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DESCRIGAO Avioléncia na sociedade brasileira, as politicas piiblicas referentes as populagdes menorizadas e 0 combate a impunidade na perspectiva de diminuigao da violéncia cotidiana. PROPOSITO Apresentar de que modo a violéncia eo conflito atravessam a vida em sociedade, tema fundamental para o pensamento critico de qualquer profissional e cidadao. PREPARAGAO Levando-se em conta a riqueza e as miltiplas possibilidades de analise do tema, seria importante ter & mao um bom dicionario de Teoria Politica ou de Ciéncias Sociais. Sugerimos 0 Diciondrio de Politica, de Norberto Bobbio, e 0 Diciondrio de Sociologia, da UFSC/Repositério, ambos disponiveis em formato virtual. OBJETIVOS MODULO 1 Definir como a violéncia se tornou uma marca constitutiva da sociedade brasileira MODULO 2 Reconhecer a relagao entre politicas ptiblicas e as populagdes menorizadas MODULO 3 Identificar a impunidade no ambito social e a busca pela diminuigao da violéncia cotidiana INTRODUGAO Avioléncia 6 um fenédmeno presente em diversas sociedades e periodos histéricos. Segundo a Organizacao Mundial da Satide (OMS), ela é definida como 0 uso de forga fisica ou poder, em ameaga ou na pratica, contra si préprio, outra pessoa ou contra um grupo ou comunidade que resulte ou possa resultar em sofrimento, morte, dano psicolégico, desenvolvimento prejudicado ou privagaéo (DAHLBERG e KRUG, 2007). Essa definigao ampla ja aponta a complexidade do tema. Para identificar suas causas e criar politicas publicas adequadas para resolver a questao, as diferentes formas de violéncia devem ser compreendidas caso a caso, de acordo com sua especificidade. Esse fendmeno é tdo presente em nossa sociedade que as autoridades de satide publica definiram a violéncia no Brasil como uma epidemia, ou seja, como uma doenga que se alastra coletivamente e cresce de forma descontrolada. De acordo com o Instituto de Pesquisa Econémica Aplicada (IPEA, 2020) ocorreram 7.956 homicidios no Brasil em 2018. Embora todos os cidadaos convivam com o medo da violéncia, ela toma contornos mais cruéis de acordo com critérios como a cor, a classe social @ (© género. Mais de 90% dos assassinados no Brasil em 2018 foram homens e 75% deles eram negros. A desigualdade racial cria situagées bem distintas para brancos negros. De 2008 a 2018, por exemplo, as taxas de homicidios entre brancos foram reduzidas em 12% enquanto entre negros aumentou em 11%, Mas a violéncia nao se restringe aos homicidios e os ntimeros da violéncia contra mulheres e criangas sao ainda mais acentuados. Foram registrados 66.041 casos de violéncia sexual em 2018 & mais de 200 mil ocorréncias de violéncia doméstica. Esses dados podem ser conferidos no Atlas da Violéncia (IPEA 2020). A seguir, investigaremos as causas que tornam o Brasil um dos paises mais violentos do mundo, quais 0s mecanismos para compreender esse fenémeno e como é possivel combaté-lo. MODULO 1 © Definir como a violéncia se tornou uma marca constitutiva da sociedade brasileira VIOLENCIA COLONIAL E GENOCIDIO © Brasil é frequentemente descrito como o pais do Carnaval, marcado pela cordialidade de seu povo hospitaleiro e pela riqueza de sua cultura. Por muito tempo, afirmou-se que viveriamos uma espécie de “democracia racial", onde negros, brancos e indigenas seriam tratados como iguais. Esse imaginério, infelizmente, néo condiz com a histéria real da construgao do Brasil como Estado-nagao A colonizagao portuguesa e 0 proceso histérico que resultou no pais como 0 conhecemos foram caracterizados pela violéncia contra os povos indigenas que aqui habitavam, bem como pelo trafico e a escravizagéo de poves africanos. Neste médulo, veremos como a violéncia tomou-se parte constitutiva da identidade nacional e qual o seu papel no desenvolvimento do Estado brasileiro. VIOLENCIA COMO FORMA DE DOMINAGAO De acordo com Weber (2008), 0 Estado 6 aquele que detém o monopélio legitimo da violéncia fisica dentro de um territério e que constitui, em ultima instancia, uma forma de dominagao de homens sobre outros homens. Nessa perspectiva, a relagao de dominagao pode se legitimar de trés formas: Poder tradicional, que remete a costumes antigos Poder carismatico de um lider que angarie alguma forma de admiragao por parte dos dominados Poder racional legal que se baseie na aceitagdo de um conjunto de leis de competéncia positiva e racionalmente determinadas Weber (2008) afirmava que toda dominagao organizada necessita de um “Estado-maior administrative" de meios materiais de gestao. A politica seria a disputa entre diferentes grupos pelo poder de assumir 0 Estado e assim exercer o monopélio da violéncia legitima © que 6, entao, um pais? t ATENCAO Aideia de que todos somos brasileiros, diferentes de espanhdit argentinos, ou angolanos, é de certa forma uma abstrago. Podemos apontar o Brasil no mapa, ou justificar a unidade de nosso territério pelo fato de que falamos portugués. Mas as fronteiras de um territério séo demarcagées arbitrarias, fruto de disputas, conflitos e guerras. © portugués também nao é a tinica lingua falada no Brasil, uma vez que povos de diferentes etnias indigenas se comunicam em mais de 200 linguas diferentes de acordo com 0 ica (IBGE, 2010) Instituto Brasileiro de Geografia e Est VIOLENCIA CONTRA COMUNIDADES INDIGENAS Até meados do século XVIII, a lingua mais falada em muitos estados brasileiros era o nheengatu, uma mistura do dialeto tupinamba com outras linguas indigenas. Muitos elementos que atualmente compreendemos como caracteristicas da identidade nacional foram construidos através de séculos de conflitos e violéncia ac longo dos quais um “Estado” brasileiro foi se consolidando. De acordo com a Fundagao Nacional do Indio (FUNAI, 2010), estima-se que, em 1500, quando os portugueses chegaram ao litoral de Porto Seguro, na Bahia, trés milhdes de indigenas habitavam 0 territério que atualmente conhecemos como Brasil. Em 1650, esse niimero caiu para 650 mile, em 1957, chegou a ser estimado em apenas 70 mil individuos. Tais indices estarrecedores refletem séculos de violéncia brutal contra os povos originarios. Aqueles habitantes chamados genericamente de “indios” pelos colonizadores eram, na verdade, povos diversos com linguas, culturas, habitos e costumes variados. 3,5 milh6es 3 milhées 2,5 milhées 2 milhées: 1,5 milhao Tmilhao 500 mil 0 ‘Ao contrario dos portugueses e outros europeus, as culturas indigenas nao consideravam a mata, os rios, 0 solo e os animais como recursos que deveriam ser explorados exaustivamente, Suas culturas seus conh imentos prezavam pela harmonia com a natureza, que era vista como um lar do qual eles faziam parte. Isso nao significa que os indigenas nao travassem guerras e batalhas entre si, mas essas guerras ocorriam por razées proprias de suas culturas e nao eram motivadas pela exploragao da terra e pelo comércio. EXPLORAGAO DA TERRA Como forma de aprofundarmos essa visdo, bastante corriqueira em toda nossa formagao escolar, vale comparar a dtica apresentada por Thomas Woods (Historiador de Harvard) em seu artigo Os indios americanos realmente eram ambientalistas?. Se para os indigenas a ideia de que a terra podia ser propriedade de alguém era um absurdo, os europeus, por outro lado, rapidamente demarcaram fronteiras imaginarias e se autointitularam os proprietdrios de areas imensas. Para fazer valer 0 seu dominio sobre o territério, os recém-chegados utilizaram a forga bruta em guerras que dizimaram populagées inteiras. Essa violéncia capaz de dizimar uma populagao é atualmente definida como genocidio. & Bandeirantes e a caga aos indios, José Rosael/Hélio Nobre/Museu Paulista da USP, 1925, No Brasil, a Lei n. 2.889, promulgada no ano de 1956, que define e pune o crime de genocidio, afirma a imputabilidade de: ART. 1. QUEM, COM A INTENGAO DE DESTRUIR, NO TODO OU EM PARTE, GRUPO NACIONAL, ETNICO, RACIAL OU RELIGIOSO, COMO TAL: A) MATAR MEMBROS DO GRUPO; B) CAUSAR LESAO GRAVE A INTEGRIDADE FISICA OU MENTAL DE MEMBROS DO GRUPO; C) SUBMETER INTENCIONALMENTE O GRUPO A CONDIGOES DE EXISTENCIA CAPAZES DE OCASIONAR-LHE A DESTRUIGAO FISICA TOTAL OU PARCIAL; D) ADOTAR MEDIDAS DESTINADAS A IMPEDIR OS NASCIMENTOS NO SEIO DO GRUPO; E) EFETUAR A TRANSFERENCIA FORGADA DE CRIANGAS DO GRUPO PARA OUTRO GRUPO. (LEI 2.889/1956) ‘Como veremos nos médulos seguintes, a existéncia dessa lei infelizmente nao evita que a violéncia em patamares semelhantes continue acontecendo. ESCRAVISMO NEGRO Accolonizagao do Brasil também foi feita a partir da maior migragao forgada da historia. Embora a escravidao ja ocorresse na Africa, a demanda dos europeus por escravos gerou um aumento jamais visto no tréfico de seres humanos. @ VOCE SABIA ‘Ao longo de mais de 300 anos, cerca de 4,9 milhdes de africanos foram trazidos para o Brasil, 0 pais que recebeu quatro em cada dez africanos escravizados no mundo. A titulo de comparacdo, os Estados Unidos respondem por 489 mil (ROSSI, 2018), um ntimero dez vezes menor. Aqueles que sobreviviam a travessia eram obrigados a realizar trabalhos forgados e submetidos a tortura e outras formas de violéncia. Em busca de uma vida digna, homens e mulheres africanos fugiam das plantagdes e se organizavam em quilombos. No decorrer de todo o periodo escravista, intmeras batalhas foram travadas entre africanos nos quilombos e aqueles dedicados a recapturé-los, como os bandeirantes e capatazes pagos pelos senhores de engenho e pelos governadores das capitanias hereditarias © quilombo mais famoso foi Palmares, liderado por Zumbi, contra quem holandeses e depois portugueses travaram batalhas por anos. Estima-se que, em 1670, cerca de 20 mil africanos fugidos dos engenhos chegaram a viver em Palmares. A titulo de comparago (MOURA, 1981), cerca de sete mil pessoas moravam no Rio de Janeiro naquele mesmo periodo. & Zumbi dos Palmares, Anténio Parreiras — ARTExplorer, sem data, ZUMBI Zumbi dos Palmares é, sem dtivida, uma figura emblematica e que, exatamente por isso, esté sob os holofotes de quem busca santificd-lo ou condena-lo, Para derrotar 0 poderoso Quilombo dos Palmares, o governador de Pernambuco contratou os servigos do bandeirante Domingos Jorge Velho, que reuniu um contingente de seis mil homens armados a fim de combater os quilombolas liderados por Zumbi. Regido quilombola, Leonardo Mercon, sem data, Palmares nao foi o primeiro nem o ultimo quilombo do Brasil. Milhares de escravos fugitam dos dominios de senhores de engenho ao longo dos séculos ¢ ainda existem no Brasil comunidades remanescentes de quilombos. Essas comunidades so habitadas por descendentes de africanos que fugiram da escravidao e passaram a viver em terras livres. PATRIARCALISMO periodo colonial foi profundamente marcado por conflitos, guerras e batalhas que por diferentes motivos contestaram a ordem vigente e o dominio da coroa portuguesa. A repressao por parte dos. colonizadores f ndamental para que os senhores de engenho e a coroa portuguesa mantivessem 0 seu dominio ao longo dos séculos. De acordo com a historiadora Eulalia Lobo (1970), um dos mais marcantes tragos da histéria brasileira 6 © seu elemento de continuidade. Em suas pesquisas, a autora observou que certas caracteristicas como a distribuigao de terras pautada no sistema latifundiario sofreram poucas alteragées do periodo colonial até 0 século XX. Esse sistema, em um contexto em que a terra representava 0 centro da produgao de riquezas, permitiu que 0 senhor rural angariasse grande poder na sociedade colonial — poder esse que se manteve até a primeira metade do século XX. No auge de sua dominago, o senhor rural controlava a terra, a mao de obra e as finangas, e representava o principal elemento de continuidade do poder no Brasil (LOBO, 1970). @ Engenho colonial, Frans Post — Itamaraty Safra catalogue, 1993. O TERMO PATER FAMILIS, ORIUNDO DA ESTRUTURA SOCIAL DA ROMA CLASSICA (IDADE ANTIGA), PODE TAMBEM NOS AJUDAR A ENTENDER O SENHOR RURAL, QUE, DE ACORDO COM FREYRE (2002), EXERCIA O PODER DESPOTICO SOBRE MULHER, FILHA, ESCRAVOS E CLIENTELA NO COMPLEXO CASA GRANDE-SENZALA. Os senhores de engenho tinham grande influéncia politica do Periodo Colonial ao Império. Essa forma de dominagao tradicional exercida sobre uma comunidade e determinada pelo pertencimento a uma familia — 0 patriarcalismo — contribuiu para o desenvolvimento do cla familiar como um nticleo de extrema importancia para a compreensao da vida politica brasileira. Avioléncia contra as mulheres era fundamental para o dominio patriarcal do senhor de engenho. Além de ter total autoridade sobre suas esposas, geralmente mulheres brancas de origem europeia, os senhores de engenho violentavam mulheres negras e indigenas escravizadas. © SAIBA MAIS Segundo Carneiro (2018), pode-se inferir que 0 estupro colonial perpetrado pelos senhores brancos portugueses sobre negras ¢ indigenas origina todas as construgées de identidades brasileiras e as hierarquias de género e raga existentes em nossa sociedade. E a partir das relagdes do “estupro colonial’ cometido por senhores brancos contra mulheres escravizadas negras ¢ indigenas que se constréi a nossa massa de populagdo mestiga Esse tipo de violéncia sexual era tao disseminado que deixou marcas profundas na populacdo brasileira que podem ser sentidas até os dias atuais. Pesquisadores do Instituto de Biociéncias da Universidade de Sao Paulo (USP) sequenciaram em 2019 0 genoma de brasileiros e brasileiras em diferentes regides do pais (ESCOBAR, 2020). A descoberta feita por eles é que 70% das maes que deram origem a nossa Populagdo tém ascendéncia africana ou indigena, mas 75% dos pais foram europeus. Outra percepgao sobre o periodo pode nos chegar também pela Arte. As contradicdes interas dos escravismos e das complexas relagdes sociais — e mesmo pessoais — que eram geradas & bem explicita na letra da musica Morro Velho, de Milton Nascimento: G RESUMINDO O desenvolvimento da sociedade brasileira ndo ocorreu a partir da ideia de que os cidadaos deveriam ser tratados da mesma forma. Da colonizagdo, a partir do século XVI até meados do século XX, eram os senhores de engenho e grandes proprietarios rurais que detinham toda a riqueza e poder. De acordo com Hollanda (2002), a formagao da sociedade brasileira se deu a partir do patrimonialismo, uma forma de dominagao concentrada nas opinides e valores do senhor de engenho e nao com base em critérios de igualdade entre toda a populagao. A unio entre uma burocracia em expansdo e a cultura patrimonialista gera um Estado ineficiente em diversos sentidos. Aqueles que detinham o poder econémico podiam usar o Estado para seus préprios interesses e nao para o bem comum, ou seja, 0 interesse privado ganha espago em detrimento do publico, gerando praticas corruptas e clientelistas. HEGEMONIA processo histérico que formou 0 Brasil como 0 conhecemos é profundamente marcado pela dominagao de alguns grupos politicos sobre outros menos favorecidos. Essa correlagdo de forcas é 0 pilar dos fenémenos politicos (GRAMSCI, 1984). Na argumentagao desse ponto de vista, para analisar as forgas que atuam na histéria de um periodo, é preciso compreender a relagao entre estrutura superestrutura e procurar as relagées de forcas sociais intrinsecas a estrutura, Aqui se est baseando em um aparato dialético: A sociedade civil, cuja dominagdo seria fundamentada na hegemonia. Nesta categoria, inserem-se as instituigdes capazes de difundir os valores da classe dirigente por toda a sociedade: a Igreja, a midia corporativa, a escola etc. x A sociedade politica, baseada na dominagao coercitiva, Esta categoria seria composta pelo aparelho juridico-coercitivo responsdvel por manter, pela forga, a ordem estabelecida. NOS MOMENTOS DE CRISE ORGANICA, A CLASSE DIRIGENTE PERDE O CONTROLE DA SOCIEDADE CIVIL E APOIA-SE NA SOCIEDADE POLITICA PARA MANTER SUA DOMINAGAO. (CYMROT, 2013) Deve-se também avaliar o grau de homogeneidade e de consciéncia de classe atingidos pelos varios grupos sociais e compreender a relagao das forgas militares, que podem ter um grau técnico-militar, ou politico-militar. Os conflitos entre grupos que disputam o aparato do Estado muitas vezes se manifestaram de forma violenta ao longo da histéria. Quando ouvimos falar de violéncia, a primeira coisa que pensamos é nos assaltos mao armada e nos altos indices de homicidio que caracterizam o Brasil contemporaneo. Muitas vezes escutamos de nossos pais e avés que, no tempo deles, ido era assim". Embora seja verdade que ha algumas décadas a violéncia armada nao era téo presente no cotidiano, a violéncia e 0 conflito sempre fizeram parte da prépria constituigo da sociedade brasileira, @ Assalto 4 mao armada, Apiwan Borrikonratchata, sem data. © processo hist6rico que levou construgao do Brasil como 0 conhecemos foi marcado por séculos de violéncia colonial, de mado que esse fenémeno sempre esteve presente em nosso pais. Como veremos nos préximos médulos, as sequelas deixadas por séculos de escravidao e pelo patriarcalismo atravessam de varias formas a violéncia que vivemos atualmente. «1 ATENCAO Arepressao e a violéncia nao sao a Unica forma de construir um pais democrdtico. Ao refletirmos sobre as formas de organizagao e agao coletiva da sociedade civil, podemos entender que tanto a busca por cooperagao entre individuos a fim de atingirem um resultado 6timo a todos quanto a desergo em situagées em que haveria a possibilidade de associagao constituem solugées racionais que trazem potencial estabilidade aos grupos sociais que as adotam (PUTMAN, 1999) A solugao ébvia encontrada em um contexto no qual os individuos nao conseguem associar-se entre si nem contar com o cumprimento de acordos por parte dos outros é recorrer a um poder coercitivo, baseado na repressao, que garanta certa estabilidade a sociedade. ‘Segundo Putman (1999), a partir do conceit de capital social — cujo pilar principal é a confianga -, os individuos se associam com o cumprimento de acordos por parte uns dos outros, por meio de normas, regras e sistemas. Essa situagao aumenta a eficiéncia da sociedade, pois nesse caso busca-se um resultado étimo a todos sem recorrer a repressao. A verdadeira democracia, para Robert Putman (1999), seria um sistema baseado na confianga miitua e na cooperagao, aumentando a eficiéncia da sociedade © a0 mesmo tempo fazendo com que o Estado nao se baseie apenas na coercao e na violéncia. A construgao de uma sociedade mais justa e menos violenta depende de que todos os cidadaos se ‘comprometam com 0 reconhecimento dos conflitos sociais e busquem formas de reparar coletivamente as bases da violéncia. CONCEITO DE CAPITAL SOCIAL Capital social diz respeito a caracteristicas da organizagao social, como confianga, normas e sistemas, que contribuam para aumentar a eficiéncia da sociedade (PUTMAN, 1999). No video a seguir, o especialista Dennis Novaes comenta sobre fatores histéricos, como 0 escravismo e patriarcalismo, que contribuiram para uma sociedade marcadamente violenta. Vamos assistit! VERIFICANDO O APRENDIZADO MODULO 2 © Reconhecer a relacdo entre politicas publicas e as populagées menorizadas MINORIAS POLITICAS E PROCESSOS DE ESTEREOTIPIA Em 1960, a escritora Carolina Maria de Jesus langava a sua obra mais famosa. O livro Quarto de Despejo: diério de uma favelada reunia trechos do dirio escrito pela autora sobre a dura condigao de uma mulher negra e moradora da favela do Canindé, em Sao Paulo, Em uma das passagens mais marcantes de seu livro, ela afirmou: O BRASIL PRECISA SER DIRIGIDO POR UMA PESSOA QUE JA PASSOU FOME. A FOME TAMBEM E PROFESSORA. QUEM PASSA FOME APRENDE A PENSAR NO PROXIMO E NAS CRIANGAS. (JESUS, 1963) Pobre, negra e escritora, Carolina Maria de Jesus era uma excegao, tendo em vista que a maioria dos moradores de favelas e periferias daquela época eram analfabetos. MINORIAS POLITICAS No ano de 1960, foi publicada uma grande pesquisa sobre as favelas do Rio de Janeiro que nos ajuda a compreender a dimensao do problema. 0 relatério da Sociedade de Andlises Graficas e Mecanograficas Aplicadas aos Complexos Sociais (SAGMACS) foi a iniciativa mais robusta, até aquele momento, de andlise da conjuntura em que viviam os moradores de favelas. O levantamento (SAGMACS apud MELLO et al, 2012), cuja diregao técnica ficou sob a responsabilidade de José Arthur Rios, foi realizado em 58 favelas e apontava um cenério que ainda nos soa familiar praticamente 80% da populagao era composta de pretos e pardos e quase metade era analfabeta. Os estudos sobre 0 acesso a educagao apresentados no relatério deixavam claro que esse cendrio ndo estava perto de ser transformado. © Brasil ainda estava longe de ser governado por alguém que passou fome, como queria Carolina de Jesus. Naquela época, analfabetos ainda eram proibidos de votar e, portanto, uma enorme parcela da Populacdo ndo podia escolher os seus representantes. O direito ao voto foi por muito tempo restrito em nosso pais. As mulheres, por exemplo, s6 votaram pela primeira vez em 1934. Mas ainda assim ndo eram todas as mulheres, apenas aquelas com certo grau de instrugao e condigées financeiras. Foi sé a partir da constituigéo de 1988, também conhecida como a “Constituigéo Cidada”, que o direito universal ao voto foi consolidado no Brasil. Mesmo que isso represente um avango para a nossa democracia, aprofundando os direitos da populagdo, trata-se de pouco mais de trinta anos de voto universal comparados a séculos em que os direitos politicos eram reservados para um restrito grupo de homens brancos e ricos. ESSA CONJUNTURA NA QUAL ALGUNS GRUPOS TEM MAIS DIREITOS EM RELAGAO A OUTROS E O QUE GERA AS MINORIAS POLITICAS, TAMBEM CHAMADAS DE MINORIAS SOCIAIS. A NOGAO SOCIOLOGICA DE MINORIA NAO E A MESMA DA MATEMATICA. UM GRUPO NUMERICAMENTE MAIOR PODE SER SISTEMATICAMENTE EXCLUIDO DOS PRINCIPAIS ESPAGOS DE PODER NA SOCIEDADE. Embora cerca de 54% da populagao brasileira seja composta por negros, eles ocupam apenas 20% das cadeiras no Congresso Nacional (GONGALVES, 2018). Algo semelhante ocorre com as mulheres, que compem 51% da nossa populagao, mas ocupam apenas 15% das vagas na Camara dos Deputados (HAJE; BECKER, 2018). NEGROS MULHERES, MPopulacdo brasileira. Ml Presenca politica @ VOCE SABIA © Brasil é um dos paises mais atrasados do mundo em relagdo a participago das mulheres na politica, ocupando a 154° posigao no ranking de participagao elaborado pela ONU, que compara 174 paises. Esses exemplos demonstram que uma minoria politica ndo é necessariamente a que esta em desvantagem numérica na populagdo, mas aquela que esta distante das principais instancias coletivas de poder e decisao, Antes, trata-se de grupos que so sistematicamente marginalizados em fungao de aspectos econémicos, sociais, culturais, fisicos ou religiosos. AS MINORIAS SOCIAIS SAO AS COLETIVIDADES QUE SOFREM PROCESSOS DE ESTIGMATIZAGAO E DISCRIMINAGAO, RESULTANDO EM DIVERSAS FORMAS DE DESIGUALDADE OU EXCLUSAO SOCIAIS. SAO EXEMPLOS DE MINORIAS SOCIAIS, ATUALMENTE, NEGROS, INDIGENAS, IMIGRANTES, MULHERES, HOMOSSEXUAIS, IDOSOS, MORADORES DE FAVELAS, PORTADORES DE DEFICIENCIAS E MORADORES DE RUA. (NOVO, 2019) Adesigualdade manifesta-se para além dos quadros politicos, como 0 Congreso Nacional, as prefeituras, as assembleias ou os governos estaduais, em todos os dmbitos da sociedade. PROCESSOS DE ESTEREOTIPIA Essa imagem trata de uma propaganda de calgas masculinas veiculada nos Estados Unidos nos anos 1960. Na pega publicitdria, uma mulher é feita de tapete por um homem que pisa sobre sua cabega e na legenda se lé: “E bom ter uma mulher na cas A imagem em questo reforga uma série de esterestipos sobre as relacdes entre homens e mulheres em que os primeiros sao retratados como superiores e as segundas como submissas. Esse imaginario é da difundido por diversos setores da sociedade, e sua perpetuagao faz com que a desigualdade entre homens e mulheres seja tida como algo natural na sociedade. Chamamos isso de “naturalizagao”, que é a inculcagao de valores culturais dos quais perdemos o distanciamento critico em fungao da sua recorrén Calcas Dracon (machista) - Anos 1960. O mesmo se pode dizer de estereétipos de cunho racista, homofébico, xenéfobo etc., que S40 perpetuados por propagandas, novelas, programas televisivos, ou na midia em geral. Ha ai um reforgo sistematico de certas imagens estereotipadas que representam os grupos minoritérios e que retroalimentam a cultura da exclusdo e estigmatizagao desses mesmos grupos. O processo de estereotipia de populagdes memorizadas passa, entdo: Pela auséncia dessas figuras em espagos de poder, como os ambientes decisérios da politica institucional Pelas representacdes mididticas, que fazem circular certas imagens em detrimento de outras Arecorrente exibigao de certos aspectos visuais, como imagens estereotipadas de mulheres, negros, homossexuais, indigenas etc., significa também a invisibilidade de outros aspectos que poderiam contribuir com a desconstrugao dos esteredtipos. Mas por que as grandes emissoras de televisdo, as revistas que mais vendem seus contetidos e as empresas publicitérias arriscariam investir em imagens cuja boa repercussdo/circulagao/aceitagao nao seria garantida, uma vez que esteja instituida uma cultura de exclusdo dessas minorias e repeticao de esterestipos relacionados a essa Idgica? Voltaremos a essa questao mais adiante. Por hora, o que importa é reconhecer as dindmicas de desigualdade estabelecidas. O PROCESSO DE ESTEREOTIPIA DE POPULAGOES MENORIZADAS TAMBEM PASSA PELA AUSENCIA DAS MINORIAS SOCIAIS NOS ESPAGOS DE PRODUGAO DO CONHECIMENTO, COMO AS UNIVERSIDADES, POR EXEMPLO, O QUE IMPEDE QUE OS INTERESSES DESSES GRUPOS SE MANIFESTEM NAQUILO QUE E DADO COMO VERDADES CIENTIFICAS, ARTISTICAS E TECNICAS. Voltemos a pergunta sobre por que a grande midia investiria em imagens que vao contra os esteredtipos estabelecidos. Uma leitura atenta e critica desse texto coloca a diivida sobre se 0 que a midia tem feito atualmente 6, de fato, a reprodugo dos esterestipos tdo alardeada pelos movimentos sociais. E podemos pensar, nesse caso, nas campanhas publicitarias da Natura, por exemplo, grande empresa de cosméticos brasileira w& EXEMPLO Uma busca rapida sobre o assunto na internet nos mostra as polémicas dos tiltimos anos envolvendo as campanhas publicitarias da Natura, grande empresa de cosméticos brasileira, como as campanhas de Dia dos Namorados, que mostram casais gays presenteando-se com cosméticos da marca, além de casais inter-raciais, pessoas negras, velhas ou gordas. Amarca tem assumido como estratégia de divulgagao de seus produtos a quebra de esteredtipos relacionados a padrées de beleza como a campanha “sou mais que um rétulo”, que exibe mulheres descolando de suas peles adesivos onde se pode ler “brava’, “histérica’, “mal resolvida’, “irritada” e “chorona’, como metafora para os estereétipos sociais normalmente usados para definir mulheres. A modelo protagonista da campanha é uma mulher negra de cabelos crespos e volumosos, e a fotografia de divulgagao a mostra entre outras mulheres; com diversos biétipos, inclusive uma modelo de perna amputada usando prétese mecdnica Como a Natura, diversas outras marcas tém feito o mesmo, uma vez que o problema das minorias politicas, pelas reivindicagées dos movimentos sociais ao longo dos anos, vem ganhando notoriedade e, portanto, contornos de um nicho de mercado inexplorado pelos mais diversos setores da economia. Utiizar imagens de propaganda na contramao dos esteredtipos passa a ser vidvel, em termos do risco que isso implica para as empresas. Enquanto os ciclos culturais de manutengao de desigualdades se sustentarem, a opressdo de certos grupos por outros, organizados em relagées de poder estabelecidas na sociedade, tendem a se manter. E com a opressao, a violéncia, em sua dimensao simbélica, VIOLENCIA SIMBOLICA E POLITICAS PUBLICAS Essa forma de dominagao inculcada no imaginario social ¢ definida por Bourdieu (2018) como *violéncia simbélica”. Em suas palavras: O QUE DENOMINO DE VIOLENCIA SIMBOLICA OU DOMINAGAO SIMBOLICA, OU SEJA, FORMAS DE COERGAO QUE SE BASEIAM EM ACORDOS NAO CONSCIENTES ENTRE AS ESTRUTURAS OBJETIVAS E AS ESTRUTURAS MENTAIS. (BOURDIEU, 2018) Trata-se de uma forma de violéncia que pode ser reproduzida por todos os individuos, reforgando a dominagao de alguns grupos sobre os outros. A violéncia simbélica permeia as mentes dos individuos que violentam ou sa violentados, fazendo com que fenémenos como o racismo, 0 machismo, a homofobia, entre outros, sejam reproduzidos cotidianamente. Um bom exemplo seria 0 caso do homem que retém, escondidos, os documentos da propria mulher/esposa com objetivo de impedir seu afastamento (ou mesmo fuga) da realidade imposta por ele. Embora legalmente reconhecida como violéncia patrimonial, nao deixa de ser uma violéncia simbélica a partir do momento que um indi juo (homem) se considera no direito de tomar decisées sobre outro individuo (mulher) por entendé-o inferior ou submisso. ‘Também podemos pensar nas interagées das criangas na escola. Em como os individuos, em uma idade em que esto descobrindo a si mesmos e aos outros, e ainda nao tm condigdes socioemocionais para a elaboragao de criticas auténomas aos sistemas de dominagdo e relagdes de poder em que esto inseridos, tanto reproduzem quanto se fragilizam diante desses jogos relacionais. Repetem os preconceitos dos familiares, das geragGes anteriores, que so 0s porta-vozes do que consideram “o certo” € podem se mostrar tanto violentos quanto vulneraveis aos esquemas de opressao raciais, de classe e aos esterestipos de maneira geral «I ATENCAO A escola seria um dos principais espagos onde a violéncia simbdlica exercida. Ao valorizar tipos especificos de conhecimento em detrimento de outros, a instituigao escolar muitas vezes contribui para que minorias politicas sejam inferiorizadas simbolicamente. Um exemplo € 0 fato de que, embora o Brasil seja o pais com a maior populacao de origem africana do mundo, até pouco tempo a histéria da Africa e de seus povos nao era ensinada nas escolas. Isso mudou com a Lei n, 10,639/2003, que entre outras coisas determinou 0 ensino obrigatério da histéria da Africa, E muito recente que negros passaram a ter maior conhecimento sobre suas origens e as culturas ancestrais dos povos afticanos. Os efeitos desse tipo de apagamento s4o muito profundos e contribuem enormemente para a manutengao dos preconceitos contra minorias politicas. De volta a escritora Carolina Maria de Jesus, podemos citar outro trecho de sua obra em que ela reflete sobre a invisibilizagao das mulheres, outro grupo que tem sua histéria apagada na sociedade brasileira, Em uma passagem de Quarto de Despejo, a autora relata’ QUANDO EU ERA MENINA, O MEU SONHO ERA SER HOMEM PARA DEFENDER O BRASIL, PORQUE EU LIAA HISTORIA DO BRASIL E FICAVA SABENDO QUE EXISTIA GUERRA, SO LIA OS NOMES MASCULINOS COMO DEFENSORES DA PATRIA ENTAO EU DIZIA PARA MINHA MAE: — POR QUE A SENHORA NAO FAZ EU VIRAR HOMEM? (JESUS, 1963) Areflexao de Carolina Maria de Jesus demonstra de que forma a violéncia simbélica — nesse caso 0 apagamento da contribuigao das mulheres na histéria do Brasil — é inculcada no imaginario dos individuos, Para combater essas formas de violéncia simbdlica, que impedem que a sociedade se desenvoiva de forma mais justa e igualitaria, é preciso criar politicas puiblicas, a exemplo da Lei n. 10.639/2003. UMA SOCIEDADE REALMENTE DEMOCRATICA E AQUELA ONDE OS INDIVIDUOS NAO SAO DISCRIMINADOS POR ORIGEM, COR, RAGA, GENERO, CLASSE SOCIAL OU RELIGIAO. PARA ISSO, E PRECISO QUE AS INSTITUIGOES ESTATAIS GARANTAM QUE AS DIFERENCAS E AS INDIVIDUALIDADES DAS PESSOAS SEJAM RESPEITADAS, DESDE QUE NAO FIRAM OS DIREITOS UMAS DAS OUTRAS. DE QUE FORMAS O ESTADO DEVERIA ATUAR, NA PRATICA, NO ESTABELECIMENTO DESSAS GARANTIAS? RESPOSTA 0 Estado Nacional Modemo jé assumiu diversas formas ao longo do tempo. No Brasil, a forma atual do Estado 6 reconhecida como sendo a de um Estado Demooratico de Direito, o que significa que o seu funcionamento acontece a partir de uma tripartigao do poder do Estado: Executivo, Legislativo e Judicidrio. Para que haja uma coordenagao harmoniosa das garantias dos direitos de grupos minoritérios e dos direitos individuais por parte do Estado, é necessario, inicialmente, que o equilibrio de forgas pactuado seja respeitado. Arelagao entre democracia e direitos individuais foi 0 principal objeto de investigacao do filésofo e economista briténico John Stuart Mill, considerado um dos pais do liberalismo politico. Em seu livro Sobre a Liberdade, publicado originalmente em 1859, ele observou como a sociedade britanica escolhia seus representantes e criava suas leis. JOHN STUART MILL John Stuart Mill (1806-1873) foi um filésofo inglés, um dos mais influentes pensadores do século XIX, responsavel por langar as bases da revisdo do utiitarismo como ideologia suprema e dedicou-se ao estudo de numerosas questées sociais de seu tempo. Fonte: ebiografia.com Para Stuart Mill, 0 estabelecimento de cargos eletivos ocupados por representantes do povo criou a impresséo de que nao havia mais por que temer a tirania, j4 que o povo ndo devia temer sua prépria vontade. Acontece que 0 povo pode desejar reprimir uma parte de si mesmo, ou seja, grupos numérica ou politicamente minoritarios. Contra essa repressdo, Stuart Mill observava que as leis dever definir mecanismos de protecao aos grupos minoritarios. A sociedade deveria respeitar a esfera individual, restringindo-se apenas a definigao de penalidades civis, estando proibida de envolver-se em assuntos referentes alma e a conduta individual. © homem comum é movido por preferéncias individuais no que tange aos seus gostos, costumes e moralidade; mas quando essas preferéncias individuais sao transplantadas a nivel puiblico por homens detentores da autoridade secular — transformando-se em leis -, 0 que ha é incompreensao, abuso de poder e o despertar do édio. O PODER QUE RESTRINGE O COMPORTAMENTO DOS INDIVIDUOS NA ESFERA PUBLICA NAO SE FUNDAMENTA EM SUAS PREFERENCIAS, NO QUE E BOM PARA ELES, MAS NO QUE PODE CAUSAR DANO A OUTREM. OU SEVJA, A LIBERDADE INDIVIDUAL ENCONTRA SEU LIMITE QUANDO PASSA A PREJUDICAR O OUTRO E NESSES TERMOS E QUE DEVEM SER RESTRINGIDOS OU DETERMINADOS OS CAMPOS DE ATUAGAO DO ESTADO. AS POLITICAS PUBLICAS DEVEM GARANTIR AS LIBERDADES INDIVIDUAIS DE MODO QUE A VONTADE DA MAIORIA NAO IMPEGA ALIBERDADE DAS MINORIAS. No video a seguir, 0 especialista Dennis Novaes aprofunda o conceito de violéncia simbélica. Vamos assistir! VERIFICANDO O APRENDIZADO MODULO 3 © Identificar a impunidade no ambito social e a busca pela diminuigao da violéncia cotidiana PUNIGAO E TIPOS DE PENA As perspectivas sobre a impunidade possuem uma variagao disciplinar. E as Ciéncias Sociais podem contribuir para uma apreciagdo histérica da “punigdo”, problematizando o seu lugar nas sociedades contemporaneas, sobretudo no Brasil. Por exemplo, & possivel em classica abordagem sociolégica estabelecer um contraste entre as penas punitivas e as restitutivas (DURKHEIM, 1999). Quando um crime 6 cometido, sua forma de reparagao pode se processar de duas maneiras: Reparagao do dano causado x Punigdo aquele que comete o crime (quando a reparagéo do dano causado ndo for possivel) Pensemos, a titulo de exemplo, no crime de difamagao, previsto pelo nosso Cédigo Penal. ART. 139. DIFAMAR ALGUEM, IMPUTANDO-LHE FATO OFENSIVO A SUA REPUTAGAO: PENA — DETENGAO, DE TRES MESES A UM ANO, E MULTA. (DECRETO-LE! 2.848/1940) Quando aquele que causou o dano condenado a pena de multa, entende-se que o valor pago restitui 0 dano causado, restabelecendo a ordem das coisas, a “justiga”. Assim, se um individuo processa uma empresa que Ihe prestou um mau servigo, a empresa pode ser condenada a indenizé-lo, pagando um valor que funciona, em sentido filoséfico e material, como compensagao por aquele mau servigo. Trata- se de uma pena restitutiva, sob esse ponto de vista de entendimento da sociedade e suas formas de regulagao e ordem. No caso da pena de detengao, reclusdo (que séo penas restritivas da liberdade do sujeito condenado) e, no caso de ordenamentos juridicos de outros Estados-nagdo que no o Brasil, da pena de morte, o que esta em jogo nao é a reparagao do dano causado via restituigao material ou pagamento. Nesses casos, aplicados como penas de maior severidade, a “restituigdo” acontece em um nivel mais sutil, filoséfico, ¢ que no limite passa por infligir sofrimento aquele que cometeu o crime. @ VOCE SABIA Em muitos ordenamentos juridicos antigos como 0 ¢édigo de Hamurabi, por exemplo, havia a chamada Lei de Taliéo. Taliéo vem do latim talio, talis e significa “tal qual’, “idéntico”. “Olho por olho, dente por dente”, Assim, se um individuo batesse em seu pai, o que era considerado um ato contra o valor da honra, sua mao deveria ser cortada; se matou, deveria ser morto. Essa lei é a antecessora dos ordenamentos juridicos atuais no sentido de estabelecimento de uma proporcionalidade da pena em relagdo a lesao. CODIGO DE HAMURABI Khammu-rabi, rei da Babildnia no 18° século A.C,, estendeu grandemente o seu império e governou uma confederagao de cidades-Estado. Erigiu, no fim do seu reinado, uma enorme "estela” em diorito, na qual ele 6 retratado recebendo a insignia do reinado e da justiga do rei Marduk. Abaixo mandou escrever 21 colunas, 282 cléusulas que ficaram conhecidas como Cédigo de Hamurabi (embora abrangesse também antigas leis). Fonte: dhnet.org.br Historicamente, tratou-se de vulgarizagao da pena de morte, uma vez que o ofendido, especialmente se provinha de camadas mais abastadas da sociedade, precisava sentir-se vingado. Algumas leis do cédigo de Hamurabi mostram a amplificagao do escopo da pena de morte: SE ALGUEM ROUBAR A PROPRIEDADE DE UM TEMPLO OU CORTE, DEVE SER CONDENADO A MORTE, E AQUELE QUE RECEBER O PRODUTO DO ROUBO DO LADRAO DEVE SER IGUALMENTE CONDENADO A MORTE. SE ALGUEM RECEBER EM SUA CASA UM ESCRAVO FUGITIVO DA CORTE, HOMEM OU MULHER, E NAO O TROUXER A PROCLAMAGAO PUBLICA NA CASA DO GOVERNANTE LOCAL OU DE UM HOMEM LIVRE, O MESTRE DA CASA DEVE SER CONDENADO A MORTE. SE ALGUEM ARROMBAR UMA CASA, ELE DEVERA SER CONDENADO A MORTE NA FRENTE DO LOCAL DO ARROMBAMENTO E SER ENTERRADO. SE UM CONSTRUTOR CONSTRUIR UMA CASA PARA OUTREM, E NAO A FIZER BEM FEITA, E SEA CASA CAIR E MATAR SEU DONO, ENTAO O CONSTRUTOR DEVERA SER CONDENADO A MORTE. SE MORRER O FILHO DO DONO DA CASA, O FILHO DO CONSTRUTOR DEVERA SER CONDENADO A MORTE. (QUEIROZ, 2019) Esse tipo de penalidade que segue, quando em uma cultura religiosa mais primitiva, a Idgica do sacrificio, trata-se de uma restituigao no sentido de estabelecimento da justiga, entendendo-se justica como um tipo de equilibrio magico que, se corrompido, pode ser cruel, pode trazer morte e dor, sendo essa crueldade entendida como parte indelével de um bem maior. Trata-se de uma austeridade que institui o sentido de importancia e de valor da ordem e da prépria vida, abrigada nessa ordem social. Esse pensamento estaria na origem do préprio sentido da vinganga, sendo uma espécie de impulso pouco refinado que os individuos experimentam quando lesados por outrem, @ COMENTARIO Neste caso, Cunha (2019) afirma podermos dizer que a pena é entendida como suplicio e expiagao, aplicada passional e difusamente, muitas vezes associada a vergonha ptiblica. Na abordagem sociolégica aqui adotada, é importante perceber que ela identifica uma genealogia das penas quanto a esses dois tipos, ligada as sociedades primitivas ou complexas. Para o autor, 0 direito punitivo faz muito mais sentido nas sociedades primitivas, como sociedades da Idade Média e de periodos histéricos anteriores, ou nas sociedades tribais onde exista uma comunidade de valores considerados sacros e que deveriam ser incorruptiveis, enquanto as penas restitutivas teriam surgido em momentos hist6ricos subsequentes e seriam caracteristicas das sociedades mais contemporaneas e complexas, onde a divisdo do trabalho ¢ estratificada e existe uma pluralidade de valores em disputa, possibilitada pelo multiculturalismo. Nas sociedades complexas, como é caso da nossa, temos assim um dispositivo juridico que combina: Penas restitutivas Penas punitivas As penas punitivas, expiatérias, s4o aplicadas quando o bem juridico tutelado pelo Estado esta relacionado a um valor de importancia central na nossa sociedade. Assim, atentados contra a "vida", a “infanci a "propriedade privada’, por exemplo, sao punidos com prisdo e, em outros paises, até mesmo com a morte do criminoso. Devemos acrescentar que a prisdo, assim como a condenagao a morte, possui um carater pratico, entendido como a retirada daquele individuo de convivio social, uma vez que se considera que 0 crime cometido possui enorme potencial ofensivo dos valores tutelados pelo Estado. Isso nao exclui, contudo, 0 sentido de expiagao desse tipo de pena, basta observar o clamor puiblico, a comogao social em tomo de crimes que ofendam nossos valores mais caros como crimes hediondos cometidos contra criangas ou pessoas incapazes, por exemplo. Podemos refletir sobre a gana social, feroz, por justiga quando se ofende gravemente a ordem social mediante algumas praticas tradicionais do folclore nacional como a *malhago do Judas”, ou nas. iniciativas populares de “fazer justiga com as préprias maos", como os linchamentos de estupradores. Podemos ainda pensar em instancias medianas entre a iniciativa solitéria ou espontanea dos que se vingam de um crime brutal e as respostas do Estado a esses crimes pela aplicagao das penalidades previstas em lei. Entre uma coisa e outra, ha os tribunais do tréfico e as tropas de milicias em grandes cidades brasileiras. Esses grupos armados se estabelecem no vacuo do poder piiblico e atendem, muitas vezes, a uma demanda de ordem que 0 Estado ndo é capaz de suprir, Aplicam pena de morte em casos como o de estupro e centralizam a aplicagdo da violéncia nas regides onde atuam. O PROBLEMA DO ESTABELECIMENTO DA VERDADE Curiosamente, o suplicio do criminoso tem em si um valor social. E como se mediante aquele suplicio tivéssemos uma extirpagao do préprio crime. Ao longo da historia, a extirpagao do crime pela expiacao do criminoso assumiu muitas formas no Ocidente, as quais flertavam com as cosmologias cristas muitas vezes, dada a importancia cultural do cristianismo ao estabelecer os entendimentos do que seria justica @ sua relagdo com a transcendéncia. E 0 caso da pena de morte na fogueira para mulheres acusadas de bruxaria pelos tribunais do Santo Officio. Acreditava-se que 0 fogo pudesse “queimar a praga” espiritual e salvar a alma da mulher acometida pelas tentagdes demoniacas. E o mesmo principio dos sacrificios rituais, em que se abre mao, oferece- se ou se descarta algo importante em prol de um bem maior. @ Representagao, feita por Jan Luyken (1685), da execugao na fogueira de Anneken Hendriks (Amsterda, 1571), durante as Guerras Religiosas (Reforma e Contrarreforma), Jan Luyken — Cl Roger- Viollet, 1685. SANTO OFICIO A tematica da Inquisigao e do Santo Oficio também é bastante controversa. Embora nao seja 0 objetivo deste estudo aprofundar tais questées, vale destacar que, entre 1998 ¢ 2004, um grupo de 30 Internacional sobre as renomados historiadores, especialistas no tema, realizaram o Simpé: Inquisigées. Por ter acontecido na Cidade do Vaticano (que abriu sua biblioteca para esses profissionais), era de se esperar que o resultado fosse também controverso (BORROMEO, 2003) lt ATENGAO As penas tém, nesses casos, sempre algum castigo que envolva o corpo do criminoso ¢ sua afligao. Essa relagdo com 0 corpo esteve presente, nos séculos passados, néo apenas na pena, mas no estabelecimento da verdade. Experimentos sociojuridicos envolvendo o corpo mostravam resultados espirituais que eram interpretados pelos juristas numa fase do processo que era anterior & da aplicagao da pena. Como era predominante a visdo de que o suplicio fisico (desde jejuns a dores infligidas), aplicado de forma voluntaria ou imposta, purificaria a alma — e, consequentemente, a relagao com Deus -, era comum entender a importancia do juramento ou confisso nesse processo (FOUCAULT, 2005). As palavras ditas pelo acusado recebiam uma gama de interpretacdes, que implicaria pena. Pode-se destacar ainda, nesse contexto, os chamados ordalios (provas fisicas), que consistiam em submeter uma pessoa a uma espécie de jogo, de luta com seu préprio corpo, para constatar se venceria ou fracassaria, Por exemplo, na época do Império Carolingio, havia uma prova célebre imposta a quem fosse acusado de assassinato em certas regides do norte da Franca, O acusado devia andar sobre ferro em brasa e, dois dias depois, se ainda tivesse cicatrizes, perdia 0 processo. Havia ainda outras provas como 0 ordélio da agua, que consistia em amarrar a mao direita ao pé esquerdo de uma pessoa e atird-la na agua. Se ela nao se afogasse, perdia 0 processo, porque a prépria Agua nao a recebia bem e, se ela se afogasse, teria ganho 0 processo, visto que a agua ndo a teria rejeitado. Todos esses afrontamentos do individuo ou de seu corpo com os elementos naturais sao uma transposigao simbélica, cuja semantica deveria ser estudada, da propria luta dos individuos entre si. No fundo, trata-se sempre de uma batalha, trata-se sempre de saber quem é 0 mais forte. No velho Direito germénico, o processo é apenas a continuagdo regulamentada, ritualizada da guerra (FOUCAULT, 2005). Ao longo das Idades Média e Moderna, diversos procedimentos de inquérito foram experimentados na medida em que as resolugées dos litigios entre individuos foram sendo centralizadas pelo Estado. Com isso, os métodos de depuragao da verdade se formaram e se modificaram culturalmente. IMPUNIDADE X PUNITIVISMO estabelecimento da verdade, das penas cabiveis aos crimes, a aplicagdo dessas penas e a garantia de seu cumprimento pelo Estado Moderno concorrem para 0 estabelecimento do principio da “seguranga juridica’, que rege o entendimento de que ao Estado cabe prover as relagdes humanas o maior grau de previsibilidade e estabilidade possivel. A questdo 6 que nossa cultura penal, que é herdeira da Lei de Talido, desenvolveu-se historicamente fundamentada na importancia da extirpagao do crime através da expiagao do criminoso. Temos, na verdade, toda uma cultura da punicao que atravessa os séculos. Corrompé-la gera um sentimento de inseguranga nas pessoas, um temor de que se estabelega a desordem social. Desde a Inglaterra do séc. XVII jé era chamado de “luta de todos contra todos” a um estado de natureza em que 08 individuos, sem a regulagao do Estado, estariam livres para exercer os seus impulsos uns sobre os outros, como animais, fazendo valer, no final das contas, a lei do mais forte, sem nenhuma racionalidade que organizasse o convivio humano em fungao de um principio abstrato de justica (HOBBES, 2003). @ Manifestagao nao pacifica, Hayk_Shalunts, 2020. O CRIME E REVERSO DA LEI. ESTA, DE CERTA FORMA, CRIA O CRIME, AO PREVER, TIPIFICAR DETERMINADA CONDUTA COMO ILEGAL. ASSIM, UM ESTADO EFICIENTE DEVERIA REGULAR O CONJUNTO DE LEIS QUE REGE 0 CONVIVIO, PUNINDO ADEQUADAMENTE OS INFRATORES E A RADICALIZAGAO DESSA LOGICA QUE CRIA E SUSTENTA UMA CULTURA DAS PUNIGOES, ESTABELECENDO A APLICAGAO DA PENA COMO CONDIGAO FUNDAMENTAL PARA A PAZ SOCIAL. socidlogo Loic Wacquant fez um amplo estudo sobre a cultura punitivista na Europa e no continente americano, mostrando a insergao dessa cultura no sistema capitalista de produgo. Ele conclui sobre o viés de classe social que recorta a aplicagao de penalidades pelos Estados nos dois continentes. Segundo 0 autor, o Estado minimo preconizado pelo neoliberalismo — a “mao invisivel” (SMITH, 2013) — possui um revés: a mo de ferro do punitivismo que se abate preferencialmente sobre as classes pobres, LOIC WACQUANT Eu nasci e cresci no sul da Franga. Fiz meus estudos na Franga, inicialmente em Economia Industrial e depois em Sociologia. Fui para os EUA em 1985 para fazer meu doutorado na Universidade de Chicago. Trabaihei inicialmente sobre as desigualdades urbanas e a marginalidade social na cidade. Foi meu trabalho sobre a marginalidade urbana que me levou a encontrar a priséo, porque, para fazer um estudo sobre a transformagao do gueto negro de Chicago, inscrevi-me em um clube de boxe do gueto como forma de fazer uma observacao participante e descobri que todos os meus colegas de boxe haviam passado pela prisdo. Fiz esse trabalho de campo para me aproximar da realidade cotidiana, em particular, da juventude negra e pobre do gueto de Chicago. (WACQUANT apud BOCCO et al, 2008) POLICIAMENTO PERMANENTE estabelecimento de politicas de seguranga ptiblica que passa pelo policiamento permanente de areas socioeconomicamente degradadas, como é 0 caso das cités na Franga, dos guetos norte-americanos € das favelas brasileiras, com suas relativamente recentes Unidades de Policia Pacificadora. PRIVATIZAGAO DOS PRESIDIOS. processo de privatizagao dos presidios norte-americanos, que indica a transformagao das penalidades em um lucrativo negécio, uma vez que a reclusao penal é um sistema que muito onera o Estado e que as prisées tendem a ser mal administradas pelo poder piiblico, que nao consegue, de fato, com esse sistema, ressocializar 0 criminoso. No fim das contas, é como se o encarceramento em massa fosse uma forma eficaz, na contemporaneidade, de gerir 0 enorme contingente de mao de obra que nao encontra lugar no mercado de trabalho. E numa perspectiva ainda mais atual, a questo racial pode ser percebida, presente na dinamica cultural do encarceramento: O QUE PODERIAMOS CHAMAR DE GERME DO SISTEMA CRIMINAL BRASILEIRO JA SE INICIOU PUNITIVISTA. DE 1500 A 1822, O QUE SERIA UM CODIGO PENAL ERAM AS ORDENAGOES FILIPINAS, NOTADAMENTE O LIVRO V, ONDE PREDOMINAVA A ESFERA PRIVADA E DA RELAGAO SENHOR/PROPRIETARIO-ESCRAVIZADO/PROPRIEDADE. COM ISSO, A LOGICA DO DIREITO PRIVADO IMPERAVA JA NO NASCEDOURO DO NOSSO SISTEMA E, DADO O CARATER VIOLENTO DO ESCRAVISMO, JA TINHA EM SEU CERNE AS PRATICAS DE TORTURA, FOSSEM PSICOLOGICAS, FOSSEM FISICAS, POR MUTILAGOES E ABUSOS SOFRIDOS PELOS ESCRAVIZADOS. HAVIA, COM ISSO, DIFERENCIAGAO DAS PENAS ENTRE ESCRAVIZADOS E LIVRES. UM EXEMPLO E A EXECUGAO DA PENA CAPITAL EM QUE OS “BEM-NASCIDOS” ERAM EXECUTADOS PELO MACHADO, CONSIDERADA UMA MORTE DIGNA, E AOS DEMAIS ERA UTILIZADA A CORDA, CONSIDERADA UMA MORTE DESONROSA. POSTERIORMENTE ESSA DIFERENCIAGAO NAO APARECERA NA LETRA DA LEI, MAS SERA EXERCIDA E SENTIDA NA APLICAGAO DA PUNIGAO AOS REUS. (BORGES, 2019) A populagao carcerdria, no Brasil atual, caracteriza bem isso, por ter uma cor de pele especifica. Nao sera porque pessoas negras delinquem mais que brancas, nem porque pessoas pobres (em sua maioria negras) delinquem mais que as ricas. Ha, talvez, um recorte social do tipo de crime cometido pelos individuos e um direcionamento do aparato punitivista do Estado para esses crimes, que passam a ser considerados de maior poder ofensivo, seja porque o racismo é estrutural e pode orientar subliminarmente os préprios julgamentos e sistemas de acusagées, seja porque pessoas pobres (em sua maioria negras) néio possuem os recursos necessdrios para custear profissionais com maior formagao e experiéncia. Essa situagao néo nasceu em nossos dias: COM RELAGAO AOS PADROES DE DETENGAO, AS PESQUISAS DE 1810 A 1821 DEMONSTRAM O CRITERIO DE COR. SAO POUQUISSIMOS OS BRANCOS PRESOS. NO RIO DE JANEIRO DA EPOCA (QUASE METADE DA POPULAGAO ERA NEGRA), 80% DOS JULGADOS ERAM ESCRAVOS, 95% NASCIDOS NA AFRICA, 19% EX-ESCRAVOS E APENAS 1% LIVRES. NO SISTEMA PENAL DIRIGIDO A ESCRAVIDAO, OS PRINCIPAIS MOTIVOS PARA A PRISAO DE ESCRAVOS ERAM FUGA OU PRATICA DE CAPOEIRA. (BATISTA, 2003) Resta-nos, portanto, no somente aprofundar o contetido aqui apresentado, mas, principalmente, compreender nosso papel nesse proceso, buscando formas, cada vez mais eficientes, institucionais e pessoais, de combatermos a violéncia. No video a seguir, o especialista Dennis Novaes apresenta a relagao entre os conceitos de impunidade @ violéncia no contexto do tema estudado. Vamos assistir! VERIFICANDO O APRENDIZADO CONCLUSAO CONSIDERAGOES FINAIS No decorrer dos trés médulos, vimos como a violéncia ¢ um fenémeno complexo com implicagSes variadas para a vida em sociedade. Em primeiro lugar, analisamos de que forma a violéncia esteve presente na constituigao da identidade nacional, O processo histérico que deu origem ao Brasil enquanto Estado-naco foi permeado por conflitos e disputas violentas pelo dominio sobre um territério. Em seguida, refletimos sobre as populages menorizadas e como as politicas puiblicas podem fomentar uma sociedade verdadeiramente democrética. Para isso, necessério que os grupos alijados dos espagos de poder tenham voz e sejam representados, mas também que as minorias tenham seus direitos preservados. Por fim, apresentamos como a punig&o e os tipos de pena se constituiram em diferentes perfodos histéricos e sociedades. A relagdo entre impunidade e violéncia é mais complexa do que o senso comum muitas vezes faz parecer e, por esse motivo, uma abordagem socioantropolégica sobre esse fendmeno 6 fundamental para a criag4o de politicas publicas eficazes. PODCAST A PODCAST Agora com a palavra o especialista Dennis Novaes, relembrando tépicos abordados neste tema & comentando sobre a sua aplicagao na pratica. Vamos ouvir! REFERENCIAS BATISTA, V. M. © medo na cidade do Rio de Janeiro: dois tempos de uma histéria. Rio de Janeiro: Revan, 2003 BOCCO, F; NASCIMENTO, M. L.; COIMBRA, C. A seguranga criminal como espetaculo para ocultar a inseguranga social: entrevista com Loic Wacquant. In: Fractal, Rev. 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Para se aprofundar na dis uso, leia o livro Vigiar e Punir, obra classica do autor. Veja a dissertacao de mestrado em Antropologia Social de Andréa Regina Moura Mendes sobre © ritual popular de “malhagao do Judas” a Semana Santa. O trabalho se chama: A Malhagao do Judas: rito e identidade, Para conhecer a instigante reflexao de Eliane Tania Martins de Freitas sobre a relagao entre crimes violentos e santificagdo nas crengas populares sobre cangaceiros famosos no Nordeste, leia 0 artigo Violéncia e Sagrado, 0 que no criminoso anuncia o santo? O livro © que é encarceramento em massa?, escrito por Juliana Borges, apresenta de forma didatica a situagao dramatica do sistema carcerario no Brasil. Somos um dos paises que mais prendem no mundo, mas isso nao tem se refletido na redugao dos indices de violéncia, pelo contrario. A autora traz reflexées fundamentais para quem deseja compreender o encarceramento ea violéncia no Brasil contemporaneo. Para conhecer uma das polémicas em torno da figura de Zumbi dos Palmares, leia a breve reportagem da revista Veja (21 nov. 2015), assinada por Leandro Narloch e intitulada Zumbi tinha escravos, E da/?. Como forma de aprofundarmos a visdo da relago dos indigenas com a terra, vale a leitura apresentada por Thomas Woods (Historiador de Harvard) em seu artigo Os indios americanos realmente eram ambientalistas?. CONTEUDISTA Dennis Novaes @& CURRICULO LATTES Natania Lopes @& CURRICULO LATTES

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