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marxista Michel Cahen, Mocambique: oO marxismo, a nagao eo Estado’ ENTREVISTA ANGELA LAZAGNA” Os principais temas de pesquisa de Michel Cahen, especialista na evolugio politica da Africa luséfona contemporiinea, concernem & administragao portuguesa em Mogambique {aparellho de Estado, corporativismo colonial, politica religiosa, trabalho forgado) ¢ aos mitos ¢ ideologias das guerras de libertagio. Interessa-se, igualmente, por experiéneias dos novos Estados resulrantes da descolonizagao ¢, em particulat, pelos sistemas monopattidérios dos cinco PALOP (Paises Afficanos de Lingua Oficial Portuguesa: Angola, Cabo-Verde, Guiné-Bissau, Mogambique e Sao “Tomé ¢ Principe), pelas tenses étnicas ¢ pela relagéo entre nacionalismo e marxis- mo. Atualmente, é presidente da Associagio de Pesquisadores da Revista Lusotopie. Em 1987, publicou o livro: Mozambique: La Révolution implosée, Etudes sur 12 ans d’indépendence (1975-1987), no qual analisa, dentre outras quest6es, a re- lagao entre o “marxismo-leninismo” da FRELIMO ¢ a natureza da sociedade mogambicana pés-independéncia. Nesta obra, 0 autor, através de uma leitusa crt tica e marxista dos fatos, desmistifica a idéia de que o processo de independéncia em Mogambique, somado a atuagao de um partido dnico que se autodenominava “mmarxista leninista” tivesse instaurado o socialismo em tal formagao social’. “Tntrevista com o historiador Michel Cahen, pesquisador do Censre National dela Recherche Scientifue (CNRS) e dinetor-adjunto do Centre d’érude dAffigque noire (CBAN), em Bordeaux, (Bordeaux, 23 de feverciro de 2006). * Doutoranda em Ciencia Polftica na Universidade Esmdual de Campinas (Unicamp). Agradego aAnnando Boito Jr, Joao Quartim de Moraes, Loreizzo Macagno ¢ Michel Cahen pelas impor- rantes observagSes para a edicao desta entrevista » Mattrise d'enseignement dhittoire (Paris 1), OrientagSo: Pierre Vilar. Titulo obtido em 1975, sobreo tema: Lidéologie coloniale en France aprds la Premidre Guerre Mondiale. Etude 118 © MICHEL CAHEN, MOCAMBIQUE: O MARXISMO, A NAGCAO E © ESTADO. Lazagna: Em 1975, voce viajou para Mogambique pela primeira vex Qual o motivo dessa viagem? Cahen: Como muitos jovens da minha geragao, ett viajava de boléia para os mais diversos lugares. Tinha um amigo portugués na Sorbonne que conhecia mogambicanos que voltavam de Portugal para Mogambique (em 1974, houve a Revolugao dos Cravos ¢, em 1975, a independéncia de Mogambique). Decidimos entre amigos viajar pata Mogambique. Meus amigos foram pata Dar es Salaam pedir o visto que nunca obtiveram, Parti um pouco mais tarde, em julho de 1975, pois acabara de ser aprovado num concurso para professor secundério e segui para a.zona das trés fronteiras, entre Malaui, Zambia e Mogambique. Como viajava de carona, tive que esperar para encontrar um caminhfo. Consegui encontrar um, cujo mototista era portugues, Entrei no pats sem passaporte, pois com aquela desordem, isso foi possfvel. E foi logo interessante. Eu nao sabia nada de Mogambique. Aquele motorista, como também muitos pequenos colonos portu- gueses, ainda néo havia partido. Ble era um militar que havia ficado e foi extrema- mente simpatico comigo. Esperamos trés dias para irmos da fronteira do Malaui & cidade da Beira, no centro do pais. O caminhoneiro tinha um day (ctiado em Mogambique), 0 Pedro, que preparava as refeig6es. Pedro comia separadamente ¢ nao comia nem o café da manha, nem o almogo. Apés dois dias, misturando algumas palavras de francés ¢ de portugués, perguntei: “E o Pedro? Nao come?”. Lembro-me do olhar espantado daquele portugués que disse: “Mas Pedro s6 come A noitel”. Porque era negro, Sendo assim, pensei: “Jé tenho um exemplo de um outro tipo de colonialismo de pequeno branco”. Logo, relacionei esse episédio a minha monogtafia de licenciatura em Histéria', na qual estudei a ideologia colo- nial francesa no pés-primeira guetra. Neste tipo de colonizagéo, o seu maior agen- te, a administrasio, isto é, 0 setor burocrdtico, sobressai ao lugar ocupado pelo capitalismo. Decidi, naquele momento, fazer meu mestrado? sobre Mogambique. Mas outras razGes contribufram para que esta escolha fosse interessante: Mogambique estava numa situagio de ebuligao politica, pois a FRELIMO? acaba- ‘fondé sur le Plan de mise em valeur de colonies frangaises d’Albert Sarraut, No Brasil, 0 titulo ‘equivalente 4 Mattrise seria a Monografia de graduagao. 2 DBA, (diplome d'études approfondies) d'Histoire des sovideés de UAfrigque noire (Paris 1). Orientagio: Yves Person. Tieulo obtido em 1978. No Brasil, o tftulo equivalente ao D.E.A. seria o de Mestrado strictu sensu. > Brente de Libertagio de Mogambique. A FRELIMO foi criada em 1962, em Dat-es- Salam, sob forte presso da Tanzania e apoio americano, por emigtados urbanos do Sul de Mogambique ¢ camponese do extremo norte. Sé aos poucos radicalizou o dliscurso, até reivindicar-se mais e mais do marxismo-leninismo, ¢ oficialmente em 1977. CRITICA MARXISTA © 119 va de tomar 0 poder ¢ 0 “marxismo-leninismo” era a sua ideologia quase oficial Encontrei-me, pois, numa situagio com a qual podia simpatizar: 0 fim de uma uta anti-colonial ¢ um partido marxizante, Porém, logo descobri que se tratava de um partido tnico. Lazagna: E quando vocé retornowa Mogambique? Cahen: Retornei a Mocambique somente em 1981. E durante este perfodo, muitos dos meus companheiros intelectuais de esquerda que haviam acompanha- do a lata anti-colonial ¢ a apoiavam incondicionalmente, assim como eu, agora eles também apoiavam incondicionalmente os partidos inicos, alegando serem © poder do povo, Nao questionavam, pois, a estrutura do partido tinico, a fusio entre Partido ¢ Estado, 0 que impossibilita que a populacao corrija quaisquer erros do partido, pois nao hd lugar politico para isso; no questionavam a demonizagao de qualquer pessoa que nao concorde com as decisées do partido ea sua conversio em “pré-colonial”, “pré-feudal”. Mais tarde, fiz outras ctiticas, mas, na altura, critiquei particularmente a austncia de democracia. Mas muitos desses intelectuais de esquerda criticavam essa situagao em al- guns aspectos, exceto a esquerda portuguesa que quase nada disse, Talves por se- rem os antigos colonizadores, nao se auto-atribufam o direito de criticar; ou por terem acabado de sair do fascismo, de modo a estarem ainda educados a nao fazer politica. Parece estranho dizer que isto’se passou no contexto da revolugéo portu- guesa, mas néo houve, naquela altura, nenhum estudo politico sério produzido por um portugués sobre Mogambique, Angola; houve somente textinhos de millitincia pré. B foi o simples fato de me colocar de fora que me permitiu ver coisas que os outros, sinceramente, nao enxergavam. Os outros viam os erros, mas os justificavam alegando que o Estado nao conseguia aplicar a linha justa do par tido. Mas, para mim nao eram erros. Era uma politica assumida. Nesse aspecto, criticava os cooperantes daquele tempo, pois eles no ajuda- ram Mogambique na corregao desses “erros” sendo, muitas veres, mais ferozes que o partido no uso da fraseologia oficial. A famosa experiéncia das aldeias comunais em 1977 ¢ 19784 pode exemplificar esse comportamento. Vendo que elas néo funcionavam, os cooperantes criticavam 0 Estado por nio apdia-las suficiente- mente, Mas nfo se perguntavam por que o Estado nao as apoiava, interpretando que essa auséncia de apoio se devia a uma luta, no interior do partido, entre a ala pré-sovitica ¢ a prd-chinesa, pois, de fato, o discurso da FRELIMO e, proptia- mente de Samora Machel, era muito favordvel as aldedas comunais. Entretanto, 0 * Sobre essa questo, ver, Cahen, Mozambique: La Révolution imploste. Etudes sur 12 ans dindépendence (1975-1987). Paris: Editions LHarmattan, 1987, especialmente, pp. 49-60. 120 * MICHEL CAHEN, MOCAMBIQUE: O MARXISMO, A NACAO E O ESTADO Ministério da Agricultura destinava 98% do orgamento as machambas* estatais ¢ as empresas ptiblicas ¢ quase nada para as aldeias comunais. A agricultura familiar foi abandonada pela FRELIMO, Mas o principal problema nao foi este. Deve- mos, pois, nos perguntar sobre © motivo da existéncia das aldeias comunais. Ao contrdsio do que se escuta muitas vezes, nao se fez, através das aldeias comunais, nem a coletivizag4o, nem a cooperativizagio do campo. Segundo a ideologia modernizadora do paternalismo autoritério da FRELIMO, era impossivel deixar o campesinaco viver nos moldes tradicionais, pois com esse modelo de moderniza- ao, a pequena clite buroerstica ¢ urbana da FRELIMO e do sul de Mogambique ndo podia accitar um campesinato espalhado que vivia de uma agricultura semi- itinerante, isto é um meio social que era dificil de concrolar. Essa foi, portanto, uma politica contra o campesinato que foi identificado a0 feudalismo, o que ¢ completamente ertado, pois nao houve feudalismo em Mogambique. Havia sim 0 que Claude Meillassoux denominow modo de produ- gio doméstico®. Porém, para a FRELIMO, isto era feudalismo, Daf seus slogans: “abaixo o feudalismo”, “abaixo o obscurantismo”, isto é, abaixo as condigées tradi- cionais de vida, abaixo as pessoas! Lasagna: A imposigiio da FRELIMO das aldeias comunais estd relacionada ao seu conceiso de nagiio? Cahen: Obviamente. Se houve uma linha de continuidade entre FRELIMO nacionalista de 1962, a FRELIMO nacionalista revoluciondria de 1968-69, a FRELIMO “marxista-leninista” de 1975-77 ea FRELIMO nacional-liberal pés- 1989, ela est relacionada a idéia da necessidade de produgéo da nagéo, 0 que chamo de nacionismo, ao invés de nacionalismo, ou seja, tal projeto nao ¢ expres- sao de uma nagio; é um projeto politico, elicista de imposi¢ao de uma nagio. A nagio é concebida como um paradigma de modernizagio, pois 0 objetivo politico é produsit uma nagao unificada, homogénea, de tipo europeu-jacobino, portugu- és até, na qual as etnicidades devem desaparecer. E como dizer: a FRELIMO € 0 povo, o povo é nacio, a FRELIMO éa nasi, E para que as etnicidades desapa- recam h4, somente, duas possibilidades: uma forte repressio, como a que ocorreu na primeira fase do governo da FRELIMO ou aguardar que elas se tornem realida- des residuais, 0 que a FRELIMO defende atualmente, de modo que a orientagao anti-étnica se exprime hoje de uma maneira mais branda em virtude do neoliberalismo. Logo, a finalidade nao é criar devagat uma nago de nagSes, uma naco de etnicidades para produzir uma nova pan-identidade a partir das antigas, Tim Mogaibique, machamba é sindnimo de pequena ou grande propriedade agricola. § Sebseo modo de producto doméstico, ver Claude Meillassoux, Femmes, greniers,capitaue. Pass: Frangois Maspero, 1975 (trad. port. Mulheres, celeirose capitis. Porto: Afrontamento, 197). CRITICA MARXISTA # 121 é sim apagé-las, pautando-se num paradigma de modernizagao aucoritéria. Logo, as aldeias comunais nio vieram para cooperativizar 0 campo (as cooperativas nao ultrapassavam 1% da produgéo). Vieram, na verdade, para introduzir o aparelho de Estado no campo, para controlar, modernizar os camponeses, para “nacionaliz Jos”, Samora Machel uma vez disse que isto deveria produrir cidades rurais. Cida- des rurais| Uma expressio ideologicamente muito interessante, pois a cidade ¢ con- cebida como o protétipo da nagao, a cidade é a prdpria modernizagio, Portanto, devem ser produzidas cidades rurais, os camponeses devem set reagrupados em aldeias bem quadradinhas, com ruazinhas bem direitinhas ¢ a sede do Partido no centro, B quem nao aderit A cooperativa de produgio nao pode ser membro da cooperativa de consumo, No entanto, numa situagao de grande caréncia, é muito importante ter acesso A cooperativa de consumo ¢ isto também criow problemas de duas ordens: agrondmicos ¢ culeural-religiosos. Em primeiro lugar, 0 problema agronémico: a FRELIMO concentrou os produtores, mas nao possufa os meios pata concentrar os meios de produgio. ‘Muitos camponeses que viviam num raio de trinta quilémetros foram concentra dos num mesmo lugar. Com isto, as mesmas terras foram sobre-utilizadas muitas veres, nao havia adubos, pesticidas, irrigacdo, 0 que provocou o esgotamento do solo, de modo que foi necessdtio voltas, As escondidas, As antigas machambas, indo a pé muito longe, exaustivamente. Com a baixa da produgao, as pessoas passaram aviver pior nas aldeias comunais “modernas” do que quando produziam no modo de produgio tradicional. Em segundo lugar, o problema cultural: quando foi decidida a implantasao da aldeia comunal num determinado lugar, a linhagem daquele lugar foi favorecida € quem nfo pertencia a essa linhagem tinha que pedir a terra emprestada para trabalhar, E.antes da sua implantagio, jé havia sido uma batalha entre linhagens dominantes ¢ linhagens secundérias para saber onde ela seria estabelecida, Mas 0 modernizador de Maputo néo enxergava isto, E hé outro problema: todos sabem que a religido tradicional éa religio do culto dos espiritos dos antepassados c estes néo migraram paraa aldeia comunal, permanecendo nas tertas onde sempre estive- ram. Portanto, essa experiéncia foi, segundo Christian Geffray’, uma negacéo das relagdes sociais originais no seio do campesinato, E a vontade de aplicagao desta politica foi muito forte, apesar da enorme dificuldade pata implantagao das aldeias comunais, jf que a FRELIMO, quando tomou o poder, contava com quinze mil guertilheiros ¢ algumas poucas centenas de quadros de nivel superior. Mas 0 obje- Vex, sobre esse assunto, Christian Geffray, La cause des armes au Mozambique: anthropologie dune guerre civile, Paris: Khartalas Nairobi: Credu, 1990 (trad. port. A casa das armas: antropologia da guerra contemporinea em Mocambigue, Porto: Afrontamento, 1991). 122 ¢ MICHEL CAHEN, MOCAMBIQUE: O MARXISMO, A NACAO E O ESTADO tivo era o de produrir 0 Estado, produzir a nagéo, mas através de uma completa confusdo entre o que éa nagao co que ¢ 0 Estado, Lazagna: Qual o lugar ocupado pelo “marsismo-leninismo” na ideologia da FRELIMO? Cahen: Nao entrarei numa discusséo para saber se a FRELIMO foi adepta ou nao de um verdadeiro marxismo, discussio, alids, que pode ser interessante, mas que & muito mais complicada, A pergunta que, no momento, nos cabe ¢ por que uma pequena elite africana de Mogambique foi atrafda por aquele tipo de marxismo? ‘A pequena clite afticana que toma o poder no interior da FRELIMO, nome- adamente depois da morse de Mondlane’, foi produzida internamente em Lou- rengo Marques (atual Maputo). A antiga capital histérica do pats, a Ilha de Mogambique, possufa uma antiga elite colonial tradicional: comerciantes Arabes, mestigos portugueses ou mesmo escravistas negros que a priorizavam, No entanto, © Banco de Portugal optou, estrategicamente, pela transferéncia da capital para 0 extremo sul do pals, visando titar proveito do porto de Deligoa Bay, fronteira com Africa do Sul, Logo, aquela elite tradicional foi completamente marginalizada. Lourengo Marques néo era uma cidade africana antiga, na qual os antigos niicleos das clites tradicionais poderiam se transformar em elites modernas com ratzes an- tigas. Foi uma criagio ex nihilo do capitalismo colonial portugués moderno, na qual a micto-clite afticana que porventura aparecesse seria muito fraca, pois o colonato era extenso ¢ ocupava todas as esferas de produgio da tiqueza, até mesmo o lugar do vendedor de jornal na rua, Sendo assim, o lugar social para o apareci- mento de uma elite afticana era restrito e surge aos poucos, mas nos moldes do capitalismo portugués contempotiineo. Esses espagos so absolutamente burocts- ticos no seu sentido social. Nao hé operitios, nao hd burgueses no sentido de agricultores, grandes comerciantes; sao escrivaes, empregados do comércio, enfer meitos auniliares, padres protestantes, isto é, funciondrios burocréticos. Logo, © habitus desses funciondtios, pata utilizar um coneeito de Bourdieu, 0 seu ideal ¢a pequena cidade colonial do final dos anos 50 a qual, mesmo em crescimento, ainda é muito bem ordenada. Mais tarde, eles saem do pafs para comegaralutas. E 0 seu: modelo de nagéo é o do inimigo; seu modelo é Portugal. Samora Machel retorna da luta armada em 1975 ¢ fz um discurso anti-utbano, 0 que leva as pessoas a considerarem-no um “maofsta pré-camponés”. Mas Machel estava abor- recido com o fato de Maputo ter softido uma mudanga completa entre os anos * "Eduardo Mondlane, primeiro presidente da Frelimo. Foi assassinado, em 1969, pela cxploséo de uma carta-bomba. CRITICA MARXISTA # 123 1960 e 1974, tornando-se uma grande cidade moderna da Africa austral. E ele tem medo disso! Neste sentido, faz um discusso favordvel Aquela velha cidade colonial dos anos 50. Mas, obviamente, cle nfo podia dizer isso e, talvez nem fosse consciente disso quando ctiticou a cidade moderna c clogiou um modelo puro ¢ abstrato de camponés, um camponés que ele tentaia modernizar a forga. Qual o papel social daquele tipo de “marxismo”? Ele esta na génese do nacionismo ou anti-colonialismo moderno mogambicano. Aquela elite do sul é humilhada pelo colonialismo portugues, que nao quer negociar a independéncia, que deseja ficar. O ideal dessa elite ¢ produzir a nagao ¢ naquele contexto polftico- cultural era preciso fazer uma luta armada frente ao fascismo portugués, pois nfo hd outros meios para conquistar a independéncia, Caracterizo esse “matxismo” como um desejo de ocidentalizaao subalterna. Mas o que cle traz? Ele traza iddia do Estado como principal ator na economia ¢ até proprictatio dela (caminhos de ferro, portos, etc.); de uma nagio homogenea que fala ¢ é alfabetizada somente numa lingua; de um partido tinico que funciona como Estado; dos sindicatos coorporativos que organizam os trabalhadores, mas nao para desenvolver suas rei- vindicagGes. Isto, politicamente, é muito diferente do salazatismo, mas, social- mente, é quase uma cépia, Nao é um “marxismo identitério”, é uma ferramenta. Sendo assim, qual o papel social ¢ estrutural daquele “marxismo” para aquela elite que toma o poder na FRELIMO? Esse “marxismo” é a forma de nacion(al)ismo que eles encontraram num determinado contexto cultural ¢ politico. Lazagna: O que significon 0 recerso ao “Homem Nova” neste contexto? Cahen: © “Homem Novo” ¢ uim jargio de tipo maofsta, mas que, neste contexto, significou o desejo de pdr fim & diversidade sécio-cultural, em particular as etnicidades, a quem foi negada a existéncia como antigas nagdes africanas, Blas foram taxadas de obscurantistas, divisionistas, tribalistas. Defendeu-se, desta for- ima, 0 fim das religides tradicionais e a modernizasao de tudo isso para.a produgao da nagio, 0 que corresponde ao habitus dessa pequena clite buroctdtico-burguesa do sul do pais que possui uma relagio de exterioridade com o pais real, A experiéncia das aldeias comunais é somente um exemplo desta politica de modernizagéo autoritétia. Neste sentido, 0 que quero explicitar é que existe um habitus de Estado muito mais alargado de negasio das necessidades sociais da populagio. E 0 que se pode apreender do vocabulétio politico, naquela altura ¢ ainda, &s vezes, hoje, € que o povo nfo éa populagéo. O slogan da FRELIMO: “E. preciso organizar 0 povo” significa que o povo nfo esta organizado. Mas serd que 0 Povo nao tem mesmo uma organizagio? Nao tem clas, nfo tem linhagens, nao tem etnicidades, nio tem chefaturas? No dia 26 de junho de 1975, o dia seguinte A independéncia, a FRELIMO decidiu suprimir os régulos (chefaturas tradicio- 124 ¢ MICHEL CAHEN, MOCAMBIQUE: O MARXISMO, A NACAO E O ESTADO nais). O que isto significou? Isto no significou maté-los, mas fazer como se eles nao mais existissem, isto ¢, negou-se a pertinéncia de toda uma estrutura, também através daquela falsa identificagao entre chefatura tradicional ¢ feudalismo. Mas devia-se organizar 0 povo, pois, na pratica, 0 povo organizado, o povo politico sto ‘os membros do Partido, os membros da administragio. E quando possivel, o Esta do apoiard 0 povo, isto , os membros do Estado/partido, ¢ nfo o restante da populagao, que nao é chamado de povo, mas de elementos da populagizo. O elemen- 10 da populagéo politicamente no existe, Muitas vezes a populagio chamava os militantes da FRELIMO de “os abaixo”. Por qué? O que dizia o militante da FRELIMO? “Abaixo o tribalismo! Abaixo o obscurantismo! Abaixo o feudalis- mo!”. Rapidamence gera-se um sentimento nas pessoas de quea FRELIMO éalgo exterior a elas; aquele Estado ¢ externo, estranho, esquisito! Quando um mogambicano diz: “cu sou populagéo”, isto quer dizer: “eu nao fago parte do par- tido, eu nfo sou povo”. Quando um quadro da capital vai para uma aldeia, o secretdrio local 0 apresenta como “o camarada que vem da nagio”! Essa expresso popular mostra bem que a nagao é, realisticamente, considerada como sindnimo do Estado, com sede na capital! E sé neste sentido que se pode entender porque uma rebelie como a da RENAMO? teve apoio. E devo dizer que a questao do apartheid nfo teve nenhum peso nessa escolha dos camponeses, pois 0 apartheid é algo muito longinquo quando os avi6es zimbabueanos a bombardear com napalm esto préximos. Mesmo no tempo do apartheid, os saldrios sul-afticanos eram dex vezes maiores que em Mogambique. A Africa do Sul era uma espécie de paratso. E quando a RENAMO chega, mata o presidente da aldeia comunal e a sua familia ¢ diz aos camponeses: “Vocés agora tém o diteito de voltar ao seu habitat disperso”, funciona. Quando é devolvido o poder a um chefe tradicional que foi humithado pela FRELIMO, isto funciona". Pois esta nao é, na base — na superestrutura nao negarei o apoio do apartheid a essa luta — uma luta entre 0 “socialism” eo “feuda- lismo”, é uma luta de auto-defesa de uma populagio camponesa que ndo é uma classe mas uma sociedade, que tem as suas préprias contradi¢g6es — as quais poderi- am, alids, ser utilizadas para se fazer a luta de classes no interior do campesinato — , mas que foi negada em bloco. Esta ¢ uma luta contra um Estado externo, auto J Resistencia Nacional de Mogambique, organizagio criada por desertores da FRELIMO e por soldados afticanos dos ex-comandos portugueses, apoinda pela Rodésia e, depois, pela Africa do Sul do apartheid. Cahen publicow recentemente, em portugues, um livro que incide principalmente sobre a Renamo: Os outros. Um histortador em Mogarnbigque, 1994. P. Schletewein Publishing Foundation, Basileia (Suica), 2004 fa versio original em Ifngua francesa deste livto foi publicada sob 0 titulo Les Bandits. Un historien au Mozambique, 1994. Paris-Lisboa, Publications du Centre culturel Calouste Gulbenkian, 2002). "'Cahen, Os outras, op. cit. CRITICA MARXISTA # 125 Lério que a nega, que nfo traz 0 progresso social. E isto culmina na famosa eperagia produto, em 1983. Lazagna: O que foi a operagio producto? Cahen: A operagiio produgao foi uma tragédia ¢ seu grande responsavel, mas nio o unico, foi Armando Guebuza, atual presidente da repiblica. Nesta altura, a guerra civil estava fort(ssima ea FRELIMO, nomeadamente Samora Machel, perce- beu que era preciso um acordo com a Africa do Sul: o Acordo de Incomati de 16 de marco de 1984, A Africa do Sul néo mais apoiaria a RENAMO ¢ a FRELIMO nao apoiaria mais a ANC", A FRELIMO cumpre isto, mas a Africa do Sul continua apoiando a RENAMO clandestinamente. No entanto, hi algo menos conhecido neste acordo: a integragéo de Mogambique na comunidade internacional ocidental. O iiltimo projeto “socialista” — com aspas (sic) - da FRELIMO foi o PPI”? de 1981, um plano de “socializagao do campo” ¢ de “vit6ria sobre 0 subdesenvol- vimento em dez anos”, Machel sabia que a Unitio Sovi¢tica nunca havia considera- doa FRELIMO c o MPLA comunistas ¢ nunca os havia aceitado no campo soci- alista, considerando-os palses de “desenvolvimento nao-capitalista”, ou seja, “naio- socialista”. Aquele paradigma soviético imitava o que se passara na Europa, no século XIX. Segundo aquela espécie de marxismo, a Afiica estaria na etapa da revolugio nacional-burguesa. $6 que n&o se podia dizer aos aliados “Vocts esto fazendo a etapa da revolugdo burguesa”, pois dizia-se “a etapa do desenvolvimento no capitalista”. Quando Machel afirmava que Mogambique “fazia parte do cam- po socialista”, exprimia o seu descontentamento para com a Unido Soviética, que nfo aceitava Mogambique no CAEM™ quando ele sonhata com 0 maximo de apoio da Unido Sovidtica para desenvolver Mogainbique. No entanto, mesmo as- sim, este no era um desejo “socialista”; temos que buscar por deteds das palavras. Isto significava que ele sonhava coin esse apoio para um forte desenvolvimentismo. Assim, em 1981, amparado por cooperantes soviéticos, biilgaros, alemes do leste, a FRELIMO ainda possufa aquela esperanga de apsio do governo soviético quan- do claborou © PPI. Mas j4 era uma esperanga quase desesperada. B, através do PPI, jé se adivinhava um chamado aos capitais ocidentais para dele fazerem parte, A FRELIMO, com muita raz4o, também aproveitou da rivalidade entrea Alemanha "\ African National Congress, mais antiga ¢ importante organizagio nacionalista a tada Africa do Sul, oficialmente reconhecida por Mogambique como a tinica representan- te legitima do povo sul africano, A Organizagio da Unidade Afvicana ca ONU reconhecem, conjuntamente, a ANC ¢ 0 PAC (Pan African Congres). " Plano Prospectivo Indicative. 8 Consetho de Assisténcia Econdmica Mittua, que reunia a ex-URSS, a maior parte dos patses da Europa do Leste, Cuba, Vietnam Camboja ¢ Laos. 126 ® MICHEL CAHEN, MOCAMBIQUE: O MARXISMO, A NACAO E O ESTADO do leste ¢ a Alemanha ocidental para conseguir mais dinheiro de ambos os patses. Porém, em 1983, nao havia mais esperangas de que o PPI desse certo. Ocorrem, neste ano, as primeiras medidas de liberalizagao comercial ea FRELIMO sabe que isto significaria um enfraquecimento do seu controle sobre o pais Enfim, tudo isto resulta num forte crescimento da cidade, dificil de concro- Jan de modo que a tiltima tentativa de aparelhismo — a0 menos éa minha leitura social ~, foi expulsar todos os “improdutivos” das cidades. Mas quem sio esses “jmprodutivos?? Sao todos aqueles que nfo possuem um trabalho no setor formal, Ocorretam, durante meses ¢ meses, expulsdes massivas de pessoas da cidade para o Niassa ou algures para obrigar essas pessoas a se tornarem camponeses “para desenvolver 0 pais”, Na realidade, uns morreram de fore, outros juntaram-se & Renamo, alguns conseguiram sobreviver ou voltar. Lazagna: A operacto producto ¢ similar i experitncia dos campos de veedweasio? Cahen: Nao. Houve muitos campos de reeducagio. Mas a experiéncia dos campos de reeducagio foi mesmo politica, mesmo que nem todos os enviados fossem por motivos politicos. Jd o caso da operagio predugdo foi muito mais grave, pois foi uma expulsio contra uma maiotia social, em virtude de wma tentativa desesperada de recuperagéo daquele ideal de pequena cidade bem ordenada. Lazagna: Mas a operagiio produgio néio comportou, ao menos na sua idealizagio, sum desejo de desenvolvimento de urna base produtiva? Cahen: Nao, no houve nada disso. O que foi, nfo bem planificada, mas muico bem efetivada, foi a expulsdo. Os avides das linhas domésticas ¢ os poucos caminhdes existentes no pais foram mobilizados exclusivamente para essa expul- sfio, que ocorreu tanto em Maputo quanto na maioria das outras cidades. Somente na Beira a opentgao produgfio foi mais suave. Marcelino dos Santos hesitou em realizé-la, pois sabia que Beira é uma cidade que sempre fora rebelde de modo que 2 expulsdo provocaria fortissimos motins uzbanos. Lazagna: Quando vock publica: Mozambique: La Révolution imploste, qual foi 0 impacto deste lira sobre a intlectualidade mogdmbicana e sua receptividade em Portugal? Cahen: Nenhuma, porque eu sou o traidor! Aliss, posso dizer que esse livro, sendo de 1987, j4 est ulerapassado factualmente. Mas assumo a maior parte do ee 7 Ninwa esté situado, no extremo noroeste de Mogambique ¢ é a maior provincia do pals. No entanto, da drea que tem menos populagio. Sua capital, Lichinga, situa-se « 2.800 quilémetros de Maputo. & uma regio moncanhosa, na qual se cncontra a costa mais acantilada do Lago Niassa. CRITICA MARXISTA * 127 seu contetido. Com esse titulo muito provocador: Mozambique: La Révolusion implasée quis dizer que a crise de Mogambique nao se deveu tanto & invasio sul- africana; foi, principalmente, uma crise interna provocada pela politica da prépria FRELIMO de negagio das sociedades camponesas ¢ afticanas. Ainda pior: escrevi isso assumindo uma posigio de manxista, ou seja, um marxista que critica o mar- xismo, melhor dizendo, um partido que se dizia marxista, Na condigao de histori- ador marxista, minha crftica ressalta o fato de que se um pais afticano adotou 0 “marxismo-leninismo”, isto ndo quer dizer que o pais seja “marxista-leninista”. Acredicar nisto ¢ supervalorizar, consideravelmente, o discurso politico. Obvia- mente, um discurso politico € muito importante, ¢ estruturante, Mas remos que analisar as relag6es sociais, as relagées de produgao, a nacureza social do Estado, 0 seu tipo de insersfio na cconomia-mundo! Como jé disse, aquele “marxismo” & uma forma de nacion(al)ismo encontrada pela FRELIMO, o que explica o sew abandono, em 1989, no 5° Congresso. E isso se passou em julho de 1989, antes da queda do muro de Berlim. A FRELIMO foi o primeiro Partido/Estado no mundo a abandonar, voluntariamente, o “marxismo”. Na altura, Joaquim Chissano, 0 segundo presidente de Mogambique, disse que “aquela questo do marxismo co- megava a trazer problemas & FRELIMO”. Sendo assim, se aquela ferramenta ja no prestava, dever-se-ia mudar de ferramenta! E 0 buré politico, naquela altura, nfo mudou, de modo que esse abandono nio significou uma crise de identidade partidéria, pois a identidade da FRELIMO esté ligada & forma de um Partido/ Estado, de um Partido-Nagéo ¢ quem néo faz parte da FRELIMO, nao faz parte da nagio. No 9° Congreso da FRELIMO, em 2004, j4 num contexto neoliberal, defendeu-se, nas teses apresentadas, que a capital € 0 protétipo da nagio ¢ que a FRELIMO ¢ 0 partido da unidade nacional, Isso quer dizer que os partidos da oposigio nao fazem parte da nagio, A FRELIMO unicamente ¢ que ¢ 0 partido que une a nagio, isto é, que produz.a nacéo; os outros so estrangeiros. Lazagna: Dara finalizar esta entrevista, gostaria que voct abordasse as passtvcis similinudes entre 0s PALOB, por exemplo, entre 0 “snarxisma” adatado pela FRELIMO ¢ a Demoeracia Revoluciondvia do PAIGC? Cahen: A questéo da adogéo do “marxismo-leninismo” deve ser abordada na sua relagio com a histétia da formacso social das elites afficanas. Percebo que todos os pafses afticanos que, tornando-se independentes, adotaram, assumidamente ou nao, o “marxismo-leninismo”, foram patses de antiga colonizacéo latina; os PALOP Benim, Congos, Etiopia... Mas isto nfo se deveu a “latinidade” enquanto fator cultural; esses % Partido Africano da Independéncia da Guiné e Cabo Verde. Fundado em setembro de 1956, sob o nome de PAI (Partido Africano da Independéncia). 128 © MICHEL CAHEN, MOGAMBIQUE: O MARXISMO, A NACAO E O ESTADO patses tiveram um colonizador de capitalismo pouco industrializado, Mas essa fragili- dade do capitalismo portugués nao fez. com que o impetialismo portugués nao tivesse interesses econdmicos. O fato ¢ que esses interesses se voltavam mais ao Brasil ¢ 2 Inglaterra. Jéa formacao social das elites africana desses palses est ligada ao fato de que acolonizacio foi particularmente direta. Em virtude da colonizagio portuguesa, o alto 20 mais baixo nivel do aparelho do Estado foi ocupado por portugueses, Nesse tipo de colonizagéo, as esferas pelas quais o africano, supostamente, poderia ascender nao exis- tiram. E por isso que essa elite, historicamente é tio reduzida ¢ socialmente € burocré- tica. Atualmente, a mesma elite da FRELIMO ja nao precisa em nada ser “marxista”. J& so homens de negécio, 0 que nao significa que esse pals (¢ outros da Africa subsaariana) estd a conhecer, nos dias de hoje, um processo de revolucao burguesa. Neles pode haver pessoas riquissimas, mas nao burguesas, pois um burgués é rico porque explora os seus tabalhadores, extraindo a mais-valia do processo de produgio. A FRELIMO, inclusi- ve, incorporou o discurso da necessidade de produzir uma “burguesia nacional”, ou seja, um bom discurso para justificar todas as fortunas rdpidas de alguns quadros do Estado, mas vive nao tanto da extragio da mais-valia do que do desvio da ajuda inter- nacional. E uma empresa rendeira. Devemos lembrar que dos cinco PALOP, somente dois adotaram oficial- mente o “marxismo-leninismo”: Angola e Mogambique, ao contrétio de Si0 Tomé ¢ Principe, Guiné-Bissau ¢ Cabo-Verde. Cabo-Verde ¢ Guiné-Bissau tiveram 0 mesmo partido, o PAIGC, uma heranga cabraliana. Am(lcar Cabral era um gran- de intelectual, engenheiro agrénomo de formagio ¢ talvez se possa dizer que cle também possuisse aquela vontade autoritéria de modernizagéo do campesinato. Mas, pelo menos, cle sabia do que falava. A partir do conhecimento que ele pos- sufa do marxismo, ou seja, do marxismo do PCP ¢ da Unio Soviética (naquela altura ainda nao se conhecia tanto o caso da China) ele viu que a “ditadura do proletariado” nao correspondia em nada & realidade africana que ele conhecia. Cabral sempre se considerou, portanto, um néo-marxista, Em virtude do seu pres- tigio internacional ¢ regional, que perdurou apds seu assassinato, o PATGC recusa © sempre recusaria 0 “marxismo-leninismo”, adotando a expressiio Democracia Revolucionsria. No entanto, no Ambito do significado, sobretudo social, isto nao muda nada. Obviamente, cada pats, situado em distintas regides da Africa, é com- plotamente diferente em relacio ao outro, com poves diferentes. Mas o tipo de yontade de construgao de uma nagio homogénea, através da adogio do paradigma de modernizagto autorittria foi comum a esses paises. Jéem Sao ‘Tomé e Principe houve a nacionalizagio das rogas (latifitndios de cacau) em 1975, promovida pelo MLSTP"%, Mas os santomenses nao eram ind’ *6 Mavimento de Libertagio de Sio Tomé ¢ Principe. CRITICA MARXISTA © 129 genas e nfo fora obrigados a realizar o trabalho forgado (o regime de indigenato foi implancado somente no continente) ¢ quem trabalhava na agricultura foram, nno sécuilo XIX, os esctavos, depois, os chamados libertos, mais tarde, os ditos “contratados” (angolanos, mogambicanos) ¢ caboverdianos esfomeados vindos 14 como eapatazes, Em 1975, as tertas néo foram socializadas ou dividas em peque- nas cooperativas entre quem a traballava, para fazer valer o slogan: “a verra para quema trabalha”, ou seja, aaplicasio da velha reivindicagao do movimento opers- tio ¢ eamponts. A nacionalizagio das rogas, realizada sob um discurso marxista, foi, de fato, uma nacionalizaggo conservadora para que 0 controle ¢ a posse das rogas ficassem nas méos dos fortes (fillos da terra), ou seja, da elite crioula de So Tomé, em veu de cair nas méos de trabalhadores de origem estrangeita. Sendo assitn, um discurso contextualmente marxista pode esconder uma medida mera- mente conservadota e elitista. E essa nacionalizagéo, efetivamente, nfo funcionou, sas nfo porque foi marxista. Nao funcionou porgue ni foi marxista. A verra 80 foi repartida entre quem a trabalhava, tornando-se propriedade do Bstado domi- nado pelos fortos, isto ¢, a elite crioula, Neste sentido, 0 fato de o MLSTP nao ter adotado o “marxismo-leninismo” nao muda em nada aquela vontade de posse e de utilizagéo do Estado para modernizar 0 pais, para realizar aquele ideal de nagéo imaginada pula elite contta a sociedade afticana. Quando digo isto, no estou em nada simpatizando com qualquer afro-centrismo essencialista, estou s6 apontan- do a natuteza social do Estado, um Estado da ultra-periferia do capitalismo. 130 * MICHEL CAHEN, MOCAMBIQUE: O MARXISMO, A NAGAO E O ESTADO.

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