx'dn<.lelnm1ente tngénuos, R sua rlquezu, explotle. Quanta mais conccntra os meios
cie vials, mais torna-se lnsupeitdvel nela viver. A Feliaiclacle cia as zonas de natureza e as espages "virgens", clliitinms
cidade? A vida lntensa cla grancle clclnde? A multipllcactio dun zonas l|'iélLl!ltl‘l£ilH. Isso é the verdadeiro, que l“\C!HSt:: dominio
prazcrcs c dos lazcrc.~i? Miatiflcitgroes c mlto.~i. Sc ha concrxilo hfi pensziiiieiitci uiopicol lim tal projeto antccipa-.sc Z1 urbani-
entre as 1*ula<,;ocs sociais c o cspaggo, cntrc os lug:lrc.\i c us genc1':1li'/aclzl. Scndo assim, qual é o direito para rcmcter
grupos humanos, seria preciso, para cstahclcccr uma cocsflo, urbano no cspar;o rural, construindo a sociedade
modificar radicalmentc as estruturas do uspagro. Alias, CXlHlL'
.\o longo das antigas cstiadas? Poi que esse ietorno,
estrutura do espaco urbano? Quando nao <3 scgrcgagao c sepa-
Rho coincide com o vifis da ideologia comunitaria (nutrida
ragao, a grande cidade nao é um amontoado caotico? Com cfcilo,
Lima ctnologia), mas que dela nao se distingue? _
os conceitos que parecem designar os lugares c as qualidadc.s'
do espago so designam, de fato, relagoes sociais alojadas mlm O8 argumcntos contra o “urbano”, pela “nao-cidade”, e os
espago indiferente: vizinhanca, circunvizinhanca etc. assim formulados sao antes morais que fundados
Indo um pouco mais longe, imagina-se que somente :1
concxflo do real e do possivel. Os problemas sao mal colo-
aldeia — ou a paroquia — possuiram uma estrutura social Basta, sem ressuscitar a controvérsia, observar que a
e espacial que permitiram a um grupo humano apropriar-.s'¢' geral e a extensao do tecido urbano os superam.
de suas condicoes de existéncia (meio, lugares ocupados, ja a sociedade urbana se confronta com problemas de
organizacao do tempo). E verdade que esses organismos ordem: ou o caos urbano, ou a sociedade urbana conce-
(sociais) harmoniosos (ou tidos como tais) tiveram igualmenlu como tal. Mais concretamente, o ataque contra a cidade
por condigao uma hierarquia estrita, um equilibrio entre castas. e contra o urbano (virtual) — deliberadamente, ou nao,
So assim o espaco era inteiramente pleno de sentido, comple- — é conduzido em dois planos: a partir do nivel
tamente significante, declarando abertamente a cada um (isto G, como do nivel inferior, P.
é, a cada membro de uma casta, de uma classe de idade, dc O ataque pelo alto, se se pode dizer, comporta um projeto
um sexo) as interdigoes e permissoes. O lugar estipulava o submetendo o territorio nacional a um “planejamento”
papel. O equilibrio da comunidade exigia virtudes, o respeito, pela industrializacao. Dupla exigéncia, duplo
a submissao, o costume percebido como absoluto. O que desa- o espago inteiro deve ser planificado. As particu-
parece na grande cidade. dos sitios e situacoes devem desaparecer face as
Sem chegar ao fetichismo da comunidade (tribal, aldea, pxlgéncias gerais, tecnicamente motivadas. A partir de entao, a
paroquial) e :1 “nao-cidade”, alguns teoricos soviéticos, por mvblliclacletorna-se essencial para uma populagao submetida a
volta de 1925, formularam 0 problema do optimum, questao cambiantes, determinadas por variaveis repertoriadas:
interminavelmente discutida posteriormente. Como determinar, fontes de energia, as matérias-primas etc. A mobilidade resi-
como mensurar (em superficie, em nfimero de habitantes) o em si sempre débil, resolver-se-a numa mobilidade
optimum urbano? Segundo quais critérios? As tentativas sempre sempre maior (assim, a metalurgia da Lorena des-
suscitaram graves objegoes. Suponhamos que o optimum dese- —- mao-de-obra, investimentos — para Dunquerque,
javel, porque “administravel” (em que quadro burocratico?), seja ao qual chega o minério da Mauritania; Mourenx desapa-
fixado em torno de 500.000 habitantes. Raramente uma tal .l‘::Cera, ou se convertera, com o esgotamento das reservas de
cidade podera manter uma universidade, um grande teatro, flfls etc.). Desse ponto de vista, é inadmissivel que “mananciais
uma opera, servicos hospitalares caros porque tecnicamente ale mao-de-obra” permanecam inexplorados por estarem arrai-
bem equipados etc.
gaclos ao solo, imobilizados sob camadas de historicidade, sob
Recentemente viu-se projetos segundo os quais as auto- pretexto de enraizamento etc. Essas duras verdades seriam
estradas francesas converter-se-iam em ruas da futura megalo- exatas a escala mundial, onde quer que as pressoes economicas,
polis, dispondo, assim, de um lado, as relacoes de vizinhanca e tecnologicas, abalem as estruturas (locais, regionais,
uma certa centralidade (nos cruzamentos e entroncamentos), e, nacionais) que resistem, mas em vao.

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No nivel P, as motivacoes, embora bem diferentes, coexistem Os interesses atuais e as possibilidades, essa é uma situacao
com as preocupacoes tecnologicas ou tecnocraticas. O gosto pelo Cllficilmente evitavel. Nao é menos verdadeiro que o urbano
efémero e pelo nomadismo, a necessidade incessante de partir, IO define como lugar onde as diferencas sao conhecidas e, ao
suplantariam o velho enraizamento a morada, a tradicional lerem reconhecidas, postas a prova. Portanto, confirmando-se
afeicao ao lugar do nascimento. O que o ser humano demanda? ou anulando-se. Os ataques contra o urbano consideram, fria
Um abrigo. Nao importa onde. Em consequéncia, Y. Friedman cu alegremente, o desaparecimento das diferencas, nao raro
constroi estruturas de sustentacao e unidades (caixas) que lilentificadas ou confundidas com as particularidades folclo-
podem ser reunidas de modo a se obter um ou varios comodos, 1'lCas. A ideologia industrial, tecnocratica ou individualista, é
uma sala pequena ou grande, um agiupamento efémero. Nessa homogeneizante. 4
perspectiva, generalizar-se-ia e democratizar-se-ia a vida luxuosa Sera dificil, aos defensores da sociedade urbana em for-
dos milionarios que vao de palacio em palacio, de um castelo a evitar toda ambiguidade, abrir uma via da qual nao
outro, ou que vivem a bordo de um iate. O que lhes permite, ao IE possa desviar. Tomemos a questao do centro e da centrali-
que parece, gozar o mundo. Nao existe cidade, nem realidade urbana, sem um centro.
Por cima ou por baixo, isso seria, concomitantemente, o que isso: o espaco urbano se define, ja dissemos, pelo
fim do habitar e o fim do urbano como lugares e conjuntos nulo; é um espaco onde cada ponto, virtualmente, pode
de oposicoes, como centros. Esse fim do urbano resultaria da para si tudo o que povoa as imediacoes: coisas, obras,
orgariizaoao industrial como sistema de atos e decisoes — do Em cada ponto, o vetor tempo-espaco, distancia entre
fim do valor historico no que concerne aos valores — de uma e continente, pode tornar-se nulo. O que é impossivel
transforma§do da vida cotidiana no que concerne aos patterns ), mas caracteriza o movimento dialético (a contra-
ou modelos culturais. imanente) do espaco-tempo urbano. Por conseguinte,
Entre as resisténcias a essa dupla pressao, convém fazcr sc pode teoricamente deixar de defender a concentracao
distincao entre as forcas reacionarias e as revolucionarias. COITI seus riscos de saturacao, de desordem, e suas
Noutros termos, a critica é ora “de direita”, ora “de esquerda". de encontros, de informacoes, de conver-
Igualmente, deve-se distinguir a critica da critica, ao segundo Ataca-la, destrui-la, é proprio de um empirismo que,
grau. Consideramos a critica da cidade em nome da comuni» tinlcmilo, destroi o pensamento. O centro so pode, pois,
dade antiga (tribal, aldea, provincial) como uma critica dc -se em centralidades parciais e moveis (policentrali-
direita e, em contrapartida, a critica da cidade (e da nao-cidade) ), cujas relacoes concretas determinam-se conjuntural-
aqui perseguida como uma critica de esquerda. Contra o dosa- Scndo assim, corre-se o risco de defender as estruturas
parecimento da cidade protestam os espiritos tradicionais, os tltrclsao, os centros de poder, aqueles onde os elementos da
campanilismos e regionalismos mais ou menos folcloricos. () c do poder se concentram macicamente, até adquirir
protesto oriundo das particularidades, em geral dc origvm (lCl1Sltl1\(lC colossal. Nao existem lugares de lazer, de festa, de
camponesa, nao pode ser confundido nem com a contc-stagao , dc lransmissao oral ou escrita, de invengao, de criacao,
que visa as instancias repressivas, nem corn a consciéncia 1- a Ci:nlt'alicladc. Mas na medida em que algumas relagoes
constatacao das difererigas. A afirmacao das difcrcncas porlu p|‘otlug‘:“1o c dc propriedade nao sejam transformadas, a
retomar (seletivamente, ou seja, no curso dc uma vcril‘icag"au sucumbira ao golpe dos que utilizam tais relacoes
critica de sua coeréncia e de sua autenticidadc) as particula- IIQLI provclto. lila sera, no melhor dos casos, “elitism”, no
ridades étnicas, linguisticas, locais c rcgionais, mas num oulru deles, mllllar c policial. Que fazcr senao aceitar a ambi-
plano, aquele em que as difercnggas sao pcrcchidas u c'ont‘<*- U as co|1l|':\tll<,"o<.:s, isto Cr, o carater clialélico da situa<;:"\o
bidas como tais, isto é, nas suas rulagocs, c nao mais isola- p1'occssos'i Accilar a situar,-ao nao significa ratificar a
damentc, como as particularidadcs. Quc po.\isam solvrfivll‘ dos centros dc poder c as |>l:\|1il‘lc‘:i<,_~<‘>us aulorit:'u'ias.
conflitos cntrc dii'ci-cng'as u particularldades, asairn como entri disso. Qu antes: no contrariu.
Ne que concerne A mcibiiidada. asslnalernen Q carater man I urns ilberQ? a 3 [39 l 5 Rfimfi ell SWIG Q, PG!’ E i E, Lll‘i'l
superficial da mobiliciade social cs proi’isslonal cleaeiacla pelos i t ein estiitlo puio, i.oanti'uido em estruturas iiietalitim
planificaclorcs (aIocadores-dcslocadorcs). Nao ac trata da hapls dc ago (um Mccano I mic) C iidiculo be cm
mobilidadc intcnsa que so pode ocorrer nos arredores dc um €Xl"illl uma pi'oinog.'io do ciémero, o que pode sci concc
centro, mas dc um dcslocamcnto dc populagocs ou dc inatt-,- em que cli pode conslstiit Numa atividade dc nu os
rial que deixa as relacoes sociais intactas. Sem dfivlda, uma tal H‘ opiios clémcios, que invcntaiiam e iealizaiiam obras
mobilidade pode levar a um caos; parece maior, porém, o as Onde sc icaliz iiia c sc esgotaiia sua vida e sua exis-
risco de ver os deslocamentos de pessoas e de suas atividades l ClU QIUPO 110 SC llVl i.llClTl l'l101T1€I'1tElI'1€Zl1T1€I'1[€ ClO CO[1Cl12l1'1O

resultarem num “equilibrio”, numa “estabilidade", ao scrum , 0 I )l is ) Quais giupos


7 7 A resposta toinaria va a questao
"

solidamente programados e “estruturados”. Tal desordem nao mental, a da ciiacfto Esses giupos, se chegarem a existir
sera a da informacao e do encontro, mas sim a do tédio c da lil Ho seus moinentos e seus atos, seu espaco e seu tempo
neurose. Também é certo que aparece uma contradigao que a J l)l is Sem duvida no nivel do habitar, ou partindo desse

reflexao denominada “urbanismo” tenta resolver: ordem 0 (sem ai peimanecer, ou S613, modelando um espaco
desordem, equilfl)rio e movimento, estabilidade e mobilidadc. i( > ipiopriado) Algumas tentativas nesse sentido aia
Como essa reflexao conseguiria isso, senao concentrando as I ll 0 sistema ou os sistemas das coisas e tomar ossivel
exigéncias, impondo uma homogeneidade, uma politica do ossivel nada provam nem por seus malogros nem poi
X
espaco, uma prograinacao rigorosa suprimindo, ao mesmo tempo, xilos Tais tentativas so teriam alcance no curso de uma
os simbolos, a informacao, o lfidico? Os urbanistas nao tém J10 ievolucionaria do mundo invertido, elas sao e serao
éxito, propondo construcoes provisorias que se eternizam: 1 de grupos provavelmente batizados de esqueidistas
uma morfologia monotona, imutavel para as pessoas que nao ]2lS concepcoes a sociedade existente tentara se apossar
param porque tem vontade de ir além e encontrar, enfim, outra ios que o movimento se apodere da sociedade e a airaste
coisa. Ademais, nessa orientacao o urbanista e o arquiteto utias vias As iniciativas dos arquitetos? As dos urbanistas?
confundem-se. Facilmente o arquiteto acredita ser urbanista, seiia ingenuo pensar como Hans Meyer, em 1928 quando
ou vice-versa. Ambos, indistintos ou rivais, recebem ordens tuiu Gropius na direcao da Bauhaus Constiuir e orga-
e obedecem a uma commande [encomenda] social LlI1lfOl'l]1C. a vida social psicologica, tecnica e economica ’5 O papel
juntos, logo abandonam o pequeno grao de utopia, a levc iigico do arquiteto faz parte da mitologia e/ou da ideo-
loucura que ainda poderia marcar seus trabalhos e torna-los urbanas, dificeis de separar Ademais, Gropius tinha
suspeitos de ma vontade, de desobediéncia, de nao-confor- ambicoes quando propunha ao arquiteto coordenador
midacle. A politica do espaco implica uma estratégia que alinha os problemas progredir de um estudo funcional da
os niveis e as dimensoes. A ordem? Cobre-se de moralidade c da rua, da rua a cidade e finalmente a planificacao
de cientificidade. A ditadura do angulo reto confunde-se com a l e nacional Para desgraca desse pI‘O]€[O, ocorreu o
cla industrializacao e do Estado neocapitalista. Assim orien- o a p ani icacao estiuturante submeteu as suas exigencias
tou—se, desde o inicio, o grande projeto de Gropius, quando tus e niveis infeiiores Inverter essa S1lLl21(;2lO7 Eis o pos-
concebeu a “coordenacao logica e sistematica no tratamento l10]€ impossivel ligado as acoes transformadoras da
dos problemas arquiteturais”, quando previu, por ocasiao da lade Nao cabe ao arquiteto como acreditava Gropius
fundacao da Bauhaus, uma arqaitetoriica “total”, transmissivel iir uma nova concepcao da vida permitir ao individuo
por um ensino “coerente, operacional e sistematizado”. volver-se num plano superior libeitando-se do peso da
Quanto ao nomadismo residencial, invocando os esplen- anidade E a uma nova concepcao da vida que cabe
dores do efémero, o que representa, senao uma forma extrema, tir a obra do arquiteto que ainda seivira aqui de conden-
utopica, a sua maneira, do individualismo? O efémero redu- social , nao mais das relacoes sociais ca italistas e da
zir-se-ia a mudanca de caixa (de morar). Propor, como Y. z ande [encomenda] que as reflete , mas de relacoes em

94
movimento e ele rievaii relaqbeii em viii ele €0fl§€lE\.il¢§O- Talvez is arriseeu numa eriaale. Quem nae esses intermediaries?
ele poder-ft até servir cle “acelerador social"; iriaa a coniuiitura iei'cadoi'es, e muito! outros que ccinscgtleiri HE conectar
que rculizaria essa possiblliclaclc deve SCl‘CX11l‘l\lfii\£l£l coin multa muito, lnclo ela proclucilo no consumo e vicc-vei-sa. No
atencao, para nao sc clcixar cnganar pelas palavras, pelas elro plano: o capitalism, rentista ou ativo;
aparéncias. i onde 0 Estado, que dcveria servir ao conjunto da socie-
O esquema espaco-temporal apresenta-sc, apos essa expo- c nela dil’undii' sua capacidade de organizacao e sua
sicao de razoes, como se segue: nalldade, acaba provocando precisamente o contrario:
el"oi'g;a a cxploracao do conjunto da sociedade; erige-se
l
Nivel G (logica global c esti':il(-glii
Ll dela c proclama-se o essencial da vida social e sua estra-
politica do espaco) quando é simplesmente um acidente (uma saperestratara);
O } >- lllllllli onde a burocracia chega a ter interesses proprios e pode
Nil/el M (misto, meio, mediador) ' os meios de satisfazé-los; onde a competéncia e o saber
l
Ni'i1elP(privado: 0 habitar) ertcm-se em meios de selecao para a burocracia;
1“fase critica (a agricultura subordinada i onde, consequentemente, o efeito é considerado causa;
a industrializacao) ldataz século XVI na : o fim torna-se meio e o meio fim.
Europa] (Renascimento e Reforma)
penas acrescentamos alguns itens a teoria do mundo inver-
2"fase critica
que reforcam o projeto da reinversao desse mundo e
a) subordinacao da indfistria at
urbanizacao; aletam o projeto marxista de uma revolugao na organi-
l b) subordinacao do global ao urbano o industrial por um projeto de revolucao urbana. Nao é
e do urbano ao habitar
.l mostrar que qualquer outra interpretacao do pensa-
IO marxista é, justamente, apenas interpretacao, versao
, destinada a organizar este ou aquele aspecto do mundo
Ha uma dupla inversao. A subordinacao da realidade urbana 'tido, esta ou aquela instituicao: o Estado, a filosofia, a
l
a seus antecedentes e coridicoes é superada, assim como a ao do trabalho, a morfologia existente etc. Nao é menos
sujeigao do habitar aos niveis pretensamente superiores da mostrar que sem uma tal subversao total -— inclusive
pratica social. De onde uma reorganizacao fundamental (a la que poe em primeiro plano os problemas relativos
partir do fundo e do fundamento). ugares concretos onde se exercem as relagoes sociais —
Uma interpretacao particularmente audaciosa, ainda que e se diz sobre essas relacoes é tao-somente um discurso
muito simples, do pensamento marxista, vé na obra de Marx logico. Habitualmente se repete, depois de Marx, que o
(n’O Capital, assim como nas obras ditas filosoficas e politicas) rem” na sua “esséncia” nao se situa no individuo isolado,
uma exposicao do mundo invertidoe o projeto de reinverto-lo, consiste num conjunto de relacoes ou de relacoes sociais
ou seja, de recoloca-lo sobre seus pés. Nao sao apenas a filosofia retas (praticas). De modo que o Homem genérico (em
e a dialética hegelianas que se encontram de cabeca para baixo, l) é apenas uma abstracao. Que referéncia permite des-
com os pés para o ar, muito incomodadas (alienadas) por essa ir os tracos do individual? Por muito tempo a referéncia
situacao cuja estranheza o costume atenua ou faz desapareccr. >i0logica; emprestada da teoria pavloviana dos reflexos,
O mundo invertido, segundo Marx, é uma sociedade: siologia do cérebro. O cortico visceral definia o individual.
a) onde o intermediario suplanta o produtor (trabalhador) ’eréncia foi, e nos dias de hoje também continua sendo,
e o criador (artista, inventor, produtor de conhecimentos c mais frequéncia, tecnologica (logo, economica). Desde
de idéias), onde ele pode enriquecer-se a suas expensas, captu- nao se discuta no vazio e se esforce por alcancar uma
rando os resultados das atividades, empobrecendo aquele ‘is, é em relacao ao trabalho produtivo que as relacoes

96 97
constitutivas da consciéncia (da vida pessoal) sao concebidas CAPlTULOV
e determinadas. Quem negara que as referéncias a pratica
industrial ou a biologia tém um alcance? Igualmente, a refe-
réncia ao desejo, ao “inconsciente”, nao deixam de té-lo, exceto
quando se fetichiza esse inconsciente substancializando-0.
Todavia, pode-se examinar essas questoes, as da consciencia,
as do desenvolvimento do individuo (no seu grupo mais pro-
lvlll0S D0 URBANO E
ximo ou nos grupos dos quais ele faz parte; da familia a
mundialidade), sem considerar a morfologia e as formas exi- IDEOLOGIAS
bidas pelos lugares, a relacao entre esses lugares e as insti-
tuicoes (a escola, a universidade, a empresa, o exército, o
Estado etc.)? Tais especulacoes persistem numa abstracao Quem contestara que houve mitos da época agraria e
delirante, acobertada por uma mascara ou por um véu filoso- prolongamentos ideologicos desses mitos? Ninguém. Todavia,
fico.6 A introducao da topologia (consideracoes analiticas alegar que os mitos da época agraria nao sao, por
sobre as topias no espaco mental e social) permite reter a mitos agrarios, uma vez que retomam elementos (temas,
amplitude filosofica das concepcoes, eliminando as sequelas Linlclades significantes) emprestados seja da vida nomade e
da atitude filosofante (especulativa). seja da atividade produtora nao-agricola (caca, pesca,
l1‘t<-:sanato). A utilizacao desses elementos nao tem, portanto,
nada de especificamente datado. O que é correto. Nao clefini-
os mitos da época agraria pelo carater camponés dos
figuras, personagens, mas pelo fato de responderem a
lnterrogacoes e problemas de uma sociedade camponesa (de
agricola, mesmo se ela compreende cidades poli-
Quando Fourier imagina a emancipagao da comunidade
I it superacao da divisao do trabalho a partir do modelo_ do
agricola (onde cada um encarrega-se alternativamente
todos os trabalhos), nao se trata de um mito agrario, mas
urn mito industrial (da época da industria nascente) utili-
elementos agricolas. Um tal mito esta tao proximo de
ideologia que dificilmente se pode separar esses aspectos.
mesmo tempo, a utopia falansteriana prepara e anuncia a
poderosa reivindicacao da época industrial, integralmente
por Marx c por ele posta no coracao do pensamento
a superacao da divisao parcelar dos trabalhos.
tmtlllsc dc um mito é necessariamente dupla. Ela busca os
desse mito c os rcmaneja num outro contexto. Os l
podem provii' dc um periodo diferente daquele
que sao rcunidos, retomados, rcmancjados. Este periodo
o mito, c nao a orlgcm.
O mito cla Atltlnllda, no tirllias dc Platao, pode ser conside-
como um mito urlaano, anteclpucno nu preiiseiitliueiitoi
O mito mostra a contemporanelclncle, ii coexisténcla nae paeifiea, seria inelasaificiivel enquanto relate Flloiieiica. discurso
do campo e da cidade ele:-itle 0 lniclo da clvlllzaqao oclclcntal. A mito, ideologia, utopia? O mito cleilnir-ac-la como alts-
min lH.§‘lllllCl()HtIl (niio sulanetido as iinposigoes das
.ll pi'<)tlL|q;a() agricola e a |'clag‘a0 cainponcsa Com a nature‘/.a sua-
citam apenas uma imagem cfcllca do tempo, o qual nao lvm E li1Hill1llt,,‘6C8), cxtralndo seus elementos no contexto. A
sentido (direciio), ou melhor, nao tem outro sentido (lnlcrprc~- conslstii'ia num discurso l7'LSlllllClO7’l6ll, justificando,
l
lr
tacao) a nao ser 0 Grande Ano e o Eterno Retorno. lmagem dc (ou entao criticando, recusando e refutando) as
um tempo que avanca em direcao a uma saida final, ou iinagein existentes, mas desenvolvendo-se no seu plano.
de um cosmos harmoniosamente disposto num espago lumi- a utopia, ela se empenharia em transcender o institu-
noso, a Cidade imprime sua marca no pensamento. A Atlanlida, scrvindo-se ao mesmo tempo do mito, da problematica
cidade soberba, harmoniosa, une-se com seu territorio, que teal e do possivel-impossivel. Bem entendido, o discurso
ela organiza e domina. O relato mitico de Platao nao conterla institucional nao se pronuncia nao importa onde, nao
a imagem grega da cidade oriental, eco, na Europa, do “modo por quem. Ele einana de um grupo especificado, senao
de producao asiatico”? No entanto, na Grécia, a cidade politica de tendéncia anomica (social extra-social). Os
existe poderosamente, um pouco diferente da cidade oriental.
representam um grupo dessa natureza. Eles elaboram
Ela refine em torno de si grupos camponeses, aldeias, produ- codigo particular para ler os textos e os contextos. O nivel
igvsmologico, no qual se colocam, nao pode ser institucional.
tores (sinecismo). Ela aparece como Ilha bem-aventurada no
oceano de campos, plantacoes, matas, florestas, desertos. lila
menos nao na Grécia. Nao antes de Hegel.
nao pretende oprimir, menos ainda explorar, aqueles que Diante dessa triplice alianca — o mito, a ideologia, a uto-
i l
refine. Ela instaura uma harmonia na tensao reciproca dos —, os conflitos e contradicoes resolvem-se por magia:
elementos, como a lira, segundo Heraclito, e como o arco. ltribuidos ao passado ou reportados ao futuro. Onde, entao,
Parece a lembranca de um continente desaparecido, onde a I8 apresentam? Na obra de arte. Como compreender a tragédia
separacao das vidas e dos trabalhos nao tinha, nem podia grega? A cidade politica, pequena aglomeracao ou cité organizada,
ter, nenhum sentido, nenhum lugar. O fato de Platao reter o flpreende sua relacao conflituosa com o campo, com seu pro-
mito e lhe dar forma quer dizer que o pensamento filosofico prlo campo. Ela retoma os temas camponeses vividos e por eles
(que procede da divisao e da separagao das atividades, preci- lnterpi'etados e lhes da um outro sentido. Da cidade nasce o
samente quando luta contra elas para restituir uma totalidade) espirito apolineo. Ao campo pertence Dionisio. A cena do deus
considera o problema da Cité, de suas instituicoes racionais massacrado e devorado pelos seus torna-se representacao ao
(o Logos que fala e age), nao obstante ameacadas. Inversa- Segundo grau: re-produzida ou repetida num lugar determinado
mente, a Cité transmite a reflexao filosofica re-presentacoes para a re-presentacao dos poderes maléficos. Na cena do teatro,
concernentes a sua existéncia politica — a de um centro — na £1 Cidade, lugar do Logos, poténcia apolinea, exorcisa as vio-
imensa circunvizinhanca camponesa. O que se anuncia através léncias das profundezas por uma mimésis regulada. Ela coloca
de tais reflexoes? Que profecia? Que futuro impossivel-possivel? entre os ameacados pelo perigo das poténcias dionisiacas, a
Uma espécie de comunismo urbano que, portanto, nao seria (listancia da re-presentacao, da repeticao catartica. Ela propoe
nem camponés, nem ascético, nem artesanal, mas especifico 0 futuro da cité. Os tragicos compoem para a gloria de Atenas,
da Cité e, no entanto, nao dependente das instituicoes exis- para resolver os problemas da lei contra o costume, da justiga
tentes na e proprias a Cité. Utopia inerente ao pensamento contra a violéncia, do individuo contra a comunidade brutal. So
urbano, pela qual o texto mitico transcende seu contexto. E assim a sucessao dos tragicos (Esquilo, Sofocles, Euripedes)
que tera desdobramentos: a Cidade de Deus, a Cidade do pode ser compreendida, inclusive a decepcao que emerge, a
Sol. O comunismo utopico tem fontes urbanas tanto quanto amargura que aflora.‘ Tantas ameacas pesam sobre a Cité! Temas
agrarias. Se é preciso classificar e datar o mito da Atlantida, camponeses por ela retomados, os temas da tragédia podem
que seja classificado entre os mitos urbanos! Mas o Critias ser atribuidos ao urbano. Mas nao sao mitos. Ademais, como

100 101
l

poderia havar mitos iirbmios prapi'iai1ierite ciitcn antes ela gmntle V eta: menores, ele Gérard cl: Nervai ii LiiLiii‘éfii110i‘ii, a Rimbauci.
inilexiio que faz a SOL‘l€!£l£l(.l¢ lntelra pander para o lado ela A ma lmagem da clcimlc lfifitlflfitlfi para um conceito (ou seja,
realidade urbana diminuindo os pesos cspccillcos (lii agri- para um L'Oi1l1CCli1iC3i'iit)) 6, assim, descol">cria através do mito,
cultura, da vida rural c dos problemas camponeses? A partir Ela ideologia, da utopia. ii isso, notavelmente, dimensao por
desse momento, a Cidade se afirma. Ela é escrita nos planos. Glliliensao, forma apos forma. Hugo descreve e exprime os
Em breve vai ser escrita de outra maneira: sonhos, conl’lss<‘>es, _lli’i1l§olos que se léem nos edificios, nas ruas e até nos esgotos
romances, melodramas. Os elementos camponeses — mitos, ’(N0tt'e-1)anie ale Paris, Os Miserdz/eis). Baudelaire liberta e
ideologias, utopias — ainda serao aqui retomados, unidades lxpbc 0 conjunto de oposicoes pertinentes que caracterizam
significantes utilizadas num outro sentido. Em Rousseau, a O urbano (a agua e a pedra, o imovel e o movel, a multidao e
Cidade é o lugar da decadéncia, da corrupgao, numa palavra, I Alfllidiio etc.). Ainda é preciso acrescentar que a grande cidade,
da civilizacao? Ela se opoe a natureza, assim como a desi- Paris, cuja oposicao a natureza é tao forte, ja entra no periodo
gualdade a igualclade e o luxo a sobriedade? Certamente. jean- * Glfl tixplosao. Baudelaire as siste a transformacao de Paris pelo
jacques Rousseau pensa e trabalha na ideologia, ou seja, no Lirlaanisiiio de Haussmann, como Rimbaud assiste a Comuna,
plano das instituicoes. Dai sua importancia. As vezes ele val l‘EV(>lL|g;f1o urbana. A ideologia e a utopia ja se misturam ao
até o mito. Raramente. Mais claramente que em Rousseau, i'Giato, a descricao nutrida de temas miticos. O Paraiso nao
essa extirpacao dos temas camponeses de seu contexto e dc mais se localiza na Naturez a, no originario anterior ao pecado
seu sentido inicial, essa transformacao dos mitos antigos numa Original. Os paraisos artificiais (Baudelaire) suplantam, na
mitologia urbana, descobre-se em Restif de La Bretonne. Obra nostalgia, esses paraisos ditos naturais. Ora, os paraisos artifi-
louca, inteiramente mitica e utopica (nao ideologica, conforme Cials sao nitidamente urbanos. Se a natureza fornece alguns
as definicoes dadas precedentemente, isto é, nao justificando Glenientos desses paraisos, vinho e drogas, tecidos e metais,
nem refutando nenhuma instituicao, antes ignorando-as), isto tlesejo carnal e violéncia, sua retomada muda o seu sentido.
é o que faz sua grandeza e seus limites. Nao é surpreendentc O urbano ascende, assim, como horizonte, forma e luz
que, no momento em que os fisiocratas acabam de teorizar a /(virtualidade que ilumina), ao mesmo tempo que como pratica
supremacia desvanecente da natureza e do campo sobre a Em desenvolvimento e como fonte e fundamento de uma outra
cidade, no momento em que essa mistura de ideologia e saber mltureza ou de uma natureza outra que a inicial. E isso através
retarda-se em relagao a pratica social, a mistura de mitos e de das re-presentacoes mistas, aqui muito rapidamente dissociadas
utopia va mais fundo e mais longe, anunciando simultaneamentc numa breve analise: mito e utopia, ideologia e ciéncia. A pro-
0 que existe e o que vira? blematica urbana se anuncia. O que saira dessa fornalha,
Poder-se-ia dizer que em meados do século XVIII a Natureza, Clesse caldeirao de feiticei ro, dessa intensificacao dramatica
imagem e conceito, nostalgia, esperanga, emerge contra a Cidade clas poténcias criadoras, das violéncias, dessa troca generalizada
e assoma ao horizonte. Concomitantemente, a miisica, ou seja, na qual nao se vé mais o que se troca, exceto quando so se
a harmonia, como arte maior e modelo, destrona a arquitetura. V8 demasiadamente: dinheiro, paixoes imensas e vulgares,
Em contrapartida, um século mais tarde, a Cidade destronou Butileza desesperada? A cidade se afirma, depois explode. E
a Natureza. A re-presentacao da natureza elabora-se tao-somente O urbano se anuncia e se c onfirma, nao como entidade meta-
através, por e para a realidade urbana, que emergiu como flsica, mas como unidade fundada numa pratica. Em ato, na
tal. A Natureza so é portadora de nostalgia, melancolias, cenario Cidade, ou melhor, no urbano, reencontram-se o Mando e o
das estacoes. Se retornarmos a analise das dimensoes, podemos Cosmos, esses velhos temas da filosofia: o Mundo, um caminhar
dizer que a dimensao simbolica da Cidade é descoberta por/em nas trevas — o Cosmos, smbreposicao harmoniosa com con-
Victor Hugo, sua dimensao paradigmatica por/em Baudelaire, sua iornos iluminados. A poesia nao mais celebra a beleza do
dimensao sintagmatica em numerosos poetas que percorrem a Cosmos, sua “economia” admiravel — nem o hieroglifo do
cidade e exprimem seus trajetos: dos pequenos romanticos e Cspirito, o sentido do caminho percorrido na sombra, ao longo

102 l 105
de um tunel ou de um corredor toituoso. A obra poética torna-se rocura prever ou imaginar o futuro (ao que Marx se recusava,
“florescimento da origem que se anuncia” (M. Blanchot). O ois concebia a via e nao o modelo), ele nao pode limitar-se
caminho do cientista nao difere do caminho do poeta. isso. Ele se poe diante da problematica urbana armado de
O que dizer, agora, do urbanismo haussmaniano, senao o onceitos e de ideologias infantis. O movimento operario e
que ja se sabe? Estripacao de Paris de acordo com uma estra- Jcialista ainda nao foi estudado comparativamente sob esse
tégia, expulsao do proletariado para a periferia, invencao simul- risma. Quais foram as incidéncias dos problemas urbanos nos
tanea do suburbio e do habitat, aburguesamento, como despo- iversos partidos? Na II e na III Internacional? (sem esquecer a
voamento e apodrecimento dos centros. Enfim, nada que nao '1[€l‘f121CiO1"l21l dita “dois e meio” e o austro-marxismo). O socia-
tenha sido diversas vezes lembrado. Acentuemos, no entanto, smo municipal, estreito, sem horizonte, fracassou misera-
alguns aspectos desse pensamento urbanistico. Ele encerra uma elmente, ainda mais rapido e mais miseravelmente que o
logica inerente a estratégia de classe e pode levar ao limite essa ocialismo de Estado, que nao engendrou o socialismo (no
coeréncia racional, vinda de Napoleao I e do Estado absoluto. entido de Marx), mas grandes e poderosos Estados. O que
_ ,, . 1. . . . ,, 1. ? .
Haussmann talha, implacavelmente, linhas retas no tecido s socia istas municipais rea izaram Seus arquitetos cons-
,u'
urbano. Ainda nao se trata da ditadura do angulo reto (promul- iram alguns H L M 2Eles 4: precipitaram
' ' >9
(condensaram) as
gada pela Bauhaus e por Le Corbusier), mas ja é a ordem da 2 lacoes
” de classes no capitalismo
' ' . O que isso
' prova’. Que os
régua, do alinhamento, da perspectiva geométrica. Uma tal formistas trataram como reformistas um problema que nao
racionalidade so pode emanar de uma instituicao. E a mais alla, avia alcancado sua maturacao e amplitude atuais. Como esse
a instituicao suprema, que intervém: o Estado. Ele leva a cabo I roblema foi examinado, resolvido, ou nao, na URSS apos a
uma tendéncia oriunda cla Antiguidade, de Roma, e, atravt’-s Levolucao de Outubro? E nos paises ditos socialistas apos a
de Roma, do Oriente. Desde as origens, o Estado se exprinie egunda Guerra Mundial? E na China, no curso dos episodios
pelo vazio: espacos as escancaras, enormes avenidas, pra<_;as .0 uma revolucao que se considera e se proclama continua?
. ~ . .
gigantes, abertos aos desfiles espetaculares. O bonapartismo I omo e por que a Comuna nao foi concebida como revolagdo
tao-somente retoma a tradicao aplicando-a a uma cidade his|<'i~ trbana, mas como revolucao encetada pelo proletariado
1 _ _. . . . . ~ ~
rica, a um espaco urbano altamente complexo. De um golpe ele dustiial visando a industrializacao? O que nao corresponde
muda a cidade. Determina a logica, a estratégia, a racionalidade. verdade historica.
Aos contemporaneos, a ideologia que embasa e sustenta essa Aqui apenas podemos evocar rapidamente esse conjunto
N . ‘ ~ 1 . ; 1 1 ' ‘ -
racionalidade, e a faz passar por absoluta, nao aparece como L questoes iistoricas, politicas e outras Parece que o socia-
is _ . t . . . I
tal. A maioria admira. Os reticentes? Sentem-se incomodados, mo nascente e incerto nao evitou nem o mito, nem a ideo-
retira-se o pitoresco, perde-se a alma. Sao passadistas. 1)ecerto, )gia, nem a utopia O pensamento socialista, com uma bela
ja se respondia aos saudosos do passado que lamentavani a Onfianca e sempre se apoiando em afirmacoes dogmaticas,
desaparicao de pardieiros. O que nao era falso. No entanto, i l'el'endeu transcender a separacao “cidade-campo” conco-
a verdade (explosao da cidade por seu aburguesamento) pouco ii liantemente com a divisao do trabalho em trabalho intelectual
aparecia aos contemporaneos. O que faltava para que a verdade ' manual, assim como acreditou poder transcender o mercado,
se manifestasse com clareza? A Comuna, considerada como I dlnlieiro, a lei do valor, a rentabilidade etc.
pratica urbana revolucionaria, com seu mito e sua ideologia, com (,omo

supei
.
ii a oposicao
., . ,'
cidade-campo
it ' , Y?
? Pelo desapareci-
sua utopia (descentralizacao, federalismo proudlioniano). (iii n
cnlo das grandes cidades, pela disseminacao das empresas
I ~ - 1' I < ' ' I

operarios, expulsos do centro para a perilleria, reloinarain o i DH campos. O movimento dos urbanistas antiurbanos comecou
caminho do centro ocupado pela burguesia. Apoderamin-so dele, IOLICQ tempo apos a Revolug,"ao de Outubro, segundo Kopp.
mana militari, com um pouco de sorte e muito discernliuenlo. i I 1 - 1 -
8 tile r:ngendi'ou tentativas - -- -
.ii<|uiteluialmenle ~,’ ‘ ~
nolaveis, .
maio-
Se o socialismo propoe apenas um traliailio melliorado iron como proleto urbanistico. () crescimento das cidades
(salarios e condigoes materiais mclliores na empresa) qL|t\l‘i£lG pviéticas em taimmlio, cm lmpoi'l£ln<:ia na produg,'ao, Ulli peso

104 W5
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ii‘ 1
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politico, nao cessou. Dito de outro modo, em que pese os protetora e passiva, como a antiga cité masculina, ativa e
esforcos de pessoas extremamente utopistas, no exato momento Opressiva. Eis, pelo menos, o que dizem alguns defensores
em que elas se consideravam demasiado realistas e racionais, do projeto “anticidades”.
a revolucao urbana continua nos paises ditos socialistas sem Argumentacao contestavel: ao mesmo tempo ideologica e
que, por isso, neles exista um pensamento urbanistico diferente politica (servindo, a curto prazo, a uma politica, ou servindo
daquele que grassa nos paises capitalistas. Quanto aos projetos ii uma politica de curto prazo) e, ademais, utopica sem novidade.
politicos, geralmente parecem retomar as palavras de ordem da Salvo informacao contraria, hoje na China, como ontem na
anticidade. Ainda hoje em Cuba e noutros lugares. - URSS, o crescimento das cidades continua, acompanha o cres-
Afirma-se que a revolucao cultural na China pode, desde Cimento economico e talvez ainda ocorra mais rapido. Como
ja, suprimir a diferenca entre a cidade e o campo, entre o noutros lugares. As causas demograficas, as razoes sociolo-
trabalhador agricola e o industrial, como entre o trabalho glcas, as vantagens economicas e politicas da cidade sao as
manual e o intelectual. O que retoma o projeto de Marx e as ‘mesmas, na China e noutros lugares. Portanto, a urbanizacao
promessas dos ideologos soviéticos. Se se trata apenas do global prossegue a longo prazo. O espaco urbano se define
enviar os intelectuais para um tratamento através do trabalho do mesmo modo num pais socialista como noutro pais. A pro-
manual fora das cidades, nos campos ou nas empresas longin- "‘""* ‘tica urbana, o urbanismo como ideologia e instituicao,
l
Pl
l‘ quas, isso nao é novo. Isso supera a divisao do trabalho? iizacao como tendéncia global, sao fatos mundiais. A
llil
l Tolice. Pode-se realizar o projeto revolucionario sem um elevado rao urbana é um fenomeno planetario.
nivel tecnologico? Ele nao acompanha a extensao do tecido s, se a “cidade mundial” interessa aos teoricos da “via
urbano, o desaparecimento, pela industrializacao, pela meta- 1”, a “suburbanizacao” eventual de uma grande parte
nizagao e pela automatizacao integral, do campo e do trabalho 1(.lO nao interessa menos a estratégia urbana. Contudo,
l agricola como tais? De maneira que a esse nivel a sziipeizigrzio ratégia pode se inspirar na hipotese estratégica segundo
da antiga situagao tomaria um novo sentido? Enquanto isso, ou os campos sitiariam as cidades, e a guerrilha campo-
melhor, sem esperar por isso, o pensamento marxista-lenl :neralizada tomaria de assalto os centros urbanos? Tal
nista na China denuncia, ao que parece, as metropoles como u concepcao da luta de classes a escala mundial parece
centros de um poder despotico (o que nao deixa de ser ver :nte superada. A capacidade revolucionaria dos campo-
dade). Ele assinala bastioes e fortalezas, nas cidades, voliadas mao se amplia; ao contrario, ela seria absorvida, ainda
contra o campesinato. As grandes cidades, sedes das empresas :sigualmente. Em contrapartida, uma espécie de colo-
l e dos bancos, entrepostos, depositos humanos atraindo inil|1n<*.~i .) generalizada do espaco pelos “centros de decisao”
de esfaimados, deveriam ser abatidas. O cenario da agao revo- tomar forma. Os centros de riqueza e de informacao,
lucionaria apresentar-se-ia do seguinte modo: a cidade inun- er e de poder, procederiam a uma feudalizacao de suas
dial cercada pelo campo e pelo campesinato mundiais. Quanto .lC'ncias. Nesse caso, a linha fronteirica nao passa entre
a Comuna (no sentido chines), seria o meio, a etapa, no caininlai ' e campo, mas sim no interior do fenomeno urbano,
da urbanizacao dos campos e da ruralizacao das cidades. A i periferia dominada e o centro dominador.
Comuna, alega-se, tem hospitais, escolas, centros de cultural, |undiali'/.a;,‘ao e o carater planetario do fenomeno urbano
de comércio e de lazeres. Nao tem corticos, nem superpopu- H
ex 1 ii : iniente,
~
da1 pioblcmatica
~ . I '
e da. fase
C ' -
critica — trans-
lacao. So ela pode integrar os grupos que a C()lii|)()t‘i1i e on m nos romances dc lic<,ao cientifica antes de apare-
individuos que compoem os grupos em um “nos” coletivo. Illa no tonliecimenlo (senao atiaves dessa mistuia ambigua
evita a sedentarizacao, como a n()ii11l(ll'/,:\g‘fl(). Nela a lC*cnlv.‘a tilogla e de saber que analisamos sol) o nome de urba-
li
nao mais se torna destruidora, mas G controlada colviivanwnie. l . Salve-se que nos relatos de llccao cientifica as previ-
i Nela o poder nao mais se exerce sem limites. A (Ioinuna (‘lil- pmspeetlvas oll/ills/as do l'ei'i0ineiio urbano sao raras,
nesa teria qualidade para suceder a antiga cldacie i'ei1’ilnin/R wvisbes pessiriitstas muito mais i'req£icnics. A ideologia
<

106 107
inerente a esses relatos miticos geralmente prolonga os impe- CAPlTULOV|
l l rativos da planificacao industrial, sem extrair todas as impli-
l. cacoes do fenomeno urbano. Nao é menos verdade que esse
‘,
pessimismo geral faz parte da problematica. Doenca da huma-
ll‘
l nidade e do espaco, meio condenado a todos os vicios, a
todas as deformacoes, a todas as violéncias, é assim que a
cidade futura aparece na ficcao antecipadora, estilhacada ou
A FORMA URBANA
prolifera.
Por enquanto, apenas constatemos a multiplicidade dos
léxicos (leituras) do fenomeno urbano. O mito tem ocupado Na medida em que, no percurso feito até aqui, procuramos a
amplamente uma auséncia: a do conhecimento orientado sobre/ Qsséncia ou a substancia do fenomeno urbano, como o defini- if .~
‘~* it[:1
por uma pratica. Ele ainda ocupa esse lugar, misturado com mos? Precisamente, nos nao o definimos por uma substancia, .5
,1; ,3
-W» 1:)
utopia e ideologia. Ha uma leitura morfologica (a do geograio por um contefido qualquer. Q§$, as_e_s_tr.utura.$, ?.l§._f_9£_1}1§§ .-t
e, talvez, também a do urbanista) do fenomeno altamente (na acepcao habitual desse termo) nece$amii1iQs€ E fit‘,
it
complexo. Ha uma leitura tecnologica (a do administrador, a i_c_i_en_t§:spara dfifinidta ReP@Yt0f12111105, ..~\,; \
(K Qt .
do homem de Estado e do politico que estuda os meios dc ...W, assim como vimos nascer, no Eéfipo esquematizado, ti2)»
1
intervencao). Ha também uma leitura do possivel (e do impos- ll funcao politica e administrativa, a funcao comercial, a funcao _*§

sivel) que fornece uma imagem das variantes da existéncia produtiva (artesanal, manufatureira, industrial), no seio da Tb 0or
Lt
finita, a do ser humano, oferecidas pela vida urbana no lugar e classica. Na ocasiao também notamos o carater ’7‘?!.1nc..s1l,'

da unidade tradicional que encerra “pulsoes” e valores na dessas funcoes: cl.e.,urn;lad_o, em _,rc.lac,ao..ao territorio adminis-
sua estreiteza. Talvez o relato mitico, ontem contado pelo , dominado, coberto de redestpelos» centros urbanos, e, de
filosofo ou pelo poeta, hoje pelo romancista de ficcao cientifica, gun-Q, em relagag a_p_i;opria,cidade_, ,admi,nistrada,..dominada
retina os diversos “léxicos” do fenomeno urbano, sem muito (tsirito quanto e por S<=_r,,_,,§lQn}ig3g§19ra), ,eia__itaa1i2_é_a.1riaseriria’
ocupar-se em classifica-los segundo a origem ou significacao. redes de producaol .e. de.-distribuig:.510..- A Cflfiictéfisiiflfl do
Talvez esse relato seja, assim, menos redator que as leituras no urbano, evidentemente, situa—se no encontro dessas
l e conhecimentos parcelares que utiliza destacando-os de seu funcoes, na sua articulacao. Enumerar as funcoes, por
-.. /
contexto e de seu isolamento. Alias, talvez ele so projete uma nao basta. Longe disso. Sua descricao, sua analise,
imagem da problematica urbana dissimulando suas conti"adig‘<‘>es. fragmentam-se segundo a disciplina (economia poli-
/ 1 I,
O cenario do futuro ainda nao se encontra estabelecido. sociologia etc.) sem alcancar essa articulacao. A analise so
se discerne as organizacoes e as instituicoes, na medida
l
l
que elas controlam as funcoes exteriores e as_inte-
l
da cidade. Logo, so avanga reunindo-as.i(‘A“sl_e§“t_rW_t1Mtt1;@$°
lgualinente duplas: .'I.71OJ§[Q1égié?d5'(§.lt.lQ5 6 §.1'iL1l<;Q¢$, illlfivfiisi
:2 pi'a<;as, iiiontiinentos, vizinhanca e baitra) 6 $QCiQl5§i£a$ "la ‘?: 'S»‘l1’~t'lurt>o‘ l't@1+-.s>£»¢'-fiiea.-» §9~?4e’f-{-gs}/<»2~“>
da pQp.ulLl§;flO,,iLl2l(.lCS e .sexQ$, familias, p_QpL1.l,2i§§LO
ou passiva, cate.g,oi"izis, ditas. §,Q§_lO_131'OfiSSiQ.I_121iS, dirigentes
W
). Quanto il__l'()l‘ll11i“,‘\i1() sentido habitual do termo, isto 2
ou pl’.t.stli.O'7“‘, trata-se de uma disposigao espacial: 1 ~
llit
on mg|iq¢;;;nct)nti.'it_*.'i, Ora, uma tal disposi<;ao so l,
no primeiro plano se nos preocupainos, antes de tudo,
1~r'n>-at
ll Siliéttlitgiin, tie restririginioii it piolnleinittlca urliana aos #
;1@1_';t-/. *5 “-5;:-‘.5’
l problemas da circulacao. Além disso, a invengao de formas
novas (em X, em espiral, em hélice, em cratera etc.) representa
Ela refine todos os mercados (inventario que ja fizemos: o
i'i‘iercado dos produtos da agricultura e da industria — os mer-
a maneira facil de abordar essa problematica urbana. cados locais, regionais, nacionais, mundiais — 0 mercado
Descobrimos o essencial do fenomeno urbano na centra- dos capitais, 0 do trabalho, o do proprio solo, o dos signos e
lidade. Mas na centralidade considerada com o movimento Slmbolos). A cidade atra_i_p§tI2t..Si.tudo_-o..que...nasce, da natureza
mi §ia_7et_iico_g_ue_a c9nstitu_i§__a__de§Wt"r_oi, que a cria ou a estilhaca. Nao 6 do trab_a_l_h,o_,,,.noutros lugares: frutos e objetos, produtos ew
importa quaMl"_po__nto possa tornar-se central esse -__.__....__.__,_,
é o sentido produtores,_Aobra_s__e 7_C_7fl21§,OCS, atividades e situacoes. Ogque ._;:\.
‘l ,.,,_m,g,.,,,st.~<i<*=Il<’f_.. ,.M._-.L_.._, .
ela cr'ia_?'l<Iada. Ela centraliza as criacoes. E, no entap_tWo',___e_l__a,
.d@ T351239.9f.l§!Il.P9.,..9Pl?El¥19;.. A ¢@at.ia1idad.¢ n€1Q.§._-.i.1i1£l_if@!¢"t<*
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an N <Lue_,_ela,_ret’ine__ao
'WVv_ Ma- _.__.L:_ __u,,_ contrario, pois ela exige um conteodo. {T1i..“¢l9- ,.1\l5<_1=*.<i??€i$FE? §F?111ttqszal..é,éiiiI_ai2}Q>;iii1aga,Q,..§.¢m..i>i@Xi_.
iniclade, is-to €J...§§m.rela§6es.lElfl Cria 9.1?1%..s.itu...asa§l =1 situa-950
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E;,”,I_1HOfl_,§_l_’1’_[_,€_1_1_'1_§_(,Q_,M11,2i1WO.iI11pOJfiI21__Q_L}glW4§§_]l§t_BSS6 conteL'ido.‘Amontoa-
mento de objetos e de produtos nos ‘éfiiiéiioétbs, montes dc i,1l'l)2l1'1a,"OI1(,l€ as coisas diferentes advém umas das outras e
nao existem separadamente, mas segundo as diferencas. O t-_al\L<
frutas nas pracas de mercado, multidoes, pessoas caminhando,
”;.»a::.:_- pilhas de objetos variados, justapostos, superpostos, acumii- urlyano, indiferente a cada diferenga que ele contém, é consi- <"' ,-

l
crriéfg, i~‘r~“‘,, / lados, eis o que constitui pp urbaifiSe a cidade sempre so §€i'1l_(l_Q_ freqtientemente como indiferenca que se confunde
_ . . T

ii ,_ :)“I“‘(. - ,-xi -t ‘
oferece a si propria como espetaculo, do alto de um terraco, a da Natureza, com uma crueldade que lhe seria propiia_.
de um campanario, de uma colina, de um lugar privilegiado (de O_§_[lQQQQ_Q§}O_é indiferente a todas as diferencas, pois
if
ilil
um lugar elevado que é o alhures onde se revela o urbano), precisamente as rei’i_n__e.ll Nesse sentido, a cidade constroi,
nao é porque o espectador percebe um quadro exterior a reali- tlestaca, liberta a esséncialdas relacoes sociais: a existéncia
dade, mas sim porque o olhar refine. Ele é a propria forma do reciproca e a manifestacao das diferencas proced.entes dos
urbano, revelada. Na realidade urbana tudo se passa como Gonflitos, ou levando aos conflitos. A cidade, o urbano, nao
se tudo o que a compoe pudesse se aproximar, ainda e.semprt- lflo a razao e o sentido desse delirio racional? As relacoes
mais. Assim se concebe o urbano, assim ele é percebido, assim ) sempre se deterioram de acordo com uma distancia,
l l l n é sonhado, confusamente. A agricultura se instala na natu- no tempo e no espaco, que separa as instituigoes e os grupos.
ll »i“* Aqui, elas se revelam na negacao (virtual) dessa distancia.
llll l“lU\ reza. Ela produz segundo a Physis, conduzindo-a mais que ii
i ,\(;‘@l"< ,. . obrigando. Se o movimento da Physis vai do germe it flor c a caracteristica de violéncia latente inerente ao urbano.
4 l
‘ l\ ill v ao fruto, e assim recoinecando o ciclo, o espaco e o tempo como o carater, igualmente inquietante, das festas:
ll \\\1£>/0
camponeses nao rompem esse ciclo; eles se inserem nele; imensas reunindo-se na instavel fronteira entre o
,l‘ ll l \
dependem intimamente de suas particularidades: coinpositjaii alegre e o frenesi cruel, na fruicao lfidica e no transe.
do solo, flora e fauna espontaneas, equilibrios biologicos, existe festa sem “happening”, sem movimentos de
microclimas etc. A indfistria, por sua vez, captura a nature‘/.:t sem pessoas pisoteadas, desmaiadas, mortas. A;;e_ntra-
e nao a respeita; dispende suas energias; ela a desventra para que concerne as matematicas, concerne também ao
apoderar-se de seus recursos em energia e em mat'<I'|'ia; ii lila os refine, como refine tudo, inclusive os simbolos"
devasta para “pro-duzir" coisas (intercanibiaveis, vend:'ivel.~i) (entre eles os da reunifio). Os signos do urbano sao ,/
que nao sao da natureza nem estao nela. A indi'istria nao tilgnos da reuniao: as coisas que permitem a reuniao (a -"’
permanece submetida ao lugar e, nao obstante, depende dele. ct a superffcie da rua, pedra, asfalto, calcacla etc.) e ass“ +01, H,
Se tende a ocupar o conjunto de um territorio, so o l‘a'/. i't‘ll* da reiiniao (pragas, liizes que evoca o
(

nindo fragmentos dispersos, as empresas, pelo niercado. (‘om mais l'org;a? A profusao das ltl’/.05, at noite, sobre-
E completamente diferente com relagao a cidade. l)et‘c*|'lo quando se sobrevoa uma cidade — o fascinio das lu'/,es,
l que nao se trata apenas de uma atividade devoi'adoi'a, do iieons, iiiifinclos luiiiinosos, iiieitaeoes de toda espéeie
l consumo; ela torna-se prodiitlva (meio de pi'odiigi'iu), inicial- i ucuiiiiiliiciio siiiitilitineii das riqiiczas e dos slgiios. No
l

ll mente, tlpl‘()Xll11ilI1(.l(') os eieiiicntos dii prociiiqim uns don ciutreli rig ciiiiio sie. til-ii} i'ealizii¢no. ii GQ,I1§€i1i,i'L1_¢_i1_Q_ i-iempi-e

mgggbmlumuh /tuwwr
“l l I
l i _ , . ,1 , . _ M
: xx I ff)./'52/5/1.; ’ f'].C~‘\.1‘- -£2/"-/" "74

,/B , .- b) a Qolicentralidade, a oniscentralidade, a ruptura do


¢.1.1fI%q¥1§§§.,§_§_€..Lompe. E preciso, entao, um outro centro,
..»--~ —$; centro, a disseminacao, tendéncia que se orienta seja para a
iuma periferiabum alhures. Um outro lugar e um lugar outro.
l L-
\l/
Esse movimento, produzido pelo urbano, produz, por sua
constituicao de centros diferentes (ainda que analogos, even-
tualmente cornplementares), seja para a dispersao e para a
ih. K,‘ i:.t\"l'f'~l~"£l"”' r‘ lvez, o urbano. A criacao se interrompe, mas, por sua vez,
it > ‘Q ' Cw
Segregacao.
l
~. I‘
, -.41 para criar.
» E pouco contestavel a dificuldade de compreender um tal
Portanto, 0 urbano é uma forma pura: o ponto de encontro,
movimento contraditorio, e mais dificil ainda domina-lo. O
o lugar de uma reuniao, a §i_mal£aneidade. Essa forma nao
que nao é razao suficiente para nega-lo e substitui-lo seja por
tem nenhum contefido especifico, mas tudo a ela vem e nela
uma socio-logica simplificada (uma logica “pura” da forma),
,,/U" .i- vive. Trata-se de uma abstracao, mas, ao contrario de uma
seja por um privilégio conferido a determinado conteiido (a
l
iififi. 4+.
if
3 entidade metafisica, trata-se de uma abstracao concreta, vincu-
producao industrial de objetos intercambiaveis como merca-
,.... .. ‘V lada a pratica. O urbano é Clfl__71LlldliI)0 de todos os conteiidos,
dorias, a circulacao das informacoes, a decisao autoritaria, a
seres da natureza, resultados da indiistria, técnicas e riquezas,
Circulacao dos veiculos etc.).
obras da cultura, ai compreendidas mane'r_as de viver, situacoes,
modulacoes ou rupturas do cotidiano.,Todavia, ele é mais e A racionalidade dialética, ao mesmo tempo mental e social,
outra coisa que a acumulacao. Enquanto iversos, os contefidos inerente a forma urbana e as suas relacoes com seus conteudos,
iv
(coisas, objetos, pessoas, situacoes) excluem-se, e se incluem e explica alguns aspectos do urbano. No urbano existem “formas”
l
se supoem enquanto reunidos. Pode-se dizer que o urbano (- na acepcao plastica (e nao logica)? Silhuetas sobre um fundo
K
forma e receptaculo, vazio e plenitude, superobjeto e nao- B0lI"il)1‘iO, como as que se recortam sobre o fundo da natureza
l
l
Y
Vi
. .1 , objeto, supraconsciéncia e totalidade das COI'lSCléI‘1Cl2lS.l‘ll‘lll‘ e tornam manifesta a obscuridade desse fundo? Nao. A abun-
T ‘mar ro T“; se liga , de um lado, a logica daforma, e, de outro, a dialéf/‘cu ditncia, a agitagao, tudo ai se distingue. Os elementos evocados,
I <" .i . r
f‘ l
Convocados, reencontram-se. Tudo é legivel. O espaco urbano
, . i .
lt’7¢~.~~~
., _,. ., . rt‘
iv} dos conteiidos (as diferencas e contradicoes do contefido),
ti __:i,_,m..,~~~-~ ~‘-a;\->;, =‘;=-
Ele se encontra ligado a forma matemdtica (tudo no urbano It: exibe como transparéncia. Tudo significa, mesmo se os
é calculavel, quantificavel, “programavel”, tudo, exceto o drama llgnificantes “flutuam”. Tudo tem relacao com a forma “pura”,
\
resultante da co-presenca e da re-presentacao dos elementos lendo conteiido na e dessa forma. A ordenacao e a forma
calculados, quantificados, programados), a forma geo/mill"/iv! iendein a se confundir, ainda que essa forma seja simultanea-
(quadriculada, circular), conseqtientemente a simetria, ii rv<'or'- mente percebida, concebida, surgida (sonhada). Mas se (os
il.
lill
réncia (reversibilidade dos percursos, apesar da irr_eversil>ill~ ltlleltos, individuais ou coletivos, que também estao na reali-
“X”
dade do tempo, por conseguinte, legibilidade, anzilogia ilit dade urbana e a constituem e nela se refinem da mesma
simultaneidade urbana com a escrita, com a ordem racional £‘t1ttiieii'a que as coisas) percebe que essa transparéncia decep-
dos elementos coexistentes etc.). E, no entanto, se o iirliano Glotia e engana. A cidade, o urbano, também é o mistério, o
é, assim, socio-logico, ele nao constitui um sistema. Nao existe OCLllt;o. Atrfis da aparéncia, e sob a transparéncia, empreen-
sistema do urbano, nem insercao do urbano num sisteiiiit sao tramados, poténcias ocultas atuam, sem contar
l
unitario de formas em razao da independéncia (relativa) entre poderes ostensivos, como a riqueza e a policia. Até nova
formas e conteiidos. Isso impede definir o fenomeno urbano (U ao urbano nunca falta um lado repressivo, que provém
urbano) por um sistema ou como um sistema. Do mesmo niotlu, que nele se esconde, assim como lda \7é3BiZ¢i@ de manter
também impede defini-lo como objeto (subsifincia) oii t‘tHiiO t.lt‘aiiias velados, as violencias latentes, a morte e a cotidia-
sajeito (consciéncia). Trata-se de Ullill/l)I‘Ii)6l. Qai a tendOnt'ltii lisse lado i'c'/2i'0ssiTvo incorpora-se nas concepcoes do
l lile niiire £i_/l‘(ilIl.§’I‘(".;T‘1\§6V__i(). Aqui, a i"ela<,'ao “ti'ansparC*ncia-
a) a ceninalidade, através dos distintos modos de pi"otltig‘£'itJ,
difereMdomtiilnewtlil rela<,;ao foi iia i1£lliLlt'L"/.1! e na
das difefentes relacoes dc prodiicao, tendéncla que val, atuai-
l ll mente, até o “centro decisional", eiic:ii'niig,'ao do iisiiitlo, eoifl
iiidiistrlal. Nao seria essa ainda uma rela<,'ao dialeiica,
todos os seus perigos;
mi eonti'iidig;ao'i Aqui, ii opaeidade social tende ii se

11.!
I'll

l manifestar, a aparecer numa clareza mental. Se a verdade se “valor” e da mercadoria), mas diferente. Essa fonna relega ao pas-
esconde e perde seu sentido, o sentido da verdade pode sado alguns conteiidos superados. Ela atua seletivamente, no seio
irromper a qualquer instante. Até explodir. Todavia, a vida do conhecimento e dos resultados (ou residuos) da historia. Ela
urbana permanece ambigua, incerta, entre a decifracao das refine em ato, numa totalidade ou sintese virtual, que nao é pre-
mensagens conforme seu codigo (reconhecido) e a metalin- ciso realizar pela filosofia, mas anunciar como via (estratégia)
guagem que se contenta em parafrasear as mensagens conhe- para a acao, outros contefidos que ela retoma. §e__s_e__t_iiie_r
cidas, repetidas, redundantes. _A_,c_ida,cE,sej_:_s_(;r<_=le,_nos seus ¢<>n¢@b<->r essa FOrm=1.¢.>=t§.111Q<1@1i§i@.<1.¢§ 91¢.$\.1a intervenfio»
muros,”nas,__s,u_as,ijti,a_s. Mas essa escrita nunca acaba. O livro nao naodolespago como tal (pois ele é ré;é6Ii§'i'EiE§i2i‘do,
se completa e contém muitas paginas em branco, ou rasgadas. reinanejado), nem do tempo como tal (pois ele é trans-formado).
E trata-se apenas de um borrador, mais rabiscado que escrito. Ema propria forma, enquanto geradora de um objeto virtual, o
l Percursos e discursos acompanham-se e jamais coincidem. O Urbano, encontro e reuniao de todos os objetos e suje.ito.5.,eX.i$}
paradigma do urbano, a saber, o conjunto de oposicoes per- telntes e possiveis, que é preciso 6XplOI‘21X'.,lDO mesmo modo
tinentes que conferem um sentido a essas coisas (centro e cine ynaouse deve partir do espaco conquistadolle‘dowtempo’
nao-centro, informacao e redundancia, aberto e fechado, pfiblico ladgu_ir_ido, tampoulclolse deye,p,a_rtir da filosofia, do discurso
e nao-pfiblico etc.) pode se fechar? Parece que nao. Algumas l_d_e9,l__o,g,ico elinstituciohal, da cientificidade habitual que retém
oposicoes, como “particularidade-diferenca”, remetendo deli- 0 pensamentowfioslmarcos existentes e o impedem de explorar,
beradamente ao “vivido”, impedem que esse conjunto se feclie. Coiiiflalliforma, as possibilidades. Convém excluir sobretudo
A cidade e o urbano, superobjetos, supersignos, nao dependem inodelosyconvencionais geralmente adotados, diretamente
~l
exatamente dos mesmos conceitos dos quais dependem os oriundos da indu’strializaca_o, do produtivismo e do econo-
objetos e os signos. E, no entanto, eles os implicam e os contém, ilnicismo. Entao, do que partir?“De uma concepcao formal clam‘?»§
tanto os objetos e os signos, quanto os conceitos a eles concer- logica e de umacdialética do conteiido (ai compreendido essel
nentes. Para compreender as leis dos objetos e dos signos na Conteudo fundamental, essa base , esse ‘fundamento , porii
4 H 77 ( 7!

realidade urbana, é preciso acrescentar conceitos especi» toda parte o mesmo e jamais igual, sempre outro e 1’1L11'lC2tl/_..‘»
ficos , tais CO1’nO__]:,Q€iQ..§§l§..§1lQC21,...(l€~CO1¢nH~ni€21§§LO),_2LQS_QOflCL‘lit is outro: o desejo, que talvez saiba, com uma habilidade e umali
\

I ,.l /."\- I <1“ 2* eles Se relf¢F¢.1.Tl. .($i.$t.¢ma., .C.Ol1iLl.1J.LQ,. recorte .e arraiiio, perfidia profundas, atilizar a forma para se reconhecer e sel
l ' /f s'olciol“og'ia" doslllgr'upos_e,,,a,grupam,entos)_._ O urbano define-st' fillet" reconhecer, para se confrontar consigo proprio e se
também como justaposicoes e superposicoes de redes, acii» l
ltfrontar no urbano)!
mulo e reuniao dessas redes, constituidas tiiiiaswelnmfliiigziii
Desta maneira, o eixo espaco-tempo,ra_l toma seu sentido e
do territorio, outras em funcao da indfistria, outras ainda eni
llCi.ii‘iCC concreto, gue vai do zero degrealidade urbana a culmi-
funcao de outros centros no tecido urbano. I ' . . . H ‘_"""'”"' - "' " 7 ' ‘E '
co o (industrializacao, urbanizacao) Desde o
Assim se precisa e se concretiza a nocao de um “com.-" (ilv 1,111" £16" iei‘o'"in”ici“al, “<5 arbanolenloontrava-se
uma descontinuidade relativa) entre o urbano e seus ante- germe, a caminho. Como o instrumento, desde a lasca de
ll
ll cedentes, a esfera industrial e a agraria. Visto em prol‘iindiilai|0, on o bastfio brandido, como a linguagem e os conceitos
o “corte” nao é epistemologico ou filosofico, nem seqiier, ilt‘Iil o primeiro lugar demarcado. A centralidade ad-vem
apenas, politico ou historico. Ele vai além. Ila ll1ll'()(lll(‘;lU ti o primeiro re-colliiniento e da primeira re-colecao de
fundacao simultaneas: de um conhecimento, de uni cainpo. dispersos na nature’/.11, desde o primeiro ajuntamento
Certamente o espaco e o tempo niudam, mas o que os t‘ill‘til‘~ tttiiontoado de lriitos. iila anunciava sua realizaggfio virtual.
teriza é a entrada de uma forma (numa lornia), Vl‘/.lliliii tltt o pi'inc|'plo, reunir, ainontoar, recollier é algo de essen-
forma logica, quase iao abslra/ai e ativa quanto essa i'orma lt’ittlt‘ti mi pi'i'itlt':i social; C: uni aspecto racional da pi-odiigao que nao
i.iil (da linguagem, do discurso, do i':iciocfiiio, da ziiifillse, da aqflo com a atividade produtiva, mas dela nao se dissocia.
“l eficaz etc.). 'l‘fio abstrata e ativa quanto it l'ornia da troctt (€l§ fioneepggao do cientro difere dii rciilitliidc que se iiiaiiil'est.a
1
mi niitiireaii, iiiisim coma do que tie passa soeiaiiriente no seio desse rrieviiiieiite permite éaritrarla-lo, peririite iitiiizar €il§Lii'tt4
cia atividade agiicolzi c iiitliiiitrliil. iii-itiiii illtiiiiiis nfio Ht? Fiiiicliini élenientoii contra o ii‘iUVlifi€'t1tQ do conjunto. O Ul'l'itit‘i0, lugar
na anulagao (iiogaigraci) vlrtuiil das dlstiiiiclas no tempo e no do drania, pode i:oiivci'ter-se em drama do urliano. A segre-
espaco, na acao e no empenho nesse sentido. (Iontiido, es:-iii gtiigiio, lnliiiigii das reuiiioes e do encontro, pode deter o movi-
concepcao retoma algumas nocoes fisicas, porque ligada aos mento? O espaco liomogeneo, sem “topias”, sem lugares, sem
conceitos logico-matemfiticos, sem identificar-se com eles. Os Contrastes, lndii"erenc:i pura, caricatura de relacao entre o
fisicos concebem, igualmente, uma concentra<,;z"to, em um ponto, Urbano e seus componentes, pode aprisionar a realidade
da matéria esparsa no cosmos, a densidade dessa niatéi'la Lil'l)1ll1ti até sui"oci’i-la? Certamente. Ele até pode parecer demo-
tornando-se infinita e as distancias (os vazios e as lacunas) Crtltico. A democracia urbana implicaria a igualdade dos
entre moléculas e particulas anulando-se. Essa impossibili- lugares, a participacao igual nas trocas globais. A centralidade
dade ilumina o real. O urbano adquire um sentido cosmico, pi'odti7.iria a hierarquia, portanto a desigualdade. E, no entanto,
Ele se mundializa (reunindo o mundo como um caminhar obs- it dispersfio nao acarreta a segregacao? Os sobressaltos revo-
curo e o cosmos como unidade luminosa). Os romances dc luCionz'irios podem romper os limites da realidade urbana? As
ficcao cientifica freqiientemente descrevem esse carater cos- vezes, sem dfivida. O que mostra a importancia de uma critica
mico da Cidade, espaco fisico retomado, modelado como uma radical da separacao, da segregacao, da politica do espaco e,
obra pelo urbano. Através da sucessao das cidades e dc seus file modo mais geral, do urbanismo.
tipos, o urbano, posto desde os primordios como virtuall- Assim, toma igualmente sentido e alcance a _t_eo‘r_ia_do espago
dade, concretiza-se, sem que seja necessario atribuir-lhe uni t . As diferencas que emergem e se instauralmlno
suporte metafisico, nem lhe emprestar uma unidade trans- ‘espaco nao provém do espaco enquanto tal, mas do que nele
cendente. A cidade politica, a cidade comercial, a cidade t-ie instala, reunido, confrontado pela/na realidade urbana.
industrial, tiveram esse duplo aspecto: processo engendrando Contrastes, oposicoes, superposicoes e justaposicoes substi-
o urbano (e formado pelo urbano) — limites provisorios tuem os distanciamentos, as distancias espaco—temporais.
infligidos a esse processo pelas condigoes, a saber, a produgfio Recordemos alguns aspectos da teoria. O espaco (e o espaco-
agricola, a producao industrial. Devido a esse movimento tempo) muda com os periodos, as esferas, o campo e a ativi-
dialético, o urbano reage sobre o que o precedeu; ele nasce dade dominante. Existem, pois, trés camadas no espaco: o
e surge disso, do qual é o fim, sem que por isso exista finali- espaco rural, o espaco industrial, o espaco urbano, super-
dade metafisica. Sem esquecer que o informe, o disperso, o postas, interpenetradas, absorvidas, ou nao, uma na outra.
difuso ganhou forma. Essa forma se afirma como fim. CZll)C Desde o inicio do periodo agrario, o espaco dado (as reflexoes
ao conhecimento dominar o processo. O poder unificador da do/no espaco urbano podem pensar esse “dado” como tal,
forma urbana nao é infinito. Ele re-presenta o finito por exce- COmO pura natureza, como geografico; elas nao podem mais
léncia, a finitude. Essa forma, em si mesma vazia (proxima da alcanca-lo sem o re-construir) foi balizado, orientado, hierar-
forma logica “pura”, isto é, da tautologia), de modo algum quizado. As topias iniciais, os lugares nomeados, denominados,
dispoe do poder infinito atribuido a divindade, a Idéia trans- entraram na dupla grade mental e social, pratica e verbal.
cendente, a Razao absoluta. O urbano é, ele proprio, finito, Esses lugares (topias) procedem imediatamente da natureza:
porque refine elementos finitos em lugares finitos e na finitude as particularidades do solo (natureza material, fauna e flora,
do lugar (o ponto, o centro). Ele pode perecer. O insignifi- 0 aspecto dos trajetos) ensejam nomes. Essa heterogeneidade
cante o ameaca e, em especial, o ameaca o poder da sociedade da natureza é substituida pela homogeneidade do espaco
politica. A forma urbana tende, certamente, a romper os limites industrial, ou melhor, por sua vontade de homogeneidade
que buscam aprisiona-la. Seu movimento procura sua via. Nao conforme a sua racionalidade quantitativa. O espaco, planifi-
se pode assegurar, previamente, que os obstaculos serao cado, conserva as “topias” apenas como acidentes, comodi-
contornados ou vencidos. O carater dialético (contraditorio) dades vagas de uma linguagem folclorica; todos os lugares sao

116 117
2:,
homologos, distintos tao-somente por sua distancia. Objetivo, economica, militar e politica. Resultando num contraste notavel.
mensuravel, o espaco so é representado em funcao de critérios O eixo leste-oeste , entre Vincennes e a Concorde, é demarcado
produtivistas. Existe interesse em aproximar todas as fungoes por pracas afastadas da circulacao adjacente, com excecao das
sociais da producao, porém, isso nem sempre é possivel. No mais recentes (Concorde, Etoile); tais pracas afastadas eram
primeiro caso, quando iss O possivel, reencontra-se o feno- lugares de encontros, de festas, de jogos, de passeios: praca
meno urbano. No segundo, e\(D\ preciso calcular os custos suple- Royale (des Vosges), des Victoires, Palais-Royal, Véndome. A
mentares: quanto custam o espaco, o deslocamento dos objetos partir do Louvre, ao contrario, comeca a via triunfal que vai
e das informacoes. Calculos de otimizacao regulam, em prin- para o ocidente, via originalmente nao comercial, porém lugar
cipio, o emprego do espaco. Eles conferem uma aura cientifica de exibicao do fausto real e imperial (Tuileries, praca Louis
ao projeto da racionalidade industrial: a extensao, a escala XV, Cours-la-Reine, Champs-Elysées; mais tarde, a Etoile).
global, da organizacao interna da empresa, da “divisao manu- Assim, o avanco e as pressoes dos grandes grupos sociais
fatureira do trabalho”. Esses caiculos sao indiferentes ao feno- modelam o espaco de modo diferencial, mesmo quando seria
meno urbano, mas o incorporam cada vez que se pode apro- Cle se esperar por uma homogeneidade (no caso de uma grande
ximar a producao dos mercados (do trabalho, dos capitais, capital, Paris). Notavelmente, nao existem pracas ao longo
dos produtos). do eixo norte-sul (ruas Saint-Denis, Saint-Martin, bulevar
Ora, esse espaco urbano difere radicalmente do espago S6tint—Micl9el, e rua Saint-jacques) mas apenas cruzamentos.
industrial, precisamente pelo fato de ser diferencial (e nao Nao é o “ela vital” da comunidade urbana que explica as estru-
homogéneo). Mesmo se o cadastro inicial e as denominacoes turas do espaco, como pensava, em termos bergsonianos,
rurais persistem, o espaco urbano os remaneja radicalmentv. Marcel Poéte. E o resultado de uma historia que deve ser
@pogc§es_e c_ontras_te_s,i substituem as particularidades soli- como a atividade de “agentes” ou “atores” sociais,
tarias (relativas ao solo). Obseivemos um plano de Paris. lVlllli().‘i “suieitos” coletivos operando por impulsos sucessivos,
nomes provém das origens rurais (citemos alguns ao acaso; e modelando de modo descontinuo (relativamente)
., ll Butte-aux-Cailles, Grange-Bateliere, Moulin-Vert etc.). Sabenii is de espaco. Esses grandes grupos sociais, compreen-
lll
lli‘ classes e fracoes de classes, assim como instituicoes que
‘lli
‘l
que as ruas do Quartier Latin obedecem o tracado das senda.-i
e caminhos rurais que levavam as pessoas de Lutécia a seiiii carater de classe nao é suficiente para definir (a realezal
i
prados, vinhedos e campos da margem esquerda do Sena. ti municipalidade, por exemplo), agem uns com e/ou contra
Contudo, no curso dos séculos, essa rede tornoii-se labirliilo, outros. As qualidades e “propriedades” do espaco urbano
sede da intelligentsia e de suas turbuléncias, contrastamlo de suas interacoes, de suas estratégias, seus éxitos
com as vias comerciais de passagem e as projecoes qiiad|'lt'tt- A forma geral do urbano engloba, reunindo-as,
ladas da ordem estatista. Haussmann pode cortar, esqii:irli~|i||‘ dlleiencas mfiltiplas. Admitindo—se o exemplo parisiense,
e trinchar no Quartier Latin, mas nao externiinou essa oposlgtii i. D ainda nao criou um espaco. A burguesia mer-
§,)_,_,§;_§_1.).2iic.o_..n1er.caritil, em torno de les Halles,' 6SlI1Il)ClC(‘Cil~H£‘ tm os intelectuais, os homens de Estado, modelaram a
longo dos eixos norte-sul, espaco comercial repleto do pro- ()s industriais, antes de tudo, demoliram-na. Quanto
ducao artesanal e manufatureira. Esse grupo social tonioii tlé opei:'iria, nao teve outro espaco que o da sua expro-
assalto as extensoes do leste parisiense, da aristocracizi (/i"IrH'riIti) di sua expulsao: da segregacao.
e da realeza (em direcao a Bastilha, o Arsenal etc.). Ale a lntllll! de l.s‘o(;;Ql¢I§ as_pai‘tes compaiffiveis do espagvo ci_tie
trializacao macica, o eixo leste-oeste ao longo do Sena lillttiifl _ e se leeni (nos planos, nos percursos, nas, imagens
conseguiu constituir-se completamente. O sitio, a menos elaboiiidas pelos “sujeitos") de modo que so
explicam esse fato: enquanto o rio, espaqo iirlian Por exemplo, lift uma notavel isotopia dos
neutro, garantiu a l’iiii<,":"io de transporte diirantc Hoctllol, protlii‘/.ltlos pelo riicionallsino dc listaclo: grandes linhas
eixo terrestre norte-sul tinha uma lniportancia larg:ia., vazios, .pei'speciiviiis ainipliis. ociipiicao do

_
l ,1
it , assimila anexando-os a seus bairros ativos, dos comerciantes e
il‘ “wt SO10 ffllondo-tabula..rasa.do._preced.ei1te,sei11.obs€.t'_\LaLQi_gl1_
artesaos. Assim formou-se a aglomeracao urbana, forte unidade
li
l 6 OS iatt-f@$§§§__siQS .fiei§__baixQii,.,,.aeiri . O.S._Q1.1.$_LQ.§- 1§§§§§.LIld§Q_&_.$¢ popular cimentada pelas lutas contra o Estado monarquico.
illl _P,T?¢i5%1_1T1?..§lQ§..-$‘2§P%9OS parisienseswordenados...p.elos...reis,..aos
Al‘ Foi preciso a época burguesa para que o movimento inverso
llli
.,i l
I @11¢<>m¢nd.adO$....i>@l<>S Imi>é1'i.<>s., aos. .da§.R¢i>fib1i.cas. Eles se nascesse: a expulsao dos elementos populares do centro para
ampliam, exceto no seguinte: mediocridade, subordinagao
consciente e cada vez mais nitida as exigéncias da indfistria con- as heterotopias periféricas ainda rurais, transformadas desde
trolada por monopolios, como se pode verificar percorrendo o entao em “subfirbios”, receptaculos do habitat, dotados de uma
eixo recente onde se comercializa e se industrializa a antiga via isotopia particularmente bem legivel. Desse modo, a heterotopia
li l real e imperial. Note-set que nao se trata mais de unidades de corresponde, mas apenas em certa medida, a anomia dos
I ll
producao que se instalam no espago urbano, modelando-0 sociologos. Os grupos anomicos produzem espacos heteroto-
I l picos, cedo ou tarde capturados pela prdxis dominante.
de um modo contestavel, porém claro, mas sim de escritorios,
uns ao lado dos outros. Nao esquecamos a u-topia: o nao-lugar, o lugar daquilo
. /-‘t E II§QE,Op,i’;1S,‘l Q lugares,‘ do._.m€Sm,o, J?1¢$.Il1Q§.-..1..L1&1I..e_s. Qrdein que nao acontece e nao tem lugar, o lugar do alhures. Sobre/
l‘ f\Y
em determinado plano de Paris (o chamado plano de Turgot,
ii Pt6Xi1TEt:.l3.£'il§t9§§§iZS»= Q,_,Q.Q§£Q..lQg&1l.Qa0...lug21I_..diQ-.QQL.1TQ.>. no
.l. . ,,,niesml_o,,,tempo_ excl,uid_o_,e imbric.a,do. Ordem distante. Entre em torno de 1755), a u-topia nao é legivel nem visivel, e,
l
,. Entretanto, ela ai se encontra magnificamente. E o lugar do
). l
lit
Q.>>»*"“" eles, espacos neutros: cruzamentos, lugares de passagem, olhar que domina a grande cidade, lugar mal determinado,
lugares que nao sao nulos, mas indiferentes (neutros). Com
freqfiéncia, rupturas/suturas (por exemplo, a rua larga oii a mas bem concebido e bem imaginado (pleno de imagens),
li
l‘l avenida que separa e/ou reata dois bairros, duas heteroto- lugar da consciencia, ou seja, de uma consciéncia da totali-
pias contrastantes). Pode ocorrer superposicao de espagos dade. Geralmente, esse lugar imaginado e real situa—se nas
marcados por funcoes diferentes. Ou que a isotopia se vinculv fronteiras da verticalidade, dimensao do desejo, do poder,
a uma multifuncionalidade (as pracas, antigamente). (is do pensamento. As vezes ele se encontra em profundidade,
il lugares animados, mormente as ruas, sao multifuncionahi quando o romancista ou o poeta imaginam a cidade subterranea,
ll‘ (passagem, comércio, lazeres). No caso das ruas menores, ii da cidade consagrado as conspiracoes, aos crimes.
refine a ordem proxima e a ordem {$75. ,>i~~ o i i~.w ,
dlstante.7lr},l;‘l‘ll?¥;\r‘L4:4%.t
.; .,,t.-‘,i_,i.¢-l1"

sutura prevalece sobre a ruptura, e inversamente no caso das .._.i N .--W~,..- I J

ll grandes vias e rodovias que atravessam e seccionam o espago Na sua relacao com seu contefido, a forma urbana suscita
urbano. A diferenca “isotopia-heterotopia” so pode ser (‘()lit'(‘ contradicao (dialética) ja indicada, que agora é preciso
bida corretamente deififirha maneira dinamica. No espayo ndar. Como dissemos, no espaco urbano sempre ocorre
i
urbano, sempre acontece alguma coisa. As relacoes miidani; its O vazio, a auséncia de acao, so podem ser aparentes; a
diferencas e contrastes vao até o conflito; ou entao se ateniiiiiii, nao passa de um caso limite; o vazio (uma praca)
sao erodidas, ou corroidas. ele tem esse sentido e esse fim. Virtualmente, qualquer
l Em relacao ao espaco rural todo espaco urbano teve iittt pode ocorrer nao importa onde. Aqui ou ali, uma multidao
l carater heterotopico, até a inversao que, na Europa, <‘oiiii'g'ii se reunir, objetos amontoarem-se, uma festa ocorrer,
l ii ,,ll no século XVI e termina com a invasao dos campos pelo lt't‘l(lU tteontecimento, aterrorizante ou agradfivel, sobrevir. Dai
urbano. Durante esse mesmo periodo, os_/kiiiboii/;gis coiisi'|'vttlfl iasciniiiite do espago urbano: a centralidade sempre
um carater fortemente marcado pela heterotopia: popiiliig‘t‘iet! Ao mesmo tempo, se se oiisa assim falar, esse espaco
l l. ‘ l

de origens diversas, caixeiros-viajantes e salteadores, eiii|1l‘HI so csva'/.iar, excluir o conteiido, tornar-se uni lugar de
gados de comércio, seminomades condenados a so ou de poder em estado puro. lile esta aprisionado
iii, cerem fora das murallias da cidade, uni pouco suspeltos, ilxaii, siiperposizis, liierarqiiizadiis, do imovel ao
ficados em caso de guerra -- loiigas vias mal eqiiipiidiis, urliano cerciido por liiiiites vii-iivels ou pelos liinites
ainbigiios. Poi-éiii, logo a cidade incoi'poi'ii esses dos clecretcii e deciiibeii ridiiilntiiiiiitiviis. tile é
ll'l"'

cuidadosamente recortado em partes e particoes, em objetos os “alhures” sensiveis, visiveis, legiveis, intercalados no tempo
elementares e em unidades. Se o espaco urbano é fascinante urbano, como no sitio. Eles remetem a uma dupla utopia: a
pela disponibilidade, também o é pela arbitrariedade das uni- natureza absoluta e a pura artificialidade. Quando o parque
dades prescritas (ao lado dos ilotsze dos bairros, os “distritos”, e o jardim (pfiblicos) nao sao submetidos a uma racionalidade
os limites burocraticos das circunscricoes eleitorais etc.). de origem produtivista e industrial, quando nao sao neutrali-
Para resolver essa contradicao pode-se imaginar uma mobi- zados e nao sao reduzidos ao “espaco verde”, geometria mes-
lizacao completa, nao da populacao, mas do espaco. Que o efe- quinha e caricata, sugerem a natureza absoluta e inacessivel,
mero dele se apodere. Que todo lugar torne-se multifuncional, a caverna, o vento, a altitude, o mar e a ilha, bem como a
polivalente, transfuncional, com um incessante “turn over“ artificialidade: a arvore modelada, torturada, sen/indo de puro
das funcoes; que grupos tomem espacos através de atos e ornamento,Q_,j§it‘§E[§_1_L¢QT;L)§i[ql}§_,_@Q2l1f1§ll)3,§, asecplsas, COQ
construcoes expressivas, rapidamente destruidas (exemplo abSOlutO$..f0rE¢131¢n§§. .r_¢uni¢i<>§. mas sie uma .man¢ira..qa<2..§vO¢a
admiravel de um tal espaco modelado conjunturalmente, _a liberdade, a ,separacao u-topicas. Dessa arte dos jardins o
modificado por um grupo ativo: o terreno das grandes expo- Japao da exemplos. Os jardins e parques de Paris também,
sicoes e notadamente a de Montreal; uma cidade efémera mas com qualidades muito diversas. Insistamos: nao existe
surgiu de um sitio transformado, cidade magnifica, onde a espaco urbano sem “simbolos” utopicos, sem utilizagao da
cotidianidade foi incorporada pela festa, onde o urbano exibe-st" altura ou da profundidade segundo leis que nao sao as do
em seu esplendor). empirismo utilitario, nem as de uma estética qualquer empres-
iada da pintura, da escultura, ou de qualquer outra arte parti-
Assim, a u-topia, ja presente, virtualidade esclarecedora,
cular, porque se trata das leis da forma urbana.
absorveria e metamorfosearia as topias.
Sobre as relacoes entre diferencas e particularidades, o
A u-topia é tao necessaria quanto a isotopia e a heterotopia.
lndispensavel ja foi dito. O espaco diferencialpretérnp particu-
Ela esta em toda parte e em parte alguma. Transcendéncia do
.lnt'lclades_,_,__r_e_tpmadas atra o'td“oleslpaco homogéneoll
desejo e do poder, imanéncia do povo, simbolismo e inia;il--
nario presentes em toda parte, visao racional e sonhadora ila lll“_§S?l_§Q§Q§l.f§li.¥5 'i§articularit1a,de.s. cilia .h0_..m<.>a.¢nsizagio
centralidade acumulando nesse lugar as riquezas e os gesios
iT55:fQi..levada a termo $0br@viy.¢a1,. .t¢.stab;.1.ecem;S@ co.i1i-Qiit.f§-
li F Reconhecemos aqui um grande problema teoric,o;__,a
humanos, presenca do outro, presenca-auséncia, exigi-nela
Jes si nificantes destacadas de seu con-
de uma presenca jamais alcancada, estas sao, também, car:ii'-
inicial Deparamo-nos com elssmewlproblema a proposito
l teristicas do espaco diferencial. A forma urbana refine l;ilN
l das ideologias e dos mitos. Reencontramo-lo
diferencas, ora minimas, ora maximas. Ela so se define por v
a proposito do espaco. Salientemos o papel da
nessa unidade que refine as diferencas (todas as dil’ei‘eiig':i.~i,
Somente a pratica urbana pode resolve-lo, porque é
ou seja, as diferencas formando um todo). Tal reunifio llii|‘tllt‘ll
que o coloca. '
os trés termos, as trés topias (iso-, hetero-, u-topia). l'Inli't'-
tanto, a transcendéncia da u-topia, o carater esmagador ilii Na pratica urbana, o discurso da/sobre a cidade circuns-
l l inscreve-se, prescreve atos, direcoes. Poder-se-ia
‘l l‘
monumentalidade, assim como do vazio (as pracas Ul1()i'|llt‘H,
l os lugares noturnos), que encarnain o ii-topico, denianiliiin r que tal pratica define-se por um discurso? Por uma
um exame atento. Nao se trata de um elogio li‘lC()i"iSCt|llt‘lll€! e uma escrita? A realidade urbana so é o lugar dc
ilimitados porque oferece percursos em nfimero finito
l desse elemento, meio ficticio, meio real, que resii|lai'ia niliit
idealismo urbanistico. Ultimo ponto jfi sugerido: o ll-l(")|§lL'U cxtenso. Esse discurso retoma unidades antei-ioilelsl,
aparece e transparece como se estivesse incorporado em c‘t'rlol lile 6 escrito, lido, sem por isso esgotar-se na
e nit lclttira (.l()i-i;lL‘Xl;()i~i Lli'l7ill1()S.ll
espacos necessfirios, os jardins, os parques. fl llii|70tiPilV9l
consider:'i-los em si ini.-snios como espagos neiitros ( é dciiiaia iiiciicionar, para rel'uI.i’i-la, a coiifusao entre
neiiiros do conjunto espacial Lil‘l'7&Ii10). Piirqiies e ]rtri.llns tll8_l_l!i$7aUi, 8#JJ6iI'6i9'd0,..SU£F¢i£4l§¢l.(I- A ¢ll|'¢1'¢1W=t if
’*"l'
Ill

J:
ilil i_11CQn1pativel_.c.om.-a.
-- _segregag:€1o,_ .gue CAPlTULOV||
“diferenca”, diz relacoes, ,po_rta,nto, proximidade-relacoes per-
cebidas e concebidas, portanto, insercao numa ordem espaco-
l temporal» dupla": proxima e distante. A separacaopgeagegregagao
i
l
l
“rompem a relacao. Constituem, "_Q@_€_£T_l__L_QE1ll-
F§firaj““que"“iéifi por objetivo estratégico q,uebr_ar“a_,,t_otaulidacle
concreta, espedacar o urbano. A segregagao.QO_IDi2li§%L€_§§§_[oi
PARA iiiii isiiiiieii iiiiiii
l a complexidade. I
l
lii Resultado da complexificacao do social, o urbano dele apre-
senta a racionalidade pratica, o l co entre a forma e a infor- Em certa medida, a situacao teorica atual pode ser comparada
maga'o.l_A§_i_n_t§5§..§5i9-.1@§BF?@3_liEla se manifesta na pratica, it que Marx conheceu. Naquele momento a critica radical ja abria
na medida em que a pratica invoca a liberdade de informagao, 0 caminho ao pensamento, como a acao. Marx partiu, como
l i/71' a saber, a possibilidade, para cada lugar, para cada aconteci- Be sabe, da filosofia alema, da economia politica inglesa, da
mento, de informar aos outros e de receber as informacoes reflexao francesa sobre a acao revolucionaria e seus objetivos
dos outros advindas. (0 socialismo). A critica do hegelianismo, da ciéncia econo-
A diferenca é informante e informada. Ela da forma, a mellior mica, da reflexao sobre a historia e seu sentido, permitiu-lhe
forma resultando da informacao otima. Quanto a separacfio e conceber a sociedade capitalista ao mesmo tempo como totali-
a segregacao, elas rompem a informacao. Conduzem ao informe. dade e como momento de uma transformagao total. Da negati-
A ordem que constituem é apenas aparente. So uma ideologia Vidade emergia uma positividade nova. A negatividade da
li
L i
i
pode contrapo-la a desordem da informacao, dos encontros, Crltica radical, para Marx, coincidia teorica e praticamente com
il., l da @611"F*1id=1de- l.5.$?..l:l-111-TYa<?i.9.11?E.li$!?3$2.. lii1.;iitad.o...-iri_tiiistiiiatI (iii It do proletariado revolucionario. As analogias e as diferencas
l‘i
l

estatista, mutila o urbano dissociando-o; projetai,1gl9_wno__t_erreiiii essa situacao e a da segunda metade do século XX logo
ii.‘ sua “analise espectral”, os elementos disjuntos, cu_j;i__,i,i3_fg_ijii1;ii-iii,» Atualmente, convém acrescentar a critica marxista
i “, reciproca
,_,,_|W . . torna-se impossiv_el,., )1N l l filosofia e da ideologia politica, em primeiro lugar, a critica
i i , i’ fir \ Definimos suficientemente a “forma urbana” sob todos os das disciplinas redutoras, das ciéncias parcelares, espe-
l ‘i seus aspectos (inclusive sob seu aspecto pratico) para reioniar, institucionalizadas como tais. Somente essa critica
aconcretizando-a, a idéia de uma estratégia urbana.“ ’ destacar a contribuicao de cada uma delas a totalidade
l'ormacao. O acesso a totalidade, ja sabemos, passa por
l ‘ (K) i,
via, e nao pela soma ou justaposicao dos resultados “posi-
ll "'1 i _,,_U'?\'ifiL.2§.. ..\il‘T.l%‘i.i..?»J_\-~ $3F‘; .. it my
—->1 -‘Ki iJ3\i ill"-‘
‘ e irl W .2-<>e..irv‘/i ~ dessas ciéncias. Tomadas isoladamente, cada uma delas
perde na fiagiiieiitacao ou na confusao, no dogmatismo
__?i‘i i/\(,ip¢.,l cLr> li;i;ielo-
no niilismo.
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5],“. J‘ ,- -, ,.~__ i... .> ) \.fl \[¢>.,..4-kw» U ~
c""‘ ‘iiiilcl.-»
1
A relainrao dialética entre a forma urbana e o contefido é tal
1 l .. . \i ti) a existC*ncia dessa forma garante uma racionalidade do
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. , que ixidera, poitiiiito, ser anaiisado através de conceitos;
.<»,<~=>/-iisii it 1 .11 ‘> 1' l -< - l"ol‘iii:i, como tal, torna-se principio de um estudo ao nivel
lllll i-/Y ~>,l if‘ 31i\/li
elevado; e) o contefido depende de 1il1i1llSCS que lragnien-
esse contefido iii diverso: as ciencias parcelai'es. Dai a
dc uniii i:rltlca (e dc iinia iiiitocriilca) pei-pC~tua
eiénciiii-i, ein noiiie dii i'oi'iiiii iiicional (global).
1 F

A critica das ciéncias especializadas nao pode ocorrer sem reiniciada. Contudo, cada ciencia pode ser considerada como
critica das politicas especializadas, dos aparelhos e de suas parte interessada no conhecimento do fenomeno urbano, sob
ideologias. Cada grupo politico, e em especial cada aparelho, duas condicoes: proporcionar conceitos e um método especi-
se justifica através de uma ideologia que ele elabora e alimenta: " ficos, e renunciar ao imperialismo, exigéncia que implica uma
nacionalismo e patriotismo, economicismo ou racionalismo de _ critica e uma autocritica permanentes.
Estado, filosofismo, humanismo liberal (classico). O que, No que concerne a sociologia, incontestavelmente ela fornece
entre outros inconvenientes, resulta na ocultacao de alguns um cabedal de conceitos especificos. O de ideologia, entre
problemas essenciais: os da sociedade urbana e da mutacao outros, com suas implicacoes criticas -- com os de instituigdo
(transformacao ou revolucao, caso aconteca). Ao mesmo tempo e de anomia, tomados em todo o seu alcance. Essa lista nao
utilizadas e inadaptadas, essas ideologias provém do periodo 6 restritiva, e so a exemplaridade critica desses conceitos lhes
precedente, isto é, do racionalismo industrial, assim como confere a primeira posicao. Decidir, por exemplo, se certos
da divisao dos trabalhos intelectuais nesse quadro. Introdu- conceitos elaborados por G. Gurvitch — o de conduta efer-
zindo aqui (sem abusar) a nocao metodologica de nivel, de vescente, por exemplo, ou o de pluralidade dos tempos -
modo a distinguir o tatico do estratégico, pode-se formulai- podem ser mantidos e utilizados na analise do fenomeno
algumas proposicoes: l.irbano, concerne a uma discussao aprofundada. Pode-se pensar
1 - no nivel dos projetos e dos planos sempre existe alguma nisso. Em contrapartida, as nocoes ou representacoes da centra-
distancia entre a elaboracao e a execucao. Nesse trajeto intervéni lidade, do tecido e do espaco urbanos, nao parecem depender
a reivindicacao e a contestacao, confundidas com muita ire- apenas da sociologia. (Sem que esta observacao possa se
quéncia. Na contestacao manifestam-se as ideologias proprias voltar contra tais nocoes, ao contrario.) I
aos grupos e as classes que intervém, ai compreendida a ideo- No nivel teorico mais elevado, é preciso conceber a mutagao
logia ou as ideologias dos que contribuiram para a elaboragao (ou transformagao, ou revolucao) pela qual a sociedade dita
dos projetos, o urbanismo ideologico. A intervencao dos “contes- industrial se transforma em sociedade urbana. Mutacao que
tadores” introduz conflitos nas logicas sociais (na socio-logica, determina a problematica, isto é, o carater problematico do
que nao passa da ideo-logica). A possibilidade de contestagao real. Pode-se afirmar que os fenomenos ligados a industriali-
faz essas logicas aparecerem enquanto ideologias e perniili~ ilttqao em determinado quadro global (institucional, ideolo-
sua confrontacao, o que mensura o grau de democracia urbana. fllco) cederam lugar completamente aos fenomenos urbanos?
A passividade dos interessados, seu siléncio, sua pifiitli-iii‘la Lie a partir de agora estes subordinam aqueles? Certamente
reticente quanto ao que lhes concerne, dao a medida da aiisf-iii‘la nao. Nao confundamos a tendéncia com o realizado. A
de democracia urbana, isto é, de democracia concreta. lint atual situa—se na transipdo, e é nela que se pode
poucas palavras, a revolucao urbana e a democracia conci'i'tii Os fenomenos e implicacoes da indfistria
(desenvolvida) coincidem. So por essa via a pratica ii/'/mini, comecaram a declinar. Nesse nivel, constata-se que
a dos grupos e das classes, ou seja, sua maneira de viver, ll paises ditos “socialistas” foram os primeiros a transformar
morfologia da qual dispoem, pode confrontar-se coni a iili-ii lnstituigoes para responder as exigéncias da producao
logia urbanistica. Assim, a contestacfio se transl'oi'nia ein |'i'l- racionalidade modificada, planificacao, programacao.
vindicacao; c'iniinlio os paises ditos capitalistas os alcancaram até
2 - no nivel que se pode chamar de epistemologico, coli ii':i-av certo ponto. A problemz'itica urbana é mundial, mas a
a questao do saber, adquirido ou nao. Na pro|)leiii:'ilii'ii iisslilt de abord:'i-la depende da estrutura economica, social,
definida nao parece que um “corpo” de conlieciinenlos iltltlllli dos paises, assim como das superestruturas ideologicas.
ridos possa tentar se constituir. Até nova ordem, a pi'ol>li'tiiflllt‘R esta claro que os paises ditos socialistas exibam, em relagao
domina a cientificidade. l)ito dc outro modo, ii lilcoloi.iiil ct § tantas inlcliitlvas (inais oii menos bem siicedidas)
saber niisiui-am-se, e seu tlll~iCt3l'l1li’i1Ulil£) é uma tarelit as i.eiicei'n=iiics it indtisti'iiillziigao.
ll" ‘W LE1
O conhecimento do fenomeno urbano so pode se constituir “sujeito”; ela nao tem um dominio delimitado. Ela se utiliza
como ciéncia na e pela formacao consciente de uma prdxis tanto da economia e de analises economicas, quanto da socio-
urbana suplantando, com sua racionalidade propria, a praxis logia, da psicologia, da lingfiistica. Reciprocamente, ela nao
industrial atualmente realizada. E nesse processo complexo pode ser enquadrada em nenhuma dessas classificacoes. E
que a analise recorta “objetos”, ou constroi “modelos”, todos certo que ela nao abarca o conjunto da praxis da época indus-
provisorios, passiveis de revisao, de critica. O que supoe, trial, mas dela retém resultados essenciais. Essa época teve o
em primeiro lugar, a mencionada confrontacao entre a ideologia seguinte resultado: a constituicao de uma cotidianidade, lugar
urbanistica e a pratica urbana dos grupos e classes sociais; em social de uma exploracao refinada e de uma passividade cuida-
segundo lugar, a intervencao de forcas sociais e politicas; em dosamente controlada. A cotidianidade nao se instaura no seio
terceiro lugar, a liberacao das capacidades de invencao, sem do “urbano” como tal, mas na e pela segregacao generalizada:
excluir o utopismo que mais se aproxime do imaginario “puro”. a dos momentos da vida, como a das atividades. O proeedimento
critico comporta a critica dos objetos e sujeitos, dos setores e
Nao deixemos de salientar, mais uma vez, a inversao ou a
dominios. Mostrando como as pessoas vivem, a critica da vida
completa reviravolta das perspectivas habituais. Com efeito,
cotidiana instala o ato de acusacao contra as estratégias que
a possibilidade de uma estratégia vincula-se a essa inversao.
conduzem a tal resultado. A reflexao critica transgride os limites
Por outro lado, a fase em que tal inversao é produzida dificulia
as previsoes e projetos. Geralmente, representa-se a urbanizagaii
entre as ciéncias especializadas da realidade humana. Ela
esclarece as aplicacoes praticas dessas ciéncias. Ela indica a
como uma conseqtiéncia da industrializacao, fenomeno domi-
emergéncia e a urgéncia de uma pratica social nova, que nao
nante. A cidade ou a aglomeracao (megalopolis) entram, por
conseguinte, no exame do processo cle industrializacao, e o mais sera a da “sociedade industrial”, mas a da sociedade
espaco urbano entra no espaco do planejamento geral. Ulill~ urbana. A esse titulo, e nesse sentido, a critica da vida cotidiana
zando-se a terminologia marxista, considera-se o urbano e o (critica perpétua, as vezes autocritica espontanea, as vezes critica
formulada conceitualmente) retoma o essencial do estudo dito
processo de urbanizacao como simples superestruturas do modo
de producao (capitalista ou socialista). Pensa-se, muito leviana- “sociologico” dos paises industriais. Confrontando o real e o
mente, que nao ha interacao entre os fenomenos urbanos, as
possivel (que também é “realidade”) ela dai tira conclusoes,
relacoes de producao, as forcas produtivas. A inversfio da pers- sem por isso exigir um objeto ou um sujeito, um sistema ou
pectiva consiste justamente em considerar a industrialivagzio um dominio fixos. Nessa orientacao, pode-se até considerar
como uma etapa da urbanizacao, como um momento, um inter que a sociologia urbana receba um dia um estatuto definivel:
mediario, um instrumento. De maneira que no duplo 'pro<'i-sso tliravés da critica das necessidades e das funcionalidades, das
(industrializacao-urbanizacao) o segundo termo torna-se domi- estruturas, das ideologias e das praticas parciais e redutoras.
nante apos um periodo no qual o primeiro prevalecia. Nao NU A prfitica social a ser desenvolvida, a da sociedade urbana,
trata mais de um “pensamento da cidade” que se liiiiiliirlti flllo tem, salvo imprevistos, quase nenhuma relacao com o que
seja a “otimizar” a industrializacao e suas conseqi'iC*ncl:is, svlii liiutilmente se chama urbanismo.
a deplorar a alienacao na sociedade industrial (pelo indivlili|ii- O urbanismo, enquanto ideologia, dissimula estratégias. A
lismo atomizador ou pela superorganizagao), seja, enlliii, ii Eritlca do urbanismo tera esse duplo aspecto: critica das ideo-
aspirar pelo retorno a antiga comunidade citadina, iiiviizi oil logias lIl'l)1li1lS[lC2lS, critica das prfiticas urbanisticas (enquanto
medieval. Esses pretensos modelos nao passam dc vai'i:iiitt*i~i ilti parciais, redutoras, e estratégias de classe). Essa critica
ideologia urbanistica. o 1/mi sv/Jassci realmente na prfitica urbana: os esforcos
A critica da vida cotidiana alcanga, nessa perspectivii, lilli ou esclarecldos para por e resolver alguns problemas
papel que podera siii"preender. Ela nao pode ser ci)iisiilet‘tiél§ Sociedade ill‘l)(ll1ll. iila sulistitiii as estratégias dissimuladas
como um aspecto menor da sociologia. Nao ft uni ileleiiiiltillélfi loglciis dc classe (ii politica do espaco, o economicismo
“objeto” que ela estuda criilcaiiiente, tanipouco tic por uiiiii estratégia vliiciiliida ao conlieclmenio.

i-..;- —- - - A-
‘i

A reflexao sobre o fenomeno urbano, prolongando num piiblicos) e o discurso “contestador—contestado”. De qualquer
novo plano a filosofia e utilizando todas as ciénciasatravés modo, em nenhum caso e em parte alguma, o meio deve substituir
de uma critica radical, pode definir uma estratégia. Nessa o fim, nem o parcial deve substituir o global, tampouco a tatica
perspectiva, definem-se racionalmente o horizonte e o ponto
W que refine linhas aparentemente separadas.
a estratégia. A tatica desta ou daquela especialidade sera severa-
mente criticada a partir do momento em que se pretenda estra-
Essa estratégia apresenta-se duplamente, sem que a disjiincao tégia ao nivel global, isto é, imperialismo.
possa abolir uma unidade fundamental que advém do fato do A estratégia do conhecimento nao pode ficar isolada. Ela
conhecimento, momentaneamente centrado em torno de uma visa a pratica, ou seja, em primeiro lugar, uma confrontacao
problematica, tornar-se, precisamente por isso, politico na acepcao incessante com a experiéncia, e, em segundo lugar, visa a
ili
-4§:_~_;: forte desse termo — ciéncia da realidade politica (urbana). De constituicao de uma pratica global, coerente, a pratica da
lilil
ill
iii
il.‘i,
maneira relativa, a estratégia desdobra-se em estratégia do sociedade urbana (a pratica da apropriagdo, pelo ser humano,
l
iil, i
l
l conhecimento e estratégia politica, sem que exista separagao. do tempo e do espaco, modalidade superior da liberdade).
‘llll A ciéncia do fenomeno urbano deveria obedecer as exi- Entretanto, até nova ordem, a pratica social encontra-se
ii
;l ‘i
if‘
géncias pragmaticas, as injuncoes imediatas? Planificadores, submetida aos politicos. Eles apoderam-se dela atraves das
il i

l
l i programadores, usuarios’ pedem receitas. Para que? Para tornar instituicoes e dos aparelhos. Mais exatamente, os politicos
ill, as pessoas felizes. Para lhes ordenar que sejam felizes. Ciiriosa especializados, como todos os “especialistas”, barram o caminho
i
ii.
i‘.,
concepcao da felicidade. A ciéncia do fenomeno urbano nao a constituicao de uma racionalidade superior, a da democracia
ii
iili
pode satisfazer tais commandes [encomendasl sem arriscar-se urbana. Eles se movimentam no interior de marcos institu-
ili
a sancionar exigéncias de outras origens: da ideologia e do cionais e ideologicos, quando se trata, precisamente, de trans-
li
ill poder. Ela se constitui lentamente, utilizando tanto hipotesi.-s po-los. O que torna a situacao mais dificil. A estratégia do
teoricas e experiéncias praticas, quanto conceitos jfi verifi- conhecimento encontra-se diante de uma dupla obrigacao. Ela
cados. Ela nao pode dispensar a imaginacao, isto é, a utopia. nao pode desconsiderar as estratégias politicas. Ela precisa
Ela deve levar em conta, conforme vai avancando, as mfiliiplas conhece-las. Como poderia, entao, afastar do conhecimento
situacoes. Aqui, a demografia domina a realidade e, por conse» esses “objetos” e esses “sujeitos”, esses sistemas e esse dominio?
guinte, o conhecimento; o que nao implica o dominio do A sociologia politica e a analise institucional, a da adminis-
demografo, mas o autoriza a tomar a palavra por uni certo tracao e a da burocracia, tem, a esse respeito, muito a dizer.
lapso de tempo, sem que por isso tenha o direito e o ])()(li‘I' Entre as acoes estratégicas, cabem proposipoes aos politicos,
de determinar o futuro. Ali, é o economico, o que comporta ii l'lomens de Estado, tendéncias, partidos. Isso em nada signi-
intervencao do planificador, mas o expoe, em seguida, a ci'flli'it flea que o conhecimento critico possa confiar em tais politicos
radical, obviamente incomoda para ele, mas fitil. ii ii iliili'ii Iltpecializados e renunciar em favor deles. Ao contrario. Como
fecunda. Mais além, a sociologia e o sociologo téni algo ll ilpr<:sentar-llies projetos e programas sem renunciar a analise
dizer. Ademais, nao esta excluido que as pesquisas solirv it Critical de suas ideologias e realizacoes? Como persuadi-los ou
cidade e o fenomeno urbano nao permitam a coiisti'iii,‘:io tlP impeli-los, respondendo a suas pressoes através de pressoes
“modelos” ao nivel macrossociologico. Levadas a i'ecoiislilt't‘tit‘ gpostas? Certamente isso nao é fficil. No entanto, o abandono,
suas categorias e conceitos no curso desse processo (esli'iilc.i- coiiliecimento, de seu direito de critica sobre as decisoes
i l gicamente orientado), talvez a sociologia em geral, coino it lolire as iiistiliiig‘oes ser-llie-ia fatal. Um processo dificilmente
l i

.i,
sociologia urbana, possam se constituir em C()l1llCCllii(‘iilUl poo-so em curso apos cada renfincia. 171 a deinocracia
.ii‘ cientificos. Em torno da problemfitica, em l'iiiig,‘ao da l'liialltlt-ltJ8i rcnuiicla e nao apenas a cléncia ou as instiiuiggoes cieiitll’iciis.
il
ii
Nos marcos da indfistria, essas disciplinas so eram i.'a|itiZGI A estiiiléglii comporta uni arilgo esseiieial: o eniprcgo i’>iinio
J ll
li de oscilar entre o papel do sei'vii,'ais de liiteresses (privada! das téciilciis (diz: todos us iiicios téciiicos) nu solugao
"w Vi . ‘H

das questoes urbanas, a servigo da vida cotidiana, na sociedade A elaboragao da estratégia urbana so pode ser efetuada
urbana. O que abre a possibilidade de transformar a vida conforme as regras gerais, conhecidas desde Marx, da analise
cotidiana tal como a conhecemos. E isso por um uso racional das politica. Essa analise refere-se as condigoes e as conjunturas,
maquinas e técnicas (que nao exclui, mas inclui, a transformagao i tanto quanto aos elementos estruturais da situagao. Como e
das relagoes sociais). A assimilacao das iniciativas (de cada _ quando é preciso dissociar os objetivos especificamente urbanos
iniciativa) na ordem de coisas existente, por este out aquele . dos objetivos ligados a produgao industrial, a planificacao, it dis-
1 “sistema”, nao impede tais proposicoes de abrir e assinalar uma tribuigao dos rendimentos (da mais-valia), ou seja, as questoes
l
via. De um conjunto de experiéncias contemporaneas, pode-se
de salarios, as da organizacao da empresa e do trabalho? O
observar que as previsoes economicas e os poderes estatistas
erro e a falta mais graves consistiriam numa dissociagao prema-
l raramente vislumbram a utilizacao étima dos recursos, da técnica
l tura dos objetivos. Com efeito, revolucao industrial e revolugao
e dos meios fornecidos pelas ciéncias. Eles so os empregam
urbana sao duas partes, dois aspectos de uma transformagao
quando incitados e obrigados pela opiniao, pela urgéncia, pela
radical do mundo. Sao dois elementos (unidos dialeticamente)
contestagao (desde que ela possa se exercer). Por qué? Por
de um mesmo processo, de uma so idéia, a da Revolugao
motivos orcamentarios e financeiros, ou seja, “econémicos”. Esses
mundial. Se é verdade que o segundo aspecto cresce em impor-
motivos escondem razoes mais profundas. Os poderes tém sua
estratégia, os aparelhos tém seus interesses, que muito freqi'1en- tancia até deixar de se subordinar ao primeiro, isso em nada
temente relegam ao segundo plano essas questoes essenciais. significa que o primeiro deixe, bruscamente, de ter importancia
e realidade. A analise politica da situacao nao se refere ao “real”
O recurso a filosofia em nada implica a nostalgia do passado.
na acepgao trivial, a mais freqfiente, desse termo. Refere-se a
Ao contrario. Aqui, toma sentido e alcance a distincao entre
relagao dialética destes trés termos: o real, o possivel, o impos-
pensamento filosofico e metafilosofia. A metafilosofia é o novo
sivel, de maneira a tornar possivel o que parecia impossivel. A
contexto no qual as teorias e conceitos, unidades significantes
analise que se aproxima do “real” aceita o oportunismo politico.
destacadas de seu contexto filosofico, tomam um outro sentido.
A analise que dele se afasta e vai muito longe, em diregao ao
‘ 1 Para perceber a “problematica” atual — isto é, a 21IUZlll<.l1l(|t'
lmpossivel (em direcao ao utopico no sentido banal do termo),
como problematica —- em toda a sua amplitude, e para abrir o
1
horizonte, pode-se recorrer it reflexao filoséfica, especificzmdu
tlcvota-se ao fracasso.
que, assim, passa-se da filosofia classica a metafilosofia. E fato reconhecido que a America encontra-se envolvida
A totalidade? Dialeticamente falando, ela esta pijescnilc, ml guerrilha urbana. O avango tecnologico da América do
aqui e agora. E nao esta. Em todo ato humano, e talvez clcstlv Norte e sua influéncia sobre a America Latina (ai compreen-
a natureza vivente, existem todos os momentos: [l‘2l|)1lll1(> <- dido 0 México) conferem a esse continente uma espécie de
jogo, conhecimento e repouso, esforgo e fruigao, alcgriu 0 privilégio, do ponto de vista que nos preocupa. Assim como Marx
dor. Mas esses momentos exigem uma “objetivag€1o” na 1'calit|:uIt- l7$lS(.‘£lV1l suas anfilises na Inglaterra e no capitalismo inglés,
e na sociedade; assim como aguardam uma forinalizacflo qua" rm fled unftliscs politicas da transformagao urbana baseiam-se no
elucide e os proponha. Préxima nesse sentido, 11 l()l:lli(|:|£lt‘ éfllutlo clctalhado da America do Norte e do Sul. A guerrilha
esta, portanto, igualmente distante: imediaticiduclc vivldn 1' Llrlmnzl nao possui as mesmas caracteristicas nos Estados
horizonte. A sociedade urbana transcende a oposig:“1<>, cznvmlu Unldos c na America Latina. Nos Estados Unidos, os negros,
pela ideologia da época industrial, entre a nature’/.21 0 :\ c'u|lu|'z|. Em‘cr|':\dt>s cm guctos urbanos por uma scgregacflo social mais
l
Ela poe fim ao que torna impossfuel 11 totalicludc: cis<‘>c.-1' dull que :1 i|1lcg1':1<,;flc> legal, tcntam aqocs dcscspcradzls.
nitivas, separagoes absolutas, scg1'cga<;6es pr<>g|':|1n:\t|:\s. Nu cnlru ()5 lwgros, ou cnlru os jovcns, rccuszlm qualquer
entanto, ela apenas aprcscnta uma ula, c nao um motlclu dc‘ .u |ml|'tic<> c C()l1Sl(lC|‘illl1 uma l|':|iqi1<> :1 busca do um
totalidade, como propunha :1 vclhn l’ilo.~;ol'I:\, inns nilo u pt*|\ml- p1'ugr:|nm. lilus qucrcm (|L‘H£'l1CilLlL‘ill‘ :1 vlolC\m'i:| um uslzndo
mento mctal’ilos6l’ico que opoc, u qualquer modelo, u Lila. Au que parece, mm 11:1, até uqul, nenhuma l'ul:|<,,'flo
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l
concertada entre os atos violentos e a crise urbana na qual a suas relagoes com o campo que é preciso examinar. O conceito
ii sociedade americana se afunda. Essa sociedade nao conheceu de desenvolvimento desigual é aqui retomado para analises que
l
crise fundamental durante o periodo industrial. Ela tentou, c nao coincidem com as de Lénin, mas as prolongam. As enormes
ainda tenta, organizar-se segundo a racionalidade empre- massas camponesas, sua pressao latente ou violenta, as ques-
sarial, conservando formas (ideologicas, politicas, urbanas) toes da reforma agraria e da industrializacao, ainda ocultam
anteriores ao crescimento industrial. Num tal contexto global, a problematica urbana. Essa situagao explica, em parte, a teoria
as relacoes entre as autoridades locais, o Estado federal e os segundo a qual a “cidade mundial”, incapaz de agoes transfor-
estados, tornam-se cada vez mais inextricaveis. A grande cidade madoras, sera tomada de assalto pelo “campo mundial”.
(da qual Nova Iorque é exemplar) torna-se incontrolavel, No que concerne aos paises ditos socialistas, trés hipoteses
ingovernavel, emaranhado de problemas cada vez mais difi- podem ser formuladas. Em primeiro lugar: a problematica
ceis de resolver. E evidente que a estratégia deve procurar urbana, sufocada pela ideologia do produtivismo industrial,
unificar as forgas “negativas” da revolta contra a sociedade sequer aflora a consciencia; um urbanismo oficial, pouco dife-
repressiva com as forcas sociais capazes de resolver “positi- rente do urbanismo capitalista (exceto no fato de acentuar
i
vamente” os problemas da megalopolis. Tarefa dificil. O fato menos incisivamente a centralidade das trocas e dispor mais
dessa sociedade entrar num periodo de revolugao urbana nao livremente do solo, portanto, mais amplamente dos “espacos
quer dizer que a problematica urbana possa se resolver facil- verdes”, grau zero da realidade urbana), continua sendo consi-
mente. Isso quer dizer, simplesmente, que se a sociedade alta-1 derado uma solucao que realiza, no terreno, a sociedade socia-
mente industrializada nao responde :21 problematica urbana lista. Segunda possibilidade: a pressao da realidade urbana esti-
por uma transformacao capaz de resolve-la, mergulha num lhaca a ideologia do socialismo produtivista; ela esclarece o
caos acobertado por uma ideologia da ordem e da satisfaggau. absurdo de uma filosofia de Estado segundo a qual a producao
Todavia, as dificuldades das analises teoricas e da descoberta e o trabalho produtivo tem em si um sentido e uma finalidade,
das solugoes nao devem desencorajar nem 0 pensamento, nem que nao mais residem no lucro; ela eleva a consciéncia a critica
a agao. O mesmo ocorreu no inicio do século XX em relagao
em ato desse socialismo de Estado, assim como da fusao entre
a problematica industrial. A segunda metade do século podi-
a “sociedade civil” e a “sociedade politica” em favor desta. De
duvidar da palavra de ordem otimista de Marx, segundo :1
modo que a sociedade urbana reconstitui a sociedade civil e
qual a humanidade so coloca os problemas que pode resolvt-1'.
1l leva at reabsorgao da sociedade politica na sociedade civil (o
Ainda é muito cedo para abandonar deliberadamentc CSHH
dcperecimento do Estado, segundo Marx). Terceira hipotese
concepcao. O otimismo tem isto de bom: ele é tenaz.
estratégica: os orgaos legais e as instituigoes sensibilizam-se com
Na América do Sul, a guerrilha urbana desencadeia-sc nas :1 problemfltica urbana; a transformagao tem lugar gradualmente,
favelas, exutorios dos campos, intermediarios entre os campo pela via legal.
neses despossuidos e o trabalho industrial. E provavcl que
Nao nos cabe escolher entre tais estratégias. Faltam-nos ele-
Che Guevara tenha cometido um erro. Sua tentativa dc crlzu‘
mentos dc apreciagfio. Apenas os que correm riscos e assumem
focos de guerrilha camponesa chegou muito tarde. Algllim
anos antes, em Cuba, ainda havia possibilidades dc Oxllu. |'csponsahilidades tem o direito de optar. Aqui, basta discernir
Na América do Sul, os campos esvaziam-se; os mclhorcs, ciilrv ll:-1 possibilidades, mostrar a via, distinguir as estratégias.
os camponeses, emigram em massa para os arrci.|o|'cs dam N0 que concerne it l*‘ran§;a, é possivel que chegue o mo-
cidades ja colossais. Nao obstante, os objctivos politicos (lil mento um que os objctivos urbanos so dissocicm (sem por
guerrilha urbana nao parecem hum definidos (.\'alv<> nuvsm limo so sc|>a|'ar) dos ulvjclivos cspccilicamcntc industriais. O
informacoes) nestc inicio do ano dc 1970. que comporlzirla seja a consllluigzlo dc um parlido polilico
A Asia saiu da esfera (la u':1i1sl'o|'|n:1gfl<> agrarla v lmlt|.~ll|'lul? novo, nela n cinpcnlio para su.~u.rll:u' 0 ll\lL‘l'CSh'L‘ ale lal pariidn
l pura Ll jmllflzagzdo das qt|catt‘>c.~i url>:ma.~i. A “crise
|
l
Nao l)1lSl:\ a cxlsléncla dc grannies clclzlclcs. F. 0 c'on]unl‘(i tlfl

154
ela esqum-tin" nao se expllcarla, entre outras causas e razéea, grupos, representando interesses clltos prlvacles, eram enpazes
por sua li’lCfl\7€lCl£l%l£lC3 em nnalhmr essa:-1 questoes, por Hun ele ntltuclcs tllvcremn, rnas ratio dc uma aqno politica potlerosa.
maneira cstrcita dc: as colocar? O problema u rbano deixou dc: Au ludu dc p1'olct<>a técnlcos, lccnlcamcntc coiitcstfivcis, apare-
ser um problema municipal para tornar-se naclonal c muntllal. CC-‘l'lll11 altitudes claras c nitldas: as pessoas no poder qucriam
A reducfio do urbano a moradia e aos equipamcntos l'a'/. parte lrmtalar no meio dc Paris um colossal ministério das Finanggas,
das estreitezas da vida politica, que sc tornou sufocantc, lanlu plvo do centro “dc<:isional"; as da oposicfio dita comunista
a direita como a esquerda. Um vasto programa urbano, que descjavam construir habitagoes baratas. Duas mediocridades,
seria também um projeto de transformaggfio da cotidianidzulc, uma na frente da outra: uma burocrfitica, outra eleitoral.
que nao teria mais nenhuma relagao nem com o urbanismo A estratégia do conhecimento implica:
repressivo e banal, nem com o planejamento cocrcitivo do a) a critica radical disso que se chama urbanismo, de sua
territorio, tal é a primeira verdadepolitica a infundir no que ambigtiidade, de suas contradicoes, de suas variantes, do que
resta da “esquerda” francesa para renova-la. revelam e do que ocultam;
A questao de les Halles serviria de exemplo? Em caso al’irma~ b) a elaboracao de uma ciéncia do fenomeno urbano, par-
tivo, tristemente. Em verdade, a sorte do centro parisiensu la tindo de sua forma e de seus contefidos (visando a convergéncia,
foi decidida ha mais de um século: o urbanismo de Haussmann tendendo a unidade desses dois caminhos).
e o fracasso da Comuna escreveram tal destino. Esse centro, A estratégia politica implica;
nos arredores de les Halles, ainda exibia uma surpreendcnlc
auséncia de segregacao. Todas as categorias da populagau a) a introducao da problematica urbana na vida politica
estavam representadas (nas proximidades das médias nacio- (francesa), colocando-a no primeiro plano;
nais: artesaos, comerciantes, operarios, profissionais liberais). b) a elaboragao de um programa cujo primeiro artigo sera
O que, estranhamente, ja contrastava com a segregagao legivcl a autogestiio generalizada. Com efeito, a autogestao introduzida,
no gueto vizinho (rue des Rosiers e imediacoes). No entanto, nao sem dificuldades, na industria pode “induzir” a autogestao
0 artesanato e as pequenas empresas desapareciam. O retornu urbana. Mas esta pode adiantar-se e induzir, por seu turno, a
ao centro de uma classe abastada, enjoada dos suburbios como pratica da autogestao na indfistria. Assim como na indfistria,
dos bairros tradicionais da burguesia, cruamente falando o a autogestao da vida urbana nao se basta. Tomada a parte,
aburguesamento “elitista” de um centro urbano apartado da no que concerne a cada unidade isolada, esta fadada ao fra-
produgao, seguia seu curso desde alguns anos. So l1abitam<.-s casso. Os problemas da autogestao urbana vinculam-se aos
novos, com rendimentos advindos de profissoes liberais (cinema, da autogestao industrial, ultrapassando-os. Trata-se, também,
teatro, costura, oficios artisticos), tinham condicoes de “moder- do mercado, do controle dos investimentos, ou seja, de um
nizar” as casas de tais bairros outrora tomados de assalto pcla programa geral;
burguesia e depois abandonados por ela (o Mamis). Uma c) a introducao, no sistema contratual, ampliado, transfor-
grande parcela dessa populacao, misturada de tal maneira mado, concretizado, do “direito it cidade” (isto é, do direito a
que torna esses bairros tao “vivos” quanto “pitorescos”, vivia nao ser excluido da centralidade e de seu movimento).
em pardieiros. O que aconteceu entao? Os comités de acao
contra as operacoes de especulacao, contra a asfixia do centro
de Paris, contra a deportacao dos habitantes mais pobres,
tiveram como animadores e membros politicamente ativos
apenas pessoas que nao se encontravam ameagadas, na sua
existéncia, pelas operacoes em curso. E os que se encon-
travam ameacados? O que esperavam? Uma moradia melhor, um
trabalho melhor, ou simplesmente um trabalho. Os outros

157
156
-qr;

CAPlTULOV|ll

A iiusio URBANlSiICA
Agora podemos definir de maneira objetiua o urbanismo
que, oficialmente, se define como sendo a atividade que “traga
a ordenagao dos estabelecimentos humanos no territorio com
tracos de pedra, de cimento ou de metal”. Durante o nosso per-
curso, adquirimos os elementos conceituais que permitem
a critica radical (no plano teorico) dessa atividade que pre-
tende dominar e submeter a sua ordem o processo de urbani-
zacao, assim como a pratica urbana. Ela nao aparece para
nos exatamente como aparece para si propria: ao mesmo tempo
arte e ciéncia, técnica e conhecimento. E esse carater unitairio
que encerra, precisamente, a ilusao. De fato, o urbanismo,
visto de perto, dissocia-se. Existem diversos urbanismos, o
dos humanistas, o dos promotores imobiliarios, o do Estado
e dos tecnocratas. Os primeiros propoem utopias abstratas;
os segundos vendem urbanismo, ou seja, felicidade, “estilo
dc vida”, “status”; quanto aos ultimos, sua atividade, assim
Como a do Estado, dissocia-se em vontade e representacao,
cm instituicoes e ideologias. As pressoes simultaneamente
exercidas pelos dois aspectos do urbanismo estatista em nada
lhe conferem o carater unitario e a organizagao coerente que ele
proprio se atribui. Poder-se-a objetar: “sem os urbanistas seria
0 caos”. Ora, exatamente, é o caos, sob uma ordem imposta.
D pensamento urbanistico, na auséncia de um método apro-
(dialético), nao pode dominar 0 duplo processo, alta-
complexo e conflitual: industrializagao-urbanizagao.
pode-so considerar a seu favor o fato dos urbanistas
“, dc longe, as urgéncias e os problemas das novas
cspa<,;o, tempo, lugares e “elementos” naturais.
A llu:-mo urbanistlca rim) sc separa dc outras ilusoes, que
dcnunclar da mesma maneira, na mesma estratégia do
;o. Else termo, “llusslo”, nada tem dc dcprcciativo.
Fl

Nao se trata de uma injuria visando as pessoas, empregando totalidade nova. Ele se considera filosofia moderna da Cite,
uma argumentacao ad /oominem e buscando atingir este ou justificada pelo humanismo (liberal), justificando uma utopia
aquele. Se alguém toma a questao nesse sentido, é porque (tecnocratica).
sua consciéncia culpada o atormenta. Entao, quem escapa do
Nem a boa vontade, nem as boas intengoes ideologicas
toda ilusao? Quanto as ilusoes as mais tenazes, as mais eficazes,
sao desculpas, ao contrario. A boa consciéncia e la belle oime
as ilusoes ole classe, provém de mais longe e mais alto que os
agravam a situacao. Como definir o vazio fundamental do
erros intelectuais e individuais. Seus trajetos passam acima
urbanismo, privado ou publico, nascido no intelecto de uns
das cabegas, em que pese o fato de emergirem e aterrissarcm
ou secretado pelos gabinetes onde os outros estao instalados?
ao nivel delas!
Pelo fato do urbanismo pretender substituir e suplantar a proitica
A ilusdo filosofica consiste em que o filosofo acredita urbana. Ele nao a estuda. Para o urbanista, essa pratica é,
encerrar o mundo inteiro num sistema, o seu. Ele imagina precisamente, um campo cego. Ele vive nele, nele se encontra,
que seu sistema prevalece sobre os precedentes por nada mas nao o vé, e menos ainda o compreende como tal. Ele
deixar escapar e alcancar um encerramento mais hermético. substitui, tranquilamente, a prrixis por suas representagoes
Ora, sempre ha mais no mundo que numa filosofia. A ativi~ do espaco, da vida social, dos grupos e de suas relacoes. Ele
dade filosofica nao foi apenas respeitavel. Ela pode, duranlc nao sabe de onde tais representagoes provem, nem o que
longo tempo, rivalizar com a arte pelo carater incomparavcl elas implicam, ou seja, as logicas e as estratégias a que servem.
da obra: unica, infinitamente preciosa, insubstituivel. Nao st- Se sabe, isso é imperdoavel, e sua cobertura ideologica se
trata também de uma ilusao o fato de se continuar indefini- rompe, deixando aparecer uma estranha nudez.
damente a construir sistemas, sempre desacreditados, sempru
Aos planificadores, aos planejadores, no capitalismo de
melhorados? A partir do momento em que a idéia de uma
organizacao a atividade produiiva @5999?‘ quase ¢0mP1ela'
perfectibilidade indefinida da sistematizacao entra em conllilu
mente Os técnicos e tecnocratas sao convidados a dar sua
com a idéia de perfeigdo imomente ao sistema como /al, a
opiniao; sao escutados polidamente (nem sempre). Mas-eles
ilusao filosofica entra na consciéncia.
Mo decidem Apesar de seus esforcos, nao chegam a sair do
I» »

Quanto a iluséio estatista, consiste num projeto colossal v estatuto que lhes é atribuido, o de um grupo de pressao Ou
irrisorio. O Estado saberia e poderia gerir os assuntos dr- dc uma casta, para se erigirem em classe. O mesmo ocorre
varias dezenas de milhoes de sujeitos. Ele erigir-se-ia lanln nos paises ditos socialistas. Para esses tecnocratas, o espago
como diretor de consciencia, quanto como administrador supr-
como tal parece o lugar de suas futuras proezas, o terreno de
rior. Providencial, deus personificado, o Estado tornar~su-ia (I
was vitorias, se se pode falar assim. O espaco esta dispo-
centro das coisas e das consciéncias terrestres. Sobre tal ilusan,
nivel Por que? Porque ele esta, ou parece, quase V?lZi°- A5
poder-se-ia dizer que ela se esboroa assim que é formuladsl.
l empresas, as unidades produtivas, dispersam-se no espago
Nao é o que acontece. Essa ilusao parece inerente aos p|'oivl<m
nem 0 preencher. Tampouco o preenchem as redes estabele-
*1 e as ambicoes dos que se pretendem e se dizcm homens (In
-Cldas. Esse espaco livre concerne, portanto, ao pensamento,
Estado, prepostos grandes ou pequenos, dirigentes po|ili<'<m.
B, tugao. O pensamento dos tecnocratas oscila entre a repre-
A propria idéia do Estado implica tal projeto, conl'cssado mu
lle11l':1<,‘ao dc um espaco vazio, quase geométrico, tao-somente
segredo. A partir do momento em que o projeto fica dvs:|<"|'v»
ocupado pelos conceitos, pelas logicas e estrategias no nivel
ditado, quando o pensamento e/ou a vontade 0 al>amlun:||n,
i't1Cl<>nal mais elevado, c a rcprcsentagflo de Liinespaco final-
o Estado comega a depereccr.
mente pleno, ocupado pelos resultados dessas logicas e estu-
A ilusao urbanistica vincula-se cstrcitamcntc as duas lltmocn lilcs nao purcubcin, cm primeiro lugar, quc todo cspago
precedentes. Como a |'ilos<>I'ia (‘l;l.‘~ih‘lL‘:l, o urhanlsinu t'nnNl= I 19111111110, c, cm seguida, qua: esse produto nao resulta do
dcra-sc sistema. Ele prult.-nclc alt>1'ag‘m', Il|):ll‘t‘:l|', po.~i:4ul|' unm euncellustl, 0 qual nao é, imediatamente, lor<,;a
_i_\ I “T

'll'_—i_—_j_
global e total do espago social. Essa extensao enorme da
produtiva. O espaco, considerado como produto, resulta das
atividade produtiva realiza-se em fungao dos interesses dos
relacoes de producao a cargo de um grupo atuante. Os urba-
que a inventam, dos que a gerem, dos que dela se beneficiam
nistas parecem ignorar ou desconhecer que eles proprios
(largamente). O capitalismo parece esgotar-se. Ele encontrou
figuram nas relacoes de produgao, que cumprem ordens. Exe-
um novo alento na conquista do espaco, em termos triviais,
cutam quando acreditam comandar o espago. Obedecem a
na especulagao imobillaria, nas grandes obras (dentro e fora
lli
uma commande lencomendal social que nao concerne a este
das cidades), na compra e na venda do espaco. E isso a escala
'il
,,
Ii‘ ou aquele objeto, nem a este ou aquele produto (mercadoria),
ll
‘l mundial. Esse é o caminho (imprevisto) da socializacao das
mas a um objeto global, esse produto supremo, esse ultimo
‘l
forcas produtivas, da propria producao do espaco. E preciso
MN
objeto de troca: o espaco. O desenvolvimento do mundo da
lii, mercadoria alcanca o continente dos objetos. Esse mundo nao acrescentar que 0 capitalismo, visando a sua propria sobre-
., ,
il l vivéncia, tomou a iniciativa nesse dominio? A estratégia vai
se limita mais aos conteudos, aos objetos no espaco. Ultima-
il
mente, 0 proprio espaco é comprado e vendido. Nao se trata muito mais longe que a simples venda, pedago por pedaco,
lg l mais da terra, do solo, mas do espago social como tal, produ- do espaco. Ela nao so faz o espaco entrar na producao da
zido como tal, ou seja, com esse objetivo, com essa finali- mais-valia, ela visa uma reorganizacao completa da produgao
l
(X dade (como se diz). O espago nao é mais simplesmente o subordinada aos centros de informacao e de decisao.
l O urbanismo encobre essa gigantesca operagao. Ele dissi-
meio indiferente, a soma dos lugares onde a mais-valia so
forma, se realiza e se distribui. Ele se torna produto do trabalho mula seus tracos fundamentais, seu sentido e finalidade. Ele
social, isto é, objeto muito geral da produgao, e, por consc- oculta, sob uma aparéncia positiva, humanista, tecnologica,
guinte, da formacao da mais-valia. E assim, e por esse caminho, 21 estratégia capitalista; o dominio do espago, a luta contra a
que a producao torna-se social nos proprios marcos do neoc:|- queda tendencial do lucro médio etc. A
pitalismo. Caminho imprevisto e imprevisivel ha algumas Essa estratégia oprime o “usuario”, o “participante”, o simples
dezenas de anos, quando se vislumbrava a produgao c (1 '“habitante”. Ele é reduzido nao apenas a fungao do habitar
It
ll
all
carater social da produgao somente a partir das empresas v (£10 habitat como funcao), mas a funcao de comprador de espaco,
do trabalho produtivo nas empresas. Atualmente, o caralt-r tealizando a mais-valia. O espago torna-se o lugar de funcoes
social (global) do trabalho produtivo, isto é, das forgas produ- das quais a mais importante e velada é esta: formar, realizar,
tivas, transparece na producao social do espaco. Ha pouctm cllstribuir, de uma nova maneira, o sobreproduto da sociedade
i
i.ll l anos nao se podia imaginar outra “produc'Z1o” quegnao lbs.-iv lntcira (isto é, no modo de producao capitalista, a mais-valia
ill
a de um objeto, localizado, aqui ou ali, no espaco: um objclu global).
usual, uma maquina, um livro, um quadro. I-Ioje, 0 cspacu
A ideologia urbanistica exagera a importancia das acoes
inteiro entra na produgao como produto através da compra,
tllttls “concertadas” que ela consente. Ela da a impressao, aos
da venda, da troca de parcelas do espaco. Ha poucos anos u
l
l espago localizavel e demarcavel, o solo, ainda pertcncia a cant que utilizam tais representagoes, de manipular as coisas, assim
‘PE’:iii‘ > as pessoas, com um sentido inovador e favoravel. Com
Li entidade sagrada: a terra. Pertencia a este personagcm maldltu,
logo sagrado, o p1"0prietari0(nfto dos meios dc produgflo, lllllli Uma grande ingcnuidade, dissimulada ou nao, muitos créem
i‘l l 4&6/rllrc criar. O qué? Vida social, relacocs sociais (humanas).
l da Casa), sobrevivéncia dos tempos feudais. Atualmcntc, t‘.'4Hl\
ponto, a ilusao urbanistica dcspcrta a mitologia, um
it‘ ideologia e a pratica a ela correspondentc csboroam-so. Algn
de novo aparece. sonolcnta, do Arquitcto. Na nova ideologia os velhos
ix i
l
A producfto do espaco, em si, nao é nova. Os grupos dumb
acordam~sc, sc sustunlam. lim dccorrC*ncia, uma séric
¢Xc|'csc0m'las, as vczcs canccrosas, sao inscridas nas
nantes sempre produziram este ou aquclc cspa<,'0 parllctlltll‘,
rcals, na prmlca c<mcrcla (:1 dos usu.’trios prcsos
o das cidades antigas, o dos campos (ai lncluicla.-t as pulmtgeflQ
an uulur du uso).
que cm scguida parecem "l’\i\lLll‘SllS")- O novo é ti
A ideologia e sua aplicacao (pelas instituicoes correspon- uma estratégia de classe (uma logica particular). Pode-se
dentes) pesam sobre a pratica real. O uso (0 valor de uso), perguntar se, nesse dominio, a “tecnoestrutura” é tao eficaz
posto de lado pelo desenvolvimento do valor de troca (do (a servico das relacoes de producao existentes, de sua manu-
mundo da mercadoria, com sua logica e sua linguagem, com tengao e sobrevivéncia, de sua extensao e organizacao) quanto
seu sistema de signos e significacoes aderido a cada objeto) na empresa? Somos tentados a responder que, precisamente
ainda se vé oprimido pelas representagoes urbanisticas, pelas nesse setor, a tecnoestruiara e o “poder compensador” vis-a-vis
incitacoes e motivacoes que lhes sao fornecidas abundante- as grandes poténcias economicas e politicas (Galbraith) atingem
mente. Sua pratica desaparece; ele cai no siléncio e na passi- a eficacia “otima”. Como? Permitindo a logica e a estratégia
vidade. Um paradoxo surpreendente é pressentido aqui: a esquivarem-se aos olhares: a estratégia aparecer como logica,
passividade dos interessados. Isso tem razoes multiplas. Dessas isto é, necessaria.
causas e razoes, apreendemos uma (que nao é a menor): a Tal como é, isto é, funcional (de maneira inconfessada e
ideologia arbanfstica como reaatora da pratica (do habitar, da talvez inconfessavel) nos quadros existentes, o urbanismo
realidade urbana). Como toda ideologia, ela nao se contenta nao consegue, entretanto, sair de uma crise permanente ja
em reduzir. Ela extrapola e conclui, sistematicamente, como descrita e estigmatizada; ele nao chega a encontrar um estatuto,
se detivesse e mantivesse todos os elementos da questao, nem o urbanista chega a definir seu papel. O urbanismo se vé
como se resolvesse a problematica urbana numa e por uma atenazado entre os interesses particulares e os interesses
teoria total, imediatamente aplicavel. politicos, entre os que decidem em nome do “privado” e os
A extrapolacao ultrapassa os limites quando tende para que decidem em nome das instancias superiores e dos poderes.
uma espécie de ideologia médica. O urbanista as vezes pensa Ele vive comprometido entre o neoliberalismo (que admite a
que trata e cura uma sociedade doente, um espago pato|<"r programagao e as agoes ditas “voluntarias” ou “concertadas”)
gico. Para ele, existem doengas do espaco, primeiro concebido e o neodirigismo (que concede um campo de acao a “livre
abstratamente como um vazio disponivel, depois fragmentado empresa”). O urbanista se insinua entre ambos, na fissura
em conteudos parciais. Ele acaba por tornar-se um sr/_/'0//o. entre promotores imobiliarios e poderes, quando ha fissura.
Ele sofre, padece. E preciso ocupar-se dele para lhe restilulr A melhor conjuntura para ele é o conflito (inconsciente) entre
a saude (moral). Ao final da ilusao urbanistica, ha um delirio. as representacoes e as vontades, ai compreendidos os conflitos
O espaco e o pensamento do espaco arrastam 0 pensador existentes entre os homens do Estado. De um lado, a realidade
para um caminho fatal. Ele se torna esquizofrénico e imagina urbana e sua problematica fragmentam-se indefinidamente,
uma doenga mental —— uma esquizofrenia da sociedade - na teoria e na pratica, em representacoes esparsas (o “meio”
sobre a qual projeta seu proprio mal, o mal do espago, a e o “ambiente”, os “equipamentos”), em competéncias (os
vertigem mental. escritorios de estudo, os departamentos oficiais, as instituicoes
cm todos os niveis). O urbanismo e o urbanista so podem
Examinando agora as proposigoes urbanisticas, conslalznmm
aceitar essa fragmentacao; eles a reforcam. Quando atuam, é
que elas nao vao longe. Limitam-se ao esquadrinhamenui do
porque em algum lugar um “departamento” lhes pertence. Ao
espaco. Ignorando 0 que se passa na sua propria caln-(‘at v
mesmo tempo, o urbanismo se considera doutrina. Ele tende
nos seus conceitos operacionais, desconhecendo em ussiawltt
para a unidade: teoria, logica, estratégia. Mas quando uma
o que se passa (e o que nao se passa) no seu campo cvain,
fungao unitaria se manifesta e se torna eficaz, nao é a sua. E
ocorre aos tecnocratas organizar minuciosamente o us/ulg‘u
a eslr':\l('gi:| do lucro, ou a logica do espaco industrial, ou a
repressivo. Sem abandonar sua consciéncia tranqiiila. lilea nflu
das trocas e do “mundo da mercadoria”...
sabem que 0 espaco encerra uma ideologia (mais exatalnvlilé
uma ideo-logica). Eles ignoram, ou fingem ignorar, que o t|t‘l1t\' linquanlo repi"esentagao, o urbanismo nao passa de uma
nismo, objetivo na aparéncia (porque estatista, nutrldo (JG lclcologla que HL‘ considera e se proclama “arte”, “técnica”,
competC:ncias e de saber), 6 um urharmmio dc clam: <2 "cléncla", conforme on casos c as conlunluraa. ltssa ideologia
acredita ser e se praelnrna clam; ein encerra 0 cllsslmulacls, ca intltistrla decresee, aumenta a parte ela mais-valia Formacla e
nao dito: 0 que ela cricohre, o que contém, enquanto vontade realizada mt €!iipv€\llli§‘B€) e pela coast:-u;‘ao linobiilarla. O
tendendo para a elicacia. O urbanismo implica um duplo fell- scgtimlo clrcuito suplanta o principal. De eontlngente, torna-se
Cl1lSlT10. Em primeiro lugar, o fetichismo da sails/kigrdo. Os inle- essencial. Mas essa é uma situar,rao pernlclosa, como dizem
ressados? E preciso satisfazé-los, portanto conhecer as suas os economlstas. Esse papel do imobiliario nos diferentes paises
necessidades e responder a elas, tais como sao. As vezes 6 (sobretudo na Espanha, na Grécia etc.) ainda é mal conhecido
preciso permitir-lhes adaptarem-se modificando suas neces- e mal situado nos mecanismos gerais da economia capitalista.
sidades. Hipotese implicita: pode-se conhecer tais necessidades, E problematico. Nao é assim que atua o “poder compensador”
quer porque os interessados as declaram, quer porque os antes mencionado? Ora, o urbanismo como ideologia e instituicao
especialistas as estudam. Podemos classifica-las. Para cada (como representacao e vontade) mascara esses problemas. Ele
necessidade, fornecer-se-a um objeto. Hipotese, de iniclo, parece conter uma resposta. Ele impede, assim, formula-los no
falsa, especialmente porque negligencia as necessiolaalessociais. plano teorico. O urbanismo, situando-se na “dobradica” entre os
Em segundo lugar, o fetichismo do espago. O espago é criagao. dois setores (produeao dos bens “moveis” e dos bens “imoveis”),
Quem cria espaco cria o que o preenche. O lugar suscita a oculta essa aiticulacao. Prosseguindo na metafora, o urbanismo
coisa e o lugar certo para a coisa certa. Dai uma ambiguidade, também permite azeita-la.
um mal-entendido, uma oscilacao singular. Assim, sem o saber, o urbanismo é um urbanismo de classe.
Ou a doenga do espaco desculpa as pessoas, mas acusa as Quando o urbanista sabe disso, quando atinge esse grau de
competéncias, ou a doenca das pessoas num espaco certo (- saber, torna-se cinico, ou se retira. Cinico, pode acabar por
indesculpavel. O fetichismo do espaco implica contraclicoes. vender liberdade, felicidade, “estilo de vida”, vida social até
7

Ele nao resolve o conflito entre o uso e a troca, mesmo quando mesmo vida comunitaria nos falanstérios para uso dos satrapas
esmaga o uso e o usuario. modernos.
Cabe aqui analisar mais profundamente as contradicoes Desse modo, o urbanismo implica uma critica radical. O
do espaco? Nao. O importante é sublinhar o papel do urbanismo que ele mascara? A situacao. O que encobre? Operacoes. O
e especialmente o do “imobiliario” (especulacao, construgao) que bloqueia? Um horizonte, uma via, a do conhecimento e
na sociedade neocapitalista. O “imobiliario”, como se diz, da pratica urbanos. Ele acompanha um declinio, o da Cidade
clesempenha o papel de um segundo setor, de um circuito espontanea e da Cidade historica. Ele implica a intervengao
paralelo ao da produgao industrial voltada para 0 mercado de um poder mais que a de um conhecimento. Se alcanca
dos “bens” nao-duraveis ou menos duraveis que os “imoveis”. uma coeréncia e impoe uma logica, trata-se da coeréncia e da
Esse segundo setor absorve os choques. Em caso de depressao, logica do Estado, ou seja, do vazio. O Estado so sabe separar,
para ele afluem os capitais. Eles comeeam com lucros fabulosos, dispersar, abrir amplos vazios —— as pragas, as avenidas — a
mas logo se enterram. Nesse setor, os efeitos “multiplicadores" sua imagem, a da forca e da coagao.
sao débeis: poucas atividades sao induzidas. O capital imobi- O urbanismo impede que o pensamento se torne reflexao
liza-se no imobiliario. A economia geral (dita nacional) logo sobre o possivel, reflexao sobre o futuro. Ele o aprisiona
sofre com isso. Contudo, o papel e a funcao desse setor nao numa srtuacao em que trés termos se enfrentam: a reflexao
deixam de crescer. Na medida em que o circuito principal, o critica, a ideologia reformista, a contestacao “esquerdista”.
da producao industrial corrente dos bens “mobiliarios”, arrefece Serra pI'€C1SO sair dessa situacao. Mas essa saida é por eles (o
seu impulso, os capitais serao investidos no segundo setor, o
urbanismo e o urbanista) impedida.
imobiliario. Pode até acontecer que a especulacao fundiaria
se transforme na fonte principal, o lugar quase exclusivo de No entanto, nem tudo é “negativo”, como se diz, no urba-
“formacao de capital”, isto é, de realizacao da mais-valia. nismo. Mais precisamente, ele nao passa de cegante-cegado,
Enquanto a parte da mais-valia global formada e realizada na na medida exata em que o urbanista acredita ser tudo:

146 147
homem de sintese, ultima palavra da interdisciplinaridade, considerada pela analise economica marxista. Nesses econo-
criador de espago e de relacoes humanas. Por outrolado, o mistas, o lado critico sucumbe; ele nao os interessa. As vezes
urbanista refine dados e informacoes. O urbanismo propicia eles dizem a mesma coisa que os marxistas, com uma outra
o pressentimento e, as vezes, a exploragao das novas raridades: linguagem. Assim, Rostow chama de “arrancada” (ialee ofl’) o que
os marxistas denominam de “acumulacao primitiva”. Frequen-
o espago, o tempo, o desejo, os elementos (0 ar, a agua, a
temente seus esquemas contém uma tatica, ocasiao em que
terra, o sol). Decerto que os urbanistas tendem a eludir a
se dizem “operacionais”. As caracteristicas dessa tatica logo se
questao concreta e fundamental, a da gestao (social) das rari-
revelam seja pela analise, seja pela aplicacao, quando chegam
dades que sucedem as antigas (nos paises ditos “avangados”).
a isso. Com efeito, os modelos abstratos dos economistas em
O urbanista freqiientemente percebe a importancia da questao
geral vao dormir nas gavetas. Os praticos dos negocios e os
posta ao homem pela “natureza” e a natureza pelo homem. politicos no poder fazem o que bem entendem. Nao ocorre o
Sua leitura do espaco o conduz a ler a natureza, isto é, a mesmo com os urbanistas?
conceber a devastacao e o fim da natureza. Nao seria nesse
Nao é menos verdadeiro que o urbanismo barra a via
sentido que conviria ler “sintomaticamente” (e nao mais lite-
obstaculizando-a com seus modelos. Pois trata-se aqui, uma
ralmente) alguns textos de Le Corbusier? Ou algumas obras
vez mais, de um dos conflitos inerentes ao pensamento politico
ditas urbanisticas, menos célebres mas importantes pela ideo- e cientifico contemporaneo, o conflito entre via e modelo. Para
logia que veiculam? As vezes, o discurso urbanistico articula-se abrir a via, é preciso romper os modelos.
com o da pratica urbana. Uma imagem deformada do futuro e
Na confusao sustentada pela ideologia, nao é infitil repetir
do possivel contém, entretanto, alguns de seus tracos e indicios.
que a critica do urbanismo aqui perseguida é uma critica de
A parte utopica dos projetos urbanisticos (em geral masca-
esquerda (pela esquerda). A critica de direita, liberal, ou neo-
rada por técnicas e pelo abuso do tecnicismo) nao deixa do
liberal, ataca o urbanismo como instituicao para exaltar as
ser interessante, enquanto sintoma precursor, anunciando a
iniciativas dos promotores imobiliarios. Trata-se de deixar o
problematica sem explicita-la. Isso nao quer dizer que ai exista
caminho livre para os promotores capitalistas, desde ja capazes
uma epistemologia do urbanismo, um nucleo teorico virtual- de se ocuparem lucrativamente do setor imobiliario; a época
mente gerador de uma pratica urbana. Longe disso. A argu- em que a ilusao urbanistica reinava lhes permitiu adaptarem-se.
mentacao aqui desenvolvida afirmaria o contrario. Por ora, A critica radical da ilusao urbanistica abre a via a pratica urbana
por muito tempo ainda, a problematica prevalece sobre o e it teoria dessa pratica, destinadas a se desenvolverem con-
adquirido. O trabalho essencial é o de tematizar, polir os juntamente no curso do desenvolvimento geral (desde que este
conceitos (categorias) verificando-os; explorar o possivel- prevalega sobre o crescimento, suas ideologias e estratégias).
impossivel e, assim, operar por transducao.
Essa critica “pela esquerda” vai muito além de uma recusa do
Pode-se perguntar se hoje o urbanismo nao desempenlia liheralismo ou do neoliberalismo fazendo a critica da empresa
o papel da ideologia (filosofia + economia politica + socialismo privada ao Estado, da iniciativa individual ao paternalismo
utopico) por volta de 1845, quando da formacao do pensa politico. Uma tal critica so alcanca o radicalismo recusando o
mento marxista e da reflexao critica (revolucionaria) H()l)|‘(‘ llstado, o papel do Estado, a estratégia do Estado, a politica
os fenomenos industriais. Tal apreciagao, que parece severa. do espago. Mostrando, por conseguinte, que apromogao do
contém um elogio exagerado. Os doutrinarios do urbanismo Hrlumo liga-se, ao mesmo tempo, :1 recusa do crescimento
teriam a amplitude de Hegel, de Fourier, dc Saint-Simon, dc‘ c'con(‘>|ni<'o (quanlilalivo) tomado como fim em si, como a
Adam Smith e de Ricardo? E verdade que se pode pensar mm 0rlcnl:u,;ao da protlugao para outros fins, at primazia do desen-
ideologos menores, os Bauer, os Stirner, mais que nos g|'antlc's volvimento (c|ualilallvo) sobre o crescimento, a reduggao do
teoricos. Isso ainda nao seria visar muito alto? () u|'lmnlsmu El-ltado (esse redutor por exceléncia) a uma lungao subor<.|i-
esiaria mais proximo da economia politica vulgar, como l'§l nada. em anima, it critica radical do listado c da politica.
,.

A pior das utopias é aquela que nao diz seu nome. A ilusao
CAPlTULO|X
urbanistica é atributo do Estado. E a utopia estatista: uma
nuvem sobre a montanha que interrompe a estrada. Ao mesmo
tempo a antiteoria e a antipratica. A
O que é o urbanismo? Uma superestrutura da sociedade
neocapitalista, noutras palavras, do fcapitalismo de.0.rgaQiL2.1.§ZZ10.”,
A SOClED/lDE URBANA
Q que 1150 Signifiw “§_§_1_P_iL9l1lS_111Q,Qrganizado”. Noutros termos U(|')LM',‘A-é,_,_,K,E,\, - , -,l’.~»t ‘<_
e-0...,‘ Q4

ainda: da sociedade barocraiica de consumo dirigido. O urba- T ,,,m,¢.»12,a2»


nismo organiza um setor que parece livre e disponivel, abeno it O conceito antecipado a titulo de hipotese (cientifica) desde
acao racional: o espaco habitado. Ele dirige o consumo do a primeira pagina desta obra pode agora ser retomado a um
espaco e do habitat. Enquanto superestmtura, ele se distingue, e nivel mais elevado. Nesse percurso, ele foi enriquecido, veri-
é preciso distingui-lo fortemente, da pratica, das relagoes sociais, ficado, numa palavra: Q€_S_§_I1y9.1Y,ido.. Tende, portanto, a sair
da propria sociedade. Nao existem aqueles que confundem o do papel e do estatuto teoricos de uma hipotese para entrar
urbanismo com “o urbano”, a saber, a pratica urbana e o feno- no conhecimento. Contudo, esse gdegsvenvolvimento nao esta
meno urbano? Tal confusao explicaria a tese pseudomarxista,
vigorosa e rigorosamente critica na aparéncia, segundo a qual o
as;al2ad<>- Longe di$$O- I?r§t¢ndé:l9_.§@.r_i.a._.do.gn1atism<>- Scria
inserir o conceito de “sociedade urbana” numa epistemo-
fenomeno urbano nao passa de uma superestrutura. Essas ideo- logia da qual convém,desconfiargporque prematura, porque
logias confundem a pratica com a ideologia, as relacoes sociais 1566 o categorico acima do problematico e porque detém e
com o institucional. E apenas porter esse duplo aspecto, ideolo- talvez desvie o movimento que eleva o estudo do fenomeno
gico e institucional, que o urbanismo revela a analise critica as urbano ao horizonte do conhecimento.
ilusoes nele contidas e que permitem suas aplicagoes. O urba-
Nesse percurso, vo conceito de sociedade urbana foi liber-
nismo aparece, assim, como o veiculo de uma racionalidade
tyadowdos mitos e ideologias que o subjugam: alguns vindos
limitada e tendenciosa da qual o espago, ilusoriamente neutro e
das regioes agrarias da historia e da consciencia, outros oriundos
nao-politico, constitui o objeto (objetivo). .
de uma extensao abusiva de representagoes emprestadas da
empresa (da racionalidade industrial). Os mitos entraram na
literatura; seu carater poético e utopico, certamente, nao
diminui seu interesse. Quanto as ideologias, sabemos que
tentam, em vao, constituir um corpo doutrinal, o urbanismo.
Foi necessario afastar esse corpo opaco e pesado para conti-
nuar a exploracao do campo cego, a saber, 0 fenomeno urbano
na sua totalidade.
Nos limites desse percurso, o inconsciente (a fronteira
entre o desconhecido e aquele que desconhece) apresenta-se,
pois, ora como uma emergéncia ilusoria e cegante do superado,
a saber, o rural e/ou o industrial, ora como uma auséncia, a
da realidade urbana que escapa.
Assim, a nogao dc fase ou zona crl'/[ca se precisa. Nessa
zona, o terreno escapa aos pés e ao olhar, ele esta minado.
Os conceitos amigos nao silo mais 8LlflCl€l’ll;@$, mas conceitos
E‘

novos se formam. Nao é apenas a realidade que escapa, mas inerentes a producao (nas relagoes de producao e de proprie-
0 pensamento. dade capitalistas, como também na sociedade “socialista")
Nao obstante, pudemos encetar um discurso coerente, que se entravam o fenomeno urbano, impedem o desenvolvimento
pode dizer nao-ideologico e, ao mesmo tempo, apresentar-se do urbano, reduzindo-o ao crescimento. Em particular, a agao
como discurso do urbano (dentro do que se forma) e sobre 0 do Estado no capitalismo e no socialismo de Estado.
urbano (definindo, precisando seus contornos). Um tal dis- Nesse percurso, pudemos mostrar a coinQlex_i_'fl1Qag.dQ...da,
curso nao pode ser acabado. Ele comporta, por esséncia, o inaca- sociedade, quando ela passa do rural ao industrial e do indus-
bamento. Ele se define como reflexao sobre o futuro, impli- trial ao urbano. Complexificacao mfiltipla (se se pode dizer
cando operagoes no tempo e nao somente no espago. Ele através de um pleonasmo!) que ao mesmo tempo atinge o
implica 21 lm7’l5dM,§él0(C.QJ3§lIi1§§?_9lQQl2l§l9..§@_Yl%l_),&§,ll}1 Como espaco e o tempo, pois a complexificacao do espaco e dos
agexploragao do possivel-impossivel. A dimensao temporal, objetos que o ocupam nao ocorre sem uma complexificacao
evacuada pela epistemologia e pela filosofia do conhecimento, do tempo e das atividades que nele se desenvolvem.
é reintroduzida de maneira vitoriosa. De outro lado, a trans- Redes intrincadas, relagoes que se afirmam interferindo-se
dugao difere da prospectiva. ja desvendamos e denunciamos mutuamente, ocupam esse espaco. Sua homogeneidade corres-
o que esta, como o urbanismo, tém de suspeito. Como o urba- ponde a alguma coisa: por um lado, vontades, estratégias
nismo, a prospectiva contém uma estratégia. Ela mistura a unitarias, logicas sistematizadas; por outro, representagoes
ideologia e a cientificidade; ou melhor, aqui, como noutros redutoras e, consequentemente, simplificadoras. Ao mesmo
lugares, a cientificidade é uma ideologia, excrescéncia que se tempo, porém, acentuam-se as cliferengas no povoamento
insere em conhecimentos reais, mas fragmentarios. Ademais, desse espaco que, como espaco abstrato, tende ao homogéneo
a prospectiva também extrapola, depois da reducao. (o quantitativo, o espaco geométrico e logico). Dai resulta um
No curso dessa exploracao, que apenas se inicia, o feno- conflito e um curioso mal-estar. Esse espaco, de um lado,
meno urbano se mostrou como algo diverso e mais amplo do que tende para um codigo unico, para um sistema absoluto, o da
szrpereslrutilra (do modo de producao). Isto para responder a troca e do valor de troca, da coisa logica e da logica da coisa.
um dogmatismo marxista que tem varias facetas. A problema- Ao mesmo tempo, ele se torna pleno de subsistemas, de codigos
tica urbana é mundial. Os mesmos problemas encontram-sc parciais, de mensagens e de significantes que nao entram no
no socialismo e no capitalismo, assim como a mesma auséncia proeedimento unitario que esse espaco estipula, prescreve,
de resposta. A sociedade urbana so pode ser definida como inscreve de todas as maneiras.
planetfuia. Virtualmente, ela cobre o planeta re-criando a natu- Essa tese dalcomplexificfljaol parece filosofica. Ela o é, as
re’/.a, anulada pela exploracao industrial de todos os recursos vezes, em alguns autores (Teilhard de Chardin etc.). Aqui,
naturals (materiais e “humanos”), pela destruicao de todas as ela se vincula ao conhecimento cientifico, parcelar, mas efetivo:
particularidades ditas naturais. teorias da informacao, das mensagens, da codificagao e decodifi-
Ademais, o fenomeno urbano recompoe profundamenie cacao. Pode-se, portanto, novamente declara-la meiafilosofica:
os dispositivos da proclucao: forcas produtivas, rela<,"oes klt‘ ao mesmo tempo global e articulada ao conhecimento.
produgao, contradicoes entre forgas produtivas e |'e|:|<,*(>es dc O conceito de complexificagao nao esta esgotado. Teorica-
producao. Mostramos que ele prolonga e acentua, num plano mente, ele se funda na distingao entre crescimento e desenvol-
novo, o c:u":'u'er social do trabalho produtivo e seu conflilo com 11/mo/Ilo, distincao que se impoe pela época, por sua expe-
a propriedade (privada) dos meios de |7l'()(lU<,‘il(). lile continua riencia, pela menor rellexao sobre os resultados. Marx discernia
a "soclall‘/iacao da sociedade". Isto quer di’/.er que o urbano nao cresclinenio e desenvolvimento porque evitava confundir o
suprlme as contradigoes do industrial. lile nao as resolve‘ quantilalivo e o qualltatlvo, mas para ele o crescimento (quanti-
somente por assornar ao horl‘1.onte. Mala que isso: us conflltoci tallvo) c u elcseiivolvlliiculo (qualitativo) da sociedade podiam

193 155
e deviam caminhar juntos. Uma triste experiéncia mostra que vasto campo. Isso convém a cidade oriental, no contexto do
nao é bem assim. Pode haver crescimento sem desenvolvimento, modo de producao asiatico. Ora, a sociedade urbana so pode
e as vezes desenvolvimento sem crescimento. Ha meio século se formar sobre as ruinas da cidade classica. Esta, no Ocidente,
o crescimento se realiza um pouco por toda parte mantendo ja explodiu. Explosao (explosao-implosao) que pode ser consi-
relagoes sociais e politicas petrificadas. Se a Uniao Soviética derada como precursora da sociedade urbana. Ela faz parte
conheceu, entre 1920 e 1955, um periodo de desenvolvimento de sua problematica e da fase critica que a anuncia. Entretanto,
intenso, as forcas produtivas deixadas em atraso por essa uma conhecida estratégia, que se serve justamente do urba-
explosao “superestrutural” e o crescimento tomado como obje- nismo, tende a reconstituir a cidade politica como centro
tivo estratégico tornaram-se de meio em fim. Em suma, esses decisional. Um centro dessa natureza nao se limita, evidente-
“fatores” objetivos foram a desforra. Nao foi o mesmo que mente, a reunir as informacoes ascendentes e a difundir as
ocorreu na Franga depois da explosao de Maio de 1968? A informacoes descendentes. Ele nao e somente um centro de
lei de desenvolvimento desigual (Lenin) deve ser ampliada, decisoes abstratas, mas um centro de poder. Ora, o poder
diversificada e formulada de outro modo para dar conta do implica a riqueza, e reciprocamente. Isso quer dizer que o
conflito entre crescimento e desenvolvimento revelado no centro decisional, na estratégia que analisamos, sera o ponto
curso do século XX. de fixacao ao solo de um Estado terrivelmente organizado,
Ora, a teoria da complexificacao anuncia e prepara a des- duramente sistematizado. Outrora, todo o territorio metro-
forra do desenvolvimento sobre o crescimento. A teoria da politano desempenhava, em relacao as colonias e semicolonias,
sociedade urbana vai no mesmo sentido. Essa desforra esta o papel central, absorvendo as riquezas, impondo sua ordem
apenas no seu comego. A proposicao essencial, segundo a e suas disposigoes. Atualmente, a dominagao e fortalecida
qual o crescimento nao pode prosseguir indefinidamente e o através de um lugar, a capital (ou o centro decisional que nao
meio permanecer como fim sem catastrofe, ainda é tomada coincide forcosamente com a capital). De modo que sua domi-
como um paradoxo. nacao se exerce sobre o conjunto do territorio nacional, que
Essas consideragoes evocam a prodigiosa extensao do se transforma em semicolonia.
“urbano” a todo o planeta, isto é, evocam a sociedade urbana, Em outras palavras, uma parte desta analise parece, a pri-
com suas virtualidades e seu horizonte. Nao ha dfivida que meira vista, corresponder a tese dita maoista a respeito da
essa extensao-expansao nao continuara sem dramas. Particu- “cidade mundial”, mas essa tese levanta uma série de objecoes.
larmente, confirma-se que o fenomeno urbano tende a transpor Nao esta excluido que a constituigao dos centros de poder nao
as fronteiras, enquanto as trocas comerciais, assim como as encontre obstaculos e nao fracasse. Ademais, as contradigoes
organizacoes industriais e financeiras, que pareciam romper nao se situam mais entre a cidade e o campo. A contradigao
os limites territoriais (pelo mercado mundial, pelos agrupa- principal se desloca e se situa no interior do fenomeno urbano:
mentos supranacionais), parecem, até nova ordem, real'irma-los. entre a centralidade do poder e as outras formas de centralidade,
De qualquer modo, os efeitos de ruptura que podcriam .'~i()l)l'CVll‘ entre o centro “riqueza-poder” e as periferias, entre a integragao
no plano industrial e financeiro (crise dc superproducao, crise e a segregacao.
monetaria) serao acentuados pela extensao do fenomeno urbano O exame completo da fase critica ultrapassaria em muito
e pela l’orina<,‘ao da sociedade urbana. os temas aqui tratados. Por exemplo, o que resta da nocao
Tornamos a enconlrar a nocao de “cidade |nundlal", geral- classica de historia e de bislo/"icidade? A fase critica nao deixa
mente alrihuida ao maoismo, quando nao ao proprio Mao lntactas nem essa m><,‘ao, tampouco a realidade que lhe corres-
’l‘sé-'l‘ung. lissa noqao exige reservas. lila extrapola, a escala ponde. A extensao do fenomeno urbano, a i’or1nag;ao de um
mundial, a nogao e a ima;.u-m <‘l1lsslt‘:ls da (licladc: cc*nlro leinpo-vspaco dll'¢:rencial a escala mundial, ainda tC-m relacao
polltlco de acln1lnisti':i<;i"1o, dc |":ruteg'£io, dc cxplo|'a<;i1o cle um com o que sc: denomina "lil5iOl'lClClil(lt:"l'

194
Essa fase é acompanhada de emergéncias complexas, as nova. A centralidade define o u-topico (o que nao tem lugar
de novas fungoes e estruturas, sem que, por isso, todas as e o procura). O u-topico define a centralidade.
antigas desaparegam. Dai resulta a exigéncia de uma analise ‘, Nem a separagao dos fragmentos e contefidos, nem sua
sempre retomada e afinada concernindo as relacoes entre forma reuniao confusa podem definir (portanto exprimir) o feno-
e conteiido. Tivemos, aqui, de nos contentar com um esboco: ,meno urbano. Ele depende de uma leitura total, reunindo os
um balizamento, indicadores de direcao. O essencial é mostrar lléxicos (leituras parciais) dos geografos, dos demografos,
que também o método dialético se desforra. Afastado pela leconomistas, sociologos, semiologos etc. Essas leituras sao
estratégia (ideologica e institucional) do periodo industrial e lfeitas em dois niveis diferentes. O fenomeno urbano nao pode
pelo racionalismo empresarial, trocado pela apologia do opera- ser definido nem pela soma ou sintese, nem pela superposicao
cional, depreciado pelos procedimentos redutivos-extrapola- delas. Nesse sentido ele nao é totalidade. Do mesmo modo,
dores (notadamente o estruturalismo), o pensamento dialético ele supera a separacao “acaso-necessidade”, mas, supondo
retoma suas prerrogativas. Pudemos mostrar que a questao que sua sintese se definisse, ela nao o define. Isso quer dizer e
capital, na acepcao exata e plena dessa palavra, a da centra- reafirmar o paradoxo do fenomeno urbano. Paradoxo compa-
lidade, nao pode prescindir de uma analise dialética. O estudo ravel ao paradoxo fundamental do pensamento e da cons-
das logicas do espaco conduz ao das contradigoes do espago ciéncia. Pois é, sem duvida, o mesmo. O urbano é pontual.
(e/ou do espaco-tempo). Sem essa analise, as solugoes dadas Ele se localiza e se focaliza. Intensifica-se aqui ou ali. Ele
ao problema sao apenas estratégias dissimuladas, cobertas por nao existe sem esta localizacao: o centro. Assim, o pensa-
uma cientificidade aparente. No plano teorico, uma de nossas mento e a reflexao so tem lugar se propiciam um lugar a si
maiores condenagoes ao urbanismo como corpo doutrinal mesmos. A pontaalidade do fato, do acontecimento, é uma
(que alias nao existe) é o fato de encerrar uma socio-logica <- regra. Conseqiientemente, uma regulagao. Em torno de um
uma estratégia, evacuando o pensamento dialético em geral ponto, tomado como centro (momentaneo), reina uma ordem
e os movimentos dialéticos proprios ao urbano, ou seja, as proxima, que a pratica produz e a analise apreende. Isso
contradicoes internas, as antigas e as novas (estas agravando define uma isotopia. A0 mesmo tempo, o fenomeno urbano é
e/ou mascarando aquelas). colossal; sua prodigiosa extensao-expansao nao pode ser limi-
_____>_ fez1.c1mea<L1lrl2ano_.seria..
.0... /fenQm.@1z.o.. socia] jo/al tao tada. Englobando a ordem proxima, uma ordem dislante agrupa
_pLQ_C,L1rado1peloS_5.Q_<;l9.l.9i%.Q.§¢?.-§am.,§;.n_g_t9. Sim, no sentido em que as pontualidades distintas, reunindo-as nas suas diferengas
o urbano caminha para uma totalidade sem jamais atingi-la, (heterotopias). Porém, por toda a parte e sempre, a isotopia
em que ele se revela totalizador por esséncia (a ceulrzlll e a heterotopia se afrontam, se confrontam, suscitando, assim,
dade), sem que essa totalidade se efetue jamais. Sim, no 0 al/oures, a centralidade diferente que nascera, impor-se-a,
sentido em que nenhum determinismo parcial, nenhum salwr depois sera reabsorvida no tecido espago-temporal. Assim,
parcelar, o esgota; ele é, ao mesmo tempo, historico, demo»- toma forma (isto é, descobre-se como forma) o movimento
grafico, geografico, economico, sociologico, psicologico, semio dialético do pontual e do colossal, do lugar e do nao-lugar
logico etc. Ele “é” isso e ainda outra (coisa ou nao-coisal), por (do alhures), da ordem urbana e da desordem urbana.
exemplo,/orma. Isto é, vazio, que exige, porém, um conteudo: O urbano nao produzia maneira da agricultura e da industi"ia._,,_,..... . -1 ~
evocacao do contefido. Se o urbano e total, nao o é fl uianvlta llnlretanto, como ato qt1ep¢<;_t_'u_1_e_,e gdistribui, ele cria.‘ Assim __ D2)-A ‘~~"l' Q
de uma coisa, enquanto COl"l[(3Ll(.l() (este ou aquele) reunido como antigamente a manufatura flclonverteu-se em forca produ- L-:j‘|l..~:Tkl\'.

aqui ou ali, ele o 6 a maneira do proprio pensamento que llva e em categoria economica apenas por reunir os trabalhos \\/
persegue indefinidamente sua concentraggao, que nao pode 1: ferramenlas (lécnicas) antes dispersos. E assim que o feno- Q; \_l.:r' \
limitar-se a ela nem manle-la, que reune sem ccssar seus cle- mcno urbano couli-m uma /m7.\.'Is (pratica urbana). Sua forma,
mentos e descobre o que ret'mc numa ConccnI;|'ag,'£1u outra € enquanto tal, manll'csta-se irredutivel as outras formas (nao

isomorfa as outras formas e estruturas). Nao obstante, ela as O urbano refine. O urbano, enquanto forma, trans-forma
retoma; as transforma. aquilo que refine (concentra). Ele faz diferir de uma maneira
Uma vez terminado o percurso, o proeedimento de acesso a refletida o que diferia sem o saber: o que so era distinto, o
realidade urbana enquanto forma se lI'lV€I'[€. Assim, a linguis- que estava ligado as particularidades no terreno. Ele refine
tudo, inclusive os determinismos, as matérias e contefidos
tica permite definir a isotopia e a heterotopia. Uma vez desco-
heterogéneos, a ordem e a desordem anteriores. Ai coin-
bertas no texto urbano, essas nogoes adquirem um outro
preendidos os conflitos, as comunicacoes e formas de comuni-
sentido. Nao seria porque a morada dos seres humanos que
l
habitam o solo do planeta toma essa forma que ela -é reco- cagoes preexistentes. Como forma que trans-forma, o urbano
4

nhecida no discurso? Existem discursose percursos do urbano. des-estrutura e re-estrutura seus elementos, as mensagens e
L
Nao é também por essa razao ou causa formal que existem codigos egressos do industrial e do agrario.
discursos e percursos diferentes na linguagem? Um nao pode se Ele dispoe, assim, de uma poténcia negativa que pode ser
_»;>,}=.-»<§
separar do outro. Diferentes, a linguagem e a morada aliam-se facilmente considerada maléfica. A natureza, o desejo, o que se
indissoluvelmente. Nao surpreenderia, pois, que existisse chama de cultura (e que a era industrial dissocia da natureza,
paradigma do urbano (o alto e o baixo, o privado e o piiblico), quando, em contrapartida, nas épocas de predominio cam-
t:
‘ »)\. como do habitar (0 aberto e o fechado, o intimo e o vizinho), ponés a natureza e a cultura amalgamavam-se), rearranjam-se
quando nem o urbano, tampouco o habitar, podem ser deli- e se reunem na sociedade urbana. Heterogeneos, ate mesmo
nidos nem por um simples discurso, nem por um sistema. Sc heteroclitos, esses contefidos sao submetidos a prova. Assim,
ha logica imanente ao urbano e ao habitar que ele implica, simples analogia, a exploraeao agricola (a “fazenda”) e a empresa
r nao se trata da logica de um sistema (nem da logica de um (constituida desde o tempo da manufatura) sao submetid.as a
K n
sujeito, nem da de um objeto puro e simples). E a logica do prova, transformam-se, inserem-se em formas novas no tecido
pensamento (sujeito) que procura um contefldo (objeto). iiis urbano. O que define uma criagao (poiésis) ao segundo grau,
t\
‘aw-.=41-»
porque o conhecimento do urbano exige, simultaneamente, ao passo que a produgao agricola e a indfistria situam-se no
que se dissipem as ilusoes da subjetividade (da representagao, primeiro grau. O que nao alinha o fenomeno urbano a um
da ideologia) e as ilasoes da objetividade (causalidade, deter- discurso ao segundo grau, metalinguagem, exegese, comentario
minismos parciais). do industrial. Longe disso. O segundo grau da' criacao, a natu-
ralidade segunda do urbano, intervém como multiplicadores,
Se o urbano refine diferengas e faz diferir aquilo que reune,
e nao como redugoes ou reflexos da atividade criadora. Aqui,
nem por isso pode ser definido como sistema de clifercn<,‘as.
reconhegamos de passagem o problema mal resolvido da ativi-
Ou essa palavra, “sistema”, implica acabamento e termo, inteli
dade que produz (cria) sentidQs_u_tilizando elementos ja dotados
gibilidade pelo encerramento, ou ela nao significa nada mais
dc significacoes (e nao unidades comparaveis aos “fonemas”,
t. i,
, l
que uma certa coeréncia. Ora, o fenomeno urbano lTl2ll1lllL‘Slii-Ht‘
como movimento. Ele nao pode, portanto, se fechar. A ceutra
sons ou signos desprovidos de significacao). Nessa acepcao,
0 urbano cria situacoes e atos tanto ou mais que objetos.
lidade e a contradicao dialética que ela implica excluem o
fechamento, isto é, a imobilidade. Mesmo se a lingua podv Considerando essa determinagao do urbano em relacao a
aparecer como sistema acabado, o uso da lingua e a |7l't)tlil§,‘llll seus elementos ou condicoes (aquilo que ele reune: contefidos,
de discursos quebram essa aparéncia. Nao se pode, pois, delimit‘ atividades), ele nao é modelo. Nem os modelos energéticos
o urbano por um sistema (definido), por exemplo, por (lt'HVlHii (emprestados aos dispositivos que captam energia em quanti-
em torno de invariancias. Ao contrario. Sua nocao impede pt't*s— dade linila mas consideravel), nem os modelos informacionais
crever o que redu’/., o que suprime as diferencas. iila implicaria, (que utili'/.am energia em quantidade infima) podem ser aceitos.
antes, a lilvvn/urlu (/U/)I't)(/11.2’/I‘I/I/Z'I'('IIgT(IS(Llt? diferir e dc invvnti-ti‘ Noutras palavras, se se quer encontrar modelos, o estudo ana-
o que difere). litico do urbano pode llornecé-los. Na pratica, porém, nao se
trata de um modelo, mas do urbano como uma via (sentido e racionalidade coerente, ela separava e dissociava tudo o que
direcao,
.v
orientacao e horizonte). tocava; rompia os lacos fazendo reinar a ordem homogénea.
.llS.$_,O.<lEl¢§ dlzengueo urbano como forma e realidade nada Com ela, 0 meio tornava-se fim, e o fim convertia-se em meio: a
tem de harmonioso. Elelltambém refine os conflitos. Sem excluir producao em estratégia; o produtivismo em filosofia; o Estado
os de classes. Mais que isso, ele so pode ser concebido como em divindade. A ordem e a desordem da época industrial
oposicao a segregagao queterlta, &C21b&I...QQn1 _os. conflitos sepa- re-produziram, agravando-o, o caos anterior: trata-se de um
rando os .€l€IIL€£11LQS___,llQ_’[_QI1‘§_I;l_Q~l, iffegragagao que produz uma caos sangrento. Os ideologos (em especial os do urbano) ainda
desagregagao da vida mental e social. Para evitar as contra- acreditam poder extrair da época industrial e da sua raciona-
dicoes, para alcancar a harmonia pretendida, um certo urba- lidade o principio de uma organizagao superior. A seus olhos, o
nismo prefere a desagregacao do laco social. O urbano st- problema é superar essa ordem e essa desordem para criar uma
apresenta, ao contrario, como lugar dos enfrentamentos e ordem superior, mas a partir de principios estabelecidos.
confrontacoes, unidade das contradigoes. E nesse sentido Estender a sociedade como tal os principios da empresa é,
que seu conceito retoma o pensamento dialético (modificado doravante, uma estratégia julgada e condenada, pois ha uma
profundamente, é verdade, porque mais vinculado a f()I‘IllrI outra coisa (uma nao-coisa outra) que avanga, que poe tudo
menial e social que aos contezidos loistoricos). em questao, que é, ela propria, uma questaoi...
O urbano poderia, portanto, ser definido como lugar (In Entre as separacoes ordenadas pela racionalidade industrial,
expressao dos conflitos, invertendo a separagao dos "lugares destaquemos aquelas entre os subsistemas: valores, decisoes,
onde a expressao desaparece, onde reina o siléncio, Onde st‘ modelos de acao e de conduta. O pluralismo desses subsistemas
estabelecem os signos da separacao. O urbano poderia tamlieiu poderia adquirir ou criar uma certa coeréncia? A coesao do con-
ser definido como lugar do desejo, onde o desejo emerge das junto parecia provir da ideologia, de um lado a da empresa,
necessidades, onde ele se concentra porque se reconhect-, e do outro a do Estado. E, nao obstante, nao faltava algo a
onde se reencontram talvez (possivelmente) Eros e Logos. A mais para que funcionasse essa justaposicao de fimgoes iso-
natureza (o desejo) e a cultura (as necessidades classil’icada.~i ladas, a de decidir, a de aspirar, a de projetar? Os sociologos
e as artificialidades induzidas) ai se reencontram, no curso tinham razao quando revelaram tais subsistemas, funcional e
de uma autocritica mutua que mantém dialogos apaixonados. estruturalmente distintos. Mas malograram, porque nao mos-
Assim teria formacao, eventualmente, o carater imaturo e |)i't‘ traram como essa ordem e sua desordem imanente, essas
maturo do ser humano, exposto aos combates de Eros e’i.ogos, unidades e suas disjungoes, podiam conter uma auto-regulacao
sem que essa formacao se imponha enquanto acabamcuto e constituir um conjunto, quando nao uma totalidade. Seria
(do estado adulto e completo). O urbano, como via pr:'\tit'a, fftcil mostrar em quais obstaculos as reducoes dos ideologos
teria paradoxalmente um papel pedagogico bem dii"'crentt- da americanos e as dos soviéticos (por pouco que se conheca)
pedagogia habitual, constituida a partir de uma autoridade, se espatifaram ou se espatifam. Ora, a coesao imanente so
a do Saber adquirido, a do Adulto acabado. poderia provir de uma logica. Essa socio-logica escondia-se
A época industrial (em outras palavras: a chamada ou pro» atrfls ou sob a sociologia. Era, e ainda é, de um lado a logica da
tensa “sociedade industrial”) aparece, assim, diferentemeute do mercadoria e do mundo da mercadoria, dissimulada (ausente)
que aparecia a si propria. Ela se via como produtora 0 critt- co/no lal na linguagem da mercadoria, e, entretanto, presente
dora, dominando a natureza e substituindo os dctermiulsmus em Cada objeto comprado, vendido, consumivel, consumido.
da matéria pela lilverdade da produgao. l)e fato, ela era, na sua lira, e ainda é, de outro lado, a logica implacavel do Estado,
verdade, radicalmente contraditoria e conililuosa. Awetlitzttttlu do poder concebido ou se concebendo como onisciente e
dominar a nature’/.a, ela a devaslava, a destruia ctimplctatucnifi. Dnlpresenle. l.ogica igualmente dissimulada como tal, sob o
Pretendendo substituir o caos da vspontaneiclaclc por uma piestlglo :1-tico do listado.

. 160
A logica do espaco repressivo restabelecia, assim, a coe- em relacao ao contrato. O emprego dos objetos urbanos (essa
réncia. De onde a complicacao e o mal-estar inerentes a uma
calgada, essa rua, esse atalho, essa iluminagao etc.) é costameiro,
nao contratual, a menos que se queira designar assim um
sociedade que lenta, mas seguramente, rompe a sociedade
quase-contrato ou pseudocontrato permanente, através do qual
urbana com sua logica transparente, que basta formular para
o uso desses objetos é compartilhado, a violéncia é reduzida
que apareca. Enquanto basta formular as outras socio-logicas
ao minimo, e so é usada em caso de urgéncia. Isso nao impede
para que desaparecam (teoricamente, é obvio).
o aperfeicoamento ou transformacao do “sistema contratual”;
Podemos agora formular algumas leis do urbano. Nao sao
b) a concepcao do urbano visa, também, a re-apropriacao,
leis positivas, as de uma “ordem das ordens”, as de um modelo
pelo ser humano, de suas condigoes no tempo, no espaco, nos
de equilfbrio ou de crescimento a serem seguidas ou imitadas, as
objetos. Condicoes que lhe eram, e lhe sao, arrancadas, para
de uma afirmacao inicial da qual deduzir-se-iam conseqiiéncias,
que so as reencontre mediante a compra e a venda. Poder-se-ia
ou de uma analise terminal que induziria enunciados. Sao, antes
dizer que o tempo, lugar dos valores, e 0 espaco, meio de troca,
de mais nada, e essencialmente, leis e preceitos negativos:
podem se reencontrar numa unidade superior, o urbano? Sim,
a) romper as barreiras e bloqueios que obstruem o caminho sob a condicao de se especificar bem o que cada um ja sabe:
e mantém o campo urbano no cegante-cegado (e principalmente que se trata de uma u-topia, de um nao-lugar, de um possivel-
no quantitativo do crescimento); A impossivel. Mas que confere seu sentido ao possivel, a acao.
b) acabar com todas as separacoes, as que separam as O espaco das trocas e o tempo dos valores, o espaco dos
pessoas e as coisas, que implicam segregaeoes multiformes bens e o bem supremo, a saber, o tempo, nao se articulam, e
no terreno, as que afastam, umas das outras, as mensagens, vao cada um numa direcao, incoeréncia entre outros absurdos
as informacoes, os codigos e subcodigos (em suma: as (|lit' da sociedade dita industrial. Criar a unidade espacotemporal
impedem o desenvolvimento qualitativo). Ora, na ordem exis- é, com efeito, uma definicao possivel, entre outras, do urbano
tente, o que separa sente-se solido; o que dissocia reconhece-se e da sociedade urbana;
forte; o que divide considera-se positiz/0...; c) politicamente, essa perspectiva nao pode ser concebida
c) destruir também os obstaculos que acentuam a opacidadv sem autogestao estendida da producao e das empresas as
das relacoes e os contrastes entre transparéncia e opacidade, unidades territoriais. Extensao dificil. O termo “politicamente”
que reduzem as diferencas a particularidades distintas (sepa presta-se a confusao, pois a autogestao generalizada implica
radas), que as obrigam a figurar num espaco pré-fabricadto, que o deperecimento do Estado e o fim do politico como tal. Nesse
mascaram a polivaléncia das maneiras de viver na sociedade sentido, a incompatibilidade entre o estatista e o urbano é
urbana (das modalidades e modulacoes do cotidiano e do halal » radical. O estatista so pode impedir o urbano de tomar forma.
tar), que impedem as transgressoes as normas prescrevendo as O Estado consagra-se a dominar o fenomeno urbano, nao
separagoes. para leva-lo a sua realizacao, mas para fazé-lo retroceder: para
Essas negatividades implicam uma positividade: as instituicoes que, através da troca e do mercado, estendem
a) o urbano (a vida urbana, a vida da sociedade urlmna) lil \ sociedade inteira os tipos de organizacao e de gestao
implica uma substituicao do contrato pelo costume. O direito advindos da empresa, das instituigoes elaboradas durante o
crescimento, com primazia dos objetivos quantitativos (quanti-
contratual fixa os limites da troca e da reciprocidade na |rot‘it.
Trata-se do direito que nasce nas sociedades agrarias a pitrtlt lltaveis). Quanto ao urbano, ele so pode se constituir e favo-
do momento em que elas trocam seus solireprodutos relativos reter o “habitar” invertendo a ordem estatista e a estratégia
e que culmina quando o mundo (la mercadoria so timeli- que organi'/.a glolwalmente o espaco, de maneira coercitiva e
volve, com sua logica e sua linguagem. Ora, o uso, no i|rlatn€J| liolnogt-nei'/.ante, alisorvendo, por conseguinte, os niveis subor-
compreende costumes c coni'ca'c no costuine a clinados, o urbano c o halaitar.
Eis porque foi preciso denunciar o urbanismo ao mesmo c o N c L u s A o
tempo como mascara e como instrumento: mascara do Estado e
, instrumento dos interesses dissimulados numa
estratégia e numa socio-logica. lmQQl@,
modelaga-.§spacQ_..como uma...Qbr_a. d.e__..arte_.~l§I§111,_$$;gUL1£l9
a§aQQ.m_o'_pmtmdea.Q..que._o..ub bora
s';_um.esp.a.<;Q...i?Qliti.co,..,
A problematica urbana? Nos a abordamos. Nos a margeamos:
/ tracamos os seus contornos. Chegamos a um dos problemas
mais perturbadores: a extraordinaria passividade das pessoas
.;/-= coarreli *9!“ -*-
(K/€L> ,/ 0Q-(_
diretamente interessadas, concernidas pelos projetos, postas em
questao pelas estratégias. Por que esse siléncio dos “usuarios”?
'1; crew“ Por que os balbucios informes das “aspiracoes” quando nos
,.,r\ P’\(\‘l'\‘5'fL/‘Z -”<"
p1l"l;( aQ,..a,= 1-i1.il\ll'\ dignamos consulta-los? Como explicar essa estranha situacao?
,,£.;»~ C4 5';(-c‘='<_ I Tivemos que incriminar o proprio urbanismo em seu duplo
aspecto: ideologia e instituicao, representacao e vontade, pressao
‘\ e repressao, estabelecimento de um espaco repressivo represen-
/ . . _. I ~e.-ati <¢< ¢-~ ‘ ""
-¢..-" .40/I '
"“'rDt:c~~.-i...-*<;‘ ,~i.i r/r 1 if. Q 69 ““ "L l l l tado como objetivo, cientifico, neutro.
. ll E evidente que essa explicacao, sem dfivida, necessaria, nao
* ._» <- .. L./1. ‘\"; '. C.-\'€__
l 1' i ti, r \_ it ‘~\;:k"e 1 ‘.'L'.f ‘\ - basta. Trata-se apenas de um elemento de explicacao ou de inter-
pretacao de um fato paradoxal entre tantos paradoxos. Para con-
_,:3,.t‘ \ . LN“ Ci“, -
,¢\,,,,-;, ,~_ ‘T; e- i-. cf...-\_ e1..r:_ I» v. or 4 1 \ -(J rl~.;.» t cluir, tentemos completar a argumentacao e introduzir alguns
outros elementos:
1 - A passividade dos que habitam, mas que poderiam e
deveriam “habitar como poetas” (Holderlin), nao poderia ser
comparada ao estranho bloqueio que freia o pensamento
arquitetural e urbanistico? Os projetos sao atingidos por uma
espécie de maldicao. Eles nao podem ir além da utilizacao de
alguns procedimentos graficos ou tecnologicos. A imaginacao
nao consegue aicar voo. Evidentemente, os autores de projetos
nao conseguem encontrar a juncao desses dois principios
opostosz a) nao existe pensamento sem u-topia, sem exploracao
do possivel, do alhures; b) nao existe pensamento sem referéncia
G uma pratica (aqui, a do habitar e do uso; mas que pratica é
possivel se o habitante e 0 usuario permanecein mudos?).
A li1lL‘l'VL‘l1(,,‘t)() maciga dos interessados mudaria a situacao.
permitiria a pesquisa, as reflexoes, aos projetos, transpor
lltnlar diante do qual estancam? 'i"alve*/.. Ora, essa intervengao
aconteccu. Pode-se notar aqui ou aii apenas alguns
indicios de um interesse novo. Em nenhuma parte ocorreu converte em atitude defensiva, portanto, converte-se em
um movimento politico, ou seja, que politizasse os problemas passividade. Defende-se contra as usurpacoes das autoridades
e os objetivos da “construcao”. centrais, contra as pressoes do Estado. Mas sabe-se que os
De onde vem o bloqueio? Essa é justamente a questao. No grandes problemas residem alhures, que as grandes decisoes
plano teorico, discerne-se bem seu mecanismo. O espaco sao tomadas noutros lugares. Dai um desencantamento face
concreto é substituido por um espago abstrato. O espaco con- a realidade urbana, porque sabe-seque a realidade da cidade
creto é o do habitar: gestos e percursos, corpo e memoria, média ou pequena tem algo de anacronico, que cai no ridiculo.
simbolos e sentidos, dificil maturacao do imaturo-prematuro Como passar da cidade, que mantém sua imagem, que tem
(do “ser humano”), contradicoes e conflitos entre desejos e um coracao, um rosto, uma “alma”, a sociedade urbana, sem
necessidades etc. Por seu turno, o pensamento reflexivo desco- um longo periodo de inadaptacao? A
nhece esse contefido concreto, tempo inscrito num espago, Na URSS, entre 1920 e 1950, houve uma imensa eferves-
poiesis inconsciente que desconhece suas proprias condicoes. céncia criadora. De uma maneira extraordinaria, essa socie-
Ele se lanca no espaco abstrato da visao, da geometria. O dade, convulsionada pela revolucao, produziu superestruturas
arquiteto que desenha, o urbanista que compoe 0 plano-massa, profundamente novas (surgidas das profundezas). E isso em
véem, de cima e de longe, seus “objetos”, imoveis e vizinhancas. todos os dominios, ai compreendidos a politica, o urbanismo
Os que concebem e desenham movem-se num espaco de papel, e a arquitetura. Essas superestruturas brotaram antecipada-
de escritas. Apos essa reducao quase total do cotidiano, mente em relacao as estruturas (relacoes sociais) e a base
retornam a escala do “vivido”. Acreditam reencontra-lo, embora (forcas produtivas). Teria sido preciso que a base e as estru-
execatem seus planos e projetos numa abstracao ao segundo turas avancassem, saindo de seu atraso, para que se pusessem
grau. Eles passaram do “vivido” ao abstrato para projetar essa ao nivel das superestruturas nascidas da criatividade revolu-
abstracao no nivel do “vivido”. Dupla substituicao, dupla cionaria. Esse foi oproblema para Lenin durante seus filtimos
negagao que estabelece uma afirmacao ilusoria: o retorno it anos. Quem o ignora nos dias de hoje? As estruturas e a base
vida “real”. Assim funciona o cegante-cegado, no campo que pouco conseguiram acompanha-las. As superestruturas produ-
parece iluminado, mas que nao passa de um campo cego. zidas pela genialidade revolucionaria esboroaram-se, cairam
em ruinas sobre a “base” (camponesa, atrasada) mal e pouco
Como acabar com essa ideo-logica da substituicao coberta
modificada. Nao é esse o grande drama da nossa época? O
de razoes técnicas, argumentada, justificada pelas competéncias,
pensamento arquitetural e urbanistico nao pode derivar apenas
sem a rebeliao do “vivido”, do cotidiano, da praxis? As pessoas
do esforco da reflexao, apenas da teoria (urbanistica, socio-
“em acao”, técnicos, especialistas, sabem que seu espaco “obje-
logica, economica etc.). Ele nasce no curso desse fenomeno
tivo” é ideo-logico e repressivo? Nao.
total, uma Revolucao. As criacoes do periodo revolucionario
2 - Na sequéncia, encontramos as razoes bisloricas dessa na URSS desapareceram rapidamente, esmagadas, esquecidas.
situacao. A Cidade, sua Cite, apaixonou as pessoas por muito Nao surpreendente que tenha sido preciso esperar quarenta
tempo. Elas eram campanilistas. E era desse modo que st- anos, na nossa época (da qual alguns dizem que nao é senao
interessavam pela organizacao do espaco, que constituiaiu velocidade, aceleracao, vertigem), para que os trabalhos
grupos que produziam um espaco. Em geral, tratava-se di- tle A. Kopp restituissem as conquistas do pensamento e da
“notaveis” que “se interessavam", naturalmente, pelo <|uadro pr.’ttica arquiteturais e urbanisticas na URSS? Apesar das circuns-
morfologico e social de seus “interesses”. lissa atitude esta tancias favoraveis (houve, em 1968, na Franca, um “fenomeno
longe de ter desaparccido nas pequenas e médias citlatlcs. total" comparavel, em certa medida, aos fenomenos russos
Contudo, ela se perde, ou melhor, ela perde suas |notivag,'oc*s entre I920 e ”l9_‘l()), nao C" certo que essa aquisicao esteja assi-
e ra'/.oes mais fortes. l)e atitude ofensiva, produtiva (dc us|mg‘n mllada. Viva-mos cntrv as recaidas: das revolucoes, da técnica.
e de tempo sociais, ou seja, dc emprego do tempo) ela st: Esta cncohrincio aquclas.

166 157
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'1
l

Apesar da sua impoténcia para engendrar um corpo dou-


A passividade e o bloqueio tem mfiltiplas razoes historicas.
trinal, em que pese suas desavencas internas (entre huma-
Nao nos encontramos, diante do fenomeno urbano, numa
nistas e tecnocratas, promotores privados e representantes t
situacao comparavel a das pessoas que, no século passado, yl
do Estado), o urbanismo reflete essa situacao global, e participa
consideravam os fenomenos da indfistria? Os que nao haviam
ativamente dessa pressao ideo-logica e politica. Isso é evidente. l

lido Marx, isto é, quase todos, so podiam perceber caos, fatos


Ele so evitaria tal fato mediante uma auto-critica permanente. t
sem ligacoes. E nao se tratava apenas das pessoas “comuns”, ‘.
ll

mas também das “cultas”, e mesmo dos economistas. Aos 3 — Chegamos as razoes teoricas da passividade. Elas se i
l

seus olhos ofereciam-se tao-somente unidades separadas, situam precisamente na fragmentacao do fenomeno urbano. l

as empresas, cada uma submetida a seu dirigente (patrao, Nos exploramos seu paradoxo: ele so pode ser considerado
como totalidade, e seu carater total nao se deixa apreender. i
proprietario, empreendedor). Diante deles, reflexao e olhar,
Escapa. Ele esta sempre alhures. Pouco a pouco esse paradoxo
a sociedade atomizava-se, dissociada em individuos e frag-
foi elucidado. Ele quer dizer: centralidade e dialética da centra-
mentos. O proprio mercado nao podia aparecer senao como l
lidade. Quer dizer: praxis urbana. Quer finalmente dizer:
uma série ou uma soma de acasos, sem ligacoes. Como a tota-
revolucao urbana. Esse triplo carater, recusado pela ideologia
lidade nao entrava num pensamento, tampouco numa acao,
e pela pseudocientificidade “positiva”, justifica a mais extrema .41
como o conceito de planificacao nao havia saido do limbo, a
fragmentacao, motiva os recortes mais cinicos. Alguns pseu-
visao atomizada e molecular do social nao levantava qualquer
doconceitos, que ao mesmo tempo parecem precisos (opera-
objecao. Nao se sabia como apreender os fatos, como agir
cionais) e globais, legitimam tal fragmentacao e recorte. Veja-se
sobre eles. Nao ocorre o mesmo, nos nossos dias, quanto ao
0 pseudoeonceito de l ’environne1nent[meio ambiente]. O que ll
fenomeno urbano e a sociedade urbana? Nao se sabe por onde designa? A “natureza”? O “meio”? Isso é claro, mas trivial. O ll
considera-los. Somente os espacos vazios e o vazio do espaco que envolve? Quem e o que? Nao se sabe. Ha l’environnement
prestam-se a reflexao, a agao. O pleno resiste. Escapa as consi- [os arredores] da cidade: é o campo. Ha Venvironnement [o
deracoes, ou melhor, fragmenta-se indefinidamente frente a cnvoltorio] do individuo: é a série de envoltorios, cascas ou
reflexao e a acao que querem apreendé-lo. O pensamento “conchas” (A. Moles) que o contém, de suas roupas a sua i
l
flutua entre o pleno que se pulveriza e o vazio que o desafia. vizinhanca. O quarteirao? O bairro? Tém l environnement [seus
As razoes politicas da passividade sao, portanto, graves. arredores] e sao l ’environne1nent [contexto]. E o horizonte da
Uma pressao enorme se exerce sobre as consciéncias para cidade ou a cidade como horizonte que se denomina desse l

manté-las em quadros limitados. Ideologica, técnica ea poli- modo? Por que nao? Mas isso é indispensavel? Desde que se
ticamente, o qaantitativo erige-se em regra, em norma, em queira precisar, recorre-se a um especialista, a um técnico.
valor. Como escapar do quantificavel? Mesmo nas empresas, Tem-se, portanto, l ’environnement [o meio] geografico, sitio,
os organismos representativos da classe operaria mantém paisagem, ecossistema. Havera lenvironnement [o contexto]
suas reivindicacoes e aspiracoes no nivel do quantificavel: historico, Venvironneinent [o ambiente] economico ou socio-
salarios, horarios. Enquadra-se o qualitativo. O que esta légico. O semiologo descrevera os sistemas simbolicos e os l

i
além do quantitativo é cortado. O terrorismo gene|':lli'/.;ttlu signos que environnentlenvolveml os individuos e os grupos. l
t
do quantificavel acentua a eficacia do espaco repressivo. O psicossociologo descrevera os grupos que environnent
Ele a inultiplica, ainda mais se considerarmos que ele tem suas [Ccrcaml os individuos. E assim por diante. Ao final, ter-se-a
razoes (ideo-logicas) proprias, sua cientificidade apa|'ente»- ll clisposig,'ao uma soma de descricoes parciais e de enunciados
mente sem receio e sem admoestacaoi Nessa situa<,‘ao, a clrlssu iinaliticos. Serao expostas na mesa ou postas no mesmo saco.
o/10/"arlanao tem alcance politico, uma vez que nao ques- lltto sera I‘er11/lmmzumeni lo meio ambiente]. De fato, trata-se de
tiona o quantitativo; ela nao propoc nada dc importante Uma imagem emprestada da descricao ecologica e morfologica,
em termos tle urbanismo. é, uma imagem limitada que so esiende des:nesuradamente,
porque é facil e manejavel. Ela é utilizada para operacoes violentamente. Freqiientemente, tem, entre si, um contrato, um
classicas e bem conhecidas (ainda que oficialmente desco- quase-contrato, ou um acordo de cavalheiros. Qual é a melhor
nhecidas como tais) de extrapolacao-redugao. conjuntura para o usuario? O conflito, nao muito violento,
Mais técnica, a nocao de eqaipamento acarreta o mesmo entre essas duas competéncias. Quantas vezes o usuario esta
resultado: as funcoes isoladas, projetadas separadamente no presente para beneficiar-se dessa circunstancia? Raramente.
Se, nesse caso, chega-se a evoca-lo ou invoca-lo, raramente
terreno, fragmentos analiticos de uma realidade global que
esse proeedimento destroi. A vida urbana localizar-se-ia nos chega-se a convoca-lo.
diversos e diversificados equipamentos que respondem a todos O usuario? Quem é? Tudo se passa como se os competentes,
os problemas. De fato, a localizacao funcional deixa escapar os “agentes”, as autoridades afastassem de tal modo o uso em
tao numerosos elementos, ela atinge tao raramente seus obje- proveito da troca, que esse uso se confundisse com a asura.
tivos, que basta retomar sua critica no plano da teoria. Igual- A partir dai, como o usuario é considerado? Como um perso-
mente, basta mencionar a multiplicacao das autoridades, das nagem muito repugnante que emporcalha o que lhe é vendido
competéncias, dos servicos, dos departamentos dos quais novo e fresco, que deteriora, que estraga, que felizmente rea-
dependem os “elementos” separados da realidade urbana. liza uma funcao: a de tornar inevitavel a substituicao da coisa,
Também aqui, o burocrata e a fragmentacao burocratica so de levar a obsolescéncia a contento. O que muito pouco 0
encontram limites internos, que so deixam de proliferar e fun- desculpa.
cionar na superposicao inextricavel das competéncias locali-
zadas, elas também, nos departamentos. Situacao que seria
comica se nao implicasse uma pratica: a segregacao, pela
projecao, separadamente, no terreno, de todos os elementos
isolados do todo.
4 - Eis, enfim, algumas razoes sociologicas do fenomeno
considerado, a saber, a passividade (a auséncia de “partici-
pacao”) dos interessados. Passividade que a ideologia da
participagao certamente nao chegara a abalar. De fato, eles
nao tem o longo habito de delegar os seus interesses a seus
representantes? Os representantes politicos nem sempre desem-
penharam seu papel, e esse papel se esfumou. Assim, a quem
confiar a delegacao de poderes e, mais ainda, a representacao
da existéncia pratica e social? Aos especialistas, aos competentes.
Cabe a eles, pois, consultarem-se entre si e se pronunciarem
sobre tudo o que concerne ao “habitat” funcionalizado. ()
habitare o habitante retiram-se desse jogo. Eles deixam aos
“decisores” o cuidado e a preocupacao de decidir. A atividade
refugia-se no cotidiano, no espaco petrificado, na “reil'icacao"
inicialmente suportada, depois aceita.
Como o asuario nao poderia se sentir o /crcelro ¢*.x'cInl'r/u
no encontro e no dialogo (se ha dialogo e encontro) crit|'e
o arquiteto e o urbanista? Ora estes coincidem no mesmo
personagem, ora separam-sc c sc cnl'rentam, mais ou rnenea

1'70
i.
N O T A S
it
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CAPLTULOI
DA CIDADE A SOCIEDADE URBANA
‘l

‘Para evitar confusoes e/ou explicacoes, manteve-se o termo em l“


i,
francés, empregando-se a palavra cidade apenas para designar
ville. (N.T.)
2 Com bibliografia atualmente consideiavel, a questao foi retomada
depois de um artigo célebre intitulado “Asiaticus” (in: Rinascita. Roma,
l
)
1963). Cf. os artigos de J. Chesneaux (La Pensée, n.114 e 122); M. I

Godelier (Les Temps Modernes, mai 1965). A obra basica continua


sendo a de K. A. Wittfogel, Wirtscbaft and Gesellscbaft Clainas.
‘i
Leipzig, 1931, traducao francesa em 1964 sob o titulo: Le despotisme ‘l

oriental. Textos de Marx nos Gmndrisse e em O capital.


5O termo arrabalde, que em alguns dicionarios corresponde a
failbourg, nao parece apropriaclo para designar as extensoes (em
l
geral centros artesanais e de comércio) de certas cidades (medie-
vais) para além de suas muralhas. Na Franca foram denominados i
l
faubourgs (de faux bourg, falso burgo), em razao de sua locali-
\
zacao exterior aos limites da cidade. Com o passar do tempo, l

integraram-se a esta ultima e em alguns casos conservam até i


hoje as antigas denominacoes. Em Paris, por exemplo, é o caso
do Faubomg Saint-Antoine, entre outros mencionados pelo autor
na sequéncia desta obra. (N.T.) ' -<;-f-it1-1;:
ii

4 Aldeias fortificadas e/ou cidades de guarnicao constmidas no sudo-


este francés a partir do século XIV. (N.T.)
t

CAP1TULO 11
o CAMPO CEGO
' Pequeno larciim ptlblico, geralmente cereaclo com grades, iocalizado
no meio ele uma uracil. (N.T.)
i

2 Cf. em particular 0 livro de J. T. Desenti sobre as Idéalités CAPITULO 111


mat/oérnatiques. Ed. du Seuil, 1968. o FENOMENO URBANO
5A isotopia define-se como “conjunto redundante de categorias
semanticas que torna possivel a leitura uniforme do texto, tal 11:1 podemos assinalar que o centro urbano possui esses tracos
como esta resulta de leituras parciais dos enunciados apos a reso- caracteristicos: simultaneidade dos elementos do inventario
lucao de suas ambiguidades, sendo a propria resolucao conduzida urbano (objetos, pessoas) fixados e separados na periferia segundo
pela tentativa da leitura unica". (GREIMAS. Eléments pour une uma ordem (redundante), encontro desses elementos, portanto,
théorie de Yinterprétation du récit. Communication, n.8, p.50; desordem e informacao maxima: complexificacao em relacao a
cf. também Séinantique structurale, p.96). O conceito encontra-se, periferia, mas também riscos e perigos provenientes desse afluxo.
assim, ligado a uma leitura do espaco (e do tempo inscrito nesse A des-centralidade imobiliza-se na redundancia. O estudo analitico
e formal (matematico) desses fenomenos pode ocultar a dialética
espaco) urbano. Esse espaco, mais ou menos legivel na imagem
da centralidade. Nenhum centro se basta e pode bastar-se. A
e nos planos da cidade, pode ser lido de diversas maneiras. Ele
saturacao 0 toma impossivel. Ele remete a um outro centro, a
suscita diversos léxicos, varios tipos de discursos, como incita
uma centralidade outra. (Cf. infra)
muitos percursos. O termo “isotopia”, e seu correlato “heterotopia”,
indicam que acontece reunirem-se, situando-se, os discursos e os Z Cf. os trabalhos de Christopher Alexander: Architecture, rnouvement,
léxicos em sua pluralidade. Entre os discursos que podem sus- continuité, 1967, n.1.
citar percursos, destaquemos as formas, as funcoes, as estruturas 3 Este é o maior obstaculo a extensao da lingiiistica pos-saussuriana e
urbanas. Quem fala? Quem age? Quem se move no espaco? Um do modelo saussuriano a teoria dos mitos e da mitologia, da literatura
sujeito (individual ou coletivo) que entra nas relacoes sociais (de e da narrativa etc. Cf. os trabalhos de M. Lévi-Strauss, de Roland
propriedade, de produgao, de consumo). Assim, a descricao das Barthes. Dai a busca de outros modelos.
isotopias e das heterotopias desenvolver-se-a conjuntamente com
a analise dos atos e situacoes dos sujeitos e sua relacao com os “ Cf. R. Boudon. A quoi sert la notion de structure, p. 191 et seq.
objetos que povoam o espaco urbano. O que nos leva a uma
descoberta, ou melhor, a um re-conhecimento: da presengu-
auséncia que contribui para povoar o espaco urbano, do al/auras, CAPITULO IV
da u-topia (o que nao tem lugar, o que nao acontece). NIVEIS E DIMENSOES
4 Para empregar conceitos e uma terminologia que nao nos perten-
cem, diremos que 0 urbano (contra o urbanismo, cuja ambigui- ‘ Zaratboustra, III. “De la vertu qui rapetisse”, 1.
dade torna-se patente) assoma ao horizonte, ocupa lentamente
2 Essa grade foi construida e verificada a partir do notavel espaco
o campo epistemologico, torna-se a epistémé da época. A historia
urbano de Kyoto (Iapao), onde os servicos de arquitetura e de
e o historico se distanciam. A psicanalise, a linguistica, assim como
urbanismo consentiram em fornecer ao autor todas as infor-
a economia politica, apos o seu apogeu, comecam a declinar. t )
macoes uteis: historicas, cadastrais, demograficas etc. No curso
urbano esta ascendendo. O mais importante, porém, nao 0 classl ~
de uma breve estada no japao (ao redor de dois meses) tentei,
ficar os campos, os dominios, as “topias” do conhecimento, c sim evidentemente, como primeira aproximacao, um estudo do
influir no movimento. Se se quiser denominar esta acao de “pr:'ttit'a espaco urbanistico e arquitetural desse pais a partir das categorias
teorica”, tudo bem, mas ela nada tem em comum com uma ci:.-ntl- analiticas do pensamento ocidental. As promessas de um tal
ficidade erigindo-se em principio que afasta o “vivido" e a /»'r1.\'ls. estudo, comportando, dc um lado, o conhecimento dos ideograinas
‘O termo nao foi traduzido por “justi<"eiro", coinosugc-1':-in alguns e do tempo-espag'o associado, e, de outro, o conhecimento do
dicion.’u"ios, devido a aicepgzio propria que essa palavra possui modo de protltigao asi.’ttico e dc suas variantes, implieando o
entre nos. (N.'i'.) conhecimento da China cum, foram apenas cntrevistas. Trata-se

174
Ul-P

de um espaco historico anterior ao capitalismo e a industria, mas transformacao, invencao, criacao de sentido? Ou combinatoria
altamente complexo. expondo combinacoes ainda desconhecidas? Ou somente meta-
A obra aqui anunciada e consagrada a analise do espago (ou me- lin ua em, discurso sobre o discurso inicial? Inclinar-nos-emos P ela
lhor, do tempo-espaco) desenvolvera: primeira solucao, na relacao texto-contexto.
a) o principio de interacao, de interpenetracao e de superposigao
2Abreviacao para Habitation a LoyerModeré. Traduzindo literalmente,
dos espacos (dos percursos);
habitacao de aluguel moderado. O autor refere-se a habitacoes cujo
b) os conceitos de polifuncionalidade e de transfuncional;
equivalente mais proximo entre nos seriam os conjuntos habitacionais.
c) a dialética da centralidade;
d) as contradigoes do espaco;
(N.T.)
e) o conceito da produgao do espaco (do tempo-espaco) etc.
A P os esse encadeamento (indo do abstrato ao concreto, do logistico
*1 exploracao dialética das contradicoes do espaco) poder-se-a falar
( CAPITULO VI
de uma epistemologia urbanistica? Talvez, mas com reservas. A cons-
tituicao de “nucleos”, ou de “centros”, pretensamente definitivos, do
A FORMA URBANA
saber, nunca ocorre sem riscos. Solidez e “pureza” racionais tendem
‘ Trata-se do grande mercado de viveres do centro cle Paris desativado
a uma curiosa segregacao, no plano da propria teoria.
nos anos 60. Vale a pena lembrar que esse antigo centro de abaste-
i‘ O autor refere-se a obra La production de l’espace, publicada em cimento transformou-se, apos sua desativacao e antes de sua demo-
1974. (N.T.) licao, em centro de atividades culturais. Em uma outra obra, Henri
‘Cf. KOPP, A. Ville et revolution. Editions Anthropos, 1968. _ Lefebvre referiu-se ao curto periodo (1969-1971) em que o espaco
de les Halles converteu-se em “lugar de encontro e de festa, em
‘Textos do Manifesto de 1919, do catalogo e da revista da Bauhaus centro lfidico para a juventude de Paris”. (Cf. LEFEBVRE, Henri. La
(n.4, 1928), reunidos por ocasiao da exposicao consagrada a Bauhaus production de l’espace. 2.ed. Paris: Anthropos, 1981. p.194.) (N.T.)
pelo Museu de Arte Moderna, Paris, 1969.
2Pequeno agiupamento de casas isolado de outras construcoes. (N.T.)
" Estas observacoes visam tanto a R. Garaudy e seu “humanismo
marxista”, como a L. Althusser (PourMarx) e L. Seve (Marxisme 0/ 3Essa teoria da forma envolve e desenvolve a analise do Direito a
I/aéorie do la personnalité) etc. E particularmente curioso percorrer, cidade (Ed. Anthropos, 1966). Nesse livro, a cidade é compreen-
no pensamento marxista (dito marxista), o curso da atitude dida como: a) objeto (espacial); b) mediacao (entre a ordem
filosofante, os esforcos para manté-la e defendé-la, para conservar proxima e a ordem distante); c) obra (analoga a obra de arte,
sua abstracao como propriedadeprivada de um aparelho (que modelada por um grupo). ja a forma unifica esses trés aspectos.
assim mantém a propriedade privada das idéias). Aqui, o “direito a cidade” torna-se o direito a centralidade, a nao
Nao seria puro idealismo estudar as relacoes sociais sem considerar ser posto a margem da forma urbana, a nao ser no que concerne
os lugares (ocupados por essas relacoes) c a morfologia (material)? as decisoes e a acao do poder.
A atitude desses filosofos que se dizem materialistas so pode set Ademais, mostramos que a arvore, isto é, o diagrama da arvore:
explicada pelo poder ideologico do aparelho. a) é uma estrutura rigorosa, coercitiva, permitindo apenas percursos
determinados;
b) que esta estrutura é, ao mesmo tempo, mental e social;
c) que projeta no terreno uma concepcao burocratica (hierarquica)
(11APl'i“Ui.O v da sociedade;
Mrros no URBANO ii ii)1iOi.OGlAS d) que sua “cientificidade” dissimula uma ideologia;
e) que esse esquema e rezlulorda realidade urbana;
‘Nao insistimos no prohlt-ma la sa ii cntat
i l o ct ieixado ein suspt-uso. l') que 6' fretliienlcmenle adoiado pelos urbanistas como representa-
Como uniclades ja siguiikantcs entram em outras unitlaclus? iiii tivo da ordc-in tiflltiliil, embora seja segregativo;

176 177
|
- .ii.— , . | - :
: n " ' ' I-

~'-miaiii assim:
pas: Lti‘l§Enilill"€ofil§l "rum-
mtivo eis orciiem urbtirm, embora nela aegregacivo.
Eases temas serao retomadas no livro anunciada sob o tituio Teoria
do aspapo urbano.

CAPITULO VII DIRETORA DA COLECAO


PARA UMA ESTRATEGIA URBANA Heloisa Starling

' Em Frances, usager. Embora a palavra aqui utilizada tenha sido


usuario, é importante obseivar que, entre nos, alguns outros pesqui-
saclorcs cla obra lefebvriana preferem se valer do termo usador DO SOTAO A VITRINE, memonas de mul/seres
para designar os momentos em que Henri Lefebvre nao se refere Maria Jose Motta Viana
apenas as relacoes estabelecidas no mundo das mercaclorias. (N.T.) A IDEIA DEjUS77QA EM KANT} seufundamento na libeidade
e na igualdade
Joaquim Carlos Salgado
1
ELEMENTOS DE YFORIA GERAL DO DIREITO
Edgar da Mata Machado
O ARTESAO DA MEMORIA NO VALE DO _]EQUY7YNHONI-IA
Vera Lucia Felicio Pereaa
OS CINCO PARADOXOS DA MODERNIDADE
Antoine Compagnon
LIQOES DE ALMANAQUE, um estudo semiotico
Vera Casa Nova
MULTYPLOS OLHARES SOBRE EDUCACAO E CULTURA
Juarez Dayrell (Oig)
ANTROPOLOGIA DA VIAGEM, escravos e libenos em Mznas
Gerazs no seculo XIX
Ilka Boaventuia Leite
O TRABALHO DA CITACAO
Antoine Compagnon
IMAGENS DA MEMORIA, entre 0 legivel e o viszvel
Cesar Guimaraes
AO LADO ESQUERDO DO PAI
Sabrina Sedlmayer
NAVEGAR E PRECISO VIVER escritos para Silvzano Santiago
=-~¢-
Eneida Maiia de Souza e Wander Melo Miianda (Oig)

178 I

§:a%
i U

Filosofo, o francés Henri Liefebvre


atravessou o século XX questio-
nando o mundo moderno naquilo
que tem de especifico e univer-
sal. Em sua extensa e admirétvel
obra encontram-sie estudos
bastante concretos, como os sq-ue
produziu sobre 0 fascismo e
sobre a realidade social euros-
péla e francesa em p.artilcui.ar,,
chegando at trabalhos fu‘mdflmen:~
tais a respeito dos-itdiesi:¢sm=l=ahiia
do pe.naam.e.sire- marxista»:-1-as
agao elm seu lt ;it51t.’i‘.i‘te“-i titti-
ilvros d1ud%ia“sdies- -an
A presente edicao i'oi composta pela lltlllottt vida
UFMG, em caracteres (latineau, corpo lii,5/I3. till
e impressa pela iinprt.-nsa (Ji'lcla| do llnitttlu ele
sao Paulo, em sistema ul‘i'sct. papel 0lTiiEi WI
(mioio) v cartao supruinu Pltig (vttpitl, om fll3i'll
do 2002.
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