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Concessão de serviços públicos

- que futuro?
Maria Joào Estorninho*

1. Nas últimas décadas, sob a influência de ventos neo-liberais favo­


ráveis a esquemas de transferência de riscos e responsabilidades para o
sector privado, temos vindo a assistir, no quadro dos novos papéis do
contrato como meio de realização das tarefas públicas, à redescoberta
das concessões. Muitos são os exemplos, a vários níveis: europeu
(redes transeuropeias de transportes, televisão sem fronteiras); estadual
(SCUT- auto-estradas com portagens virtuais); regional (sistema de
transferência, triagem, valorização e tratamento de resíduos sólidos da
Região Autónoma da Madeira, criado pelo Decreto Legislativo
Regional n°28/2004/M, de 24 de Agosto) e municipal (sistemas multi-
municipais e municipais de captação, tratamento e distribuição de água
para consumo público, de recolha, tratamento e rejeição de efluentes e
de recolha e tratamento de resíduos sólidos, nos termos do Decreto-Lei
n° 14/2002, de 26 de Janeiro que alterou o Decreto-Lei n°379/93, de 5
de Novembro).
Estas concessões têm já muito pouco a ver com as tradicionais con­
cessões liberais do século XIX. Longe vão os tempos do clássico con­
trato de concessão de serviço público, retratado, em Portugal, por João
de Magalhães Collaço, Marques Guedes e Marcello Caetano1.

* Professora da Faculdade de Direito da Universidade Clássica de Lisboa e da


Universidade Católica Portuguesa
1 JOÃO DE MAGALHÃES COLLAÇO. Concessões de Serviços Públicos - sua
Natureza Jurídica, Coimbra, 1914; ARMANDO MARQUES GUEDES, A Concessão,
Coimbra Editora, Coimbra, 1954; MARCELLO CAETANO, Subsídios para o Estudo
22 DIREITO E JUSTIÇA

No novo contexto comunitário e nacional, de privatizações, libera­


lização, abertura à concorrência e internacionalização dos contratos
públicos, no quadro de um Estado regulador - aliás, diria, cada vez
mais, de uma Europa reguladora é indispensável compreender os
novos rostos das concessões de serviço público.
Concessões nas quais o Estado assume sobretudo tarefas de garan­
tia e de controlo, uma vez que a sua tradicional responsabilidade de
execução (Erfiillungsverantwortung) tende a ser substituída por uma
responsabilidade de garantia da prestação (Gewdhrleistungs-
verantwortung) ou, até, por uma mera responsabilidade de controlo ou
de fiscalização (Beobaclitungsverantwortung) 2.
Concessões que implicam, cada vez mais, o desfasamento entre a
construção das infra-estruturas e a actividade de prestação do serviço
em si mesmo, a criação de entidades de capitais públicos ou mistos que
assumem o papel de concessionárias e esquemas de parcerias público-
privadas que implicam a colaboração de várias entidades (entidade
pública, promotores dispostos a correr o risco de projecto, financiado­
res dispostos a correr os mais variados riscos como, por exemplo, o
risco de tráfego). Na verdade, estas parcerias envolvem esquemas de
financiamento complexos e implicam a conjugação de vários contratos
(contrato de concessão, contrato de concepção e construção, contrato de
operação e manutenção, contrato de financiamento, contrato de garan­
tias, acordo interbancário de protecção do risco de taxa de juro).
Nos esquemas de project finance, envolvendo novas e cada vez
mais complexas formas de financiamento, de molde a permitir a parti­
cipação de fundos privados no desenvolvimento de projectos públicos,
entrecruzam-se as mais diversas relações contratuais (relação conce-
dente/concessionária; relação concessionária/entidades sub-contratadas;
relação concessionária/entidades financiadoras; relação contratados e

da Teoria da Concessão de Serviços Públicos, in Estudos de Direito Administrativo,


Lisboa, 1974. Para uma visão histórica dos serviços públicos concedidos em Portugal,
v. ALFREDO DE ALMEIDA FERRÃO, Serviços Públicos no Direito Português,
Coimbra Editora, Coimbra, 1963, max. pp. 333 e ss„
2 Bem ao gosto deste Estado Pós-Social dos nossos dias: como tive ocasião de
defender, há uns anos, é possível dizer que. se no Estado Liberal o lema era o laissez-
faire. no Estado Social a Administração passou a pautar a sua actuação de acordo com
a lógica de faire elle-mênte e, hoje em dia, parece reinar o imperativo de, a todo o
custo, faire-faire, ficando o Estado com as tarefas de planeamento, fomento e con­
trolo...V. MARIA JOÃO ESTORNINHO, A Fuga para o Direito Privado, Almedina,
Coimbra, 1999. pp.98 e ss„ max.p.102.
CONCESSÃO DE SERVIÇOS PÚBLICOS - QUE FUTURO? 23

outros terceiros/entidades financiadoras) e colocam-se inúmeros proble­


mas cuja solução vai bulir com vários ramos do Direito (Direito
Comercial, Direito Bancário, Direito das Obrigações, Direito Adminis­
trativo).
Em causa estão também os quadros dogmáticos tradicionais, desde
logo a própria noção de concessão de serviço público e as suas frontei­
ras com a empreitada, a concessão de obra pública, a prestação de ser­
viços, a concessão da exploração do domínio público ou ainda a licença
ou a autorização. Uma coisa é certa: os critérios de qualificação tradi­
cionais (natureza do serviço, natureza jurídica das partes, modo de
remuneração do concessionário, repartição de riscos, tipo de utentes)
foram irremediavelmente postos em causa e faz todo o sentido, neste
contexto efervescente, perguntar: o que é hoje a concessão de serviço
público e qual o regime jurídico a que está sujeita?

2. Questão decisiva nesta matéria é a de saber, a propósito do âmbito


objectivo de aplicação das Directivas Comunitárias, se os contratos de
concessão, em geral, e de concessão de serviço público, em particular,
estão sujeitos a tal regime jurídico-comunitário3.

3 Em Portugal, esta questão foi suscitada a propósito do Acórdão da 1’ Secção do


STA, de 3/9/2003 (proc. n° 1392/03, cujo sumário foi publicado no n°42 dos Cadernos
de Justiça Administrativa); tal Acórdão foi proferido na vigência da nova versão do
artigo Io do Decreto-Lei n°134/98. introduzida pelo artigo 5° da Lei n°4-A/2003, onde
se dispunha o seguinte: «o presente diploma estabelece o regime jurídico do recurso
contencioso dos aclos administrativos relativos à formação dos contratos de empreitada
e concessão de obras públicas, de prestação de serviços e de fornecimento de bens»
(versão que, aliás, passou para o artigo 100°, n°l, do CPTA). Pronunciando-se sobre o
alcance da alteração de 2003, que acrescentou a expressão «concessão» à referida dis­
posição legal, refere o Acórdão em análise: «(...) a única dúvida que a actual redacção
poderia suscitar era a de saber se a expressão introduzida («e concessão») se reporta
apenas à expressão que imediatamente a antecede, ou seja, aos contratos de emprei­
tada, ou se a mesma corporiza uma de duas categorias principais (empreitada e conces­
são), ambas utilizadas com referência a todas as subcategorias indicadas (obras públi­
cas, prestação de serviços e fornecimentos de bens)». E, concluindo, o Tribunal julga
«mais correcta a segunda leitura, segundo a qual o diploma visa os contratos de
empreitada e os contratos de concessão de todos os tipos seguidamente enumerados: de
obras públicas, de prestação de serviços c de fornecimento de bens, leitura que se (...)
afigura mais consentânea com o espírito de abrangência e de coerência normativa ante-
riormente reclamados pela doutrina, à luz do espírito das Directivas comunitárias cuja
transposição foi operada pelo diploma em causa».
Anteriormente, a propósito da primeira versão do Decreto-Lei n° 134/98. de 15 de
Maio, a jurisprudência do STA inclinava-se, sem qualquer dúvida, para a não aplicação
24 DIREITO E JUSTIÇA

Para poder tomar partido nesta questão, vale a pena analisar a evo­
lução do Direito Comunitário em matéria de concessões e, muito em
especial, de concessões de serviço público475.
Tem-se dito que, pelo menos aparentemente, existe uma tradicional
«indiferença comunitária»6 em relação às concessões de serviço
desse regime ao recurso de actos dirigidos à celebração de quaisquer outros contratos,
dcsignadamente os contratos de concessão de obras públicas. V., por exemplo, os
Acórdãos de 6/4/2000 (proc. n°45 987) e de 19/2/2003 (proc. n°48 104). V. MARIA
JOÃO ESTORNINHO. A Propósito do Decreto-Lei n°134/98, de 15 de Maio, e das
Alterações Introduzidas ao Regime de Contencioso dos Contratos da Administração
Pública, in Cadernos de Justiça Administrativa, CEJUR, n°l 1, 1998. pp.3 e ss.; BER­
NARDO AYALA. A Tutela Contenciosa dos Particulares em Procedimentos de
Formação de Contratos da Administração Pública: Reflexões sobre o Decreto-Lei
n°134/98, de 15 de Maio, in Cadernos de Justiça Administrativa, CEJUR, n°14, 1999,
pp.3 e ss.: ALEXANDRA LEITÃO, A Protecção Judicial dos Terceiros nos Contratos
da Administração Pública, Almedina, Coimbra, 2002. pp.311 e ss. e PEDRO GON­
ÇALVES, Contencioso administrativo pré-contratual, in Cadernos de Justiça
Administrativa. n°44, 2004, pp.3 e ss..
4 V. FAUSTO DE QUADROS, Serviço Público e Direito Comunitário, in Estudos
em Homenagem ao Professor Doutor Manuel Gomes da Silva, Ed. FDL, Coimbra
Editora, 2001, pp.641 e ss.; SANTIAGO GONZÁLEZ-VARAS IBÁNEZ, El Derecho
Administrativo Europeu, 2"ed., Instituto Andaluz de Administración Pública, Sevilla,
2002, pp. 105 e ss..
5 A este propósito, vale a pena lembrar, de forma sucinta, alguns traços do regime
legal das concessões de serviços públicos, em Portugal. O Código do Procedimento
Administrativo qualifica, no Artigo 178°, a concessão de serviço público como contrato
administrativo e, assim, sujeita, como regra geral, a celebração de tais contratos à reali­
zação de concurso público (nos termos do Artigo 183°. o qual, no entanto, admite previ­
são em contrário, o que explica a proliferação de casos de concessões de serviço público
realizadas mediante ajuste directo). Por outro lado, as concessões de serviço público
estão sujeitas ao contencioso administrativo. No que toca às concessões municipais, nos
termos do Artigo 53°, n°2, al.q). da Lei n°l 69/99, de 18 de Setembro (Lei das competên­
cias e regime de funcionamento dos órgãos dos Municípios e das Freguesias), compete
à Assembleia Municipal, sob proposta da Câmara Municipal, «Autorizar, nos termos da
lei. a câmara municipal, a concessionar, por concurso público, a exploração de obras e
serviços públicos, fixando as respectivas condições gerais». V. PEDRO GONÇALVES,
A Concessão de Serviços Públicos, Almedina, Coimbra, 1999, max.pp.203 e ss..,
RAQUEL CARVALHO. As concessionárias dos sistemas multimunicipais, separata de
Direito e Justiça. vol.XI, 1997. pp.221 e ss., max. pp.235 e ss.; PEDRO GONÇALVES
e RODRIGO ESTEVES DE OLIVEIRA. As Concessões Municipais de Distribuição de
Electricidade. Coimbra Editora, Coimbra, 2001, max. pp.37 e ss..
6 RUI MEDEIROS, A Contratação Pública nos Sectores com Regime Especial -
Água, Energia, Transportes e Telecomunicações, in La contratación pública en el hori­
zonte de la integración europea, V Congreso Luso-Hispano de profesores de Derecho
Administrativo, INAP. Madrid, 2004, pp. 137 e ss., p. 152.

I
CONCESSÃO DE SERVIÇOS PÚBLICOS - QUE FUTURO? 25

público, supostamente baseada no carácter intuitu personae desses


conMas há, seguramente, outras razões para essa aparente indiferença
comunitária. Julgo que uma das mais importantes se prende com as
próprias divergências existentes entre os modelos nacionais tradicional­
mente existentes nesta matéria. Assim, por exemplo, a oposição entre os
países nos quais a investidura de parceiros privados encarregados de
explorar um serviço público se faz sobretudo por via unilateral, «esca­
pando em grande medida aos procedimentos concorrenciais»7 (ex.
Alemanha) e aqueles onde se opta pela via contratual (ex. França). Ora,
como é fácil de perceber, corre-se o risco de fazer depender o regime
jurídico pelo qual uma entidade pública confia a uma entidade privada
a exploração de um serviço público, apenas do respectivo modo de
investidura.
A Directiva serviços (Directiva 92/50/CEE) não acolheu uma pro­
posta da Comissão no sentido da sua aplicação aos contratos de conces­
são de serviços públicos, o mesmo se passando, posteriormente, com a
Directiva 93/38/CEE, não contendo também a Directiva sectores espe­
ciais regras específicas sobre concessões de serviços, optando por não
regular a relação concedente-concessionário 8. Na verdade, estando em
causa uma relação de concessão já existente, o que é considerado rele­
vante é a relação entre o concessionário e o empreiteiro, fornecedor ou
prestador de serviços.
No entanto, esta aparente indiferença comunitária, não significa que
não haja influência comunitária sobre as concessões de serviços públi­
cos. Ou seja, apesar deste silêncio nas Directivas Comunitárias, as con­
cessões de serviço público estão, ainda assim, como vamos ver, sujeitas
ao Direito Comunitário, devendo a respectiva adjudicação observar cer­
tos princípios normativos de publicidade, transparência e não discrimi­
nação9.

7 CHRISTIAN BETT1NGER/GILLES LE CHATELIER, Les Nouveaux Enjeux de


la Concession, E.F.E., Paris, 1995, pp.3 e 4 ; a propósito do tradicional modelo fran­
cês de serviço público e da profunda influência do Direito Comunitário, FRANÇO1S-
MATHIEU POUPEAU, Le Service public à la française face aux pouvoirs locaux. Les
métaniorphoses de l'État jacobin, CNRS, Paris, 2004.
8 V., RUI MEDEIROS, A Contratação..., cil., p. 153.
9 Fundamentais a este propósito foram a Comunicação Interpretativa da Comissão
Europeia acerca das concessões (Comunicação 2000/C, 121/01, publ. JOCE, n°C-121,
de 29/04/2000) e o Acórdão Telaustria (Proc. C-324/98, de 7-12-2000); V. PEDRO
GONÇALVES, A Concessão..., cit., p.210; PEDRO GONÇALVES e RODRIGO
ESTEVES DE OLIVEIRA, Aí Concessões Municipais de Distribuição de
26 DIREITO E JUSTIÇA

A questão da conciliação entre a figura do serviço público — e da


prossecução do interesse público - e os princípios e as regras comuni­
tárias da concorrência não é de todo fácill0.
Tenha-se presente que os contratos de gestão de serviços públicos,
ao implicarem que uma actividade administrativa vá ser desempenhada
por um particular, supõem a prévia assunção de tal actividade pela
Administração, ou seja, pressupõem a publicatio da actividade11.
Assim, tradicionalmente, antes de proceder à contratação da gestão um
serviço público é necessário definir o seu regime jurídico fundamental
(competências administrativas, alcance das prestações a favor dos
administrados e definição da titularidade do serviço em causa).
Por outro lado, o processo de liberalização a que, por exigência
comunitária, temos vindo a assistir, em sectores como telecomunica­
ções, electricidade, gás, transportes ferroviários, serviços postais, exige
previamente uma despublicatio, através da qual se devolvem ao mer­
cado esses serviços12.
Uma das questões difíceis, nesta matéria, prende-se com a própria
definição comunitária de serviço público.
Para o Tribunal de Justiça, são características de um serviço público,
a universalidade, a continuidade, a satisfação de exigências de interesse
público, a regulamentação e a vigilância pela autoridade pública l3.
Nas últimas décadas assistiu-se, na Europa, a uma transformação
profunda neste sector. Muitas das actividades que tradicionalmente

Electricidade, cit., pp.66 e ss.; BERNARDO AYALA. O Método de Escolha do Co-


contratante da Administração nas Concessões de Serviços Públicos - Ac. do Tribunal
de Justiça da Comunidade Europeia de 7.12.2000, PC-324/98, in Cadernos de justiça
Administrativa. n°26, CEJUR. 2001. pp.3 e ss.; ANA MARTINS, A Emergência de um
Novo Direito Comunitário da Concorrência - As Concessões de Serviços Públicos, in
Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, vol.XLII, n°l, Coimbra
Editora, 2001. pp.77 e ss..
10 V. WERNHARD MÕSCHEL, Service public und europãischer Binnenmarkt, in
Juristen Zeitung, 2003, pp. 1021 e ss..
11 A este propósito, v. RAMÓN PARADA, Derecho Administrativo, 1, 13“ ed.,
Marcial Pons, Madrid, 2002, pp.35O e ss., max., p.354 onde lembra que a publicatio
está estabelecida, em Espanha, para uma série de serviços, pelas suas leis rcspectivas
(ensino, saúde, segurança social) e que a Ley de las Bases de Regímen Local regula a
iniciativa pública económica dos entes locais reservando directamente aos municípios
determinados serviços (águas, lixos, matadouros, mercados, gás...).
12 RAMÓN PARADA, Derecho Administrativo, cit., p.354.
13 v. Caso CORS1CA FERR1ES FRANCE (Proc.C-266/96, Col.1998, p.I-3949,
par.60); V. ANA MARTINS, A Emergência de..., cit., p.81, nota 17.
CONCESSÃO DE SERVIÇOS PÚBLICOS - QUE FUTURO9 27

eram exercidas em regime de monopólio, foram liberalizadas. Tratava-


se de sectores onde eram exigidos avultados investimentos, que natural­
mente afastavam a iniciativa privada e tratava-se, sobretudo, de activi-
dades que os Estados, na sua lógica de Estado-Providência, decidida­
mente queriam desenvolver por si mesmos. Ora, o progresso tecnoló­
gico que vai permitir, em alguns sectores, a concorrência na rede favo­
receu a separação entre a rede e os serviços, continuando a competir ao
Estado o dever de assegurar a existência, a manutenção e a conservação
das redes públicas, mas deixando de ter o dever de assegurar directa-
mente a prestação dos serviços. Assim, os serviços foram liberalizados,
permitindo-se o livre acesso de terceiros às redes públicas. Ainda assim,
tratando-se de actividades que satisfazem necessidades colectivas bási­
cas, o Estado impõe às empresas, que operam na rede, obrigações de
serviço universal.

3. Do ponto de vista do regime comunitário das concessões, a


grande viragem dá-se em 2000, com a Comunicação interpretativa
sobre as concessões em Direito Comunitário, feita pela Comissão *4, a
fim de esclarecer os operadores económicos acerca das muitas dúvidas
existentes e na qual, sem dúvida, se vem pôr em causa a tese tradicio­
nal da livre escolha do concessionário *5.
A noção comunitária de concessão é independente da qualificação
jurídica nacional. Na verdade, segundo esta Comunicação, as conces­
sões são actos imputáveis ao Estado, pelos quais uma autoridade
pública confia a um terceiro - seja por acto contratual ou por acto uni­
lateral, com consentimento de terceiro - a gestão total ou parcial de ser­
viços que relevem normalmente da sua responsabilidade e pelos quais o
terceiro assume os riscos da exploração.
A concepção comunitária de concessão de serviço público parece ser
mais «restritiva», mais «tradicional» que a concepção nacional.
Segundo esta, os elementos essenciais de uma concessão de serviço
público esgotam-se tradicionalmente no facto de uma pessoa, titular de

14 Comunicação 2000/C, 121/02, in JOCE C 121 de 29-4-2000. pp.2 e ss„ Sobre o


valor jurídico da Comunicação, v.. entre outros, ANA MARTINS, A Emergência...,
cit., pp.94 a 96. A propósito da noção de serviço público, tenha-se presente que, nesta
Comunicação, a Comissão distingue «serviços de interesse geral», «serviços de inte­
resse económico geral», «serviço público» e «serviço universal».
15 RUI MEDEIROS, A ContrataçãoPública nos Sectores com Regime
Especial...cit., p.154.
28 DIREITO E JUSTIÇA

um serviço público, atribuir a outra «o direito de, em seu próprio nome,


organizar, explorar e gerir esse serviço». Ora, a Comunicação interpre-
tativa da Comissão estabelece como condição sine qua non de qualquer
concessão, a existência de um risco de exploração do serviço público a
cargo do concessionário 16.
Na verdade, a propósito da distinção entre contratos públicos e con­
cessões, a Comissão afirma que só há concessão «quando o operador
suporta os riscos ligados ao serviço em causa (estabelecimento do ser­
viço e sua exploração)», ou seja, quando os «imprevistos inerentes à
montagem da operação» são da sua responsabilidade. Assim, na pers-
pectiva da Comissão, sem álea económico-financeira, sem risco, não há
concessão17.
Segundo a referida Comunicação da Comissão, as concessões
devem respeitar os princípios e as regras relativas à livre circulação de
mercadorias (art°28° e ss..), ao direito de estabelecimento (art°43°e ss..)
e à livre prestação de serviços (art°49° e ss..). Daqui se pode concluir
que o regime jurídico aplicável às concessões de serviços públicos se
deve pautar pela sujeição a princípios 18 tais como o princípio da igual­
dade de tratamento, o princípio da transparência, o princípio da propor­
cionalidade e o princípio do reconhecimento mútuo l9.
A própria Comunicação lembra que há excepções a esses princípios
(apesar de se tratar de princípios basilares da construção europeia, têm
de ser conciliados com outros de valor igual, nomeadamente o da pros­
secução do interesse público). É o caso dos Artigos 30°, 45°, 46° e 55°.
Por exemplo, o Artigo 45° prende-se com as actividades ligadas ao
exercício da autoridade pública mas essa excepção deve ser interpretada

16 V. PEDRO GONÇALVES e RODRIGO ESTEVES DE OLIVEIRA, As


Concessões Municipais de Distribuição de Electricidade, cit., p.47.
17 Neste sentido, BERNARDO AYALA, O Método de Escolha do Co-contra-
tante.... cit., p. 14.
18 ANA MARTINS, A Emergência..., cit., pp.90 e ss..
19 PEDRO GONÇALVES e RODRIGO ESTEVES DE OLIVEIRA, daqui retiram
uma conclusão no sentido da inadmissibilidade da posição de privilégio atribuída a cer­
tos operadores nacionais, em matéria de concessões municipais de serviço público
local de distribuição de energia eléctrica em baixa tensão. V. As Concessões
Municipais..., cit., p.60 e p.65 onde concluem que «viola o direito comunitário, na
medida em que estabelece, por um lado, uma restrição inadmissível à liberdade de esta­
belecimento e ao princípio da concorrência e, por outro, uma ofensa directa ao princí­
pio da igualdade de tratamento, pela discriminação que estabelece contra os demais
operadores comunitários».
CONCESSÃO DE SERVIÇOS PÚBLICOS - QUE FUTURO? 29

restritivamente, limitando-se ao estritamente necessário para salvaguar­


dar os interesses que a regra visa proteger. De modo que só se subsu-
mem aí as actividades «que impliquem, em si mesmas, uma participa­
ção directa e específica no exercício da autoridade pública»20. Por seu
lado, os Artigos 46° e 55° prendem-se com razões ligadas à salvaguarda
da ordem pública, da saúde pública e da segurança.
Para além dessas excepções, há as que resultam da jurisprudência do
Tribunal de Justiça21. Assim, o Tribunal considerou que «razões impe­
riosas de interesse geral» podem justificar medidas nacionais restritivas,
desde que: a) não sejam discriminatórias (em razão da nacionalidade);
b) prossigam um fim de interesse geral; c) sejam necessárias e d) pro­
porcionais.
Importa ainda lembrar que a Comissão afirma que «quando uma
concessão chega ao seu termo, a sua renovação equivale a uma nova
concessão e, portanto, estará coberta pela presente comunicação»22, o
que se compreende, porque bastaria prever nos contratos a possibili­
dade de renovações sucessivas, para defraudar por completo a legisla­
ção aplicável aos procedimentos adjudicatórios.
Decisivo, nesta matéria das concessões, é o Acórdão Telaustria23.
Nos termos deste Acórdão, o qual corrobora a não aplicação à conces­
são de serviços públicos da Directiva sectores excluídos, as concessões
devem, no entanto, respeitar as regras fundamentais do Tratado e, em
especial, o princípio da não discriminação em razão da nacionalidade, o
qual implica uma obrigação de transparência. Assim, nas respectivas
conclusões, o Tribunal declara que «apesar de tais contratos estarem, na
fase actual do direito comunitário, excluídos do âmbito de aplicação da
Directiva 93/98, as entidades adjudicantes que os celebram estão, no
entanto, obrigadas a respeitar as regras fundamentais do Tratado em

20 PEDRO GONÇALVES e RODRIGUES ESTEVES DE OLIVEIRA, As


Concessões Municipais..., cit., pp.61 e 62, citando o Acórdão de 15 de Março de 1988
(processo 1147/86), Comissão/República Helénica e o Acórdão Reyners, de 21 de
Junho de 1974, (processo 2/74).
21 Para além dessas excepções, há as que resultam da jurisprudência do Tribunal de
Justiça. Nesse sentido. ANA MARTINS, A Emergência.... cit.. pp.93 e 94.
22 A este propósito v. PEDRO GONÇALVES e RODRIGO ESTEVES DE OLI­
VEIRA, Ar Concessões Municipais..., cit.. p.56.
23 Acórdão Telaustria (Proc. C-324/98, de 7-12-2000); A este propósito, v. MAR­
TIN DISCHENDORFER, Service Concessions under the E.C. Procurenient Directives:
a Note on the Telaustria Case, in Public Procurenient Law Review, 2001, na2. pp.57 e
ss.; BERNARDO AYALA, O método de escolha do co-contratante..., cit., pp.3 e ss..
30 DIREITO E JUSTIÇA

geral e o princípio da não discriminação em razão da nacionalidade em


particular; este princípio implica, nomeadamente, uma obrigação de
transparência que permite à entidade adjudicante assegurar-se que o
referido princípio é respeitado». E, continua, «esta obrigação de trans­
parência a cargo da entidade adjudicante consiste em garantir, a favor
de todos os potenciais concorrentes, um grau de publicidade adequado
para garantir a abertura à concorrência dos contratos de serviços, bem
como o controlo da imparcialidade dos processos de 4.
Na verdade, em bom rigor, devem lembrar-se também os princípios
da igualdade, da proporcionalidade, da boa fé e da estabilidade, sem a
observância dos quais a própria exigência de concorrência poderia ser
defraudada25.
Este Acórdão obriga a colocar a questão de saber se em vez da
extensa e minuciosa disciplina contida nas directivas em matéria de
contratação pública, o Direito Comunitário não deveria evoluir para um
sistema mais flexível, baseado em princípios gerais, o que, deixando
maior flexibilidade às entidades adjudicantes, permitiria, no entanto,
estender o regime comunitário a procedimentos contratuais hoje não
abrangidos, quer pelo facto de a despesa envolvida ser inferior aos
limiares estabelecidos quer por se tratar de novas realidades tais como
de project finance26'21.

24 No caso do regime jurídico português, as concessões de serviços públicos, pre­


vistas no elenco do Artigo 178° do Código do Procedimento Administrativo, estão
sujeitas, nos termos do Artigo 183°, à regra geral que impõe a realização de concurso
público. Pese embora o referido Artigo 183° admita a existência de legislação especial,
à luz do Acórdão Telaustria. a obrigação de transparência existe sempre e, por isso, não
pode o legislador pura e simplesmente prever a celebração de tais contratos através de
tramitações não concorrenciais. Admitindo-se casos de ajuste dirccto em concessões de
serviços públicos, será necessário que se verifiquem os pressupostos justificativos da
dispensa de procedimentos concorrenciais, nos termos das próprias Directivas
Comunitárias e dos diplomas que operam a respecliva transposição.
25 Neste sentido, v. BERNARDO AYALA, O Método de Escolha do Co-
Contratante..., cit., p. 15.
26 As técnicas de private finance iniciative assentam na transferência do sector
público para o sector privado da responsabilidade pelo financiamento de projectos
públicos e do risco inerente ao respectivo sucesso ou insucesso. Nos últimos tempos, o
recurso a tais técnicas generaliza-se em áreas como as da construção de infraestruturas
(estradas, pontes, túneis, construção e equipamento de hospitais e de escolas) e a da
prestação de serviços (tecnologia de ponla. material militar). Tendo por base o esquema
da concessão, assumem fórmulas cada vez mais complexas: BOT (build, operate,
transfer), DCMF (design, construct. maintain and finance') ou DBFO (design, built.
CONCESSÃO DE SERVIÇOS PÚBLICOS - QUE FUTURO? 31

4. Importa ter presente que a Directiva 2004/18/CE do Parlamento


Europeu e do Conselho, de 31 de Março de 2004, relativa à coordena­
ção dos processos de adjudicação dos contratos de empreitada de obras
públicas, dos contratos públicos de fornecimento e dos contratos públi­
cos de serviços 28, continua a regular apenas os quatro tipos de contra­
tos referidos, excluindo de forma expressa as concessões de serviços,
no seu Artigo 17° (pese embora os Artigos 56° a 65° contemplem regras
específicas sobre concessões de obras públicas).
Nesta Directiva, a concessão de serviços é prevista no Artigo Io, n°4,
como um «contrato com as mesmas características que um contrato
público de serviços, com excepção de que a contrapartida das obras a
efectuar consiste quer unicamente no direito de exploração do serviço,
quer nesse direito acompanhado de um pagamento» e, de acordo com o
n°3, o contrato de concessão deve prever que a entidade concessionária
respeite o princípio da não discriminação por motivos de nacionalidade
na adjudicação de contratos de fornecimento a terceiros no âmbito da
actividade concessionada.
Não se encontra nos considerandos da Directiva qualquer justifica­
ção para a exclusão das concessões de serviços públicos. Vale a pena ter
presente o percurso que conduziu à elaboração da referida Directiva e
perceber qual a visão comunitária sobre as concessões de serviço
público.

finance and operate). Estas novas realidades colocam questões muito interessantes a
propósito da aplicabilidade das normas comunitárias cm matéria de procedimentos pré-
contratuais. obrigando a procurar soluções que, admitindo alguma flexibilidade relati­
vamente às exigências tradicionais das Directivas Comunitárias, ainda assim obriguem
à adopção de esquemas de adjudicação que garantam a transparência e concorrência.
Neste sentido, v. BERNARDO AYALA, O Método de Escolha do Co-Contratante...,
cit., p.19, onde dá exemplos de alguns critérios de adjudicação vulgarmente adoptados
nestes esquemas de PFI, cuja compatibilidade com as Directivas Comunitárias é discu­
tível: «perspectiva de boas relações de colaboração do co-contratante privado com a
entidade pública e com os utentes do serviço»; «capacidade de apreensão e compreen­
são dos assuntos envolvidos»; «empenho de membros seniores do co-contratante pri­
vado na execução do contraio».
27 BERNARDO AYALA, O Método de Escolha do Co-Contratante..., cit.. p.22,
onde pondera a possibilidade de se avançar para um sistema comunitário de contrata­
ção pública totalmente flexível e baseado apenas em princípios, acabando por concluir
pela negativa, reconhecendo que os próprios Estados membros não estariam prepara­
dos, tal sistema geraria mais incertezas, diminuição do controlo jurisdicional e seria
inadequado às regras de comércio internacional na matéria.
28 In Jornal Oficial da União Europeia de 30/4/2004, n°L 134/114.
32 DIREITO E JUSTIÇA

Já em 2001, o Parecer do Comité Económico e Social sobre «O


reforço do direito das concessões e dos contratos de parceria entre os
sectores público e privado (PPP)» 29, apontava no sentido da elaboração
de uma directiva específica para as concessões.
O Livro Branco Sobre os Serviços de Interesse Geral30, em 2004,
afirma a (relativa) liberdade dos Estados de prestai- tais serviços por si pró­
prios ou através de terceiros mas lembra que, neste caso, se coloca a ques­
tão da escolha do prestador (quer no caso de PPP, quer de concessões,
quer ainda de constituição de sociedades de economia mista). Reconhece-
se a estreita ligação desta questão com a nova regulamentação dos contra­
tos públicos e das Parcerias Público-Privadas e coloca-se a questão da
necessidade de uma lei-quadro dos serviços de interesse geral31, pre­
vendo-se também a necessidade de uma avaliação sectorial até final de
2004 (comunicações electrónicas, serviços postais, electricidade, gás,
água, transportes, radiodifusão) e debruçando-se sobre serviços sociais,
nomeadamente saúde, segurança social, emprego e habitação social.
Também em 2004, o Livro Verde Sobre as Parcerias Público-
Privadas e o Direito Comunitário em Matéria de Contratos Públicos e
Concessões32 lembra o contexto da evolução do papel do Estado, «pas­
sando do papel de operador directo para o de organizador, de regulador
e de fiscalizador».
As Parcerias Público-Privadas são referidas como «formas de coo­
peração entre as autoridades públicas e as empresas, tendo por objec-
tivo assegurar o financiamento, a construção, a renovação, a gestão ou
a manutenção de uma infra-estrutura ou a prestação de um serviço».
Tais parcerias têm vindo a ser utilizadas para a realização de projectos
de infraestruturas, sobretudo no sector dos transportes, da saúde
pública, da educação e da segurança pública, bem assim como também
no campo da gestão de serviços públicos a nível local (gestão de resí­
duos ou distribuição de água ou energia).

29 In JOCE C 14/91, de 16/1/2001.


30 Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité
Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões de 12.5.2004, in COM (2004)
374 final.
31 Sendo os serviços de interesse geral considerados como «serviços comerciais e
não comerciais que as autoridades públicas consideram como sendo de interesse geral
e sujeitam a obrigações de serviço público».
32 Livro Verde Sobre as Parcerias Público-Privadas e o Direito Comunitário em
Matéria de Contratos Públicos e Concessões, de 30.4.2004, in COM (2004) 327 final.
CONCESSÃO DE SERVIÇOS PÚBLICOS - QUE FUTURO’ 33

Os parceiros públicos são as autoridades nacionais - regionais ou


locais e também organismos de direito público criados para levar a cabo
tarefas de interesse geral sob o controlo do Estado, ou ainda operadores
de rede, ou seja, entidades adjudicantes no sentido da Directiva
2004/18/CE e entidades adjudicantes que são «poderes públicos» e
«empresas públicas» no sentido da Directiva 2004/17/CE.
Afirma-se a necessidade de avaliar se a opção de parceria apresenta
uma mais-valia em relação a outras opções, tais como a celebração de
contratos mais tradicionais, até porque, antes de mais, o referido Livro
Verde afirma que o Direito Comunitário «é neutro quanto à decisão dos
Estados-Membros de assegurar um serviço público pelos seus próprios
serviços ou confiá-lo a um terceiro».
O Parlamento Europeu convidou a Comissão a examinar a possibili­
dade de adoptar uma proposta de directiva tendo por objectivo regula­
mentar de maneira homogénea o sector das concessões e outras formas
de PPP e, por seu lado, o Comité Económico e Social Europeu conside­
rou igualmente que se impunha uma iniciativa legislativa. Assim, este
Livro Verde pretendeu lançar o debate sobre a melhor maneira de asse­
gurar que as PPP se possam desenvolver num contexto de concorrência
eficaz e de clareza jurídica33.

33 ARNAUD CABANES. Livre vert sur les PPP: une “couche" supplémentaire au
tnillefeuille des contrais publics. in Contrais Publics - Pacrualité de la comniande et
des contrais publics. n°34. Junho de 2004. Lc Monileur. Paris, pp.68 e ss„ pp.72 e 73,
onde afirma que o referido Livro Verde deixou «perplexos» os juristas franceses. Na
verdade, é preciso não esquecer que houve duas reformas do Code des Marches
Publics no espaço de 3 anos. Em simultâneo, vários têm sido os diplomas prevendo
esquemas de PPP: Lai d’orientation et de programtnation pour la sécurité intérieure
n°2202-1094. de 29 Agosto 2002. Loi d 'orientalion et de prograntmation pour la jus­
tice. de 9 de Setembro de 2002, Ordonnance du 4 Septetnbre 2003 portam sitnplifica-
tton de Porganisation et du fonctionnetnent du systènte de samé. Décret n"2004-!8 de
6 Janvier 2004 pris pour Popplication de l'article L.34-3-1 du Code du dotnaine de
1’Étal. CABANES. ob.cit., p.68, alerta para os riscos inerentes a esta sobreposição de
regras a nível comunitário c nacional, acrescentando «camadas suplementares ao mil-
folhas dos contratos públicos», tanto mais que, para além do facto de a terminologia
ser. por vezes, idêntica, apesar de os significados serem diferentes, haver ainda casos
de soluções verdadeiramente contraditórias (por exemplo, a referida legislação francesa
parece apontar para a criação de uma nova categoria contratual, com regime jurídico
específico, distinta das concessões e das delegações de serviço público e também dis­
tinta dos PPP. ao passo que o Livro Verde engloba as concessões nos PPP e sujeita os
PPP contratuais ao regime dos contratos públicos, quando a tal legislação francesa
parece abrir as portas a procedimentos simplificados).
34 DIREITO E JUSTIÇA

Pode dizer-se que as PPP se caracierizam em função de diversos fac-


tores tais como a duração, o modo de financiamento, a repartição de
tarefas e a distribuição de riscos. Parte-se de uma noção ampla de PPP.
distinguindo-se entre PPP de tipo puramente contratual e as PPP de tipo
institucionalizado, implicando estas últimas a cooperação entre os sec­
tores público e privado numa entidade distinta (terminologia diferente
nos Estados-membros: Kooperationsmodell, PPP associativas ou joint
ventures) -’4.
Por seu lado, as PPP puramente contratuais, ou seja, as parcerias que
se baseiam unicamente em relações contratuais entre os diferentes
agentes, abrangem configurações diversas. Um dos modelos mais
conhecidos, o modelo-concessivo caracteriza-se pela relação directa
entre o parceiro privado e o utente final, traduzida nomeadamente no
modo de remuneração do co-contratante, que consiste em taxas cobra­
das aos utentes do serviço, eventualmente acompanhadas de subven­
ções por parte dos poderes públicos.
Noutros modelos, a entidade privada é incumbida da realização e
gestão de infra-estruturas (por exemplo, escolas, hospitais, centros peni­
tenciários, infra-estruluras de transportes). O exemplo mais caracterís-
tico neste contexto é a fórmula do project finance. Neste caso, a remu­
neração do parceiro privado assume a forma, não de taxas cobradas aos
utentes da obra ou do serviço, mas de pagamentos regulares efectuados
pelo parceiro público. Esses pagamentos podem ser fixos, mas podem
igualmente ser calculados de maneiras variáveis, em função, por exem­
plo, da disponibilidade da obra ou dos serviços associados, ou mesmo
da frequência de utilização da obra (caso das portagens virtuais, no
Reino Unido, Espanha, Finlândia e Portugal).

34 A entidade adjudicante só poderá não aplicar as regras habituais quando a enti­


dade em causa corresponda às características de uma entidade in house, na acepção do
Acórdão Teckal. de 18 de Novembro de 1999 (Processo C-107/98), no qual se esclarece
tratar-se da «hipótese de. simultaneamente, o organismo adjudicante exercer sobre a
pessoa em causa um controlo análogo ao que exerce sobre os seus próprios serviços e
de essa pessoa realizar o essencial da sua actividade com a ou as autarquias que a con­
trolam. Apenas as entidades que correspondem de forma cumulativa a estas duas con­
dições poderão ser equiparadas a entidades in house cm relação ao organismo adjudi­
cante e ver-se confiar tarefas sem que tenha utilizado um processo concorrencial».
Aliás, ao Tribunal de Justiça foram submetidas três questões prejudiciais (Processos C-
26/03, C-231/03 e C-458/03) para obter esclarecimento complementar acerca do
alcance dos critérios que permitem identificar a existência de uma relação in house.
CONCESSÃO DE SERVIÇOS PÚBLICOS - QUE FUTURO9 35

Nestas parcerias puramente contratuais distingue-se também o caso


de «acto de adjudicação qualificado de contrato público» (ao qual se
aplicam as regras gerais das Directivas - com a Directiva 2004/18/CE
passa, por exemplo, a ser possível o recurso ao processo de diálogo
concorrencial em contratos especialmente complexos e a Comissão
entende ser o processo adequado precisamente para a celebração de
contratos públicos que envolvem PPP puramente contratuais) e o caso
de «acto de adjudicação qualificado de concessão».
Invocando Acórdão Telaustria, a Comissão considera que o regime
que decorre das disposições pertinentes do Tratado pode ser resumido
nas obrigações seguintes: estabelecimento de regras aplicáveis à selec-
ção do parceiro privado, publicidade adequada relativa à intenção de
atribuir uma concessão e às regras que presidem à selecção, de molde a
permitir o controlo da imparcialidade ao longo de todo o processo,
situação de concorrência efectiva dos operadores potencialmente inte­
ressados e/ou em condições de assegurar o cumprimento das tarefas em
questão, respeito do princípio da igualdade de tratamento dos partici­
pantes ao longo de todo o processo, adjudicação com base em critérios
objectivos e não discriminatórios. Neste estádio, o Direito Comunitário
aplicável à adjudicação de concessões deriva essencialmente de obriga­
ções de carácter geral que não implicam sequer a coordenação das
legislações dos Estados-membros35.

5. Há, no entanto, cada vez maior consciência dos problemas e difi­


culdades que as concessões de serviço público suscitam: a necessidade
de as tomar em consideração, no âmbito das políticas estaduais de luta
contra a corrupção e de financiamento de partidos políticos; a preocu­
pação manifestada no Livro Branco sobre serviços de interesse geral
acerca da necessidade de garantir a segurança na prestação de tais ser­
viços, nomeadamente devido aos riscos de catástrofes ecológicas ou de
atentados terroristas; a dificuldade em garantir a segurança jurídica e a
concorrência efectiva; a dificuldade, desde logo, em determinar se,
perante um caso concreto, se trata de «contrato público» ou de «conces­
são»; a necessidade de as próprias cláusulas contratuais deverem igual­
mente respeitar as regras comunitárias; os melindres relacionados com

35 Apenas alguns Estados se dotaram de legislação sobre a adjudicação de conces­


sões (em Espanha, a Lei de 23 de Maio de 2003, sobre concessões de obras públicas;
em Itália, a Lei Merloni de I994;em França, a Lei Sapin de 1993 ).
36 DIREITO E JUSTIÇA

a própria duração da relação de parceria e da eventual necessidade de


adaptação do contrato ao longo do tempo36; os problemas suscitados
pela adjudicação de obras ou serviços complementares e pela subcon­
tratação.
Perante estes desafios, colocam-se várias alternativas possíveis:
a) Uma (não-)solução, consistiria em, pura e simplesmente, não
haver mais diplomas comunitários, continuando a sujeitar-se as
parcerias público-privadas aos regimes já existentes (contratos
públicos e concessões)37;
b) Uma solução minimalista, (porventura, mais realista)38, no sen­
tido de prever um novo regime jurídico comunitário para as con­
cessões, diferente do que consta das mais recentes Directivas
relativas aos contratos públicos. Tratar-se-ia de uma acção legis­
lativa com o objectivo de coordenar os processos de adjudicação
das concessões na União Europeia, vindo este novo diploma asso­
ciar-se aos textos existentes em matéria de adjudicação de contra­
tos públicos, regulando, de modo pormenorizado o regime a apli­
car à adjudicação de concessões (havendo ainda, neste caso, a
alternativa entre criar um regime uniformizado para todas as con­
cessões ou, pelo contrário, prever regimes diversificados con­
soante o tipo de concessão em causa);
c) A solução mais radical iria no sentido da substituição dos regimes
actualmente existentes por um novo regime comunitário, concebido
em termos uniformes para as concessões e os demais contratos.

36 A este propósito, o Tribunal de Justiça, no Processo C-337/98, Comissão/França,


Acórdão de 5 de Outubro de 2000. determinou que qualquer modificação substancial
que abranja o objecto do contrato deve ser equiparada à celebração de um novo con­
trato. implicando um novo concurso.
37 CABANES vai precisamente nesse sentido, defendendo tratar-se da única forma
de evitar mais uma camada no mil-folhas jurídico em matéria de concessões. V.Livre
rcrr...cit.. pp.72 e p.73 onde também afirma que prefere os mil-folhas nas montras das
pastelarias do que nas bibliotecas jurídicas!
38 Atendendo a que. por exemplo, o Parlamento Europeu (Avis du Parlemenl
Européen en première lecture sur la proposiiion de la Comission COM (2000) 275. de
10.5. 2002) convidou a Comissão a examinar a possibilidade de adoptar uma proposta
de Directiva visando regular de modo homogéneo o sector das concessões c outras for­
mas de PPP. tendo o Comité Económico e Social também considerado que uma inicia­
tiva normativa se impunha.

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