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ORGANIZAGAO DE Luydy Fernandes Déborah DuarteTalim TECNOLOGIA LITICA NA ARQUEOLOGIA BRASILEIRA COLETANEA DE (RE)PUBLICAGOES) MUSEU DE HISTORIA NATURAL. EJARDIM BOTANICO DA UFMG Tecnologia litica na arqueologia brasileira: coletinea de (re)publicagdes / organizacio e edigao de Luydy Fernandes, Déborah Duarte-Talim. —1.ed.—Belo Horizonte: Museu de Histéria Natural e Jardim Botanico da UFMG, 2017. 237 p. 7955 ISBN: 978-85-62164-11-8 1. Arqueologia. 2. Tecnologia litica. L Fernandes, Luydy Abraham. II. Duarte-Talim, Déborah Lima. CDD: 930.1 CDU: 902 Museu de Histéria Natural e Jardim Botanico da UFMG Rua Gustavo da Silveira, 1.035. Bairro Santa Inés. CEP: 31.080-010. Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil. Capa Fotos: Instrumento de seccao plano-convexa do sitio Caixa d’Agua de Buritizeirc estado de Minas Gerais (M.J. Rodet ¢ M. Alonso) ¢ lamina de machado las°x¢ do sitio Piragiba, estado da Bahia (L. Fernandes), Imagens fora de escala Projeto grafico diagramacao: Lais Rocha _METODO PARA ESTUDO DE INDUSTRIAS LITICAS LASCADAS: A ANALISETECNOLOGICA Jacques Pelegrin, Maria. Jacqueline Rodet, Déborah Duarte-Talim Artigo escrito especialmente para a Coleténea, como sintese dos cursos ministrados por Jacques Pelegrin na Universidade de Nanterre e inspirado nos artigos: i) RODET, M. J. 2005. Principios metodolégicos de andlise de induistrias liticas lascadas: Aplicacdo no norte de Minas Gerais e regides circunvizinhas. Anais do XIII Congreso da Sociedade de Arqueologia Brasileira (CD) e ii) RODET, M. J.; DUARTE-TALIM, D. e SANTOS JR., V. 2013: Cadeia operatéria e andlise tecnolégica: uma abordagem metodoldgica possivel para as industrias Iiticas lascadas da América do Sul (exemplo das pontas de projétil do nordeste do Brasil). Cuadernos del Instituto Nacional de Antropologia. Introdugao A anilise tecnolégica é um método eficaz de estudo de induistrias liticas pré-histéricas que considera tanto os instrumentos (ou os objetos), quanto os restos brutos da producao dos mesmos (nuicleos, lascas, fragmentos, etc.). A ideia central € compreender as atividades técnicas liticas ¢ as intengdes culturais dos grupos humanos no que concerne o trabalho na pedra (Tixier, 1978; Inizan et al, 1995; Pelegrin, 1995, 2005; etc.). Adapatada da Escola Francesa, a andlise tecnolégica pode ser aplicada tanto em colegées provenientes de sitios escavados, quanto em pecas sem contexto arqueolégico conhecido, como colecdes de museus (Rodet, 2005; 2006. Rodet e¢ a/., 2013b, etc.). O principal conceito que sustenta esta anilise é o de cadeia operatoria, que busca entender as diferentes etapas de producao dos instrumentos, desde a escolha da matéria~prima até a itengao Método para estudo de indtistrias liticas lascadas: 13 4@ Anilise Tecnologica final, o instrumento em si, passando por todas as suas tapas nal, de produgao. Mesmo sendo ve en e concebi ara a etnologia (Mauss, 1947; Maget, 7 © sera aplicady Pane “elias por A. Leroi-Gourhan (1964): “a técnicg é abe gesto ou utenstlio, Cea canel em cadeia Por uma verdadeira sintaxe que da as séries operatorias a sua fixidez,¢ SUBtilexq? (Leroi-Gouhran, 1964: 117). ; Be Assim, a anilise tecnoldgica consiste na see mental de cada pega, ou de cada retirada, em seu Ban lugar na(s) Cadcia(s) operatéria(s), permitindo Cr Or aniZaa0 hierarquizada a colecao: cada pega € analisada individualmente, mas sempre em relacao com as outras, pensando-se no encadeamento das acdes do lascamento e das retiradas em busca de um determina lo instrumento (Tixier, 1978). Este instrumento final € resultado de um projeto: trata-se de uma imagem mental (Pelegrin, 1995, 2005) pré-concebida culturalmente na mente do lascador (Rodet, 2005, 2006). Outro parametro a ser inserido na anilise sio as questées de ordem idiossincraticas, tais como os diferentes niveis de savoi- faire (ideal e sensério motor — Pelegrin, 2005), que podem estar ligados 4 presenga de pessoas mais ou menos especializadas em determinadas producoes, dentro de um grupo cultural, Os diferentes niveis de savoir-faire inscritos nos instrumentos Iiticos apontam também para diferentes graus de aprendizado de uma tecnologia que é passada de geracao em geracao (Chauchat ef al, 2004; Pelegrin, 2005; Rodet e Duarte-Talim, 2013). Nesse sentido, deve-se lembrar que a producio dos instrumentos esta relacionada ao desejo e a necessidade do grupo social, considerando regras de produ¢ao que podem ser mais ou menos rigidas (Wateau, 2001). Em consequéncia, o resultado final é a producao de instrumentos que seguem uma mesma légica, a qual se traduz desde a escolha das matérias-primas; passando pele escolha das técnicas e métodos de produsio, até os gestos e a posi¢ao do corpo ~repassados através da aprendizagem (Chauchat et al., 2004; Rodet e Duarte-Talim, 2013). lo. 14 Tecnologia Litica na Arqueologia Brasileira Coletdnea de (re)publicacdes Ainda, dois outros conceitos devem ser considerados: economia da matéria-prima e economia da debitagem (Perlés, 1980, 1981). A economia da matéria-prima estabelece a relacao entre as jazidas de matérias-primas disponiveis na area estudada e os tipos de matérias- primas encontradas nos sitios, as quais foram transformadas pelos grupos humanos pré-histéricos, aproximando-os aos seus ambientes. Esta relacao reflete as escolhas feitas de acordo com © sistema de obtencao das matérias-primas (local ou exégeno), a utilizacao diferenciada das mesmas e, consequentemente, a importancia de cada uma delas. Para isto é necessério ter um conhecimento geral da geologia da area estudada. Dois critérios devem ser levados em conta durante a ani tecnolégica. Trata-se do grau de homogeneidade técnica ¢ cronoldgica da colegio e o grau de representatividade da mesma. Para o primeiro, é importante observar se a coleco apresenta ou nao uma mistura de diferentes niveis arqueoldgicos. Para tanto, é importante compreender a formacio do sitio e também a evolugao pos-deposicional do mesmo (varios mecanismos naturais ou antrépicos podem té-lo perturbado), pois € fundamental que a andlise seja realizada sobre um conjunto cronologicamente hogéneo. E, finalmente, se possivel, isolar as pecas intrusas, ou seja, pecas que destoam do conjunto (por exemplo, indtstrias liticas que sao, sem nenhuma divida, relaiconadas 4s camadas com presenca de ceramica, porém que se encontram em niveis muito antigos). Ainda, a observagao do estado tafondmico dos bordos e das superficies, os quais podem se apresentar frescos, arredondados, patinados, etc. Em casos especificos, como para colegdes de superficie, cujo contexto possibilite a formacao de palimpsetos os parametros metodolégicos devem ser adapatados (Rodet, 1999; Rodet e Xavier, 2003; Machado, 2013; etc.). Quanto ao grau de representatividade da colegao, este é diretamente ligado a dois fatores: i) 4 dimenséo da série em estudo e ao setor no qual foi realizada a escavaco e ii) ao lugar que ela ocupa na topografia do sitio arqueoldgico. As escavages podem ser mais ou menos representativas do sitio escavado. E fundamental que a colegio seja representativa do sitio, ou, pelo Método para estudo de indiistrias Iiticas lascadas: 15 4@ Anélise Tecnoldgica escavado. Ainda, vale lembrar que os etd Pixier, 1980; Cahen ef al, 1980) si 1, e i : ee) aN Sena de um nivel arqueoldgico (Roder 3005, 2006} Rodet ef a/., 2013b). me O objetivo principal deste artigo € ap pe: verses fase tudo de colegdes liticas a partir da Andlise Tecnologie, de um oh uma sintese e renovagao de dois artigos j4 Publicadog. ‘Trata-se de M.J. Rodet 2005 M. J. Rodet ef a/., 2013, o¢ pe nto dos seminarios de J. Pelegrin na Universidad, de Nanterre, Franga, quanto da aplicacao de sua metodolo, tese e no mestrado das duas autoras. Nesta nova Versio, revisitados os paraémetros Sane da anilise (que sio s os mesmos) e foram introduzidas novas abordagens ¢ cong, menos do seto! quais sejam, sao resultado tat gia na foram emMpre €itos, II- Procedimentos da anilise Para homogeneizar as andlises s0 adotados alguns procedimentos que permitem uma comparac¢ao entre os elementos comparaveis da cole¢ao, mas, ao mesmo tempo, nao deixam perder de vista a especificidade dos mesmos. Assim, em um primeiro momento, as andlises quantitativas das lascas sio realizadas por meio da formacao de um banco de dados com a aplicacio de um protocolo descritivo, o qual contém os caracteres técnicos a serem observados em cada pega (fig. 1 — Rodet, 2005, 2006; Rodet ef a/., 2013b). Por outro lado, os instrumentos ¢ nticleos terao descrigdes qualitativas e quantitativas, observando suas principais caracteristicas tecnoldgicas. O interesse € aproximar os dados observados nas lascas, nos instrumentos e nos micleos para entender as tendéncias das industrias liticas. Estabelecidos os procedimentos da anilise, deve-se organiza a colegio por matéria-prima e por fases da cadeia operatéria Na organizacao por matéria-prima, a primeira coisa a ser feit € a separacio fisica das pegas, por tipo de rocha ou miner (quartzitos, quartzos, silexitos, silex, arenitos, etc.). A intengi 16 Tecnologia Litica na Arqueologia Brasileira Coleténea de (re)publicacdes identificar, j4 inicialmente, a presenca ou nao de uma economia da matéria-prima (Perlés, 1980). Dentro de cada classe de matéria- prima separam-se os instrumentos, os miicleos, as lascas e outros testos brutos de debitagem (fragmentos lascados, fragmentos com contato térmico, etc.). Algumas etapas fundamentais na anilise tecnolégica podem ser enumeradas: 1 - A classificagio tecnoldgica: permite organizar as séries Iiticas, tentando restituir as pesas em seus devidos lugares no seio da(as) cadeia(s) operatéria(s) (Leroi-Gourhan, 1966, 1972; Balfet, 1991; Desrosiers, 1991; Karlin ef a/, 1986; Pelegrin et a/., 1988; Inizan e¢ al, 1995), utilizando uma classificacio morfo- tecnoldgica. A classificagio deve seguir procedimentos distintos pata os instrumentos e para os restos brutos de lascamento, considerando-os em niveis hierarquicos distintos. O cruzamento dos dados observados sobre os suportes de instrumentos ou objetos, sobre os nticleos e sobre 08 restos brutos de debitagem podera contribuir para identificar as grandes intenges das séries estudadas (Tixier, 1978; Tixier, 1980; Perlés, 1987, 1991; Geneste, 1985; 1991; Pelegrin, 1995, 2001, 2005; Rodet, 2005, 2006; Rodet et al, 2013b). A classificagao é realizada a partir das diversas matérias-primas presentes na colegio: busca-se entender se foram realizados projetos distintos em matérias-primas diferentes. Em seguida, isola-se i) os instrumentos; ii) os nticleos, iii) as lascas iniciais (entame ou inicio de debitagem), as quais teri, de uma maneira geral, maior espessura, presenca consideravel de cértex ou de neocortex, de geodos, etc.; iv) as lascas provenientes de uma etapa mais avangada da debitagem; v) as lascas de fagonagem de certos instrumentos (lascas que indicam lascamento unifacial ou bifacial); vi) as lascas técnicas (as quais € possfvel restituir seu local extato na cadeia operatoria, tal como uma lasca de limpeza de superficie de debitagem ou de limpeza de fagonagem de um instrumento de sec¢ao plano-convexa); vii) as pequenas lascas que podem ser de ‘Método para estudo de induistrias Iiticas lascadas: 17 a Andlise Tecnolégica cusio ou de retoque. Cada categoy; a. deye uscinta durante a tomada de dado. limpeza de plano de per ser descrita de maneira $ 2 — A descrigao dos instrumentos: os ates Sd0 as intenges, © projeto dos lascadores, ° aN ; toda a Produc, portanto, sio 0s objetos mais fe ae da ae (juntamens, com os mticleos - Inizan ef al, 1995; Pel egrin, 5, 2005), Assim, as andlises devem comegar por eles, considerando as diferentes matérias-primas ¢ 0S suportes. ae anto, Muitas vezes em uma colegio € dificil definir 0 que sao 08 instrumentos. Uma qa, definigdes classicas da Escola sintetiza Ba QS instrumentos sip todos os objets intencionalmente fabricados (por debitagem, fagonagem, polimento, etc.), todos os objetos naturais (seixos, blocos, etc.) e brutos dedebitagem (debitados, Mas no retocados) que possuem tracos de utilizagao macro ou microscdpicos (Karlin e Pelegrin, 1997). Pode-se ter quarto grandes categorias de instrumentos, de acordo com o grau de transformagao dos suportes (Rodet, 2006): i. instrumentos retocados (unifacialmente e bifacialmente), com maior grau de elaboracao, denominados “instrumentos elaborados”: em geral os suportes so os produtos de primeira escolha (provenientes da debitagem) ou, ainda, podem ser produtos provenientes da faconagem. Os suportes sao intensamente modificados, em termos de forma e volume, por uma ou mais técnicas (percusséo direta dura, macia, pressio, polimento, etc.), podendo nao ser mais possivel sua identificacao ao final da produgao do instrumento; ii. _instrumentos marginalmente transformados, denominados “instrumentos simples”, em fun¢ao do pouco investimento técnico e da pouca sistematizagao na trasnformacao do suporte, havendo apenas algumas retiradas em setores especificos do bordo. Todas as categorias de restos brutos de lascamento podem servir de suporte (lascas, detrito, nucleo, ete.) e, ao final, o instrumento se parece muito com o suporte inicial (volume e morfologia); 18 Tecnologia Litica na Arqueologia Brasileira Coletiinea de (re)publicacses iii. instrumentos brutos de lascamento, ou seja, os suportes so utilizados sem nenhuma transformacao. Observa-se uma procura por gumes abrutos ou cortantes. Pode-se observar, através de lupa binocular, certos tipos de macro-tracos nos gumes (serrilhamento, estilhacamento, arredondamento, brilho, micro-retiradas, ete.); iv. instrumentos sobre suportes nfo lascados, quando o instrumento é o resultado da utilizagao de um suporque que nao foi previamente trabalhado, como seixos, blocos, nédulos, etc., utilizados como percutores e bigornas, por exemplo. Paraa descricao devem ser observados os seguintes elementos: matéria~ prima, dimensdes; tipo de suporte (lasca, seixo, plaqueta, etc.), fases de producao (debitagem, faconagem, retoque, etc.), técnicas (percussao direta dura, macia, sobre bigoma, pressio, etc.) € procedimentos técnicos utilizados (abrasio, emonssée), tipos de retoque ou de macro-traco, dimensdes dos negativos, incidéncia de acidentes, etc. Outro ponto a ser considerado é estado técnico de uma pega fagonada, de um nticleo ou de um instrumento tetocado; que corresponde ao estado técnico no qual a peca foi abandonada dentro da cadeia operatéria. De fato, esse abandono pode acontecer em diferentes momentos da cadeia operatéria, é por isso que, por vezes, objetos de aparéncia diferente (aos quais sio clasificados como instrumentos distintos) sao de fato a expressio da mesma intengao, mas em um estado técno-econémico diferente. Assim, a mesma cadeia operatéria de produgao de uma pega bifacial pode se manifestar tanto no estado de esboco (ébauche); quanto como pré-forma mais ou menos avangada, frequentemente quebrada; fragmento de uma peca aparentemente acabada (pouco espessa, regular), eventualmente retomada por um lascamento mediocre. Esses diferentes estados técnicos sao mais frequéntes que o objeto bifacial tipico, inteiro, aparentemente novo, expresssao direta da intencao do lascamento. Ainda, para os nicleos, ressalta-se que eles podem ser abandonados precocemente, por causa de um acidente de lascamento ou de uma matéria-prima de ma qualidade ou, ainda, Método para estudo de indiistrias liticas lascadas: 19 a Andlise Tecnolégica sa sua verdadeira fase produtiva Gntencion, ‘ z al ados para retiradas secundariag I) com um, e m ser Um, estes poder : A a ee mais simples, evidentemente com gestos Impreciso, 16 6 desastrosos. Nesse sentido, € preciso estar atento a esse tipo Fe ado. se hee nos remete a outro fator de variabilidade Presente nas colegdes € que deve ser considerado: 0 grau de Savoir-faire, que sera responsivel pela presenga de objetos lascados com aparéncis, morfo-tecnoldgicas diferentes, mesmo tendo elesa mesma intencig De fato, o lascamento se faz essencialmente por Petcussi, por meio de gestos muito rapidos para serem controlados pela visio: ele deve ser entao programado antes de Ser realizado, 0 que implica um longo aprendizado. Cada individuo tecnicamente maduro passa por varios estados de aprendizado do lascamento, em consequéncia 0 grupo social pré-histérico compreende necessariamente jovens em inicio de aprendizagem, adolescentes com uma competéncia média € adultos normalmente competentes e que realizam o lascamento de modo eficaz. O inicio da aprendizagem € facilmente observavel pela imprecisio motors: © plano de percussao € marcado por varios pontos de impactos dispersos, enquanto 0 lascador treinado retira a lasca esperada n maximo no terceiro impacto, com uma precisao de mais ou menos 5mm ao ponto visado. O lascador de nivel médio é capaz de boas decisées em relacio ao lascamento, mas a realizacdo é insuficiente e a prepara fundamental ao lascamento, é realizada muito rapidamente, o que a torna também insuficiente (trata-se da impaciéncia tipica dos adolescentes). Assim, diante de uma cole¢ao, o reconhecimento dos diferentes niveis de savsir-faire, como para o estado técnico permite melhor apreciar o valor informativo de cada peca ¢ intengao subjacente a sua realizacao. 0, 3—A descrigao dos niicleos: os nticleos sio também pes:s chave da andlise tecnolégica (Pelegrin, 2005), pois fazem parte & objetivos (culturais) dos lascadores. Os nticleos sio os produt: 20 Tecnologia Litica na Arqueologia Brasileira Coletdnea de (re)publicacoes mais proximos dos suportes iniciais ¢ indicardo a forma como os mesmos foram obtidos (Rodet e¢ al, 2013b). Através da andlise dos mitcleos; é possivel compreender os métodos empregados pelos grupos humanos, ou seja, “o agenciamento racional de um certo numero de gestos executados gracas a uma (ou varias) técnica” (Inizan et al, 1995: 30). Técnica, por sua vez é a modalidade de execugao das retiradas ¢ est4 relacionada ao modo de aplicacao da forga, 4 natureza e 4 forma dos percutores, a posigao do nucleo e/ou instrumento a ser lascado, 4 posigao do corpo do lascador e aos gestos realizados por ele (Pelegrin, 1995; 2000; Inizan et al, 1995; Rodet e Alonso, 2004). Paraaanilise dos niicleos deve ser realizada umaleitura diacritica de suas superficies de debitagem, ou seja, a ordem das sequéncias de lascamentos, dimensées e caracteristicas. Essa leitura permitira realizar (ou nao) uma aproximagio entre os nticleos eos produtos de debitagem, através de raccords e remontagens (Tixier, 1980; Cahen et al., 1980). Como para os instrumentos, é importante entender 0 estado técnico do objeto (inicio ou fim de exploracio?): € possivel que um nticleo no inicio de debitagem tenha produzido lascas grandes, as quais serviram de suporte para certos instrumentos presentes na colecao e que, no estado de abandono, os tiltimos negativos, menores, nao correspondam aos suportes procurados para os instrumentos desejados inicialmente. Assim, ¢ importante sempre observar e balisar o estado técnico dos objetos em andlise. Os elementos a serem considerados na descri¢ao qualitativa de um niicleo sao: os produtos procurados (a partir dos tiltimos negativos sem acidentes); as técnicas utilizadas para a debitagem, assim como a conforma¢ao geométrica do niicleus (niicleos com um ou mais planos de percussao, nticleos com superficies de debitagem mais ou menos largas, etc.); 0 aspecto e a preparagao do plano de percussao (presenca/auséncia de abrasio), acidentes, matéria-prima, métodos (esquema diacritico: agenciamento de retiradas principais, tais como, unidirecionais, convergentes, centrfpetas, etc.). De acordo com J. Pelegrin (2005), algumas questoes devem ser colocadas durante a anilise: ‘Método para estudo de indiistrias lticas lascadas: 21 a Andlise Tecnolégica e momento da debitagem os niicleg, on een) ee devidaou esgotado ou eles sao ainda lases abandonados presentes nas superficies de gg, un aos produtos procuraddos como instrumentos? + presenga/auser . presenga/ause! plano de percuss20 P' geral, a abrasio € visiv or, ‘ager de Dit Suporte a/auséncia de acidentes (Siret, refletido, quebrs, « ncia de abrasa existe uma Preparacs 8 ara retirat a cornija? Lembrando am dc el sobre 0 talao da lasca. > &m Ao finaldo estudo, ¢fundamental apresentarumasintese, unin, os principais aspectos estudados: Beepanicacto do(s) méto dos(«) debitagem, do(s) tipols) de técnica(s) € dos aspectos econsy, ¢, principalmente, os diferentes Epes de suporte procurados ¢ destinagdes em um ou diversos instrumentos. de cos 4—A classificagao tecnologica e descri¢ao dos restos brutos de Jascamento: 0s restos brutos de lascamento devem ser Categorizados dentro de uma das classes criadas (lasca de debitagem, de fagonagem, de retoque, Jascas suporte de instrumentos, niicleo fragmentos lascados, etc.). Para as lascas, deve-se considerar presenca ou auséncia decortéx, a espessura do produto (geralmente, quanto mais espesso © produto, mais distante do objetivo final) ¢ organizacao dos negativos de lascamento na face superior, técnicy utilizada, presenga/auséncia de abrasdo. E importante lembrar que as classes nao so universais, variandc de colecao para colecao, de contexto para contexto, de acordo com as cadeias operatorias representadas. Além disso, devem respon as diferentes questoes e serem adaptadas as diversas matérias primas. Os varios passos da andlise podem ser sintetizados no quadro abaix a a Tecnologia Litica na Arqueologia Brasileira Coleténea de (re)publicagses Sintese do método de estudo aplicado as colegées liticas Iascadas 1- As questdes que guiaram o estudo, os coneitos utilizados ~ a representatividade da colesi0; = seus aspectos tafondmicos. ~ cadeia operatéria, estado técnico, savoir-faire, economia da matéria- prima, etc. 2- Anillise tecnolégica ~ classificacio por matéria-prima; ~ classificagao por sequéncias da cadeia operatéria, ou vice-versa, 2.1 - Os instrumentos: as intengdes do lascamento ~ classificacao: retocados ¢/ou fasonados, brutos de debitagem; - a natureza do suporte; ~adimensio do utensflio (médulo comprimento x largura x espessura); ~ a presenga e a extensio do cortex; = as caracteristicas técnicas dos suportes: técnica de percussio, caracteristicas do talio, tipos de acidente; = a descric&o dos retoques: posigao, localizacao, delineacao, inclinacao, morfologia; ~a dimensio e Angulo dos gumes com macro/micro tracos de utilizagao; ~ a descrigao qualitativa do utensilio; 2.2 - Os niicleos - medidas do suporte (cx e); ~ medidas dos tiltimos negativos presentes nas superficies debitadas, = descrigao do esquema diacritico; ~yerificar: as técnicas de debitagem, presenca/auséncia de cértex, posigao dos planos de debitagem, presenca/auséncia de pitinas diferenciadas, ~ descrigao qualitativa do objeto; 2.3 - As pecas técnicas = descri¢ao detalhada de pecas técnicas: cretas, lasca de limpeza de superficie de debitagem, lasca de coup de tranchet, tabletes, ete - medidas. 3 - Raccords ¢ remontagens = tentar raccords e remontagens: entre pecas do mesmo nivel ¢ de niveis diferentes. 4—Representagao grafica Método para estudo de industria liticas lascadas: 23 a Andlise Tecnolégica jegas mais importantes; jo grifica das Pp bear ou digitalizagio das pecas. fotografias ddo os elementos estudados éteses em relagio a reconstitui¢io Slobal do lascamento; = representag: ~ eventualmente, 5- Sintese aproximan = formulagio de hip cadeia(s) operat6ria(s) € das intengdes - originalidade do estudos ~ contextualizagao- 6 - Publicagao os estudos de colegdes devem, sempre que possivel, ser publicad, III- 0 protocolo descritivo Todos os dados coletados sobre as pe¢as devem ser registrag em uma base de dados. ‘As séries devem ser, na medida do a ‘a objetos de uma mesma descrigéo e tomada de dados quantitatiy ” e qualitativo, a partir dos parametros pré-designados (fig. 1) v is especificidades e as intences : ) parametros respondem a: es .. nas colegdes em estudo, podendo os mesmos ser adaptados Po exemplo, colegdes realizadas sobre seixos com a intenciog : produzir lascas que serao utilizadas sem transformacio (Rod al., 2007) e colecdes elaboradas sobre cristais de quartzo com intengao de produzir suportes que serao fagonados (Bassi ¢ Rodet 2011; Bassi, 2012), teraio protocolos com pequenas diferencas i Por meio deste protocolo pretende-se construir class. econdmicas que correspondem a uma etapa identificavel de uma cadeia operatoria determinada. Sao observados elementos da fic superior e da face inferior: presenga/auséncia de cértex; timer ecno: negativos e suas respectivas orientagdes — andlise diacritica; presen auséncia de abrasao e intensidade da mesma; presenga/auséncia labio, presenga/auséncia de acidentes; tipo/aspecto de talio (co dimens6es, angulo entre o talao e a face inferior); perfil; dim: da pega. Estas uiltimas sao sempre medidas com paquimet eixo tecnoldgico, em centimetros ou milimetros e na propor comprimento x largura x espessura (C x L x E); largurac¢ 4 Tecnologia Litica na Arqueologia Brasileira Coletiinea de (re)publicacées Gabarito de andlise das 99- Indeterminado lascas— Protocolo descritivo 100-NSA Matéria-prima: Abrasio: 1 Plagioclisio 1- Presente 2+ Quartzo hialino 2- Presente insistente 3—Quartzo leitoso 3-Ausente 4— Quartzo poli- cristali-_ 99- Indeterminado no 5 — Quartzito 6- Silexito 7-Calcedénia 100- NSA Orientagao dos negativos: 8 Arenito silicificado _ 1- Unipolar 9— Arcéseo 2- Unipolar e oposta 10- Quartzo fame 3- Unipolar com 11 -Hematita deslocamento do eixo 12 — Rocha verde 4— Centripetos 99 —Indeterminado 5- Perpendicular a0 eixo 100-NSA 6- Perpendicular ¢ unipolar 7 Ilegivel Tecnologia: 8—Ausente 1—Percusso direta dura _99- Indeterminado 2-Percussao direta macia 100- NSA 3-Pereussio sobre bigorna 4—Fatiagem Integridade da pega: 5—Pressao 1- Lasca inteira 6— Percussao apo’ jada: Fragmento proximal (punch) 3- Fragmento meso- 99 — Indeterminado proximal 100-NSA 4—Lasca semi inteira 99- Indeterminado Tipo de cértex (TC): 100- NSA. 1-Neocértex de rio 2-Neocértex brilhoso Acidente: 3—Neocértex de superficie 1—Siret 4— Cortex de cristal 2- Refletido 5— Cortex de superficie 3- Ultrapassado (bloco) 4- Languette superior 6— Ausente 5 —Languette inferior 99- Indeterminado 6— Quebra 100-NA 7—Quebra recente 8—Ausente Localizagio do cértex: 9 Esquilha bulbar 1 - Porcao proximal 10- Duplo ponto de 2—Porsao distal impacto 3—Porgao meso-proximal 11 — Talio esmagado 4 Porgao meso- distal 99-— Indeterminado 2- Asa 3- Linear 4— Puntiforme 5— Diedro/facetado 6 Esmagado 7- Cortical 8- Ausente 9- Alisado/polido 10-Céncavo 99- Indeterminado 100- NSA Fogo: 1-Presente 2- Ausente 99- Indeterminado 100-NSA Labi 1- Presente 2- Ausente 99— Indeterminado 100- NSA Bulbo: 1- Marcado 2- Difuso 3- Ausente 99- Indeterminado 100- NSA Perfil: 1-Inclinado 2Curvo 3+ Refletido 4 Abrupto 5— Rasante 99— Indeterminado 100- NSA Fase: 1- Debitagem 2 Faconagem 3+ Retoque 4-Lasca técnica 5 — Faco-retoque 5 —Porsio mesial 100- NSA, 6~Retoque-limpeza 6~Lateral direita 7-Limpeza 7— Lateral esquerda Tipo de talio: 99- Indeterminado 8-Talio 1 Liso 100- NSA, Método para estudo de induistrias liticas lascadas: 25 a Andlise Tecnolégica iti m os caracteres observados g 1- Protocolo descritivo, °° os duran ra 1- Figu saieq de colegoes {iticas (Adaptado de Rodet et al., 20134) ¢ i a de coo podem (¢ devem) ser modifica em, ° aa q la colegao em estudo. Este protocolo ¢ uma g; ne OP Laboratorio de Tecnologia Litica do Ny, 15 anos. cu parimetros elencados cared presenti dos protocolos utilizado pa Histbia Natural da UFMG 108 ‘timo: iNtes, sj . Os angulos sio mediq las no meio da peca. -medidos sempre ee com o gabarito adaptado de A. Laming-Emp mn gonidm' Finalmente, 2 tabela em excell, contempla uma eS O96 de cunho mais qualitativo. a it as observagoes ‘ be. sicas analisadas devem ser sempre relacionadas i read ao kitica, nesse sentido, o pprotocolo descritivo ¢ o roteiro de eee ser readaptados sempre que necessé andl 1V-Representacao grafica Para acompanhar as descrig6es resultantes das a representam-se graficamente as classes tecnoldgicas definidas ‘As representacdes graficas podem se dar em forma de desenhos téenicos ou de fotografias. Nos dois casos, a disposicao das pecas pode seguir tanto 0 eixo morfologico (0 maior eixo), quanto « tecnolégico (eixo de debitagem), apresentando-se, na primeira vista, a face superior (no caso de lascas ou de instrumentos s lasca). Para apresentar as demais faces da pega, a mesma deve s girada de 180°, ou 90°, sendo as vistas representadas interlig por um hifen, ficando claro que se trada de uma mesma per (Inizan et al., 1995). Desenhos e fotos devem ser elaborados com uma luz local 45° 4 esquerda da pega, na porgao superior, para que seus relevos sejam melhor viasualizados. No desenho, a primeira ¢' realizacao do contorno, seguida da representacao das ar negativos e, finalmente, das ondas € lancetas que indicam a dit: ea ordem dos lascamentos e que representam o volume negativos. Na bibliografia ha uma simbologia ja corrent<"! % ‘ Tecnologia Litica na Arqueologia Brasileira Coletanea de (re)publicagoes utilizada nos desenhos técnicos de materiais liticos, mas, caso seja necessario, novos simbolos podem ser adicionados, contanto que o desenho seja acompanhado de uma legenda. TV -Consideragées finais A abordagem metodolégica aqui apresentada — a Anélise Tecnoldgica — ¢ um instrumento que organiza o tempo € o espago pré-histéricos, de forma hierarquizante, ao buscar etapas de produgao dos instrumentos inscritas nos vestigios deixados, levando em conta 0 estado técnico dos mesmos. As intengdes dos grupos humanos do passado sao evidenciadas desde a escolha da matéria-prima, destinada 4 producto de um determinado instrumento — até a finalizacao, utilizacao e descarte do mesmo. Ao tevelar essas escolhas, o arquedlogo revela também as técnicas € os gestos nelas envolvidos, sendo possivel distinguir, inclusive, diferencas no grau de habilidade dos lascadores (savoir-faire). Em sintese, o método consiste em identificar as pecas geradas em cada uma das fases de producio de um instrumento (classes tecnolégicas), através da descricdo ¢ quantificacao de diversos atributos tecnolégicos. As diferentes categorias analisadas devem ser aproximadas: lascas das diversas fases sao aproximadas, quando possivel, aos nticleos e aos instrumentos da colegao. Esta aproxima¢ao consiste em comparar entre eles as categorias eleitas durante o estudo, quais sejam: as técnicas utilizadas, as dimensoes de positivos e negativos, as caracterfsticas de contra-bulbo e bulbo, presenga/auséncia de abrasio e acidentes, etc. A intencdo é identificar as fases da cadeia operatéria que foram realizadas dentro e fora do sitio. De uma maneira geral, certas fases da debitagem sao feitas nas jazidas (as primeiras lascas testes e de debitagem: retirada do cortex, limpeza, etc.), e assim, lascas com caracteristicas destas fases nao sero encontradas no sitio. Por outro lado, a presenga de lascas de faconagem, reavivamento e retoque indicam que este tipo de trabalho foi realizado dentro do sitio. Método para estudo de indiistrias liticas lascadas: 27 4 Andlise Tecnoldgica Ainda,deumamansita geal O25 e5}989 1572023503 som, uma parte das fases das cadeias operatérias, a A nogig FS remontagem mental permite cue Bano. en 0 somente i “quebra-cabesa”, seja possivel cena, Mesmo qu inteiramente, o encadeamento de pe gestos. E importante ressaltar que diante de uma grande cole. (milhares de pegas) n° lugar de caracterizar cada peca ey um, excell, deve-se reagrupar as pegas tecno-economicame, equivalentes em classes tecno-econémicas pré-definidas, aS quaic correspondem aos produtos ou sub-produtos identificaveis qo nt cadeia operatoria determinada. Exemplos: lascas proven ee mais ou menos abruptos dos instrumentos de fs Pattes E nag planilha dos flancos, i plano-conyexa; laseas de fagonagem de pecas bifaciais po, espessas. Quanto 20s niicleos, no caso de uma Brande colecio nao € pertinente descrever cada pega, mas classificd-las segund, 08 produtos procurados, as técnicas de lascamento, a Organizacio geométrica (mais de um plano de percussio, etc.). ; O estudo global das produgées liticas permitirg entender as intengdes e prioridades das industrias liticas, levando 3 um: restitui¢ao mental das pegas em seus lugares no seio das cadeiss operatorias. Enfim, ressaltamos que, na medida do possivel, todo estudo dever ser publicado. 28 Tecnologia Litica na Arqueologia Brasileira Coletanea de (re)publicacoes

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