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PRIVACAO E DELINQUENCIA. D.W. Winnicott PRIVAGAO E DELINQUENCIA Tradugio ALVARO CABRAL Revisio MONICA STATEL BIBLIOTECA TomB0; 220858 DATA: — 20/04/2010 Martins Fontes ‘a0 Paula 2005 ‘Cony © 1967 varie Matin ote Ean ‘Sonn pape, tia sea esa da tdughe no nents Capone PabgCAP {ine ran dS ah ‘Chava trio Non uel =e So Pol: Mart Re 8c pag) {ato Ga Munda a Ease dee tina rn agp 506 ods dios det to pm 0 ra srs b {ieraria Martins Fontes Editor Ltda, ur Contr Fama 390 D132 So Peay SP Bri Ta. (1) 32813677 Fax) 2012000 sions com br per marinfnteconbr Indice Agradecimentos VIE Preficio dos organizadores da obra IX Introducéo por Clare Winnicott XI PRIMEIRA PARTE Criangas sob estresse: experiéncia em tempo de guerra Introdugdo dos organtzadores da obra. 3 1, Evacuagéo de criancas pequenas 9 Carta ao British Medical Journal (1939) 9 Criangas e suas mées (1940) 11 2 Resenha sobre The Cambridge Evacuation Survey (1941) 19 3. Criangas na guerra (1940) 23 4. A mae separada do fitho (1939) 31 5. A crianca evacuada (1945) 41 6 O regresso da crianga evacuada (1945) 47 7. De novo em casa (1945) 53 8. Tratamento em regime residencial para criangas dificeis (947) 59 9. Alojamentos para criancas em tempo de guerra e em tempo de paz (1948) 81 SEGUNDA PARTE Natureca e origens da tendéncia anti-social Introdugao dos organizadores da obra 89 10. Agresstio e suas ratzes 93 Agressio (e. 1939) 93 Raizes da agressdo (1964) 102 11, O desenvolvimento da capacidade de envobsimento (1963) 111 12.4 auséncia de um sentinento de culpa (1966) 119 13. Alguns aspectos psicolbgioos de delingiéncia juvent 1940) 127 14.4 tendéncia anti-social (1956) 135 15. pstcologia da separagio (1958) 149 16, Agressdo, culpa e reparacao (1960) 183 17, A uta para superar depressbes (1963) 163 18, A juventude nao dormiré (1964) 177 TERCEIRA PARTE O suprimento social Inirodugdo dos organizadores da obra 183 19. Correspondéncia com um magisirado (1944) 185 20. O alicerce da satide mental (1951) 191 21. A crianga desapossada ¢ como pode ser compensada pela falta de vida familiar (1950) 195 22. Influéncias de grupo e a crianga desajustada: 0 aspecto es- “colar (1955) 215 23. A perseguigiio que niio houve (1967) 227 24. Comeniérios sobre o Report of the Committee on Punish- ment in Prisons and Borstals (1961) 229 25, Dario as escolas progressistas excesso de liberdade 4 crianca? Contribuigéo para a conferéncia em Darlington Hall (1965) 237 Apontamentos feitos no trem (1965) 242 26, Assisténcia residencial como terapia (1970) 249 QUARTA PARTE Inirodugio dos organizadores da obra 261 27, Variedades de psicoterapia (1961) 263 28, 4 psicoterapia de distirbios de eardter (1963) 275 29, Dissociagio revelada numa consulta terupéutica (1965) 291 Fontes originais dos artigos deste volume 321 Agradecimentos “A psicoterapia de distirbios de carater” © “O desenvolvimento 4a capacidade de envolvimento” constituem reimpressdes de The Maturational Processes and the Facilitating Environment, com permissio da Hogarth Press, Londres ¢ International Universities Press, Nova York. “A tendéneia anti-social” € reimpressio de Through Paediatrics to Psychoanalysis, com permissio de Ho- garth Press, Londres e Basic Books, Nova York Preficio dos organizadores da obra Ao selecionar 0s artigos para publicagdo neste volume, nosso obje- tivo foi apresentar as idéias de Donald Winnicott de um modo que tenha valor pritico e constitua leitura agradivel. Entre os artigos ha alguns até agora inéditos, outros que s6 foram éivulgados em revis- tas especializadas ou de dificil acesso ao grande piblico. Além isso, por uma questio de clareza ¢ integridade, foram incluidos alguns artigos muito conhecidos, extraidos dos préprios livros de Winnicott. As alteragdes dos artigos inéditos foram reduzidas deli- beridamente ao minimo, embora estejamos certos de que 0 proprio autor teria gostado de revé-los antes de apresenti-los ao pblico, ‘Tudo isso significa que inevitavelmente haveri uma certa repeti- 40, 0 que, no entanto, nos parece um preco insignificante a ser pago para podermos apresentar as opinides de Winnicott sobre a questio como um todo. Londres Clare Winnicott Margo de 1983 Ray Shepherd Madeleine Davis Introdugéo por Clare Winnicott Nao parece exagero dizer que as manifestagdes de privado & detingiiéneia em sociedade constituem uma ameaga tio grande ‘quanto a da bomba nuclear. De fato, certamente existe uma cone xo entre o$ dois tipos de ameaga, uma vez. que, assim como au- menta o elemento anti-social na Sociedade, também © potencial destrutivo no seio da sociedade atinge niveis mais altos de perigo. "Neste momento, lutamos para impedir que esse nivel de perigo se leve e precisamos mobilizar todos os recursos possiveis para essa tarefa, Um recurso sera, indubitavelmente, © conhecimento ad- quirido por quem teve de enfrentar os problemas de privagio & delingigncia, assumindo a responsabilidade por casos individuais. Donald Winnicott foi uma dessas pessoas, tendo sido levado a ssa condigio pela Segunda Guerra Mundial, quando foi nomea- do Psiquiatra Consultor do Plano de Evacuagao Governamental numa fea de recepeo na Inglaterra. Embora as circunstincias em que Winnicott se encontrava ‘ossem anormais por ser tempo de guerra, os conhecimentos ob- tidos a partir dessa experiéncia t8m aplicagio geral, porque as criangas. que softem privagdo e se tornam delingientes tém pro- blemas basicos que se manifestam de modos previsiveis, sejam quais forem as circunsténcias. Além disso, as riangas que passa- vam a responsabilidade de Winnicott eram aquelas que necessita- vam de providéncias especiais porque niio podiam ser instaladas em lares comuns. Em outras palavras, jé estavam em dificuldade Xu _____ Priva delingioncia ‘em seus proprios lares, antes da guerra. A guerra foi quase secun- «daria para clas, quando nao positivamente benéfica (e isso nfo foi raro), na medida em que as removeu de uma situagao intoleravel, colocando-as numa situacdo em que poderiam encontrar ~e 1re- lientemente encontraram ~ ajuda e alivio. ‘A experigncia de evacuagio teve um efeito profundo em Winnicot,, pois teve de enfrentar, de um modo concentrado, a confusdo gerada pela desintegrago maciga da vida familiar, ¢ teve de viveneiar 0 efeito da separaydo e perda ~ e da destruicdo & ‘morte. As reagies pessoais sob a forma de comportamento bizar- 10 ¢ delinglente tiveram de ser controladas, cireunscritas e gra- ualmente compreendidas por Winnicott, trabalhando com uma eequipe local. As criangas com quem ele trabalhou tinham chega- do ao fim da linha; no tinham mais para onde ir, e como man- {@-as tornou-se a principal preacupagio de todos os que tentavam ajudé-las. ‘Até aquele momento, a atividade profissional de Winnicott concentrara-se na pritica clinica em contexios hospitalares e no exercicio clinico privado, em que adultos responséveis por erian- ‘gas as levavam para consulté-lo. No inicio, a0 desenvolver sua ex- periéncia clinica, cle evitara ao maximo, deliberadamente, assu- mir easos de delingiiéncia, porque o hospital ndo dispunha dos re- cursos necessérios para lidar com eles ¢ o proprio Winnicott ndo se sentia preparado para se desviar para esse campo de trabalho, que exige muita disponibilidade de tempo, além de habilidades ¢ instalagdes que ele ainda nio tinha, Achava que devia, primeiro, aadquirit experiéncia no trabalho com pais e eriangas comuns, em seu contexto familiar e local. Essas criangas, em sua maioria, po- diam ser ajudadas, evitandlo-se que sofressem maior deterioragiio psiquidtriea, ao passo que as criangas que haviam entrado na de- lingtigncia necessitavam de mais do que mera assisténcia clinica. ‘Apresentavam um problema de cuidados e manutengao. Quando eclodiu a guerra, Winnicott nao péde continuar evi- tando a questo da delingiiéncia © assumiu deliberadamente a Consultoria de Evacuagio sabendo o que o esperava, e que toda uuma nova yama de experiéncias teria de ser enfrentads Sua expe- rigncia clinica teria de ser ampliada para incluir aspectos de cui- dados € manutengao. Inirntgia por Clare Wianicot XH Pouco depois do inicio do plano de area para a qual Winni- cot fora nomeado, juntei-me & sua equipe como assistente social psiquidtrica e administradora dos cinco “ares” para criangas que «erat perturbadas demais para serem colocadas em casas de fami- lias comuns. Percebi que a minha primeira tarefa era tentar criat uum método de trabalho para que todos nos, inclusive Winnicott, pudéssemos aproveitar ao maximo suas visitas semanais. Os mem- bros da equipe que viviam nos “lares” recebiam 0 impacto pleno dda confusio e desespeto das criangas e dos problemas de compor- tamento resultantes. Pediam para serem instruidos sobre 0 que fazer ¢ freqiientemente solicitavam, desesperidos, ajuda sob a forma de instrugdes precisas. Levou tempo para aceitarem 0 fato dde que Winnicott nao assumiria ~e, de fato, nfo podria assumir esse papel, uma vez que no estava, como eles, permanente- mente disponivel ¢ envolvido nas situagdes da vida cotidiana Gradualmente, foi reconhecido que todos nés deviamos assumir a responsabilidade por fazer 0 melhor que pudéssemos com cada crianga nas situagdes que surgian no dia-a-dia. Depois refletia- :mos sobre 0 que fora feito ¢ discutiamos os casos com Winnicott, com a maior franqueza possivel, quando ele nos visitava, Acabou sendo uma boa forma de trabalho, e a ‘inica possivel naquelas cit- cunstdncias. Essas sesses eram 0 ponto alto da semana e consti- tuiam inestimaveis experiéncias de aprendizagem para todos nés, inclusive para Winnicott, que mantinha um registro cuidadoso da situago de cada crianga, e dos estresses infligidos aos membros dda equipe. Seus comentarios eram quase sempre em forma de per- juntas que ampliavam a discuss ¢ nunca violavam a vulnerabi- lidade de cada membto. Apds essas sessdes, Winnicott ¢ eu tentd- ‘vamos chegar a uma conclusio sobre o que se passava, com base na grande quantidade de detalhes que nos eram fornecidos, ¢ ela- borivamos algumas teorias provisorias @ respeito, Era uma tarefa totalmente absorvente porque, mal uma teoria finha sido formula- da, ja tinha que ser abandonada ou modificada. Além disso, 0 cexereicio era essencial para mim, porque durante a semana eu era uusada como caixa de ressonincia pelos encarregados da adminis- tragiio dos “lares”, e como suporte a qualquer momento em que ‘ocorressem situagdes dificeis. Minha funcao, rortanto, implicava alertar o administrador responsavel pelo plano quando era neces oe _— Priva edelingiincia siirio assumir riscos que podiam levar ao desastre, e informar ‘Winnicott sobre o que estava acontecendo. ‘Nao hé dtivida de que trabathar com criangas desapossadas ddeu uma dimensio inteiramente nova ao pensamento de Winni- cot e & sua pritica, ¢ afetou seus conceitos basicos sobre cresci- ‘mento ¢ desenvolvimento emocionais. Cedo suas teorias sobre as pulsdes que estdo por trés da tendéncia anti-social comegaram a tomar forma © a ser expressas. Seu pensamento influiu sobre aquilo que, na realidade, ocorria nos “ares” e sobre 0 modo como as ctiangas eram tratadas por cada membro da equipe, ¢ os resul- tados eram sempre cuidadosamente anotados por Winnicott. Os cadernos de notas referentes aos “lares” ainda existem e mostram © cuidado de suas observagdes ¢ a atengiio que dava aos detalhes, Gradvalmente, novas abordagens 2 atitudes foram sendo estabe lecidas, e tentativas foram sendo feitas para se chegar & inocéncia que estava por tris das defesas ¢ dos atos delingiientes. Nio houve milagres mas, na medida em que as crises eram enfrenta- das, que se conseguia passar por elas em vez de reagir a elas, era possivel aliviar a tensio ¢ renovar a confianga e a esperanca, ‘Afinal eu acabei me tornando a pessoa que integrava o traba- Iho desenvolvido, por ser quem titha condigées de estar em con- tato didrio com o pessoal e as criangas nos “lares”. Também con- siderei essencial manter comunicagdes abertas e o mais claras possivel entre todos os envolvidos no plano, membros da comis- sto, administradores das autarquias locais, pais das criangas ¢ 6rgios piblicos envolvidos. Desse modo, umn amplo setor do pie blico mantinha-se informado sobre o efeito da separagiio e perda sobre as criangas, ¢ sobre 2 natureza complexa da tarefa de aju- di-las. Foi a divulgagio desse tipo de conhecimento diretamente das reas de evacuagao para todo o pats que finalmente propiciow 0 impulso para o estabelecimento de uma comissio estatutéria de inquérito sobre assisténcia a criangas separadas de seus pais (a Comissio Curtis), e acabou levando a um evento decisivo da hi téria social do pais: 0 Children Act, de 1948, Winnicott e eu pres: tamos depoimentos escritos e orais Comissio Curtis. Quanto 2o préprio trabalho, Winnicott era a pessoa que o fa- ia funcionar, Era. figura central que reunia e integrava as expe- rincias de todos nds, ¢ hes imprimia um sentido e um significa- Imrodugdo por Clare Winnicott xv do, ajudando assim os membros da equipe que viviam com as ceriangas a manterem sua sanidade no mundo subjetivo e bizarro ‘das ctiangas, em que viviam por longos periodos de cada vez. Para nés, uma das ligées importantes. aa experiéncia como um todo foi de que atitudes no podem ser ensinadas com palavras, no podem ser “captadas” unicamente por assimilagdo em rela- ‘es vivas. ‘Tém-me perguntado com freqiiéncia: “Como era trabalhar com Winnicott?” Sempre evitei responder, mas acho que diria algo assim: era estar numa situagdo de completa reciprocidade, «em que dar € receber ndo se distinguiam, em que os papéis € res- ponsabilidades eram pontos pacificos ¢ jamais disputados, Nisso se baseava a seguranga ¢ liberdade necessérias para que 0 traba- Iho criativo emergisse do caos e da devastagio da guerra. giram em muitos niveis, proporeionando satisfacao a todos n6s ue participamos nesse trabalho. Descobrimos novas dimensdes em nds mesmos ¢ nos outros. As nossas potencialidades foram realizadas e levadas 20 seu limite, de modo que novas capacida- des surgiram. Trabalhar com Winnicott era isso. Os artigos incluidos nesta coletinea apresentam-se numa seqiléncia natural, comegando pelos que foram escritos sob a pressio do envolvimento elinico de Winnicott na guerra e descte- vem os efeitos da destituigio, tal como ele os vivenciou. Se- guem-se artigos que refletem suas idéias sobre a natureza © as origens da tendéncia anti-social, A terceira segdo & dedicada ao tipo de disposigdes sociais necessérias ao tratamento de eriangas delingtientes; ¢, finalmente, apresentam-se trés artigos sobre te- rpia individual e seu uso no trabalho com eriangas que sofreram privacao, Embora estes eseritos sejam de interesse historico, ndo per- tencem a historia mas ao encontro onipresente entre os elementos anti-sociais na sociedade e as forgas da satide ¢ da sanidade que se onganizam para corrigit e recupetar 0 que se perdeu. A com- plexidade desse encontro é inestimével. O ponto de interagao en- fre os que prestam ¢ os que recebem cuidados & sempre 0 foco para a terapia neste campo de trabalho, ¢ requer atengdo e apoio constantes dos especialistas envolvidos, bem como o suporte es clarecido dos administradores responsaveis. Hoje, como sempre, Privagie dlingiéncia 1 questo pritica é como manter um ambiente que seja suficien- temente humano, ¢ suficientemente forte, para conter os que pres- tam assisténcia e-95 destituidos e delingientes, que necessitam sesperadamente de cuidados e pertencimento, mas fazem o possi vel para destrui-los quando os encontram, Primeira Parte Criangas sob estresse: experiéncia em tempo de guerra Introdugao dos organizadores da obra Os distirbios de comportamento, ou 0 que Winnicott desig- nou freqiientemente por distirbios de carster, foram por ele con- siderados como as manifestagdes clinicas da tendéncia anti-so- cial. Variam desde a gula ea enurese noturna, num extremo da es cala, até as perversies € todos os tipos de psicopatias (exceto a lesio cerebral), no outro extremo. A atribuigdo das origens da ten- déncia anti-social & privagio mais ou menos especifica durante a Infancia do individuo deu toda uma nova dimensio a teoria de desenvolvimento emocional de Winnicott a teoria que ele pro- prio descteveu como a espinha dorsal de seu trabalho dacente © clinico. A Segunda Guerra Mundial, para Winnicott, foi um divisor de ‘4guas sob muitos aspectos, mas talvez em nenhum tenha sido mais, cevidente do que na ampliaglo e florescimento de sua teoria do de- senvolvimnento em algo verdadeiramente originale verdadeiramen- te seu. Pouca diivida pode haver de que 0 seu contato, durante a guerra, com criangas desapossadas contribuiu muito para isso, Até essa época, a teoria psicanalitica tinha, de modo geral, auribuido a delingiiéncia e a eriminalidade A ansiedade ou culpa resultante de inevitivel ambivaléncia inconsciente: quer dizer, eram consideradas como fruto do contlito surgido quando o dio (©. portanto, 0 desejo de destruir) se dirige contra uma pessoa ama- dda e necessiria. A idéia basica era de que quando a culpa se acu- mula ¢ no encontra safda na sublimagao ou reparagio, algo tem é - Priva edelingtncia que ser feito, ou atuado (acted ou), para que 0 individuo se sinta culpade disso. Em outras palavras, a etiologia da delingiiéncia era vista principalmente em termos da luta que se trava no mundo in- terior, ou psique, do individuo. Quando, na década de 1920, Winnicott comeyou a usar a teoria psicanalitica para ajudé-lo nos casos que apareciam em sua clinica pediitrica, e mais tarde a escrever sobre esses casos, d ‘xou bem claro acreditar que muitos sintomas de infantilidade, i cluindo os distirbios de comportamento, tinham sua origem ne ses conflitos inconscientes. Nao obstante, embora sem diivida aqui se enfatizasse de faro 0 mundo interior da crianga, € interes- sante notar que em fragmentos de historias de casos com que ilus- trava suas conferéncias e artigos, Winnicott parecia, com freqiién- cia, considerar decisivo um fator ambiental. Um exemplo é Vero- nica, que com ano ¢ meio passou a “molhar a cama” todas as noi- tes, depois de sa mae ter passado um més no hospital; ou Ellen, que cometia roubos na escola e cuja familia se desfez quando ela finha um ano; ¢ Francis, cujos episédios violentos estavam liga- dos a depressio de sua mie, Percebe-se 0 senso comum subjacen- te ao relato dessas histérias ~ 0 conhecimento comum, que Se es- tende ao longo da historia, da necessidade de um ambiente segu- roe estvel durante a infancia, Durante alguns anos antes da guerra, John Bowlby, outro psi- canalista, tivera também a oportunidade de estudar os anteceden- tes de eriangas perturbadas, encaminhadas & Child Guidance Clinie {Clinica de Orientagdo Infantil] onde ele trabalhava, Num estudo formal de 150 criangas com varios problemas, ele descobrira um vinculo direto entre roubo ¢ privagdo — em particular a separagio da mae nos primeiros anos da infancia’, Isso & discutido na carta que inicia esta sega. Assim, 0 caminho estava preparado, por assim dizer, para as experiéneias de Winnicott durante a guerra, as quais, como des- creveu Clare Winnicott na Introdusdo deste livro, evidenciaram 1. J. Bowlby, “The Influence of Eady Environment in the Development ‘of Neurosis and Neurotic Character", no International Journal of Psycho- Analysis, 21, 1940, Crancas sob estresse: eperinciaem tempo de guerra de maneira quase esmagadora o vinculo entre privaglo e delin- iiéncia. Winnicott, entretanto, nunca perdeu de vista a compreen- sto mais profuanda desses problemas, possibilitada pela psicanli- se. Entre outras razSes, algo eta (c &) certamente necessério para dar nexo a aparente irracionalidade do comportamento delin- dliente, sua rigidez de padrdes e a sua compulsividade, que pode fazer com que 0 perpetrador parega louco até a seus proprios olhos. Assim, a teoria psicanalitica uniu-se a observagio e a ex- periéncia pritica, ¢ emengiu nos entinciados que encontraremos na segunda parte deste volume. A Primeira Parte trata das experiéneias de Winnicott na guerra «© comega com a carta jé mencionada, escrita por Bowlby, Winnicott € Emanuel Miller, assinalando os perigos da evacuagao das cida- des de eriangas com menos de cinco anos. Segue-se um artigo titulado “Criangas ¢ suas mies” (1940), mostrando os efeitos da separacdo do ambiente familiar e da mae em duas dessas eriangas, evacuadas. O segundo capitulo ¢ a resenha de um livro que con- tém um levantamento estatistico dos problemas de eriangas eva- ‘cuadas para Cambridge, sob a responsabilidade de professoras primatias, escrito em 1941. Nessa altura, Winnicott passara a con- siderar a evacuacio, como tum todo, como uma “historia de tragé- dias”, embora elogiasse muito as professoras que tinham de cui- dar das eriangas, Mais uma vez, o trabalho de Bowlby fornece a classificagio de anormatidades que orientou a pesquisa Esses trés artigos tém em comum um ponto de vista que ad- uitiu, subseqiientemente, ampla aceitagiio entre profissionais. a saber: quando é sofrida uma perda, seré de esperar uma indica- ao manifesta de afligio c, quando tal reagdo nio ocorre, pode haver um distirbio de tipo mais profundo. A carta chama a aten- io para o valor da capacidade de luto— que & a teagtio madura & perda. (O proceso de luto & descrito no artigo intitulado “A psico- logia da separagio”, na Segunda Parte.) £ claro, porém, que a Cam- bridge Education Survey encontrou outras reagtes, menos madu- ras, incluindo um certo grau de comportamento anti-social, nfo raro entre criangas em idade escolar. Quando Winnicott, em 1945, fez suas palestras radiofSnicas para pais e pais adotivos (“A crianga evacuada” e “De novo em casa”), ja foi possivel discernir que ele atribuia um valor psicolégico positive ao comportamento Privagioe delngiincia anti-social em criangas, como uma reagdo tanto a perda de pes- soas que sio amadas quanto a perda de seguranea, desde que isso Fundamentasse uma resposta pessoal adequada por parte daqueles que as tém a seu cargo. Essa idéia esti no amago da teoria da ten- déncia anti-social, de Winnicott, ¢ também era inerente a todo 0 seu trabalho clinico, pois susteniava que o individuo que softe € 0 ue mais facilmente pode ser ajudado, Exceto os dois primeiros capitulos, o restante da Primeira Parte consiste em palestras que originalmente formavam uma seco do livro de Winnicott, The Child and the Outside World (A crianga € (© mando externo), esgotado hi muito tempo. A seco inttula- va-se “Children under stress” (Criangas sob estressc), ¢ mantive- ‘mos aqui esse titulo. Comega com uma palestra para professores sobre como o fato de ouvir os boletins de guerra afeta criangas de diferentes idades c tipos, e podemos ver aia insisténeia de Winn cott em que o mundo interior de cada crianga precisa ser levado em conta, Seguem-se quatro palestras radiof¥nicas, transmitidas pela BBC, sobre a evacuagio: a primeira, proferida em 1939, so- bre a dor da mie por perder o filho pequeno e suas apreensdes sobre 0 que a crianga estard vivendo longe de casa; a segunda, de 1945, para pais adotivos, a respeito do papel essencial que de- sempenharam na evacuagao (esta foi, na verdade, a tinica vez. em que Winnicott se dirigiu especificamente a pais adotivos); © as otras duas, também de 1945, dedicada aos pais, e sobre eles, abor- dando os problemas ¢ as alegrias diante do regresso dos filhos para casa. Talvez seja especialmente nessas palestras radiofon cas, com sua linguagem clara e vibrante, que se revela a profi dade da comprecnsio que Winnicott tem dos sentimentos dos en- volvidos em separagdes dolorosas, Os sentimentos nao s6 sao compreendidos como também respeitados, de um modo que deve ter proporcionado alivio a muites de seus ouvintes. ‘Temos finalmente dois artigos, umm escrito em 1947 e outro «em 1949 sobre 0 desenvolvimento de “lares” ou alojamentos para as criangas cuja manutengdo apresentava problemas maiores, que tum lar adotive nfo poderia ccmportar. Verificou-se que estas ram criangas que jé haviam sofiido privagdo antes de serem eva- ‘cuadas, © primeiro desses artigos conta a histéria fascinante do desenvolvimento do programa de “ares”, em decorréncia de uma CCrianpas sob esreseesperénciaem tempo de grra z necessidade to urgente, que houve uma determinagdo obstinada em satisfazé-la. E, em linhas gerais, a historia de um sucesso ~ ‘embora os sucessos em tais empreendimentos sejam sempre ne- cessariamente relativos —e deverd interessar a todos aqueles que tém contato com algum dos muitos “lares” eriados desde a guer- +a para satisfazer a uma grande variedade de necessidades, O tilti- ‘mo artigo recomenda com insisténcia que o programa de “ares” desenvolvido durante a guerra continue tendo lugar em tempos de ‘paz, no tratamento de eriangas dificeis 1, Evacuagdo de criangas pequenas CARTA AO BRITISH MEDICAL JOURNAL (16 de dezembro de 1939) Senhor: A evacuagao de criangas pequenas, entre 2 e 5 anos de idade, envolve sérios problemas psicoldgicos. Tem-se pensado em planos de evacuagio, e antes que se completem desejamos ‘chamar a atengdo para esses problemas. A interferéncia na vida de uma erianga pequena implica pe rigos que quase nio existem no caso de criangas mais velhas. A evacuacaio de criangas mais velhas tem sido suficientemente bem- sucedida para mostrar, se j4 niio se soubesse antes, que muitas criangas acima dos 5 anos podem suportar a separagio do lar © até beneficiar-se disso. Disso niio se pode concluir que a evacua- Gao de criangas menores, sem suas mies, possa ter 0 mestno éxito ou seja isenta de perigo. Entre as muitas pesquisas realizadas sobre o assunto, pode- ‘mos citar uma investigacdo recente levada a efeito por um de nds, na Child Guidance Clinic de Londres. Ela mostrou que um im- portante fator externo na causagao de delingiiéncia persistente éa separagao prolongada de uma crianga pequena de sua mie. Mais de metade de uma série estatisticamente vilida de casos investi- sgados softera separacao da mae e do ambiente familiar por perio dos de seis meses ou mais, durante os primeiros cinco anos de vvida. O estudo de histérias de casos confirmou a inferéncia esta- 0 pe Private dtingiincia tistica de que a separagdo, nesses casos, foi um fator etiologico notivel, Além da anormalidade flagrante representada pela delin- aiiéncia crOnica, também distirbios moderados de comportamen- to, anciadade e tendéncia para doengafisica indefinida podem ser freqlientemente atribuidos a tais perturbagées do meio ambiente «a crianga pequena, ea maioria das mies reconhecem isso, na me- ida em que se mostram relutantes em deixar os filhos por mai do que periodos muito curtos. E bem possivel, para uma crianga de qualquer idade, sen- ttr-se triste ou perturbada ao ter que deixar o lar, mas 0 que de- sejamos sublinhar € que, no caso de uma erianga menor, essa ex- periéncia pode significar muito mais do que a experiéncia real de tristeza, Pode, de fato, equivaler a um blackout emocional © levar facilmente a um distirbio grave do desenvolvimento da personalidad, distirbio esse que poderi persistir por toda a vida, (Orffios ¢ eriangas sem lar iniciam suas vidas como tragé- dias, ¢ nfo estamos tratando dos problemas de sua evacuago nes- ta carta.) sses pontos de vista sio fregilentemente contestados por as- sistentes em ereches diurnas e alojamentos ou “fares” para crian- «8, que falam do modo extraordinério como criangas pequenas se acostumam a uma nova pessoa e parecem muito felizes, 20 Passo que outras, um pouco mais velhas, com freqiiéncia mos- tram sinais de afligdo. Isso pode ser verdade mas, em nossa opi- nido, essa felicidade pode facilmente ser iluséria. Apesar dela, 6 freqiiente as eriangas no reconhecerem suas mies, ao voltarem para casa, Quando isso ocorre, verifica-se que houve um dano ra- dical ¢ o cariter da crianga foi seriamente deformado. A capaci- dade para sentir © expressar tristeza marca um estigio no desen- volvimento da personalidade e da capacidade de uma crianga para estabelecer relagdes sociais, Se estas opinides esto corretas, segue-se que a evacuagiio de criangas pequenas sem suas miles pode conduzir a distirbio Psicol6gico sério e de amplo alcance, Por exemplo, pode levar a ‘um grande aumento da delingiiéncia juvenil na préxima década, Muito mais pode ser dito a respeito desse problema, com base em fatos conhecidos. Por meio desta carta desejamos apenas u Coeur crete = chamar a atengdo daqueles que esto investidos de autoridade para a existéncia do problema, Subscreverno-nos, et, John Bowlby Emanuel Miller D.W. Winnicott Londres WI CRIANGAS E SUAS MAES. (Escrito para The New Era in Home and School, 1940) Numa carta de uma funcionaria piblica que muito tem feito por criangas pequenas, encontro este trecho: .. a partir de 15 ‘anos de experiéneia, estou convicta de que, para criangas de 2 a 5 anos, as escolas maternais com professoras adequadamente trei- nadas ~ ¢ em nimero suficiente ~ sio muito preferiveis a que a crianga esteja com sua mae... dos 2 a08 5 anos elas necessitam de ‘cuidados e companhia, ¢ a maioria das mies pode dar em excesso ‘uma coisa ou outra, ou ambas...” Sera isso verdade? Nunca seré demais estudar em profundidade a questo das relagGes entre a crianga ¢ a mie, ¢ 0s problemas relacionados com ‘2 evacuagdo podem ser utilizados com proveito na medida em ‘que nos forgam a tum estudo ainda mais acurado c minucioso. 0 assunto é amplo, mas certos fatos se destacam com muita clareza; um deles € que quanto menor for a erianga, maior seré.o petigo de separi-la de sua mi Existem duas maneiras de enunciar isso, as quais, & primeira vista, parecem muito diferentes uma da outra. Uma é quanto mais jovem for a crianga, menor serd sua capacidade para manter vviva em si mesma a ideia de uma pessoa; quer dizer, se ela nio vir uma pessoa, ou no tiver provas tangiveis de sua existéncia em x ‘minutos, horas ou dias, essa pessoa estaré morta para ela. Um menino de 18 meses s6 era capaz de tolerar a ausén- cia do pai porque podia pegar um postal ue o pai the enviara, ‘no qual tinha escrito algum sina familiar, e o menino chorava agarrado ao postal, todas as noites, até cair ao sono. Alguns fe - Priva e delingtincia ‘meses antes nem isso podetia ter feito, € 0 pai, ao regressar, teria sido como alguém que ressuscita dentre os mortos. A outra maneira de dizer isso nada tem a ver com a idade, ‘mas sim com a depressio. Pessoss depressivas de qualquer idade tém difieuldade em manter viva a idéia daqueles a quem amam, talvez até quando estio vivendo com cles no mesmo quarto. Seria desnecessirio tentar aqui ligar essas duas maneiras de expressar a mesma coisa. Pais no instruidos podem reconhecer intuitivamente a im portdncia dessa ¢ de outras qualidades humanas semethantes; no entanto, autoridades responséveis por algo to grande como a eva- ‘cuagiio de criangas so capazes de negligencié-las Esereve um pai comum, da classe trabalhadora: “Estou respondendo em ome de minha mulher @ sua car~ ta de 4 de dezembro. Bla foi evacuada para Carpenders Park com John (de 5 anos) e seu irmio cagula, Philip, Diz ela que John parece estar muito feliz e saudavel. Vejo-0s todos os fins de semana e John parccia inteira- mente satisfeito até recentemente. Agora insiste em querer ver 4aV6, isto €, minha mae. Ela foi evacuada para Dorsct mas po- deri regressar num futuro préximo, Prometi-lhe que veria a v6, se e quando cla regressasse.” Eis as anotagées de uma consulta hospitalar, datada de 12 de dezembro, durante a qual sc apresenta a opiniio expressa de uma mae londrina da classe trabathadora, ‘Tony Banks: Idade, 4 anos e 6 meses, A sra, Banks trouxe Tony e sua irma Anne, de 3 anos, tmostrando-se satisteita por eu ainda estar disposto a compar. tilhar com ela a responsabilidade por decisées, apesar de o hos- Pital tee fechado. A principal decisio, no momento, ¢ a respeito da evacuagaio. Ela e as duas criangas foram para Northampton 0 eclodir a guerra, Sentiam-se infelizes, num pequeno aloja- ‘mento, onde tinham que dormir os trés na mesma cama Nes sa cidade nao tinham muito mais do que em casa e sentiam ter todas as desvantagens da evacuacao e nenhuma de sues van- tagens. Apés 15 dias, mudaram para um alojamento mais sa- tisfatbrio, s6 que Tony fica na cama com a mée, Anne tem seu. proprio bergo. Quando o pai os visita, dorme na cama com a mulher e 0 fitho. A familia Banks & muito feliz. O pai c os flhos se gostam ‘muito, O sr. Banks teve uma infincia feliz, filho tinico de uma ‘mae muito afetuosa. A sta. Banks tinha cinco irmaos © sua inffineia foi bastante feliz, s6 que teve um pai muito rigoroso, ‘Acha que realmente s6 soube o que era a verdadkira felicidade depois de casar, quando passou a se dedicar totalmente a0 ma- rido ¢ a0s filhos. Sente que este & um periodo importante de sua vida, pois as criangas so pequenas e respondem muito a cada detalhe dos, ccuidados que recebem. O seu problema, portato, é evitar per- der 0 que ela acha 0 melhor da vida, por medo de algo que tal- ‘vez nunca acontega. Considera que seria logico sar de Londres por alguns meses, mas nao por trés anos. Ela e 0 marido tm. necessidade um do outro, tanto do ponto de vista sexual quanto da amizade, 0 st, Banks visita-os todos os fins de semana, embora em razo disso Ihe sobre exatamente um xelim do sa ltio para seus gastos pessoais: no bebe nem fuma, ¢ nio se sente infeliz por isso. A sra. Banks diz.que & preciso ele ir vé-los, ‘uma vez por semana porque as eriangas so pequenas ¢ se 0 ai ficar fora por mais tempo elas se impacientam ou, pior ‘ainda, esquecem, Certa vez, ost. Banks teve de entrar depressa xno trem € Tony disse: “Papai ndo me acariciow bastante antes de ir embora”, e comegou a chorar sentido. O st. Banks tam- ‘bém fica perturbado se nfo vé a familia regularmente As criancas fazem muitas perguntas: “Onde esté Nanny?” (€a.avé materna), “Onde est Auntie?” (a titi), de modo que asta. Banks decidiu levé-los para visitar 0s parentes durante uma semana, Deu certo, mas a sra. Banks acha que, se tives se demorado mais para fazé-lo, as eriangas teriam ficado con- fusas ¢ ndo teriam sido capazes de refazer 0s contatos satisfa- toriamente. Todos estar de volta a0 alojamento, por soicita- “ Provagéoe delingéncia so especial, para passar juntos o Natal, mas cla acha prova- vel que logo depois do Natal, ponderadas todas as coisas, deci- dam voltar para casa. O alojamento é, obviamente, quase ideal, mas asta, Banks diz que, pot t-ais perto que esteja do ideal, ni a mesma coisa que o proprio lar. ‘Quando a interroguei a respeito de Tony ¢ do fato de ele dormir na cama com os pais quando o st. Banks 0s visitava, ela disse, primeiro, que Tony esti sempre dormindo e nunca tes- temunha coisa alguma. Diz que antes sempre o testa, falando ‘vom ele © assegurando-se de que esta profundamente adorme- ido, Depois, a sra. Banks disse que, certa ver, ele acordou — seu pai deve té-1o cutucado —e perguntou: “Mamae, por que 0 Papai esta se mexendo para cima ¢ para baixo?” e ela explicou: “Ora, ele esté apenas esfregando as pernas porque esté com ‘muito fio.” Entio Tony adormezeu de novo. Mas, durante 0 dia, cle fez muitas perguntas, principalmente a respeito da guerra, Tony diz & irma: “Fica quieta porque agora vém as noticias”, ¢ depois insiste em ouvir o noticirio e faz perguntas amie a respeito dos pontos que no entende. Por exemplo, quando um. navio afunda, como o pessoal do telégrafo fica sabendo que es- to indo para o fundo? O telegrafista vai para o fundo com 0 navio? Esse interesse pelas noticias implica, ¢ claro, que dia- riamente ele tenha informagoes sobre a morte de homens, ¢ som diivida a mac tem raziio quando liga o interesse dele pelas noticias ao interesse pelas relagbes sexuais com que é obrigado ‘lidar, pelo menos em sua fantasia, talvez conscientemente. Ao progresso de Tony no que se refere ao desenvolvimen- to intelectual corresponde sua inabilidade para vestir-se: in- capaz de fechar os botées da calga ou de amarrar os sapatos, © no consegue abrir a porta do banheiro. Também & muito Jento para comer, nfo 86 para pir a comida na boca como tam- bém para terminar de mastigar.: daquelas eriangas que retém comida na boca, mascando-a;as vezes, a mie acaba tendo de Ihe tirar um pedago de carne da boca, depois de cle ter ficado ‘mastigando uma hora ou mais. ‘Tony ea irma so felizes juntos, ¢ nfo querem nem ouvir falar em se separarem., Brigam quando estdo sozinhos, suas brincadeiras sto imaginativas mas tendem a girar em torno de Criangas sob esiresse: xperiéncia em tempo de guerra sal) assuntos concretos do dia-a-dia, como amblaneias ¢abrigos antiaéreos. Brincam de médico © mac, imitam familias tomando ch, seu jogo predileto & de médico e enfermeira, do que’ Tony

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